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O Uivar Thiago Pined 1ª Edição Rio de Janeiro / 2010
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Esse livro é relacionado á uma história fictícia. Qualquer semelhança com pessoas reais, fatos e acontecimentos é mera coincidência sem nenhuma intenção do autor. Copyright © 2010 de Thiago Pined. Tudo reservados a Thiago Pined. A obra não pode ser copiada nem parcial nem totalmente, os infratores serão processados na forma da lei. TÍTULO
O Círculo Noturno Vol. 1: O Uivar Pined, Thiago Thiago Pined / O Uivar – Rio de Janeiro; 2010. 1. Ficção; 2. Lobisomens ; 3. Literatura Infanto-Juvenil; 4. Literatura Brasileira
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Para minha avó One — não se esqueça de rezar
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Agradecimentos especiais a minha mãe, meu pai, tia Andrea, meus professores de Português - antigos e novos - e a todos os outros que me ajudaram á realização desse sonho.
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1 Mamãe disse que tínhamos que nos mudar, mas eu realmente não queria. Eu estava bem na minha casa no meio do nada em Minas – para quem não sabe Minas Gerais, aquele estado do Brasil. Mas ele insistiu em ir para o Rio. Se alguém conhece o Rio de Janeiro e Minas Gerais vai saber que não existe nada tão movimentado como essa cidade. Está bem! Eu nunca fui a São Paulo (porque dizem que é pior do que o Rio). O engraçado era que o temos que nos mudar só caía a mim porque eu que tive que me mudar, deixar as minhas vaquinhas, boizinhos, cavalinhos, patinhos, galinhazinhas, para trás para poder ir morar com a chata da minha tia Abigail que agora não tem esse nome. É claro, porque é uma socialite das grandes. Por isso que, bem… eu não quero mesmo ir! Eu nunca fui bom em ser um socialite como minha tia. Eu sempre usei meus jeans surrados e minha camisa de botão xadrez – o que minha tia dizia que parecia um pano de piquenique (o que ela não sabia é que eu tinha fotos dela com a mesma camisa de piquenique que eu estava usando). E ela sempre ves-
12 tia as mais belas roupas de lojas que eu nem conhecia, com colares e brincos de ouro e tudo que se tinha direito. Mas, vamos lá… eu estava andando de avião com um frio horrível na barriga (você sabe, aquele frio que você tem quando está com medo de alguma coisa não dá certo), e eu não queria beber nada que as aeromoças me davam, porque eu estava morrendo de medo de passar mal. E do avião eu conseguia ver a única coisa que eu achava linda no Rio: o mar. Não era o Cristo nem o Pão de Açúcar — eca! —, mas aquele lindo mar verdinho… e as praias cheias de gente com aquelas roupas de banho. O problema de morar na roça é que você não tem uma praia tão bonita como aquela. Nós só tomávamos banho num rio que passava perto da nossa casa e que tinha a cor de barro – mas não era sujo, ok? O avião pousou com uma tremedeira que me fez sentir que estava caindo, e, com a sorte que eu tenho, eu fui u único que gritou e todos – não to brincando, não; TODOS – olharam para mim. — Há — eu disse ficando muito, mas muito vermelho. — Me desculpem. Ninguém disse nada, felizmente. Será que eles viram como cara de caipira e descobriram que era a minha primeira vez que eu estava voando? Mas não parecia; eu estava com meu típico jeans e minha blusa de gola meio xadrez – não era muito xadrez! Quando a voz de uma das aeromoças disse que já estava na hora de sairmos. Levantei-me, mas antes tive que sentir aquela mesma dos bem no estomago, e uma tonteirinha minúscula, para quase cair e uma aeromoça – bonita, por sinal – perguntar se eu estava bem e eu dizer que sim, me levantar e continuar á andar para fora daquele canário voador. No saguão de desembarque olhei para todos os lados à procura de algum sinal dos meus parentes. Mas, não sei se felizmente ou não, eu não encontrei.
