Revista TJDFT - Edição N. 7

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e x p e d i e n t e Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios - TJDFT P r e s i d e n t e Desembargador Ot á v i o A u g u s t o B a r b o s a

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Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios sempre atento, consciente e integrado às metas estabelecidas pelo

Judiciário inova mais uma vez e lança esta edição da Revista do TJDFT em novo formato. A partir de agora, a Revista terá sua tiragem impressa reduzida e será distribuída eletronicamente, alinhando-se com as ações de

V i c e - P r e s i d e n t e Desembargador Dácio Vieira

responsabilidade socioambientais, tão importantes nos dias atuais. A nova administração do TJDFT, que tomou posse em abril, composta pelos

C o r r e g e d o r Desembargador S é r g i o B i tt e n c o u r t S e c r e t á r i o - G e r a l GUIL H ERME DE SOUSA J ULIANO A s s e s s o r i a

d e

C o m u n i c a ç ã o S o c i a l

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Desembargadores Otávio Augusto Barbosa, como Presidente, Dácio Vieira, como Vice, e o Sérgio Bittencourt, como Corregedor, está empenhada em realizar uma gestão zelosa, frutífera, agregadora e eficiente. Para tanto, está consciente dos desafios a enfrentar e da importância de alternativas e possibilidades para uma prestação jurisdicional competente.

J o r n a l i s ta r e s p o n s á v e l Adriana Jobim

( Mt b n . 1 4 0 7 / D F )

D i a g r a m a ç ã o alessandra sena, diego Morosino e ÉRICA C a p a

e

H A YA K A WA

P u b l i c i d a d e s alessandra sena e ÉRICA

H A YA K A WA

Neste contexto, a Revista do TJDFT busca proporcionar o fortalecimento da imagem institucional, com a divulgação de informações claras e seguras que dão ao cidadão comum a oportunidade de conhecer melhor, se identificar, compreender e assim utilizar os serviços da Justiça local. Os 50 anos do TJDFT na nova e moderna capital Brasília, a origem da

F o t o s BG P r e s s , c r i s t i a n o s é r g i o e bancos de imagens R e d a ç ã o Adla Bassul, Adriana Jobim, Adriana Tostes, diego Morosino, lilian carla, Liliam cilene, maria helena meirelles, marília coelho

e s a n d r a b e s s o w.

C o l a b o r a d o r e s b r u n o q u e i r o g a , j o r g e A l th o ff E

Justiça do DF no Tribunal mais antigo do País. Nesta edição, o leitor terá a oportunidade de conhecer um pouco mais dessa história, de ler artigos jurídicos sobre a Lei Maria da Penha, Mediação Forense, Adoção, e assim compreender um pouco mais este Tribunal único, pioneiro, diferente dos demais e que comemora durante todo este ano de 2010 o seu cinquentenário. Poderá ainda ter acesso a relevantes decisões proferidas por magistrados

J UI Z J OSÉ GUIL H ERME DE SOU Z A a p o i o

t é c n i c o

F ABIANA SIQUEIRA e a l i n e p o n t e s C o m p o s i ç ã o ,

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a c a b a m e n t o SUGRA T i r a g e m 500 d i s p o n i b i l i d a d e

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cumprimento à Carta Magna, tornando-se pioneiro na implantação da Lista Única de Precatórios, que muito contribuirá para a celeridade da prestação jurisdicional. Com novas notícias e editorias, a nova versão da Revista do TJDFT busca manter seu o estilo moderno, elegante, jurídico mas sempre

e l e t r ô n i c a

www . tj d ft . j u s . b r > i m p r e n s a

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do TJDFT, além de matérias sobre o empenho da Instituição em dar

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acessível aos diversos públicos e usuários da Justiça do DF. 3


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Juizados Especiais de Fazenda Pública

sumário

TJDFT se adianta e inaugura juizados de fazenda pública no dia da publicação da lei que os instituiu

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capa da edição anterior

Institucional TJDFT inaugura Juizados de fazenda pública

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Juris in vox

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Impossibilidade de prisão civil do depositário infiel sentença que pôs termo a processo apenas 2 meses após sua instrução

FALE COM O EDITOR: COM.SOCIAL@TJDFT.JUS.BR

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TJDFT instala juizado especial no aeroporto

DECISÕES HISTÓRICAS

para acessar o conteúdo das edições anteriores entre no site www.tjdft.jus.br/imprensa

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Nova gestão posse da nova administração do tjdft para o biênio 2010/2012 Ações e estratégias da nova gestão

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CULTURA

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“O exorcismo de emily rose”,

NOVAS LEIS Resolução 277/2008 do contran -

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transporte de crianças

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EC 66/2010 - Emenda do casamento

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por josé guilherme de souza

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Lançamentos literários de servidores e magistrados da casa

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conhecendo seus direitos INFÂNCIA E JUVENTUDE NO DF adoções consensuais crianças institucionalizadas acompanhamento psicossocial de gestantes e genitoras

SOCIEDADE Lista Única de Precatórios

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Especial - história TJDFT completa 50 anos em 2010

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Você conhece todos os tipos de tributos?

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jurisprudência A vida como ela é... na jurisprudência

artigo científico respeitem a mulher - por maria isabel da silva

OPINIÃO mediação forense - por eutália maciel coutinho e terezinha gomes amaral

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ntrou em vigor, em 23/6 deste ano, a Lei Federal 12.153/09 que dispõe sobre a criação dos Juizados Especiais de Fazenda Pública. No mesmo dia, o TJDFT inaugurou duas serventias, em atendimento ao dispositivo legal, embora o texto da lei fixasse prazo de até dois anos para o cumprimento da determinação. A resposta imediata foi resultado de um esforço conjunto de vários setores do Tribunal comprometidos com a celeridade e a eficiência em sua prestação jurisdicional. Durante a solenidade de inauguração dos juizados, que reuniu a administração superior do TJDFT e autoridades do MP, OAB e GDF, o presidente, Des. Otávio Augusto Barbosa, destacou o empenho do TJDFT, ressaltando que "essa é mais uma porta de acesso à justiça para o cidadão do Distrito Federal que poderá resolver suas demandas mais rapidamente. Com a implantação dos serviços, o processo judicial torna-se mais econômico, tanto para o cidadão quanto para o Judiciário, revelando-se importante instrumento de cidadania. É uma forma eficaz de valorizar o primeiro grau de jurisdição". Problemas simples relacionados à cobrança de IPTU, matrícula de alunos na rede pública de ensino ou transferência de veículos, já podem ser levados pelos brasilienses a um dos Juizados de Fazenda Pública do DF, desde que o valor de cada causa não ultrapasse 60 salários mínimos. O jurisdicionado poderá contestar atos da administração, protestar contra lançamentos fiscais, anular multas de trânsito indevidamente aplicadas e, se for o caso, pleitear indenizações contra o Distrito Federal, suas Secretarias e Administrações Regionais e órgãos a ele vinculados. Inúmeras causas poderão ser propostas por microempresas e empresas de pequeno porte perante esses jui-

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zados como, por exemplo, ações indenizatórias em virtude de eventuais prejuízos causados por ato ou omissão da administração. Como autores, podem propor ações cíveis junto aos Juizados de Fazenda Pública do DF, as pessoas físicas, as microempresas e as empresas de pequeno porte. Nas causas com valor de até 20 salários mínimos, não é necessária a assistência de advogados até a interposição de recurso. Nas ações superiores a esse patamar, é obrigatória a intervenção do advogado. Embasados nos princípios da oralidade, da informalidade e da economia processual, os Juizados de Fazenda Pública agilizam a resolução de conflitos, promovendo a composição pacífica dos litígios, a conciliação e a transação entre as partes. A expectativa é que as causas serão julgadas, em primeira instância, no prazo de até seis meses, com menos recursos processuais, possibilitando um resultado rápido e efetivo. O interessado ingressa com seu pedido e é agendada uma audiência de conciliação. Caso haja necessidade de apresentação de provas ou testemunhos, uma segunda audiência é marcada. Se for concedida liminar, caberá recurso contra a decisão provisória e, após a sentença, cabe apenas um recurso que deve ser impetrado por advogado. As Turmas Recursais são compostas por juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição, preferencialmente, do Sistema dos Juizados Especiais, com mandato de dois anos. A Fazenda Pública não pode figurar como autora, razão pela qual estão excluídas das atribuições desses juizados, as execuções fiscais. Igualmente fica fora da apreciação desses juizados a discussão da dívida após o ajuizamento da execução fiscal. Antes de sua propositura, no entanto, é possível o ingresso de ação com vistas a atacar e suprimir a

cobrança. Também não podem ser ajuizados mandados de segurança, ações de desapropriações, divisão e demarcação, ações populares, ações por improbidade administrativa, execuções fiscais, bem como as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos. Da mesma forma, as causas sobre bens imóveis do Distrito Federal, das autarquias e fundações a eles vinculadas, assim como as decorrentes de pena de demissão imposta a servidores públicos, civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares. Com base do artigo 23 da Lei 12.153/09, a Resolução 7/10 limita temporariamente a atuação dos juizados em ações que tenham por objeto: prestação de serviço de saúde e fornecimento de medicamentos, questões atinentes a concursos públicos, ressarcimento por preterição de militares e questões atinentes a licitações. O 1º e o 2º Juizados Especiais de Fazenda Pública estão funcionando no Fórum José Júlio Leal Fagundes sob a responsabilidade dos juízes Marco Antônio do Amaral e Francisco Antonio Alves de Oliveira.

quem acionar?

Além do Distrito Federal, Administrações Regionais e Secretarias, o cidadão, Micro e Pequenas Empresas, poderão propor ações contra: Agefis, Adasa, Arquivo Público do Distrito Federal, Ceasa, CODHAB, Codeplan, Terracap, DER, Detran-DF, Brasiliatur, Emater, Instituto de Assistência à Saúde do Servidores do DF, Procon-DF, IPREV, IBRAM, Jardim Botânico de Brasília, SLU, TCB, DFTRANS, Novacap, METRÔDF, Fundação de Apoio à Pesquisa, Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências de Saúde – FEPECS, Fundação Hemocentro de Brasília, Fundação Jardim Zoológico de Brasília e Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso do DF.

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I n s t i t u c i o n a l r e v i s t a

I n s t i t u c i o n a l

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Raquel:

TJDFT instala Juizado Especial no Aeroporto JK

a voz da justiça TJDFT é o primeiro tribunal do país a oferecer acesso a Informativos de Jurisprudência em áudio na sua página na internet

NOVO JUIZADO VAI BENEFICIAR OS USUÁRIOS INSATISFEITOS COM OS SERVIÇOS PRESTADOS PELAS EMPRESAS AÉREAS

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uem precisar recorrer ao Judiciário para solucionar casos relacionados ao transporte aéreo agora conta com mais uma opção: o Posto Avançado do 7º Juizado Especial Cível, instalado, dia 23 de julho, no Aeroporto Internacional de Brasília. O serviço funciona em tempo integral todos os dias da semana, inclusive domingos e feriados, com a principal função de promover a conciliação entre consumidores e companhias aéreas. Além de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo passaram a disponibilizar o serviço na mesma data. Juntos, eles abrigam os cinco maiores aeroportos do país. A instalação de juizados nos aeroportos é regulamentada pelo Provimento nº. 11/2010, do CNJ, e, em Brasília, pela Portaria Conjunta nº. 55/2010, do TJDFT. A solenidade de instalação contou com a presença do Presidente do TJDFT, Desembargador Otávio Augusto; do Presidente da Infraero, Murilo Barboza; e do Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Gilson Dipp. O posto do Juizado Especial no aeroporto de Brasília foi estrategicamente montado no 1º pavimento, junto aos balcões de check-in e de compra de passagens. O Juizado está apto a receber reclamações sobre atrasos e cancelamentos de voos, overbooking, extravio, 6

Foto: Roberto stuckert/infraero

Participaram da cerimônia de lançamento do Juizado o Ministro Gilson Dipp (esq), o Presidente do TJDFT, Des. Otávio Augusto e Presidente da Infraero, Murilo Barboza (dir)

violação e furto de bagagens, falta de informações, entre outras. O serviço busca solucionar os conflitos de forma rápida e gratuita, já que, para causas de até 20 salários mínimos, não é necessário advogado. Caso não haja acordo entre as partes, a ação seguirá para o 7º Juizado Especial Cível de Brasília, cabendo ao juiz solucionar o conflito. No caso de passageiros que não morem em Brasília, o Juizado providenciará o encaminhamento da ação ao estado-domicílio do reclamante. A instalação de juizados nos aeroportos foi motivada pelo aumento de demandas dos usuários de transportes aéreos insatisfeitos com a prestação dos serviços, e pelo desrespeito ao cumprimento

das novas regras ditadas pela Resolução nº. 141/2010, da Agência Nacional de Aviação Civil. Para o juiz Flávio Fonseca, responsável pelo Juizado, a presença da Justiça nos aeroportos é uma forma pedagógica de mudar o comportamento das empresas aéreas quanto à prestação de serviços defeituosos. Essa é a segunda vez que um juizado do DF se faz presente no aeroporto internacional de Brasília. De outubro de 2007 a março de 2008, o TJDFT instalou temporariamente um posto dos juizados especiais no Aeroporto JK para atender o grande volume de demandas ocasionadas pelo chamado "apagão aéreo". Na ocasião, foram solucionados mais de 1.600 casos, envolvendo as companhias aéreas. j a n e i r o

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or meio de voz sintética, o projeto Juris in Vox agrega portabilidade ao texto jurídico, facilitando a atualização dos operadores do Direito e beneficiando as pessoas com deficiências visuais. A aceitação do projeto se comprova pelo volume de arquivos de voz já baixados desde o início de sua operação, em abril deste ano. Somados os tempos de leitura de cada um, teríamos mais de 15 dias ininterruptos de reprodução de áudio. Tudo começou na Jurisprudência do TJDFT. A ideia era implantar no Judiciário da Capital da República, um sistema que pudesse facilitar ainda mais o acesso a textos jurídicos para um público que dispõe de pouco tempo, além de oferecer mais uma alternativa de inclusão digital. Com a ideia lançada, era necessário buscar a tecnologia ou o software que fizesse tal conversão. Por meio da internet e de incansáveis contatos telefônicos, foram descobertas duas empresas, uma americana e outra russa, que detinham a tecnologia para o audacioso projeto. Mas quanto isso custaria para o Tribunal? Mais de um milhão de reais. Diante da cifra estratosférica, surgiu a primeira pedra no caminho: o Tribunal não teria condições de desembolsar todo esse valor para a compra do software, tornando inviável o projeto. Mas, uma pedra no caminho é apenas uma pedra no caminho quando se quer alcançar alguma coisa. Foram feitos vários contatos com representantes de empresas, por telefone, via e-mail e pessoalmente. Com muito esforço e acreditando na ideia, foi possível adquirir os softwares, hoje utilizados. O primeiro, de tecnologia russa e uso livre, foi cedido formalmente por seu desenvolvedor para o Tribunal de Justij a n e i r o

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ça do DF. O software permite que se faça a conversão de texto em "elementos fonéticos". Já o segundo programa, de origem americana, foi comprado pelo TJDFT, por R$ 25 mil, cifra agora possível. Ele faz a conversão dos "elementos fonéticos" em áudio, gerando assim a voz sintética, pausada e suave chamada "Raquel". Com a junção dos dois programas, nasceu o Juris in Vox – Jurisprudência em Voz -, lançado oficialmente pelo TJDFT em 8/4 deste ano. A implantação do Projeto contou com um árduo trabalho dos servidores da SETI (Secretaria de Tecnologia da Informação), da SUDJU (Subsecretaria de Doutrina e Jurisprudência), entre alguns com diversas habilidades especiais, como arranjadores musicais, cantores e músicos, que realizaram vários testes, sugerindo inúmeras mudanças, tudo com o intuito de fornecer ao usuário um produto de alta qualidade. Embora a audição dos textos não demande qualquer aparato mais sofisticado, sua conversão requer todo um exaustivo trabalho de adequação à língua falada para que o resultado final seja o mais verossímil possível. Para a manutenção do sistema, o TJDFT conta com o apoio de um filólogo (profissional que estuda a língua em toda a sua amplitude: escrita e falada) e de um engenheiro, ambos pertencentes à empresa brasileira que comercializa o software americano. A cada texto convertido, novas regras de leitura vão sendo incorporadas para que as distorções em cada produto sejam progressivamente reduzidas. Já foram criadas mais de mil regras que proporcionam a correta identificação pelo programa dos fonemas e de que forma números, siglas, abreviações e outros signos linguísticos devem ser lidos. Assim,

esse trabalho detalhado vai tornando a narração cada vez mais fidedigna. "Não creio que haverá um momento em que a conversão venha a ser total e exclusivamente automática porque as possibilidades da língua são quase infinitas. Mas nosso trabalho é no sentido de torná-la mais ágil e precisa a cada dia que passa", explica o responsável pelo projeto, Jorge Althoff, Secretário de Jurisprudência e Biblioteca. Com o aperfeiçoamento, um grande número de textos poderá ser convertido em voz de uma só vez, o que tornará possível que outros setores utilizem o recurso, como a Assessoria de Comunicação Social, que poderá converter os textos das notícias em áudio. Um dos próximos objetivos da SEBI é a conversão on line da Revista de Doutrina e Jurisprudência, bem como das ementas dos julgados nas consultas processuais em tempo real. A intenção é converter de 180 a 230 acórdãos por dia.

Raquel na web O Projeto Juris in Vox conquistou simpatizantes também na rede mundial de computadores (internet). Em consulta realizada, quase 200 sites publicaram algo positivo a respeito do Juris in Vox. Sites jurídicos, de direitos humanos, de inclusão, de novas tecnologias, entre outros tantos, encabeçam a lista dos que reconhecem no Juris in Vox uma revolução do bem. Além disso, outros órgãos do judiciário, como o CNJ, têm entrado em contato com o TJDFT para buscar informações sobre o projeto e solicitar a conversão de textos.

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d e c i s õ e s r e v i s t a

h i s t ó r i c a s

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Órgão: 2ª Turma Cível Processo N. Habeas Corpus 20090020130779HBC Impetrante(s): ROGÉRIO REIS DE AVELAR Paciente: AFONSO REIS DE AVELAR Relatora: Desembargadora CARMELITA DO BRASIL DIAS Acórdão Nº 409.450

RELATÓRIO

“Ubi societas, ibi jus”

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esta edição, selecionamos duas decisões que caminham paralelamente ao processo de desenvolvimento da sociedade e aos seus anseios. A primeira delas é o acórdão nº 409.450 prolatado pela 2ª Turma Cível que reconheceu a impossibilidade da prisão civil do depositário infiel, o que evidencia a modificação da posição anteriormente pacificada pelo Tribunal. É o Direito e a sociedade em evolução. A segunda é uma sentença proferida pelo Juiz Esdras Neves da 3ª Vara Criminal de Brasília, que pôs fim a um processo complexo em apenas dois meses. É o Direito a serviço da sociedade. O acórdão, conduzido pelo voto da

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"Ubi societas, ibi jus" é uma máxima jurídica que firma o princípio de que onde há sociedade, há Direito. Partindo desse pressuposto, não há como admitir um sem o outro, pois Direito e sociedade se influenciam constante e mutuamente. A sociedade precisa do Direito para regular suas relações, bem como o Direito necessita da sociedade para existir. Assim, um Direito que não acompanha a evolução da sociedade perde a sua razão de ser, ou seja, a sua função social e deixa de atingir o seu propósito maior: a preservação da paz e da ordem.

Desembargadora Carmelita Brasil, demonstra o evoluir da jurisprudência do TJDFT, indo ao encontro do aconselhado pela ordem jurídica internacional no que se refere à proteção dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana. O Tribunal já havia sumulado a questão, no sentido de admitir a prisão civil do depositário infiel. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal passou a admitir que a norma constitucional que trata da matéria fosse restringida pelo legislador ordinário e que o Pacto de São José da Costa Rica detivesse status de norma supralegal. Com base nessa nova posição, restou evidente, de acordo com o

acórdão, que a norma constitucional em questão teve sua aplicabilidade obstada e as normas infraconstitucionais conflitantes com o Pacto devem ser afastadas no caso concreto. A sentença, por sua vez, trata de um julgamento sobre latrocínio, roubo e corrupção de menores acontecidos em março de 2010. Em apenas dois meses o magistrado conseguiu pôr termo a um processo que envolvia crimes graves e de grande repercussão social. A decisão se tornou especial por corroborar com a incessante busca, por parte do TJDFT, pela concretização dos princípios da celeridade e eficiência na prestação da tutela jurisdicional.

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Rogério Reis de Avelar impetrou habeas corpus em favor de Afonso Reis de Avelar, com pedido liminar, alegando que o paciente está prestes a sofrer constrangimento ilegal decorrente da decisão proferida nos autos da Execução n.º 2006.01.1.027013-8, que, ao considerá-lo depositário infiel, ensejou a expedição de mandado de prisão. Sustenta que não há qualquer possibilidade de o paciente entregar os bens do Grupo NDA, eis que ao ser decretada a falência, não mais possuiria controle sobre eles. Afirma que foram indicados os responsáveis e o local onde esses bens se encontram. Alega, ainda, que mesmo que o paciente seja considerado depositário infiel, a questão relativa a prisão civil se encontraria pacificada na jurisprudência pátria, inclusive no colendo Supremo Tribunal Federal, Tribunal encarregado de, em última instância, manifestar-se sobre o direito constitucional. Nos termos da decisão de fls. 52/61, deferi a liminar vindicada. Informações prestadas às fsl. 72/73. A d. Procuradoria de Justiça, no parecer de fls. 69/70, opinou pela concessão da ordem de habeas corpus. É o relatório. VOTOS A Senhora Desembargadora CARMELITA BRASIL - Relatora Trata-se de habeas corpus impetrado por Rogério Reis de Avelar em favor de Afonso Reis de Avelar, sob a alegação de que o paciente está prestes a sofrer constrangimento ilegal decorrente da decisão proferida nos autos da Execução n.º 2006.01.1.027013-8, que, ao considerá-lo depositário infiel, ensejou a expedi-

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ção de mandado de prisão. No caso ora em julgamento, o paciente, embora figurasse como depositário dos bens penhorados nos autos da Execução n.º 2006.01.1.027013-8, não os entregou, ao fundamento de que ao ser decretada a falência do Grupo NDA, não mais possuiria controle sobre eles. Afirma que foram indicados os responsáveis e o local onde esses bens se encontram. Consoante destacado no relatório, a liminar foi deferida, encontrando-se, a decisão deferitória de fls. 52/61, assim fundamentada: Cumpre destacar inicialmente, que apesar de os autos não estarem instruídos com cópia da execução que ensejou a decretação de prisão do ora paciente, bem assim, do processo que culminou com a alegada falência do executado Instituto de Educação NDA Júnior, a decisão que se encontra por cópia às fls. 14 mostra-se suficiente para a análise do pleito. Com efeito, consta, na r. decisão que deferiu o pedido de prisão do paciente (cópia às fls. 14), que, como fiel depositário e proprietário da empresa executada, foi intimado acerca da penhora realizada e não apresentou os bens, não tendo sido cumprido, ainda, o mandado de remoção. Diante desses fatos, foi fixada a prisão do ora paciente pelo prazo de 03 (três) meses, eis que considerado depositário infiel. Em razão da mudança recente do posicionamento do egrégio Supremo Tribunal Federal acerca do tema, considerando ilegal a prisão do depositário infiel, tenho que a liminar merece ser concedida. Cediço que a jurisprudência dos tribunais pátrios sempre oscilou acerca da legalidade da prisão civil do depositário infiel, não obstante haver dispositivo constitucional expresso autorizando a segregação da liberdade daquele que não cumpre com o seu munus público de manter sob sua guarda os bens que lhe são confiados (art. 5º, LXVII). Inicialmente, após intensos debates doutrinários e jurisprudenciais, o colendo Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento de ser incabível a prisão civil do depositário infiel em caso de contrato de alienação fiduciária em garantia. Entendeu-se, que nesses casos, como há conversão da ação de busca e apreensão em depósito, não haveria a

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configuração do depositário típico, apta a ensejar a incidência da norma prevista no art. 5º, LXVII, o que afastou a possibilidade de prisão do devedor fiduciário. Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes da Corte Superior: "AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM AÇÃO DE DEPÓSITO. PRISÃO CIVIL DETERMINADA. INADMISSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Prevalece, no âmbito da colenda Corte Especial deste Sodalício, o entendimento de que "não cabe a prisão civil do devedor que descumpre contrato garantido por alienação fiduciária." (cf. EREsp nº 149.518/GO, DJ de 28/02/2000, Rel. Min. Ruy Rosado). 2. A Quarta Turma, igualmente, já se posicionou no sentido de que "consoante entendimento pregado pela Corte Especial, em caso de conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito, como verificado na espécie, torna-se inviável a prisão civil do devedor fiduciário, porquanto as hipóteses de depósito atípico não estão inseridas na exceção constitucional restritiva de liberdade, inadmitindo-se a respectiva ampliação" (cf. HC nº 55.412-DF, Min. Jorge Scartezzini, DJ de 01/08/2006). 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 862.037/PR, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 07/08/2007, DJ 20/08/2007 p. 291). "PROCESSO CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA - SÚMULA 182/STJ - BUSCA E APREENSÃO - CONVERSÃO EM AÇÃO DE DEPÓSITO - EQUIPARAÇÃO A DEPOSITÁRIO INFIEL - PRISÃO CIVIL - INADMISSIBILIDADE - DESPROVIMENTO. 1 - "É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada.".(Súmula n.º 182/STJ). 2 - Esta Corte já pacificou o entendimento no sentido de que, em caso de conversão da Ação de Busca e Apreensão em Ação de Depósito, como verificado na espécie, é inviável a prisão civil do devedor fiduciário, porquanto as hipóte9


