CLIC E LEIA "CULTO À PERSONALIDADE"

Page 1

CULTO À PERSONALIDADE

Político que nunca colaborou com o seu município recebe título de nobreza pago com seu dinheiro. Título de Mérito é concedido para agradar político, uma tentativa de conquistar verbas, conforme declaração de outro politiqueiro. Jovem da elite morre em trágico acidente e tem nome de rua indicado por vereador, agradando assim uma família tradicional. Ex-prefeito recebe condecoração por serviços prestados, mesmo contando com processos de corrupção e contas reprovadas pelo Tribunal de Contas. Jogador de futebol é recebido com pompas de autoridade em jantar promovido pelo prefeito. É outorgado título de mérito para Diretor de tv e o mesmo nem sequer vem recebe-lo. A entrega ocorre num domingo quando por acaso o ‘artista’ estava de passagem pela região.


Ex-prefeitos recebem Galeria de Fotos, mas os catadores de lixo ficam com a sucata.

Estas cenas, algumas com proposital ironia, servem para reflexões neste momento tão dramático na saúde pública, na economia e no bem estar geral. Repentinamente surgiu entre nós um fato sem nexo e sem plexo: uma Galeria de Fotos de Ex-prefeitos. Promover um ato deste tipo é lidar com o chamado CULTO À PERSONALIDADE que historicamente vai dos cenários comunistas, nazistas, fascistas, liberais, ditatoriais, religiosos, esportivos, artísticos, culturais e até nas relações sociais, nas favelas, nas milícias, no PCC, no Comando Vermelho e até no recém-formado que imprime um cartão com o título de ‘doutor’ sem doutorado. Cultura da ‘persona’ que não tem cor e nem geografia. O desejo de enaltecer a figura humana tem relação com o narcisismo. Em princípio este paradigma não tem nada de

imoral ou não significa presença de distúrbio mental. Até num simples ato de postar uma foto nas redes sociais estou projetando, mesmo que sem plena consciência, a busca


da atenção em relação à ‘minha obra de arte’: isto é a foto postada na qual a irreverência é revelada ao público.

McTito não sou!

O mesmo ocorre com este texto, pois escrevo sim tendo a consciência de ir ao encontro da atenção e do encantamento de leitores, muitos dos quais desconhecidos. Isto tem a ver com o “Ego” sendo massageado. Mas é claro que se quisesse ter milhões de curtidas e/ou milhões de seguidores não deveria usar esta estratégia, pois a leitura não é habilidade tão popular como, por exemplo, o funk. Se fosse uma espécie de McTito é provável que tivesse milhares de seguidores curtinho as minhas toscas produções de funk e desta forma então meu Ego iria explodir de fortes emoções a cada apresentação ou postagem. Mas não é este o caso aqui. Tanto os ‘Mcs’, os líderes populares e todos que arriscam na expressão de seus potenciais estão na mira do ‘culto à personalidade’. Os casos hipotéticos apresentados no início são típicas aplicações dos princípios deste culto. Seja por interesse individual e/ou coletivo a aculturação dos mitos é algo que merece observação atenta por parte do cidadão comum, para que o mesmo não se torne presa fácil e mais um na mansidão da massa de adoradores ou seguidores. “Sai petralha!” Um exemplo deplorável de cultura à personalidade está presente em algumas torcidas organizadas que em situações de tensão e combate esportivo vão às raias da violência mortal. O sujeito veste uma cor de camisa e pode ser alvo de agressão só porque não é a tonalidade favorável naquele grupo ou região. Uma cena derivada do culto ao mito, que é uma extensão da cultura à personalidade se revelou quando fui alvo, em pleno cruzamento na faixa de pedestre da Avenida Paulista, centro de São Paulo. Chegando ao ponto oposto da faixa o sinal abriu e eu dando já os passos na calçada fui alvejado com uma buzina de moto e um grito: “sai petralha”. Somente aí é que me dei


