Revista Dialogar N 03 TRT6

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REVISTA DIALOGAR  · DEZEMBRO / 2014 - MARÇO / 2015


CARTA AOS LEITORES A dialogar chega a sua terceira edição. Neste número a revista viaja ao passado para trazer a repercussão da greve dos canavieiros, de 1979. Esse movimento paredista na Zona da Mata pernambucana marcou o início da mudança das condições de trabalho da classe e influenciou as negociações nos 35 anos que se seguiram, com pioneira atuação do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região. As mudanças do Judiciário Trabalhista ao longo dos anos, o papel desta Justiça Especializada na construção do Estado Democrático de Direito no Brasil e a reforma na Consolidação das Leis Trabalhistas (clt) foram alguns dos assuntos discutidos na entrevista com o ministro aposentado Carlos Alberto Reis de Paula, ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (tst) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (csjt). A contribuição da Educação a Distância na construção da democratização do conhecimento é outro assunto de relevante importância, que aparece em “Conhecimento disponível em qualquer lugar e a todo momento”. “Brasileiros pelo Mundo” aborda o cotidiano de emigrantes que deixam o país em busca de novas experiências e melhores condições profissionais. A reportagem traz histórias de brasileiros nos cinco continentes. Tema atual e em evidência após a edição da Lei do Descanso, no início de março de 2015, a rotina dos caminhoneiros é revelada em “Uma Jornada sobre-humana”. Outra questão polêmica aparece em “Profissão tem cor e classe”. A matéria mostra a divisão a partir da renda, da etnia, da cor e do sexo, capaz de determinar o perfil profissional das pessoas e seu lugar na sociedade. As inscrições rupestres, que datam da Pré-História, retratando cenas de caça a animais e coleta de frutas e mel, trazem a ideia da dependência da natureza para subsistir. “Trabalho na Pré-História” apresenta as principais atividades do homem no período e os primórdios e a evolução do trabalho até os dias atuais. Esta terceira edição traz ainda o ensaio fotográfico de Stela Maris, que registrou diversas atividades, muitas das quais penosas, realizadas por mulheres ao redor do mundo. Boa leitura.

Eugenio Jerônimo Chefe do Núcleo de Comunicação Social do TRT6


Expediente TRT da 6ª Região Cais do Apolo, 739 Bairro do Recife 50.030-902 Recife PE Imprensa: 81 3225 3216 dialogar@trt6.jus.br

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PRESIDENTE Gisane Barbosa de Araújo VICE-PRESIDENTE Virgínia Malta Canavarro

DESEMBARGADORES FEDERAIS DO TRABALHO Eneida Melo Correia de Araújo André Genn de Assunção Barros Ivanildo da Cunha Andrade Gisane Barbosa de Araújo Pedro Paulo Pereira Nóbrega Virgínia Malta Canavarro Valéria Gondim Sampaio Ivan de Souza Valença Alves Valdir José Silva de Carvalho Dione Nunes Furtado da Silva Maria Clara Saboya Albuquerque Bernardino Nise Pedroso Lins de Sousa Ruy Salathiel de Albuquerque e Mello Ventura Maria do Socorro Silva Emerenciano Sergio Torres Teixeira Fábio André de Farias Paulo Alcantara

Elysangela Freitas

CORREGEDOR Ivan de Souza Valença Alves

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SECRETÁRIO-GERAL DA PRESIDÊNCIA Sérgio Ricardo Batista Mello DIRETOR-GERAL Wlademir de Souza Rolim

Danilo Galvão

SECRETÁRIA DO TRIBUNAL PLENO Nyédja Menezes Soares de Azevedo EDIÇÃO Núcleo de Comunicação Social do TRT-PE (NCS) CHEFE DO NCS Eugenio Jerônimo REDATORES NCS: Eugenio Jerônimo · Mariana Mesquita Helen Falcão · Fábio Nunes · Jaqueline Fraga · Marcos Carvalho | Signo Comunicação: Patrícia Castelão · Francisco Shimada

REVISÃO Eugenio Jerônimo | Mariana Mesquita

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Elysangela Freitas

FOTOGRAFIA NCS: Stela Maris · Elysangela Freitas | Signo Comunicação: Danilo Galvão

IMPRESSÃO Gráfica e Editora Liceu (Tiragem: 1.000 exemplares)

Caminhoneiros: luta por dignidade ao volante

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ESTAGIÁRIOS DE JORNALISMO Jaqueline Fraga e Marcos Carvalho

PROJETO GRÁFICO e DIAGRAMAÇÃO NCS: Simone Freire · Gilmar Rodrigues | Signo Comunicação: Micaele Freitas

A relação do homem da Pré-História com o trabalho

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Atuação pioneira do trt-pe nos dissídios coletivos dos canavieiros


48

Mão de obra brasileira em

na etnia e nas profissões

60

O dia a dia dos garçons

28

Músico, um produtor

64

A arte em tipos

04

Entrevista

16 24

O avanço do ensino a distância

Divisão social expressa

de bens de consumo?

todos os continentes

Colunas Na prateleira

Acervo / FNPETI

41 Carlos Alberto Reis de Paula Ex-presidente do tst/csjt

68

Opinião

42

Ensaio fotográfico Labor das Deusas Stela Maris

O direito à memória como direito humano Eneida Melo

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Entrevista

Ministro Carlos Alberto Reis de Paula

Ilustração: Mica Freitas

Stela Maris

Por: Francisco Shimada

Ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (tst) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (csjt), o ministro Carlos Alberto Reis de Paula é o entrevistado desta terceira edição da Dialogar. Aposentado compulsoriamente em fevereiro de 2014 e com, aproximadamente, 35 anos de dedicação à causa trabalhista, o magistrado fala sobre as mudanças ocorridas na Justiça do Trabalho ao longo dos anos.

N

esta entrevista, o ministro Car-

Mineiro de Pedro Leopoldo,

chegou ao Tribunal Regional do

los Alberto comenta o papel da

Carlos Alberto Reis de Paula nasceu

Trabalho da 3ª Região (trt-mg)

Justiça do Trabalho na construção do

em 26 de fevereiro de 1944. Iniciou

por merecimento e ingressou no

Estado Democrático de Direito no

a carreira pública como professor

tst em 1998. Bacharel em Direito

Brasil e analisa a competência do Ju-

do Colégio Estadual de Pedro Leo-

pela Universidade Federal de Minas

diciário Trabalhista. O diálogo com a

poldo e foi aprovado em concurso

Gerais (ufmg) e licenciado em Filo-

sociedade, o grau de padronização das

para técnico de controle externo do

sofia pela Faculdade de Divinópolis,

decisões, a jurisprudência defensiva e

Tribunal de Contas da União. Na

o ministro Carlos Alberto é mestre

a reforma na Consolidação das Leis

magistratura, foi juiz do Trabalho

e doutor pela Faculdade de Direito

Trabalhistas (clt) também são alguns

substituto da 3ª Região, presidiu

da federal mineira, professor uni-

dos temas abordados na conversa.

Juntas de Conciliação e Julgamento,

versitário e autor de diversos livros.

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Ministro Carlos Alberto, é possí-

A partir da Emenda Constitu-

do melhor serviço à sociedade, com

vel imaginar o Estado Democrático

cional número 45/2004, quais os

todos os mecanismos de ação cria-

de Direito no Brasil sem a existên-

principais avanços da Justiça Tra-

dos por força dessa atribuição ins-

cia da Justiça do Trabalho?

balhista? Em quais pontos ainda se

titucional. Entendo que houve uma

fazem necessários avanços?

aproximação entre a sociedade e o

Para se entender a importância

Poder Judiciário.

da Justiça do Trabalho na estrutu-

O grande avanço da Justiça do

ração do Estado Democrático de

Trabalho com a Emenda Consti-

Direito é indispensável que se firme

tucional (ec) nº 45/2004 decorreu

que os seus princípios fundantes

da ampliação de sua competência,

Principalmente a partir da ec

são a dignidade da pessoa humana

agora alcançando toda e qualquer

45/2004, parece-me que cresceu a

e os valores sociais do trabalho e

relação de trabalho. A consequên-

preocupação na Justiça do Trabalho

da livre iniciativa. No nosso regime

cia imediata foi a maior projeção

com o diálogo com a sociedade. É

capitalista, há de se correlacionar

da própria Justiça do Trabalho no

fundamental que haja essa aproxi-

a função social da empresa com a

concerto dos demais ramos do Judi-

mação, porquanto nós falamos para

valorização do trabalho humano,

ciário. Há de se destacar, também, a

a sociedade, através de nossa atua-

sendo valor prevalente a dignida-

previsão de criação, pelos Regionais,

ção jurisdicional. Essa indispensável

de da pessoa humana. Nessa ótica

da justiça itinerante assim como o

aproximação está inclusive presente

é que se situa o Direito do Traba-

funcionamento descentralizado dos

no disposto no artigo 93, vii, intro-

lho e a Justiça do Trabalho, para

trts, por meio de Câmaras Regio-

duzido pela ec 45, válido para todos

garantir esse valor máximo com o

nais. Entendo também como rele-

os magistrados, quando estabelece

assento constitucional do princípio

vante na mencionada ec a criação

que “o juiz titular residirá na res-

da igualdade, vetor dos direitos e

do cnj para a instituição de uma es-

pectiva comarca, salvo autorização

garantias fundamentais.

tratégia de ação da Justiça em busca

do tribunal”.

A Justiça do Trabalho tem dialogado com a sociedade?

“Para se entender a importância da Justiça do Trabalho na estruturação do Estado Democrático de Direito é indispensável que se firme que os seus princípios fundantes são a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.”

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Qual o principal papel da Justiça

Uma parcela da sociedade acha

A exacerbação na análise dos

do Trabalho na busca de uma rela-

que a Justiça do Trabalho protege ex-

requisitos de admissibilidade dos

ção harmônica entre empregados e

cessivamente o trabalhador...

recursos, conhecida como jurispru-

empregadores?

