Catalogo Funarte Traplev

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sistemas de estruturas e elementos de fachada, sala 7 - Traplev



sistemas de estruturas e elementos de fachada, sala 7 - traplev systems of structures and facade elements, room 7

Galeria Fayga Ostrower Complexo Cultural Funarte BrasĂ­lia 21 de junho a 6 de agosto de 2017




- vistas da arquibancada - dispositivo para “novoprotesto” - com as almofadas pedagógicas e material de distribuição gratuita para o público: cartaz-mapa, adesivos e stêncil-folder educativo, tiragem mil exemplares cada um; - views from the grandstand - a “novoprotesto”* device - along with pedagogical cushion and free distribution material for the public: folder-map, educational stickers and folder-stencil. one hundred copies each; - retrato do dia da abertura com o público na fala do curador Germano Dushá e o artista Traplev. - a picture from the opening day: the public at curator Germano Dushá’s speech and the artist Traplev. O projeto “novoprotesto” surgiu em 2013 como uma resposta automática e subjetiva às manifestações de junho e julho daquela época, e teve sua primeira versão de montagem em Curitiba no prêmio SESI de Arte Contemporânea daquele mesmo ano, onde as placas foram fixadas em 15 grades de contenção (também de metal), uma do lado da outra criando uma interrupção no espaço, e com a repetição da palavra “novoprotesto”. A diferença daqueie projeto para este foi que na sua essência a grade afasta e separa as pessoas. E para esse contexto em Brasília neste momento, 4 anos depois e tudo isso acontecido, pensei na arquibancada justamente como um dispositivo que pudesse ao invés de repelir, reunir e concentrar as pessoas. The “novoprotesto” project was born in 2013 as an immediate random answer to June/July protests during that time, and had its first installation version in Curitiba at this very year’s SESI Contemporary Art Prize, when the signs were fixed over 15 security gates (also made of metal), standing side by side, creating a prolongation through space, repeating the word “novoprotesto”. The difference between that project and the present one is that security gates in their essence tear people apart. And for this moment and circumstance in Brasilia, 4 years later and after everything that has happened, I thought on the grandstand just as a get together and concentrating people device, instead of a repealing one.


páginas anteriores (previous pages): - vista da entrada com a arquibancada e as placas do “novoprotesto”, 2013/2017; entrance view with the grandstand and the “novoprotesto” signs displayed, 2016/2017; páginas seguintes (next pages): - vista da exposição da arquibancada com “almofadas pedagógicas”, 2016/2017. - exhibition view from the grandstand with “pedagogical cushion” displayed, 2016/2017.




- vistas da exposição com “alfabeto flúor” 2016/17 (4 cavaletes 100cmx90cm e 1 cavalete 150cmx100cm), arquibancada (160cmx800cm x200cm), almofadas pedagógicas, 2016/17 e “novasbandeiras” 1, 2016/17 (na parede a direita 200cmx100cm). - exhibition views with “alfabeto flúor” displayed 2016/17 (4 stands 100cm x 90cm and 1 stand 150cm x 100cm), grandstand (160cm x 800cm), “novasbandeiras” 1 (“newflags” 1), 2016/17 (hanged on the wall on the right, 200cm x 100cm) *os “alfabeto flúors”, foram pensados e produzidos a partir da ruptura institucional em maio de 2016 no Brasil, naquele momento reuni vários textos e artigos que faziam uma análise crítica sobre a situação do país, além de outros que evidenciam fatos e conflito de interesses e interví sobre eles escrevendo aleatóriamente letras, números e sinais gráficos, como que criando uma outra narrativa linguística e estética do acontecimento histórico. O projeto está em processo aguardando novos marcos políticos do país para se fazer registrar esta época. *the “alfabeto flúors” (“fluorine alphabets”) were created and produced as of the institutional rupture in May 2016 in Brazil, at that moment I gathered several texts and articles that made a critical analysis of the country’s situation, as well as others that showed facts and conflict of interests and I intervened on them by randomly writing letters, numbers and signs, as if creating another linguistic and aesthetic narrative of the historical event. The project is in process, awaiting new political milestones of the country to make this period recorded.



Imaginemos sobre o que se trata esta exposição, sobre como podemos enfrentá-la e do embate tirar melhor proveito: De início, é impossível começarmos sem que se tome em conta o contexto no qual se inscreve. Pensada para uma Brasília que a cada dia caminha a passos largos rumo ao seu destino, a saber, um mausoléu moderno cuja enormidade de concreto em formas inventivas abriga o cinismo e o escárnio de uma casta política que afasta-se de qualquer moralidade enquanto gerencia o desmantelamento do país, “Sistemas de estruturas e elementos de fachada, sala 7” está instalada no núcleo administrativo e simbólico da suposta democracia brasileira, em um de seus momentos mais turbulentos. Agora ao nosso redor enxergamos um mobiliário urbano — utilizado para organizar grandes grupos de pessoas em determinadas conjunturas — combinado com excertos do debate público manipulados graficamente e impressos em diversas técnicas de circulação de informação. Suspeito, então, que o que testemunhamos nestas bandeiras, print screens, placas, adesivos, cavaletes e gravuras é a explosão da linguagem conhecida e dos códigos e estruturas pelos quais nos comunicamos ou nos agremiamos. No entanto, não é a cena do estouro em si que se apresenta, e sim os seus vestígios. Estaríamos, dessa maneira, diante dos estilhaços de uma comunicação tão complexa quanto corrompida. Por meio dessas livres apropriações o artista abre espaços de reflexão e diálogo. Do posicionamento crítico em relação ao bombardeio midiático — e seus interesses escusos — à proposição de uma possível pedagogia comprometida com questões sociais, cada lance aqui articula outros sentidos a partir do que assola as televisões, rádios, jornais, portais de notícia e timelines. Está posto, assim, um plano suspenso, que só existe em potência; fundado em nada mais que hipóteses, em pensamentos errantes que insistem em enfrentar o absurdo cotidiano. No entanto, está aqui um circuito para elaborarmos novas ideias, novas maneiras de nos afetarmos. Uma provocação para pensarmos e sentirmos juntos o colapso que nos cerca. Um convite para experimentarmos possibilidades de entendimento a respeito dos processos políticos da história recente do Brasil. Um gatilho para nos questionarmos a respeito do que nos é intolerável. Um urro sobre a evidente impossibilidade emocional-política de continuarmos qualquer dia a mais pelas vias já experimentadas. Sobretudo, está posto aqui um agito: agiremos ou deixaremos, de uma vez por todas, de agir? Germano Dushá