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ses de depósito atípico não estão inseridas na exceção constitucional restritiva de liberdade, inadmitindo-se a respectiva ampliação. Precedentes. 3 - Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag 821.629/RJ, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 06/02/2007, DJ 26/02/2007 p. 607). Remanesceu, contudo, a controvérsia a respeito da prisão civil nos casos do depositário típico, isto é, aquele que, após ser instituído pelo juiz, tem o dever de velar pela segurança e integridade dos bens depositados. Haveria, portanto, uma relação de confiança entre o Estado e o particular nomeado como depositário, a qual, caso fosse violada, permitiria a imposição da sanção privativa de liberdade. Contudo, consoante se observa de recentes julgados do Pretório Excelso, a prisão do depositário infiel nos casos de depósitos típicos também já se encontra superada. Isso porque, no julgamento do RE 466.343, concluído em 03.12.2008, consolidou-se o entendimento de que a prisão civil somente poderia ser decretada nos casos de inadimplemento voluntário e inescusável de pensão alimentícia, não se aplicando mais às hipóteses de depositário infiel. Com base nessa mudança de orientação, sucederam-se diversos julgados da Suprema Corte considerando ilícita a prisão do depositário infiel, in litteris: "HABEAS CORPUS" - PRISÃO CIVIL DEPOSITÁRIO JUDICIAL - REVOGAÇÃO DA SÚMULA 619/STF - A QUESTÃO DA INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA - CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 7º, n. 7) - NATUREZA CONSTITUCIONAL OU CARÁTER DE SUPRALEGALIDADE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS? - PEDIDO DEFERIDO. ILEGITIMIDADE JURÍDICA DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL, AINDA QUE SE CUIDE DE DEPOSITÁRIO JUDICIAL. - Não mais subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infidelidade depositária, independentemente da modalidade de depósito, trate-se de depósito voluntário (convencional) ou cuide-se de depósito necessário, como o é o depósito judicial. Precedentes. Revogação da Súmula 619/STF. TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: AS SUAS RELAÇÕES 10

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COM O DIREITO INTERNO BRASILEIRO E A QUESTÃO DE SUA POSIÇÃO HIERÁRQUICA. - A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana. Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções internacionais de direitos humanos (CF, art. 5º e §§ 2º e 3º). Precedentes. - Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade? - Entendimento do Relator, Min. CELSO DE MELLO, que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos. A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO. - A questão dos processos informais de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da Constituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República, se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade contemporânea. HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. - Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. - O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabi-

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lizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. - Aplicação, ao caso, do Artigo 7º, n. 7, c/c o Artigo 29, ambos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano." (HC n.º 96772/ SP. RELATOR Ministro Celso de Melo. Julgamento: 09/06/2009. Segunda Turma) "DIREITO PROCESSUAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. ALTERAÇÃO DE ORIENTAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve a temática da (in)admissibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso do Pacto de São José da Costa Rica no direito nacional. 2. Há o caráter especial do Pacto Internacional dos Direitos Civis Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica (art. 7°, 7), ratificados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. 3. A jurisprudência desta corte firmou entendimento no sentido de que a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O art. 5°, § 2°, da Carta Magna, expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja

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parte. O Pacto de São José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, conseqüentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel. 4. Habeas corpus concedido. (HC 96640, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 31/03/2009, DJe075 DIVULG 23-04-2009 PUBLIC 24-042009 EMENT VOL-02357-04 PP-00656) EMENTA: HABEAS CORPUS. SALVOCONDUTO. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO JUDICIAL. DÍVIDA DE CARÁTER NÃO ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou a orientação de que só é possível a prisão civil do "responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia" (inciso LXVII do art. 5º da CF/88). Precedentes: HCs 87.585 e 92.566, da relatoria do ministro Marco Aurélio. 2. A norma que se extrai do inciso LXVII do artigo 5º da Constituição Federal é de eficácia restringível. Pelo que as duas exceções nela contidas podem ser aportadas por lei, quebrantando, assim, a força protetora da proibição, como regra geral, da prisão civil por dívida. 3. O Pacto de San José da Costa Rica (ratificado pelo Brasil - Decreto 678 de 6 de novembro de 1992), para valer como norma jurídica interna do Brasil, há de ter como fundamento de validade o § 2º do artigo 5º da Magna Carta. A se contrapor, então, a qualquer norma ordinária originariamente brasileira que preveja a prisão civil por dívida. Noutros termos: o Pacto de San José da Costa Rica, passando a ter como fundamento de validade o § 2º do art. 5º da CF/88, prevalece como norma supralegal em nossa ordem jurídica interna e, assim, proíbe a prisão civil por dívida. Não é norma constitucional -- à falta do rito exigido pelo § 3º do art. 5º --, mas a sua hierarquia intermediária de norma supralegal autoriza afastar regra ordinária brasileira que possibilite a prisão civil por dívida. 4. No caso, o paciente corre o risco de ver contra si expedido mandado

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prisional por se encontrar na situação de infiel depositário judicial. 5. Ordem concedida. (HC 94013, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 10/02/2009, DJe-048 DIVULG 12-03-2009 PUBLIC 13-03-2009 EMENT VOL-02352-02 PP-00267) Depreende-se dos precedentes transcritos que a nova orientação parte do pressuposto de que a norma prevista no art. 5º, inciso LXVII, por apresentar exceções à regra da vedação da prisão civil por dívida, seria de eficácia contida, admitindo restrição e conformação por parte do legislador ordinário. Com efeito, reportando-se à discussão do problema ao plano infraconstitucional, encontram-se duas normas em conflito: o art. 652 do Código Civil, que admite a prisão do depositário infiel¹ , e o Pacto de São José da Costa Rica que permite a constrição da liberdade apenas nas hipóteses de inadimplemento de dívida alimentar. Destarte, a solução jurídica do impasse perpassa, necessariamente, pela análise da hierarquia das normas em questão. Ressalte-se que sempre houve dúvidas a respeito do status normativo ocupado pelo Pacto de São José da Costa Rica – ratificado no ano de 1992, sem reserva, pelo Brasil - no ordenamento jurídico pátrio. Por ser um tratado internacional, em sua essência, de direitos humanos, havia julgados que defendiam a natureza constitucional da norma, ex vi do art. 5º, § 2º, da Constituição Federal, acrescentada pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Entretanto, a interpretação contrária, fundada nas regras de internalização dos tratados internacionais, conferia status de lei ordinária ao tratado, mormente pelo fato de ter sido incorporado à ordem jurídica antes da promulgação da emenda. A nova orientação sufragada pelo Pretório Excelso, contudo, não adotou nenhuma das correntes em questão, optando por uma posição intermediária, no sentido de atribuir ao tratado um caráter de supralegalidade, isto é, de hierarquia inferior à Constituição, mas superior à lei ordinária. ¹ Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a 1 (um) ano, e ressarcir os prejuízos.

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Com base nessa interpretação, restou evidente que todas as normas infraconstitucionais conflitantes com o Pacto São José da Costa Rica, o qual, repita-se, inadmite a prisão civil do depositário infiel, deveriam ser afastadas quando do exame do caso concreto. Destarte, certo é que o art. 652 do Código Civil, que admite a prisão do depositário infiel, contendo disposição diametralmente oposta ao referido tratado internacional, perdeu sua força normativa, tornando-se ilegal qualquer prisão decretada com fulcro neste dispositivo. Nesse sentido, confiram-se, ainda, os julgados do c. Superior Tribunal de Justiça e desta e. Corte de Justiça, in verbis: "PROCESSUAL. PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL. DECRETAÇÃO EM EXECUÇÃO FISCAL. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. MUDANÇA DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO STF. INADMISSIBILIDADE. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. A possibilidade de prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito, é questão que vinha sendo objeto de discussão pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 466.343, cujo julgamento foi retomado e concluído em 3.12.2008, DJ 12.12.08, concluindo o Tribunal, dessa forma, pela inconstitucionalidade da prisão civil do depositário infiel. 2. Recentemente, portanto, o Plenário do STF mudou seu entendimento (HC nº 87.585 e RE nº 466.343, ambos julgados em 3.12.2008) e reconheceu que o Pacto de São José da Costa Rica, incorporado ao ordenamento pátrio com status de norma supralegal, restringiu a prisão civil por dívida ao descumprimento voluntário e inescusável de prestação alimentícia. Com isso, concluiu o Tribunal que os tratados internacionais de direitos humanos que tratam da matéria imprimiram efeito paralisante em relação às normas infra-legais autorizadoras da custódia do depositário infiel. 3. Há, portanto, razoabilidade jurídica quanto à tese do constrangimento ilegal decorrente da prisão civil do depositário infiel, justificando-se, assim, a concessão da ordem de habeas corpus. 4. Em decorrência, deve-se conceder de ofício a ordem de habeas corpus, 11


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considerando a urgência e relevância do caso, a fim de fazer cessar o constrangimento ilegal." (STJ, HC 110.770/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/02/2009, DJe 27/03/2009). RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DEPOSITÁRIO JUDICIAL INFIEL.PRISÃO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE. FLAGRANTE ILEGALIDADE. CONCESSÃO. ORDEM. DE OFÍCIO. 1 - Na espécie encontra-se consubstanciada flagrante ilegalidade na decisão que decreta a prisão do paciente, depositário judicial infiel, porquanto, nos temos da orientação firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, é inconstitucional a prisão civil do depositário infiel e do alienante fiduciário (RE nº 466.343/ SP).Precedentes desta Corte. (...) 3 - Recurso conhecido e provido. (STJ, RHC 25.155/RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 10/02/2009, DJe 26/02/2009)

Circunscrição : 1 - BRASILIA Processo : 2010.01.1.026976-3 Vara : 303 - TERCEIRA VARA CRIMINAL Processo : 2010.01.1.026976-3 Ação : AÇÃO PENAL Autor : JUSTIÇA PÚBLICA Réu : TARCISIO AZEVEDO SILVA

SENTENÇA O Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor de TARCISIO AZEVEDO SILVA, qualificado na inicial, imputando-lhe a prática de fatos delituosos previstos no artigo 157, § 2º, incisos I e II (duas vezes) c/c o artigo 70; artigo 157, § 2º, incisos I e II c/c o artigo 14, inciso II; artigo 157, 3º, in fine, c/c o artigo 71, do Código Penal Brasileiro, e artigo 244-B, da Lei nº 8.069/90 c/c o artigo 70, do Código Penal Brasileiro. Aduz a ilustre Promotora de Justiça, na peça acusatória (fls. 02/05), que: "[...] DOS ROUBOS 12

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"HABEAS CORPUS. DEPOSITÁRIO INFIEL. PRISÃO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONCESSÃO DA ORDEM. 1.Considerando que o paciente efetuou o pagamento correspondente ao valor do bem penhorado, conforme demonstra cópia do comprovante do depósito, não há como manter sua prisão civil. 2.Outrossim, é incabível a prisão civil do depositário infiel, uma vez que a restrição de liberdade em tais casos representa afronta a direito fundamental garantido na Constituição Federal e no Pacto de São José da Costa Rica, conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (Informativo 531). 3.Ordem de Habeas Corpus concedida." (20090020016561HBC, Relator NÍDIA CORRÊA LIMA, 3ª Turma Cível, julgado em 01/04/2009, DJ 17/04/2009 p. 61). "HABEAS CORPUS - EXECUÇÃO - PENHORA DE BENS - DEPOSITÁRIO INFIEL - ILEGALIDADE DO DECRETO DE PRISÃO - ORIENTAÇÃO DO STF.

01. O Plenário do STF, na sessão de julgamento de 03/12/2008, ao julgar os REs 349.703 e 466.343, firmou orientação no sentido de que a prisão civil por dívida no Brasil está restrita à hipótese de inadimplemento voluntário e inescusável de pensão alimentícia. 02.Ordem concedida. Unânime." (20080020193632HBC, Relator ROMEU GONZAGA NEIVA, 5ª Turma Cível, julgado em 18/02/2009, DJ 05/03/2009 p. 55) Com base nessas considerações, filio-me ao entendimento pacificado no Supremo Tribunal Federal." Pouco ou nada tenho a acrescentar ao que foi por mim expendido quando de deferimento da liminar, merecendo destaque o fato de que a d. Procuradoria de Justiça opinou para que esses mesmos fundamentos fossem reiterados a fim de ser concedida a ordem vindicada. Ante o exposto, concedo a ordem, confirmando a liminar anteriormente deferida. É como voto.

1º FATO No dia 05 de março de 2010, por volta das 01h30, no Auto Posto CAL combustíveis, situado na QI-02, Lago Norte/DF, o denunciado, juntamente com os menores inimputáveis A. F. O., F. C. S. e J. Q. B., previamente acordados entre si e com unidade de desígnios, abordaram o frentista Gilcimar Alves de Almeida e mediante grave ameaça, exercida com emprego de arma de fogo, subtraíram, para si próprios, a importância de R$ 153,00 (cento e cinquenta e três reais) de propriedade do referido posto. Narram os autos que o denunciado e seus comparsas chegaram ao posto e ficaram por cerca de quinze minutos na loja de conveniência, quando, então, se dirigiram ao frentista, empunhando o denunciado em uma das mãos um revólver, e anunciaram o assalto. Tão logo subtraíram a quantia acima mencionada, o denunciado e os menores foram em direção a um cliente, ainda não identificado, que estava em um Mitisubshi Pajero e mediante ameaça, exercida com emprego de arma de fogo, subtraíram des-

te dinheiro e tentaram subtrair o veículo, porém como a vítima saiu correndo levando consigo a chave do carro, impossibilitou a subtração deste. 2º FATO Dando prosseguimento às empreitadas criminosas, o denunciado juntamente com os menores inimputáveis A. F. O., F. C. S. e J. Q. B, previamente acordados entre si e com unidade de desígnios, por volta das 01h40, no estacionamento do Edifício Residencial Geovana, situado no SHN, CA 05, lote M 01, Lago Norte/DF, abordaram Rodrigo Moreira dos Santos e Júlia Gomes Mendonça e mediante grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo, empunhada pelo denunciado, tentaram subtrair, para si próprios, o veículo de propriedade da segunda vítima. O roubo só não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do denunciado e seus comparsas, uma vez que as vítimas, após a abordagem e a exigência da entrega da chave do veículo, correram para o interior do prédio, tendo Rodrigo começa-

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do a gritar, fazendo com que os porteiros aparecessem e alguns moradores ligassem para a polícia, oportunidade em que os meliantes se evadiram do local. 3º FATO Não satisfeitos, ainda, e dando continuidade a sequência de crimes, minutos após a tentativa de roubo acima descrita, o denunciado, juntamente com os menores inimputáveis A. F. O., F. C. S. e J. Q. B, previamente acordados entre si e com unidade de desígnios, abordaram Paulo Fernando Lourenço Rabello, que se encontrava no interior de seu veículo, um HYUNDAI/ TUCSON, placa JHN-3362/DF, e mediante grave ameaça, exercida com emprego de arma de fogo empunhada pelo denunciado, anunciaram o assalto e exigiram o veículo, ocasião em que a vítima ligou o automóvel e o denunciado efetuou dois ou três disparos contra esta, que veio a óbito. A vítima foi retirada do veículo pelo denunciado e pelos menores, que nele adentraram e evadiram-se do local. Consta dos autos que a polícia, já avisada, empreendeu diligências na localização dos meliantes, logrando êxito em prender o denunciado e apreender os menores próximo ao Cemitério de Taguatinga/DF. DA CORRUPÇÃO DE MENORES Na data, horários, locais e agindo da forma acima descrita o denunciado corrompeu os menores inimputáveis A. F. O., F. C. S. e J. Q. B". A Denúncia foi recebida em 15 de março de 2010 (fl. 79). O acusado foi citado e intimado, conforme mandado e certidão de fls. 83/84, e ofereceu a resposta prévia de fls. 93/94, sem preliminares. Não se enquadrando o caso dos autos em nenhuma das hipóteses legais que autorizam a absolvição sumária do réu, designou-se audiência para a oitiva das vítimas, testemunhas, bem assim para o interrogatório do acusado. Em audiência realizada no dia 13 de abril de 2010, foram ouvidas as vítimas arroladas na denúncia e a testemunha Cesar Lucas Francelino Evangelista (fls. 119/121), com a desistência daquelas não ouvidas (fl. 118). Interrogou-se o réu, ocasião em que este negou a prática das condutas delituo-

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sas descritas na denúncia. O réu declarou que, na data dos fatos, estava em um ferro velho, no fundo do cemitério de Taguatinga, e consumia drogas, tendo ali sido encontrado por policiais. Declarou que jamais assaltou quem querque seja e que jamais possuiu revólver (fls. 125). Encerrada a instrução, a Defesa nada requereu, na fase do artigo 402, do Código de Processo Penal. O Ministério Público requereu a juntada aos autos dos laudos periciais. Foram juntados o Laudo de Exame de Corpo de Delito nº 8574/10 (fls. 148/157), Laudo de Exame de Imagens 7.908/10 (fls. 162/169), Laudo de Exame de Local de Morte Violenta e Veículo nº 6.176/10 (fls. 167/200), Laudo de Exame de Arma de Fogo nº 5.242/10 (fls. 241/242), Laudo de Exame Químico nº 4.624/10 (fls. 245/247), Laudo de Exame Preliminar em Material nº 633/10 (fl. 248), Laudo de Avaliação Econômica Indireta nº 6405/10 (fls. 251). A representante ministerial ofereceu alegações finais às fls. 258/280, pugnando pela condenação do réu nos estritos termos da denúncia, além de requerer a condenação do réu a reparar o dano de R$130,00 causado à vítima Gilcimar Alves de Almeida. As alegações finais do réu encontram-se às fls. 291/299. Requer a sua absolvição, com apoio no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. Em caso de condenação, alega, em síntese, que as circunstâncias judiciais são favoráveis, a ele, réu. Quanto ao crime de corrupção de menores, sustenta que não há prova de menoridade dos supostos inimputáveis mencionados na denúncia. Requer a sua absolvição quanto a esse crime, com apoio no artigo 386, II, do CPP. O processo encontra-se formalmente em ordem, inexistindo, até o presente, nulidades ou vícios a sanar. O acusado foi regularmente citado e está assistido por ilustre Defensor, regularmente constituído. As provas foram coligidas sob o crivo do devido processo legal, tendo o contraditório e a ampla defesa sido rigorosamente observados. RELATADOS. DECIDO. Presentes as condições necessárias ao exercício do direito de ação, bem como os pressupostos processuais legalmente exigidos e, inexistindo alegações preliminares,

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adentro o mérito. Imputam-se ao acusado as condutas penalmente incriminadas e tipificadas no artigo 157, § 2º, incisos I e II (duas vezes) c/c o artigo 70, definidor de roubo duplamente circunstanciado; artigo 157, § 2º, incisos I e II c/c o artigo 14, inciso II, definidor de roubo duplamente circunstanciado, em tentativa; artigo 157, 3º, in fine, c/c o artigo 71, do Código Penal Brasileiro, definidor de roubo agravado pelo resultado morte (latrocínio), em continuidade delitiva; e artigo 244-B, da Lei nº 8.069/90, definidor do crime de corrupção de menores, c/c o artigo 70, do Código Penal Brasileiro, ou seja, em concurso formal. A materialidade dos crimes de roubo, latrocínio e corrupção de menores encontra-se devidamente comprovada pela prova oral colhida, bem como pelos documentos presentes nos autos, principalmente pelo Auto de Prisão em Flagrante nº 107/2010 (fls. 02/19), Ocorrência Policial nº 371/2010-DCA-II (fls. 31/37), Ocorrência Policial nº 640/20109ªDP (fls. 38/39), Auto de Apresentação e Apreensão de Adolescente Ref. PAAI 0410/10-DCA2 Oc. 0371/10-DCA2 (fl. 53), Auto de Apresentação e Apreensão de Objetos (fl. 54), Termos de Declarações dos adolescentes J. Q. B. (fl. 57), A. F. O. (fls. 58/59) e F. C. S. (fls. 60/61), Auto de Reconhecimento (de Pessoa), relativo a Tarcisio Azevedo Silva (fls. 62/63), Auto de Reconhecimento (de Pessoa), relativo a Tarcisio Azevedo Silva (fls. 64/65), Auto de Apresentação e Apreensão (fl. 67), Laudo de Exame de Corpo de Delito nº 8574/10 (fls. 148/157), Laudo de Exame de Imagens 7.908/10 (fls. 162/169), Laudo de Exame de Local de Morte Violenta e Veículo nº 6.176/10 (fls. 167/200), Laudo de Exame de Arma de Fogo nº 5.242/10 (fls. 241/242), Laudo de Exame Químico nº 4.624/10 (fls. 245/247), Laudo de Exame Preliminar em Material nº 633/10 (fl. 248), Laudo de Avaliação Econômica Indireta nº 6405/10 (fls. 251). Não existe nenhuma dúvida, sequer remota, com respeito à ocorrência dos delitos. Tem-se, pois, que, cotejados os subsídios documentais acostados aos autos, ainda durante a fase inquisitorial, e, posteriormente, na instrução jurisdicional, resulta robustamente provada a materialidade dos delitos de roubo, latrocínio e corrupção de menores. 13


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A autoria, em desfavor do acusado Tarcisio Azevedo Silva , restou cabalmente demonstrada, em face dos depoimentos colhidos nos autos, juntamente com os documentos e laudos periciais que permitem a confirmação dos fatos atribuídos ao acusado pela denúncia. Registre-se, inicialmente, que o acusado, após ter feito uso de seu direito de permanecer em silêncio na fase inquisitorial (fl. 19), interrogado em Juízo, negou a veracidade dos fatos descritos na denúncia. Confira-se: "[...] que teve prévia audiência com seu Defensor. Não são verdadeiros os fatos narrados na denúncia. Na data dos fatos e no horário em que declarou o policial ouvido pelo interrogando que teria abordado e dado voz de prisão ao interrogando, declara o interrogando que estava num ferro velho no fundo do cemitério de Taguatinga e estava consumindo drogas. O interrogando tinha um pedaço de maconha, um pedaço de crack e um pouco de pó. O interrogando sabe que nenhuma porção de droga foi encontrada com ele, quando da abordagem nas proximidades do cemitério de Taguatinga pelos policiais. Houve mais de um disparo ouvido pelo interrogando na região do cemitério. O interrogando se assustou e se escondeu dentro dos carros. O interrogando estava há dois dias fora de casa, morando na casa de um, na casa de outro. O interrogando conhece A. F. O. e F. C. S. de vista, porque todos moram na mesma região em Santo Antônio Descoberto. O interrogando conhece J. Q. B de uma festa que foram juntos. O interrogando nunca fez assaltos, nem com J. Q. B. nem com ninguém. A ficha do interrogando é limpa. O interrogando jamais teve um revólver, mas sabe que ‘qualquer um sabe atirar’." (fls. 124/125) A negativa de autoria do acusado não resiste ao cotejo com nenhum dos inúmeros elementos de prova reunidos nos autos. A colidência é frontal quando comparado o depoimento do acusado com as versões apresentadas pelos inimputáveis que participaram da empreitada juntamente com o acusado. O inimputável J. Q. B., ouvido na 1ª Vara da Infância e da Juventude, sob o crivo do contraditório, assim relatou como se passaram os fatos: "SÃO verdadeiros os fatos narrados na 14

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representação, uma vez que estava na rodoviária com A. F. O. quando ali chegaram Tarcísio e F. C. S., o primeiro portando um revólver calibre 38, cromado, os quais propuseram a prática do roubo e assim os quatro rumaram para o Lago Norte; enquanto Tarcísio ‘enquadrou’ a VÍTIMA e os representados permaneceram na esquina aguardando; a VÍTIMA tentou fugir, acelerando o seu veículo, no entanto Tarcísio efetuou três disparos contra Paulo, dois dos quais o atingiram na cabeça; os disparos ocasionaram a quebra do vidro situado do lado do motorista; os três representados retiraram o corpo do veículo e Tarcísio assumiu a direção do veículo, ocasião em que todos fugiram; próximo ao cemitério de Taguatinga, foram presos pela polícia, que já havia sido informada pela placa do veículo, além disso, conforme mencionado, o carro estava com um dos vidros quebrado; a arma era de Tarcísio; ao serem abordados, Tarcísio conseguiu fugir; um ‘cana’ lhe deu um murro na boca." (fl. 285). O depoimento do inimputável A. F. O., em muito se assemelha àquele de J. Q. B. (fls. 287/288). Já o inimputável F. C. S. trouxe algumas informações adicionais, que também confirmam, em sua inteireza, o comando, por Tarcísio, da empreitada criminosa. Confira-se: "SÃO verdadeiros os fatos narrados na representação, uma vez que combinou a prática do roubo Tarcísio e em seguida foram até a rodoviária onde apanharam J. Q. B e A. F. O.; os quais se prontificaram a participar do roubo; Tarcísio estava portando um revólver calibre 38, cromado, municiado com quatro cartuchos intactos e um deflagrado; os quatro rumaram para o Lago Norte; enquanto Tarcísio ‘enquadrou’ a VÍTIMA, os demais representados permaneceram na esquina aguardando; não havia o que vigiar, porque a rua estava deserta; a VÍTIMA tentou fugir, acelerando o seu veículo, no entanto Tarcísio efetuou três disparos contra Paulo, os quais o atingiram na cabeça, salvo engano; os disparos ocasionaram a quebra do vidro situado do lado do motorista; o imputável retirou o corpo do veículo e assumiu a direção do veículo, ocasião em que todos fugiram; próximo ao cemitério de Taguatinga, foram presos pela polícia; a arma era

de Tarcísio; ao serem abordados, Tarcísio conseguiu fugir;" (fl. 289) Cumpre, pois, examinar, separadamente, cada um dos fatos criminosos descritos na denúncia. Com respeito ao primeiro crime descrito na denúncia (roubo consumado), o frentista Gilcimar Alves de Almeida, em Juízo, declarou que o acusado, acompanhado de três menores, chegaram ao Posto Cal Combustíveis e permaneceram durante algum tempo na Loja de Conveniências. Passado certo tempo, o frentista estava atendendo um cliente, quando o acusado chegou pelas costas, portando uma arma de fogo, e anunciou o assalto, tendo o frentista entregue ao acusado cerca de R$130,00. São essas as declarações do frentista Gilcimar: "Na data dos fatos o depoente estava trabalhando como frentista do Posto Cal Combustíveis, no início do Lago Norte, quando, por volta da uma e trinta da madrugada, chegaram ao posto a pessoa que o depoente veio a saber chamar-se Tarcísio, acompanhado de três menores. Eles foram para a loja de conveniência e um dos menores tomava refrigerante. Depois de um tempo o depoente estava atendendo o cliente de uma Pajero e estava de costas para a loja de conveniência. De repente chegou por trás Tarcísio, acompanhado dos três menores, e Tarcísio apontava uma arma para o depoente e anunciou o assalto. O depoente entregou para Tarcísio a quantia de 130 reais aproximadamente. (...) - fls. 119 Com respeito ao segundo crime descrito na denúncia (roubo consumado), o mesmo frentista Gilcimar Alves de Almeida o descreveu com riqueza de detalhes. Segundo o frentista Gilcimar, após efetuarem o roubo de dinheiro do Posto, que, ele, Gilcimar, trazia consigo, os menores e o acusado partiram para cima do cliente que era atendido no momento do assalto. Tentaram roubar o carro Pajero do cliente. Não lograram êxito, mas conseguiram subtrair do cliente uma importância em dinheiro. Assim declarou Gilcimar em Juízo, ao complementar o depoimento transcrito acima: "Os três menores foram para cima do cliente da Pajero. O cliente da Pajero saiu correndo a pé, fugindo dos menores. O cliente, quando voltou para o seu carro, contou que os menores tinham roubado