A Justiça do Trabalho sempre so-

dência defensiva, como todo exagero,

Na busca de uma relação har-

frerá críticas, por se opor sempre a

há de ser evitada, com o gravame de

mônica entre empregados e empre-

tudo que desvalorize o trabalho, e

impedir uma resposta do Judiciário

gadores, a Justiça do Trabalho deve

não se reconheça ao trabalhador a

à pretensão que lhe foi levada para

abrir suas portas para dialogar com

sua dignidade. Óbvio que esse não

julgamento. É a filosofia presente no

os dois segmentos, assim como, à

é o único valor a ser considerado,

disposto no § 11 do artigo 896 da clt,

medida do possível, trazê-los, por

mas sempre terá primazia em rela-

introduzido pela Lei nº 13.015/2014,

meio de seus legítimos representan-

ção a outros. O caput do artigo 170,

ao estabelecer que “quando o recurso

tes, para um diálogo a ser celebrado

ao cuidar dos princípios gerais da

tempestivo contiver defeito formal

nos próprios tribunais, ou mesmo

atividade econômica, consagra que

que não se repute grave, o Tribunal

varas, quando a questão for relevan-

a ordem econômica é fundada na

Superior do Trabalho poderá descon-

te e no âmbito de sua jurisdição. De-

valorização do trabalho humano e

siderar o vício ou mandar saná-lo,

vemos, também, procurar manter

na livre iniciativa.

julgando o mérito”. A aplicação do

Com o aumento da procura dos

princípio da duração razoável do

República, não só para a elaboração

cidadãos pela Justiça do Trabalho,

processo, de índole constitucional,

ou a alteração da legislação como

como o senhor analisa a jurisprudência

é um grande desafio que há de ser

também para ações conjuntas.

defensiva e a duração de um processo?

enfrentado diariamente por todos

Acervo tst

contatos com os demais poderes da

“A Justiça do Trabalho sempre sofrerá críticas, por se opor sempre a tudo que desvalorize o trabalho, e não se reconheça ao trabalhador a sua dignidade.”


os magistrados, para o que se deve

soluções extrajudiciais de solução

Não se pode olvidar que o ideal é

tentar encontrar soluções individuais

de conflitos. Para a Justiça do Tra-

que a atuação do Judiciário sempre

e coletivas. Certo ser necessário que

balho a Constituição da República

gere segurança e previsibilidade. A

se busque ter magistrados, sempre

previu (art. 114, § 1º) a arbitragem

surpresa não pode ser uma das ca-

comprometidos com a sua tarefa ins-

no dissídio coletivo. Tanto para o

racterísticas da atuação jurisdicio-

titucional, em número adequado à

dissídio individual como para o

nal. A Lei nº 13.015, de 21 de julho de

demanda e que a informática seja um

dissídio coletivo, a clt estabelece a

2014, que fez alterações substanciais

instrumento eficaz e eficiente para

obrigatoriedade da tentativa de con-

no sistema recursal trabalhista, re-

auxiliá-los, assim como os advogados

ciliação. Continuo a entender que,

vela essa preocupação quando, no

e servidores, nesse grande desafio.

atualmente, esses institutos não de-

§ 3º do art. 896 da clt, estabelece a

A aplicação das formas extraju-

veriam ser introduzidos para o dis-

obrigatoriedade da uniformização

diciais de solução de conflitos, como

sídio individual, em que a atuação

da jurisprudência dos Tribunais

a arbitragem e a mediação, é correta?

do Estado não deve ser substituída

Regionais do Trabalho. Da mesma

Essas alternativas devem ser utiliza-

por particular. Creio que podemos

forma quando, pelos artigos 896-B

das até que ponto?

criar mecanismos e procedimentos

e 896-C, cuida dos recursos repeti-

que facilitem a conciliação traba-

tivos. De outra sorte, ao tratar da re-

lhista já prevista legalmente.

visão da jurisprudência firmada em

Sabemos que o Congresso tem em sua pauta dois projetos sobre mediação e um projeto sobre ar-

Que observações podem ser feitas

julgamento de recursos repetitivos,

bitragem, esse último alterando

sobre o grau de padronização das de-

prevê a modulação dos efeitos da

a Lei nº 9.307, de 23.09.1996. São

cisões no ramo trabalhista?

decisão que altera a decisão anterior,

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tudo em nome da segurança jurídi-

os interesses do empregador. Não

tecnológico ou mesmo estrutural.

ca das relações firmadas sob a égide

pode haver desenvolvimento com

Não me oponho à terceirização, não

da decisão anterior.

a desvalorização do trabalho.

posso é me filiar a soluções que pre-

Uma reforma na Consolidação das Leis Trabalhistas (clt) deve ser discutida? Qual seria a legislação

A terceirização causa incômodo na Justiça Trabalhista?

carizem o trabalho. O Processo Judicial eletrônico da

Sobre terceirização, tema hoje de

Justiça do Trabalho (pje-jt) já pode

repercussão geral, por decisão do

ser considerado um projeto exitoso?

Pessoalmente entendo que não

stf, há de se destacar a sua grande

Por quê?

é conveniente no atual momen-

presença no universo do trabalho.

O Processo Judicial Eletrônico

to pensar-se em reforma geral da

O número de processo em que se

da Justiça do Trabalho está implan-

clt. Como fruto principalmente

discutem direitos decorrentes de

tado em todos os Tribunais Regio-

do diálogo entre empregados e

terceirização é muito expressivo. Pa-

nais e sua abrangência, respeitadas

empregadores podem ser levadas

rece-me que a solução dada pelo tst

as diferenças de situação, se amplia

a termo alterações pontuais. Se

por meio da Súmula 331 tem fun-

gradativamente. Sob esse ângulo,

bem observamos, a clt, ao longo

damentos no nosso ordenamento

a Justiça do Trabalho é pioneira e

do tempo, foi alterada inúmeras

jurídico. O que me parece relevante

avalio que o projeto, cuja implan-

vezes. A regulamentação sobre fé-

é que ao se aplicar os princípios lá

tação teve início em 2012, é exitoso.

rias, por exemplo, foi amplamente

assentados se tenha sensibilidade

No nosso entender, a preocupação

alterada. O objetivo de qualquer

para as alterações que ocorrem no

maior há de ser com a acessibili-

alteração deve sempre ser a prote-

campo dos fatos quer no campo

dade, a segurança e a estabilida-

ção do empregado conjugada com

social, de governança, no âmbito

de do sistema, pelo que não pode

trabalhista ideal para o país?

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“Na condução do tst e do csjt procurei estar conforme o entendimento consensual dos meus colegas ministros, o que sempre foi o alicerce de nossa conduta.”

prevalecer a preocupação de apenas

O exercício da Presidência do

Após atuar em todas as esferas do

expandi-lo. Com a obrigatória alte-

tst, de 05 de março de 2013 a 25

Judiciário, qual o maior aprendizado

ração de rotinas, indispensável que

de fevereiro de 2014, foi um dos

adquirido e qual o maior ensinamen-

haja uma adaptação de advogados,

maiores privilégios da minha vida.

to transmitido?

servidores e juízes ao novo instru-

Tive condições de conhecer melhor

A minha jornada na Justiça do

mento de trabalho, que deve estar

a própria Justiça do Trabalho, não

Trabalho iniciou-se em 6 de junho

a serviço do processo.

apenas em sua estrutura, mas prin-

de 1979, com a posse como juiz do

Como o senhor avalia ações espe-

cipalmente em sua dinâmica. Pude

Trabalho substituto no trt da 3ª

cíficas da Justiça Trabalhista, a exem-

me relacionar institucionalmente

Região, e foi sendo tecida ao longo

plo do programa Trabalho Seguro e do

com os outros poderes da Repúbli-

do tempo com desafios, acertos e

enfrentamento ao trabalho infantil?

ca, bem como com representações

desacertos, mas continuamente com

Sempre me pareceram como

sindicais e associativas. Adicionan-

a determinação de bem servir. Para

iniciativas elogiáveis por significar

do meu biênio como corregedor-ge-

a minha vida fica a grande lição da

a participação do Judiciário Traba-

ral da jt, pude conviver com juízes

importância de se ouvir o outro e

lhista em questões fundamentais

de primeiro e segundo graus, dignos

o respeito a pontos de vista con-

vinculadas ao trabalho, no que diz

de admiração por seu profissionalis-

trários, o que sempre nos ajuda a

respeito à dignidade da pessoa hu-

mo e talento. Na condução do tst e

melhor refletir e decidir. Principal-

mana, e uma forma de estabelecer

do csjt procurei estar conforme o

mente a compreensão de que sem-

um diálogo com a própria sociedade.

entendimento consensual dos meus

pre se deve procurar o consenso,

O que significou presidir o Tri-

colegas ministros, o que sempre foi

que será a força a nutrir as ideias e

o alicerce de nossa conduta.

os projetos.

bunal Superior do Trabalho?

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A noção de trabalho na Pré-História Texto: Eugenio Jerônimo

O

grande número de desenhos

esse ponto coincidente não impe-

arqueólogo Onésimo Santos. “De

em cavernas e superfícies ro-

de o desenvolvimento de aspectos

fato, as ferramentas de pedra desta

chosas elevadas – as chamadas ins-

singulares em cada comunidade de

época são mais abundantes e tec-

crições rupestres – no Brasil forne-

indivíduos, sobretudo do conjunto

nicamente superiores àquelas dos

cem elementos para a compreensão

de técnicas desenvolvido para mo-

períodos posteriores e até dos grupos

do modo de vida e da organização

dificar a própria natureza, tais como

indígenas que ainda as utilizavam

social do homem na Pré-História.

armas de caça, modos de pesca e

no momento dos primeiros conta-

Nas pinturas são frequentes as cenas

instrumentos para a agricultura.

tos com os europeus”, continua o

de animais abatidos, transpassados

Com uma melhor adaptação

por flechas ou cercados por grupos

desses grupos – que migraram da

Embora em todas as eras a fun-

de caçadores. Também aparecem

África há cerca de 12 mil anos – aos

ção do trabalho como garantia da

desenhos que retratam coleta de

trópicos, foi ocorrendo a substitui-

sobrevivência e da integridade físi-

frutas e mel, além da pesca. Esse

ção das ferramentas de pedra por

ca dos membros do grupo social se

conjunto de painéis demonstra as

outras de origem orgânica. Assim,

mantenha, cada civilização tem seus

principais atividades do trabalho do

eles passaram a utilizar “dentes de

valores próprios, os quais fazem com

homem no período pré-histórico.

roedores para cortar e raspar, con-

que em cada época e lugar a motiva-

A dependência da natureza para

chas de molusco e lascas de taqua-

ção para o trabalho seja única.

subsistir é um traço comum aos

ra para cortar, dentes de tubarão

Quando falamos em trabalho

diversos grupos do período. Mas

para as pontas de flechas”, revela o

na Pré-História, estamos falando

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arqueólogo.