Let us imagine what this exhibition is about, how we can face it and from this confrontation take the best advantage: For starters, it is impossible to begin without taking into consideration the context in which it is inscribed. Thought for a Brasília that each day strides towards its destiny, that is to say, a modernist mausoleum which concrete enormity in such inventive forms shelters the cynicism and mockery of a political caste departed from any morality while managing the country’s dismantlment, “Systems of structures and elements of scam, room 7” is installed in the symbolic and administrative heart of a supposed Brazilian democracy, in one of its most turbulent times. We can see ourselves now surrounded by urban furnishings – used for organizing great groups of people under specific circumstances – combined with graphically manipulated excerpts from the public debate, printed in various techniques of circulating information. I suspect, thus, that what we witness in these flags, screenshots, signs, stickers, stands and engravings is the explosion of a known language by which we communicate and aggregate and its codes and structures. However, it’s not the scene of the burst itself that is shown here, but its traces. We would be, in this sense, before the fragments of a communication so complex as corrupted. Throughout these free appropriations, the artist opens room for reflection and dialogue. From a critical point of view in relation to the media bombardment – and its shadowy interests – to the proposition of a possible socially engaged pedagogy, every glimpse here arouses other senses as of what saturates the television, radios, newspapers and portals or timeline feeds. Thus, it is set a suspended scheme that only exists potentially; founded on nothing more than hypothesis, in wandering thoughts insisting to face the daily absurd. On the other hand, we have here a circuit for elaborating new ideas, new ways to affect each other. A provocation to make us think and feel together the collapse surrounding us. An invitation to experiment possible understandings towards Brazil’s political processes in its recent history. A trigger to make us question what is intolerable to us. A roar about the evident political-emotional impossibility of continuing any day more on the same track already experimented. Above all, there is a fuss here: will we act or will we stop acting once and for all?

Germano Dushá Translated by Bia Rodrigues and revised by Fernando Ticoulat * the original exhibition title uses the word “fachada”, which means both “facade” and “scam” in Brazilian Portuguese. Since there’s no such ambiguity in an English word, the translator chose to emphasize the critic.







esta exposição* oferece um momento como experiência a ser vivida, nem mediada muito menos mediatizada. Daí a necessidade de uma zona indeterminada além do que está dado, além do espectador e da obra de arte, além do dizível e visível, de novo: o avesso do imaginário. Marcada pelo excesso e repetição, esta exposição é uma constelação que não busca uma unidade, mas pulsa forte. Estamos diante de uma interrupção em que se espera alimentar algum tipo de pensamento contra-hegemônico ou ao menos promover a extinta capacidade de sonhar acordado, de estar, e não produzir. A linguagem é um sistema de signos arbitrários socialmente aceito, é um código. Considerando nossa realidade fragmentada por uma avalanche de imagens desumanizadas, metamorfoseadas num gigante aparelho hipnótico que nos reduz a apenas agentes de consumo, corpos genéricos, é preciso reconhecer o esgotamento da linguagem. Com ela não há nenhuma possibilidade de alteração do status quo. Traplev quebra com este código ao privilegiar sua função estética, atraindo atenção à forma e não ao conteúdo dos signos, relacionando-se de modo ambíguo com o sistema de expectativas e permitindo sentidos que vão além do dizível e representável. Percebe-se aqui uma das premissas desta exposição: a revolução da linguagem é inexorável à revolução social, provavelmente anterior a ela na medida em que abre a frente para nos libertar da colonização dos nossos afetos. Sua construção de imagens engloba signos verbais e viscerais, sobrepondo imaginação na realidade. Como vemos na série alfabeto flúor, tempos de, o artista recolheu textos durante o período de consolidação do primeiro passo do golpe parlamentar brasileiro de 2016 e de todas as críticas e reflexões que se sucederam no período de abril de 2016 para cá. Posteriormente, Traplev realizou intervenções nestes textos com letras, números ou sinais gráficos em verde flúor. O uso não discursivo da linguagem torna-se aparelho poético que desvia e desnaturaliza os códigos em que a linguagem é construída. O jogo de signos promovido pelo artista escapa à significação, tornando-se ritmos e melodia, pintura espacial. Ao deslocar os referentes, produz-se uma incerteza interpretativa na qual não cabe uma leitura, mas várias, a serem conduzidas por razões outras que as lógicas. O conjunto de trabalhos inéditos apresentados por Traplev lidam com o contexto sócio-político imediato pelo qual o país está passando por. Acompanhando o descontentamento geral da sociedade com o hábito de seus representantes, a efervescência do presente é sua matéria prima. De suposição em suposição, está cada vez mais difícil separar fato de ficção, e Traplev se coloca na retaguarda monitorando a tragédia. Seu objetivo não é romper com a ordem, mas expor sua crise, registrando seus pontos de colapso e também superação. Segundo o artista, “estamos vivendo em um Estado de Exceção, em que as premissas éticas e jurídicas foram todas invertidas justamente para poderem ser manipuladas em favor do estado autoritário que se enxerga descaradamente”. É o que se conclui quando observamos a tentativa do congresso nacional em tipificar o crime de caixa de dois com o intuito de anistiar a prática conforme realizada até hoje. Ora, não há crime sem lei anterior que o defina… Indignado diante desta situação, Traplev insiste em brechas, espaços e tempos abertos. Sua ação é um esforço em revelar o subjacente, arrancar o véu da realidade. E este ato é conduzido de maneira violenta, um grito estridente. E que fique claro, não se trata de representar distopias, mas apenas despedaçar a grã narrativa que nos pacifica e normaliza a crise. Assim, o artista não emana nenhuma intenção clara, e o ponto de significação de suas obras se dá no receptor, ou seja: você, espectador que pode e deve confiar em suas próprias sinapses.