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dele também o dinheiro que ele ia usar para pagar o abastecimento de gasolina. O cliente deixou o nome e o telefone. O depoente também se recorda que os menores, ao se dirigirem para o cliente da Pajero, disseram que iam pegar as chaves do Pajero para roubá-lo. Os menores tentaram arrancar as chaves do motorista da Pajero e este saiu correndo. O depoente reconheceu na delegacia, pessoalmente, Tarcísio. O prejuízo sofrido pelo depoente como frentista foi de 130 reais." (fl. 119) Com relação ao terceiro crime descrito na denúncia (roubo tentado), transcrevo, em parte, o depoimento da vítima Rodrigo Moreira dos Santos, que bem relata a situação de desespero por que passou, juntamente com sua namorada Júlia. Confira-se: "[...]Na data dos fatos o depoente deixou os filhos da sua namorada na casa dela no CA e lá não há vaga de garagem no subsolo. A namorada do depoente foi estacionar o carro. O depoente resolveu descer para levar um casaco para sua namorada, porque estava chovendo. Logo após o depoente fechar o carro e ligar o alarme surgiu a pessoa que o depoente posteriormente veio a saber chamar-se Tarcísio, acompanhado de três menores. Tarcisio não portava arma. Ele falou para o depoente: ‘E aí fera? Quantas horas aí?’. Diante desse diálogo o depoente imediatamente depreendeu que se tratava de um assalto e falou para a sua namorada para que os dois corressem. O depoente e sua namorada saíram correndo e ao chegar na esquina o depoente começou a gritar por socorro. Vários moradores chegaram à janela. O depoente estava correndo com sua namorada e quando olhou para trás viu que Tarcísio apontava uma arma para o depoente e, nesse instante, Tarcísio disse ao depoente: ‘Me dá a chave do carro, me dá a chave do carro’. Diante do número de pessoas que surgiram na janela Tarcísio e os menores resolveram empreender fuga. O depoente voltou para a portaria do prédio em que mora sua namorada e então ouviu três disparos de arma de fogo, não sabendo em que direção foram dados. Na delegacia o depoente reconheceu pessoalmente Tarcísio com segurança e certeza. No dia seguinte o depoente soube que uma pessoa foi morta pelos mesmos indivíduos que haviam tentado assaltar o depoente e

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sua namorada.(...)" - fls. 120-121 No que tange ao quarto crime descrito na denúncia (latrocínio), a testemunha Cesar Lucas Francelino Evangelista, ouvida em Juízo, descreveu os fatos do seu conhecimento, que apontam, inequivocamente, para a pessoa do acusado Tarcisio Azevedo Silva como autor do latrocínio, que teve como vítima a pessoa de Paulo Fernando Lourenço Rabello. São essas as declarações do Policial Militar Cesar Lucas: "[...] O depoente estava em patrulhamento próximo a Sobradinho, quando recebeu a comunicação pelo CIADE de que tinha ocorrido um latrocínio no Lago Norte. A primeira informação era a de que havia quatro indivíduos em um Tucson, que estavam empreendendo fuga após praticarem o latrocínio e se dirigiam ao Paranoá. Pouco depois chegou a informação de que a Tucson não estava mais se dirigindo ao Paranoá e sim seguia rumo a via Estrutural com destino a Taguatinga. Foi avisado o Posto Policial na via para interceptar a Tucson, mas logo chegou a informação do posto policial, de que a Tucson, com a placa informada pelo CIADE e os quatro indivíduos dentro havia acabado de passar pelo posto policial em alta velocidade. Ainda pouco tempo depois o depoente recebeu a informação em sua viatura de que policiais do 2º Batalhão da Polícia Militar haviam conseguido interceptar a Tucson, já em Taguatinga, nas proximidades do cemitério. Também chegou a informação de que um dos suspeitos havia conseguido fugir e adentrara o cemitério, enquanto que três indivíduos haviam sido capturados. O depoente decidiu entrar por trás do cemitério e avisou à Central. Estava chuviscando e era madrugada. Seis policiais ingressaram no cemitério em linha de arma em punho. Os policiais ficaram cerca de uma hora e vinte a uma hora e quarenta minutos procurando pelo indivíduo que se evadira. De repente o depoente viu um vulto sair detrás de um muro e um buraco no muro do cemitério. Sinalizou para todos os policiais e, quando visualizou a área fora do cemitério o depoente viu a pessoa de Tarcísio, presente nesta audiência, correndo. A partir daí foi dada ordem para ele parar. Ele tentou correr, mas depois obedeceu e colocou as mãos na cabeça. Logo que foi preso Tarcísio disse aos policiais que não

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tinha dado os tiros que mataram a pessoa no Lago Norte. Disse Tarcísio que os tiros tinham sido dados por um dos menores. Dentro do carro Tarcísio disse que os tiros fatais tinham sido dados por um menor que tinha os cabelos avermelhados. Já na delegacia Tarcísio se contradisse e falou que os tiros fatais tinham sido dados por outro dos três menores. Os menores foram conduzidos imediatamente para a DCA II. O depoente soube por outro agente de polícia que na DCA dois menores apontaram Tarcísio como o autor dos disparos que mataram a pessoa no Lago Norte em um assalto. A arma foi apreendida pelos policiais do 2º Batalhão e estava dentro do veículo Tucson. O depoente quer acrescentar que as vítimas quando chegaram à delegacia disseram ao depoente que Tarcísio era quem portava a arma de fogo e era o mais agressivo dos quatro indivíduos." (fls. 122/123) Sem qualquer amparo nos autos, portanto, a versão para os fatos da causa apresentada pelo acusado Tarcisio Azevedo Silva. O primeiro fato, que teve como vítima o frentista Gilcimar Alves de Almeida e o segundo fato, que teve como vítima pessoa ainda não identificada, que estava em um Mitsubishi Pajero, no Auto Posto Cal Combustíveis, e era atendido pelo frentista Gilcimar, amoldam-se, cada um, ao tipo descrito no art. 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal. O acusado, sem nenhuma dúvida nos autos, praticou duas subtrações consumadas, mediante grave ameaça às vítimas, consistente no emprego de arma de fogo, tendo agido juntamente com os menores inimputáveis A. F. O., F. C. S. e J. Q. B., previamente acordados entre si e com unidade de desígnios. Do frentista Gilcimar Alves de Almeida foi roubada a importância em dinheiro de R$130,00, segundo depoimento deste em Juízo. Da vítima ainda não identificada foi roubada a importância em dinheiro correspondente ao valor que seria utilizado para o abastecimento do Pajero no Auto Posto, segundo escorreito depoimento de Gilcimar Alves de Almeida. Totalmente infundada, pois, a alegação defensiva da ausência de prova nos autos acerca da materialidade e autoria dos dois roubos consumados praticados pelo acusado e seus comparsas no Auto Posto Cal 15


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Combustíveis, situado na QI-02, Lago Norte, desta cidade. A consumação do crime de roubo próprio não mais suscita grandes divergências. Predomina, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que, para a consumação do delito de roubo é necessário que o titular da posse da coisa a perca para o agente, ainda que o agente passe a deter a posse da coisa transitoriamente e ainda que a detenção não seja tranquila ou haja perseguição policial; exige-se que a violência ou a grave ameaça já tenha cessado, porque, caso contrário, poder-se-ia estar diante do roubo impróprio, com algumas consequências, a exemplo da não admissão da tentativa. Confira-se a orientação do Superior Tribunal de Justiça e do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios: HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE ROUBO. CONSUMAÇÃO. POSSE TRANQUILA DA COISA SUBTRAÍDA. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL E DO PRETÓRIO EXCELSO. 1. No que se refere à consumação do crime de roubo, esta Corte e o Supremo Tribunal Federal adotam a teoria da apprehensio, também denominada de amotio, segundo a qual considera-se consumado o mencionado delito no momento em que o agente obtém a posse da res furtiva, ainda que não seja mansa e pacífica e/ou haja perseguição policial, sendo prescindível que o objeto do crime saia da esfera de vigilância da vítima. 2. Ordem denegada. (HC 118.407/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 23/06/2009, DJe 03/08/2009) PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. CONCURSO DE AGENTES. DESCLASSIFICAÇÃO PARA ROUBO TENTADO. POSSE DO PRODUTO DO CRIME. CONSUMAÇÃO. REGIME PRISIONAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA. Considera-se consumado o crime de roubo no momento em que o acusado, cessada a violência ou grave ameaça, obtém a posse da res furtiva, ainda que por um breve lapso temporal, mesmo sob a vigilância da vítima, incluindose os casos em que se torna possível a retomada do bem por meio de perseguição imediata. O regime prisional encontra-se cabalmente alicerçado no quantum de 16

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sanção estabelecido. Não preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos elencados no art. 77 do Código Penal para suspender condicionalmente a pena. Apelação desprovida. (20091010050758APR, Relator MARIO MACHADO, 1ª Turma Criminal, julgado em 25/03/2010, DJ 23/04/2010 p. 104) Dentro do veículo Hyundai, modelo Tucson, Placa JHN 3362, em que empreenderam fuga o acusado e seus três comparsas inimputáveis, foi encontrada, entre outros objetos, a importância de R$171,00, conforme Auto de Apresentação e Apreensão de Objetos de fls. 54, o que é inteiramente compatível com o relato dos dois assaltos praticados no estacionamento do Auto Posto Cal Combustíveis. Também foi apreendida a arma de fogo utilizada pelo acusado para ameaçar gravemente suas vítimas, a saber, um revólver calibre 38, descrito no Auto de Apresentação e Apreensão de fl. 54. Acrescente-se que a arma de fogo apreendida no Tucson era eficiente para efetuar disparos, conforme o Laudo de Exame de Arma de Fogo nº 5.242/10 (fls. 241/242). Cumpre também ajuntar que a testemunha Gilcimar Alves de Almeida reconheceu Tarcísio Azevedo Silva, com segurança e sem nenhuma hesitação, "como sendo a pessoa que na data e horário acima descritos, praticou o roubo ao posto de gasolina, conforme a infração narrada na Ocorrência Policial em referência" (fl. 64). O terceiro fato, que teve como vítimas Rodrigo Moreira dos Santos e Júlia Gomes Barboza, amolda-se ao tipo descrito no artigo 157, § 2º, incisos I e II, c/c o artigo 14, inciso II, todos do Código Penal, que define o roubo circunstanciado tentado. No magistério sempre citado de MIRABETE (Manual de Direito Penal, v. I, p. 144), "a tentativa é a realização incompleta do tipo penal, do modelo descrito na lei. Na tentativa há prática de ato de execução, mas não chega o sujeito à consumação por circunstâncias independentes de sua vontade." Em depoimento corajoso e firme, a vítima Rodrigo Moreira dos Santos declarou em Juízo que ele e sua namorada Júlia foram abordados pelo acusado, estando este acompanhado dos três menores, no início da madrugada da data descrita na denúncia, quando desceu para pegar um casaco no carro

de sua namorada. Assustado em razão da abordagem, Rodrigo declara que entendeu tratar-se de um assalto e correu, com sua namorada, além de gritarem por socorro. Relatou Rodrigo que "estava correndo com sua namorada e quando olhou para trás viu que Tarcísio apontava uma arma para o depoente e, nesse instante, Tarcisio disse ao depoente: ‘Me dá a chave do carro, me dá a chave do carro’" (fls. 120). O roubo do carro somente não se consumou em virtude do número de pessoas que surgiram nas janelas dos prédios vizinhos e do fato de Rodrigo ter logrado correr, com sua namorada, tendo conseguido fugir dos assaltantes. Assim, ao empunhar a arma de fogo, correr com seus comparsas atrás de Rodrigo e sua namorada e exigir, mediante grave ameaça, que entregassem a chave do carro, Tarcísio, inequivocamente, praticou atos de execução do crime de roubo duplamente circunstanciado do carro de Julia Gomes Barbosa. O crime, porém, não se consumou: não ocorreu a inversão da posse da res. O delito somente não atingiu o momento consumativo por motivos alheios à vontade do acusado e de seus comparsas, ou seja, a fuga do casal correndo e o aparecimento de vizinhos. Acrescente-se que Rodrigo Moreira dos Santos reconheceu a pessoa de Tarcísio Azevedo Silva, com segurança e sem nenhuma hesitação, "como sendo a pessoa que na data e horário acima descritos praticou a tentativa de roubo ao reconhecedor, conforme a infração narrada na Ocorrência Policial em referência" (fl. 62). A Ocorrência Policial referida é a de número 371/2010-DCA2. O quarto fato, que teve como vítima a pessoa de Paulo Fernando Lourenço Rabello, amolda-se ao tipo descrito no artigo 157, § 3º, in fine, do Código Penal, que define o latrocínio, isto é, o roubo agravado pelo resultado morte. José Henrique Pierangeli (Manual de Direito Penal Brasileiro, v. 2, p. 237), em obra escrita, em parte, com ZAFFARONI, cita HUNGRIA para definir o latrocínio como "’crime que, embora juridicamente uno, apresenta, na sua estrutura, como essencialia ou circunstâncias qualificativas, em relação de meio a fim, fatos vários que, em si mesmos, constituem crimes’" (Hungria). O importante é fixar que

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no crime complexo existe uma unidade jurídica formada por dois ou mais crimes que, se considerados isoladamente, também são delitos, ou, em outras palavras, o crime complexo é uma unidade jurídica composta por dois ou mais delitos. No caso do latrocínio, compreende o roubo e a morte da vítima ou de terceiro (crime de dupla subjetividade passiva): a morte no caminho e o lucro na meta como já reconheciam os romanos ao estabelecerem ser o lucro o fim e a morte, o meio." O caso dos presentes autos não suscita maiores discussões na doutrina e na jurisprudência. Trata-se de latrocínio consumado, porquanto para tanto, como têm decidido nossos Tribunais, não importa se a morte decorre de dolo ou culpa do agente, eis que este se dispôs a roubar veículo com arma de fogo. Confiram-se estes julgados: CRIMINAL. HC. LATROCÍNIO. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA HOMICÍDIO. NÃO-OCORRÊNCIA DE SUBTRAÇÃO DE BENS. IRRELEVÂNCIA. INTENÇÃO DE REALIZAR O ROUBO. MORTE DA VÍTIMA. LATROCÍNIO CONSUMADO. SÚMULA N.º 610/STF. ORDEM DENEGADA. I. Hipótese na qual o paciente foi condenado pela prática de latrocínio, apesar da subtração dos bens não ter se consumado. II. Se a intenção do agente é de realizar a subtração, com emprego de violência ou grave ameaça, tendo acarretado o resultado morte - como no presente caso -, o fato do réu não ter obtido a posse mansa e tranquila dos bens não ocasiona óbice à configuração do latrocínio consumado. III. Precedentes do STF e do STJ. Incidência da Súmula n.º 610/STF. IV. Ordem denegada. (HC 46.254/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 09/05/2006, DJ 05/06/2006 p. 297) PENAL. HABEAS CORPUS. LATROCÍNIO. SENTENÇA E ACÓRDÃO QUE FIRMAM HAVER LATROCÍNIO CONSUMADO E TENTADO EM CONCURSO FORMAL. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DE CRIME ÚNICO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. INDISFARÇÁVEL NECESSIDADE DE AMPLA DILAÇÃO PROBATÓRIA. PERFAZ-SE O LATROCÍNIO SE HAVIDA A MORTE, AINDA QUE NÃO A VIOLAÇÃO PATRIMONIAL. SÚMULA 610/STF. PARECER MINISTERIAL

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PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA. 1. Afirmado pelo Tribunal Estadual que a conduta perpetrada visou a atingir patrimônios distintos, bem como a integridade física de cada uma das vítimas, entendendo pela existência de concurso formal, a alteração dessa conclusão demandaria aprofundada dilação probatória, providência inadmissível em Habeas Corpus. Precedentes. 2. Este STJ, fundado primordialmente na Súmula 610 do Pretório Excelso, que enuncia haver crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima, firmou a orientação de que se perfaz o crime em que havida a morte, ainda que não a violação patrimonial. 3. Parecer do MPF pela denegação da ordem. 4. Ordem denegada. (HC 137.538/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 12/04/2010) PENAL - LATROCÍNIO - DESCLASSIFICAÇÃO PARA ROUBO CONSUMADO INCABÍVEL - PALAVRA DA VÍTIMA - TEORIA UNITÁRIA DO CONCURSO DE PESSOAS - PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA E COOPERAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA AFASTADAS - CONFISSÃO PARCIAL - REDUÇÃO DA PENA. I. Não há como desclassificar o latrocínio para roubo consumado se o apelante iniciou a execução do crime, estava com a arma municiada, subtraiu os bens e efetuou o disparo. Se o resultado morte não foi querido, foi ao menos admitido. II. Nos crimes contra o patrimônio, a jurisprudência confere à palavra da vítima especial credibilidade, mormente quando corroboradas pelos demais elementos trazidos aos autos. III. O Código adota, como regra, a teoria unitária do concurso de pessoas. Aqueles que tomam parte na infração cometem idêntico delito. V. Se um dos réus estava armado e ambos poderiam prever o resultado da conduta, assumiram o risco de um resultado mais grave. Não há como acolher a tese de "cooperação dolosamente distinta" ou de "participação de menor importância. V. Se o apelante, ao ser reinterrogado, admitiu os fatos parcialmente e a retratação foi considerada na sentença, a atenuante deve ser aplicada

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para reduzir a pena. VI. Recurso de Maurício improvido. Apelo de Vilmar provido parcialmente para reduzir a reprimenda. (20000710072899APR, Relator SANDRA DE SANTIS, 1ª Turma Criminal, julgado em 15/10/2009, DJ 27/10/2009 p. 88) PENAL. LATROCÍNIO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO SIMPLES IMPOSSIBILIDADE. LATROCÍNIO CONSUMADO. SÚMULA 610 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. figura típica do latrocínio não exige que o evento morte esteja nos planos do agente, sendo suficiente, para a configuração desse crime, que a violência seja empregada para roubar e que dela resulte a morte. A Súmula 610 do Supremo Tribunal Federal é expressa no sentido de que "Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima". Dessa forma, para que haja latrocínio consumado basta que ocorra a morte, sendo prescindível a efetiva subtração de bens da vítima, vez que a norma do artigo 157, § 3º, 2ª parte, emprega a expressão "se resulta morte", não havendo que se falar, nesse contexto, em desclassificação para homicídio simples em concurso material com tentativa de roubo. Negado provimento ao recurso. (20040910073383APR, Relator MARIO MACHADO, 1ª Turma Criminal, julgado em 08/10/2009, DJ 18/11/2009 p. 215) Ainda na Delegacia da Criança e do Adolescente II, o inimputável A. F. O. declarou que o tiro que matou a vítima Paulo foi disparado pelo imputável e ora acusado Tarcisio Azevedo Silva. Esclareceu A. F. O. que "no dia 04/04/2010, por volta das 23h, o declarante e seus colegas F. C. S. (adolescente), J. Q. B. (adolescente) e o imputável TARCÍSIO AZEVEDO SILVA encontraram-se na Rodoviária do Plano Piloto; após conversarem por algum tempo; o declarante resolveu falar com os colegas ‘vamos dar um passeio’, ou seja, vamos roubar um carro; todos concordaram; o imputável TARCÍSIO AZEVEDO SILVA disse que estava armado (um revólver calibre 38); assim todos foram para o Lago Norte a fim de procurar uma vítima; o declarante afirma que ele e seus colegas avistaram, por volta das 02h (dia 05/03/10), um carro estacionado (HYUNDAI/TUCSON, cor prata), no seu interior um homem; o declarante alega que ele e seus 17


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comparsas abordaram a vítima; e o imputável TARCÍSIO AZEVEDO SILVA apontando a arma de fogo para a vítima anunciou o roubo; a vítima ligou o carro; nesse momento, TARCISIO atirou duas ou três vezes; a vítima caiu no interior do veículo; o declarante afirma que vítima foi retirada do interior do veículo e jogada no gramado; o adolescente não sabe informar quem retirou a vítima; na sequência, todos adentraram no veículo e fugiram para a BR 070, quem assumiu a direção do veículo automotor foi o imputável TARCÍSIO; o declarante alega que na BR-070, na altura da QNG 40, Ceilândia/DF, TARCÍSIO percebeu que estavam sendo perseguidos por policiais militares; o declarante afirma que TARCISIO parou e saiu correndo;" (fl. 53). Ouvido em Juízo, J. Q. B. confirmou que esteve na Rodoviária do Plano Piloto; que lá estava com A. F. O., quando chegaram Tarcísio e F. C. S.; que Tarcisio trazia uma arma de fogo; bem como que os dois que chegaram propuseram a prática de um roubo, razão pela qual saíram os quatro para o Lago Norte. Confirma essa testemunha que a vítima Paulo, abordada, tentou fugir, acelerando o seu veículo. E acrescenta: "no entanto Tarcisio efetuou três disparos contra Paulo, dois dos quais o atingiram na cabeça;" (fl. 280). O corpo de Paulo foi retirado do veículo e todos entraram no carro e empreenderam fuga. A. F. O. e F. C. S., também ouvidos em Juízo (fls. 287/290), confirmaram, ipis literis, a versão dos fatos apresentada por J. Q. B. Restou, assim, certo nos autos, diante da sequência dos fatos descritos na denúncia e robustamente comprovados pelos documentos, na fase inquisitorial e na instrução criminal, que o acusado e seus três comparsas foram ao Lago Norte com um intento: roubar um veículo automotor. Como se viu, já no Auto Posto Cal Combustíveis quase lograram roubar um Mitsubishi Pajero, não tendo obtido êxito. Pouco tempo depois, perseguiram Rodrigo Moreira dos Santos e Júlia Gomes Mendonça, que saíram correndo, quando estavam prestes a perder a posse, mediante grave ameaça, exercida com arma de fogo, do veículo de Júlia Gomes Mendonça. O roubo não se consumou por motivos alheios à vontade do acusado. Rodrigo Moreira dos Santos de18

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clarou em Juízo que, quando retornava para a casa de Júlia, após livrar-se da perseguição dos meliantes, ouviu três disparos de arma de fogo. Era a sequência da sanha criminosa do acusado, que havia se munido do propósito de, a qualquer preço, roubar um veículo, para si e para seus três comparsas. Os três tiros ouvidos por Rodrigo estavam sendo disparados por Tarcisio Azevedo Silva contra Paulo Fernando Lourenço Rabello. O veículo HYUNDAI/TUCSON, Placa JHN 3362/DF, de propriedade de Paulo Fernando Lourenço Rabello, foi apreendido em poder dos inimputáveis A. F. O., F. C. S. e J. Q. B., conforme o Auto de Apresentação e Apreensão de Objetos de fl. 54. O Policial Militar Cesar Lucas Francelino Evangelista declarou que o veículo da vítima foi abordado, após um cerco policial; que no interior do veículo havia quatro indivíduos, sendo que três eram menores e foram apreendidos; o quarto indivíduo, o acusado Tarcisio Azevedo Silva, fugiu e adentrou no interior do Cemitério de Taguatinga. Lá TARCÍSIO foi procurado por várias equipes de policiais, durante cerca de uma hora e vinte a uma hora e quarenta minutos (fls. 122). Acrescenta o Policial Militar Cesar Lucas: "De repente o depoente viu um vulto sair detrás de um muro e um buraco no muro do cemitério. Sinalizou para todos os policiais e, quando visualizou a área fora do cemitério, o depoente viu a pessoa de TARCÍSIO, presente nesta audiência, correndo. A partir daí foi dada ordem para ele parar. Ele tentou correr, mas depois obedeceu e colocou as mãos na cabeça. Logo que foi preso TARCISIO disse aos policiais que não tinha dado os tiros que mataram a pessoa no Lago Norte. Disse Tarcisio que os tiros tinham sido dados por um dos menores. Dentro do carro Tarcisio disse que os tiros fatais tinham sido dados por um menor que tinha os cabelos avermelhados. Já na delegacia Tarcisio se contradisse e falou que os tiros fatais tinham sido dados por outro dos três menores." (fls. 122/123) Frise-se que a Defesa não se insurge contra a vastíssima prova dos autos, que aponta para o autor dos três disparos do revólver calibre .38, que tiraram a vida de Paulo Fernando Lourenço Rabello, qual seja, o acusado Tarcísio Azevedo Silva. Exceto a palavra do próprio Tarcísio, nenhum

elemento de prova nos autos aponta em sentido distinto, quanto à autoria do crime de latrocínio descrito na denúncia. Ocorre que não há sequer dúvida quanto à autoria dos disparos. Um menor, já na Delegacia, e os três, em Juízo, confirmam que os tiros foram disparados por Tarcísio. Recorde-se que se qualquer um dos menores tivesse se atribuído a autoria dos disparos fatais, isto não modificaria, nem a situação de Tarcísio, nem a situação dos próprios menores, com respeito à apuração do crime e do ato infracional. Isto se dá porque os quatro - o imputável e os três inimputáveis - participaram igualmente da ação criminosa, sendo irrelevante, assim, quem puxou o gatilho do revólver, quem cercou o carro, quem avançou na direção da vítima, que procurava fugir. Acrescente-se que o Laudo de Exame de Local de Morte Violenta e Veículo de fls. 167/176, após minuciosa análise dos elementos colhidos no veículo e no local do evento fatídico, assim concluiu: "Ante o estudo dos elementos materiais examinados e assinalados, assim os peritos descrevem a dinâmica provável e parcial do evento: encontrava-se PAULO FERNANDO LOURENÇO RABELLO dentro do veículo HYUNDAI, modelo TUCSON, placa JHN 3362-DF, sentado no banco anterior direito quando foi atingido pelo projétil P1 causando a ferida contusa na região dorsal esquerda, e por outro projétil na região occiptal esquerda. Pelo menos 3 (três) disparos de arma de fogo foram efetuados em direção ao veículo HYUNDAI, modelo TUCSON, placa JHN 3362-DF quando este estava com seus vidros laterais esquerdos fechados. Ao menos uma arma compatível com o calibre .38 foi utilizada." (fl. 176) O Laudo de Exame de Corpo de Delito (cadavérico) de fls. 148/157 concluiu que "Os sinais cutâneos e ósseos identificados são compatíveis com disparo a distância. O trajeto do projétil, considerando-se o corpo em posição anatômica, foi de trás para frente, ligeiramente da esquerda para a direita, no plano horizontal [...] Morte por traumatismo craniencefálico decorrente de ação de instrumento perfuro-contundente." (fl. 149). A arma de fogo utilizada pelo acusado Tarcisio Azevedo Silva para matar Paulo Fernando Lourenço Rabello foi apreendida com os menores inimputáveis, quando da