13 Por isso pude pegar minhas malas calmamente e depois me sentar em uma das milhões de cadeiras do aeroporto, que eu não pensava que era tão grande assim. E eu esperei. Bastante tempo pelo que eu contei. E nada de ninguém, eles deviam ter se esquecido de mim ou algo aconteceu para que chegassem 3 da tarde e ninguém. Três e meia, e nada ainda. Eu estava pensando que teria que ficar esperando até amanhã ali, se eu não fosse andar sozinho pelo Rio de Janeiro inteiro à procura de Cecily – o outro nome da minha tia (eu ainda acho que Abigail é mais legal do que esse nome estranho). De repente eu senti alguma mão em meu ombro direito. Vou te dizer a verdade, eu estava dando uma cochiladinha, então eu pulei de susto pensando que era algum policial querendo me dispensar dali – eu estava bem arrumado! Eu só parecia um caipira, pelo menos era o que os outros achavam. Olhei para o vulto atrás de mim com um terno preto, uns óculos de sol bem escuro, que não dava para ver nem vestígio dos seus olhos, e um fone de ouvido. Com certeza ela era um policial. Levantei-me já me desculpando por estar ali e fui andando, sem deixar que ele falasse nada. — O senhor é o senhor Bruno? — disse o homem. Eu me senti pior ainda; como que ele sabia o meu nome? — Si… sim — eu disse. Fiquei parado no mesmo lugar na metade do caminho, esperando que ele falasse alguma coisa. Enquanto isso ele se esgueirava para tentar pegar alguma coisa o bolso de seu terno. Ok, pensei. Eu mal cheguei nesse drago de Rio de Janeiro e já fui mandado para ser morto? Minha sorte não pode ser pior, não? Quando ele foi pegando algo no bolso, eu fui me esgueirando para o chão calmamente para fugir, é claro. Mas ele fez um som com a garganta e eu tive que olhar para ele, vendo que o que ele estava na mão não era nenhuma arma bombadona de nenhum matador de aluguel; ele só estava com um papel na mão.
14 — Querido Bruno — ele começou á ler a carta —, sua tia Ce-
cily e seu tio Mike têm o prazer em lhe dar as boas vindas a esse fabuloso Rio. Infelizmente não pudemos ir te buscar no aeroporto, mas nosso chofer, Hugo, está aí para te ajudar em tudo. Abraços Fo seus tios que te amam.
Há, amam muito, to vendo!, pensei. Enquanto o homem alto que dava mais para um matador de aluguel ou um policial, estava guardando a carta, eu disse: — Ok, vamos? Ele olhou para mim, andou um pouco para minha frente, eu cheguei para trás tropeçando na mala e caindo de costas no chão. Ele olhou para mim bem na minha frente e apenas disse: — O senhor quer que eu leve sua mala? Eu engoli em seco, ri um pouco envergonhado, e disse: — Sim, por favor. Ele pegou agora olhando estranhamente para mim (como se eu fosse morder), o que eu achava o contrário: eu pensava que ele é quem ia me atacar. — Siga-me — ele disse apenas, andando para fora do aeroporto. Naquela hora, quando estava anoitecendo, muitas pessoas já saiam e entravam do aeroporto. O forte sol da cidade já batia na minha vista, me machucando. Felizmente eu fui inteligente e comprei uns óculos de sol com o dinheiro que eu tinha guardado para o final do mês. Os óculos eram da marca Ray-Ban. Eu nunca ouvi falar nessa marca, mas porque eu sabia que minha tia adorava tudo que era de marca. Eu estava olhando para todos os lados como um bicho-domato. Mas eu era! Eu era muito esquisito para ficar andando por aí, em lugares que eu nunca ia. A única cidade grande que eu ia era uma pracinha cheia de gente à noite, porque íamos eu e meus amigos conversar e comer alguma coisa. Mas é muito engraçado um garoto de 16 anos como eu com aquela cara de assustado que eu estava fazendo olhando para todos, como se eles fossem canibais e fossem me comer.