this exhibition offers a moment as an experience to be lived, not mediated and even less mediatized. Hence the need for an indeterminate zone beyond what is given, beyond the spectator and the work of art, beyond the sayable and visible, again: the reverse of the imaginary. Marked by excess and repetition, this exhibition is a constellation that does not seek a unity, but pulsates strongly. We are facing an interruption which hopes to feed some kind of counter-hegemonic thinking or at least promote the extinct ability to daydream, of being, and not producing. Language is a system of arbitrary signs socially accepted, it is a code. Considering our reality fragmented by an avalanche of dehumanized images, metamorphosed into a giant hypnotic apparatus that reduces us to mere agents of consumption, generic bodies, we must recognize the exhaustion of language. With it there is no possibility of changing the status quo. Traplev breaks with this code by privileging its aesthetic function, drawing attention to the form and not the content of signs, relating ambiguously with the system of expectations allowing meanings that go beyond the speakable and representable. One of the premises of this exhibition is perceived here: the revolution of language is inexorable to the social revolution, probably prior to it insofar as it opens the way to free us from the colonization of our affections. Its construction of images encompasses verbal and visceral signs, overlapping imagination in reality. As we see in the series alfabeto flúor, tempos de, the artist gathered texts during the period of consolidation of the first step towards the Brazilian parliamentary coup of 2016 and of all the criticisms and reflections that followed in the period of April 2016 to now. Later, Traplev made interventions in these texts with letters, numbers or graphic signs in green fluorine. The non-discursive use of language becomes a poetic apparatus that deviates and denatures the codes in which language is constructed. The game of signs promoted by the artist escapes meaning, becoming rhythms and melody, space painting. By displacing referents, there is an interpretative uncertainty in which there is no single reading, but several, to be conducted for reasons other than logic. The set of unprecedent works presented by Traplev deal with the immediate socio-political context that the country is going through. Following the general discontent of society with the habit of its representatives, the effervescence of the present is his raw material. From supposition to assumption, it is increasingly difficult to separate fact from fiction, and Traplev puts himself in the rearguard monitoring the tragedy. His aim is not to break with the order, but to expose its crisis, registering its points of collapse and also overcoming. According to the artist, “we are living in a State of Exception, where the ethical and legal premises have all been reversed precisely so that they can be manipulated in favor of the authoritarian state that is openly seen.” That is what we conclude when we observe the attempt of the national congress to typify the crime of slush fund with the intention of amnestying the practice as carried out until today. As they say, there is no crime without previous law that defines it ... Outraged at this situation, Traplev insists on gaps and open-ended spaces and times. His action is an effort to reveal the underlying, to pullout the veil of reality. And this act is conducted violently, a shrill scream. And let’s be clear, it’s not about representing dystopias, but merely smashing the grand narrative that pacifies and normalizes the crisis. Thus, the artist emanates no clear intention, and the point of signification of his works occurs in the receiver, that is: you, the spectator who can and should trust your own synapses.


Cada época contém suas próprias formas de significação. Por excelência, a nossa é a internet no celular, e todos os trabalhos desta exposição surgem desta interface. Utilizando esta caixa de ferramentas, Traplev emprega os circuitos eletrônicos de comunicação para expressar sua resistência e ao mesmo tempo produzir novas subjetividades. O artista opera sobre as imagens-notícias reproduzidas pelos veículos de comunicação buscando quebrar os condicionamentos impostos por ela. Sampleando o conteúdo produzido neste âmbito, interpreta e articula-os desmascarando sua farsa. O vídeo Registro de Processo de Edição (espionagem) mostra os termos em que se dão este processo. É sobre o celular como um fim em si mesmo, uma exploração dos seus potenciais artísticos, suas possibilidades de estetização. Os dispositivos nesta exposição buscam interromper o fluxo anestesiante dos sufocantes slogans publicitários e das burocracias do cotidiano. Nosso tempo está saturado e precisamos de um antídoto capaz de reintroduzir a singularidade da experiência. Inclinando sobre a linguagem que produz nossa realidade, Traplev realiza intervenções críticas na cultura que, sem nenhum traço de cinismo, convocam-nos a uma conversa (no sentido radical do termo). Em sua tentativa de agarrar o mundo, as posições tradicionais entre obra de arte e visitante são invertidas. Traplev não faz objetos para serem contemplados. Na verdade, a coisa em si não é o cerne de seu trabalho, a preocupação está numa realidade além dele. Enquanto é evidente que o artista lida com o real em seus trabalhos, não é um real como uma janela para o mundo, uma paisagem de nuvens. É um olhar para o íntimo da experiência de ser, vem de dentro e não de fora. A ideia da tela como espelho do mundo é rompida, oferecendo um espaço imaterial que não se restringe aos limites físicos da obra ou do local que a situa. Vai além da representação de um imaginário apaziguador. Ao fazer isso, revira nosso imaginário e abre uma fresta para o impossível furo atrás do espelho: o avesso do imaginário. Estamos na terceira margem. As Almofadas Pedagógicas, mais do que contar histórias passadas de movimentos sociais e históricos identificados como contraculturais, indicam que o presente poderia ser diferente. Assim, sugere que o futuro também possa ser diferente. Importante observação num contexto em que especulamos tanto no futuro em detrimento do presente que vivemos numa espécie de pretérito do futuro. Para além do jogo de palavras, isto aponta que o presente foi esvaziado de qualquer potencial revolucionário. Se o futuro está dado, se já sabemos como ele vai ser e inclusive já moramos nele, então não há nada que possamos fazer hoje que melhore o amanhã. É o fim da imaginação, o golpe derradeiro na utopia. Se o afeto político dominante é o imaginário, uma espécie de paisagem do sentimento, também é verdade que podemos agir sobre sua configuração a partir de experiências compartilhadas. Rompendo com a lógica do espetáculo, Fernando Ticoulat

*Texto publicado em ocasião da exposição individual “novasbandeiras entre almofadas pedagógicas” do artista na Sé galeria abril/juho de 2017 em São Paulo e que traz muitas das discussões dos trabalhos também apresentados em Brasília.


Each era contains its own forms of signification. By excellence, ours is the internet on the cell phone, and all the works of this exhibition arises from this interface. Using this toolbox, Traplev employs electronic communication circuits to express his resistance and at the same time produce new subjectivities. The artist operates on the news images reproduced by the media seeking to break the conditions imposed by it. By sampling the content produced in this context, he interprets and articulates them to unmask their farce. The video Registro de Processo de Edição (espionagem) shows the terms in which this process takes place. It is about the cellphone as an end in itself, an exploration of its artistic potential, its possibilities of aestheticization. The devices in this exhibition seek to interrupt the numbing flow of suffocating advertising slogans and everyday bureaucracies. Our time is saturated and we need an antidote capable of reintroducing the uniqueness of experience. Leaning over the language that produces our reality, without any trace of cynicism Traplev performs critical interventions in culture that summon us to a conversation (in the radical sense of the term). In his attempt to seize the world, the traditional positions between work of art and visitor are reversed. Traplev doesn’t do objects meant to be contemplated. Actually, the thing itself is not the core of his work, the concern is in a reality beyond it. While it is evident that the artist deals with the real in his artworks, it is not a real as a window into the world, a landscape of clouds. It is a view towards the intimate of the experience of being, it comes from within and not from without. The idea of the canvas as a mirror of the world is ruptured, offering an immaterial space that is not restricted to the physical limits of the artwork or the site where it is located. It goes beyond the representation of an appeasing imaginary. In doing so, our imaginary is turned inside out and a crack leading to the impossible hole behind the mirror is opened: the reverse of the imaginary. We are on the third bank. The Almofadas Pedagógicas, more than telling past histories of social and historical movements identified as countercultural, indicate that the present could be different. Thus, it suggests that the future may also be different. Important observation in a context in which we speculate so much in the future to the detriment of the present that we live in a kind of future past tense. Wordplay apart, this points out that the present has been emptied of any revolutionary potential. If the future is given, if we know how it will be and we even already live in it, then there is nothing we can do today that will make a better tomorrow. It is the end of imagination, the ultimate blow on utopia. If the dominant political affection is the imaginary, a kind of landscape of feelings, it is also true that we can act upon its configuration as of shared experiences. Tearing the logic of the spectacle,