Onésimo Santos

de algo bem diferente dessa práti-

pesca – que também pode ser prati-

natureza, modificando-a para aten-

ca no mundo contemporâneo, na

cada pelas mulheres –, a derrubada

der suas necessidades de sobrevi-

dita pós-modernidade, com o apa-

de grandes árvores, a confecção de

vência. A coleta de frutos, a caça, a

gamento das fronteiras geográficas

ferramentas para estas atividades. Às

pesca e a construção de abrigos são

e a volatilização do capital.

mulheres cabe a criação dos filhos, a

exemplos de trabalho nessa época”,

Na sociedade de nossos lon-

coleta de alimentos vegetais, as ati-

explica.

gínquos antepassados, conceitos

vidades de processamento dos ali-

Reflexo da organização do traba-

centrais na economia atual como

mentos e confecção de ferramentas e

lho, que não separava a sociedade

jornada de trabalho ou acúmulo

utensílios ligados a estas atividades”,

em classes, o tipo de organização

de bens e riquezas eram inexisten-

informa o pesquisador.

governamental também era muito

tes. Também não havia divisão de

O produto do trabalho, coleti-

diferente das formas de governo

classes sociais e consequentemente

vamente realizado, visava a suprir

conhecidas nas sociedades moder-

nenhum rudimento da ideia da re-

as necessidades imediatas de ali-

nas. “Por analogia com os grupos

lação entre capital e trabalho.

mentação, pertencia a todos e era

indígenas atuais ou extintos sabe-

igualmente partilhado.

mos que na Pré-História havia sim

Pode-se atribuir à divisão sexual do trabalho uma grande diferença

Segundo Onésimo Santos, no

organização social, embora o tipo

entre o trabalho na Pré-História e o

período da Pré-História o trabalho

de governo seja bastante diverso

trabalho contemporâneo. “Aos ho-

tem de ser interpretado “no sen-

do nosso. O mais comum é que o

mens tocam as caçadas, às vezes a

tindo da ação do homem sobre a

cacique ou chefe seja pouco mais que

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um líder das operações de guerra e

desastrosas para a coesão do grupo”,

e instrumentos usados por nossos

que seja tratado em outros contextos

informa Onésimo.

ancestrais. Era comum a todos os

como um membro normal”, conti-

À primeira vista parece haver con-

grupos a tecnologia do fabrico de

nua Onésimo Santos. Entretanto, tal

tradição no fato de que, nômades, as

machados de pedra, raspadores, fu-

modelo de arranjo governamental

tribos pré-históricas fizeram pinturas

radores, facas de sílex, pilões, pontas

não exclui o clã do chefe do gozo

tão duradouras, chegado até aos nossos

de flechas. Fragmentos descobertos

de privilégios e da legitimação de

dias. Mas não se verifica incompati-

em muitos sítios atestam o domínio

um certo prestígio entre os demais.

bilidade, primeiro porque não existe

da produção de objetos de cerâmica

Este tipo de governo caracteriza-se

indicação de propósito de construir

como pratos, alguidares ou urnas

essencialmente porque não com-

uma obra duradora e depois porque

funerárias, destas últimas há mui-

pete ao cacique a administração da

esse nomadismo se realizava dentro

tos exemplares em íntegro estado

Justiça. “Conhecemos, por exemplo,

de certos limites territoriais, com os

de conservação.

o caso dos Tupinambás onde um

indivíduos voltando periodicamente

A noção de tempo é outro com-

assassinato era punido com a exe-

a alguns locais com fartura d’água e

ponente que diferencia radicalmen-

cução do assassino pelos seus mais

abundância de frutas ou com impor-

te o trabalho no mundo dos nossos

próximos parentes, com o objetivo

tância para celebração de rituais.

distantes antepassados e o da épo-

claro de evitar qualquer possibi-

Objetos encontrados em esca-

ca em que vivemos. A técnica de

lidade de vingança ou o início de

vações de sítios arqueológicos re-

fabricação de embarcações, ainda

uma guerra de famílias, que seriam

velam com segurança os utensílios

comum entre as tribos indígenas quando os europeus aqui chega-

Deyvesson Gusmão/IPHAN

ram, serve para pensarmos de forma mais concreta a relação do homem da Pré-História com o tempo. Necessitando de uma canoa para lançar-se ao rio e pescar, os índios escolhiam uma árvore ideal para a embarcação. Como não possuíam machados eficientes para enfrentar um caule de grande circunferência e solidez, arrancavam a casca da árvore. Pacientemente aguardavam que a madeira secasse. Depois, no início do tronco, colocavam fogo, que era um importante elemento de seu acervo tecnológico, derrubando a árvore. Também com fogo Além da sobrevivência. Para o arqueólogo Onésimo Santos, o homem da Pré-História dividia os esforços entre o trabalho destinado às necessidades essenciais e as expressões rituais e artísticas

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retiravam madeira da tora, dando forma ao interior da canoa. Assim,


Domínio público

decorriam alguns meses entre a es-

feitas de pedra, foi inclusive utilizado

colha da árvore destinada à fabrica-

como parâmetro para atestar a feitu-

ção da canoa e o seu lançamento no

ra humana dos primeiros artefatos

rio. Tempo que era cumprido sem

deste tipo descoberto e estudados

pressão, não havia, o que é demais

na Pré­História europeia. Se fez na-

óbvio, o conceito do capitalismo de

quela época uma analogia bastante

que “tempo é dinheiro”.

simples, mas nem por isso falsa. Se

Algumas tribos indígenas da

os indígenas da América utilizam

atualidade que vivem em espaços

um machado de pedra como estes

remotos com nenhum ou pouco

que encontramos na Europa, estes

contato com o dito mundo civili-

aqui também são machados de pedra

zado dão uma boa ideia do modo de

e foram utilizados por grupos pré-­

vida dos povos primitivos. Caracte-

históricos”, explica Onésimo.

rísticas, tais como o nomadismo, a

Mudanças importantes nas ati-

dedicação à coleta de frutas e à caça,

vidades do homem da Pré-História

marcantes no cotidiano do homem

começaram a acontecer com o cul-

da Pré-História brasileira, continuam

tivo de plantas, o que, de maneira

presentes no dia a dia desses povos.

incipiente, pode ter tido início por

“De fato o modo de vida de grupos

volta de 5 mil anos, no Brasil.

indígenas das américas, especialmen-

No intervalo entre o ano 1000

te a utilização de certas ferramentas

aC e 1000 dC, a Amazônia teve uma

2

Fotos: Onésimo Santos/ Museu Câmara Cascudo – UFRN

1

3

1- Raspador 2 e 3 - Lâminas de machados

A noção de tempo é outro componente que diferencia radicalmente o trabalho no mundo dos nossos distantes antepassados e o trabalho da época em que vivemos.

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agricultura com técnicas bastante

como o cará e cultivavam também

como espécie de cerimônia ritual e

avançadas e os recursos que dela se

o fumo, mas essas plantações não

expressão artística.

originaram propiciaram a formação

tinham importância significativa

Afirma o arqueólogo Onésimo

de populosas aldeias, quase cidades,

para a sobrevivência desses últimos.

Santos que “O trabalho na Pré­-

com milhares de habitantes. Mas,

Entretanto nem todo o esforço do

História também difere do trabalho

como aconteceu em outros aspec-

homem primitivo era direcionado

nos dias de hoje pela parte que era

tos, o desenvolvimento da agricul-

à satisfação das necessidades essen-

dedicada à modificação da nature-

tura não se deu uniformemente.

ciais tais como alimentar-se, abrigar-­

za por motivações que vão além da

Essa gradação se observa também

se do sol e da chuva e proteger-se de

universal satisfação das necessidades

quanto aos indígenas que viviam

animais ferozes. As pinturas rupes-

de sobrevivência biológica. Por de-

aqui à época da chegada dos euro-

tres com cenas de caça e dança não

finição, uma atividade ritual é antie-

peus. Os Tupi cultivavam a mandio-

constituíam uma atividade prática,

conômica, ou seja, nela se despende

ca e o milho, enquanto os Jê plan-

transcendem as exigências materiais

mais que se ganha energia necessária

tavam raízes de ciclo mais curto

do dia a dia e podem ser entendidas

à sobrevivência do grupo humano.”

Imensas e fantásticas figuras Os geoglifos, que vemos na foto abaixo, são sulcos e banquetas de terra construídos ao longo do ano mil depois de Cristo. Essas construções localizam-se principalmente no Amazonas e no Acre. Alguns deles têm centenas de metros de tamanho com quase três metros de profundidade. Embora ainda se saiba pouco sobre essas grandes figuras esculpidas no solo, o certo é que elas não se ligam a exigências materiais dos habitantes da Pré-História, e sim

Onésimo Santos

sugerem a prática de algum culto.


A Ouvidoria do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região é um serviço oferecido ao cidadão para receber críticas, denúncias ou sugestões, visando ao aprimoramento das atividades jurisdicionais.

Ouvidoria como um canal permanente de comunicação entre a sociedade e o TRT6.


Conhecimento disponível em qualquer lugar e a todo momento A Educação a Distância (ead) possibilita que estudantes e trabalhadores, mesmo em regiões mais remotas, tenham acesso a variados conteúdos, ampliando suas perspectivas educacionais e profissionais

Ilustração: Mica Freitas / Foto: Stela Maris Texto: Fábio Nunes

C

ontribuindo para a democra-

das épocas, passando pelo rádio, tele-

menor socialização entre discentes

tização do ensino, principal-

visão, fitas de videocassete, cds, dvds,

e docentes, adaptação à tecnologia,

mente devido a sua eficácia e ao seu

teleconferências via satélite e mais

exigência de disciplina por parte do

alcance, a Educação a Distância (ead)

recentemente internet e redes sociais.

aluno e, no contexto da educação

vem constituindo-se numa ferra-

A modalidade, na qual a me-

corporativa, a dificuldade de con-

menta efetiva de apoio à aprendiza-

diação pedagógica ocorre com o

gem nos sistemas de ensino regular

uso de tecnologias de informação

Com sua ampla experiência na

e nas áreas de formação profissional.

e comunicação, com educadores e

área de Fundamentos da Educação,

Oficialmente, a modalidade surgiu

educandos em lugares/tempos di-

o professor da Universidade Fede-

no Brasil instituída pela Lei 9.394/96,

versos, apresenta benefícios como

ral de Pernambuco (ufpe) Sérgio

que estabelece as bases da educação

flexibilidade, redução de custos,

Abranches avalia que, com o uso de

nacional, porém a aplicação do ensino

ampliação de recursos didáticos e

tecnologias digitais, novas práticas

a distância já era efetiva, em 1939,

fácil acesso ao conhecimento. Con-

vão sendo introduzidas no cam-

através dos cursos “por correspon-

tudo, muitos aspectos podem inter-

po educacional e como os alunos

dência”, evoluindo com as tecnologias

ferir na eficácia do modelo, como a

têm maior familiaridade com esses

18

REVISTA DIALOGAR  · DEZEMBRO / 2014 - MARÇO / 2015

ciliar estudos e trabalho.


dispositivos do que os professores,

O professor Tiago Falcão, que

surge um aparente conflito. “O pro-

atua com ead desde 2009, é docente

fessor deve se apropriar dos recur-

do ifpe na área de Tecnologia da In-

sos tecnológicos e refletir sobre a

formação e comenta que a interação

nova forma de se relacionar com

nos cursos é feita através do moodle,

o aluno na era digital”. O docente

ambiente virtual de aprendizagem

explica que o papel do professor está

(ava) gratuito. O professor aponta

sendo deslocado, pois antes era um

que a atual qualidade da formação

personagem central e agora estão

no ensino básico e médio dificultam

sendo criadas novas formas de re-

a adaptação na modalidade. “O de-

lação social e de acesso ao conheci-

senvolvimento da autonomia é ne-

mento. “A interatividade é o elemen-

cessário para o estudante no ensino a

to principal para um bom processo

distância. Alguns ainda ficam muito

de aprendizagem, e ela deve estar

dependentes do modelo presencial”.

claramente explicitada no projeto

Aluno do quarto período do cur-

pedagógico do curso virtual”.

so tecnólogo em Processos Geren-

Um grande marco de desenvol-

cias da UnoparVirtual – braço ead

vimento da modalidade no país

da Uiversidade Norte do Paraná –,

foi a instituição da Universidade

Vicente de Paula escolheu fazer um

Aberta do Brasil (uab), criado em

curso na modalidade ead devido

distância, o Serviço Nacional do

2005 pelo Ministério da Educação

à vida profissional que leva. “Com

Comércio (senac) investe há dé-

(mec), que oferece cursos em ead

viagens pelo Brasil, fico impossi-

cadas nesta modalidade, oferecendo

de reconhecido nível. Em Pernam-

bilitado de estar sempre presente

cursos livres, cursos técnicos (al-

buco, a uab funciona em parceria

em sala. Com aulas via web, pode-

guns gratuitos), de graduação e de

com várias instituições, entre elas

mos estar no trabalho, em casa ou

pós-graduação, disponíveis em mais

o Instituto Federal de Educação,

qualquer outro lugar e não perder

de 250 polos presenciais pelo Brasil,

Ciência e Tecnologia (ifpe).

o conteúdo”, destacou.

sendo 6 polos em Pernambuco.

