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Consortia Block Exemption

Consortia Block Exemption - uma exceção às regras da concorrência, desfasada da atualidade do setor

As regras da UE, nomeadamente as que resultam do Tratado que institui o seu funcionamento (TFUE), impedem, geralmente, as empresas de trabalhar em conjunto de forma suscetível de restringir a concorrência. Contudo, as empresas de transporte marítimo de carga - por, a dado momento, se ter concluído como necessária a cooperação entre elas em prol da viabilidade e eficiência financeira das suas operações - beneficiam de uma derrogação a esta proibição, por força do Regulamento (CE) n.º 96/2009 (mais conhecido por CBER – Consortia Block Exemption Regulation), que respeita a consórcios que assegurem serviços regulares de transporte marítimo internacional entre portos da UE e isenta as suas práticas, decisões e acordos específicos das regras da concorrência. Uma exceção à aplicabilidade da proibição constante do artigo 101.º, n.º 1 do TFUE (proibição de todos os acordos entre empresas e de todas as práticas concertadas, suscetíveis de afetar o comércio entre países da UE e que visem impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado único da UE). Trata-se, pois, de um regulamento específico e excecional, permitido ao abrigo do n.º 3 desse mesmo artigo, em vigência desde 26 de Abril de 2010, para consórcios de que possam resultar certos benefícios sociais ou maior eficiência para os consumidores sem falseamento da concorrência. Assim, do próprio CBER decorre que apenas poderão beneficiar de isenção por categoria os consórcios relativamente aos quais se possa presumir, com suficiente grau de certeza, que respeitam as condições legalmente previstas. Desta forma se contribui para: - A melhoria da produtividade, da qualidade dos serviços regulares existentes (atraInês Simões Carneiro Responsável Regional Norte APAT

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vés da racionalização das atividades das companhias membros e das economias de escala que proporcionam a nível da exploração dos navios e das instalações portuárias); - O progresso técnico e económico (facilitando e promovendo o recurso a contentores, bem como uma utilização mais eficaz da capacidade dos navios); - A capacidade de resposta às flutuações da oferta e da procura. De destacar, também, o facto de o Regulamento prever que uma parte equitativa das vantagens decorrentes das melhorias de eficiência através dos consórcios se deve repercutir nos utilizadores do serviço de transporte que, por sua vez, só beneficiam efetivamente dos consórcios se existir um grau de concorrência suficiente nos mercados relevantes em que operam os consórcios. Esta condição deve ser considerada preenchida quando um consórcio se mantém abaixo de um dado limiar de quota de mercado (30%), podendo-se assim presumir que esteja sujeito a uma concorrência efetiva, real ou potencial, por parte de companhias que não são membros desse consórcio. Este limiar de quota de mercado, as restantes condições estabelecidas no regulamento e a exclusão de certos comportamentos do seu benefício visam garantir que os acordos a que se aplica a isenção por categoria não concedam às empresas em causa a possibilidade de eliminarem a concorrência numa parte substancial do mercado relevante em causa. Originalmente válido até 25 de Abril de 2015, o CBER foi primeiramente prorrogado até 25 de Abril de 2020 [pelo Regulamento (CE) n.º 697/2014]. Em vista da proximidade desse novo termo da vigência, em 2018 a Comissão desencadeou um processo para avaliar a sua relevância e se cumpria a sua finalidade. Para tanto, estabeleceu 5 critérios de avaliação: Eficiência, Eficácia, Relevância, Coerência e Valor Acrescentado a nível da UE. Após auscultar as diferentes partes interessadas, acabou por elaborar um SWD (Staff Working Document), pronunciando-se a favor da prorrogação do CBER por um período de 4 anos, por ter concluído que, à luz dos critérios acima indicados, o mesmo mantém: i) Eficiência – porque, nos acordos de consórcio sobre a sua compatibilidade com o artigo 101.º do TFUE, cumpre o objetivo orientador de facilitar a compreensão por parte dos operadores, face à terminologia própria e específica do setor, assim promovendo maior segurança e certeza jurídicas; ii) Eficácia – por resultar na redução de custos de conformidade que, na sua falta, se tornariam mais complexos e elevados (nomeadamente com autoavaliações e aconselhamento jurídico); iii) Relevância – por ter promovido a consolidação do setor das companhias marítimas de transporte regular através de concentração, aliada a mudanças tecnológicas (realidade visível no aumento do tamanho dos navios porta-contentores, sem deterioração dos parâmetros da concorrência; registando inclusive uma

