Crônica urbana

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Crônica urbana Era um dia comum como qualquer outro dia. Mas era um dia no ano de 2004. Era manhã. Aproximadamente dez horas da manhã. Eu estava sentado no ponto havia alguns minutos quando o 703 apontou na esquina. Pedi que parasse. Entrei. Sente-me no fundo, no lado da sombra. Ia ao centro. O ônibus seguia pelo Siqueira Campos quando de repente parou em um ponto. Um garoto entrou pela porta dos fundos. Dez anos? Doze anos? Acredito que entre essas idades. Com balas nas mãos ele repetia: “Bom dia, pessoal! Eu podia estar matando. Eu podia estar roubando. Eu podia estar cheirando cola, mas eu estou aqui pedindo humildemente uma colaboração de vocês. É só vocês comprarem essa pastilha de boa qualidade que custa apenas R$ 1,00 para me ajudar e a minha família que está passando necessidade.” Eu via aquilo tudo com a indiferença de quem estava mais preocupado em seguir uma viagem sossegado, sem o aborrecimento de crianças gritando dentro do ônibus que, de velho, já tinha seu barulho característico. Apesar disso, pensava: a vida não está fácil, meu Deus! Era um dia comum como qualquer outro dia. Mas era no ano de 2010. Era manhã. Fim da manhã. Perto do meio-dia. Voltava da Universidade cansado e com a dor de cabeça que me acompanha desde a adolescência até os dias de hoje. Estava de pé, bem no meio do Campus quando ele parou no Zona-Oeste. Alguns passageiros desceram. Outros passageiros entraram. Entre os que entraram um não era um passageiro comum. Ele era um resgatado das drogas. Era da Manassés. Carregava uma bolsa cheia de chaveiros e canetas. Uma vez dentro do ônibus não desperdiçava seu tempo – só o nosso – e logo disparava: “Bom dia, pessoal! Eu faço parte da casa Manassés, que resgata jovens das drogas. Eu era um drogado que vivia destruindo a minha vida. Eu vendia as coisas da casa de minha mãe. Eu roubava as pessoas para sustentar o meu vício, mas graças ao nosso Senhor Jesus Cristo e a Manassés eu hoje estou longe das drogas. A Manassés não tem nenhuma ajuda do governo. Ela vive da doação de vocês para poder cuidar dos jovens e salvá-los das drogas. Para vocês ajudarem o nosso trabalho basta comprar essa caneta que vem com lanterna e que custa só R$ 2,00. Se


vocês apenas segurar, eu já agradeço porque vocês já estarão contribuindo com o nosso trabalho. E para não ficar tão somente nas minhas palavras, eu vou deixar um versículo pra vocês. É que como diz lá nos SALMOS 119 versículos 3: ‘O SENHOR é meu Pastor e nada me faltará’. Agradeço a todos que nos ajudaram porque Jesus diz que se você ajudar quem precisa Ele vai ajudar vocês dez vezes mais”. Já descendo do ônibus, sob um Sol causticante, eu pensei que a vida não era uma coisa fácil. Era só mais um dia comum como qualquer outro dia. Mas o ano era 2013. Era o meio da manhã. Eu tinha acabado de pegar o Circular. Voltava do Maracaju. Ainda estávamos na Maranhão quando, no ponto, entrou um senhor de seus 50 anos de idade. Era alto, magro, pele queimada. Bastante feio. Parecia cansado. Tinha mãos e pés sujos. Trazia consigo maçãs sortidas e pequenos pingentes dourados em forma de naja. Mal acabou de entrar e com uma voz rouca, mas suave, disse aos passageiros: “Bom dia, pessoal! Vocês podem me chamar de Lu. Eu gostaria de me desculpar por tomar o tempo de vocês nessa manhã tão quente. Eu poderia passar o tempo rondando a Terra; eu poderia estar roubando, matando e destruindo, porém ao invés disso eu estou aqui vendendo essas maçãs e esses lindos pingentes folheados a ouro por apenas R$ 2,00 para poder comprar arcondicionado pros meus meninos. É que se aqui está quente, lá onde eu moro nem se fala. O calor lá está infernal. Ninguém aguenta mais a suadeira e a pele ardendo o tempo todo. O clima lá está tão down que meus anjos estão todos caídos”. Ouvindo isso, eu pensei comigo mesmo: É não está fácil pra ninguém. E.C. Santana 27.02.2015


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