15 O chofer Hugo parou na frente de um carro, bem… enorme! Não era uma limusine – como eu pensei que seria por cause da minha ria que quer sempre do bom e do melhor –, mas era um carro bastante grande. O homem abriu a porta par mim olhando para minha cara. Pela primeira vez eu o vi dar um sorriso, era meio torto, mas era um sorriso, ele estava rindo de mim, mas, mesmo assim, era um sorriso. El disse: — Entre — olhei para dentro do carro pensando que algo ia pular em cima de mim. Aí não é a mata, Bruno. Depois pulei para dentro do carro. Fechei a porta e esperei. Preferi não falar para não atrapalha o cara. Mas ele parecia não estar nem aí se como que eu estava fazendo. — Sua tia me disse para te mostrar o cristo ou dar uma volta pelo Rio; o que você preferir — ele me disse. — Eu prefiro ir para casa! — exclamei, mas com minha voz um pouco assustada. Então eu continuei para enganar um pouquinho: — Eu estou meio cansado, se puder… — O senhor é quem manda! Então ele começou á andar. Eu não sou do tipo de roceiro que nunca andou num carro; o meu pai tinha uma Pick-up bem grande que ele usava para levar as coisas para o gado e comprar na vendinha do Seu Joaquim. Mas a Pick-up do mau pai não era nem comparado àquele carro. O estofado era bem confortável, diferente do meu pai, que estava todo estragado. As ruas da cidade não tinham quase buraco, o que era estranho para mim que só andava em terra cheia de buracos que os carros grandes deixavam. Era como se eu estivesse andando de avião. Tirando a parte em que eu tinha que parar num engarrafamento e esperar horas até poder andar. Esse era o problema do Rio de Janeiro: muito acúmulo de carros num mesmo lugar, o que dá igual à engarrafamento. Felizmente naquele lugar havia um eletro-alguma-coisa chamado ar condicionado. Eu não sou burro, posse ter sotaque cai-
16 pira. Mas eu sei sobre essas coisas. O problema era que onde eu morava não era tão quente como o Rio, então eu não precisava de ar condicionado. Ele ligou essa coisa quando estávamos parados no primeiro engarrafamento porque ele sabia que iríamos ficar ali por um bom tempo, e ele estava certo; ficamos ali parados por, mais ou menos, uns vinte minutos até conseguirmos sair desse primeiro engarrafamento para poder pegar outro bem na boca de um túnel para ir para a Barra – que era onde minha tia tinha o apartamento. Eu estava me lembrando da última vez que minha tia foi para minha casa… Ela não queria ir, mas era aniversário da vovó e ela teve que ir porque minha avó é a mãe dela – isso é obvio. Então ela chegou lá com meu tio Mike, que ela conheceu no Rio (minha tia foi para o Rio de Janeiro bem cedo, quando ela tinha uns 18 anos para fazer faculdade lá. Ela fez faculdade e depois nunca mais voltou, porque conheceu meu tio Mike e se casaram só no civil), então nossa família conheceu ele pela primeira vez. Ele nos adorou, o que não podemos falar o mesmo da nossa tia Cecily – foi aí que descobrimos o novo nome dela. Bem no dia seguinte, quando o galo estava cantando, tia Cecy e tio Mike estavam voltando para casa. Eu os vi indo embora quando eu estava tirando leite da vaca (isso não é nada nojento, é até legal!). De repente eu vi. Eu estava em cima de uma ponte e o sol bateu bem em cima dos meus olhos. Como qualquer um, eu tive eu virar para ver de onde estava vindo aquele reflexo do sol quando vi aquela grande e infinita massa azul esverdeada. — Posso abrir o vidro? — eu perguntei para o chofer. Ele não respondeu, só assentiu com a cabeça. Mas, mesmo assim, eu abri. O cheiro de água salgada entrou pelo vidro e foi direto no meu nariz. Respirei fundo só para sentir aquele cheiro delicioso – para mim, porque era a primeira vez que eu sentia: e eu já ou-
17 vi falar muito do cheiro do mar. — Bom… — eu suspirei. — É, eu também senti isso da primeira vez que eu senti — o chofer disse. Olhei para ele; ele não tinha nenhum sotaque de alguém de fora. Quer dizer, ele não falou tanto para eu poder apontar algum sotaque nele. — Eu não sou do Brasil — ele continuou —, eu vim para o Brasil com vinte anos. Agora estou com vinte e nove e já me acostumei. — Hmm… — era a única coisa que eu poderia dizer. — Você vai se acostumar também — ele continuou. — Aliás, por que você veio para cá? — Há… — eu comecei. Eu não queria me lembrar porque eu tiver que ir para lá. Sério, aquilo era quase um segredo e eu não queria que todos ficassem sabendo que eu era meio que, como se pode dizer, ma… Não! Eu não vou me lembrar de nada que aconteceu na minha vida passada, agora eu só vou para frente. Só que eu não queria me mudar. Eu prometi para minha mãe que nada de mais iria acontecer comigo, e que eu iria parar de… Eu já disse que eu não ia me lembrar daquele acontecimento que me fazia sentir um arrepio novamente na espinha. Mas eu tinha que falar algo para o chofer; eu não podia ficar com cara de babaca (como eu estava tendo naquele momento. — Eu… — eu continuei. — Eu queria mudar, mas acabei me arrependendo, porque eu não gosto muito de cidade grande. — Hum! — ele riu. — Você com certeza vai se dar bem aqui, é só se vestir bem. — C… como assim? — eu gaguejei coçando minha franja para trás. Ok, eu me esqueci de contar minhas características, porque eu me detesto. Sem nenhuma letra a mais: M-E-D-E-T-E-S-T -O. Sem brincadeira. Eu tenho os cabelos lisos, loiros – como todos da minha famí-