O ifpe, que iniciou na modali-

Henrique Mercês é tutor presen-

A coordenadora de pós-gradu-

dade em 2007, conta hoje com 2100

cial no polo Recife da Unopar Vir-

ação ead da Faculdade senac-pe,

alunos. Segundo a diretora de ead,

tual e explica que sua função é ser

Michelle Pinheiro, comenta que a

Fernanda Dornellas, o Instituto bus-

uma espécie de guia, que estimula

modalidade se consolida a cada ano

ca cada vez mais integrar o ensino,

e interage com os alunos. “O papel

com o crescimento das matrículas e

pesquisa e extensão. “Acreditamos

do tutor é acompanhar as ativida-

da variedade de cursos disponíveis.

na formação de um cidadão mais

des dos discentes, oferecer sua ajuda

“Alguns fatores contribuem para

completo e responsável socialmente,

como especialista e fazer a ponte

essa expansão, entre eles o aumen-

por isso, como meta vamos buscar

com os professores, além de gerar

to do poder de compra das classes

oferecer mestrado e doutorado, e

interesse e motivação no alunado”.

c e d, o crescimento econômico

disponibilizar novos cursos técni-

Uma das instituições do país

das cidades do interior e o aumen-

cos profissionalizantes e superiores”.

que mais se destaca no ensino a

to do investimento na qualificação

REVISTA DIALOGAR  · DEZEMBRO / 2014 - MARÇO / 2015

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profissional, motivado pela compe-

ead na formação profissional, que

à Gestão Estratégica, tema de rele-

titividade do mercado de trabalho”.

pode expandir-se nos próximos anos.

vância à atualização profissional de

Dados do Censo ead.br 2013/2014,

O projeto de educação corporativa

todos os servidores.

realizado pela Associação Brasileira

inclui educar o colaborador com

A Escola Judicial do trt-pe (ej)

de Educação a Distância (Abed),

foco curricular em treinamento.

também tem utilizado a ead para

registrou aumento de matrículas de

Alcançar o funcionário-aluno onde

oferecer cursos aos magistrados do

alunos nos cursos profissionalizantes

quer que ele esteja, a flexibilidade

Regional. Em 2011, a ej lançou um

de nível médio e em cursos tecno-

de tempo para o trabalhador e a

curso semipresencial (blended) para

lógicos de nível superior. Esse fato

redução de custos são os principais

formar magistrados como profes-

indica a tendência de ampliação da

motivos apontados para a adoção

sores em educação a distância e,

da modalidade pelas empresas.

em 2013, seu ambiente virtual de

Mais de 4 milhões de alunos matriculados na modalidade, num total de 15.733 cursos ofertados. Os cursos corporativos corresponderam a 3.775 ofertas. A maioria dos alunos de ead é do sexo feminino (61%), com idade entre 21 e 30 anos.

Como exemplo de educação

aprendizagem com o portal para

corporativa, o Tribunal Regional

ensino. A iniciativa maximizou a

do Trabalho da 6ª Região (trt-pe)

logística do Tribunal, diminui gas-

oferece aos seus servidores um es-

tos com o pagamento de diárias e

paço ava, com informações de uti-

deslocamento de pessoal, além de

lização da plataforma, tutoriais de

permitir a participação de um maior

livre acesso e fórum de discussão.

número de servidores-alunos. Esse

Em 2013, o Núcleo de Desenvolvi-

projeto foi apresentado em vários

mento de Pessoal do trt-pe, em

eventos pelo Brasil, sendo premia-

parceria com uma empresa de edu-

do no III Congresso Brasileiro de

cação corporativa, disponibilizou

Educação Corporativa do Judiciário

um pacote de cursos ead voltados

(conecjus 2013).

Ensino a Distância e evolução no tempo: 1900

1930

Correspondência

Rádio

20

REVISTA DIALOGAR  · DEZEMBRO / 2014 - MARÇO / 2015

1970

TV

Satélite


“Não há dúvidas, a educação a distância é o melhor meio para que todos, da capital ao sertão, tenham constante acesso a essa rede de conhecimento.”

Juiz Agenor Martins – ejtrt6

O coordenador da ej (biênio

quadro de pessoal habilitado para

que as ações em educação a distância

2013/2015), o juiz Agenor Martins

formatação de ambientes virtuais de

devem observar as peculiaridades

comenta que a ead é o melhor cami-

aprendizagem, design instrucional

locais e as particulares necessidades

nho para conferir uma capacitação

e tutoria on-line, ainda se percebe

do Tribunal. “A perspectiva é de que

qualificada para grande contingente

uma demanda reprimida cuja res-

a ej se desenvolva como fonte de

de servidores e magistrados, por eli-

posta exige maior infraestrutura

produção de conteúdo educacional

minar as barreiras de tempo e espa-

humana e material”.

para cursos e outras modalidades de

ço, e trazer a vantagem de otimizar

Embora o mercado possua boas

a utilização dos recursos públicos.

referências de centros educacionais

“Apesar das ações para ampliar o

em ead, o coordenador compreende

atividades formativas a distância”, destaca.

1980

1990

2000

2010

Fitas VHS

CD/DVD

Computador

Redes Sociais

REVISTA DIALOGAR  · DEZEMBRO / 2014 - MARÇO / 2015

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Uma jornada sobre-humana A Lei do Descanso busca, desde 2012, regular o tempo de trabalho dos caminhoneiros. Alguns deles chegam a dirigir mais de 24 horas sem parar.

Fotos: Danilo Galvão Texto: Helen Falcão

A

Lei 12.619 (Lei do Descanso), em

A jornada tem de ser fracionada,

intervalos para refeição e repouso

vigor desde 2012 e alterada em

de modo que, a cada cinco horas e

e foi incluída a obrigatoriedade de

02 de março de 2015 pela Lei 13.103, visa

meia dirigindo, o profissional des-

exames toxicológicos periódicos,

garantir o repouso de caminhoneiros,

canse por 30 minutos. Esses prazos

aos quais os motoristas deverão se

limitando a jornada diária de trabalho

podem ser dilatados, em situações

submeter na admissão, desligamento,

e o tempo ininterrupto de direção.

extraordinárias, pelo “tempo neces-

renovação de carteira de habilitação

Dentre outras previsões, de-

sário” para que o motorista chegue

e a cada dois anos e meio de contrato

termina que o condutor dirija, no

a um local que ofereça segurança e

com um empregador.

máximo, 10 horas por dia — oito

atendimento. Antes da alteração, o

Embora sejam indiscutíveis os

horas de jornada habitual e duas ex-

período ininterrupto de direção era

benefícios assegurados com as novas

traordinárias —, salvo em casos es-

de quatro horas e a jornada só pode-

leis, a falta de estrutura física, como

pecíficos em que a duração pode ser

ria ser excepcionalmente estendida

estacionamento protegido a distân-

estendida para 12 horas, dependen-

durante uma hora.

cias regulares, o baixo valor dos fre-

do de acordo ou convenção coletiva.

Permaneceram assegurados os

tes e exigência para cumprimento


de prazos muito exíguos, somados

havia: “Ela sabe, mas fica quieta.

Sua avaliação sobre a Lei 12.619/12

à ausência de fiscalização, acabam

Sabe que tem motorista que dirige

é positiva. Para ele, é uma quebra

impedindo sua completa aplicação.

de madrugada e que se enche de

de paradigmas, entre o respeito e o

“Se a gente for seguir a lei, nunca

rebite, mas, quanto mais rápido for

desrespeito ao motorista. O respeito à

a entrega, melhor para ela.”

condição biológica desse profissional,

vai entregar a mercadoria no prazo”, relatou o carreteiro, com 22 anos de

Números da Polícia Rodoviária

submetido a jornadas extenuantes

profissão, Lindomar Barbosa. Hoje

Federal de Pernambuco mostram

de trabalho. Mesmo assim, o procu-

autônomo, ele reclama das condi-

que, em 2013, houve 2.466 acidentes

rador reconhece que ainda é preciso

ções das estradas, da falta de pontos

envolvendo caminhões no estado de

superar algumas barreiras: “A entra-

de apoio para estacionar e do baixo

Pernambuco. Destes, 59 foram cau-

da em vigor da Lei foi seguida de

valor do frete: “Antes do Congresso

sados porque o motorista dormiu

uma oposição ao seu cumprimento

obrigar a gente a descansar, tinha

ao volante. Segundo os dados, os

de alguns setores, interessados em

que solucionar o valor do frete. Do

acidentes caíram em 2012, quando

manter o frete no valor que está”,

ano passado [2013] para cá, o die-

a Lei surgiu, mas voltaram a aumen-

expressou. Ele acredita que o rigor

sel já aumentou seis vezes e o frete

tar no ano seguinte. Em 2014, até

na fiscalização contribuirá para

continua o mesmo. Sempre quem

setembro, ocorreram 1.659.

o aumento dos valores, inclusive

fica no prejuízo é o caminhoneiro”.

