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O regresso ao passado
from Revista APAT
No final do artigo da minha autoria que foi publicado no último número da revista da APAT chamei a atenção para o facto que parecia evidente que dentro em breve veríamos o SEAL, um dos sindicatos de estiva do sector portuário, a testar a força da nova tutela dos portos, face às fragilidades anteriores e em linha com as facilidades que lhe foram sendo gradualmente concedidas. No momento em que escrevo este texto, os pré-avisos de greve em Lisboa e Setúbal estão já a ser anunciados. Invocam-se salários em atraso nas respectivas ETP, Empresas de Trabalho Portuário que têm sido paulatinamente encaminhadas para a falência com o desígnio último de serem tomadas pelo Sindicato, de maneira a assumir, de facto, a gestão da mão-de- -obra portuária e, em boa parte, a própria gestão portuária sem investirem em capital mais que um único tostão. Uma estratégia sindical notável, de longo prazo, que faz jus à inteligência dos seus dirigentes, mas também à ligeireza e, em contraponto, à gestão do curto prazo da governação dos últimos anos neste domínio. João Carlos Quaresma Dias Professor Emérito do ISEL Membro Conselheiro da Ordem dos Engenheiros Membro da Sociedade de Geografia de Lisboa quaresma.dias@ist.utl.pt
Continuaremos a observar o fenómeno com a curiosidade natural do académico, embora acrescida à preocupação do cidadão responsável que vê afunilar os factores de competitividade económica do futuro. Outros factores de grande preocupação regressam, sucessivamente, trinta e vinte e quinze anos depois, sem que alguma vez haja qualquer resolução ou rumo estratégico que não seja ir empurrando para a frente os assuntos com a barriga esperando que quem vier seja capaz de fechar a porta. À boa maneira portuguesa. Estamos a falar da rede ferroviária nacional, da rede de alta velocidade ferroviária e da construção do novo aeroporto que deverá servir a grande Lisboa. No primeiro e no segundo casos, voltam os debates televisivos e nos diversos fora que habitualmente e ao longo das últimas décadas se preocupam sobre estes temas, nomeadamente a Ordem do Engenheiros, a ADFERSIT, a Sociedade de Geografia, entre outras. Nada de novo. Portugal prestes a tornar- -se uma ilha ferroviária, sem ligações de qualidade nem soluções à vista. Bitola ibérica versus bitola europeia, mobilidade dos passageiros e o que concerne à rede de mercadorias, ligações ferroviárias aos portos, nomeadamente a Sines, falta acentuada e envelhecimento evidente do material circulante, ligação Lisboa-Porto imprópria de um país europeu, eixo atlântico por concretizar, etc., etc.. Mas o que se disse relativamente à ferrovia e à rede de alta velocidade pode referir-se, mutatis mutandis, quanto à localização de um novo aeroporto para a Grande Lisboa, assunto que se discute há mais décadas ainda. Era a desgraça da Ota, com um tal ministro Lino a garantir numa pronúncia afrancesada e ridícula que aeroportos na margem sul do Tejo, “jamais, jamais”!
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Foto: Steven Governo | Lusa
No momento em que escrevo este texto, os pré-avisos de greve em Lisboa e Setúbal estão já a ser anunciados. Invocam-se salários em atraso nas respectivas ETP, Empresas de Trabalho Portuário que têm sido paulatinamente encaminhadas para a falência com o desígnio último de serem tomadas pelo Sindicato, de maneira a assumir, de facto, a gestão da mão-de-obra portuária e, em boa parte, a própria gestão portuária sem investirem em capital mais que um único tostão. Uma estratégia sindical notável, de longo prazo, que faz jus à inteligência dos seus dirigentes, mas também à ligeireza e, em contraponto, à gestão do curto prazo da governação dos últimos anos neste domínio.
E Alcochete? E o Montijo? E agora a novidade de Alverca? Tudo isto, da logística infra-estrutural nacional, configurava as preocupações normais dos tais debates de há trinta anos, vinte, quinze, dez e… hoje. Francamente desanimador, já que, esses intermináveis debates e conhecimentos debitados e proporcionados pelos especialistas e outros técnicos e académicos nacionais foram inúteis, porque os governos não lhes ligaram nenhuma. Entretanto, o país foi-se endividando e as preocupações têm sido sistematicamente dirigidas para o aumento de mais quatro ou cinco euros aos mais desfavorecidos, ao salário mínimo, aos pensionistas, aos refugiados, etc.. As questões estratégicas da nossa sobrevivência enquanto nação são desprezadas. Vejamos algumas: segurança e defesa nacionais; saúde, cuja grande reforma deveria assentar na transformação do actual Serviço das doenças em “Sistema” integrado nacional da saúde; reformas de um sistema de ensino medíocre num modelo integrado de educação de qualidade; eficácia na protecção à família, enquanto unidade molecular e basilar da sociedade; enfim, a criação de um modelo económico baseado na criação de valor por empresas competitivas, em detrimento das negociatas dos bancos e do estado corrupto e dos políticos incompetentes, nalguns casos portadores de evidente doença maníaca e cleptocrática. No meio destas tergiversações que evidenciam a teimosia nacional de regresso ao passado salienta-se um facto notável. Arrancaram as dragagens do Sado, que o salvarão de indesejáveis assoreamentos, e terão já terminado a sua primeira fase, aquando da publicação deste número da Revista. Que se saiba, felizmente os maus agoiros não se cumpriram, ou seja, nem a península de Tróia foi engolida pelo oceano, nem os peixes, moluscos ou golfinhos desapareceram do estuário e nem sequer ocorreu qualquer maremoto por via das dragagens. Os reaccionários que atrasaram mais de trinta anos o desenvolvimento do porto de Setúbal e da região não vão ser penalizados pelas suas acções criminosas e os políticos que os protegeram, alguns deles continuarão a ser tratados com as honras dos nababos pela sociedade em geral. Quem se atreveu a dizer que o rei ia nu? Finalmente, espera-se que o mais que desejável alargamento da área de contentores do porto de Leixões siga o mesmo caminho de urgência das dragagens de Setúbal. Que se cumpram os desígnios mínimos que garantam às gerações futuras as infra-estruturas e ferramentas económicas que lhes permitam viver numa nação competitiva e desenvolvida, inclusive dos pontos de vistas cultural e social. Votos sinceros de bom início de 2020.