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abordagem destes em Taguatinga e no momento em que se evadia o acusado TARCISIO e adentrava o Cemitério de Taguatinga. Periciada a arma esta trazia "quatro estojos de cartuchos percutidos, de calibre .38", seus mecanismos de percussão, repetição e extração se mostraram satisfatórios. Além disso, a arma estava apta a realizar disparos em série, o que, lamentavelmente, restou mais do que comprovado pelos três tiros que tiraram a vida de Paulo Fernando, disparados pelo acusado TARCISIO. Não há, portanto, como se pode ver à saciedade, uma só divergência relevante entre o relato feito pelas testemunhas do evento fatal e a prova pericial. Esta prova acrescenta traços de dramaticidade à ação do acusado, que, como se pode constatar, premuniu-se, com seus comparsas, do intento de roubar um veículo; dirigiram-se todos ao Lago Norte de Brasília; tentaram consumar a subtração do veículo Mitsubishi Pajero, que era abastecido no Auto Posto Cal Combustíveis, da QI 02; não lograram êxito, porque seu proprietário logrou escapar do local, não tendo entregue as chaves ao acusado e seus comparsas. Pouco tempo depois, no chamado "CA" do Lago Norte, tentaram roubar o veículo de Júlia Gomes Mendonça, que estava acompanhada de seu namorado Rodrigo Moreira dos Santos; o roubo não se consumou, porque Rodrigo e Júlia correram e gritaram por socorro, enquanto eram perseguidos pelo acusado, de arma em punho, e por seus comparsas, sendo que o acusado apontava seu revólver para o casal e exigia que entregassem o veículo; muitas pessoas saíram às janelas dos prédios em volta, o que obrigou o acusado e comparsas a fugirem. A empreitada criminosa prosseguiu, porque o acusado e seus comparsas queriam roubar um veículo. Para isso, haviam escolhido o início do Lago Norte como o locus de sua ação criminosa. E não desistiram. Rodrigo e Júlia haviam se livrado dos assaltantes, mas ouviram, logo depois, três disparos de arma de fogo ao longe. Eram o acusado e seus comparsas, colimando seu intento criminoso. Queriam roubar um carro a qualquer custo. No caso dos autos, esse custo foi dantesco, pois representou a vida de Paulo Fernando Lourenço Rabello, que teve a infelicidade de atravessar o caminho de criminosos im-

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piedosos. Os criminosos tiveram a frieza de prosseguir em sua senda a qualquer preço, até obter o resultado visado, ou seja, o roubo de um veículo automotor. Matar Paulo Fernando Lourenço Rabello, que tentava fugir e impedir a subtração, foi apenas um ato de somenos importância para o acusado e seus comparsas, uma vez que eles queriam, a qualquer preço, completar a empreitada que haviam combinado realizar no Lago Norte de Brasília, ou seja, o roubo de um veículo automotor. Para praticar dois roubos consumados, uma tentativa de roubo e um latrocínio, o acusado Tarcísio Azevedo Silva estava, a todo o tempo, acompanhado dos menores inimputáveis A. F. O., F. C. S. e J. Q. B., estando, assim, incurso no art. 244-B, da Lei nº 8.069/90, que tipifica o crime de corrupção de menores. A Defesa do acusado alega que não há prova da menoridade nos autos. Trata-se de evidente equívoco da combativa Defesa. No tocante a todos os inimputáveis, estes foram conduzidos, imediatamente após sua apreensão, para a Delegacia da Criança e do Adolescente II, onde foi lavrada a Ocorrência Policial nº 371/2010, de fls. 31/37. Consta da Ocorrência que F. C. S. nasceu em 29.09.1994, sendo filho de V. C. S. e M. C. O.; J. Q. B. nasceu em 03.06.1993, sendo filho de H. A. Q. e A. B.; A. F. O. nasceu em 19.10.1993, sendo filho de M. G. F. O. Os três inimputáveis foram ouvidos naquela especializada. A par disso, foram ouvidos na 1ª Vara da Infância e da Juventude, conforme Termos de Audiência de fls. 280/290, que não foram, em nenhum momento, impugnados pela Defesa. Ademais, foi remetida a este Juízo cópia da Certidão de Nascimento de J. Q. B., nascido em 03 de junho de 1993, em Santo Antônio do Descoberto, Estado de Goiás, filho de H. A. Q. e A. B., que é a pessoa de "J. Q. B." mencionado na denúncia. A certidão desse inimputável já basta para lançar por terra os argumentos da Defesa acerca da suposta ausência nos autos de documentos comprobatórios da menoridade. É por demais evidente que basta um menor inimputável estar em companhia do acusado, para configurar a prática do crime de corrupção de menores. De qualquer sorte, o Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios tem reiteradamente decidido que a corrupção

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de menores é crime formal, e que registros de órgãos oficiais, como as repartições policiais especializadas, são suficientes para atestar a menoridade, salvo se prova em contrário for produzida, o que não é o caso dos autos. Confira-se: PENAL. PROCESSUAL PENAL. ROUBO QUALIFICADO. AUSÊNCIA DE PROVAS. DOSIMETRIA DA PENA. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. 1. A palavra da vítima tem especial relevância nos crimes contra o patrimônio, praticados, em sua maioria, às escorreitas, distante de testemunhas. 2. Diante do reconhecimento seguro das vítimas que puderam observar bem a fisionomia do acusado durante o roubo (que durou cerca de uma hora), a delação do comparsa e os fatos apresentados não é possível alegar ausência de provas, não havendo dúvidas acerca da autoria. 3. No que tange a necessidade de prova efetiva de influência moral exercida pelo acusado, encontrase pacificado na jurisprudência da egrégia Corte Superior de Justiça o entendimento de que a configuração do crime em questão prescinde da comprovação de tal condição, basta a participação do menor no crime. 4. Entre os delitos de roubo circunstanciado e corrupção de menores há concurso formal de crimes, aplicando-se a regra estampada no art. 70, do Código Penal, em favor do réu. 5. Recurso provido parcialmente. (20040610105087APR, Relator SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS, 2ª Turma Criminal, julgado em 08/04/2010, DJ 28/04/2010 p. 157) APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO CIRCUNSTANCIADO - EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE PESSOAS - CORRUPÇÃO DE MENORES - EXISTÊNCIA DE PROVA DA MENORIDADE - IMPROCEDÊNCIA PENA DE MULTA EXACERBADA - DECOTE. I. O crime de corrupção de menores é de natureza formal. Basta a participação do menor de dezoito anos para a subsunção da conduta do imputável ao tipo do artigo 1º da Lei 2.252/54. Vasta documentação nos autos que atesta a menoridade do co-réu. II. A pena de multa deve seguir os mesmos parâmetros da pena base para o arbitramento. Excessiva a pena de multa aplicada. III. Recurso parcialmente provido. (20080310173805APR, Relator SANDRA DE SANTIS, 1ª Turma Criminal, julgado em 19


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24/09/2009, DJ 14/10/2009 p. 315) APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL. ROUBO QUALIFICADO. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. CORRUPÇÃO DE MENORES. CRIME FORMAL. AUTORIA COMPROVADA. CONDENAÇÃO. Corroborada a confissão judicial pelas demais provas dos autos, não há que se falar em absolvição pela ausência de provas da autoria. O delito tipificado no artigo 1.º da Lei n.º 2.252/1954 é crime de natureza formal, não se exigindo que o resultado ocorra, sendo suficiente a participação do menor em conjunto com agente penalmente imputável para a sua configuração. Comprovada a autoria do crime de roubo qualificado na companhia de menor, a condenação pelo crime de corrupção de menores é medida que se impõe. Recursos conhecidos. Improvido o do réu e provido o do Ministério Público. (20060910021097APR, Relator SOUZA E ÁVILA, 1ª Turma Criminal, julgado em 05/11/2009, DJ 01/12/2009 p. 132) Despiciendo ressaltar que o tipo penal mencionado nos precedentes acima foi redefinido, com as mesmas elementares, no artigo 244-B, da Lei nº 8.069/90 (ECA), verbis: "Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la: Pena - reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos. § 1º Incorre nas penas previstas no caput deste artigo quem pratica as condutas ali tipificadas utilizando-se de quaisquer meios eletrônicos, inclusive salas de bate-papo da internet. § 2º As penas previstas no caput deste artigo são aumentadas de um terço no caso de a infração cometida ou induzida estar incluída no rol do art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990." Em remate, não havendo nenhuma causa excludente de antijuridicidade ou dirimente de culpabilidade, provados os fatos e a autoria, sem outras teses defensivas, a condenação do acusado passa a ser de rigor. Ante o exposto, alicerçado no contexto fático-probatório coligido nos autos, e, diante dos argumentos já expendidos, 20

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JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal deduzida na denúncia, para CONDENAR o acusado TARCISIO AZEVEDO SILVA, como incurso nas penas do artigo 157, § 2º, incisos I e II (duas vezes); artigo 157, § 2º, incisos I e II c/c o artigo 14, inciso II, todos c/c o artigo 70; artigo 157, 3º, in fine, c/c o artigo 70, do Código Penal Brasileiro, e artigo 244-B, da Lei nº 8.069/90, do Código Penal Brasileiro. Atento ao que estatui a Constituição Federal, e, na forma preconizada pelos artigos 59 e 68 do Estatuto Repressivo, passo à individualização e dosimetria da reprimenda imposta ao réu, obedecido o critério trifásico doutrinariamente recomendado. No tocante à análise das circunstâncias judiciais de que trata o artigo 59 do Código Penal, conclui-se: I) primeiro crime de roubo descrito na denúncia (art. 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal), tendo como vítima Gilcimar Alves de Almeida: No tocante à análise das circunstâncias judiciais, de que trata o artigo 59 do Código Penal, conclui-se que: a) a culpabilidade foi efetiva, pois era imputável, possuía plena consciência da ilicitude e era exigível uma conduta diversa; b) o acusado é tecnicamente primário; c) não há elementos para aferir a conduta social e a personalidade do réu; d) os motivos dos crimes confundem-se com os exigidos para a configuração do tipo penal, ou seja, no caso do crime de roubo, a cupidez e o propósito de assenhoreamento do alheio; e) as circunstâncias e as consequências do crime foram pertinentes ao tipo penal; g) o comportamento da vítima em nada contribuiu para a prática do ilícito. Diante das circunstâncias judiciais acima expendidas, fixo a pena-base em 04 (quatro) anos de reclusão. No segundo estágio de aplicação da pena não existem circunstâncias agravantes a considerar, mas há a circunstância atenuante da menoridade relativa, pois o acusado era menor de 21 anos na data dos fatos; no entanto, deixo de considerá-la, uma vez que a pena-base foi fixada no mínimo legal.

Na terceira fase de aplicação da pena, estão presentes duas causas de aumento, consubstanciadas no emprego de arma e no concurso de pessoas, devendo ser o aumento da ordem de 3/8 (três oitavos), na esteira dos seguintes entendimentos jurisprudenciais: "[...] O simples número de causas de aumento não é suficiente para majorar a sanção acima do patamar mínimo de 1/3 (um terço). Para tanto é necessária fundamentação qualitativa em relação a cada uma delas, reservada para situações especiais de criminalidade mais violenta, por exemplo, utilização de várias armas ou armamento de grosso calibre, participação de número considerável de agentes, lapso temporal expressivo em que a vítima ficou em poder dos agentes (precedentes STJ). [...]" (APR 20070510103218, acórdão nº 334.672, Relator MARIO MACHADO, 1ª Turma Criminal, julgado em 23/10/2008, DJ 17/02/2009, p. 98) "[...] 3. Para o aumento de pena superior ao mínimo, pelas qualificadoras do roubo, é necessária fundamentação qualitativa em relação a cada uma delas." (APR 20070910047972, Segunda Turma Criminal, Rel. Des. Getúlio Pinheiro, DJU 14.05.2008) Assim, presentes as causas de aumento pelo concurso de pessoas e pelo emprego de arma de fogo (artigo 157, § 2º, inciso I e II, do Código Penal), imperioso é a exasperação da fração de acréscimo a patamar superior ao mínimo legal, sob pena de dispensar tratamento idêntico a pena de roubo cometido com apenas uma causa de aumento. No caso em apreço, as causas de aumento de pena acima citadas estão presentes com intensidade, pois o réu abordou a vítima acompanhado de mais duas pessoas, reduzindo a possibilidade de reação em face do número de pessoas que participaram da ação, bem como pelo emprego permanente e sumamente eficaz da arma de fogo, de sorte que elevo a pena em 3/8 (três oitavos), fixando-a em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão. Na hipótese vertente, a lei comina a pena privativa de liberdade cumulada com a PENA DE MULTA. Fixo a pena-base

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pecuniária em 40 (quarenta) dias-multa, com base nas circunstâncias judiciais expostas. Diante da circunstância atenuante e da causa especial de aumento de pena do concurso de pessoas, fixo a pena de multa em 46 (quarenta e seis) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente corrigido, observado o disposto nos artigos 49, 60 e 68, do Código Penal. II) segundo crime de roubo descrito na denúncia (art. 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal), tendo como vítima cliente ainda não identificado do Auto Posto Cal Combustíveis: No tocante à análise das circunstâncias judiciais, de que trata o artigo 59 do Código Penal, conclui-se que: a) a culpabilidade foi efetiva, pois era imputável, possuía plena consciência da ilicitude e era exigível uma conduta diversa; b) o acusado é tecnicamente primário; c) não há elementos para aferir a conduta social e a personalidade do réu; d) os motivos dos crimes confundem-se com os exigidos para a configuração do tipo penal, ou seja, no caso do crime de roubo, a cupidez e o propósito de assenhoreamento do alheio; e) as circunstâncias e as consequências do crime foram pertinentes ao tipo penal; g) o comportamento da vítima em nada contribuiu para a prática do ilícito. Diante das circunstâncias judiciais acima expendidas, fixo a pena-base em 04 (quatro) anos de reclusão. No segundo estágio de aplicação da pena não existem circunstâncias agravantes a considerar, mas há a circunstância atenuante da menoridade relativa, pois o acusado era menor de 21 anos na data dos fatos; no entanto, deixo de considerá-la, uma vez que a pena-base foi fixada no mínimo legal. Na terceira fase de aplicação da pena, estão presentes duas causas de aumento, consubstanciadas no emprego de arma e no concurso de pessoas, devendo ser o aumento da ordem de 3/8 (três oitavos), na esteira dos seguintes entendimentos jurisprudenciais: "[...] O simples número de causas de aumento não é suficiente para majorar

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a sanção acima do patamar mínimo de 1/3 (um terço). Para tanto é necessária fundamentação qualitativa em relação a cada uma delas, reservada para situações especiais de criminalidade mais violenta, por exemplo, utilização de várias armas ou armamento de grosso calibre, participação de número considerável de agentes, lapso temporal expressivo em que a vítima ficou em poder dos agentes (precedentes STJ). [...]" (APR 20070510103218, acórdão nº 334.672, Relator MARIO MACHADO, 1ª Turma Criminal, julgado em 23/10/2008, DJ 17/02/2009, p. 98) "[...] 3. Para o aumento de pena superior ao mínimo, pelas qualificadoras do roubo, é necessária fundamentação qualitativa em relação a cada uma delas." (APR 20070910047972, Segunda Turma Criminal, Rel. Des. Getúlio Pinheiro, DJU 14.05.2008) Assim, presentes as causas de aumento pelo concurso de pessoas e pelo emprego de arma de fogo (artigo 157, § 2º, inciso I e II, do Código Penal), imperioso é a exasperação da fração de acréscimo a patamar superior ao mínimo legal, sob pena de dispensar tratamento idêntico a pena de roubo cometido com apenas uma causa de aumento. No caso em apreço, as causas de aumento de pena acima citadas estão presentes com intensidade, pois o réu abordou a vítima acompanhado de mais duas pessoas, reduzindo a possibilidade de reação em face do número de pessoas que participaram da ação, bem como pelo emprego permanente e sumamente eficaz da arma de fogo, de sorte que elevo a pena em 3/8 (três oitavos), fixando-a em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão. Na hipótese vertente, a lei comina a pena privativa de liberdade cumulada com a PENA DE MULTA. Fixo a pena-base pecuniária em 40 (quarenta) dias-multa, com base nas circunstâncias judiciais expostas. Diante da circunstância atenuante e da causa especial de aumento de pena do concurso de pessoas, fixo a pena de multa em 46 (quarenta e seis) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente corrigido,

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observado o disposto nos artigos 49, 60 e 68, do Código Penal. III) terceiro crime descrito na denúncia - roubo tentado - art. 157, § 2º, incisos I e II, c/c o art. 14, inciso II, do Código Penal), tendo como vítimas Rodrigo Moreira dos Santos e Júlia Gomes Barboza: No tocante à análise das circunstâncias judiciais, de que trata o artigo 59 do Código Penal, conclui-se que: a) a culpabilidade foi efetiva, pois era imputável, possuía plena consciência da ilicitude e era exigível uma conduta diversa; b) o acusado é tecnicamente primário; c) não há elementos para aferir a conduta social e a personalidade do réu; d) os motivos dos crimes confundem-se com os exigidos para a configuração do tipo penal, ou seja, no caso do crime de roubo, a cupidez e o propósito de assenhoreamento do alheio; e) as circunstâncias e as consequências do crime foram pertinentes ao tipo penal; g) o comportamento da vítima em nada contribuiu para a prática do ilícito. Diante das circunstâncias judiciais acima expendidas, fixo a pena-base em 04 (quatro) anos de reclusão. No segundo estágio de aplicação da pena não existem circunstâncias agravantes a considerar, mas há a circunstância atenuante da menoridade relativa, pois o acusado era menor de 21 anos na data dos fatos; no entanto, deixo de considerá-la, uma vez que a pena-base foi fixada no mínimo legal. Na terceira fase de aplicação da pena, estão presentes a causa de diminuição referente à tentativa e duas causas de aumento, consubstanciadas no emprego de arma e no concurso de pessoas, devendo ser o aumento da ordem de 3/8 (três oitavos), na esteira dos seguintes entendimentos jurisprudenciais: "[...] O simples número de causas de aumento não é suficiente para majorar a sanção acima do patamar mínimo de 1/3 (um terço). Para tanto é necessária fundamentação qualitativa em relação a cada uma delas, reservada para situações especiais de criminalidade mais violenta, por exemplo, utilização de várias armas ou armamento de grosso calibre, participação de número considerável de agentes, lapso 21


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temporal expressivo em que a vítima ficou em poder dos agentes (precedentes STJ). [...]" (APR 20070510103218, acórdão nº 334.672, Relator MARIO MACHADO, 1ª Turma Criminal, julgado em 23/10/2008, DJ 17/02/2009, p. 98) "[...] 3. Para o aumento de pena superior ao mínimo, pelas qualificadoras do roubo, é necessária fundamentação qualitativa em relação a cada uma delas." (APR 20070910047972, Segunda Turma Criminal, Rel. Des. Getúlio Pinheiro, DJU 14.05.2008) Assim, presentes as causas de aumento pelo concurso de pessoas e pelo emprego de arma de fogo (artigo 157, § 2º, inciso I e II, do Código Penal), imperioso é a exasperação da fração de acréscimo a patamar superior ao mínimo legal, sob pena de dispensar tratamento idêntico a pena de roubo cometido com apenas uma causa de aumento. No caso em apreço, as causas de aumento de pena acima citadas estão presentes com intensidade, pois o réu abordou a vítima acompanhado de mais duas pessoas, reduzindo a possibilidade de reação em face do número de pessoas que participaram da ação, bem como pelo emprego permanente e sumamente eficaz da arma de fogo, de sorte que elevo a pena em 3/8 (três oitavos), fixando-a em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão. No que tange à tentativa, verifica-se nos autos que a reação da vítima e de sua namorada ocorreu logo no início da empreitada criminosa, isto é, anunciado o assalto, as vítimas saíram em desabalada carreira e passaram a gritar por socorro, tendo sido perseguidos pelo réu e seus comparsas, que exigiam a entrega das chaves do carro, ameaçando a vítima e sua namorada com uma arma de fogo. Faz jus o réu, nesse caso, à redução da pena, pelo reconhecimento da figura tentada, no patamar máximo (2/3). É que, como têm decidido nossos Tribunais, o obstáculo enfrentado pelo acusado e seus comparsas, logo no início do assalto, impediu, até mesmo, a inversão da posse do bem tutelado pelo legislador. Portanto, deve incidir a causa de diminuição no patamar máximo de 2/3 (dois terços), restando, estabelecida em 01 (um) ano e 10 (dez) meses de reclusão. 22

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Na hipótese vertente, a lei comina a pena privativa de liberdade cumulada com a PENA DE MULTA. Fixo a pena-base pecuniária em 40 (quarenta) dias-multa, com base nas circunstâncias judiciais expostas. Diante da circunstância atenuante e da causa especial de aumento de pena do concurso de pessoas, fixo a pena de multa em 17 (dezessete) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente corrigido, observado o disposto nos artigos 49, 60 e 68, do Código Penal. DO CONCURSO FORMAL: No caso em apreço, restou comprovado nos autos que o réu, mediante uma ação praticou três crimes da mesma natureza, tratando-se de concurso formal de crimes, previsto no artigo 70 do Código Penal, o que impõe-se a aplicação de apenas uma delas acrescida de um sexto até a metade, razão pela qual, na hipótese vertente majoro a pena em 1/5 (um quinto), tendo em vista o número de delitos cometidos, tornando-a definitivamente fixada em 06 (seis) anos e 07 (sete) meses e 06 (seis) dias de reclusão. A pena de multa totaliza 109 (cento e nove) dias-multa, cada um no importe de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos, em face do que dispõe o artigo 72, do Código Penal. IV) crime de latrocínio descrito na denúncia (art. 157, § 3º, in fine, do Código Penal), tendo como vítima Paulo Fernando Lourenço Rabello: TARCISIO AZEVEDO SILVA era primário na data dos fatos; no tocante à culpabilidade, reputo como elevadíssimo o grau de reprovação que suscita a conduta do acusado, pelo emprego desnecessário de tiros de revólver, para deter a vítima e permitir a subtração de seu veículo; não há nos autos notícia acerca da conduta social do réu; o réu demonstra, entretanto, possuir personalidade gravemente desajustada e voltada à prática de delitos de intensa gravidade, sem qualquer preocupação com limites; em questão de poucas horas, colocou em polvorosa inúmeros habitantes de área central da cidade de Brasília, praticando sucessivos roubos, culminando com um latrocínio. Os motivos do delito foram os graves motivos ínsitos ao tipo, que, em crime complexo,

mesclam a cupidez e o irrefreável e permanente propósito de assenhoreamento definitivo de bens alheios, com o risco assumido de produzir o resultado morte. As circunstâncias são bastante desfavoráveis ao réu; juntamente com os inimputáveis A. F. O., F. C. S. e J. Q. B., comandou um assalto contra a vítima, para dela subtrair o veículo em que iniciava a marcha; para lograr êxito na subtração, desferiu três tiros na vítima, pelas costas, matando a vítima instantaneamente. A vítima foi jogada para fora do carro, tendo o acusado e seus comparsas se apoderado do veículo da vítima e fugido do local. A vítima não esboçou nenhuma resistência, mas foi atingida por duas balas das três desferidas pelo réu, uma delas na cabeça e, repita-se, pelas costas. Registrese que a vítima, ao dar partida no seu carro, buscava fugir do alcance do réu e de seus comparsas. O réu, entretanto, não aceitou a possibilidade de não se assenhorear do carro da vítima: desferiu os tiros, que permitiram que o roubo majorado se consumasse. Desse modo, tendo em vista as circunstâncias acima, fixo a pena-base em 26 (vinte e seis) anos de reclusão e 100 (cem) dias-multa. Há a circunstância atenuante da menoridade relativa, em razão da qual reduzo a pena para 25 (vinte e cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 90 (noventa) dias-multa, que torno definitiva, na ausência de agravantes ou causas de aumento ou diminuição a considerar. V) Quanto ao crime previsto no artigo 244-B, da Lei nº 8.069/90: A culpabilidade do réu foi efetiva, pois era imputável, possuía plena consciência da ilicitude e era exigível uma conduta diversa, repousando a reprovabilidade da conduta na prática de crimes de intensa gravidade, juntamente com vários menores de idade; não há nos autos maiores informações sobre a conduta social do acusado; quanto à personalidade, motivos do crime, circunstâncias e consequências, estas apontam desfavoravelmente, nos termos acima expostos; o comportamento das vítimas em nada influenciou a conduta delituosa do acusado. Diante das circunstâncias judiciais acima expendidas, fixo a pena-base, a ser aplicada ao denunciado Tarcisio Azevedo

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Silva em 02 (dois) anos de reclusão, pena esta que torno definitiva ante a ausência de circunstâncias atenuantes, agravantes e causas de aumento ou de diminuição. Não há continuidade entre o roubo e o latrocínio, segundo copiosa jurisprudência, eis que são delitos de natureza distinta. Confira-se: PENAL. ROUBOS CIRCUNSTANCIADOS. TENTATIVA DE LATROCÍNIO. CONDENAÇÃO. APELAÇÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO DE LATROCÍNIO PARA ROUBO. CARACTERIZAÇÃO DE CRIME CONTINUADO. 1. Afasta-se o pedido absolutório se há um conjunto probatório em que concorrem a confissão extrajudicial dos réus, em consonância com o depoimento das vítimas e com o Laudo de Exame de Objeto, com o Laudo de Exame de Local e com o Laudo de Avaliação Direta. 2. O conhecimento de que o comparsa utilizaria arma no cometimento do roubo induz a previsibilidade do resultado morte da vítima, devendo o partícipe ser responsabilizado pelo roubo agravado pelo resultado morte. 3. Não se aplica a continuidade delitiva entre os crimes de roubo e latrocínio, eis que, apesar de serem do mesmo gênero, não são da mesma espécie, pois possuem elementos objetivos e subjetivos distintos, não havendo, portanto, homogeneidade de execução. Precedentes do STJ.(20040710042173APR, Relator EDSON ALFREDO SMANIOTTO, 1ª Turma Criminal, julgado em 19/03/2009, DJ 05/05/2009 p. 117) PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRARIEDADE AO ART. 71 DO CP. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ROUBO E LATROCÍNIO. CONTINUIDADE DELITIVA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 1. É assente a jurisprudência desta Corte no sentido de que não é possível o reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de roubo e de latrocínio, haja vista não se tratarem de delitos da mesma espécie, não obstante serem do mesmo gênero. 2. Recurso Especial a que se dá provimento, para restabelecer a sentença de primeiro grau. (REsp 751.002/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA

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DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2009, DJe 16/11/2009) Verifica-se, na espécie dos autos, pois, o concurso material entre o crime de roubo, em concurso, e o crime de latrocínio, além de concurso formal entre os crimes de roubo e latrocínio e corrupção de menores. No entanto, mais favorável o somatório das penas, neste último caso. Assim, com suporte no art. 70, parágrafo único, do Código Penal, somo as penas dos delitos em causa (roubo, em continuidade, latrocínio e corrupção de menores). Ante o exposto, condeno o réu TARCISIO AZEVEDO SILVA, definitivamente, à pena de 34 (trinta e quatro) anos, 01 (um) mês e 06 (seis) dias de reclusão e 199 (cento e noventa e nove) dias-multa, à razão, cada dia, de 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente corrigido. Condeno ainda o réu ao pagamento das custas processuais, que deverão ser calculadas e recolhidas de acordo com a legislação em vigor. Fixo o valor mínimo de R$130,00, para a reparação de danos do réu à vítima Gilcimar Alves de Almeida, deferindo pedido expresso do Ministério Público, sem prejuízo de que as demais vítimas, caso entendam devido, persigam, na via própria, indenização pelos danos que sofreram. Considerando as condições pessoais dos réus e o quantum sancionatório preconizado, o regime de cumprimento de pena será, inicialmente, o fechado, conforme dispõe o artigo 33, caput, § 2º, alínea "a", do Código Penal. Deixo de substituir a pena privativa de liberdade aplicada, assim como deixo de conceder a suspensão condicional da pena, tendo em vista que o acusado não preenche os requisitos dos artigos 44 e 77, ambos do Código Penal. Entendo que, sob qualquer prisma pelo qual se tome o caso dos autos, permanecem e acentuam-se os requisitos da custódia cautelar, em face da presença dos requisitos para a prisão preventiva, especialmente tendo em vista a garantia da ordem pública, que resta ameaçada estando o réu em liberdade. Agora, condenado, com

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muito mais razão deve permanecer segregado. Acrescente-se que as circunstâncias judiciais, acima valoradas, demonstram, à saciedade, que o réu necessita da prisão cautelar, para que tenha a oportunidade de entender a reprovabilidade de sua conduta e não se veja estimulado a reiterar qualquer uma dessas dolorosas facetas de sua conduta. A par disso, o réu foi condenado a pena superior a trinta anos de reclusão, em regime fechado, pela prática de crimes graves e de enorme repercussão social. A conservação do réu na prisão, frise-se, é um dos efeitos da sentença condenatória recorrível, a teor do artigo 393, inciso I, do Código de Processo Penal. Assim, não concedo ao réu o benefício de recorrer da presente sentença em liberdade. Recomende-se o réu preso na prisão em que se encontra Intimem-se as vítimas para conhecimento do presente decisum, nos termos do artigo 201, § 2º, do Código de Processo Penal, com as cautelas de estilo. Tendo em vista a apreensão da arma de fogo marca Taurus, calibre 38, número de série 1?????7 (? Representa dígito ilegível, segundo o laudo), já devidamente periciada (fls. 241/242), cujo laudo foi juntado aos autos, não havendo mais interesse do objeto na persecução penal, decreto seu perdimento em favor da União, nos termos do artigo 91, inciso II, "a", do Código Penal c/c o artigo 25, da Lei nº 10.826/03. Oficie-se ao órgão competente para que encaminhe a arma acima especificada a CEGOC - Central de Guarda de Objetos de Crime, visando o encaminhamento da arma apreendida ao Comando do Exército. Após o trânsito em julgado, lancese o nome do réu no rol dos culpados e expeça-se ofício ao Tribunal Regional Eleitoral, para os fins do artigo 15, inciso III, da Constituição Federal e, ainda, a competente carta de guia para o juízo da Vara de Execuções das Penas e Medidas Alternativas, a fim de que possa ter início a execução das penas. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Brasília - DF, 03 de maio de 2010 ESDRAS NEVES Juiz de Direito 23


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resolução 277/2008

NOVAS LEIS

transporte de crianças

Duas novas medidas pretendem alinhar normas e sociedade nos tempos hodiernos. A Emenda Constitucional 66 que suprime o instituto da separação judicial, tornando o divórcio mais rápido e a Resolução 277/08, do CONTRAN, que normatiza o uso de cadeirinhas no transporte de crianças. Com o aumento vertiginoso da frota nacional de veículos e a dependência crescente de locomover-se a longas distâncias neste Brasil cada vez mais metropolitano, procuramos formas de ir e vir com segurança, sobretudo para os mais frágeis. Diante das mudanças dos costumes e da realidade de sucessivas uniões conjugais ao longo da vida, a lei tenta facilitar o final de uma união e, quem sabe, o início de outra. Sinais dos tempos.

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JUIZ Gilberto Pereira de Oliveira

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Resolução nº 277, de 28 de maio de 2008, do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, dispõe sobre o transporte de crianças menores de dez anos de idade e estabelece o uso de cadeirinhas especiais para cada faixa etária. Apesar da importância do dispositivo, ele chega à sociedade com alguns equívocos. Segundo o juiz Gilberto Pereira de Oliveira, da Vara de Delitos de Trânsito de Brasília, a Resolução é uma miscelânea de exigências e permissões que confunde até os mais entendidos no assunto. Seu texto adotou termos técnicos de difícil entendimento para o leigo com redação legislativa e hermenêutica jurídica. Ou seja, ela não foi feita para o público a que se destina - motoristas e passageiros. “A partir do momento que qualquer pessoa sadia e com um mínimo de cultura e de leitura pode se tornar um motorista, essa ambiguidade pode levar a muitas infrações, não por dolo e nem pela culpa strictu sensu, mas por falta de uma publicação inteligível da lei”, explica. Outro ponto importante diz respeito ao objetivo precípuo da medida. Para o juiz, se falamos na proteção da vida da criança, logicamente, o alvo deve ser a criança, coletivamente ou individualizada, e não o veículo. Quando o legislador excluiu dessa obrigatoriedade os veículos de transporte coletivo, especialmente os escolares, e até mesmo os de transporte individual (táxis), ele acabou protegendo o veículo e defendendo os interesses do fabricante e do profissional taxista. Esqueceu-se de que a vida da

criança tem o mesmo valor em todo o tipo de situação, seja ela transportada por qualquer tipo de veículo conduzido por qualquer profissional. As camionetes pequenas tipo Saveiro e Strada ou as médias, tipo S-10 e L-200, com cabine simples, contam apenas com um banco e podem transportar crianças, o que demonstra, às escâncaras, a preocupação em defender os interesses dos fabricantes, em regra representados no DENATRAN. Para o juiz, "isso é como determinar que algumas crianças só viajem de iates, por serem seguros, e outras possam viajar à deriva, em um balaio de bambu, como Rômulo e Remo. Se forem iluminados, se salvarão e entrarão para a história, ao contrário, naufragarão nas ‘cachoeiras’ das estradas". Gilberto Oliveira considerou desnecessária a definição da idade de sete anos e meio, na medida em que esse meio ano faz pouca diferença na capacidade locomotora e na avaliação bio-psicológica do perigo para uma criança dessa idade. Isso sem mencionar que há meninos e meninas na faixa etária de sete anos com peso e desenvolvimento físico corporal, iguais aos de dez anos. Desconsiderouse também a possibilidade dos bebês, de zero a um ano, viajarem no colo da mãe, especialmente por motivos lactantes. O juiz alerta o consumidor que tem ou pretende ter filhos para estar atento ao veículo que pretende adquirir, pois a maioria dos itens da resolução devem ser cumpridos pelo fabricante. "Acredito que a lei trará, sim, benefícios aos usuários e à sociedade como um todo. No entanto, precisa ser melhor redigida e assumir um caráter mais generalizado, fugindo do individualismo", conclui.

ec 66/2010 emenda do

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Desembargador ARNOLDO CAMANHO

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Congresso Nacional acaba de promulgar a Emenda Constitucional nº 66, que alterou a redação do art. 226, §6º, da Constituição da República, e que passará a ter a seguinte redação: "o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio". O confronto desse novo dispositivo constitucional com o antigo - onde se lia que "o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos" - permite a imediata conclusão de que a norma constitucional suprimiu o instituto da "separação judicial", uma invenção surgida com a Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977. A Lei do Divórcio, como uma espécie de solução de consenso que se prestou a unir os divorcistas e os antidivorcistas de então, permitindo a introdução do instituto do divórcio no ordenamento jurídico brasileiro. Essa solução deveu-se ao fato de que existia, naquele tempo, grave preconceito com a figura do "desquite" e, especialmente, com a "mulher desquitada", havendo registros de que alguns parlamentares chegaram mesmo às vias de fato, por ocasião da votação da Emenda Constitucional nº 9/77, que introduziu o divórcio no Brasil. A dimensão do dissenso pode ser aferida pelas seguintes opiniões, expressadas durante os debates em plenário: "a desquitada é uma mulher cantável"; "divórcio é fabricação de menores abandonados"; "vamos lembrar a hora da Ave Maria", de um parlamentar que ocupou a tribuna às 18 horas (fonte: http://almanaque. folha.uol.com.br/brasil_16jun1977.htm).

Instituído, enfim, o divórcio no Brasil, a j a n e i r o

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redação do §1º do art. 175 da Constituição de 67/69, introduzido pela Emenda nº 9/77, ficou assim: "o casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos". A separação judicial passou a ser, então, um degrau necessário no trajeto a ser percorrido entre o casamento e o divórcio, pondo fim aos deveres do casamento (coabitação, fidelidade recíproca entre os cônjuges e mútua assistência), sem dissolver, contudo, o vínculo conjugal. Somente o divórcio é que rompia, juridicamente, os grilhões do casamento, permitindo que os divorciados pudessem casar-se novamente. Por isso, se um casal decidisse se divorciar, seria preciso, primeiro, passar pelo estágio da separação judicial para, somente depois - três anos depois -, chegar ao divórcio. Com a Constituição de 1988, o casamento passou a poder ser dissolvido pelo divórcio, "após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos". A nova ordem constitucional inaugurada em 1988, assim, preservou a obrigatoriedade de haver separação judicial entre o casamento e o divórcio, mas não só reduziu o prazo para um ano, como, além disso, permitiu que fosse possível passar de um ao outro sem o estágio intermediário da separação judicial. Nesse caso, bastava ao casal que comprovasse estar separado de fato há mais de dois anos. A separação judicial criava uma situação interessante: o casal, a rigor, já não era mais um casal, mas os cônjuges continuavam presos um ao outro pelo vínculo do casamento, que não se rompia com a sentença que decretasse a separação judicial. Isso exigia que, após a separação judicial, e eventualmente superados possíveis dramas e traumas próprios do fim de um relacionamento, o casal se visse obrigado a se reencontrar para que fosse possível transformar o casamento em divórcio, reavivando, desnecessariamente, sofrimentos que já tinham sido vencidos. Nos tempos atuais, nada mais justifica, sob qualquer ponto de vista, a sobrevivência do instituto da separação judicial. A sociedade brasileira de 2010 seguramente não é mais a mesma de 1977. Os valores sociais mudaram muito, com seguro avanço no que se refere a velhos e ultrapassados preconceitos, que, atualmente, são vistos como resquício retrógrado de um passado a que ninguém mais quer retornar. Por outro lado, a sutil diferença jurídica entre a separação judicial e o divórcio - a sepa-

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ração judicial dissolve a sociedade conjugal; o divórcio dissolve o vínculo conjugal - repercute apenas no fato de o divórcio permitir novo casamento, o que não é possível com a só separação judicial. O sofrimento imposto ao excasal separado - que, por imposição legal, deve voltar a conversar (e nem sempre isso é possível) para, em nova ida à Justiça, pedir o divórcio - desserve aos anseios de uma sociedade que clama pela felicidade e pelo bem-estar, sendo a todos os títulos inútil e despropositado exigir o prolongamento desse sofrimento, que ultrapassa o casal separado e repercute nos seus filhos, nos seus familiares, nos seus amigos. A mudança na Constituição permitirá, assim, que os casais que desejem terminar seu casamento dirijam-se à Justiça uma única vez, com economia de tempo e de dinheiro, e peçam desde logo o divórcio, sem requisitos temporais nem, muito menos, sem a necessidade de experimentarem o estágio da separação judicial. A ninguém mais interessa a discussão acerca da culpa pelo insucesso do projeto de um casamento que vem a terminar. O pedido de divórcio passará a ser feito de forma consensual ou litigiosa - isto é, quando não houver acordo sobre guarda de filhos, regulamentação de direito de visitas, pensão de alimentos e partilha de bens, por exemplo, excluída em qualquer caso a discussão sobre possível culpa -, mas sem prévia necessidade de separação judicial ou da demonstração de que o casal esteja separado de fato há tantos anos. Basta ao casal que externe sua vontade de não mais permanecer casado e pronto. A "aceleração do divórcio", assim, aliada à dinâmica das relações sociais, certamente permitirá o surgimento de novas uniões e a celebração de novos casamentos, sendo certo que a criação de novos núcleos familiares se dá em prestígio da família plural, que hoje vem substituindo a família mononuclear do passado. Isso reforça a ideia de que a família é indestrutível e haverá sempre de sobreviver às alterações constitucionais e legais que lhe digam respeito. É por isso que a Emenda Constitucional nº 66/2010 deve ser chamada de "Emenda do casamento" e não de "Emenda do divórcio", até porque não foi ela que instituiu o divórcio no Brasil. Muito ao contrário, é a partir dela, e das facilidades que dela haverão de decorrer, que a sociedade brasileira poderá avançar em direção a uma nova realidade. Realidade a que, felizmente, o legislador foi sensível, implementando em boa hora, e com sabedoria, as bases constitucionais para esse novo tempo. 25


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Cinquentenário da Justiça no NESSES 50 ANOS DE HISTÓRIA, O TJDFT FOI PIONEIRO NA IMPLEMENTAÇÃO DE TECNOLOGIAS QUE TROUXERAM CELERIDADE E FACILITARAM O ACESSO DO CIDADÃO À JUSTIÇA

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assaram-se 50 anos. E o Poder Judiciário local, que funcionava em apenas dois andares de um bloco da Esplanada dos Ministérios, hoje está nas principais regiões administrativas do Distrito Federal de forma articulada e célere, atendendo a um público de mais de 2 milhões de habitantes. O TJDFT mostra que cresceu com Brasília, acompanhando o desenvolvimento da bela capital e cumprindo a profecia de esperança que marcou a fundação desta cidade. A origem

Em 1960, Brasília era inaugurada. A nova capital do país trazia em seu escopo um sonho, uma nova concepção arquitetônica e administrativa para o país. Capital da Esperança, com ela nascia também uma nova Justiça, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. O ano de 2010 fica marcado com o Cinquentenário de Brasília e do TJDFT. Mas, antes da mudança para o Planalto Central, pode-se dizer que as raízes do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios já se encontravam no primeiro Tribunal do país, implantado em 1607, em Salvador, então centro administrativo da colônia brasileira. Alguns historiadores chegaram a classificar o TJDFT como o mais antigo da história do Brasil, em razão de ter sido o primeiro Tribunal do país, saindo da Bahia, na colônia, passando pelo Rio de Janeiro, no Império, e chegando a Brasília, na República.

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Foto: arquivo público do df

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DF resgata a memória do TJDFT

A história esclarece, no entanto, que, com a transferência para Brasília, em 1960, um novo tribunal foi criado. Um tribunal que não era continuação dos tribunais do Rio e de Salvador. Essa versão prevaleceu e era necessária para garantir, além da questão orçamentária que adviria da transferência da capital, o direito constitucional da inamovibilidade dos magistrados. Assim, o TJDFT iniciava-se na nova capital, recepcionando magistrados de todos os lugares do Brasil. Trajetória em Brasília

Para instalar o Poder Judiciário na nova capital, houve a necessidade de elaborar a Lei de Organização Judiciária. O Projeto de Lei nº1.514/60, de autoria do Poder Executivo, foi encaminhado à Câmara dos Deputados, onde foi alvo de muitos debates e emendas. Uma das preocupações era afirmar que a Justiça do novo Distrito Federal não era derivada da Justiça do antigo Distrito Federal do Rio de Janeiro. No dia 14 de abril de 1960, foi sancionada a 1ª Lei de Organização Judiciária, a Lei nº 3.754. A magistratura passou a ser recrutada por meio de concurso. A primeira composição dos órgãos de 1ª e 2ª Instâncias, foi mediante transferência, a pedido, de desembargadores, juízes de direito e juízes substitutos da Justiça do Distrito Federal e dos demais estados. Por essa lei, a magistratura da nova capital ficou composta por sete desembargadores, seis juízes titulares, cinco juízes substitutos e seis varas: uma vara Cível, duas varas de Fazenda Pública, uma vara de Família, Órfãos, Menores e Sucessões e duas varas Criminais. Finalmente, no dia 5 de setembro de 1960, foi instalado o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Por ordem de antiguidade foram seus desembargadores: Hugo Auler, que veio do TJ do Rio de Janeiro, e seria eleito o 1º Presidente do Tribunal;

o prédio atual do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios foi inaugurado no dia 5 de setembro de 1969, aniversário de ruy barbosa. Abaixo, a logomarca comemorativa do cinquentenario do TJDFT

Finalmente, no dia 5 de setembro

de 1960, foi instalado o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

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Fotos: BGPRESS

12 fóruns nas principais regiões administrativas do DF. A Celebração

O Memorial O Memorial TJDFT – Espaço Lila Pimenta Duarte conta a história do Tribunal desde a década de 1960 por meio de livros, fotos, móveis, togas, esculturas e 16 painéis. No Memorial, há um busto em bronze da Desembargadora que dá nome ao espaço. A proposta do nome foi discutida e votada na sessão do Tribunal Pleno, em 25 de setembro de 2009. O nome da Desembargadora Lila Pimenta Duarte foi escolhido e aprovado por unanimidade. Mineira de Uberlândia, a Magistrada ingressou na Justiça do DF em 1975. Antes, foi Juíza do Tribunal de Goiás, de 1968 a 1975. No TJDFT, foi titular da 1ª Vara de Acidentes do Trabalho e Acidentes de Trânsito, tendo sido nomeada Desembargadora em 1991. Aposentou-se ainda na década de 90 e morreu em 2002. Além de museu, abrigando documentos, fotos e peças que ilustram a trajetória do TJDFT, desde a sua criação até os dias atuais, o Memorial também será utilizado para exposições culturais que poderão ser visitadas por magistrados, servidores e pelo público externo, o que aproximará mais o Tribunal do cidadão. O projeto Museu-Escola, por exemplo, foi elaborado pelo Memorial e pretende trazer a visita de crianças e adolescentes ao Espaço Lila Pimenta Duarte. Por enquanto, o projeto está funcionando por meio de uma parceria com o programa Cidadania e Justiça na Escola, que promove esclarecimentos às crianças das escolas públicas sobre direitos e deveres, por meio de uma cartilha explicativa em forma de revista em quadrinhos. Ao invés de o juiz ir à escola, as crianças estão vindo ao Tribunal para assistirem a uma palestra do juiz e, em seguida, visitarem o Memorial.

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memorial tjdft guarda documentos, móveis e objetos históricos da justiça do df

João Henrique Brauner, também do TJ do Rio; Cândido Colombo Cerqueira, do Tribunal de Justiça da Bahia; Márcio Ribeiro, do Tribunal de Minas Gerais. Foram promovidos a desembargador os juízes de direito, também oriundos da Justiça do antigo DF no Rio de Janeiro. Por antiguidade, Joaquim de Sousa Neto e por merecimento Raimundo Ferreira de Macedo, e, pelo quinto constitucional, foi nomeado o advogado e deputado federal pelo Ceará, José Colombo de Sousa. O primeiro endereço do TJDFT foi a Esplanada dos Ministérios. Na época, o Tribunal funcionava no quinto e sexto

andares do bloco seis, onde permaneceu por nove anos. Nesse local, já havia a Biblioteca do TJDFT. O prédio abrigava também outros tribunais que não possuíam sede própria. Somente em 1969, em plena ditadura militar, foi inaugurado o prédio atual do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios no dia 5 de setembro, dia do nascimento do jurista brasileiro Ruy Barbosa. Nesses 50 anos de história, o TJDFT foi pioneiro na implementação de tecnologias que trouxeram celeridade e facilitaram o acesso do cidadão à Justiça. Além disso, o Tribunal foi inovador em vários projetos, como o Justiça Comunitária, que possibilita ao cidadão e à comunidade gerir seus próprios conflitos com autonomia, e o Viver Direito, voltado à preservação ambiental. Para atender a uma população estimada em 2,6 milhões de habitantes, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios conta hoje com 35 desembargadores, 161 juízes de direito, 123 juízes substitutos e mais de 6 mil servidores atendendo em j a n e i r o

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Para celebrar esse momento histórico e único do TJDFT, vários eventos foram realizados desde março e as comemorações vão continuar durante todo o ano de 2010. Os Correios lançaram o Selo e o Carimbo Comemorativos dos 50 anos do Tribunal, e a Biblioteca do Tribunal lançou o Ex Libris, que marcará todo o acervo. Na cerimônia de abertura oficial das comemorações do Cinquentenário, o TJDFT inaugurou o Memorial Espaço Lila Pimenta Duarte, além de lançar o vídeo sobre a trajetória do Tribunal e o livro comemorativo dos seus 50 anos. O Selo e o Carimbo Comemorativos dos 50 anos do Tribunal, lançados no dia 25 de março deste ano, trazem a logomarca ganhadora do concurso realizado entre os servidores do TJDFT em 2009. O vencedor foi Geraldo Alves Barros Júnior, bacharel em Artes Plásticas e servidor desde 2000. A imagem do mapa do Brasil com um ipê amarelo também está presente no Selo que marcará as correspondências do Tribunal durante o ano de 2010. Na mesma cerimônia, foi lançado também o Ex Libris da Biblioteca da Casa, que traz o busto do Desembargador Antônio Mello Martins, magis-

trado que dá nome ao setor. O Ex Libris é uma etiqueta decorada que se cola na contracapa ou na página de rosto do livro. A arte foi desenvolvida pela Assessoria de Comunicação do Tribunal, pela publicitária Érica Hayakawa, servidora desde 2002. Mas a festa principal aconteceu no dia 19 de abril, às 16h30, com uma Sessão Solene no Palácio da Justiça e com a inauguração do Memorial TJDFT – Espaço Lila Pimenta Duarte. Realizada na Sala de Sessões Plenárias (Pleno), a sessão solene teve início com um discurso do então presidente do Tribunal, Desembargador Nívio Geraldo Gonçalves, que declarou aberta oficialmente a comemoração pelos 50 anos do Judiciário local no DF. Em seguida, no 10ª andar do Bloco A, na sede do Tribunal, foi inaugurado o Memorial. Idealizado pela Vice-Presidência, por meio da Secretaria de Gestão Documental, o Espaço foi projetado pela arquiteta do TJDFT, Sandra Henriques, e contou com o apoio da Assessoria de Comunicação Social e da museóloga Rosalina Neves de Assis. O espaço foi cuidadosamente pensado para abrigar livros, fotos, móveis, togas, esculturas e outras peças históricas, além de painéis que contam a história do Tribunal desde a década de 1960.

Livro e vídeo Com 244 páginas o livro comemorativo do Cinqüentenário, lançado em abril, traz de forma rica e ilustrativa, a história do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Ele foi elaborado pela Vice-Presidência e seu projeto gráfico foi desenvolvido pela Assessoria de Comunicação Social e pela Subsecretaria de Serviços Gráficos do Tribunal. O livro traz a história do TJDFT em sete capítulos, com detalhes em texto e fotografias sobre as origens, a instalação em Brasília, a fase da ditadura militar, a linha sucessória dos desembargadores, a instauração da sede do Tribunal e de cada circunscrição do DF e ainda a fase da Justiça nos Territórios que existiam no passado. Mais dois capítulos trazem um recorte de notícias sobre o TJDFT desde 1959 até 1973 e os projetos da Casa. De forma mais resumida, mas não menos rica, o vídeo, elaborado pela Assessoria de Comunicação Social, narra, com imagens antigas e atuais, entrevistas com magistrados e historiadores, a trajetória de 50 anos do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. O vídeo está disponível na página de imprensa do site do TJDFT.

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Nova gestão do TJDFT

da esquerda para direita, o desembargador dácio vieira, o desembargador otávio augusto e o desembargador sérgio bitterncourt

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‘‘ PRESIDENTE DO TJDFT

m de abril deste ano, teve início uma nova fase para a Justiça do Distrito Federal com a posse dos desembargadores responsáveis por gerir o TJDFT no biênio 2010/2012. No ano em que se comemora o cinquentenário de Brasília, a nobre missão de conduzir o Tribunal de Justiça da Capital Federal coube a um trio de mineiros formado pelos Desembargadores Otávio Augusto Barbosa, como Presidente da Instituição, Dácio Vieira, como Vice-Presidente, e Sérgio Bittencourt como Corregedor da Justiça do DF e Territórios. "Nem mesmo o visionário Juscelino Kubitscheck seria capaz de prever não apenas um, mas

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Desembargador Otávio Augusto Barbosa Natural de Andradas (MG), Otávio Augusto Barbosa é filho do Desembargador Milton Sebastião Barbosa, que dá nome ao Fórum de Brasília. Antes de se tornar Juiz Substituto do TJDFT em 1980, foi Assessor de Planejamento do Tribunal, de 1975 a 1976, e Assessor de Desembargador, de 1976 a 1979. Promovido por merecimento ao cargo de Desembargador em 1992, foi VicePresidente do TJDFT, de 2002 a 2004, e Presidente do TRE-DF, de 2006 a 2008.

de orgulho e felicidade. Que os céus me ajudem a desenvolver um trabalho que, ao menos, se aproxime do por ele realizado, pois superá-lo, sei que jamais será possível". O corregedor, desembargador Sérgio Bittencourt, também traz tradição em sua história. É irmão do saudoso Des. Mauro Renan Bittencourt, homenageado com seu nome no Fórum do Paranoá. Mauro Renan também deixou uma filha, a juíza Carmen Nícia Bittencourt, que segue a trilha da tradição, sempre renovada, na Justiça no Distrito Federal. Junto com o Vice-Presidente e o Corregedor, o novo Presidente prometeu uma gestão agregadora, feita de união e integração. A soma e o empenho em busca de uma Justiça cada dia mais eficiente e cumpridora dos seus mandamentos constitucionais será permanente.