Fernando Ticoulat

Translate by Fernando Ticoulat

* Text published on the occasion of the individual exhibition “newflags among pedagogical cushions” by the artist at Sé Gallery April/June 2017 in São Paulo, which brings many of the discussions of the works also presented in Brasília.





páginas anteriores (previous pages): - “formulário 2 (sem título)”, 2012/2017, cerca de 40 ou mais pastas poliondas sobre o chão; - “Twitter ao vivo, 10.07.2017” - “Form 2 (Untitled)”, 2012/2017, about 40 or more school folders on the floor; - “Twitter live, 10.07.2017”;


- da série “suposta propina e suposta delação”, 2016/2017 - metacrilato (30cmx40cm cada uma) - from the series “supposed bribe and supposed whistle blow”, 2016/2017 - Methacrylate, (30cmx40cm each)


A que tipo de convocação nossos corpos reagem?* Vivemos na cultura o seguinte paradigma: por um lado, a crítica ao materialismo nos empurra ao questionamento dos movimentos identitários em direção a uma ontologia negativa. Por outro lado, o esvaziamento dos imaginários nos deixou à mercê de discursos cuja natureza simplista e com talento para o totalitarismo levou à aderência a soluções “mágicas e universais” e a proposição de “salvadores da pátria”. Ao escrever isso, me parece que, pelo menos, a psicanálise não perdeu sua característica de produto da cultura. O fato de estarmos próximos dos paradigmas pelos quais passam a política e a arte me encoraja a acreditar na possibilidade de construção de soluções complexas e coletivas. A exposição de Traplev me parece um passo na construção dessas estratégias. Em “novas bandeiras”, vemos a apropriação da linguagem corrente e o hackeamento dessa informação através das letras sobrepostas aos textos. Pela interferência na redação urgente, a denúncia das palavras inertes e vazias. Não são palavras pensadas para mudar os mundos. São vômitos narcísicos cuja impotência é flagrante. No vídeo intitulado “espionagem”, o uso poético da tecnologia móvel indica a importância de absorvermos essas máquinas para fazê-las agir com docilidade. Assim como fizemos com a televisão, é importante construir anticorpos às alienantes e estereotipadas ações que nos propõem. Em uma ética antropofágica, deixaremos nossos corpos permeáveis à tecnologia do adversário. Em “almofadas pedagógicas”, o mesmo sistema gráfico e simbólico, permite a construção de imagens potentes e eficazes. Agora sim, alteração no presente. As escolhas de Traplev ao discernir do que é possível fazer uso e o que é importante descartar da linguagem que usamos e que nos usa indicam um estratégia sutil de produção de saber que é sensível. O que é possível fazer diante do cenário de “crise” e de “golpe” estabelece-se no entre. Em conversas que tivemos pelo messenger do facebook, discutimos o quanto não só a arte, mas também a psicanálise, deve dedicar-se à construção de novas linguagens e lógicas que não as submetam novamente ao expediente de transformá-las em algo que não seja composto de sua própria essência, como sucedeu a Freud e Lacan. A psicanálise, a todo momento, foi sempre algo cujo efeito foi maior que seu estabelecimento enquanto ciência. Ambos os projetos, o biologizante e depois o antropológico de Freud, seguidos dos projetos linguístico e depois matemático de Lacan, fracassaram fartamente ao se distanciarem da vivacidade da experiência que se propõe a um ser quando se lhe pedem que fale sobre seus males. Nesse sentido, as almofadas se colocam não enquanto estratégia de redação de uma nova história, cujos protagonistas seriam dessa vez grupos e pessoas subjugados pelas lógicas coletivas clássicas que submetem a diferença. São, por outro lado, objetos sensíveis cujo toque ativa os afetos que apontam para novas aporias. O trabalho não se coloca dialético, mas sim avança como diagonal possível sobre o frágil terreno do futuro. A terceira margem. Após a escrita do trecho acima, tive novas conversas com Traplev. Entre nossos assuntos havia surgido um denominador comum: o educador e filósofo Paulo Freire. Atento à importância da resistência ao neoliberalismo, em seu livro A pedagogia da autonomia1, ele se detém na defesa da raiva em alguns momentos do texto. Para ele, é um sentimento mobilizador. Não o único, mas possivelmente o motor de sua criticidade. Ele não deixa de alertar porém que o “clima” para quem pensa certo é o da defesa da seriedade de sua argumentação, sem que isso faça com que nutra por seu adversário um ódio que extrapole o assunto do debate. “Faz parte do pensar certo o gosto da generosidade que, não negando a quem o tem o direito à raiva, a distingue da raivosidade irrefreada” (Freire, 2011, P. 36). Ou ainda: “O que a raiva não pode é, perdendo os limites que a confinam, perder-se em raivosidade que corre sempre o risco de alongar-se em odiosidade” (Freire, 2011, P. 41).