conta que havia o dia todo caminhado pela cidade com uma camisa vermelha, sem qualquer timbre ou emblema políticopartidário. Aquele berro ecoou fundo e gerou uma sensação de insegurança, pois poderia ali ou mais adiante ser abordado por outros berros e agressões por vestir vermelho. Mas e a Galeria de Fotos? A Galeria de Fotos é uma aberração sem qualquer lógica e senso de inteligência ao ser aprovada e criada em plena pandemia. Enaltecer figuras do passado, isto é ex-prefeitos, também não parece ser ação prioritária, só pelo fato de terem sidos prefeitos. Podemos questionar que eles foram pagos e bem pagos durante seus mandatos. Também há que se considerar que muitos já tiveram seus nomes indicados para escolas, ou ruas, ou creches, ou salas e etc. Então já homenageados por algo que foram também pagos, além das virtudes que os cargos públicos geram também pela prática do culto à personalidade, durante seus exercícios. Outro aspecto questionável é a supervalorização da função política, sempre remunerada a ponto de se tornarem cargos com alta demanda de candidatos interessados. Os egos dos políticos são ‘salivados’ com alta frequência e em nossa cultura à personalidade geram um contingente de fãs e fanáticos irrepreensíveis. Seus fãs não admitem o contraditório. O aplauso, a bajulação, o apoio incondicional, o tapinha nas costas são entre outras ações que fortalecem a cultura à persona. Quais benefícios geram tais cultos? Que resultado proativo irá trazer para a sociedade uma Galeria de Fotos de Ex-prefeitos? Alguns poderão dizer que é para enriquecer a história da cidade. Ou para valorizar o sentimento de cidadania. Ou para oferecer modelos através da lembranças daqueles que nos dirigiram. Ou outras razões mais. Tem também a valorização da família dos homenageados, mas e daí?


E aqueles voluntários anônimos que salvam vidas? E os catadores de lixo que nem seus rostos são vistos? E os servidores públicos que produzem além de suas funções? Neste caso tomo a liberdade e citar um como exemplo: o Sr. Rocha do SAAE, que tem sua vida e história exemplar dedicada à autarquia em confronto com alguns ‘chupins’ que nos envergonham. Também tem aqueles que saem á caça de ajuda para matar a fome de milhares. Todos anônimos voluntários. Ah! Já sei. Todos estes não cabem em uma Galeria de Fotos. É verdade. Nem cabem para receberem títulos meritórios. Também não cabem na cultura à personalidade, pois são pessoas anônimas, muitos voluntários, não tem cargos importantes e muito menos se metem a serem candidatos nas eleições. Eles serão esquecidos ao longo do tempo e eventualmente alguém poderá postar uma foto e então momentaneamente receberão aplausos. Os da galeria também serão esquecidos ou mal lembrados, pois não são fotos que marcam a história de personalidades públicas. As fotos retratam somente o personagem. As fotos poderão trazer á lembrança de obras de fulano ou sicrano. Os fatos e as obras é que fazem a história, bem ou mal contada. Fatos como uma ponte enferrujada e largada atualmente bem no centro da cidade faz parte da história. Fatos como da compra de ‘glitter’ gerando a rotulação de “Capital Nacional do Glitter”, que escutei no Projac, Rio de Janeiro em 2018, ao citar o nome de minha cidade. O fato da Sonia (nome real) viver com R$ 80,oo por mês não pode nem virar foto e ela muito menos irá ver a Galeria de Fotos. Diante desta distonia poderiam os homenageados e seus familiares recusarem publicamente tal projeto e como permuta declarar seus apoios para uma campanha imediata contra a fome. Imaginemos todos os homenageados e/ou familiares em uma única foto para a campanha da “GALERA CONTRA A FOME” ao invés da Galeria de Fotos que certamente ficará


para a história como algo deprimente e hipócrita, diante de tantas mortes e tantas sequelas. Por último, tenho a nítida sensação de que o prefeito ao gerar esta tal Galeria de Fotos dos Ex-prefeitos promoveu mais um ato de culto à personalidade, para futuro benefício próprio, pois será um ex-prefeito, e creio que em breve, pelo andar da carruagem palaciana. Em resumo esta iniciativa é repugnante, depravante, inoportuna, sem nexo, revelando contaminação de origem histórica dos mitos antiquados e muitos dos quais totalitários. A bajulação e o servilismo são perfis comportamentais que suportam o culto à personalidade gerando rituais típicos da idolatria. Como combater? Estamos em plena pandemia da cultura do individualismo Vivemos na cultura do consumismo, do imediatismo, da cultura de pequenos grupos (informais), como nos partidos políticos. Estamos em crise e em um caos de credibilidade política no qual o sujeito doa R$25.000,oo reais para uma campanha, porém não vem a público bancar uma campanha para oferecer sustentabilidade contra a fome, contra o desemprego, contra a miséria. Este arruma um belo cargo e se desencarga de vir a público lutar pela Cultura da Ação Coletiva, pois sua visão medíocre o levou para o calabouço do oportunismo. Temos que buscar um novo perfil comportamental. Somente as falas já não resolvem, pois são amaciadas pelos ventos e se dissolvem na manhã seguinte. A hipocrisia e o fanatismo tem muito mais poder. A covardia rola solta nas mentes de quem tem o poder de contribuir. Somos um bando de ambulantes, autônomos, prestadores de serviços, artistas, comerciantes, empresários e cidadãos juntos, mas separados pelas nossas próprias arrogâncias, ou pela exclusão do outro, ou por estarmos na s zonas de conforto torcendo por algum ídolo descartável. Os paradigmas: cooperação, compreensão empática, proatividade, dedicação ao coletivo, visão holística e a


