Nunca tive uma varinha de condão. Então sai e fui ao centro da cidade procurar por uma nestas lojas de 1,99. Que negação. Algumas atendentes nem sabiam de que se tratava. Voltei pra casa pensativo e assim resolvi fazer a minha própria varinha com um pedaço roliço de madeira. Não ficou lá estas coisas, mas dava pra quebrar o galho. E eis que então fiz aquele famoso gesto mágico das histórias infantis para treinar um pouco, né? Ah! Que treino que nada! Mal a varinha fez sua trajetória e me transportou para um lugar muito estranho. E eu diante de uns senhores engravatados, todos prontos para me ouvir. Eu, ainda com aquela vara de condão comecei a falar como uma matraca. Falei, expliquei detalhes, dei diversos exemplos e fazia gestos como que buscando convencer todos aqueles marmanjos para aceitarem as minhas ideias. Em certo momento um deles pediu licença e perguntou a razão da varinha de condão. Sem também entender disse-lhe que não sabia, mas que o principal estava na ponta da vara e não na vara. Ele ficou mais embasbacado e questionou novamente, agora sobre o que tinha na ponta. Daí lhe respondi que era uma energia invisível que transformava sonhos em realidades. Todos riram de mim, alguns até debochando. Um deles falou como podia um homem barbudo ainda acreditar em sonhos. Daí ele me ofendeu! Mas então falei que meus sonhos não tinham barba e nem mesmo idade, mas sim uma enorme vontade de mudar as histórias de muitas crianças e adolescentes. Disse-lhe em tom meio enérgico, como fazem em discursos, que não muito longe dali estavam milhares de sonhos sendo amortecidos pelas drogas, pela fome, pela falta de material escolar, pela falta de esgoto, pela falta de transporte público decente e conclui com mais um argumento gritando bem alto: - Falta um líder que tenha um olhar humanista para todos aqueles sonhos. Ao terminar esta fala se fez um silêncio glacial. Nem sei se o silêncio glacial é assim mesmo, mas pareceu ser. Um senhor que estava na primeira fila ficou em pé e quebrou o silêncio batendo palmas. Outro mais também. E assim aquela plateia de uns duzentos engravatados, todos em pé, me aplaudindo com um sorriso expresso. Fiquei emocionado, claro. Recompus-me e então falei:
- Senhores os vossos aplausos não são para mim, mas para a minha causa e só entendo que temos que torná-la real passando a ser a nossa causa. Mais aplausos e sem querer fiz a varinha de condão traçar aquele movimento tradicional e então tudo se transformou: o projeto “Uma Mensagem Pra Você” virou realidade com aprovação unânime daquela assembleia legislativa do estado. Cada escola pública estadual agora tinha que implantar seu polo com distribuição de mensagens, promovendo nas aulas a leitura e interpretação de frases, concursos de redação a partir de um pensamento inscrito, entre outros eventos. Uma escola, por exemplo, com seus 500 alunos, tinha sua rotina contaminada por mensagens na entrada, no refeitório, no sistema de som do recreio, nas portas das salas de aula, nos grafites que alunos faziam todo mês e tinha até um festival de rap com base nos pensamentos de famosos autores. Numa cidade com 10 escolas ao todo 10.000 mensagens eram compartilhadas mensalmente. Páginas na internet registravam manifestações dos alunos e professores. A competição entre escolas e cidades virou „febre‟ estadual com apoio da secretaria de educação. Um momento de intensa vibração era o festival de memorização que ocorria no final do mês, sábado à tarde, tudo em português, inglês, francês e até em alemão. A competição envolvia alunos, pais e professores, todos concorrendo a prêmios de patrocinadores e diplomas de condecoração. No final do bimestre havia o concurso do “Mister” e da “Miss Mensagem” conforme o determinado pelo desempenho nas páginas da internet. Alguns meses depois aquela lei estadual foi copiada por outros estados e o país virou, em pouco tempo, modelo mundial de integração dos paradigmas psicológicos: leitura-interpretaçãoreflexões-criatividade-interatividade e saúde emocional. Subitamente meu telefone tocou e nem prestei a atenção onde deixei a minha varinha mágica. Se alguém a encontrar por ai gostaria de tê-la de volta, pois tenho a pretensão com outros sonhos ainda. Amparo, 05/mai/2021 Tito, psicólogo