A ocorrência de óbitos no trans-

porque dificultará a sonegação das

Ele revela que chegou a dirigir

porte terrestre supera os índices da

por 36 horas seguidas e que, por

construção civil. É o setor que mais

Além da questão dos prazos de

diversas vezes, já cochilou no vo-

mata no país, conforme informou o

entrega e dos baixos pagamentos,

lante. O mesmo já aconteceu com

procurador do Ministério Público

os carreteiros apontam como di-

Orlando Santana Filho, que, apesar

do Trabalho do Mato Grosso do Sul

ficuldade a falta de locais para es-

de vinculado a uma empresa, dirige

(mpt-ms) Paulo Douglas Almeida

tacionar e cumprir os 30 minutos

diariamente uma média de 18 ho-

de Moraes. Apesar de a infeliz po-

de descanso. Em razão da ausência

ras, destas, até 11 são contínuas. “Se

sição ter sido mantida após a legis-

de estacionamentos coletivos nas

não fizer, atrasa a entrega”, explicou.

lação, o procurador explica que, em

estradas, os motoristas recorrem

Questionado sobre a fiscalização da

2013, o número de óbitos no país

aos postos de gasolina. Nesses es-

transportadora, ele falou que não

caiu em 1.500.

tabelecimentos, porém, é comum a

horas-extras.

cobrança de taxas, entre R$ 10,00 e Número de acidentes envolvendo caminhões em Pernambunco

R$ 20,00, para permitir o pernoite do caminhão. Há locais que tam-

2011

2012

2013

bém cobram pelo uso do chuveiro

2014 (até setembro)

e exigem que o motorista abasteça. “Pátio pequeno, muito carro. Todo

3000 2500

ele agora cobrando. Pra dormir den-

2000 1500

tro do seu carro, você ainda paga

1000 500

10 conto”, falou o carreteiro Joelmir

0

Moura. O presidente do Sindicato Fonte: Polícia Federal de Pernambuco

dos Trabalhadores em Transportes

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Para fazer pausas periódicas, Rodolfo Domingos planeja as paradas antes de a viagem começar. Ainda assim, quando vai para Fortaleza (CE), costuma dirigir por 12 horas, para entregar a mercadoria a tempo

Rodoviários de Cargas nas Regiões

Para o procurador do trabalho Paulo Moraes a Lei é um divisor de águas entre o desrespeito e o respeito à dignidade do motorista

24

não se preparou para a Lei.

do Recife Metropolitano e Mata Sul

A despeito dessa opinião, o pro-

e Norte de Pernambuco (Sintra-

curador Paulo Moraes lembra que

cargas), Lourival Formiga, reforça

compete ao empregador garantir

a queixa: “Era para ter pontos de

condições dignas de trabalho para

apoio a cada 300 km”, afirmou.

seus funcionários. É, portanto, de

Na ausência de locais específicos

responsabilidade dos empresários

para atender ao previsto na Lei do

financiar os valores cobrados nos

Descanso, o profissional autônomo

postos e se empenhar na adequação

Rodolfo Domingos diz que calcula

dos locais de paradas existentes. “O

as paradas em postos conhecidos

empregador fica em uma posição cô-

antes de a viagem começar. Por

moda quando diz que não vai cum-

possuir um veículo pequeno, a fa-

prir a Lei porque não tem pontos de

cilidade de estacionar é maior, re-

parada, mas cabe à empresa dar essa

vela. Planejamento como esse é um

assistência. Não é um dever do Esta-

elemento importante para o presi-

do”, enfatiza. Alguns empregadores

dente do Sindicato das Empresas

reembolsam os caminhoneiros das

de Transporte de Cargas no Estado

taxas cobradas para estacionar, es-

de Pernambuco (Setcepe), Antônio

pecialmente no caso do “motorista

Gaspar de Oliveira. Contudo, ele

frota”, que trabalha com carteira assi-

avalia que os locais de parada são

nada. O autônomo, porém, costuma

pontos improvisados, sem estrutu-

pagar todas as despesas da viagem.

ra adequada e, ainda, alvos fáceis

Segundo Antônio Gaspar de Oli-

de assalto. Ele conta que R$ 870

veira, não há uma mobilização das

milhões em carga foram roubados

empresas de transporte para cus-

em 2013. Para ele, o Poder Público

tear ou construir esses pontos em

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barreiras fiscais ou alfandegárias não é computado na jornada de trabalho. Conforme a lei de 2015, as horas serão consideradas como tempo de espera e indenizadas na proporção de 30% do salário-hora normal. Apesar das queixas, a nova legislação vem trazendo mudanças para a categoria, além da redução de acidentes e de vítimas fatais. A regulamentação colocou o assunto em debate e embasa decisões na Justiça Trabalhista de todo Pernambuco. No Setcepe, os esforços

apoiar investimentos nessa área.

país. Quanto ao aumento da fiscaliza-

estão em estabelecer mais indústrias

Além da excessiva jornada de

ção, o Ministério Público do Trabalho

em Pernambuco, por meio de in-

trabalho, os carreteiros alertam que

encaminhou, no dia 15 de setembro

centivos fiscais. O intuito é que não

são expostos a situações degradantes

de 2014, a recomendação para que a

seja necessário transportar tantos

também no momento de carga e des-

Agência Nacional de Transportes Ter-

produtos de São Paulo, cuja distância

carga da mercadoria. Eles chegam a

restres passe a exigir o uso de tacógrafo

é de, aproximadamente 3.000 km.

esperar horas em pátios de empresas.

digital nos veículos de carga do país. A

“Traria benefícios para emprega-

Na br 101, no Curado (Recife-pe), filas

tecnologia registra automaticamente

dos, empregadores e também para

de caminhões aguardam para entrar

e com maior precisão dados acerca da

o consumidor”, expôs.

na Ceasa. Há quem chegue às 6h e só

condução do veículo, como velocidade

Os motoristas que realizam viagens

consiga descarregar às 11h. No pátio,

e tempo de direção. Sua utilização,

mais curtas, de fato, têm mais facilidade

é possível ver pessoas dormindo ou

segundo o procurador Paulo Moraes,

para cumprir o período de descanso

urinando no chão. Muitos aguardam

facilita identificar se a legislação está

exigido, porém os pontos de apoio

dentro do veículo desligado, no calor,

sendo cumprida.

permanecem imprescindíveis quando

para economizar combustível. Para

Três anos após a vigência da Lei

se percorrem distâncias maiores.

Lindomar Barbosa, o carreteiro do

do Descanso, ela ainda não está

Em busca de dirimir o embate

início dessa matéria, a falta de estru-

em plena efetividade. Trabalhado-

sobre o custeio dos pontos de apoio,

tura para recepcionar os embarca-

res, empresas, órgãos públicos e a

a Lei 13.103/15 estabeleceu que a ins-

dores não é incomum: “Você chega

opinião pública concordam que a

talação desses espaços será da livre

na empresa e não tem lugar para se

sobrejornada é prejudicial não só

iniciativa, porém o Poder Público

alimentar. Sequer tem banheiro, às

para o caminhoneiro, mas para a

contribuirá para criação de mais

vezes é preciso fazer as ‘necessidades’

segurança nas estradas, porém são

pontos, seja incluindo cláusulas

embaixo da carreta”, falou.

necessários investimentos em infra-

específicas nos contratos de con-

O período gasto com carga e

estrutura para que a categoria dos

cessão de exploração de rodovias,

descarga do veículo, assim como

motoristas possa ter direito a uma

seja abrindo linha de crédito para

com fiscalização da mercadoria em

jornada digna.

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25


Fotos: Mídia Ninja

Profissão tem cor e classe Fotos: Stela Maris Texto: Marcos Carvalho

P

raça da Cinelândia, Rio de

de salários ou de condição social.

dois terços da população econo-

Janeiro, 6 de março de 2014.

Diferenças tão marcantes quanto

micamente ativa (72,1%), os negros

Mais de 300 garis se reúnem para

estas não são restritas somente às

são maioria apenas nos postos de

reivindicar aumento de salário após

duas categorias. Subsiste no mun-

trabalhos da construção civil e de

cinco dias de greve. A foto do mo-

do do trabalho uma divisão que se

serviços domésticos, setores mar-

vimento que circulou pelas redes

delineia a partir da renda, da etinia,

cados por menor proteção social,

sociais mostra o quanto a profissão

da cor e do sexo. Estes fatores são

formação menos específica, baixos

é formada majoritariamente por

capazes, inclusive, de determinar

salários, maiores jornadas e alta ro-

negros. Em julho do ano anterior,

o perfil profissional das pessoas e

tatividade.

a mesma praça havia sido palco do

o lugar que cada uma delas ocupa

protesto de cerca de mil médicos

na sociedade.

Um exemplo disso é o trabalhador João Cândido, que já passeou

contra a vinda dos colegas estran-

O que as imagens traduzem as

tanto pela construção civil quanto

geiros por meio de programa do

pesquisas confirmam. Segundo

pela área de serviços. O olindense,

Governo Federal. O registro foto-

dados do Departamento Inter-

homônimo do célebre marinheiro

gráfico é, mais uma vez, revelador:

sindical de Estatística e Estudos

líder da Revolta da Chibata, deno-

a classe médica ali representada era

Socioeconômicos (dieese), a di-

minado “Almirante Negro” e eter-

constituída, quase que totalmente,

visão social do trabalho pautada na

nizado na canção de João Bosco e

por brancos.

etinia e na cor da pele ainda é real

Aldir Blanc, não é muito afeito ao

Basta comparar as duas ima-

no Brasil. A Pesquisa de Emprego

mar, mas é um verdadeiro guer-

gens para perceber o contraste

e Desemprego (ped) realizada na

reiro. Começou a trabalhar aos 13

social existente entre as duas pro-

Região Metropolitana de Recife

anos como ajudante de pedreiro,

fissões. Garis e médicos não estão

entre os anos 2011 e 2012 verificou

depois atuou como cobrador de

no mesmo patamar de formação,

que, apesar de constituir mais de

ônibus, garçom, e agora se ocupa

26

REVISTA DIALOGAR  · DEZEMBRO / 2014 - MARÇO / 2015


exclusivamente do ofício de mar-

superior de escolaridade provavel-

negócio, que é de apenas 5,8% con-

ceneiro, que exerce com habilidade

mente são fatores que explicam a

tra 9,8% de não negros.

e dedicação.

exclusão de grande parte dos ne-

A divisão sexista do trabalho

Aos 49 anos, o marceneiro negro

gros”. Apesar disso, João Cândido

também é uma barreira histórica

orgulha-se de ter concluído o ensino

ainda sonha em ter seu próprio res-

na organização social, mas começa

médio em 2007 e da profissão que

taurante e administrar, como seu

a ser ultrapassada.

escolheu. “Na minha família nunca

pai, uma cozinha, entrando, assim,

“Agora eu estou despreocupada

teve um marceneiro. Meu pai era

para o percentual de negros empre-

porque a senhora está indo com

cozinheiro e minha mãe doméstica.

gadores, profissionais universitários

uma mulher”, dizia uma filha ao

Tenho irmão padeiro, operário de

autônomos ou donos de seu próprio

colocar a mãe no táxi de Solange

fábrica e guia de turismo. Mas eu

Almeida. Frases como estas fazem

gosto mesmo é de talhar, de traba-

parte do dia a dia da pernambuca-

lhar com a madeira. E também de

na de 44 anos no exercício de sua

receber os elogios do pessoal”. João

profissão. Há dois anos trabalhando

trabalha como autônomo prestando

como taxista na praça ao lado do

serviços tanto nas casas dos clientes

Hospital Português do Recife, ela

quanto na oficina improvisada no

tem conquistado a simpatia tanto

beco de sua residência, no bairro de

dos passageiros quanto dos colegas

Amaro Branco, em Olinda.