What kind of convocation do our bodies react to?* We are subject to the following paradigm in culture: on one hand, the critique of materialism pushes us to question identity movements heading to a negative ontology. On the other hand, the emptying of the imaginary left us at the mercy of discourses whose simplistic nature and with talent for totalitarianism led to adherence to “magic and universal” solutions and the proposition of “saviors of the world”. In writing this, it seems to me that at least psychoanalysis has not lost its characteristic as a product of culture. The fact that we are close to the paradigms through which politics and art also pass encourages me in believing in the possibility of complex and collective solutions. Traplev’s exhibition seems to me as a step in the construction of these strategies. In “novas bandeiras” we see the appropriation of the current language and the hacking of this information through the letters superimposed on the texts. With the interference in urgent writing, we have the denunciation of inert and empty words. They are not words meant to change the worlds. They are narcissistic vomits whose impotence is blatant. In the video called “espionagem”, the poetic use of mobile technology indicates the importance of absorbing these machines to make them act docile. Just as we did with television, it is important to build antibodies to the alienating and stereotyped actions they propose us. In an anthropophagic ethic, we will leave our bodies permeable to the technology of the adversary. In “almofadas pedagógicas” the same graphic and symbolic system allows the construction of powerful and effective images. Now, at last, change in the present. Traplev’s choices in discerning what is possible to use and what is important to discard from the language we use and which uses us indicates a subtle strategy of production of knowledge that is sensitive. What is possible to do in a scenario of “crisis” and “coup” is created in between. In conversations we had on Facebook’s Messenger, we discussed that not only art but also psychoanalysis should devote themselves to the construction of new languages and logics that do not subject the two to the task of transforming them into something that is not composed of their own essence, as it happened to Freud and Lacan. Psychoanalysis, at all times, was always something whose effect was greater than its establishment as science. Both the biologist and then the anthropological projects of Freud, followed by Lacan’s linguistic and mathematical projects, have largely failed as they distanced from the vivacity of the experience that is proposed to a being when it is asked to speak about it’s maladies. In this sense, the cushions are proposed not as a strategy for writing a new history, whose protagonists this time would be groups and people subjugated by the classic collective logics that submit difference. They are, actually, sensitive objects whose touch activates the affections that point to new aporias. This work is not dialectical, but it advances diagonally as a possibility towards the fragile terrain of the future. A third margin. After writing the text above, I had new conversations with Traplev. There was a common denominator among our interests: Paulo Freire, the Brazilian educator and philosopher. Awake to the importance of resistance to neoliberalism, in his book Pedagogy of autonomy1, he takes time in the defense of anger at some moments of the text. He locates it as a feeling that could lead for mobilization. Not the only one, but possibly the engine of his own criticality. He nonetheless warns that the “mood” for those who think it right is to defend the seriousness of their arguments, but not to nourish for their adversaries a hatred that goes beyond the subject of the debate. “It is part of the right thinking a taste of generosity that, not denying it to those who have the right to anger, distinguishes it from unrestrained rage” (Freire, 2011, p. 36). Or even: “What anger can not, by losing the limits that restrain it, is to be lost in rage that always runs the risk of stretching itself into hate” (Freire, 2011, p. 41).


Nesse sentido, chama atenção a medida proposta na montagem, uma escolha sobre o que propor de estratégias para a denúncia da odiosidade em textos online e sobre como falar de estratégias de subversão correntes, seja em sua realização no presente, como na atualização de gestos passados, que se faz especificamente nas almofadas. Sobre as almofadas, lhes proponho pensar como ações que convoquem o corpo tornam-se mais eficazes ao levarem em consideração a complexidade da forma humana. Nas palavras de Paulo Freire: “Quem pensa certo está cansado de saber que as palavras a que falta a corporeidade do exemplo, pouco ou quase nada valem. Pensar certo é fazer certo” (Freire, 2011, P. 35). Convido-lhes a imaginar que tipos de iniciativas de resistência são possíveis a partir de seus corpos, seja ao sistema neoliberal, ou a cenários específicos do atual momento político brasileiro. Em suas cartas a Hélio Oiticica, Lygia Clark2 critica os artistas europeus do meio do século passado por considerar que todas as suas soluções permaneciam pautadas na invenção. Aparentemente, os seus contemporâneos estavam fadados a construção pretendida por Freud e Lacan, a existência de algo para além dos corpos a partir dos quais foi produzido e sem suas marcas. Lygia, naquela época, apresentava pela primeira vez seus “Bichos”, em que procurava convocar as memórias afetivas presentes nos corpos de seus interlocutores, para que nesse entre, entre seus corpos, algo se produzisse. A marca do toque das almofadas de Traplev, me convocou a interrogá-los em suas experiências pela busca de repertório sensível a partir do qual possamos agir, sem nos destruir mutualmente, em busca de um comum em função da superação de limites que degradam a já precária existência humana.

Ana Cláudia Holanda

*Texto escrito na ocasião do debate que houve na galeria Sé em abril/2017 em São Paulo, onde Traplev convidou Cláudia para conversar sobre questões psnicanalísticas e reações estéticas do nosso tempo e também faz muito sentido pra reflexão da exposição em Brasília.

___________________ 1 - Paulo Freire. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 2011. 2 - Lygia Clark, Hélio Oiticica. Cartas: 1964-74. Organizado por Luciano Figueiredo. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 1996.


In this sense, it is worth noting the sensibility put into the assembly of the pieces in the exhibition: a choice between the proposition of strategies for denouncing hate in online plataforms and the demonstration of current subversion strategies, whether they are done in the present or are brought back from the past, as we can see in “almofadas pedagógicas”. Over the pillows, I ask you to think how actions that call to the body become more effective for taking into consideration the complexity of the human form. In the words of Paulo Freire: “Those who think right are tired of knowing that the words lacking the embodiment of example are worth little or nothing. To think right is to do right”(p. 35). I invite you to imagine what types of resistance initiatives are possible from your bodies, be it to the neoliberal system, or to specific scenarios of the current Brazilian political moment. In her letters to Hélio Oiticica, Lygia Clark2 criticized European artists from mid-last-century for considering that all their solutions remained based on invention. Apparently, their contemporaries were fated to the construction intended by Freud and Lacan, the existence of something beyond the bodies from which it was produced and without its marks. Lygia, at that time, presented for the first time her Bichos, in which she sought to summon the affective memories present in the bodies of her interlocutors, so that in between their bodies, something would be created. The mark left from the touch of Traplev’s cushions called me to interrogate you in your experiences in the search for sensitive repertoire from which we can act, without destroying ourselves mutually, in search of a common that could overcome limits that degrade the already precarious human existence.

Ana Cláudia Holanda Translate by Ana Cláudia Holanda

* Text written on the occasion of the debate that took place at Sé in June 2017 where Traplev invited Cláudia to talk about psychoanalytic issues and aesthetic reactions of our time.

___________________ 1 - Paulo Freire. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 2011. 2 - Lygia Clark, Hélio Oiticica. Cartas: 1964-74. Organizado por Luciano Figueiredo. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 1996.


- “almofadas pedagógicas”, 2016/2017 (em processo), impressão sobre tecido, vista na arquibancada, 30cmx40cm cada; - retrato da historiadora e ativista negra Maria Beatriz do Nascimento (personagem de uma das almofadas pedagógicas). - “pedagogical cushion”, 2016/2017 (in process), print over fabric, grandstand view, 30x40 cm each; - Portrait of history teacher and black activist Maria Beatriz do Nascimento (historical character of one of the pedagogical cushions)