DESEMBARGADOR OTÁVIO AUGUSTO BARBOSA

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três conterrâneos a conduzir os rumos do Judiciário do DF em seus 50 anos", disse o novo Desembargador Presidente. Por isso, afirmou: "Brasília merece de nossa parte todo o esforço e dedicação que seu idealizador pretendeu". A solenidade de posse foi marcada pela emoção e pela tradição, afinal o presidente Desembargador Otávio Augusto Barbosa é filho de um dos mais antigos e prestigiados magistrados do TJDFT, o Desembargador Milton Sebastião Barbosa, homenageado pela Justiça do DF, que deu seu nome ao Fórum de Brasilia. O novo presidente revelou no dia da posse estar com a mesma toga que seu pai usou em maio de 1967, ao tomar posse no TJDFT. Lembrando a trajetória do pai, afirmou que "sentar-me na cadeira que um dia foi por ele ocupada, é motivo

DISCURSO

apresenta Plano de Gestão direcionado à sociedade

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Apenas umas breves palavras, pois, tudo que podia falar já o fiz no momento em que prestei o juramento solene de continuar a honrar esta Casa de Justiça. É com grande satisfação, nesta tarde do dia 22 de abril de 2010, que assumo o honroso cargo de Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, escolhido que fui para essa missão pelos meus eminentes Pares. Faço-o com a plena consciência dos enormes desafios que me aguardam, mas também repleto de incomensurável satisfação e certo de que sempre poderei contar com o apoio dos Excelentíssimos Magistrados que compõem este Tribunal de Justiça em 1º e 2º Graus de Jurisdição, formando uma das Cortes mais íntegras e honradas deste País, bem como com o valoroso empenho de todos os nossos servidores, para o desenvolvimento de uma administração profícua. Esta qualificada platéia é sabedora de que o atual cenário enfrentado pela Justiça do Distrito Federal é digno de muitas reflexões, reflexões essas que nos obrigam a imaginar distintas possibilidades de um novo amanhã. j a nHá e itempos r o a que j u ol Poder h o -Judiciário 2 0 1 0 tem se firmado como a última

trincheira do cidadão de bem, e dado a esse fato inquestionável, temos que nos preparar constantemente para a nova quadra que se descortina. Infelizmente, um tempo novo em que muitas vezes a quantidade é mais importante do que a qualidade. Mas, para dividir tão grandes responsabilidades, foram indicados para a nova Administração do Tribunal, como Vice-Presidente, o eminente Desembargador Dácio Vieira, e, como Corregedor, o também eminente Desembargador Sérgio Bittencourt, que, assim como eu, comungam dos mesmos sonhos e ideais, de uma Justiça cada dia mais eficiente e cumpridora dos seus mandamentos constitucionais. Nesse passo, quis o destino, ou Aquele que o controla, que eu fosse alçado à Administração do Tribunal acompanhado de dois magistrados de conduta irreparável e de notório saber jurídico, comprometidos com a Justiça e com o dever de honrá-la a cada dia de suas vidas. Com certeza, os Desembargadores Dácio Vieira e Sérgio Bittencourt não medirão esforços para o desenvolvimento de uma gestão que se pretende zelosa, frutífera e agregadora. Brasília, capital da República, merece de nossa parte todo o esforço 31 e dedicação que seu idealizador pretendeu.


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desembargador DÁCIO VIEIRA Também de Minas, nascido em Araguari, Dácio Vieira graduou-se em Direito pela Universidade de Brasília no ano de 1967. Trabalhou como Consultor Jurídico no Senado Federal, de 1986 a 1991, tendo sido nomeado Desembargador do TJDFT, pelo quinto constitucional, em vaga destinada à OAB, em 1994. Presidiu a 5ª Turma Cível nos anos de 1996, 2000, 2003, 2007, e a 1ª Câmara Cível no ano de 2002. Foi Vice-Presidente e Corregedor do TREDF no biênio 2008/2010, além de exercer a Presidência daquela Corte, de Fevereiro de 2009 a Abril de 2010, quando deixou o cargo por ocasião de sua posse como Vice-Presidente do TJDFT.

Aliás, o Presidente Juscelino Kubitschek, mesmo com sua conhecida sabedoria e visão de futuro, não imaginaria que, no cinquentenário da sua Capital, o Judiciário local seria comandado por três de seus conterrâneos. Um mineiro de Andradas e dois de Araguari. Mas esses mineiros terão enorme dificuldade, maior do que se pode imaginar. Terão que suceder a três grandes homens públicos, com quem este Tribunal já teve a honra de contar em seus quadros. Homens repletos de valores éticos e morais. O eminente Desembargador Nívio Geraldo Gonçalves é sabidamente homem culto, justo, probo e administrador nato. Devemos agradecer de público a forma honrada e eficiente com que o eminente Desembargador liderou este Tribunal. O Desembargador Romão Cícero Oliveira é daqueles homens que fazem a diferença. Conviver com um julgador da envergadura moral de Sua Excelência nos faz acreditar que existem homens moldados à difícil arte de julgar. O Excelentíssimo Desembargador Getúlio Pinheiro, por sua vez, é um magistrado que nos enche de orgulho, pois apresenta todas as qualidades que um bom juiz deve possuir. Em todas as suas ações à frente da douta 32 Corregedoria, descortinou para a sociedade brasiliense o que já sabíamos

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desde sempre: tratar-se de um magistrado de escol, probo e cioso de suas responsabilidades. Desembargadores Nívio, Romão e Getúlio, esta nova direção tem mais um encargo, pois manter a atuação harmoniosa e sóbria de Vossas Excelências será o primeiro desafio a vencer. Deixo registrados os nossos mais sinceros agradecimentos a Vossas Excelências. Aos servidores e magistrados, em primeiro lugar, agradeço o trabalho realizado. Em segundo lugar, faço um convite: vamos dar continuidade aos trabalhos desenvolvidos e labutar com a seriedade e a dedicação que a Administração Pública merece. Saibam que esta administração não medirá esforços para dotá-los de todos os instrumentos que os auxiliem em seu mister, exigindo em troca apenas a lealdade inarredável ao interesse público. Inclusive repito aqui o que já havia dito na ocasião de minha posse na Presidência do Colendo Tribunal Regional Eleitoral: todos precisam de todos. Sempre trabalhei em equipe, pois não posso admitir que interesses particulares venham sobrepujar o interesse do Estado. O trabalho só pode obter êxito quando magistrados e servidores têm noonosso j a um n e ideal i r o comum a j ue, l h - 2 caso, 0 1 0

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desembargador SÉRGIO BITTENCOURT Conterrâneo de Dácio Vieira, o Corregedor de Justiça do DF e dos Territórios, Desembargador Sérgio Bittencourt, formou-se em Direito pela Universidade de Uberlândia, MG. Antes de se tornar Juiz Substituto, em 1984, foi advogado em Araguari e em Brasília, no período de 1972 a 1984. Promovido por merecimento a Juiz de Direito do TJDFT em 1989, tornou-se Desembargador em 1998.

esse ideal será engrandecer ainda mais o nome do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Tranquiliza-me muito, nesta nova missão, saber que contamos com um Ministério Público ativo e presente, bem como uma seccional da Ordem dos Advogados do Brasil combativa e competente. Destaco ainda a atividade da Defensoria Pública do Distrito Federal, sempre atuante e prestativa. Convido essas insignes Instituições a continuarem a ser nossas parceiras nesta empreitada ora renovada. Neste momento, quero registrar a presença mais ilustre desta solenidade, ainda que materialmente não possa ser percebida. Falo de meu amado pai, Desembargador Milton Sebastião Barbosa. Sentar-me na cadeira que um dia foi por ele ocupada, é motivo de orgulho e felicidade. Que os céus me ajudem a desenvolver um trabalho que, ao menos, se aproxime do por ele realizado, pois superá-lo, sei que jamais será possível. Aliás, neste momento ímpar, permitam-me relembrar rápidas pinceladas do ilustre historiador Sebastião Roberto de Campos em seu livro "Andradas e sua Trajetória Luminosa", escrito no ano seguinte ao falecimento de meu pai: "Milton Sebastião Barbosa - Advogado compedesembargador em Brasília. jtentíssimo, a n e i r ode avasta j u lcultura h o -humanista, 2 0 1 0

Após ter se formado em Direito, lá pelos idos de 1945, aqui iniciou vida prática e permaneceu por algum tempo. Colaborou com o jornal "A Gazeta de Andradas" (único da época), sempre se ocupando de causas justas e dignificantes. Trabalhou com entusiasmo em prol do ensino profissionalizante em Andradas. Naquele tempo, criou o Ginásio Andradense e Escola Comercial, enfatizando sempre a necessidade de encaminhar nossa juventude na senda do saber. Foi aclamado o "REPRESENTANTE GENUÍNO DA MOCIDADE ANDRADENSE", quando ainda era acadêmico em São Paulo. Poeta dos mais apreciados, sensibilizou seus contemporâneos. Na homenagem que lhe prestamos durante a instalação da Subseção da Ordem dos Advogados em Andradas, lemos uma poesia de sua autoria denominada "INTERROGAÇÃO", que é de uma expressividade sem igual. Seu falecimento, ocorrido em 18 de janeiro de 1995, consternou toda a população local. Foi também candidato a Deputado Estadual pela U.D.N. em 1946, ao lado de Milton Campos, seu "slogan" era "DESEJAMOS UMA NOVA ERA ONDE OS RICOS SEJAM MENOS PODEROSOS E OS POBRES SEJAM MENOS SOFREDORES!" Amava a música, 33 tendo composto canções de alto sentimentalismo.


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Ações e estratégias da Nova Gestão Ações estratégicas buscam melhoria contínua do TJDFT

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nova administração iniciou seus trabalhos de forma coesa e planejada. Para que os resultados futuros sejam reais, a primeira providência foi organizar os trabalhos em um plano bienal, o Plano de Gestão do Biênio - Plabi 2010/2012, onde ações estratégicas alinhadas ao orçamento e às necessidades admistrativas, judiciais e da sociedade pudessem ser desenvolvidas. Assim, nos primeiros dias da gestão foi definido o escopo desse Plano de Gestão, a partir da definição de prioridades e alinhamento de ações, unindo o desejado com o possível. Aprovado o Plabi no dia 28/5 pelo Pleno Administrativo do Tribunal, deu-se início imediato ao seu desenvolvimento. O Plano é o mapa que norteará o caminho e a atuação do TJDFT nos próximos dois anos. Contruído com a colaboração de magistrados e servidores, o Plabi busca garantir a execução das Ações Estratégicas e dos Projetos Institucionais, também alinhados ao Plano Estratégico do TJDFT 2010-2016, que foi confeccionado de acordo com a resolução nº 70/2009, do Conselho Nacional de Justiça, e com as Metas do Judiciário para 2010. A preocupação da gestão foi de alinhar todas as estratégias aos planos e metas existentes, dar continuidade aos antigos e bons projetos em andamento na instiuição, além

de desenvolver novos e importantes projetos para a justiça do DF e seus jurisdicionados. Assim, a construção do Plabi 2010/2012 do TJDFT teve seu escopo definido em quatro temas: Eficiência Operacional; Acesso à Justiça; Responsabilidade Socioambiental; e Alinhamento e Integração. Para seu desenvolvimento, sete objetivos estratégicos foram traçados (quadro ao lado). A partir dessas premissas, e das Ações Estratégicas vinculadas a cada um dos objetivos, foram elaborados diversos projetos institucionais que, já em julho de 2010, começaram a ser executados, sempre acompanhados de perto pela administração, por meio da Secretaria de Planejamento e Gestão Estratégica (SEPG). Workshop

A SEPG realizou um Workshop com os gestores da Instituição para capacitá-los para a gestão de projetos e para conscientizá-los da importância do trabalho em equipe e da ampla comunicação entre os diversos setores. O evento contou com um palestrante ilustre: o ex-jogador de vôlei Tande, inúmeras vezes campeão com a Seleção Brasileira, que ressaltou os valores difundidos pela SEPG para a concretização dos projetos do TJDFT.

1 - Agilizar os trâmites judiciais e Administrativos; 2 - Otimizar os custos operacionais; 3 - Estimular formas alternativas e resolução de conflitos; 4 - Consolidar e intensificar práticas de sustentabilidade socioambiental; 5 - Promover o alinhamento estratégico entre as unidades administrativas e judiciárias; 6 - Fortalecer as relações com as instituições parceiras e conveniadas; e 7 - Aprimorar a comunicação interna e externa.

Presente ao evento, o Presidente do TJDFT, Des. Otávio Augusto Barbosa destacou a importância do Plabi aos gestores do TJDFT: "a gestão e a boa administração devem se fazer presentes no Judiciário. As metas são novas, os instrumentos são modernos, mas os valores são os de sempre: coragem, ética, cooperação e trabalho em equipe". A formulação de Planos Estratégicos representa o desenvolvimento de uma cultura que propicie a melhoria contínua nos serviços prestados pelo TJDFT, o que faz dele um Tribunal modelo, seguidor da moderna tendência de instituições de ponta, que adotam o planejamento estratégico para nortear seus projetos.

Adoções consensuais são maioria no DF Levantamento revela que em 62% das adoções no DF não houve intermediação do Poder Judiciário

Lda Infância e da Juventude (1ª VIJ),

evantamento realizado pela 1ª Vara

filhos Rodrigo e Frederico. Eles me dão a cada dia a certeza de que sou um homem abençoado e de que por mim vela Nossa Senhora Aparecida, minha madrinha de batismo. Nesse passo, não poderia olvidar minhas noras, Raquel e Paula, nas quais se revelam simbioticamente presentes a beleza, a doçura e a inteligência. Agora também, mais maduro, entendo o amor de um avô por um neto. Entre os meus convidados, há um que ignora o momento solene, porém, para mim, é uma das presenças mais ilustres neste recinto. Refiro-me a meu neto, Enzo Innecco Santos Donati Barbosa, motivo de minha alegria constante. Finalmente, aproveito para agradecer a presença de todos e dizer que este Tribunal não se furtará a honrar sua história. Para tanto, evoco nossa missão institucional: "proporcionar à sociedade do Distrito Federal e dos Territórios o acesso à Justiça e a resolução de conflitos, por meio de um atendimento de qualidade, promovendo a paz social." Evoco porque nela buscarei sempre nortear meus passos. Muito obrigado.

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Temos grata recordação de sua pessoa, desde o tempo em que trabalhávamos como aprendiz no cartório do saudoso Joaquim Ribeiro Gonçalves (Tito), após a paralisação da imprensa local. Sua esposa D. Dalila Vicente Barbosa também é compositora." Também marcante é a presença de minha mãe, Dalila Vicente Barbosa, de quem sempre colhi ensinamentos de honradez e dignidade. Nossa matriarca, na ausência de nosso pai, tem mantido nossa família sempre unida. Na pessoa de minha mãe, agradeço a presença de meus irmãos, Alberto, Márcia e Milton, bem como a de meus sobrinhos. Destaco ainda a querida presença de meus sogros, João Donati e Terezinha, diletos amigos e conselheiros na jornada de minha vida. Aproveito para, em nome do casal, homenagear todos os andradenses, prometendo-lhes honrar as mais solidificadas tradições da família mineira. Seguindo os exemplos de meus pais e sogros, tive a graça de constituir uma família abençoada. Casei-me com Maria Aparecida Donati Barbosa. Culta, íntegra, companheira, excelente mãe e co-autora de uma carreira que neste momento chega a seu ponto mais alto e que 34 me deu o maior presente que qualquer pessoa pode desejar: nossos

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sobre o panorama da adoção no Distrito Federal, revelou que o maior quantitativo das famílias que acolheram 180 crianças e adolescentes em 2009 não estavam previamente inscritas no cadastro de adoção da 1ª VIJ, seguindo uma tendência observada nos anos anteriores. Do universo de 171 processos de adoção, 13% referem-se a acolhimentos realizados com a intermediação da 1ª VIJ, 15% dizem respeito a adoções por familiares e 62% são do tipo intuito persona" ou consensuais, como são chamados os acolhimentos feitos com a anuência da mãe

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biológica que deseja ver seu filho criado por pessoa de sua escolha. Na maior parte desses casos, não houve a intermediação direta do Poder Judiciário e do Ministério Público. A Justiça funcionou como instância de homologação de uma situação já consolidada, intervindo posteriormente apenas para avaliar se a família escolhida estava apta a adotar. Contudo, a Lei N. 12.010/2009, que alterou as regras de adoção no Brasil, tende a modificar essa realidade, ao restringir os acolhimentos de crianças realizados à margem do cadastro de habilitados. Desde o início da vigência da Lei, em novembro de 2009, as pessoas não inscritas não podem adotar crianças ou adolescentes, senão em três hipóteses legais: possibilidade de adoção como extensão do poder familiar (por padrasto ou madrasta); acolhimento realizado por membro da família; ou no caso de o re-

querente já possuir a tutela ou guarda da criança maior de 3 anos ou do adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade. Em 2009, a maior parte das 180 crianças adotadas eram recém-nascidas. A partir de agora, as mães que não desejam criar seus bebês terão de procurar a Justiça. Até mesmo as equipes médica e de assistência social dos hospitais estão obrigadas a comunicar esses casos à Justiça da Infância e da Juventude, sob pena de serem responsabilizadas. Desde o ano passado, os técnicos da área de adoção da 1ª VIJ e da Comissão Distrital Judiciária de Adoção (CDJA) vêm ministrando palestras nos hospitais públicos, a fim de orientar os profissionais sobre como proceder nos casos de entrega de criança ou quando famílias procuram a unidade de saúde em busca de bebês para adotar. 35


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A nova legislação traz maior engajamento e responsabilidade ao instituto da adoção e determina que, antes mesmo de serem inscritos, os postulantes têm de passar por uma preparação psicossocial e jurídica, orientados pela equipe técnica da Justiça. Essa nova orientação legal já está em prática na 1ª VIJ. Até o final do primeiro semestre de 2010, a Vara capacitará todas as famílias inscritas. E os interessados que ainda vão ingressar no cadastro estão sendo previamente preparados por instituições conveniadas com a Vara. "A finalidade da Lei, ao preparar as famílias e torná-las mais conscientes, é promover o bem-estar da criança e evitar a sua exposição a riscos e eventual devolução", avalia o supervisor Walter

Gomes, da Seção de Colocação em Família Substituta da 1ª VIJ. O intuito da nova Lei de Adoção é orientar melhor a família adotante para receber em seu lar a criança, já tão castigada pelo abandono, pelos maus-tratos ou pela violência. Por outro lado, a legislação enfatiza a necessidade de permanência da criança junto a sua família natural, reforçando a adoção como medida excepcional. Decidir se ela será reintegrada à família ou será colocada em uma família substituta (por adoção, tutela ou guarda) é uma tarefa que deve ser cumprida no prazo máximo de 2 anos, limite legal para que a criança more em uma instituição de acolhimento. O levantamento da 1ª VIJ também apontou que há diferença de perfil entre as famílias que adotaram em 2009, cuja

maioria não estava previamente inscrita, e os requerentes que estão aguardando no cadastro. Os percentuais de renda familiar líquida entre 6 e 15 salários mínimos são maiores entre as famílias que fazem parte do cadastro. A maioria das famílias que adotaram residem em Ceilândia (11%), Sobradinho (10%), Asa Sul ou Asa Norte (10%). A maior parte dos inscritos que aguardam na fila moram na Asa Sul ou Asa Norte (15%), Sobradinho (14%), Lago Sul ou Lago Norte (7%). A dificuldade de gerar um filho figurou como o motivo mais citado pela metade das famílias dos dois grupos. Porém, outras razões foram mencionadas, tais como a vontade de exercer a maternidade/paternidade, dar um irmão ao filho, ampliar a família e colocar em prática o projeto de adotar.

Veja outros dados estatísticos de 2009 Crianças e adolescentes acolhidos por famílias substitutas no ano de 2009 Total de crianças e adolescentes acolhidos 180 Total de crianças e adolescentes cadastrados 64 Idade de acolhimento Recém-nascido De 1 a 6 meses De 7 a 12 meses De1 a 2 anos De 3 a 5 anos De 6 a 8 anos De 9 a 12 anos Acima de 12 anos Gênero das crianças acolhidas Masculino Feminino Grupo de irmãos acolhidos Crianças pertencentes a grupos de irmãos Crianças acolhidas sem irmãos Grupo de 2 irmãos Grupo de 3 irmãos Grupo de 5 irmãos

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Crianças e adolescentes cadastrados para adoção em 2009 Situação das crianças cadastradas para adoção Cadastradas em 2009 64 Aguardando acolhimento 158 Em estágio de convivência (em 31/dez/2009) 5 Idade atual De 0 a 2 anos De 2 a 5 anos De 5 a 8 anos De 8 a 12 anos Acima de 12 anos

1 7 12 35 103

REQUERENTES - Cadastro geral de habilitados no ano de 2009 Residentes no DF 113 Residentes em outros estados 0 Estrangeiros 0 Estado civil Casado/união estável Solteiro

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Sexo da criança pretendida Feminino 24 Masculino 5 Sem preferência 84

Gênero das crianças cadastradas para adoção Masculino 95 Feminino 85

Cor da criança pretendida Somente branca 1 Somente branca ou morena clara 19 Somente branca, morena clara ou morena escura 2 Somente morena clara ou morena escura 5 Somente negra 1 Sem preferência de cor 85

Grupos de irmãos cadastrados para adoção Grupo de 2 irmãos 20 Grupo de 3 irmãos 8 Grupo de 4 irmãos 6 Grupo de 6 irmãos 1

Idade da criança desejada De 0 a 1 ano 43 De 1 a 2 anos 47 De 3 a 4 anos 29 De 5 a 6 anos 20 De 7 a 8 anos 4

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1ª VIJ agiliza decisões sobre destino de crianças institucionalizadas

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ma iniciativa pioneira da 1ª Vara da Infância e da Juventude (1ª VIJ) está agilizando as decisões nos processos de crianças inseridas em programas de acolhimento institucional. Ao invés de esperar o demorado trâmite dos relatórios dos casos para tomar uma decisão, o juiz titular Renato Rodovalho Scussel vai pessoalmente com uma equipe da Vara às entidades, a fim de avaliar e definir a situação de crianças e adolescentes em audiência conjunta com o Ministério Público. A ação da 1ª VIJ busca adequar e dar celeridade a procedimentos conforme as novas regras estabelecidas pela Lei 12.010/2009, que dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes. Segundo essa norma legal, toda criança ou adolescente inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada seis meses. A lei determina ainda o prazo máximo de dois anos para permanência da criança ou adolescente em programa de acolhimento institucional. "A ideia de realizar audiências conjuntas nas entidades veio também da necessidade de a 1ª VIJ acompanhar de maneira mais próxima a situação das crianças e adolescentes institucionalizados no Distrito Federal, até mesmo para que se possa decidir, de forma fundamentada, pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta", afirma o juiz titular da Vara. O objetivo maior é abreviar o tempo de permanência das crianças nas entidades de acolhimento.

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De acordo com a supervisora da Seção de Fiscalização, Orientação e Acompanhamento de Entidades da 1ª VIJ, Cristiane Brandão Mendes, a audiência conjunta facilita também a fiscalização sistemática das entidades de acolhimento, com o intuito de se verificar se estão zelando pelos direitos e cuidando devidamente das crianças e adolescentes acolhidos, bem como se estão cumprindo as regras e os princípios legais exigidos para seu funcionamento. As audiências conjuntas começaram a acontecer em março deste ano. Até o mês de junho, foram realizadas 95 em três instituições de acolhimento. Nas audiências, o juiz da 1ª VIJ avalia a situação de cada criança, juntamente com as equipes psicossocial e jurídica da Vara, o membro do Ministério Público, o dirigente e o pessoal de apoio técnico da instituição. Assim, o magistrado pode decidir na hora casos de reintegração familiar e de destituição do poder familiar, passo anterior e obrigatório para o cadastramento de crianças à adoção. Atualmente, há no Distrito Federal 19 entidades de acolhimento e cerca de 600 crianças e adolescentes acolhidos. A 1ª VIJ está agendando audiências conjuntas periodicamente, com o objetivo de visitar todas as entidades e, principalmente, agilizar as decisões sobre o destino das crianças e adolescentes institucionalizados, garantindo seu direito à convivência familiar. Além disso, a iniciativa da Vara otimiza o tempo dos profissionais envolvidos, permitindo o desenvolvimento de um trabalho mais produtivo voltado ao público infantojuvenil atendido. 37


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Acompanhamento psicossocial d e g e sta n t e s e g e n i toras q u e Ma n i f e sta m a I n t e n ç ã o d e E n tr e gar u m F i l h o e m A do ç ã o M á rc i a

Mar i a

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Servidora do TJDFT, lotada na 1ª Vara da Infância e da Juventude Graduada e mestre em Psicologia pela UnB