do ponto. Realizada no que faz, ela

Quando está em casa, João Mar-

trabalha 12 horas por dia e só folga

ceneiro, como é mais conhecido pe-

no domingo à tarde. Quanto à pro-

los vizinhos, costuma trabalhar das

fissão, não considera tão diferente:

seis da manhã até as dez da noite. “Pra mim, quanto mais produzir melhor. Tendo serviço, eu trabalho de domingo a domingo. Folga só para

O marceneiro João Cândido

dormir”. Pensando na aposentadoria,

e a taxista Solange Almeida

ele planeja recolher a contribuição da previdência, mas já dá graças a Deus por viver do que ganha. Numa emergência a família busca o hospital público. “Plano de saúde é luxo”, resigna-se o trabalhador. Níveis de escolaridade e condição econômica são requisitos para ocupar certos postos de trabalhos. Segundo o dieese, “Dispor de riqueza acumulada que permita montar um negócio e/ou possuir nível

REVISTA DIALOGAR  · DEZEMBRO / 2014 - MARÇO / 2015

27


ainda consideram algumas profissões melhores que outras. “Diziam pra mim: você está louca, vai deixar de ser médica para ser fotógrafa?... Quer queria, quer não, quando você chega a algum lugar e diz que é médica há uma reação diferente de quando você diz que é fotógrafa”, atesta Cristiane. A opção pela medicina surgiu Cristiane Silva deixou a medicina pela fotografia. A família

dentro de casa. Com um tio, um

influenciou na escolha da

primo e o ex-marido médico, ela

primeira profissão.

reconhece: “A família termina influenciando pelo fato de ser uma

“Se fosse assim a mulher não teria

no comércio (21%) e no setor de

profissão estável, segura e conside-

carro particular, não dirigia”.

serviços (71,1%), onde “o emprego

rada de futuro. Busquei a medicina

Solange é um exemplo de como

doméstico, ocupação tipicamente

porque não tive um incentivo para

as mulheres vêm ocupando postos

feminina, permanece como uma das

estar por trás das lentes porque, se

de trabalhos antes considerados

principais possibilidades de inser-

tivesse, eu seria fotógrafa desde pe-

exclusivamente masculinos. “Pra

ção das mulheres, em especial as ne-

quena”. Cristiane concluiu o curso

mim não existe profissão de ho-

gras e as mais pobres, com menor

de Fotografia pela Universidade Ca-

mem ou de mulher. Foram tantos os

escolaridade”.

tólica de Pernambuco no ano pas-

preconceitos quebrados e eu estou

Já na Grécia antiga as atividades

sado e hoje trabalha fotografando

aqui ajudando a quebrar mais esse.

intelectuais eram mais valorizadas

gestantes, partos, e bebês de até 10

Acho muito bonito, por exemplo,

que o trabalho manual. Apesar do

dias de vida (new born).

ver uma mulher mecânica. Eu tiro

tempo, esta concepção ainda preva-

o chapéu”, orgulha-se, contando que

lece hoje. Agricultores, pedreiros,

os passageiros têm mais confiança

mecânicos e motoristas, por exem-

com uma mulher ao volante.

plo, não têm o mesmo prestígio que

Passos históricos

Apesar de uma presença cada

advogados, médicos ou arquitetos,

Não há linha que separe os mo-

vez maior no mercado de traba-

conhecidas no Brasil como profis-

delos de organização do trabalho

lho, as mulheres ainda possuem

sões imperiais.

das formas de estruturação social.

menos oportunidades de acesso ao

Cristiane Silva estudou medici-

O modo de produção fordista, por

emprego e os postos que ocupam

na na Universidade Federal de Per-

exemplo, no qual cada operário des-

têm baixos rendimentos. Segundo

nambuco, mas há três anos deixou

penha uma função específica dentro

outra pesquisa do dieese, em 2013

de atuar na área para dedicar-se

da fábrica, mantém estreita relação

as mulheres da Região Metropoli-

inteiramente à fotografia. Entu-

com a concepção funcionalista da

tana do Recife estavam presentes na

siasmada com seu novo trabalho,

sociedade. O sociólogo francês

indústria de transformação (6,2%),

ela sentiu de perto como as pessoas

Durkheim compara a sociedade a

28

REVISTA DIALOGAR  · DEZEMBRO / 2014 - MARÇO / 2015


um “corpo vivo”, com órgãos que

mas cada pessoa faz o seu trabalho”,

formas embrionárias dos sindicatos

executam funções diversas e espe-

esclarece o professor.

que temos hoje”.

Leonardo recorda, no entanto, que

E foram justamente as organiza-

a divisão do trabalho tem sua origem

ções sindicais que romperam com

O historiador e antropólogo

muito antes do processo de industria-

muitas desigualdades existentes no

professor Leonardo Borges consi-

lização, já na Pré-História, quando

mundo do trabalho. Redução da

dera a industrialização como marco

os primeiros agrupamentos humanos

jornada, acesso a educação e possi-

importante para compreensão da

passam a subjugar os outros. “A par-

bilidade de ascensão foram alguns

divisão social do trabalho que temos

tir deste período temos uma divisão

dos avanços notados pelo professor

hoje. “Ao contrário da Idade Média,

inicial do trabalho, baseada sobretudo

Leonardo, que reconhece, sob outra

quando um produto era feito pelo

no sexo: os homens vão à caça e as

perspectiva, a necessidade de uma

artesão do começo ao fim, a partir

mulheres ficam em casa por conta dos

divisão social do trabalho: “A diver-

da Revolução Industrial ele começa a

filhos”, acrescenta. O professor lembra

sidade de habilidades e aptidões pode

vender o seu trabalho. É a repartição

também que na Idade Média come-

gerar uma troca sadia no trabalho,

das tarefas. Uma montadora de car-

çam a surgir as guildas, associações

cada um entendendo que todo mundo

ros é o exemplo mais emblemático.

de artesãos, alfaiates, sapateiros ou

é importante, desde o juiz até quem

O carro tem uma série de elementos,

comerciantes que, para ele, “seriam

encera o chão que ele passa. ”

cíficas, todas necessárias para seu bom funcionamento.

“A diversidade de habilidades e aptidões pode gerar uma troca sadia no trabalho”. Leonardo Borges historiador e antropólogo

REVISTA DIALOGAR  · DEZEMBRO / 2014 - MARÇO / 2015

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Músico: um produto?

M

úsico é aquele que entre-

menos, entre os que querem viver só

toda a parte burocrática e adminis-

tém o público e leva a sua

da arte e suas ramificações. O mer-

trativa da carreira.

vida entre festas, shows, diversão...

cado tem transformado o músico em

Atuando como empresários ou

Só glamour? Não! Ledo engano de

produto, submetendo-o à condição

freelancers, consequentemente a

quem pensa que isso é vida de mú-

de objeto. Por isso, viver da profissão

grande maioria não tem vínculos

sico. Esses artistas cada vez mais

não significa apenas ensaiar e estar

empregatícios e nem todos os bene-

têm que acumular funções para

bem preparado para subir aos palcos

fícios garantidos, como inss, fgts,

preencher os requisitos e ocupar

e fazer uma boa apresentação. Para

férias, 13º salário... E nesse cenário o

as oportunidades que o mercado

muitos isso é só uma das partes, pois

músico tem que se lembrar do futuro

oferece para “ganhar a vida”. Pelo

para complementar a renda e apro-

e se organizar contribuindo para a

menos essa é a realidade daqueles

veitar 100% dos cachês a maioria tem

previdência pública ou fazendo uma

que não estão entres os consagrados

que ser ainda produtor, professor,

previdência privada, poupança ou

nomes nacionais.

roadies (carrega os equipamentos,

investindo em bens que possam lhe

Empreender, essa é a palavra do

prepara e monta aparelhagem nos

garantir a sobrevivência no futuro.

momento entre os músicos ou, pelo

palcos), compositor e ainda realizar

É cada vez mais difícil encontrar

Texto: Patrícia Castelão Danilo Galvão

“A música está em tudo. Do mundo sai um hino”. Victor Hugo


Acervo pessoal

profissionais de música que tenham algum tipo de vínculo profissional, apenas alguns que atuam em bandas de renome e com proprietários. Considerado por muitos um dos melhores guitarristas do Brasil, Renato Bandeira toca há 14 anos na Orquestra Spokfrevo, uma das maiores expressões da cultura local e com a qual já pisou em alguns dos principais palcos da Europa, e não tem contrato nem vínculo nenhum com a orquestra. “No caso meu com a Orquestra, a questão da informalidade continua, porém não existe exclusividade. Se eu for contratado para um evento e

esclarece que a profissão é regida

depois aparecer um show da Spok,

pela Lei nº 3.857/1960, que também

eu sigo com meu evento e coloco

disciplina a Ordem dos Músicos do

outro músico em meu lugar”, conta

Brasil: “São normas que devem ser

Bandeira, mas ele ainda revela que dá

respeitadas, cabendo ao Ministério

o máximo de prioridade à Orquestra

do Trabalho e à própria Ordem ve-

por se tratar de um trabalho que o

lar pela sua observância. O músico

satisfaz como músico.

pode trabalhar basicamente sob

“Depois do contato com o instrumento, posso dizer que tudo perdeu o sentido pra mim... jogar bola, jogar pião, bola de gude, enfim, meu objetivo era desvendar todas possibilidades daquele instrumento”

Ainda sobre o assunto Renatinho

duas modalidades: mediante con-

(como é chamado no meio) enfati-

trato de substituição ou prestação de

zou: “posso afirmar que essa é uma

serviço eventual, denominado Nota

questão muito complexa, tamanha a

Contratual, ou por meio de contrato

bagunça e desorganização da nossa

de trabalho ou emprego (por prazo

emprego com o músico, nos moldes

classe. Sinto-me numa cidade sem

determinado ou indeterminado)”.

dos artigos 2º , 3º e 443 da Conso-

Renato Bandeira

lei! Não temos contratos, na maioria

O magistrado acrescenta, ainda,

lidação das Leis do Trabalho (clt).

dos casos tudo é feito de boca, não

que a Nota Contratual “somente

Renatinho já tocou com nomes

temos um sindicato que funcione e

deve ser utilizada para temporadas

como Silvério Pessoa, Alceu Valença,

muito menos uma ordem dos mú-

culturais de até dez apresentações,

Paulo Diniz, Amelinha, Domingui-

sicos, não temos uma tabela para

sendo proibida sua adoção nos cin-

nhos, entre outros, e está prestes a

organizar a questão financeira”.

co dias posteriores ao término da

dar o passo mais importante de sua

O juiz Gustavo Augusto Pires

temporada”, complementando que,

carreira, como ele mesmo descreve,

de Oliveira, do Tribunal Regional

não sendo essa a hipótese, deve-

o lançamento do primeiro trabalho

do Trabalho da 6ª Região (trt-pe),

-se firmar contrato de trabalho ou

solo com o grupo Som de Madeira,

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do qual é um dos fundadores. Renatinho apaixonou-se pela

música teria um lugar especial em sua

música aos 10 anos, dedilhando o

vida, assim como soube logo depois

violão do irmão Rinaldo Bandeira.

que viver só dela seria difícil. Fez

“Ele trabalhava durante o dia e eu

faculdade e hoje, concursado como

comecei a estudar, com aquelas re-

auditor da Controladoria-Geral da

vistas do tipo aprenda a tocar violão.