descida de preços sem sacrifício no nível e melhoria dos serviços e com repercussão de muitos dos benefícios, que essas eficiências proporcionam, nos utilizadores dos serviços de transporte marítimo de mercadorias); iv) Coerência – por se manter alinhado com a necessidade do setor de um regulamento de exceção específico e coerente com outras políticas europeias, nomeadamente ambientais (uma vez que a partilha de navios contribui para a diminuição de consumo de combustível por TEU) e tecnológicas (dado que navios mais modernos e eficientes e sistemas TI de localização de contentores melhor satisfazem as exigências dos carregadores), assim como com as prioridades da Comissão em emprego, crescimento e investimento; v) Valor Acrescentado da UE – por ser mais apropriado para orientação sobre a aplicação das regras da concorrência à prestação de serviços internacionais de transporte marítimo do que os Estados- -Membros. No entanto, nesse mesmo SWD, a Comissão admitiu ter enfrentado algumas limitações, sobretudo quanto à recolha dos preços gerais de serviço, ao cálculo preciso das quotas de mercado e às dificuldades em estabelecer e avaliar ligações causais entre fatores… contradição que, infelizmente, não se fica por aqui. Várias são as possibilidades de participar no processo legislativo da UE, desde a fase preparatória, à avaliação do desempenho da legislação em vigor, passando pela fase da proposta. Os comentários podem ser apresentados no contexto de consultas públicas ou através de outras ferramentas em linha, tendo a Comissão (ou, pelo menos, devendo ter) em conta esses comentários. E muitos foram os que recebeu na sequência da consulta pública que promoveu sobre a matéria – nomeadamente os da CLECAT, que a APAT, enquanto presidente do seu Maritime Logistic Institute, subscreve. Em causa não está apenas a decisão favorável da CE à prorrogação do CBER, mas, pior ainda, o facto de não concluir pela necessidade de revisão ou alteração ao diploma em análise, (apesar das vozes de relevo do setor que se ergueram no sentido dessa necessidade de revisão), e de a incluir no seu programa de trabalhos para 2020. Não obstante as limitações com que reconhecidamente se deparou, a Comissão defende que a decisão de prorrogação do CBER “continuará a simplificar a análise ao cumprimento das regras de concorrência por parte dos consórcios e a limitar a dependência face ao aconselhamento externo, reduzindo os custos legais” (Cfr. Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões de 29.1.2020 intitulada “Programa de trabalho da Comissão para 2020 – Uma União mais ambiciosa). Desconsidera, assim, em absoluto, as vozes dissonantes por parte das associações representativas dos carregadores, transitários e fornecedores de serviços portuários, obviando às significativas alterações de mercado desde a implementação de tal regime de isenção e que resultaram no condicionamento da capacidade de escolha dos clientes. Pelo exposto, a condução deste processo de avaliação por parte da CE, a sua subsequente decisão de manter o regime de isenção para os consórcios de companhias marítimas por mais 4 anos, bem como a argumentação em que a sustenta (com as limitações já referidas), levantam, assim, muitas reservas… Associações como a ESC, Associação Europeia de Rebocadores, FEPORT e CLECAT não pouparam críticas neste sentido e defendem a necessidade de uma análise mais aprofundada. Para o efeito emitiram um comunicado conjunto, onde apontam irregularidades jurídicas nos argumentos avançados pela Comissão, as quais passam, precisamente, pela falta de dados, assunção de ganhos de eficiência baseados na opinião unilateral, falta de uma capaz definição de mercados geográficos relevantes para precisar quotas de mercado e a incapacidade total de identificação de benefícios para os utilizadores. Pode perguntar-se, então, o que impediu a Comissão de obter os dados e informações relevantes sobre o preço e a participação no mercado (de disponibilização imediata pelas transportadoras que beneficiam do CBER), que lhe iriam permitir rever o diploma, à luz dos desenvolvimentos do setor, desde a sua última revisão em 2014? Ao reconhecer a dificuldade em calcular com precisão as quotas de mercado dos consórcios e ao não conseguir apurar se estes se enquadram dentro do limiar de participação de mercado, a Comissão não estará a admitir a impossibilidade de cumprimento dos termos do CBER? Como pode a Comissão concluir pela irrelevância das Alianças fora do limite de 30% de participação no mercado, quando estas permitem compartilhar informações e manipular o mercado? Qual a razão que levou a Comissão a não reconhecer que a possibilidade reduzida de racionalização de custos resultou na deterioração contínua da qualidade do serviço e no abuso de poder devido a posições dominantes, apesar das evidências constantes de relatórios do ITF? Por que é que a Comissão se absteve de analisar o impacto dos consórcios de transporte marítimo nas operações portuárias e no transporte terrestre, quando atualmente as transportadoras alargaram os seus serviços para “de porta a porta”? Por que é que o documento de trabalho da Comissão não reflete as alterações de mercado decorrentes da globalização, da concentração de mercado e digitalização? Todas estas e outras questões foram colocadas pelas referidas associações em carta aberta dirigida a Margereth Vesteger (atual Comissária Europeia para a Concorrência) datada de 7 de fevereiro, ainda hoje a aguardar resposta. Também por carta datada de 10 de fevereiro, enviada a Frans Timmermans (primeiro vice-presidente da Comissão Europeia e comissário europeu para Legislar Melhor, Relações Interinstitucionais, Estado de Direito e Carta Fundamental dos Direitos Fundamentais desde 2014) expressaram todas estas preocupações, ainda sem resultados. A verdade é que todas estas incongruências e irregularidades do processo de avaliação e respetivo resultado carecem, efetivamente, de maiores esclarecimentos, porquanto chegam a contrariar diretamente as condições mínimas de salvaguarda da concorrência saudável, previstas e impostas pelo próprio CBER na sua versão atual!

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