Tribos 1

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tri.bo sf. 1. Grupo étnico que vive em comunidade, sob um ou mais chefes, e que compartilha a língua, costumes, tradicões e instituicões.



car.na.val sm. 1. hist. período anual de festas profanas, originadas na Antiguidade e recuperadas pelo cristianismo, e que começava no dia de Reis (Epifania) e acabava na Quarta-Feira de Cinzas, às vésperas da Quaresma [Festejos populares provenientes de ritos e costumes pagãos, caracterizavam-se pela liberdade de expressão e movimento.] 2. o período de três dias anteriores à Quarta-Feira de Cinzas dedicado a festejos, bailes, desfiles e folguedos populares (no passado, equivalia ao entrudo). 3. p.ext. infrm. alegria coletiva; folguedo, folia. Acompanhamos de perto o carnaval das ruas de São Paulo, fomos a alguns bloquinhos e retratamos imagens bizarras, grotescas, divertidas, inesperadas e por que não surreais.


Nossos primeiros registros, vieram por meio do ensaio dos Acadêmicos do Baixo Augusta que ocorreu no clube Homs da Avenida Paulista. Ainda estávamos no meio de Janeiro, e por conta disso esperávamos um ensaio não muito movimentado, engano nosso. A presença massiva resultou numa fila de quase 3 horas. Entramos. O clube estava lotado de gente que não parava de pular um só segundo. O som da banda do bloco, liderada por Wilson Simoninha, tocava diversas músicas populares num ritmo mais carnavalesco. O bloco tem como lema a frase “A rua é nossa”, que celebra a revitalização da região do baixo augusta e busca mantér o carnaval paulistano feito na rua mesmo, de forma democrática, o que acaba atraindo mais seguidores, que fazem do bloco um dos mais conhecidos e aguardados do carnaval de São Paulo. Apesar da quantidade de gente dentro do salão ser insana, o aquecimento rolou de forma organizada e pacífica, cada um curtia o som do jeito que achava que devia, dentro do espaço compartilhado por todos. Junto da luz artificial e dos flashs da câmera, criavam-se formas e contrastes totalmente condizentes com tudo o que acontecia dentro daquele clube.







“Que ideia a de que no Carnaval as pessoas se mascaram. No Carnaval desmascaram-se”. Ferreira, Vergílio











Memorial da América Latina, 32oC, e sensação de pelo menos 40. Estação Barra Funda do Metrô tomada por foliões a fim de curtir um dos blocos mais conhecidos do carnaval carioca, que esse ano se apresentaria em São Paulo, o Bloco do Sgt. Pimenta. Andamos pelas ruas entorno do Memorial da América Latina até encontrarmos a entrada para o bloco, que para nossa surpresa, dizia através de uma placa: “Capacidade máxima de 10 mil pessoas atingida”, resultado simples de uma equação mais simples ainda, aquilo não daria certo, organizar um bloco de carnaval de rua num espaço fechado é como fazer um show do Paul McCartney num PUB e imaginar que as pessoas fiquem sentadas em seus sofás confortáveis, tomando seus “pints” de cerveja. Ao redor do Memorial, nenhuma outra rua foi fechada, ou seja, além da lotação dos próprios foliões do bloco, tudo ao redor do espaço se abarrotou de carros e ônibus que nada tinham a ver com a festa.






Se a reação comum perante ao aviso de lotação, seria ir embora carregando a frustação de não ter chego antes, negativo. A galera pulou os portões do Memorial, sem medo dos seguranças, que não tinham o que fazer. Também pulamos os portões e procuramos algum espaço para ficar e mesmo querendo estar próximos do palco, sabíamos que isso seria impossível, a quantidade de pessoas era impressionante e num panorama mais amplo, o bloco parecia o Woodstock de 69. A banda mostrou porque pertence a um dos blocos mais populares do carnaval, fazendo o público aproveitar cada centímetro suado que conseguiu, para curtir o bloco pré-carnavalesco, dançando sem parar sequer um minuto. Mesmo com a falta de planejamento, a festa rolou e aumentou ainda mais o clima do carnaval que estava cada vez mais próximo.