União em João Pessoa, mantém a

Depois do contato com o instrumento,

música em sua vida como um com-

posso dizer que tudo perdeu o senti-

plemento de renda e a oportunidade

do pra mim...jogar bola, jogar pião,

de manter essa paixão, dedicando­-se

bola de gude, enfim, meu objetivo

principalmente a ritmos como o jazz,

era desvendar todas possibilidades

blues, rock e mpb. Desde a adolescên-

daquele instrumento”, relembra. A

cia montou bandas com os amigos.

partir desse momento, nunca mais

Na faculdade, fez novos grupos e in-

parou e passou por todo o roteiro

tegrou conjuntos bem conhecidos do

comum à classe: cantor de barzinho,

circuito local, como a UpTown Band,

músico de estúdio, bandas com os

os Back Beatles e a El Mocambo. Atu-

amigos... Ele foi mais além e buscou

almente atua em dois grupos: Fou-

uma profissionalização, formando-­se

blues e Rodrigo Morcego e Banda.

no Conservatório Pernambucano de

Embora sempre tenha amado a

Música, o que considera um destaque

música, Gilson explica por que não

no seu currículo dentro do mercado

consegue viver apenas como artista.

tão competitivo.

“É um ramo muito difícil, falta de

Outra barreira encontrada é o

reconhecimento artístico e financei-

mercado, nesse caso, o pernambuca-

ro, dia a dia de trabalho muito duro.

no. Apesar de Pernambuco ter uma

Tenho muitos amigos que vivem

cultura reverenciada em todo o País,

apenas de música, mas, para isso,

os músicos locais encontram dificul-

trabalham em média dez horas ao

dades de se destacar. Para sobreviver,

dia ou mais e não têm o resultado

isso quer dizer cumprir com todas

merecido. Pois têm que se dividir

as obrigações financeiras impostas

entre os ensaios e apresentações e

pelo meio social, além da pluralidade

atividades paralelas, ligadas à pro-

de funções, muitos partem para em-

fissão, para ganhar algum dinheiro.

pregos fixos, tendo a música como

Hoje sou convicto de que tomei a

segunda fonte de renda, e outros

decisão acertada na minha vida pro-

que querem dar um passo ainda

fissional”, explica, complementando

mais além deixam o Estado e vão se

que o “ganha-pão” ficou ainda mais

aventurar no Sul e Sudeste brasileiro.

difícil sem as vendas de cds, pois era,

O engenheiro eletrônico Gilson

mesmo que restrita para os artistas

32

Danilo Galvão

Peixoto soube desde pequeno que a

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“Amo tocar e isso me deixa realizado, além de que hoje é um acréscimo no meu orçamento, com o qual já conto para viver, mas é muito difícil passar a noite tocando e no outro dia ter que estar disposto e trabalhar, ou não ter finais de semanas e nem feriados” Gilson Peixoto


de menor expressão nacional, um

e grava sequências musicais utilizan-

e, como músico, no Motorciclano.

dinheiro a mais que entrava.

do um sistema que permite mistu-

Com a experiência e vivendo exclu-

“Para mim seria impossível viver

rar sons de diversos instrumentos

sivamente do ramo, Moraes compara

só de música, pelo menos no meu

isolados, como se fosse uma banda),

a profissão a outras do mercado e

padrão de vida. Aqui [em Pernam-

arranjador e produtor de pequenas

que tem tantas dificuldades quanto

buco] para você ganhar bem ou entra

bandas paulistas. Aos 23 anos, en-

as demais. “A recompensa não é uma

num campo muito popular ou de-

veredou para a vida de fotógrafo de

questão de profissão ou dinheiro, e

pende de apoio do Governo”. Mesmo

moda e posteriormente de agente de

sim de foco e planejamento de car-

sem se dedicar com exclusividade à

modelo, mantendo a música apenas

reira. Mas, indo além, muitos músi-

arte, o músico/auditor ainda dispen-

como um hobby e se dedicando a es-

cos se negam a enxergar que, se você

sa uma média de quatro horas do

tudos do jazz.

quer ganhar dinheiro tocando, você

seu dia à atividade, além de tocar em

De volta ao Recife e ao meio mu-

está no mercado e, portanto, deve se

bares e restaurantes do Recife e Re-

sical, aos 30 anos, começou a tocar

situar nele, entender de comércio,

gião Metropolitana e algumas vezes

com a banda Bluestamontes e atuar

aplicando esse conhecimento a seu

fazer show no interior e outras cida-

depois como produtor de eventos do

produto. Se você não se enxergar

des do Nordeste. O artista confessa

bar Burburinho. Hoje ainda trabalha

como produto, não está à venda,

que às vezes também é difícil conci-

na área de produção, só que indepen-

não pode esperar receber dinheiro”.

liar a carreira profissional e a paixão.

dente, com a sua produtora Bacurau,

Como empresário da noite recifense, Moraes ainda avalia positiva-

“Amo tocar e isso me deixa realizado, além de que hoje é um acréscimo no

Acervo pessoal

mente o mercado local. “Para ficar

meu orçamento, com o qual já conto

ainda melhor, é preciso abrir mão

para viver, mas é muito difícil passar

da lenda de que em Recife a cena é

a noite tocando e no outro dia ter que

mais criativa. Ao entender isso você

estar disposto e trabalhar, ou não ter

vai conhecendo mais e entendendo

finais de semanas e nem feriados”,

melhor o que acontece. Fica menos

finaliza Peixoto.

ingênuo, mais estudioso e mais apto

Rico de Moraes também come-

a se colocar nessa cena maior”. E,

çou cedo a sua aproximação com a

quando o assunto é financeiro, ele

música e aos 13 anos já se aventurava

é bem enfático. “É só entender que

em bandas. Inicialmente com o punk

como em qualquer profissão não

rock, depois música eletrônica, jazz

basta ser bom, mas tem de ter algo

e hoje com o blues. Ele se mudou

para vender que interesse ao cliente,

com os pais aos quatro anos para

ao público. Quando você consegue

São Paulo, onde criou as raízes com

“... Se você não se enxergar como

isso, se dá bem. E dentro da ideia

a arte. Na época em que se dedicou

produto, não está à venda, não

de que o músico é empreendedor,

à música eletrônica, paralelamente

pode esperar receber dinheiro”.

tem de ser como qualquer outro, se

também atuou com produção de estúdio, tornando-se programador de sequencers (profissional que cria

Rico de Moraes

organizar, aprender a gerenciar suas contas, guardar dinheiro, pagar inss se achar que é bom pra ele”.

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pernambucana, Ferraz declara que

“Para viver de música é

e artesão de instrumentos musicais

já recebeu muito apoio em projetos

preciso saber se equilibrar

ou luthier, Cristiano Ferraz é mais

culturais dos governos. “Meu traba-

nas ondas da instabilidade,

um profissional a enfatizar que “não

lho independe do governo, mas se

sem levar nenhum caldo”

é só tocar e cantar, mas o artista tem

temos essa oportunidade, por que

que saber de toda a área que o cir-

não?”, comenta. Hoje o grupo Coco

cunda. É importante ainda estudar,

do Manuel de Casa Amarela, do qual

se reciclar, se especializar para ter

o artista participa e é fundador, re-

um diferencial no seu trabalho”.

cebe receita do Governo Federal

Filho de índio maranhense com

em um dos seus projetos. Ele ainda

uma negra (como fez questão de

integra o Maracatu Almirante do

enfatizar) pernambucana, ele teve

Forte, do bairro recifense do Bon-

no berço da família uma vertente

gi, o projeto “Vem Cantar Comigo”,

momento entre os músicos “mil e

artística muito forte. Primeiro en-

com o cantor Romero Andrade, faz

uma utilidades” da cena atual. Bem

veredou para o teatro e posterior-

sonoplastia em contação de história

diferente daquela imagem do artista

mente encontrou na música e áreas

com Flavioleta e dá aula de música

bon vivant do passado, ele ainda tem

ligadas a ela a sua realização.

em uma escola particular do Recife.

que ter um lado economista e admi-

Com a sua veia artística ex-

Versatilidade, visão empresarial e

nistrador da sua carreira, além de não

tremamente ligada à cultura

profissionalismo são as palavras do

Charles Teony

se esquecer de olhar para o futuro.

Elysangela Freitas

“... não é só tocar e cantar, mas o artista tem de saber de toda a área que o circunda. É importante ainda estudar, se reciclar, se especializar para ter um diferencial no seu trabalho” Cristiano Ferraz

Acervo pessoal

Músico percussionista, professor


Com este trabalho foi convidado novamente para o evento musical de Nova Orleans, sendo agraciado com uma matéria de capa de um dos mais importantes jornais local. “Aquilo foi um divisor de águas em minha carreira”, orgulha-se. A mudança para o Rio aconteceu em 2009 com perspectivas de crescer no cenário nacional. “O Rio é um caldeirão de influências musicais, e ainda está no imaginário como “terra das oportunidades”, mas quando vivemos aqui vemos que é uma ilusão. A cidade funciona como uma vitrine, mas

Do Sertão para o mundo Embolada, canto das rezadeiras,

indígena de tribos vizinhas à minha

não remunera o artista. Proporciona,

cidade, como as tribos Tuxá e Panka-

sim, incríveis encontros artísticos e

raru”, ressalta.

tem um potencial criativo enorme”,

repentes, cordel, forró pé de serra, cul-

Em 1992, aos 17 anos, chegou ao

analisa. Desde 1992 ele faz o Carna-

tura da feira e ainda com uma pitada

Recife para estudar e em menos de

val de Recife e Olinda. “Tenho lá um

de ritmos indígenas, essa foi a base do

dois meses estava integrado ao Ma-

significativo reconhecimento do meu

músico Charles Teony. A riqueza e a

racatudo Nação Camaleão, partici-

trabalho. É na minha terra que sem-

pluralidade do interior foram pon-

pante do movimento dos maracatus

pre volto para me reciclar. Não fosse

tos fundamentais na vida do artista

que ganha força naquele momento

minha constante inquietude artística,

nascido na cidade de Inajá, Sertão do

no cenário nacional. O grande passo

não teria tentado a vida fora”, constata.