18 lia – tenho os olhos de um azul meio estranho, em minha opinião, sou branco que nem a neve – mesmo eu nunca tendo visto neve. E tenho aqueles músculos estranhos – definidos – do trabalho braçal com meu pai na roça. — Você é o tipo do garoto daqui! — ele continuou. — Você só tem que falar melhor e se vestir melhor, mas isso sua tia vai dar um jeito. Engoli em seco. Eu não queria ficar parecendo àqueles mauricinhos que eu ouvia falar do Rio. Já chega eu ter que freqüentar uma escola particular – a mais cara dali, pelo que minha tia me disse na carta. De repente tudo ficou negro novamente; um túnel. Então rapidamente eu conseguia ver a luz do sol e o céu sem nenhuma nuvem. Bocejei, o sono estava me pegando. Hugo me viu bocejar pelo vidrinho visor – pelo menos eu achei que ele viu, porque ele disse: — Dorme um pouquinho, temos mais alguns minutos para chegar. — Ok — eu respondi — eu vou… dormir. Aconcheguei-me com o meu casaco de algodão – estava frio quando eu saí de casa, ok? — e fechei os olhos. O sono estava intenso mesmo, porque eu dormi. — Senhor, senhor… — Hum? — Chegamos. Eu não me mexi. Pensei que estava sonhando ou algo parecido. Por isso quando eu disse hum? Eu não estava nem aí. Então senti aquela mão em cima de mim, então eu me levantei rapidinho. Eu não gostava muito de que as pessoas se encostassem em mim – isso tudo por cause do que aconteceu comigo. — Há — eu disse assustado. O carro estava parado e estávamos num lugar meio claustrofóbico. Mas o tal lugar que dava claustrofobia era apenas uma gara-
19 gem de um prédio. A garagem era bem grande, como a de um shopping – ok, eu já fui, sim, há um shopping. Existe uma cidade perto da minha que tem um desses negócios cheios de lojas. É cansativo tudo isso. — Chegamos? — eu perguntei dando aquela minha risada meio estranha. Levantei-me, saindo do carro, mas caindo novamente, porque eu escorreguei em alguma coisa e comecei á ir para o chão. Felizmente Hugo me segurou, senão eu já estaria no chão. — Há — eu disse sem-graça. — Desculpe. Ele apenas eu um sorriso e me ajudou á levantar fechando a porta. Eu fiquei parado no mesmo lugar enquanto ele abriu o porta-malas do carro e pegou e minha mala de rodinha – que eu tinha comprado um dia antes para esse evento – e depois depositou no chão. — Hugo — eu comecei e ele olhou para mim. Meus pensamentos sempre me deixam estranho. — Algum problema senhor? — ele perguntou. — Não, nenhum — eu respondi. — Sabe o que eu estava pensando? Que nós vamos nos dar muito bem. Eu disse que eu era maluco; para uma pessoa falar isso do nada, ela não pode ser normal. — Eu espero, senhor — ele disse baixinho. — Não, é verdade! — eu continuei. — Veja bem: nós temos quase a mesma história. — É — ele disse e depois que eu descobri o que eu tinha falado, eu, com certeza, fiquei com vergonha. Ele começou á levar a minha mala para um lado da garagem e eu fui junto. Olhando para todos os cantos com medo de… sei lá o que, eu estava andando rápido para poder ficar junto com ele. Chegamos em uma porta e começamos á subir umas escadas. Eu não estava cansado; tinha ficado sentado á tanto tempo que minhas partes traseiras estavam até dormentes. Então chegamos ao que parecia ser o hall do prédio. Era lindo, não to brincando: ele tinha uns azulejos brancos, com um tapete vermelho nele, e
20 ele era todo decorado a lá grega. Vou te falar a verdade: eu achei que minhas roupas tinham estragado toda a decoração. — Oi Morrrrga, o que conte de novo? — falou Hugo, então eu pude perceber o sotaque francês dele. — Nada, querido — uma mulher que estava como porteira disse. — Aliás, to te esperando hoje lá em casa, ok? — Ok, pode deixar que eu vou. Ok, agora eu sabia que, ou o chofer tinha um caso com a porteira ou… sei lá! Ele apertou o botão do elevador e esperamos. Não muito tempo depois a porta do elevador já estava se abrindo e nós estávamos entrando. O elevador era encapado com um tecido meio de camurça vermelho. Percebi que ele apertou o botão 12; ok, é o décimo segundo andar – esse prédio tem quantos andares…? Olhei devagar para os botões de andares: 15 andares. Ótimo, não era tão alto assim, era? Bem, eu não tenho a mínima noção porque tudo que eu subia era em cima da casa ou em cima de uma árvore, e nós não medíamos a altura igualando os andares de um prédio, como eu via na TV – por que EU tinha televisão.