“Se a única coisa que o homem terá certeza é a morte; a única certeza do brasileiro é o carnaval no próximo ano”.

Graciliano Ramos.







8:00am – 23°33’49.3”S 46°40’55.2”W - Vocês dois que são da Tribos? Que vieram tirar fotos? - Isso... - Ah legal, podem subir comigo.

Dentro de um AP, todas as organizadoras do bloco dividiam espaço entre fantasias, enfeites e preparativos para o evento. O clima pré-bloco era nítido, a ansiedade disfarçada de correria só deixava tudo mais mágico enquanto nos encontrávamos no meio de toda aquela situação, como partícipes íntimos de tudo o que acontecia dentro daquele apartamento. O clima de tensão logo foi quebrado através de conversas descontraídas entre as organizadora. Era o terceiro ano do bloco, e a experiência adquirida com os anos anteriores evitava que muitos erros se repetissem. Na medida que o tempo ia passando, os fatos rolando, a tensão aumentava... O trio elétrico atrasou duas horas, o que prejudicou o timing geral do evento. A banda se virava pra passar uma última vez o som, dentro do AP numa tentativa de baixar a tensão que crescia sem disfarces, afinal, o trabalho de um ano todo estava próximo de se concretizar para um público que esperava muito do bloco.



Quando o trio chegou, todos desceram para montar os preparativos e “fantasiar” o caminhão. Tudo feito pelas organizadoras e integrantes do bloco que gira em torno do amor pela obra da Rita Lee, absolutamente tudo, é preparado ali, naquele AP. Elas são a banda, elas são o STAFF, elas correm atrás de falar com a prefeitura e até de fechar as ruas para o bloco. Depois de tudo pronto, o caminhão partiu em direção à Rua dos Pinheiros, e já no caminho muitas pessoas perguntavam local e que horas partiria o bloco, além dos que já começavam a seguir o caminhão, antes mesmo do bloco

chegar ao ponto de partida. Já na Rua dos Pinheiros, o bloco seguiu em direção à Av. Faria Lima e os foliões que tanto aguardavam a partida, puderam extravasar seu sentimento de alegria aos sons clássicos da rainha do rock nacional. Na medida que o bloco avançava, mais gente se juntava, aumentando cada vez mais a diversidade do público junto do sentimento de diversão e festa presentes.


A rainha de bateria fantasiada de Rita Lee, segurava um estandarte com o símbolo do bloco e chamava atenção na dianteira do trio. Uma surpresa, foi quando um grupo de bailarinos “invadiu” o fio com coreografias, animando ainda mais os foliões. De dentro do fio que isolava o trio, capturamos diversas formas, expressando todos os ritmos presentes no bloco. As cores vibrantes nas fantasias da banda e os sons psicodélicos que vinham de sua musicalidade, vinham diretamente do “Jardim Elétrico”, fazendo referência à Rita, na década de 80.

Muita diversão e boa música, fizeram do Bloco Ritaleena uma festa, e trouxeram experiências definitivamente incríveis no sentido mais literal da palavra.

















-�Brasileiro sofre, mas arrasa na felicidade, nÊ? -Fudidos e mal pagos mas pelados no carnaval...genial�. Rita Lee




O bloco Ilú Obá de Min, partiu próximo à estação Marechal Deodoro sentido à Lapa. Na estação já vimos uma galera caracterizada que fazia parte do bloco, que na sua essência é um conjunto de tambores tocados por mulheres e regidos por um puxador fantasiado de Orixá que interpreta canções tradicionais africanas. A sensação era de estar em um ritual africano. Com alguns minutos de aquecimento, a festa rolou de uma maneira fluida e respeitosa – também por se tratar de um bloco religioso. O nível de ensaio do grupo é impressionante, e a dedicação de cada integrante com o bloco fica nítida durante a apresentação. A força e a energia que vinham dos tambores era incrível, as percurssionistas junto com os orixás abriam espaço no fio formando um “balé” africano. O bloco foi uma mistura de sentimentos com um clímax