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s gestantes e genitoras que entregam um filho em adoção são, com muita frequência, rotuladas de insensíveis por não assumirem os cuidados para com a criança. Porém, esta insensibilidade não é a realidade constatada pela Seção de Colocação em Família Substituta (SEFAM) da 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF (1ª VIJ-DF) nos atendimentos com estas mães. A decisão da genitora pela colocação de um filho em uma família substituta tem ocorrido em acordos diretos entre a mãe e a família adotante, ou por meio de intermediários diversos que fazem a mediação entre a genitora e os pretendentes à adoção, ou, ainda, pela forma preconizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Nesta última forma, a genitora, com ou sem a participação de seus familiares e do genitor da criança, decide entregar o filho na 1ª VIJ-DF para ser adotado por uma família juridicamente inscrita para adoção. Assim, a genitora e seus familiares têm a oportunidade de serem atendidos nos aspectos psicossociais antes da entrega da criança. Por outro lado, a família inscrita para adoção também passa por palestra, visita e entrevistas antes de acolher a criança. Portanto, as adoções com a mediação dos serviços psicossociais do Judiciário tendem a ser mais amadurecidas pela família biológica da criança e pela família adotante, que é chamada de substituta no ECA. Nos casos de gestantes que procuram a 1ª VIJ-DF manifestando a intenção de entregar o filho em adoção logo após o nascimento, os procedimentos da equipe interprofissional foram ampliados a partir de 2008. Anteriormente, estas gestantes eram atendidas por um assistente social ou psicólogo no plantão mantido pela equipe interprofissional, que além de orientar a gestante sobre a entrega em adoção, providenciava um encaminhamento a ser entregue em mãos por ela ao serviço social do hospital ou casa de parto onde viesse a dar à luz. Procurava-se acolher a gestante e informá38

la de que ela não era obrigada a entregar a criança por ter manifestado esta intenção na 1ª VIJ, bem como de que ela poderia novamente procurar a equipe interprofissional para atendimento psicossocial, ou fazer contato por telefone, sempre que sentisse necessidade. Era informado à gestante/genitora que o juiz também poderia oficiar a hospitais, postos de saúde ou órgãos assistenciais em caso de necessidade ou desrespeito aos direitos da gestante/parturiente. Ocorre que as gestantes ficavam tão vulneráveis a entregar seus bebês de forma desassistida, que não procuravam a 1ª VIJ. A gestante ou parturiente assumia quase integral e solitariamente o protagonismo da entrega da criança para adoção. Além disso, ela só era atendida novamente durante a gestação se tomasse a iniciativa de buscar novo atendimento, ou se ocorresse o acionamento de serviços e órgãos sociais, o que raramente ocorria. Após o parto, apenas as genitoras que entregassem o encaminhamento ou manifestassem verbalmente no hospital a opção pela entrega da criança eram encaminhadas novamente para a 1ª VIJ. A partir de 2008, a equipe interprofissional da SEFAM passou a fazer um acompanhamento mais sistemático e específico, inclusive com a elaboração e distribuição de folders e cartilhas voltados para as gestantes e genitoras que pretendem entregar um filho em adoção, ou estão em dúvida quanto a esta possibilidade. Este material também tem sido disponibilizado nos plantões da Seção, nos hospitais da rede pública e centros de saúde. Os profissionais destas instituições já vinham sendo orientados pela 1ª VIJ-DF em encontros e por publicação de orientações voltadas para o atendimento de gestantes, crianças e adolescentes na rede pública de saúde. Estas orientações dizem respeito a procedimentos jurídicos da 1ª VIJ-DF, como é o caso da entrega e do acolhimento em adoção, que frequentemente são suscitados no ambiente hospitalar. Também a partir de 2008, quando uma

gestante é atendida no plantão da 1ª VIJ-DF, é autuada uma pasta especial em nome da grávida, que tramita na Justiça da Infância e da Juventude com a justificativa de proteger os direitos do nascituro. Neste processo judicial, são realizados encaminhamentos por ofício do juiz da 1ª VIJ-DF ao centro de saúde mais conveniente para a gestante, a fim de que seja realizado o pré-natal, ao hospital onde a criança deverá nascer ou a órgãos assistenciais do Poder Executivo, garantindo direitos que podem estar sendo negligenciados ou violados. Nestes ofícios, as instituições de saúde são informadas de que há possibilidade de a gestante decidir pela entrega do bebê em adoção, de que seu caso está sendo acompanhado pela Justiça da Infância e da Juventude e de que, após o nascimento, a criança só poderá deixar o hospital mediante autorização judicial. Observa-se que a parceria com os profissionais de saúde e do serviço social hospitalar é fundamental para que as genitoras em acompanhamento na 1ª VIJ-DF possam decidir com segurança pela entrega ou não da criança. Quanto ao processo da gestante, é feito o retorno à equipe interprofissional para que ela seja visitada e acompanhada nos aspectos psicossociais durante a gestação. Neste acompanhamento, desde o primeiro atendimento, procura-se não apenas informar e orientar a gestante, mas acolhê-la com sua história e dificuldades. A tentativa é de que a gestante tenha um espaço para ser ouvida sem prejulgamentos, de forma que ela não se sinta forçada a entregar a criança e nem a permanecer com ela. Um dos objetivos do acompanhamento é propiciar que a genitora tenha compromisso com o que for melhor para a criança. Este “melhor” pode tornar-se realidade por uma entrega e colocação responsável do bebê em uma família adotante, ou pela sua permanência com a genitora ou outros familiares. Trata-se de uma decisão difícil e sofrida, mas que tem sido tomada com segurança por muitas genitoras. j a n e i r o

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No processo de acompanhamento da gestante, procura-se desmistificar os rótulos de “abandono” e “doação”, no sentido de dar algo, que envolvem a entrega de crianças. Quando uma genitora entrega um bebê em adoção, ela está escolhendo fazer parte da história da criança durante a gestação e deseja que, após o nascimento, o filho receba em outra família o que ela não se sente pronta para oferecer. Isto não é abandono, mas uma forma de provocar uma mudança na vida da criança, acreditando que será o melhor para ela. Também não se trata de dar um objeto, mas de ceder a responsabilidade para com a criança, pois os pais não são donos dos filhos, mas responsáveis por eles. Muitas mães que optam pela entrega da criança foram vítimas de violências que levaram à gestação. Muitas escondem a gestação dos familiares, pois a divulgação das circunstâncias em que a criança foi gerada ou da identidade do genitor levaria a crises que elas desejam evitar. Na 1ª VIJ-DF, muitas gestantes e genitoras que entregam um filho em adoção buscam a segurança do sigilo sobre o nascimento da criança. Nos atendimentos, procura-se observar a consistência das informações prestadas pela genitora e respeitar seu pedido de sigilo. Porém, busca-se esclarecê-la sobre a diferença entre sigilo e anonimato. No sigilo, as informações são guardadas com responsabilidade e apresentadas apenas aos diretamente envolvidos. Estes, no caso da adoção, são os adotantes e o adotando, que conhecerá sua história por seus pais adotivos, ou no futuro, após a maioridade, pelo acesso direto ao processo de adoção, caso queira. Na 1ª VIJ-DF, os adotantes são orientados a ser verdadeiros com a criança sobre sua adoção, informando detalhes se for uma necessidade manifestada pelo filho. Na entrega em adoção que ocorre no anonimato, não há documentos sobre a genitora do adotando, e este fica privado da possibilidade de ter informações sobre sua origem biológica. Isto ocorre nas adoções ilegais, em que a criança é registrada como se fosse filha biológica dos adotantes, sem a realização de um processo jurídico de adoção. Trata-se de um faz de conta que os genitores não existiram. Também nos atendimentos, procura-se obter informações da gestante sobre o genitor do nascituro e informá-la acerca do direito da criança à paternidade e à convivência na famí-

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da gestante, procura-se desmistificar os rótulos de “abandono” e “doação”, no sentido de dar algo, que envolve a entrega da criançA”

lia biológica, embora respeitando o sigilo das informações. Muitas vezes, as gestantes e genitoras recusam-se a fornecer informações sobre o genitor ou relatam desconhecê-las. Não raro, percebe-se também uma preocupação com a sua segurança e a do seu filho diante da hipótese deste permanecer em companhia do genitor e familiares, subsistemas tão ou mais fragilizados que a genitora. A genitora ou gestante é informada ainda sobre a possibilidade de acionamento da Justiça tendo em vista a Lei nº 11804/08, sancionada em 05/11/08, que disciplina o direito de alimentos da mulher gestante e que trata das despesas que deverão ser custeadas pelo futuro pai, considerando a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida na proporção dos recursos de ambos. Em outras palavras, a referida lei oferece um suporte legal à mulher grávida ao não eximir a responsabilidade do genitor da criança de oferecer assistência material ao filho ainda durante a sua gestação. Contudo, até o momento, apenas uma gestante atendida pela equipe interprofissional da 1ª VIJ-DF manifestou interesse neste direito. A partir da inserção desta lei e de seus resultados no cotidiano da sociedade e sobretudo das mulheres envolvidas, podem ocorrer modificações importantes nesta dinâmica de exclusão dos genitores (homens) das decisões relativas ao nascituro. Na 1ª VIJ-DF, as genitoras também são informadas de que toda criança primeiro deve ser registrada com os nomes de sua filiação biológica e de que, após a sentença no final do processo de adoção, será feito um novo registro da criança, em que constarão os adotantes e seus ascendentes como pais e avós. Nos atendimentos com as gestantes e genitoras, procura-se enfatizar que ela não está cometendo qualquer crime ao entregar seu filho em adoção. Busca-se orientar as genitoras de que ter a possibilidade de acesso a sua filiação biológica materna e se possível paterna no futuro é um direito saudável para a criança, e não uma ameaça.

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Na maioria dos casos, o acompanhamento das gestantes e genitoras é realizado sem a presença de familiares e, principalmente, sem a presença dos genitores da criança em gestação, o que reflete também a situação de solidão em que elas se encontram. Pode tratar-se de uma solidão momentaneamente escolhida pela própria gestante, ou de uma solidão construída ao longo do tempo. As privações socioeconômicas que muitas genitoras vivenciaram durante sua própria infância e adolescência propiciam as vivências de privações de afeto. Assim, por trás das motivações verbalizadas pelas genitoras da entrega da criança por falta de condições socioeconômicas, estão as motivações caladas de não querer que o filho seja privado de afeto ou exposto a violências e privações de toda ordem, como ela própria sente que foi em sua história de vida. Em todos os atendimentos em que a genitora expressa estar em dificuldades socioeconômicas, são apresentadas a ela as opções de inserção em benefícios públicos. Observa-se que frequentemente, mesmo conhecendo estas possibilidades, a gestante/genitora faz a opção pela entrega da criança. Para assumir a maternidade e a paternidade do filho, são necessárias condições psicossociais, familiares, afetivas e emocionais, e não apenas socioeconômicas. Como Badinter (1985, p. 367) ressalta, “o instinto materno é um mito”, não se encontra “nenhuma conduta universal e necessária da mãe”. O amor materno não é natural e inerente à mulher – esse sentimento pode ou não existir. “Tudo depende da mãe, de sua história e da História” (p. 367). Na 1ª VIJ-DF, não se faz apologia da adoção, embora ela possa também ser uma alternativa ao aborto, ao infanticídio e à exposição de crianças, prática ainda recorrente na história da humanidade, como se pode ver nos noticiários. Ao contrário, a diminuição da ocorrência de abortos, infanticídios, abandonos e também de adoções legais e ilegais em uma sociedade pode significar que mais genitoras e genitores estão planejando com responsabilidade a gestação e a educação dos filhos, e que mais genitoras e genitores receberam em sua infância e adolescência o afeto necessário para se sentirem aptos a proporcionar a seus filhos o mesmo cuidado essencial. Referências

BADINTER, Elizabeth. O amor conquistado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. 39


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unificação de todos os devedores públicos das administrações direta e indireta, em relação aos tribunais TJDFT, TRT10 e TRF1. Assim, a partir de agora, tem-se uma só lista, elaborada e gerida pelo TJDFT, convergindo todos os credores e devedores de precatórios no âmbito do Distrito Federal. A parceria foi franca e efetiva, afinal, os tribunais, cada um com sua parcela de jurisdição, têm interesse comum, qual seja, cumprir os mandamentos constitucionais.

A melhor e maior contribuição que o TJDFT pode dar

R/TJDFT- Em que aspectos o TJDFT pode contribuir para que a sociedade do DF seja mais consciente de seus direitos e proativa no sentido de buscá-los junto ao judiciário? Presidente - A melhor e maior contribui-

à sociedade é continuar prestando a jurisdição de forma célere, imparcial, justa e transparente” Des. Otávio Augusto Barbosa, presidente do TJDFT

TJDFT agiliza a quitação de precatórios preferenciais

ção que o TJDFT pode dar à sociedade é continuar prestando a jurisdição de forma célere, imparcial, justa e transparente. A aplicação da lei com essas qualidades dá segurança ao nosso jurisdicionado e credibilidade à nossa justiça.

Tribunal de Justiça do DF é o primeiro a instituir a lista única de precatórios

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TJDFT, em sua luta incansável pela celeridade na prestação jurisdicional, correu contra o tempo para trazer à sua clientela os benefícios da emenda dos precatórios. É o primeiro Tribunal brasileiro a dar cumprimento as determinações constitucionais da EC 62, e instituir a Lista Única que já vinha sendo preparada desde fevereiro e foi também o primeiro a começar a pagar os precatórios preferenciais. No dia 16 de agosto, os primeiros beneficiados receberam o alvará que lhes deu direito a sacar as quantias a quem fazem jus e pelas quais esperaram por vários anos. A entrega mereceu solenidade que reuniu autoridades do TJDFT e chamou a atenção em todo país. Para o Presidente do Tribunal, a celeridade é fruto de uma "parceria realizada entre os poderes", aliás, "a parceria é a nossa palavra de ordem", destacou durante o evento. 40

R/TJDFT – O que representa a lista única para a transparência no judiciário? A parceria entre os tribunais foi fácil? Afinal são competências diferentes. Presidente - A lista única representa a

Para o juiz do Tribunal do DF Lizandro Nunes, Coordenador de Conciliação de Precatórios (COOPRE), com a EC 62, que repisou todo o tema de precatórios, surgiram figuras absolutamente "inéditas". Para ele, a nova legislação delineou um programa de pagamento com "políticas públicas conseqüentes e responsáveis". O presidente Otávio Augusto Barbosa falou à Revista TJDFT sobre esse esforço e o que representa para a justiça do DF. Revista TJDFT - A EC 62/09 foi prontamente cumprida no TJDFT graças à antecipação da Vara de Precatórios e ao uso da tecnologia. De que forma a modernização tecnológica está mudando as rotinas e agilizando a prestação jurisdicional no TJDFT? O que mais o jurisdicionado pode esperar?

Presidente Otávio Augusto Barbosa -

Sim, a EC 62/09 foi irrestritamente cumprida no âmbito do TJDFT, até porque já tínhamos criado a coordenadoria de precatórios, nos antecipando à emenda e à resolução CNJ 115/10. Graças aos sistemas de informática, pudemos, em tempo recorde, receber as informações dos outros tribunais com jurisdição no DF e aprontarmos a lista única de credores do Distrito Federal, autarquias e fundações públicas. A tendência é a automação ficar cada vez maior e mais eficiente. Estamos trabalhando, ainda, na agilização da efetivação do pagamento, de forma a findar com a expedição de alvará judicial imediato. Nosso ideal é que o juízo faça uma transferência bancária, em audiência, da conta-convênio para a conta bancária do credor, tudo de forma célere, simples e sem ônus para o jurisdicionado.

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R/TJDFT – Como encarar o difícil desafio de acelerar a prestação jurisdicional e manter a qualidade dos julgados? Presidente - Essa é uma medida de sen-

sibilidade, buscada por todos os tribunais do país. Se por um lado, tem-se a multiplicação de demandas idênticas, onde se poderia, com uma mesma solução, atender às prestações plúrimas, por outro é certo que cada caso inspira a devida atenção do julgador. Mesmo que haja julgamentos em bloco, é preciso que o juiz analise detidamente cada processo, ainda que seja para dizer que ele se identifica em tudo com outro. Outro fator de aceleração é a automação dos processos e sistemas de informática que assistem os tribunais. Quanto mais ágil/ágeis e modernos os sistemas, mais rápida e eficiente se torna a resposta do julgador, não se olvidando jamais que o julgamento é um ato desenvolvido na consciência individual de cada julgador.

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O que muda com a emenda dos precatórios A emenda constitucional 62, de 9 de dezembro de 2009, começa a acender a luz no fim do extenso túnel do pagamento de precatórios. Regulamentado pela Resolução 115/10 do CNJ e pela Portaria GRP 815/10, o novo preceito de nossa magna carta traz boas notícias a muitos que aguardam na quilométrica fila de espera para receber sua devida indenização. O DF deve cerca de R$ 3 bilhões a um total de 25 mil pessoas. A partir de agora, os débitos de natureza alimentícia cujos titulares tinham 60 anos de idade ou mais na data da emenda, assim como os portadores de doenças graves têm preferência sobre os demais recebedores, independentemente do critério de antiguidade. Dentro do grupo, os portadores das enfermidades especificadas na Portaria 815 têm prioridade sobre os idosos. É importante lembrar que a prioridade incide apenas sobre os débitos de natureza alimentícia como salários, vencimentos, proventos, pensões, benefícios previdenciários e também sobre indenizações por morte ou por invalidez. Tudo que não é precatório alimentar é considerado comum. Em qualquer caso, a prioridade precisa ser requerida pelo interessado. Para o juiz Lizandro Garcia, titular da Coordenadoria de Conciliação de Precatórios (COOPRE) "agora, as pessoas enfermas e as mais maduras já podem sonhar em receber seus precatórios, pois esse sonho está bem mais perto de se concretizar. Isso certamente evitará que muitos titulares deixem de receber o que lhes é devido em razão da demora no pagamento, embora ainda seja um passo modesto no sentido de efetivar uma justiça tal qual nós gostaríamos de ver", explica o juiz. O valor limite a ser pago para quem requerer a preferência será de até três vezes o teto da Requisição de Pequeno Valor (RPV) que hoje, no Distrito Federal, é de 10 salários-mínimos. Assim, as pessoas que integram grupo prioritário poderão receber antecipadamente até 30 salários-mínimos que, em reais, equivalem a pouco mais de R$ 15 mil, e continuar concorrendo na lista comum para embolsar o restante. "Isso evitará que os menos favorecidos acabem vendendo sua certidão de crédito, o que é sempre uma perda para o cidadão que,

muitas vezes, por necessidades pessoais, acaba submetendo-se a um deságio bastante expressivo e, de certa forma, abdicando de parte de seu direito", lamenta Lizandro Garcia. A reforma constitucional traz também sanções significativas para os entes federativos que não repassarem os valores mensais destinados ao pagamento dos precatórios. Estão previstos desde o sequestro dos bens estatais até a possibilidade de a União transferir a quantia devida a uma conta judicial indicada pelo juiz, ficando o estado sem receber parte da verba a que teria direito. Prevê ainda a inscrição do estado e do DF no CEDIN, uma espécie de Serasa das pessoas jurídicas de direito público inadimplentes. Para se enquadrar nas novas regras, o DF editou o Decreto Distrital nº 31.398/10, optando por depositar em juízo, todo último dia do mês, percentual da receita corrente líquida do DF, cerca de R$ 13 milhões mensais, que anualmente corresponde a 1,5% da receita corrente líquida. A outra opção possível, mas rejeitada pelo DF, seria pagar todo o passivo em dez anos. "A fila de pagamentos estava parada desde fevereiro de 2009, mas agora ela vai andar, pois a obrigatoriedade desse depósito já começou em março. O inadimplemento do Estado, que antes não causava maiores sanções, agora poderá ser punido de um modo mais efetivo", comemora o Magistrado . Pelas novas regras, os credores devem constar em Lista Única de prioridades reunindo o TJDFT, o TRT da 10ª Região e o TRF da 1ª Região. Feita a lista, paga-se em primeiro lugar as prioridades e, em seguida, segue-se a ordem cronológica. O TJDFT irá gerenciar essa Lista Única, ficando sob a competência dos outros tribunais repassar o dinheiro conforme os cálculos feitos pela Justiça Trabalhista e Federal. "É gratificante ver a satisfação das pessoas quando recebem seu alvará judicial, ao término de uma audiência. Depois de um processo por vezes longo e difícil, do reconhecimento da dívida em decisão transitada em julgado e de longa espera, elas, finalmente, conseguem a materialização de sua demanda", conclui o juiz Lizandro Garcia, titular da Coordenadoria de Conciliação de Precatórios (COOPRE), que estará à frente desde trabalho em parceria com.os Juízes do TRT e do TRF.

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Lançamentos literários de servidores e magistrados da casa

“o exorcismo de emily rose”

Juiz Daniel Carnacchioni lança livro de Direito Civil O Juiz de Direito do TJDFT, Daniel Eduardo Carnacchioni, lançou o livro “Curso de Direito Civil - Institutos Fundamentais - Parte Geral”, pela Lúmen Júris Editora, disponível em todas as livrarias de Brasília. A obra, focada na pessoa humana, é o resultado de debates e reflexões sobre os institutos fundamentais da parte geral do Código Civil e objetiva facilitar a compreensão e a interpretação das normas jurídicas, conforme a Constituição e seus valores fundamentais. O livro, de 800 páginas, tem apresentação do Procurador de Justiça do Estado de Minas, Nelson Rosenvald, e prefácio da Ministra Nancy Andrighi. Daniel Eduardo Carnacchioni é Juiz de Direito do TJDFT, mestrando no IDP - DF, professor de Direito Civil na Escola Superior do MPDFT, no Curso Praetorium BH, na Escola da Magistratura do DF, no Curso Suijuris - DF e no Instituto de Formação Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro - Escola de Administração Judiciária do DF.

(Pode o Judiciário ocupar-se do sobrenatural?) por josé guilherme de souza*

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cott Derrickson, dublê de escritor e cineasta, especialista em filmes de terror, roteirizou e comandou este filme com a experiência que adquiriu nos cinco filmes que escreveu e nos três que dirigiu. É dele o recente (2008) O Dia Em Que a Terra Parou, versão do clássico de 1951. O filme resenhado aqui, baseado em uma história real, é o que efetivamente teria ocorrido com a garota cuja possessão demoníaca servira de base para o filme ficcional O Exorcista (1973), de William Friedkin, sobre livro de W. P. Blatty. Assim, não estamos diante de um mero “filme de terror”, mas de um “drama de tribunal” sobre fatos sobrenaturais que consta terem realmente acontecido. A destacar que, por conta desse exorcismo, provocou-se a intervenção do Judiciário. Assim, considerável parte da história se desenvolve dentro de um tribunal, o que contribui para “desfocar” positivamente a trama, fazendo-a oscilar entre as cenas do julgamento e as narrativas, sempre em flashback [o filme abre com a entrada do médico-legista na casa da família de Emily e a prisão do padre Moore (Wilkinson)], dos extraordinários fenômenos que levaram Emily a uma morte prematura e misteriosa. No tribunal, boa parte da ação é conduzida pela advogada de defesa, Erin Bruner (Linney), que se diz agnóstica (!), e pelo promotor público, Ethan Thomas (Scott), um católico devoto. O desempenho dos atores é bastante convincente. Fora da Corte, a narrativa se foca nos fenômenos que perseguem Emily (num desempenho assustador da jovem Carpenter), o que garante bons sustos e alguns pulos na poltrona. Fenômenos paralelos, enquanto isso, desafiam e abalam nossas crenças estabelecidas.

(The Exorcism of Emily Rose). EUA, 2005. Direção/Co-roteiro: Scott Derrickson. Elenco: Laura Linney, Tom Wilkinson, Campbell Scott, Jennifer Carpenter.

A tese da acusação é de que Emily estaria sofrendo de epilepsia, a qual, associada a algum tipo de psicopatia, geraria as aparições, deformações de pessoas e ambientes, movimentação de objetos, sons estranhos e outros fenômenos. Com a associação das duas doenças, a jovem estaria na verdade tendo fortes alucinações. Um poderoso medicamento controlado lhe é administrado por um médico, mas a intervenção do padre Moore, atribuindo todos esses fenômenos a uma possessão demoníaca, que ele intenta curar mediante um processo de exorcismo, faz com que ela abandone a medicação. Assim, segundo a acusação, a descontinuação no uso do medicamento, substituído por crendices e superstições sem base científica, fez com que os sintomas voltassem, provocando morte por inanição e autoflagelação. A acusação é de homicídio culposo por negligência, cuja pena, naquele caso, poderia ir a 10 anos de prisão. A defesa sustenta, com base nas declarações do padre e de outras testemunhas, que a presença do medicamento no cérebro teria enfraquecido os rituais de exorcismo e proporcionado a vulnerabilidade progressiva da vítima aos ataques. Os sucessivos depoimentos do padre parecem apontar para um fortíssimo fenômeno de possessão, que são combatidos com o conhecido arsenal da Igreja, porém sem sucesso, sobrevindo a morte. Aqui, o clima é sempre tenso, os nervos estão no limite, a música cria um ambiente assustador. E o final é surpreendente. O importante, porém, é que se tenha em mente que é possível, sim, o Judiciário ocupar-se das coisas do sobrenatural, desde que elas produzam efeitos palpáveis no mundo real.

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DIREITO URBANÍSTICO O Juiz de Direito Paulo Afonso Cavichioli Carmona lança seu livro "Direito Urbanístico" pela Editora Saraiva. A obra faz parte da Coleção Pockets Jurídicos que reúne uma série de volumes abrangendo todas as áreas do Direito. Trata-se de um guia prático, com linguagem sintética e abordagem didática, muito útil sobretudo para quem está se preparando para o Exame da OAB ou para concursos de ingresso nas carreiras jurídicas e que precisa aprender muito em pouco tempo. Ótimo também para qualquer pessoa que deseja ampliar seus conhecimentos jurídicos.

* Juiz Titular do 4º Juizado Especial Cível de Brasília. Crítico de Cinema em diversas mídias impressas e eletrônicas. Consultor e mediador de eventos profissionais, usando mídia de Cinema, no TJDFT, TRE/DF e em Tribunais Federais superiores.

Coordenada pelo Desembargador Arnoldo Camanho, pela advogada Eliene Bastos e pela promotora de Justiça Marlouve Moreno Sampaio Santos, a obra reúne 20 artigos de magistrados, promotores de Justiça, advogados e psicólogos com o objetivo de divulgar em todo o país o pensamento dos operadores do Direito de Família que atuam no Distrito Federal. É o terceiro volume da série Família e Jurisdição, que traz trabalhos que prestigiam o entendimento doutrinário de operadores do Direito de Família no DF. Além da coordenação do desembargador Arnoldo Camanho, também responsável pelo texto "Adoção à Brasileira, Arrependimento e Renúncia à Paternidade: um Caso Concreto", o livro conta com a participação de outros três magistrados do TJDFT: a juíza Ana Maria Louzada, autora do artigo Alimentos Gravídicos e a Nova Execução de Alimentos; a juíza Fernanda Dias Xavier, com Autonomia Privada, União Estável e Casamento; e o Juiz James de Oliveira, autor de Danos Morais no Âmbito das Relações Familiares.

Liberdade de Expressão e a Colisão entre Direitos Fundamentais A servidora do TJDFT Andréa Neves Gonzaga Marques publicou, em março deste ano, o livro “Liberdade de Expressão e a Colisão entre Direitos Fundamentais”, pela editora SAFE, que já está disponível nas livrarias. O tema é resultado da Especialização em Direito Público feita pela servidora, sob a orientação do Ministro Gilmar Mendes (STF). A servidora é graduada em Direito pela Universidade de Brasília e, além dessa especialização realizada no Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP - Brasília/DF em 2006, tem a Especialização em Direito Militar pela Universidade Castelo Branco - Rio de Janeiro/RJ.