Pín!
A porta do elevador se abriu e chegamos ao hall do décimo segundo andar. Não era nem um corredor, em nada normal – como eu pensei que era normal –, o hall do andar 12 era arredondando com um lustra bonito no meio e umas mesinhas com jarros com flores em cada uma das cinco portas desse circulo. — A casa da sua tia é bem na frente — Hugo disse. — Eu não vou poder ficar, tenho que fazer umas coisas importantes como pegar seu tio no trabalho. É só tocar a campainha e esperar a empregada atender. — OK — eu disse olhando-o voltar no mesmo elevador que subimos. Andei um passo pra frente. Respirei fundo. Andei mais outro. Respirei fundo novamente. Eu tinha que ir em frente porque
21 ele tinha me dito que era o apartamento da frente. A porta era linda – pelo tamanho dela dava para passar um móvel enorme. A campainha era bem no canto; um pontinho dourado na parede. Respirei fundo novamente e apertei a campainha. Esperei. Eu não sabia o que fazer; se ficava parado ali, ou se me mexia para me descontrair. Não, o melhor era ficar parado ali; eu não queria parecer maluco novam… De repente ouvi a porta fazer um barulho de chave se abrindo e abri um sorriso. Então vi. Ela estava com aquela roupa, por isso eu sabia que ela com certeza era a empregada. Seus cabelos eram bem crespos – em comparação ao meu, é claro; éramos descendentes de Russos – e ela tinha muitas rugas. — Sim? — ela disse. — Bo… — eu comecei á gaguejar. Eu não sabia o que falar, estava muito assustado com ela para poder falar alguma coisa. — Boa tarde, aqui que é a casa de tia Cecily? Ela me olhou de cima para baixo, envergando o canto superior direito dos lábios enrugado. Sem brincadeira, ela tinha uma verruga no nariz! Não é loucura! Eu estava torcendo para que não fosse lá a casa da minha tinha – como você vê que minha sorte é uma beleza, para não dizer o contrário. — Não — ela disse amargamente. — Cecily mora ao lado. Ela apontou para o apartamento número 1203, ao lado esquerdo do dela. De um sorriso, por educação, e disse: — Obrigado. Ela fechou e trancou a porta na minha cara, sem deixar nem mesmo eu andasse nem um passo. Quando fui para a porta respirei bem fundo, pensando em não ter uma babá como aquela. Toquei a campainha sem interrupções e esperei. Ouvi a porta sendo trancada e aberta e eu dei um passo para trás para dar mais espaço para quem fosse abrir. Quando vi a pessoa que estava atendendo suspirei de alivio. Ela era a empregada, como dava para ver pela roupa, mas ela parecia mais a lin-
22 da e elegante Mary Poppins do que a Nanny Mcphee sem fazer plástica. Ela olhou para mim, Sem precisar olhar para minha roupa, deu um sorriso e disse: — Olá! Você deve ser o senhor Bruno, não é? Dê-me a sua mala e entre. Eu dei um sorriso para ela começando á falar que não precisava, mas ela já estava pegando a minha mala da minha mão e me empurrando para entrar na casa. Entrei na sala que tinha uma decoração moderna e bem confortável. Uma janela grande estava aberta mostrando o céu azul e uma manche ao longo, meio azul brilhando com a luz do sol. Será aquilo o mar? Aqui também? Que maneiro! Eu estava começando a gostar dali e me sentindo em casa. Havia uma escada de vidro na minha frente, então percebi que a casa dos meus tios era um bonito, novo e elegante duplex. — Quem é Anna? — eu ouvi uma voz conhecida vinda de cima e percebi uma mulher elegante, um pouco gordinha, mas usando roupas de sair em casa, descendo as escadas de vidro. — É o seu sobrinho, senhora — disse a empregada com o nome Anna, que eu descobri. Ela desceu as escadas todas e parou no último degrau olhando para mim. Ela olhou de cima abaixo percebendo o tipo de roupa caipira que eu estava usando (e que eu adorava) e depois falou em sua voz emocionada que eu nunca a tinha ouvido falar: — Querido! — ela correu para me abraçar e me dar uns beijos no rosto, como ela tinha costume de fazer. — Eu estava com tantas saudades de você! Uma coisa eu posso falar da minha tia Cecily, como ela é chamada agora: ela pode ser o pior tipo de gente metida que todos podem achar, mas eu nunca encontrei alguém que fosse tão familiar como ela. Ela só era meio nojentinha, mas todos tinham os seus defeitos. — Tia… — eu disse, quer dizer… tentei dizer, porque ela estava me abraçando tanto que eu estava parecendo sufocado.