“almofada pedagógica” é um dispositivo de difusão de conhecimento e funciona como um índice de referências históricas e contemporâneas de movimentos, causas, programas, fatos históricos e personagens de lutas de resistência no Brasil, para ser aplicado e provocado como um dispositivo pedagógico. Este primeiro conjunto de almofadas reúne 16 movimentos, e em cada uma (frente e verso) há uma imagem e um texto didático sobre cada conteúdo. A proposta é que os dispositivos (almofadas) funcionem como um workshop autônomo e expansivo para centros de formação social de cultura popular. A pesquisa está em processo e ao longo do tempo serão adicionadas novas almofadas (movimentos/ causas, fatos e personagens históricos e contemporâneos). Este projeto, assim como o “alfabeto flúor” vêm de uma pesquisa entre outras de uma influência e referência direta ao método Paulo Freire de alfabetização dos idos de 1960 na implantação do Movimento de Cultura Popular do Recife (MCP) e de seu programa de alfabetização de jovens e adultos replicado por todo o país até o dia fatídico de 31 de março de 1964. A proposta aqui é uma re-alfabetização através de um dispositivo provocativo intencional, recolocando e reunindo pontos de potência a um bem comum. “Pedagogical cushion” is a device of knowledge diffusion and acts as an index of historical and contemporary references of movements, causes, programs, historical facts and leaders of resistance struggles in Brazil, to be applied and provoked as a pedagogical device. This first set of pillows brings together 16 movements, and in each one (front and back) there is an image and a didactic text on each content. The proposal is that the devices (cushions) will work as an autonomous and expansive workshop for social formation and popular culture centres. The research is in process and over time new cushions (movements/causes, facts and historical and contemporary leaders) will be added. This project, as well as the “fluorine alphabet” comes from a research, among others, and an influence and direct reference to the 1960s Paulo Freire method of literacy in the implantation of the Movement of Popular Culture of Recife (MCP) and its literacy program of young people and adults replicated throughout the country until the fateful day of March 31, 1964. The proposal here is a re-literacy through an intentional provocative device, replacing and bringing together potency points to a common good.



- Leonel Brizola governador do Rio de Janeiro, ao lado do cacique Juruna, Darcy Ribeiro e Abdias do Nascimento entre outros presentes, inauguram o Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) Zumbi dos Palmares, no Rio, em abril de 1986. (imagem de uma das almofadas pedagógicas); - páginas do caderno de Leitura para Adultos programa de alfabetização baseado no método Paulo Freire do Movimento de Cultura Popular do Recife, 1962 - Leonel Brizola governor of Rio de Janeiro, along with Juruna chieftain, Darcy Ribeiro and Abdias do Nascimento inaugurate the Integrated Center of Public Education (Ciep) Zumbi dos Palmares, in Rio, in April 1986 (pedagogical cushion). - Pages of the Adult Reading notebook for the literacy program based on Paulo Freire’s Method of the Popular Culture Movement of Recife, 1962


Estamos todos sem saber O público de um modo geral parece desnorteado diante de uma exposição de arte contemporânea. Não reconhece o que estas coisas significam, o que o artista quis dizer; custa a aceitar que estejam sendo chamadas de arte. Porém, se isso chega a ocorrer, é porque lhes cobra significado e intencionalidade. É desse modo, inclusive, que o público leigo parece mais engajado do que o público especializado, a quem tal situação pode não mais despertar qualquer tipo de perplexidade. No caso desta exposição, todavia, alguns elementos podem ser facilmente reconhecidos: bandeiras, cartazes, placas, uma arquibancada; assim como algumas palavras: protesto, propina, delação, crise. Reunidos, eles nos remetem a dinâmicas que se tornaram cotidianas desde as manifestações de junho de 2013, com a polarização política a partir das eleições de 2014, com os desdobramentos da Operação Lava Jato a partir de 2015. Mas, sobretudo, remetem-nos a dinâmicas que pressupõe uma intensificação: da cobertura midiática de quaisquer acontecimentos, do consumo e propagação de imagens pelas redes sociais, da possibilidade de se acompanhar e, de certo modo, participar ao vivo do que acontece – a ponto de as imagens aí não só representarem a realidade, mas confundirem representação e realidade, constituindo a própria realidade. Cotidianas, certamente – qualquer um pode reconhecê-lo –, mas nem por isso compreensíveis. Sendo assim, não só a exposição de arte é difícil de entender. Diante dessa realidade, mesmo o artista pode estar desnorteado. Ninguém sabe mais explicar o que está acontecendo; há sempre outro ponto de vista que nos desconcerta – fôssemos capazes de admiti-lo. Mais gravemente, a própria ideia de verdade ligada a fatos objetivos parece ter perdido importância, em favor das crenças pessoais – uma saída mais fácil, sem dúvida, para o problema de que mesmo os fatos são construídos. Em todo caso, os significados parecem deslizar sobre as palavras, que quase não mais nos dizem por si só, seja porque somos incapazes de ouvi-las, seja porque muitas “coisas estranhas” podem surgir entre ambos. Como então nos recompormos? O problema não é só cognitivo – embora nos solicite alguma aprendizagem. Escrevendo sobre o modo como a precariedade pode funcionar enquanto um lugar de aliança entre grupos que de outro modo não teriam muito em comum – mas também sobre a falência das políticas identitárias em providenciar concepções a respeito do que significa, politicamente, viver junto entre diferentes, especialmente quando não há outra opção –, a professora norteamericana Judith Butler (2015) afirma: “Estamos todos sem saber, expostos ao que pode acontecer. E nosso não saber é um sinal de que não controlamos, nem podemos controlar, todas as condições que constituem nossas vidas”. Mas ela acrescenta: “Embora essa verdade geral possa não variar, as pessoas vivem-na de maneiras diferentes, já que a exposição às feridas em curso, ou à erosão dos serviços sociais, claramente afeta trabalhadores e desempregados muito mais do que outros”. Ao abordar tamanho problema, o artista não imagina resolvê-lo. Contudo, opera à sua maneira. A exposição não entrega significados que estivessem prontos; convida-nos a construí-los. Para nos dar “uma sensação da coisa” – em contraponto, talvez, a um fluxo avassalador de informações –, ela em parte recorre a um procedimento tradicional: a complicação da forma, com o qual, segundo o crítico russo Chklovski (1917), tenderia a “tornar mais difícil a percepção e prolongar sua duração”. Noutros termos, complica para fazer durar; aposta que o tempo pode nos dizer, se lhe dermos tempo. Não se deve, portanto confundi-lo com falta de propósito. Ao serem apresentadas como imagens e objetos, as letras, palavras e textos significam mais do que dizem; tornam-se a materialidade com que devemos nos dividir. Cayo Honorato



Programa de comunicação proposto em parceria com o jornal Correio Braziliense - intervenções veiculados em diferentes cadernos durante o período da exposição de 21 de junho a 06 de agosto de 2017. Tiragem diária cerca de 50 mil exemplares. Foram sete “intervenções-chamadas”, e como podem ser vistas nestas reproduções, foram provocações onde a exposição acontecia no ato de sua leitura. O contexto político brasileiro contribuiu ainda mais para os anúncios “funcionarem” como comentários críticos da situação que vivemos nesse período. Communication program proposed in partnership with the Correio Braziliense newspaper - Interventions transmitted in different news sections during the period of the exhibition from June 21 to August 6, 2017. Daily circulation of approximately 50 thousand copies. There were seven “interventions-calls”, and as can be seen in these reproductions, they were provocations where the exhibition happened in the act of reading. The Brazilian political context has further contributed to the ads “working” as critical comments of the situation we experience during this period.


