“João foi um pobre como nós, meu filho, e teve que suportar as maiores dificuldades numa terra seca e pobre como a nossa. Pelejou pela vida desde menino. Passou sem sentir pela infância, acostumou-se a pouco pão e muito suor. Na seca comia macambira, bebia os frutos do xiquexique. Passava fome e quando não podia mais rezava, e quando a reza não dava jeito ia se juntar a um grupo de retirantes, que ia tentar sobreviver no litoral. Humilhado, derrotado, cheio de saudade. E logo que tinha notícia da chuva pegava o caminho de volta, animava-se de novo, como se a esperança fosse uma planta que crescesse com a chuva. E quando revia sua terra, dava graças a Deus por ser um sertanejo pobre, mas corajoso e cheio de fé”. Personagem de Nossa Senhora em “O Auto da Compadecida” de Ariano Suassuna. Cena: Julgamento final, lá no céu, presidido por Jesus Cristo e tendo por Promotor Satanás e Advogada de Defesa, Nossa Senhora. Neste país ainda tem muitos atores reais, que passam fome também verdadeira. Garfo e faca não estão em seus vocabulários. Seus sonhos e futuros estão condenados pelo sistema corrupto, sem esperança.