coragem de lutar pela Cultura da Ação Coletiva são cruciais para mudanças. Seguir o padrão de pequenos grupos, do isolacionismo, da separação de classes é, entre outros, estratégia que já provou não mais ter validade para o desenvolvimento sustentável de qualquer sociedade. Amparo precisa de amparo. Requer amparo de novos paradigmas na prática e com urgência. Amparo exige criatividade e ações de alto impacto que vão além de pedir socorro. A Cultura à personalidade pode ser usada contra si mesma, se implantada a Cultura das Ações Coletivas e isto não deve ter rotulação nenhuma do padrão ‘ista’, liberalista, comunista, liberalista, comunista, regionalista, espiritualista, etc. Tomo como referência uma experiência esportiva. O futebol no qual aprendi a jogar as regras do individual/coletivo contra as outras cores resultaram em fracassos como instituições esportivas. Temos entre nós exemplos de prédios subutilizados, sem a prática esportiva, com baixa frequência de associados e gerenciamento antiquado. Tem outras instituições, que embora não esportiva, repetiram o mesmo histórico de fracassos, algumas com seus elefantes arquitetônicos por não acatarem as críticas feitas no passado contra a mesmice e o culto à personalidade de sua elite vegetativa. Prédios em Amparo fechados há anos servem apenas e tão somente para olhares de alguns turistas que por aqui passam a caminho de Serra Negra. Temos sido incompetentes para transformá-los em algo útil para a prática da Cultura da Ação Coletiva. Alguns agora servem para postagens nas redes sociais e depois de dois ou três dias já caem no esquecimento mesmo contendo frase como: “bons tempos aqueles”. O Culto à Personalidade está em pleno curso e aqui ouso a propor o Culto às Ações Coletivas, ou resumidamente Cultura do Coletivo.


Texto longo demais para transformações Estas longas páginas são curtas demais para qualquer transformação imediata, porém registra um olhar mais a frente dos horizontes já conhecidos e empoeirados pela mesmice. Ao encerrar esta exposição tenho plena ciência da geração de opiniões nada favoráveis principalmente advindas dos acostumados à bajulação, aos elogios fúteis, aos comentários padronizados de algumas vítimas da pobreza sociocultural. Tenho plena ciência também que se quisesse audiência e aplauso de milhares de pessoas deveria optar por outro meio de comunicação, principalmente com perfil tosco, boçal, ilustrativo, colorido, de curtíssima exposição. Algo que contestasse por contestar. Alguma postagem ao estilo de alguns programas de tv nos quais as ratazanas são idolatradas pela mediocridade. Se tivesse como prioridade a Cultura à Persona (própria) milhões de fotos já teriam sido postadas, ao invés de dedicar mais de 11 anos com um total de mais de 3 milhões e 900 mil mensagens proativas. Também milhares de ‘lives’ teriam sido publicadas bem ao estilo do atual prefeito, mas não tenho nenhuma ainda, porém alguns de meus projetos voluntários derrotam qualquer histórico do executivo que agora gasta R$38.000,oo para o Culto à Personalidade, com uma Galeria de Fotos, contaminada de demagogia e hipocrisia. Uma Galeria de Fotos sim! No futuro, quem sabe daqui há um ou dois anos poderíamos ter uma Galeria de Fotos de ‘notáveis’ exemplos de dedicação voluntária como diversos dirigentes de instituições sem fins lucrativos. Ou de empresários que tenham históricos dignos de serem traduzidos como magníficos. E também de anônimos que mereçam tal distinção. Vamos lutar por algo assim com muito prazer e com a satisfação de aprender com suas histórias. Amparo 19 mar 2021 Tito, psicólogo email fhoo@uol.com.br


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.