We are all unknowing The public in general seems to be bewildered in face of a contemporary art exhibition. They don’t recognize what these things mean, what the artist meant to say; it costs to accept they are being called art. However, if this happens to occur, it’s because signification and intentionality is called for. In fact, this is the way inexperienced public seems to be more engaged than the expert one, to whom such situation may no more raise any kind of perplexity. On the other hand, in the case of this exhibition, some elements may be easily recognized: flags, posters, signs, a grandstand; as well as some words: protest, bribery, whistle-blow, crisis. Together, they remind us of the dynamics that entered our everyday life since the July 2013 protests, combined with the political polarization from the 2014 elections and the developments of the Operação Lava Jato* as of 2015. But they refer, above all, to the dynamics that presume an intensification on the media coverage of events, on the image consumption and its propagation via social networks, on the possibility of keeping up and somehow to participate in real time on what is happening – to a point that those images not only represent reality, but also confuses representation and reality, constituting reality itself . Certainly banal – anyone can recognize it -, but nevertheless understandable. That said, not only an art exhibition is hard to understand. Given such facts, even the artist himself can be bewildered. No one knows how to explain anymore what is going on; there is always some other disturbing point of view – if we were capable to admit it. Even more serious, the very idea of truth related to objective facts seems to have lost value in favour of personal creeds – surely an easier way out from the problem that even facts are built up. In any case, meanings appear to be slipping over words that almost can’t speak for themselves anymore, either because we are incapable of hearing them, or because lots of “strange things” may pop up in between (Latour, 2007, p. 59). How do we regroup together then? The problem is not only cognitive – although it requires some learning. Writing about how precariousness can work as a place for alliance between groups that otherwise wouldn’t have much in common – but also about the failure of identity politics in providing conceptions on what living together with the different means, politically, especially when there is no other option – the North American teacher Judith Butler (2015, p. 21) affirms: “We are all unknowing, exposed to what may happen. Our not knowing is a sign that we do not, neither can, control all the conditions that constitute our lives”. Yet, she adds that: “Although this general truth may not be variable, people live them in different ways, since the exposure to ongoing wounds, or the erosion of social services, clearly affects workers and the unemployed much more than others”. By approaching such a problem, the artist does not imagine solving it. However, he operates in his own way. The exhibition does not deliver meanings that were ready; it invites us to build them. To give us “a feeling of the thing” – perhaps in opposition to an overwhelming information influx – it in part resorts to a traditional procedure: the complication of the form, with which, according to Russian critic Chklovski (1917), would tend to “make the perception more difficult and extend its duration”. In other words, complicate it to make it last longer; betting that time can tell us, if we give it some time. We shouldn’t, therefore, mistaken it for lack of purpose. When presented as images and objects, the letters, words and texts signify more than what they say; they become the materiality with which we must divide us into. Cayo Honorato Translated by Bia Rodrigues and revised by Fernando Ticoulat *Operation Car Wash, in Brazilian Portuguese, is a federal police investigation on money laundering and corruption involving politicians, state-controlled companies (initially Petrobrás) and private construction firms (such as Odebrecht, Camargo Correa, Queiroz Galvão and many others).


Traplev, 1977, Caçador SC. Vive e trabalha em Recife, PE. Artista e mestre em artes visuais (2007) pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, expõe regularmente desde 1999. Traplev ainda é co-fundador e editor geral da publicação impressa recibo de artes visuais desde 2002. Sua prática artística concentra ações no contexto da crítica e de experimentar o campo estético provocando códigos estabelecidos, proposições de difusão e circulação das ideias em projetos colaborativos são também uma veia de seu trabalho. Com a publicação recibo já distribuiu mais de 70 mil exemplares por todo o país em 18 números. Traplev, 1977, Caçador SC Lives and works in Recife, PE.

is also co-founder and editor of Recibo, a printed publication about

Cayo Honorato, 1979, Goiânia, Vive e trabalha em Brasília, DF. Professor Adjunto no Departamento de Artes Visuais (VIS) do Instituto de Artes (IdA) da Universidade de Brasília (UnB), na área de História e Teoria da Educação em Artes Visuais; orientador credenciado no Programa de Pós-graduação em Arte, com pesquisa sobre a atuação dos públicos e a mediação cultural, no âmbito das relações entre as Artes Visuais e a Educação; Doutor em Educação pela Faculdade de Educação (FE) da Universidade de São Paulo (USP), na linha de Filosofia e Educação, com estágio na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Granada, Espanha; mestre em Educação pela Faculdade de Educação (FE) da Universidade Federal de Goiás (UFG), na linha de Cultura e Processos Educacionais; especialista em Arte Contemporânea e bacharel em Artes Visuais pela Faculdade de Artes Visuais (FAV) da UFG. Cayo Honorato, 1979, Goiânia, Lives and works

fine arts since 2002. His artistic practice concentrates actions in the

in Brasília Adjunct Professor in the Department of Visual Arts (VIS) of the

context of criticism and aesthetic experience provoking established

Institute of Arts (IdA) of the University of Brasília (UnB), in the area of

codes, propositions of diffusion and circulation of ideas in collabora-

History and Theory of Education in Visual Arts; an accredited advisor in

tive projects. With Recibo, Traplev has distributed more than 70,000

the Postgraduate Program in Art, with research on the performance of

copies throughout the country in 18 numbers.

the public and cultural mediation, within the framework of the relations

Artist, Traplev holds a Master in Fine Arts (2007) from the Santa Catarina State University. He exhibits regularly since 1999. Traplev

between the visual arts, education and politics. Doctor of Education from

Germano Dushá, 1989, Serra dos Carajá - vive e trabalha em Sâo Paulo, SP Escritor, crítico, curador e gestor cultural. Formado pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - Direito SP, e pós-graduado em Arte: Crítica e Curadoria pela PUC-SP, trabalha com exposições e colaborações para publicações nacionais e internacionais. É co-fundador do Coletor (coletor.org), plataforma itinerante e independente voltada para o encontro e desenvolvimento de práticas artísticas contemporâneas; do Observatório (observatorioarte.org), espaço autônomo de exposição e discussão de arte contemporânea no Centro de São Paulo; do BANAL BANAL (banalbanal.org), plataforma digital de exposições de arte contemporânea; e do um trabalho um texto, programa expositivo de arte contemporânea (umtrabalhoumtexto.tumblr. com). Germano Dushá, 1989, Lives and works in São Paulo, SP. Writer, critic, curator and cultural manager. Bachelor in law by the Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, and post-graduated in Art Criticism and Curatorship by PUC-SP, he works with exhibitions and collaborations to national and international publications. He is co-founder of Coletor (coletor.org), Observatório (observatorioarte.org), BANAL BANAL (banalbanal.org), and ‘um trabalho um texto’ (umtrabalhoumtexto.tumblr.com).

the Faculty of Education (FE) of the University of São Paulo (USP).