de paz e positividade que tocava todos os foliões que acompanhavam o bloco, como se todos estivessem sendo abençoados pelas notas que saíam dos tambores. O grupo existe desde 2004, e têm como objetivo lutar contra o sexismo e qualquer tipo de preconceito e discriminação. O coletivo ganha cada vez mais força e consegue isso de maneira nobre, oferecendo uma festa genuína e purísta em todas as suas formas. Os integrantes do coletivo, chamavam a atenção para o espetáculo visual. As cores de suas roupas, instrumentos e adereços nos proporcionaram registros lindos e carregados pelos olhares e expressões daqueles que não consideram o carnaval apenas uma data de baderna e putaria. Ali não havia uma religião oposta à outra, o que de fato havia, era muita paz e uma conexão entre todos.







Um bloco de carnaval punk? Interessante. O bloco partiu de uma travessa da Rua Cardeal Arcoverde em Pinheiros. Com a câmera em mãos, começamos a registrar o público que acompanhava o bloco e cantava assiduamente as marchinhas que são alguns clássicos do repertório punk rock nacional adaptadas ao formato carnavalesco. A galera compareceu em massa e marchou fielmente pelas ruas do bairro, de maneira ordeira e responsável. Os puxadores repetiam frases do tipo: “cuide de quem está do seu lado”, “fiquem espertos com celulares e carteiras”, “não mijem na porta dos outros” e todos que acompanhavam o bloco, seguiam as palavras como dogmas. A temática do bloco é bem diferente do que estávamos acostumados até ali, e essa diferença deu certo. Este foi o terceiro ano de desfile do bloco que foi criado com a intenção de trazer um público que não curte muito o som tradicional do carnaval para as ruas e as adaptações se encaixaram muito bem às letras.


Além da organização do bloco, a diversidade do público foi algo de destaque também, muitos pais levaram seus filhos, que sem receio curtiam as músicas. A viceralidade da galera que acompanhou o bloco é nítida em nossos registros, além do mais, o bloco 77 se mostrou aberto e acessível a todos. Diversos moradores do tradicional bairro paulistano saíram em suas janelas e varandas para ver, ouvir e de alguma maneira participar do bloco. Um ápice dessas aparições foi quando uma senhora, de sua varanda ostentando uma bandeira branca fez questão de vibrá-la enquanto acenava para a massa que acompanhava o bloco.






Dizem que ela existe Pra ajudar! Dizem que ela existe Pra proteger! Eu sei que ela pode Te parar! Eu sei que ela pode Te prender!

Polícia! Para quem precisa Polícia! Para quem precisa De polícia

Polícia! Para quem precisa Polícia! Para quem precisa De polícia

Dizem pra você Obedecer! Dizem pra você Responder! Dizem pra você Cooperar! Dizem pra você Respeitar!

Polícia! Para quem precisa Polícia! Para quem precisa De polícia

Polícia! Para quem precisa Polícia! Para quem precisa De polícia


Dizem que ela existe Pra ajudar! Dizem que ela existe Pra proteger! Eu sei que ela pode Te parar! Eu sei que ela pode Te prender!

Polícia! Para quem precisa Polícia! Para quem precisa De polícia

Polícia! Para quem precisa Polícia! Para quem precisa De polícia

Dizem pra você Obedecer! Dizem pra você Responder! Dizem pra você Cooperar! Dizem pra você Respeitar!