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e tão repetido na mídia e na agenda social, acabou virando chavão dizer que o brasileiro passa boa parte de seu tempo trabalhando só para pagar impostos. Alguns até sugerem cifras e percentuais da quantidade de dias trabalhados por ano e dos recursos que nos são subtraídos com o propósito de alimentar o leão. Para o contribuinte comum, tudo o que sai do seu bolso e vai para os cofres públicos é chamado de imposto, já que alguém lhe estaria impondo uma obrigação de pagar. Mas, de fato, as coisas não são tão simples assim. Tributos, impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições sociais são parentes de uma mesma família, mas cada um guarda sua própria identidade. Tributo seria o sobrenome da família. Toda prestação pecuniária com-

o ITDC (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), o ICMS e o IPVA (Imposto sobre Veículos Automotores). O IPTU (Imposto sobre a Propriedade Territorial e Predial Urbana), o ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos) e o ISS (Imposto sobre Serviços) cabem aos Municípios e ao DF. As taxas são oriundas do exercício regular do poder de polícia do estado ou de um serviço público específico e divisível, seja ele utilizado pelo contribuinte ou apenas deixado à sua disposição. Alguns exemplos de taxas seriam o pedágio, quando não houver via alternativa, a taxa de esgoto, quando a lei determina que o contribuinte deva ligar-se ao sistema, e os valores pagos ao tabelionato. As contribuições de melhoria estão ligadas àquelas despesas com obras realizadas pelo Estado que promovem a valorização de um imóvel. Seu objetivo é custear essa obra. Assim, seu limite total de arrecadação será o valor da obra realizada e o limite individual a ser pago será o acréscimo de valor incorporado ao seu imóvel. O empréstimo compulsório, como o nome diz, é algo que se paga obrigatoriamente ao governo para depois receber de volta. Ele só pode ser instituído pela União, através de lei complementar e sua aplicação deve estar atrelada à despesa que fundamentou sua institui-

ção. Ele pode ser instituído para atender despesas de caráter extraordinário como uma calamidade pública ou uma guerra, ou para realizar um investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional. No primeiro caso, o empréstimo deve respeitar o princípio da anterioridade, isto é, será instituído em um exercício financeiro para ser cobrado apenas no seguinte. No segundo, isso não é necessário, dado o caráter urgente da demanda. Finalmente, as contribuições sociais destinam-se a custear aquelas atividades que não são inerentes à função do Estado, como é o caso da seguridade social. Instituídas exclusivamente pela União e conectadas a uma finalidade específica, elas podem ter o caráter de intervenção do domínio econômico como a contribuição do petróleo ou o salário-educação. Podem também atender aos interesses de uma categoria profissional como o CREA, por exemplo, ou destinarem-se a custear a seguridade social como o COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), o PIS (Programa de Integração Social) e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). Os Estados, o DF e os Municípios podem instituir contribuição social sobre a folha de pagamento de seus servidores para custear seu regime previdenciário.

TAXA A taxa representa uma contraprestação ao exercício regular do poder de polícia ou à utilização de um serviço público, específico e divisível, prestado ao contribuinte ou colocado à sua disposição. Difere do imposto por ser vinculada a uma atuação específica do Estado.

CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA Decorre da construção de obra pública que implique em valorização imobiliária. Enquanto a taxa é atrelada a serviços públicos ou ao poder de polícia, a contribuição de melhoria é ligada à atividade estatal de construção de obras.

EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO Tomada de dinheiro, a título de empréstimo, pelo Estado, em situações de emergência (calamidade, guerra ou para investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional). O produto da arrecadação é vinculado à causa que o motivou e somente a União pode instituí-lo.

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL As contribuições sociais são destinadas a custear atividades específicas e não inerentes à função do Estado, como por exemplo, o custeio da seguridade social ou uma intervenção no domínio econômico.

A Família dos tributos tem muitos membros

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IMPOSTO Tributo que independe de qualquer atividade estatal específica em relação ao contribuinte. Seu objetivo é atender interesses coletivos da sociedade, que são indivisíveis. Pode incidir sobre o patrimônio ( IPTU , IPVA), a renda (Imposto de Renda) e o consumo ( IPI, ICMS).

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pulsória constitui um tributo que é chamado de vinculado quando se destina a um fim específico e não-vinculado quando seu objetivo é carregar os cofres públicos para satisfazer as necessidades coletivas. Os tributos podem ser federais, estaduais, distritais ou municipais mas precisam ser instituídos por lei. Eles são diretos quando é o próprio contribuinte quem paga, como é o caso do Imposto de Renda, e indiretos, como o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). O imposto não tem destinação específica e está desvinculado de qualquer ação estatal. Isso quer dizer que o estado não precisa fornecer contrapartida ao contribuinte para receber dele o devido pagamento. O imposto, propriamente dito, destina-se a atender aos interesses gerais da coletividade e pode incidir sobre o patrimônio (IPTU, IPVA), a renda (IR) ou o consumo (IPI, ICMS). Alguns impostos são instituídos pela União, como o Imposto de Renda, o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e o ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural). Para que a União venha a instituir um novo imposto, ela precisa fazê-lo por meio de lei complementar e exige-se que seu fato gerador e sua base de cálculo sejam diferentes dos já discriminados na Constituição. Os Estados e o DF instituem, por exemplo,

conhecendo seus direitos

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J u r i s p r u d ê n c i a r e v i s t a

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A VIDA COMO ELA É...

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...NA JURISPRUDÊNCIA

P o r B r u n o Q u e i r o g a e J o r g e A l th o ff

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im! Dizem os noivos convictos da decisão tão pensada e que influenciará o futuro de, pelo menos, duas vidas. Diante de inúmeras testemunhas, confirmam perante Deus e a lei que desejam alterar seu estado civil. A partir deste momento, passam a ser um casal. Tudo muito simples. Como simples? Analisemos todo o processo que resultou neste enlace (que lembra laço, que lembra forca...). No primeiro momento, ao se paquerarem, flertarem ou até ficarem (depende da época em que se conheceram), João e Maria desconheciam as graves consequências que desse singelo ato resultariam, aí consideradas as formalidades e implicações legais. E o destino não os perdoou, mesmo que não soubessem, estavam destinados a se tornarem partes de um dos contratos mais difíceis e solenes previstos no nosso Código Civil, e, sejamos sinceros, por incrível que pareça, o Código Civil se torna um livro infantil diante da difícil tarefa de se manter uma longa vida em comum. Voltemos à paquera: daí surgiu o namoro e, afoitos, em um ano estavam noivos. A partir deste momento, a história de amor passa a ter contornos jurídicos. João e Maria não podem se arrepender muito perto do casamento, pois existem julgados que condenam o desistente a indenizar o "maior abandonado". Vejamos: "INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. RUPTURA DE NOIVADO PELO APELANTE MEIA HORA ANTES DO HORÁRIO MARCADO PARA SE DAR INÍCIO À CERIMÔNIA DE CASAMENTO. VERBA DEVIDA. QUANTUM INDENIZATÓRIO RAZOÁVEL. SENTENÇA MANTIDA. I - Estando demonstrado nos autos que o Apelante, injustificadamente, rompeu o noivado meia hora antes do horário designado para se dar início à cerimônia de seu casamento, quando já se faziam presentes os convidados, mostra-se claro o dano moral suportado pela Apelada. II - O valor arbitrado pelo juízo a quo de 50 (cinquenta) salários mínimos a título de danos morais foi fixado moderadamente, dentro dos padrões de razoabilidade, não constituindo, destarte, fonte de enriquecimento indevido. III - Negou-se provimento ao recurso". (Ac nº: 156558) CIVIL. ROMPIMENTO DE NOIVADO. ESPONSAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. ATO ILÍCITO. DIREITO À LIBERDADE E À AUTONOMIA DA VONTADE. BOA-FÉ OBJETIVA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. DEVERES DOS CÔNJUGES. (...) 7. Não restam dúvidas sobre o sentimento de dor e de humilhação da Apelada. No entanto, tais sentimentos não configuram dano moral, mas estado de espírito consequente do dano, variável em cada pessoa. Fazem jus à indenização por danos morais aqueles que demonstrarem haverem sido privados de um bem jurídico sobre o qual teriam interesse reconhecido juridicamente. (...) 9. Deu-se parcial provimento ao apelo, para condenar, com fundamento no princípio da boa-fé objetiva, o Re-

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corrido ao pagamento da metade das despesas realizadas para a celebração do casamento e o início da vida conjugal pela Apelante. (...). (Ac. nº: 411762). Sempre otimistas, torceremos para que o rompimento da relação jamais seja o fim de nossos personagens. Marcaram o casamento. Com sorte, sem nenhum trocadilho, em menos de dois anos conseguirão vaga na igreja escolhida. A contratação do cerimonial poderá levar maior brilho à tão esperada cerimônia, contudo, é certo que esse glamour não poupará os noivos de alguma dor de cabeça. Os profissionais desta área, data máxima vênia, consideram-se os verdadeiros donos da festa, pois até a cor do vestido das madrinhas deve passar pelos seus refinados palpites. Eles não entendem que o casal deve ser ouvido, pois, em suas inabaláveis convicções, leigos não devem opinar, ainda que seja o dia mais importante de suas vidas. Muitas vezes a relação existente entre noivos e prestadores de serviço pode se tornar extremamente conflituosa, chegando ao Judiciário: "CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. (...) O PENTEADO PREVIAMENTE CONTRATADO PELA APELADA FOI EXECUTADO DE FORMA DIVERSA NO DIA DA CERIMÔNIA. DANO MORAL. CONFIGURADO. EFETIVA DOR. ANGÚSTIA. (...) Incontestável que o penteado contratado pela autora (fls. 33/34) foi executado de forma diversa no dia da cerimônia de casamento (f. 36). (...) é certo que qualquer noiva, que opta por realizar a "prévia", faz esta escolha e paga por este serviço para que no dia do casamento tudo esteja conforme o idealizado (sem surpresas), eis que sem dúvida é um dos dias mais importantes, se não o mais importante, na vida de uma mulher. (...) Recurso conhecido e improvido. (...)". Ac nº: 395452. "DIREITO CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. BOLO DE CASAMENTO. DIREITO À INFORMAÇÃO. (...) 2 - A feitura de bolo de casamento com miolo de isopor, sem prévia informação desta circunstância à consumidora, que descobre o fato apenas na hora da festa, gera exposição e constrangimento que viola a integridade psíquica, causando dano moral. (...) 4 - Sentença confirmada". Ac nº: 325079. Ainda sobre a festa, cada convidado se sente no direito de pedir uma música em especial e, claro, sempre são as mais executadas. É tudo que o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) quer. O ideal seria que cada convidado compusesse e executasse a música de sua preferência. Não se garantiria a qualidade musical ao evento, porém é certo que ele seria muito menos dispendioso. Todavia há divergência quanto a obrigatoriedade do pagamento de direitos autorais em festas de casamento. Vejam: "CIVIL. REPRODUÇÃO DE MÚSICAS EM FESTA DE CASAMENTO. AUSÊNCIA DE FINALIDADE LUCRATIVA. DIREITOS AUTORAIS NÃO DEVIDOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. j a n e i r o

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(...) 2. Não há que se falar em cobrança de direitos autorais pela reprodução de músicas em festa de casamento visto inexistir finalidade lucrativa no evento. As pessoas que comparecem a esse tipo de festa são em número determinado e todas convidadas dos noivos ou seus familiares. Precedentes desta Corte e do STJ (APC 20010110510170 e AgRg no REsp 966.889/SP). (...)".Ac nº356532 Não iremos nem comentar sobre a viagem de lua de mel, já que o fizemos em edições anteriores. Mas, contrariando os pessimistas, João e Maria se casaram e souberam amar. Contudo, se um dia, esse amor chegar ao fim, bem, aí o inferno começa! Dependendo do regime em que casaram, a briga pode perdurar por anos a fio. A propriedade de cada bem é discutida à exaustão. Às vezes, se discute até mesmo se aquele horrível relógio de cuco já existia no apartamento ou foi comprado na constância da relação, quando o mais sensato seria destruí-lo, já que nem os abrigos mais humildes aceitariam o "precioso" adorno. A disputa de bens é tema recorrente em nossos julgados, bem como a guarda dos filhos, assunto tão sério que não se consegue tratar com humor ou ironia. Vejamos alguns julgados: "DIREITO CIVIL. AÇÃO DE PARTILHA. CASAMENTO CELEBRADO SOB O REGIME DE COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. IMÓVEL ADQUIRIDO DURANTE A CONSTÂNCIA DO CASAMENTO, MAS ESCRITURADO APÓS O DIVÓRCIO. COTAS SOCIAIS. ALUGUERES ADVINDOS DE PROPRIEDADE COMUM. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS A SER RECEBIDA PELO CÔNJUGE VARÃO EM AÇÃO DE REPARAÇÃO CIVIL PENDENTE DE JULGAMENTO. O imóvel adquirido na constância do casamento integra o acervo patrimonial a ser partilhado entre as partes, ainda que a escrituração no registro imobiliário tenha ocorrido após a dissolução da sociedade conjugal. 2. "A transmissão de cotas por efeito de dissolução conjugal não implica a transmissão do estado de sócio, mas repercute no direito do ex-cônjuge em usufruir dos direitos, tendo em conta o fato da partilha das cotas importar no estabelecimento de uma "sub-sociedade" entre os antigos cônjuges" (...) 3. Na propriedade comum, quando o imóvel está sendo locado a terceiro, devem os alugueres, na qualidade de frutos civis produzidos pela coisa comum, ser repartidos entre os co-proprietários. 4. Os danos morais têm natureza personalíssima e compensatória, razão pela qual não faz a cônjuge virago jus a qualquer parcela de indenização a ser recebida a este título, em ação de reparação civil pendente de julgamento, pelo cônjuge varão. 5. Recurso da parte autora conhecido e parcialmente provido; apelo do réu conhecido e não provido. Unânime". Ac nº: 399224 j u l h o

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"AGRAVO DE INSTRUMENTO - GUARDA DE MENORES REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS - ALIMENTOS PROVISÓRIOS. - O direito de visitas deve ser sempre regulamentado com lastro na solidariedade, nas obrigações resultantes do pátrio-poder e em face dos interesses do menor, a fim de lhe proporcionar um melhor desenvolvimento moral e psicológico. - Deve ser mantida a guarda compartilhada preexistente se melhor atende aos interesses do menor. Os alimentos provisórios arbitrados dentro dos parâmetros traçados pelo art. 1.694 do Código Civil devem ser mantidos. (...)". Ac nº: 359467. A manutenção do sobrenome do outro cônjuge é outro motivo de constantes discussões no mundo jurídico. Deve um cônjuge utilizar o nome do outro? E se um deles foi culpado pela separação, mesmo assim poderá usar o sobrenome do "injustiçado(a)"? Diversos julgados nos mostram como o art. 1578 do Código Civil deve ser interpretado: "PROCESSO CIVIL. CIVIL. AÇÃO DE DIVÓRCIO DIRETO. RÉ REVEL. CURADORIA ESPECIAL. MANUTENÇÃO DO PATRONÍMICO DE CASADA. DIREITO PESSOAL À IDENTIDADE. I - Conforme se depreende dos artigos 1571 e 1578 do Código Civil, a conservação do nome de família é a regra e não exceção, haja vista tratar-se de direito personalíssimo a ser preservado, máxime em se tratando de ré revel, evitando-se, dessa forma, tumulto na realidade fática. (...)". Ac nº: 356367 "CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - DIVÓRCIO DIRETO LITIGIOSO - PATROMÍNICO DO VARÃO - UTILIZAÇÃO PELA MULHER - POSSIBILIDADE. - Assegura-se ao cônjuge virago, quando da decretação do divórcio, manter o uso do patronímico do ex-marido, se importar em evidente prejuízo para sua identificação, salvo em havendo novas núpcias quando deverá renunciá-lo". Ac nº: 293715 Imagine uma menina linda, uma verdadeira princesa, que nasce com o nome de Jacqueline Lee Bouvier. Ela se casa com um homem promissor que, no auge de sua carreira, quando ele estava literalmente mandando no mundo, é brutalmente assassinado. Superado o luto regular, após alguns anos, ela se casa novamente. Dessa vez o marido é um dos homens mais ricos do mundo. Será que esta Jacqueline manteria em seus assentamentos os sobrenomes Lee Bouvier? Claro que não, ao morrer, em sua lápide, constaria Jacqueline Kennedy Onassis. Você, nosso(a) querido(a) leitor(a), se está casado(a) ao ler esta singela coluna, nossos parabéns: você é um(a) vencedor(a)! Se está separado(a), nunca é tarde para recomeçar. Agora se você é mulher e cheia de predicativos: entre em contato conosco, mas não diga que não avisamos... Obs: Os autores são solteiros e sabem que o destino pode puni-los por suas palavras, mas, por favor, não torçam por isso.

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Foto: BANCO DE IMAGENS

Respeitem a mulher

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o ano em que se comemora o centenário da instituição de seu dia internacional, nada mais adequado que implorar em nome de sua dignidade: respeitem a Mulher.

Mar i a Isa b e l da S i l va juíza de direito do tjdft titular da 1ª vara do juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher de brasília-DF

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Esse apelo decorre do inconformismo de segmentos da sociedade que repudiaram o julgamento do Recurso Especial 1097042, em 24 de fevereiro último, pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, que firmou o entendimento de que é imprescindível a representação da vítima para a propositura da ação penal nos casos de lesões corporais leves decorrentes de violência doméstica. Nesse contexto, abre-se a possibilidade de a mulher se retratar da representação que porventura tenha sido firmada durante as primeiras entrevistas na delegacia policial. Nesse julgamento histórico, o Ministro JORGE MUSSI fez expressa menção à doutrina, citada em outro julgado do próprio STJ

sobre o mesmo tema, de lavra da jurista Maria Lúcia Karam: "Quando se insiste em acusar da prática de um crime e ameaçar com uma pena o parceiro da mulher contra a sua vontade, está se subtraindo dela, formalmente ofendida, o seu direito e o seu anseio a livremente se relacionar com aquele parceiro por ela escolhido. Isto significa negar o direito à liberdade de que é titular para tratá-la como se coisa fosse, submetida à vontade dos agentes do Estado, que, inferiorizandoa e vitimando-a, pretendem saber o que seria melhor para ela, pretendendo punir o homem com quem ela quer se relacionar. E sua escolha há de ser respeitada, pouco importando se o escolhido é, ou não, um agressor, ou que, pelo menos, não deseja que seja punido". Com efeito, à mulher há de ser conferido o direito de decidir sobre a penalização do agressor, que pode ser o filho, a filha, o pai, o irmão, a neta,

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a nora - necessariamente não precisa ser o companheiro. Cuida-se de atitude que provém de seu empoderamento, e, nesse caso, ela não necessita de relativização de sua autonomia, como querem alguns, que somente enxergam na penalização do réu o antídoto para a violência doméstica. É sabido que a sansão penal se tem mostrado ineficaz como medida pedagógica para aplacar a criminalidade. A cada dia, mais e mais infratores ingressam nos presídios e muitos dali saem com o firme propósito de dar continuidade à delinquência. Para eles não faltou a espada afiada da Justiça. E, nos casos de violência doméstica, não se dá o mesmo? Obviamente que sim. Em se trantando de lesões leves, e sobre elas me refiro, não será a fixação da pena ao final do processo que vai levar à reflexão o agressor. Por certo, não pode passar ao largo da lei os refratários, os reicindentes, devendo-lhes ser imposta a devida resposta à agressão perpetrada, além da obrigatoriedade de frequência a programas de recuperação e reeducação. Porém, para os casos em que o conflito é um ato isolado na vida conjugal, por vezes, o simples fato de o companheiro ser instado a comparecer perante a autoridade policial, como relatam muitas vítimas no transcorrer das audiências, é o suficiente para que ele reflita sobre seu comportamento e o papel que deve desempenhar na relação familiar. Quantas noticiam a mudança na rotina conjugal ou familiar depois de judicializada a violência, mesmo em sede de medidas protetivas! Outras tantas apontam que o acompanhamento psicossocial ou atendimento por terapeutas especializados trouxe normalidade ao lar que, antes, vivenciava situações de completo desajuste. De se registrar que, em muitas ocasiões em que refutada a retratação da mulher, seja pelo magistrado de primeiro grau, seja pelo órgão judicante superior, que determinava o prosseguimento do feito, por agasalhar

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a tese de que a ação penal pública haveria de ser incondicionada, quase sempre o resultado levava à absolvição do agente. Ora a vítima não comparecia à audiência designada na ação penal, caso em que era ameaçada de ser "conduzida debaixo de vara" pelo órgão acusador, ora, narrava versão completamente diferente dos fatos por ela anteriormente noticiados por ocasião daquela formalizada perante a autoridade policial. E, em virtude disso, era advertida com a possibilidade de instauração de ação penal por denunciação caluniosa, cuja pena é muito mais grave que aquela do crime em que figurava como vítima. A propósito, a Desembargadora Maria Berenice Dias pontua que "nada justifica afastar a possibilidade de a vítima renunciar à representação levada a efeito quando do registro da ocorrência. Na hora do acertamento das questões de ordem familiar, a possibilidade de retratar-se a representação adquire um efeito simbólico. Confere à vitima certo ‘poder de barganha’ frente ao agressor, pois está nas suas mãos a possibilidade de ele ser processado, condenado, preso ou absolvido sem qualquer registro de antecedentes. Esse ‘empoderamento’ da vítima restabelece o equilíbrio da relação. Assim, a mulher dispõe da possibilidade de dar prosseguimeno ou não à ação penal, além de poder levar o agressor a concordar com a separação nos termos por ela propostos, rompendo-se o ciclo da violência" (A Lei Maria da Penha na Justiça, Editora RT, 2007, p. 123). Fora isso, o interesse da vítima, no processo instaurado em razão da violência, não está atrelado exclusivamente à punição criminal de seu agressor, vai mais além. Na maioria das vezes, ela o quer livre de violência. Recordese, aqui, a lição extraida do voto da lavra do Ministro Arnaldo Esteves Lima, proferido quando do julgamento do HC 110965, pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça: "o processamento do ofensor, mesmo contra a vonta-

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de da vítima, não é a melhor solução para as famílias que convivem com o problema da violência doméstica, pois a conscientização, a proteção das vítimas e o acompanhamento multidisciplinar com a participação de todos os envolvidos são medidas juridicamente adequadas, de preservação dos princípios do direito penal e que conferem eficácia ao comando constitucional de proteção à família". Ademais, em um cenário em que predomina a violência doméstica decorrente do consumo de álcool e drogas, a medida que se revela mais eficaz é a assistência psicológica, com vistas a restaurar o equilíbrio emocional, e o tratamento adequado aos alcoolistas e drogaditos, sob o patrocínio da rede pública de saúde, nesse quesito, ineficaz. Por fim, endurecer a lei, como pretendem muitos, para suprimir da mulher o poder de decidir se haverá ou não a continuidade do processo em que é vítima de agressões leves, é, de um lado, subestimar a capacidade feminina de autodeterminação e, de outro, apenas tornar mais fácil a tarefa do julgador e do Ministério Público, que não serão obrigados a ouvi-la, para constatar se a retratação à representação decorre de seu livre arbítrio. Para nós, que lidamos diariamente com esse tipo de lide, acertadamente, e em boa hora, a questão da natureza jurídica da ação penal nas lesões corporais leves em situação de violência doméstica, ao ser aclarada, privilegiou a mulher, que não quer ser privada de sua liberdade, da tutela de suas ações e da decisão sobre os rumos do seu destino. Essa mulher, que, segundo levantamento do IBGE, representa 51% da população brasileira, 47,2% da força de trabalho disponível, é mais escolarizada do que os homens (9,2 anos de estudo para 8,2), gera mais de 38% dos lares brasileiros, e é recordistas em aprovação em exames vestibulares, deve ser remetida à condição de "relativamente incapaz"? Por óbvio, que não! Por favor, respeitem a mulher. 49


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MEDIAÇÃO FORENSE EU T ÁLI A M A C IEL C O U T INH O E MÁ R C I A T E R EZINH A G O ME S A M A R A L juízas de direito aposentadas do tjdft mediadoras e coordenadoras do serviço de apoio aos núcleos de mediação cível e de família

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mediação é um processo no qual um terceiro, denominado mediador, em ambiente de neutralidade e imparcialidade, auxilia as pessoas em conflito a estabelecerem a comunicação necessária à realização de uma negociação capaz de conduzir a um acordo mutuamente aceitável. A mediação pode ocorrer tanto no âmbito público quanto no âmbito privado e quando instituída pelo Poder Judiciário é denominada mediação forense ou mediação judicial. Em 5 de maio de 2009, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal editou a Resolução n. 5, a qual instituiu o Sistema Múltiplas Portas de Acesso à Justiça, sendo que o Serviço de Apoio aos Núcleos de Mediação Cível e de Família – Sermec, constitui-se em uma das portas do aludido Sistema. Nas sociedades contemporâneas surgiu a necessidade de serem resgatados os meios alternativos de solução de conflitos, conhecidos pela sigla ADR – Alternative Dispute Resolution, não apenas com o intuito de desafogar o Judiciário, mas, principalmente, como método eficaz de prestação de justiça e de pacificação social. A mediação já é bastante difundida em vários países como os Estados Unidos, Canadá, França e Argentina. Observa-se grande mudança de paradigma quando se compara o processo tradicional ao processo de mediação, mormente porque, naquele caso, um ou mais magistrados decidem o litígio en50

quanto que o mediador não profere despacho, decisão ou sentença. O poder de decisão pertence às pessoas em conflito. O mediador, sem fazer pressão e aplicando técnicas próprias, apenas auxilia os envolvidos a encontrarem, eles mesmos, uma solução para a questão. A mediação forense tem como principais características a celeridade, a oralidade, a confidencialidade e a flexibilidade. A mediação é célere uma vez que geralmente se encerra em apenas algumas sessões, designadas em pequenos intervalos de tempo. É confidencial porque o mediador não deve divulgar o que ocorre durante as suas sessões. Diz-se que a mediação é um processo conversacional, pois, em geral, se desenvolve apenas com base no diálogo. O único documento escrito é o acordo. A flexibilidade tem a ver com a liberdade para fixação de regras compatíveis com as circunstâncias do caso concreto. Destaca-se, como grande novidade da mediação, a abordagem emocional, o que ajuda a melhorar a comunicação e o relacionamento das pessoas envolvidas no conflito. Existe um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional, que visa institucionalizar e disciplinar a mediação. Mas a mediação já vem sendo amplamente aplicada, tanto pelos tribunais como por entidades privadas e profissionais autônomos, em todo o País. O Sermec é acionado a critério do magistrado, conquanto gestor do pro-

cesso, o qual decide de ofício ou a requerimento das partes sobre a remessa dos autos, quando a mediação se mostrar a opção mais adequada para a resolução do caso concreto. Em síntese, a mediação é especialmente indicada para aqueles casos em que se faz presente elevado nível de emoção e nos quais há necessidade de manutenção de certo grau de relacionamento futuro entre as pessoas envolvidas na disputa, como ocorre com os conflitos oriundos de relações familiares e de vizinhança. Finalmente, considera-se que a mediação é uma grande aliada da Justiça tradicional, pois além de contribuir para um efetivo acesso à Justiça, poderá contribuir, a longo prazo, para a redução do número de processos judiciais, tendo em vista o seu caráter preventivo. Eutália Maciel Coutinho e Márcia Terezinha Gomes Amaral, juízas de Direito aposentadas do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, mediadoras e coordenadoras do Serviço de Apoio aos Núcleos de Mediação Cível e de Família – SERMEC. Referência bibliográfica

AMARAL, Márcia Terezinha Gomes. O Direito de Acesso à Justiça e a Mediação. Lumen Juris. 2009. AZEVEDO, André Gomma (org). Manual de Mediação Judicial. Ministério da Justiça. 2009; MOORE, Christopher W. O Processo de Mediação. Artmed, 2ª edição.

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