23 Depois ela parou de me abraçar e começou á me olhar de cima para baixo. — Meu Deus, querido! — ela começou. — Vamos ter que comprar umas roupinhas para você amanhã! Querida Anna, pode, por favor, colocar na minha agenda que eu tenho que ir ao shopping com o meu sobrinho amanhã? — Sim, senhora — Anna disse com sua voz doce. — Vou levar a mala do seu sobrinho para o quarto dele? — Sim, por favor, querida. Depois eu o levo. Anna começou á subir as escadas puxando minha maça. Fiquei olhando para ela querendo ajudar, mas minha tia disse: — Vamos lá, como está minha irmã, e mamãe? — Humm… — eu comecei tentando me lembrar do que minha mãe me mandoueu falar para ela, mas não consegui. – Estão bem. — Que bom! — ela foi andando para um corredor no nosso lado direito e eu fui atrás dela, pensando que eu devia segui-la. — Quer um chá, um café, alguma coisa? — Não, obrigado — eu disse educadamente. — Humm… — ela continuou pegando uma xícara de café bem quente (dava para ver pela fumaça que subia da xícara) e bebendo um gole sem parecer que ela se machucou. Depois voltou para mim. — Você deve estar cansando, vamos par seu quarto; eu vou mostrá-lo. Ela começou á subir as escadas e eu fui atrás ouvindo o barulho do vidro nos meus pés, com medo de que quebrasse. Chegamos a um corredor com quatro portas. Tia Cecy nunca teve filhos, mas queria ter, por isso eu pensei que ela tinha comprado aquele apartamento pensando nos filhos que ela teria. Mas, por enquanto, eu seria seu novo filho, já criado e com uma idade boa – pelo menos eu achava que era –; eu tinha 16 anos. — Aqui é o banheiro. — ela apontou para a primeira porta. — Aqui é o meu quarto e do tio Mike — ela continuou —, aqui é quarto da empregada, e aqui… é o seu quarto! Ela abriu a última porta para que eu visse o meu lindo quarto
24 todo decorado ao mar. Eu não sabia que ela sabia que eu gostava do mar, mas ela tinha acertado: as cortinas eram de um azul claro, como os lençóis da cama. O restante Ra tudo branco com cor de areia. A janela estava fechada porque eu estava sentindo o frescor do ar condicionado ligado, mas as cortinas estavam abertas e o sol batia perfeitamente no me quarto, deixando-a paradisíaco. Havia algumas conchas e carcaças de estrelas do mar nas paredes de cor de areia. — E então? Gostou? — ela perguntou. — Adorei! — eu disse. E comecei a andar para o frescor do ar condicionado do meu quarto. Sentei-me na cama e fiquei olhando para o golfinho como lustre. Aquilo era a única coisa infantil ali, restante parecia ser bem adolescente – e bem caro, também. Mas de repente eu senti. Era o que eu pensei que eu não ia sentir se fosse ali e, com certeza, eu ia me esquecer. Mas não. Aquilo estava na minha cabeça novamente e eu senti o arrepio percorrer minha espinha. E em algum lugar eu ouvi um barulho. Não era um barulho, era um… Uivo. Aquilo me fez lembrar da noite em que tudo aconteceu. Como um flash na minha cabeça. Olhei para minha tinha com os olhos arregalados. — Algum problema? — ela perguntou. — Na… não — eu respondi. Mas eu a enganei, porque, se eu estava ouvindo aquele uivo, havia muitos problemas em mim.