NELSON SABE DE ONDE VENHO?
Nelson Freitas, você saiu de Mogi enquanto lá fiz a universidade. Você fez colégio militar e eu o serviço militar. Você se envolveu com teatro e na minha adolescência me meti num curso de teatro lendo “Morte e Vida Severina” de João Cabral de Melo Neto. Você é um grande ator e eu somente encenei uma pontinha em algumas peças dos grupos teatrais que fundei e dirigi. Você tem uma marcante história na TV Globo e eu somente uma brevíssima aparição com Fátima Bernardes. Sua grandeza e a minha pequenez artística são declarados elos de uma conexão. E você sabe de onde eu venho? Claro que não! Venho muito além de Amparo, SP. Venho muito além das fardas do exército que vesti em 67. Venho muito além da PUC de onde também você vem. Também venho muito além de ter conversado com alguns expracinhas já falecidos. Estes em geral somente lembrados por politiqueiros em períodos eleitorais. E esta é a questão central desta manifestação. Seu vídeo sobre a Canção dos Expedicionários é muito lindo, entretanto me convida para algumas ressalvas. A inicial trata da omissão da autoria que é de Guilherme de Almeida e Spartaco Rossi. Para muitos este fato é desprezível, tanto quanto se despreza a história deste nosso país.
Tomo a liberdade de traçar estas considerações, já que cantei este lindo hino inúmeras vezes durante o ano de 1967 sob o comando do Sargento Jari. Mas vamos mais além desta anotação. O VÍDEO DE NELSON Seu vídeo com a canção do Exército além de magistral interpretação no vídeo é um convite para sérias reflexões. O tom nacionalista, emotivo, chega a ser ufanista não por culpa tua, mas pelas circunstâncias que rodeiam nosso país. Cabe registrar que a Canção do Expedicionário não era de conhecimento dos soldados brasileiros que lutavam na Itália, pois só vieram a conhecê-la no retorno para nossas terras. A canção foi apresentada na Rádio Tupi de São Paulo em 1944, no programa “Canção do Expedicionário”, durante um concurso para a escolha da melhor canção de guerra. A premiada foi a obra de Guilherme de Almeida. O conteúdo da composição é de enaltecimento da brasilidade e da defesa da democracia na Europa, mas justamente naquele momento em que aqui vivíamos uma ditadura. Eis uma contradição. A luta dos nossos pracinhas contra o nazi-facismo e o comando ditatorial presente em nosso país. Duas ditaduras de direita. Outra contradição situa-se no amargo regresso dos expedicionários. Após chegando ao Brasil a maioria foi dispensada sem nenhum sistema de apoio e/ou reintegração à vida comunitária. Muitos entraram em processos de distúrbios mentais, com as rotulações do tipo „neurose de guerra‟. Então se a canção traduz valores nobres e de engrandecimento, já a realidade dos nossos praças não foi digna dos esforços, lutas, sofrimentos, carências, dores, perdas, mutilações, sequelas. “Você sabe de onde eu venho? É de uma pátria que eu tenho”
Mas naqueles tempos a pátria não revelou o mesmo valor que deveria ser dedicado aos atores da epopeia luta contra o nazismo nas terras distantes. Muitos dos engajados no contingente de 25.000 soldados eram totalmente inexperientes em rotinas militares, nem mesmo com cuidados com as roupagens, diante de armamentos velhos e ao retornarem foram lançados ao ostracismo, sem retaguardas desejáveis. E nos tempos atuais a pretensão de sensibilizar a população para outro tipo de luta parece algo evasivo ou difuso. A falta clareza na proposta, somada a provável falta de cuidado na interpretação da canção e do momento, pode muito bem sensibilizar adeptos do bolsonarismo, como também do lulismo, do malufismo, do evangelismo, dos fãs do pedetismo, do socialismo, do liberalismo, do extremismo e tantos outros ismos mais, que vão desde Cabral que está no Bangu, passando por algum Eduardo Cunha, ou até mesmo do Jefferson, o do Boy de Mogi e quem sabe até do caçador de marajás em parceria com algum Aécio; e assim a lista vai longe. DISTORÇÃO DA HISTÓRIA No ponto de vista histórico a canção não foi composta na Itália e muito menos decorrente dos papos entre os soldados brasileiros como já assentado anteriormente. Esta é uma distorção clara que não tem sentido de ser mantida. O apelo saudável para ações proativas em favor do país e do espírito comunitário creio encontrar enormes barreiras diante dos padrões comportamentais como o consumismo, o individualismo e o distanciamento digital. Cada vez somos mais um país pobre em leitura, na competência em interpretação de textos, na limitação do pensamento crítico e por outro lado com evidentes sinais de fanatismos diversos que vão desde crenças religiosas, perfis políticos nefastos, ideologias excludentes e até cenários nazifascistas em crescimento. Cada vez somos mais cheios de discursos hipócritas, mentirosos e deslavados.
Se, quando do envio das tropas para lutar contra o nazismo, em plena Segunda Guerra mundial, o governo de Vargas era populista, centralizador e ditatorial, a luta na Europa era justamente contra outro ditador. Por aqui nestes tempos de pandemia a credibilidade na classe política é cada vez mais um vírus que contamina também outras searas, como mais recentemente o exército, os meios de comunicação e até pastores. Se os pracinhas lutaram meses para tomar o morro Castelo, por aqui castelos de milicianos tomam conta de outros morros e favelas. Estamos diante de um caos que alimentam lideranças oportunistas, demagógicas, hipócritas, mentirosas, alguns até que não tem vergonha alguma de mentir descaradamente sem o temor de caírem suas máscaras. A única máscara ainda desejável e saudável é a contra a pandemia, pois até na história de nossos ex-pracinhas mascararam suas vidas com desprezo, exclusão e esquecimento. Placas comemorativas não revelam o frio e a fome nas terras italianas. Placas somente servem como máscaras metálicas para a tropa política mesquinha, sugadora do analfabetismo crônico que nos assola. Tanto assim que temos entre nós vítimas dóceis quem ainda adulam os „senhores do engenho politico‟. “Você sabe de onde eu venho? É de uma Pátria que eu tenho No bôjo do meu violão Que de viver em meu peito Foi até tomando jeito De um enorme coração” Fonte de consulta: Tese de Doutorado em História da Dra. Maria Elisa Pereira. https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-02022010135105/publico/MARIA_ELISA_PEREIRA.pdf
Amparo, 20 jun 2021 Tito, psicólogo