Fernando Ticoulat, 1989, Sâo Paulo, SP. vive e trabalha em São Paulo Curador e gestor cultural. Bacharel em direito pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - Direito SP, e pós-graduado em Arte: Crítica e Curadoria pela PUC-SP. Trabalha como crítico de arte para publicações especializadas e organiza exposições no Brasil e no exterior. É co-fundador do Coletor (coletor. org), plataforma itinerante e independente voltada para o encontro e desenvolvimento de práticas artísticas contemporâneas; e coordenador geral da Sé Galeria, galeria de arte em São Paulo. Fernando Ticoulat, 1989, Sâo Paulo, SP. Lives and works in São Paulo. Curator and cultural manager Bachelor in law by the Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, and post-graduated in Art Criticism and Curatorship by PUC-SP. Works as art critic for specialized publications and organizes exhibitions in Brazil and abroad. He is co-founder of Coletor (coletor.org), and manager of Sé Galeria, an art gallery in São Paulo

Ana Cláudia Holanda, 1985, Fortaleza, CE. Vive e trabalha em São Paulo, SP. Psicanalista, fez formação clínica no Fórum do Campo Lacaniano São Paulo. É membro da Associação Internacional para Estudos Otto Gross. Atualmente, pesquisa a transmissão da psicanálise a partir de sua interface com a literatura e com a arte contemporânea. Ana Cláudia Holanda, 1985, Fortaleza, CE. Lives and works in São Paulo, SP. Psychoanalyst, trained at the Fórum do Campo Lacaniano São Paulo. She is a member of the International Association for Otto Gross Studies. She currently researches the transmission of psychoanalysis from its interface with literature and contemporary art.


Prêmio Funarte de Arte Contemporânea 2015 Atos Visuais Funarte Brasília Exposição: Sistemas de Estruturas e Elementos de Fachada, sala 7 Traplev Galeria Fayga Ostrower Funarte de 21 de junho a 6 de agosto de 2017 Texto Curatorial Germano Dushá Ação Educativa Cayo Honorato Mediadores Amanda Ehrhardt Fernanda Fernandes Muniz Francisco Franco Assessor de Imprensa Luiz Alberto Osório Agenda KB Comunicação Produção Cultural Mira produção e arte Projeto Editorial do catálogo, Fotografias, Projeto Gráfico e de Comunicação Traplev Textos Germano Dushá, Fernando Ticoulat, Cayo Honorato e Cláudia Holanda Tradução Fernando Ticoulat, Bia Rodrigues e Cláudia Holanda Tiragem 1.000 exemplares, impresso em Recife, fim de julho de 2017 Contatos e informação: recibo0@gmail.com http://traplev.hotglue.com #traplev #recibozero Traplev é representado pela Galeria Sé em São Paulo.

Agradecimentos: Dedico aos meus país e meu filho Matias Moreira Barros, e agradeço aos amigos pelo envolvimento direto e indireto Francini Barros, Júlia Amaral, Maria Monteiro e Fernando Ticoulat (diretora e produtor da Sé Galeria pelo apoio imprecindível), Flavia Gimenes, Edson Barrus, Amilcar Packer, Germano Dushá, Fábio Morais, Fábio Tremonte, Marta Mestre, Paulo Reis, Regina Melim, Giovanna Langone, Alexandre Afurcolin, Laura Diaz, Bruno Queiroz, Cainã Bomilcar, Alê Gabeira e Raísa Curty, Thiago Martins de Melo, Ícaro Lira, Graziela Kunsh, ao pessoal da Troça Carnavalesca Empatando Tua Vista, Daniel Scandurra, índios Gamela, pelos gestores públicos (apesar dos pesares) Lula, Dilma Roussef, Juca Ferreira, Gilberto Gil (sem eles o fomento à produção artística no Brasil não teria acontecido), e pela referência da defesa dos direitos e da democracia (só pra citar alguns): Maria Beatriz Nascimento, Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira, João Goulart, e a todos os movimentos de guerrilha contra Ditadura Militar no país (1964-1985), entre outros guerrilheiros e militantes que dedicaram e dedicam suas vidas a defender os direitos constitucionais e o conhecimento para o bem público e social no Brasil. Repúdio total aos que chegam e detém o poder sem validação popular democrática.

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA proibida a venda

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil Traplev Sistemas de estruturas e elementos de fachada, sala 7 = Systems of structures and facade elements, room 7 / Traplev ; [tradução/translated Fernando Ticoulat, Bia Rodrigues, Cláudia Holanda ; [texto/ text Germano Dushá ; Cláudia Holanda; Fernando Ticoulat; Cayo Honorato]. -- 1. ed. -- Brasília : Sé, 2017. “Galeria Fayga Ostrower Complexo Cultural Funarte Brasília 21 de junho a 6 de agosto de 2017 ISBN: 978-85-93608-01-8 1. Arte - Brasil 2. Arte - Exposições 3. Arte conceitual 4. Arte contemporânea 5. Artes visuais 6. Artes visuais - Exposições - Catálogos I. Dushá, Germano. II. Holanda, Cláudia. III. Ticoulat, Fernando. IV. Honorato, Cayo.V. Título. VI. Título: Systems of structures and facade elements, room 7. 17-06387

CDD-709.04 Índices para catálogo sistemático: 1. Arte contemporânea : Artes visuais 709.04


Presidente da República Michel Temer Ministro Da Cultura Interino João Batista de Andrade Fundação Nacional De Artes Presidente Stepan Nercessian Diretor Executivo Reinaldo Verissimo Centro De Artes Visuais Diretor Francisco de Assis Chaves Bastos (Xico Chaves) Coordenadora Do Centro De Artes Visuais Andrea Luiza Paes Coordenadora Do Prêmio Funarte De Arte Contemporânea 2015 Atos Visuais Funarte Brasília Ana Paula Rodrigues de Siqueira Coordenadora De Comunicação Camilla Pereira Coordenador De Difusão Cultural da Funarte em Brasília João Carlos Corrêa Técnica Em Artes Visuais Iara Martorelli



Realização:

Este projeto foi contemplado pelo Prêmio Funarte de Arte Contemporânea 2015 - Atos Visuais Funarte Brasília


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