Polícia! Para quem precisa Polícia! Para quem precisa De polícia

Polícia! Para quem precisa Polícia! Para quem precisa De polícia




Já na praça Roosevelt dava pra notar a quantidade absurda de gente que estava acompanhando o bloco. Subimos a Augusta até um ponto que se tornou inviável, a rua travou de tanta gente, e o espaço era tão raro que por vezes, não conseguiamos fotografar o que acontecia na nossa frente. Durante a subida contra o fluxo de foliões que seguiam o bloco, avistamos uma briga acontecer diante de nós, não deu pra entender direito o que rolou, e da mesma maneira rápida que começou, as pessoas apartaram e acabaram com a confusão. Foi a primeira e única vez que presenciamos uma briga durante o desfile de um bloco neste carnaval. O Bloco do Desmanche desfilou pela segunda vez no carnaval paulistano. O público embalado por um repertório que contava com Axé anos 2000, funk e músicas bregas, acompanhou o bloco do começo ao fim. Em alguns momentos a desordem causava a estranha impressão de que todos haviam perdido o controle e estavam fritando, descendo a rua sem nem saber ao certo mais do que se tratava aquilo tudo. Mesmo em meio a todo esse caos, conseguimos boas imagens. As pessoas se entregavam ao bloco. Em alguns momentos parávamos em um canto, apenas esperando que as imagens viessem até nós junto daqueles que ali estavam, o que nos resultou imagens de

perspectivas e sequências fotos diferentes.

de

A noite caiu e a multidão se dispersava com a resistência de alguns grupos que insistiam em não querer ver o fim da festa, permanecendo na rua. Registramos diferentes reações e também o resultado do caos que havia passado. Pessoas passando mal e muito lixo. Alguns ali não faziam ideia do quão caótico fora a passagem do Bloco do Desmanche a alguns minutos atrás. O espírito do carnaval de rua nos acompanhou neste último bloco registrado. Muitos beijos, poses e fantasias bizarras fizeram parte de toda essa bagunça, sintetizada aqui através dos mais diversos registros.















































Durante a realização desta primeira edição, onde acompanhamos o carnaval de rua de São Paulo, rodamos bastante, buscando registros crus e sinceros. Vivenciamos experiências incríveis, e algo que nos chamou mais atenção, foi perceber na prática, o poder de união que uma festa tão tradicinal como o carnaval possui sobre as pessoas. O país vive um momento de polarização por tudo o que vêm acontecendo nos últimos anos, polarização esta, que causa gritos, intolerância, discórdia e muita ignorância. Durante a semana do carnaval, nada disso aconteceu, ninguém tinha partido, ninguém queria discutir se foi ou não golpe, ninguém se importava com a própria opinião. A grande maioria se encontrava em estações do metrô, nas ruas e atrás dos trios para pular, dançar e cantar e fantasiados ou não, todos os problemas foram deixados de lado. As classes sociais não foram levadas à sério, não existiam

diferenças de raça ou genêro, não existindo espaço para preconceitos e segregações durante toda a festa. Nas primeiras reuniões sobre o projeto – quando ainda não tínhamos nome nem formato definido – havendo somente um apanhado de ideias, jamais imaginaríamos viver essas experiências de uma forma tão visceral e significativa. Acompanhar um bloco desde sua pré-produção (no caso do Ritaleena), foi um privilégio tanto para o projeto, quanto para instrospecção pessoal. Ver e registrar cada detalhe de um evento que envolve prazer e amor numa data tão típica e que depende de muito trabalho, dedicação e responsabilidade, nos trouxe uma satisfação indescritível. Poder conhecer de perto tudo o que é feito para um projeto destes, em nossa primeira edição, sem exigência alguma e com muito comforto, só serviu de combustível para cada vez mais melhorarmos. Só podemos agradecer a todos que nos possibilitaram essa incrível oportunidade.


“Todos nós contamos histórias que são versões da história – memorizadas, encapsuladas, repetidas, e seguras. A memória real, que estas imagens detonam, é uma invocação da cor, do cheiro, do som e da presença física, da densidade e do sabor da vida. A memória permite um fluxo sem fim de conexões. Histórias podem ser reescritas, a memória, não.” Nan Gouldin



Jan/Fev 2017 Ed. #1

Agradecimentos Especiais: Bloco Ritaleena Idealização e Produção: Thales Vinieri Ramos Victor SP Instagram: tribos.mag Email: tribos.mag@gmail.com



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