Moxotó pernambucano. Hoje, mora

aconteceu em 1995 quando assumiu o

O artista também destaca a im-

no Rio de Janeiro, mas já subiu em

vocal do Maracatu Nação Pernambu-

portância de se reconhecer como

palcos nos Estados Unidos e em al-

co, onde ficou até 2003. Com o grupo

‘músico empresário’. “O crescimento

guns dos principais países da Europa.

ganhou o mundo e fez uma turnê pela

e as oportunidades vão depender da

“Eu digo que eu não busquei a

Europa, por 88 cidades e dez países, e

administração e da forma que você se

música, mas que ela nasceu em mim”,

participou do Festival de Jazz de Nova

divulgue no mercado. Eu sou músico,

assim define o músico a sua paixão

Orleans (eua).

produtor, contador, desenvolvo site,

pela arte. Filho de agricultores, ele

“Nos anos 90 e início de dois mil,

escrevo os meus projetos, faço clip-

acompanhava os pais na feira onde

o mercado estava motivado e aberto

ping. Este tem que ser o novo músico”.

iam vender os produtos e lá come-

para as novidades musicais. Foi uma

Teony é mais um músico mil e uma

çou a somar as suas primeiras influ-

época importante, pois estávamos no

utilidades do cenário atual. “Para vi-

ências musicais. “Ouvi muita radiola

boom da cultura pernambucana”, lem-

ver de música é preciso saber se equi-

com músicas populares, fora tudo o

bra. Já em carreira solo, Teony gravou

librar nas ondas da instabilidade, sem

que me circundava. Além da cultura

o primeiro CD “Tambor do Mundo”.

levar nenhum caldo”, finaliza.

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Fernando Gusm達o/DP/D.A Press


Greves, dissídios, acordos: um novo tempo nos canaviais Jornada sem limite de horas ou com tarefas inatingíveis, violência recorrente, transporte dos trabalhadores em carrocerias de caminhão, refeições feitas debaixo de um sol extenuante marcaram grande parte da história da cultura da cana-de-açúcar. Graças à organização dos canavieiros, que resultou na greve de 1979, à nova visão do patronato e à atuação da Justiça do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho (mpt) e do Ministério do Trabalho e Emprego (mte), a categoria conta com um ambiente mais digno e vivencia conquistas que jamais poderiam ser vislumbradas há 35 anos.

Texto: Mariana Mesquita Fotos: Acervo do Diario de Pernambuco / Danilo Galvão

E

m termos oficiais, os direitos

de portugueses – e XVII, a cultu-

extenuantes de trabalho, repressão

dos trabalhadores rurais come-

ra da cana-de-açúcar passou por

policial. Foi principalmente graças à

çaram a tomar forma – pelo me-

várias transformações ao longo da

organização da classe, em especial a

nos no papel –, há 70 anos, quando

história. Antes de alcançar o cená-

partir da greve deflagrada em 1979,

foi regulamentada asindicalização

rio atual, com melhores condições

um dos primeiros movimentos pa-

rural pelo Decreto-lei Nº 7.030 de

de trabalho, a exemplo de intervalo

redistas no campo e o primeiro na

1944. Mas, entre sua publicação e

para almoço, acesso a água potá-

Zona da Mata de Pernambuco de-

o reconhecimento da legitimidade

vel, local apropriado para descanso,

pois do golpe militar de 1964, que a

dos primeiros sindicatos pelo Esta-

transporte seguro e fornecimento de

realidade dos canavieiros começou

do brasileiro, muita coisa aconteceu.

Equipamentos de Proteção Indivi-

a mudar.

Mais importante produto brasi-

dual (epis), os rurícolas enfrenta-

Era final da década de 70 e a

leiro entre os séculos XVI – quando

ram muitos abusos: violência por

estratégia de paralisação escolhida

desembarcou no Brasil pelas mãos

parte da classe patronal, jornadas

pelos canavieiros da Zona da Mata

REVISTA DIALOGAR  · DEZEMBRO / 2014 - MARÇO / 2015

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Danilo Galvão

encontrou força na conjuntura nacional, já que até setembro de 1979 haviam ocorrido em todo o país 68 movimentos grevistas envolvendo mais de dois milhões de trabalhadores. Deflagrada em outubro daquele ano, a greve mobilizou 250 mil trabalhadores rurais da região, o que rendeu conquistas expressivas para a categoria que ali atuava. As vitórias de 35 anos fazem eco nas condições do homem do campo de hoje. Na época, a greve foi tida como bastante audaciosa. “Em São Paulo, por exemplo, a primeira greve nos canaviais só veio acontecer em 1983”, assinala a historiadora da

1964). “Era uma preocupação fazer

ufpe Maria do Socorro de Abreu e

algo organizado e dentro da lei, que

Lima. Enquanto nos centros urba-

continha uma porção de exigências”,

nos as greves ganhavam visibilidade

enfatiza Rodrigues.

com o apoio da imprensa, no campo

Na época, 25 sindicatos da Zona

a situação era ignorada: a sombra da

da Mata publicaram os editais exigi-

ditadura militar e a repressão que

dos pela lei, mas os de São Lourenço

sofriam os trabalhadores por parte

da Mata e Paudalho, sob o coman-

da classe patronal e da polícia difi-

do dos presidentes Agápito Fran-

cultavam as mobilizações.

cisco dos Santos e Ulisses Roque,

O então presidente da Federação

fizeram com antecedência, parali-

dos Trabalhadores na Agricultura

sando os trabalhos oito dias antes

do Estado de Pernambuco (Fetape),

dos demais. “Ambos foram muito

José Rodrigues da Silva, um dos lí-

atuantes durante as negociações,

deres do movimento, explica que a

principalmente o Agápito, grande

intenção era reivindicar e denun-

argumentador”, lembra o advogado

ciar, e que inicialmente foi cogitado

Horácio Mendonça, que representa-

o ajuizamento de um dissídio coleti-

va o Sindaçúcar e era o interlocutor

vo. Receosos, porém, do tempo que

da classe laboral.

levaria o trâmite da ação coletiva

Com a greve desses dois sin-

na Justiça, optaram pela greve, feita

dicatos em curso e na expectativa

inteiramente dentro do que deter-

da adesão dos demais, iniciaram

minava a Lei de Greve (Nº 4.330 de

as negociações entre canavieiros

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“No caminhão que ia para a área de serviço iam os bois, as ferramentas, a cana, os trabalhadores, tudo junto no mesmo lugar. Havia muito acidente, muita gente morria, se machucava”

José Rodrigues da Silva Ex-presidente da Fetape


e patronato. “No oitavo dia, um

Apesar das intensas negociações,

“A paralisação dos trabalhadores

dia antes de os demais sindicatos

a pauta era extensa e com muitas

rurais teve grande repercussão na-

aderirem, conseguimos fechar a

reivindicações novas”, conta.

cional, pois o governo ficou receoso

convenção, que abrangeu todo o

Sobre a situação dos canaviei-

de que tal expediente viesse a ser

estado”, recorda José Rodrigues.

ros naquele período, esclarece o

utilizado por oturos trabalhadores,

A convenção foi homologada pela

advogado que a indústria seguia as

ocasionando uma greve geral e pa-

Delegacia Regional do Trabalho e

normas do Estatuto do Trabalha-

ralisação do país”, analisa o então

teve a participação da Procuradoria

dor Rural, com carteira de trabalho

procurador do Trabalho Manoel

Regional do Trabalho da 6ª Região

registrada e pagamento de direitos

Goulart, que acompanhou as ne-

(Ministério Público do Trabalho).

comuns ao trabalhador urbano. “A

gociações pela prt. Tanto assim

Mendonça recorda as longas horas

diferença é que não havia o fgts

era que a convenção atendeu toda

de conversa entre os sindicatos: “As

rural (permanecia o sistema de esta-

a categoria da Zona da Mata, bene-

negociações foram intensas e mui-

bilidade no emprego e indenização

ficiando os 250 mil trabalhadores

to demoradas, ao longo de vários

por rescisão injusta) nem prescrição

da região.

dias (e algumas noites), sempre com

para reivindicar direitos na vigên-

Entre as principais conquistas

mediação da Delegacia Regional do

cia do contrato de trabalho rural”.

obtidas por meio da convenção co-

Trabalho. A greve foi deflagrada es-

No entanto, pondera que havia um

letiva, estava a do aumento de 52%

trategicamente, logo após o início

contingente de informalidade, a

sobre o salário mínimo. “Durante

da colheita da safra para moagem,

depender da região e do porte do

as negociações, fizemos cerca de

o que lhe dava uma enorme força.

produtor rural.

30 reivindicações. Depois do golpe

Julio Jacobina/DP/D.A Press

Repercussão: canavieiros em greve, durante negociações com usineiros, na Delegacia Regional do Trabalho (drt), em 1989.


de 64, o salário dos canavieiros tinha ficado congelado no mínimo”, rememora José Rodrigues. Além do acréscimo salarial, a convenção também garantia transporte gratuito e seguro, fornecimento de ferramentas e de epis. Apesar dessa previsão, muitas dessas conquistas só se efetivaram anos mais tarde, com a realização de dissídios numa frequência anual, inspirados pelo

1.

pioneirismo do movimento de 79. “No caminhão que ia para a área de serviço, iam os bois, as ferramentas, a cana, os trabalhadores, tudo junto no mesmo lugar. Havia muito aci-

2.

dente, muita gente morria, se machucava”, lamenta José Rodrigues. “Além da reivindicação sala-

3.

rial, pretendiam os trabalhadores a normatização das atividades no campo”, comenta Manoel Goulart, remetendo-se a outra conquista importante da classe: a restauração e o cumprimento da tabela de tarefas de

4.

1965, que continha as especificações de produtividade necessária para o recebimento do salário, como tamanho da área de terra por tarefa diária, média dos pesos e quantidades de feixes de cana, capacidade da pesagem da balança etc. Em 1979, essa tabela foi base para a negociação entre a Fetape e o patronato, com mediação da drt. “A repressão sofrida pós-golpe militar implicou na violência contra os canavieiros, que eram tachados de agitadores ou subversivos, eram presos,

40

REVISTA DIALOGAR  · DEZEMBRO / 2014 - MARÇO / 2015

5.


os produtores de cana não aceita-

noticiado em jornais e redes de

ram fazer novo acordo, os canaviei-

televisão de todo o país. Atento às

ros, então mais experientes, tiveram

circunstâncias nas quais acontecia

seu primeiro dissídio na Justiça do

a convenção coletiva, o Tribunal

Convenção Coletiva de outubro de 1979.  Principais cláusulas aprovadas:

Trabalho de Pernambuco.

Regional do Trabalho da 6ª Região

“Em 80, os patrões não cederam

(trt-pe), sob a presidência do juiz

1. Transporte gratuito pelo empregador em condições de segurança. 2. Área de terra para plantação e criação necessárias à subsistência da família do trabalhador, a título gratuito 3. Aumento salarial de 52% sobre o salário mimímo. 4. Fornecimento de ferramentas necessárias a execurção das tarefas. 5. Fornecimento de equipamento de proteção individual.

ao acordo e nem concordavam com

Duarte Neto, mediou a conciliação

muita coisa que havia sido negocia-

em quase todos os pontos divergen-

da em 79, não querendo se com-

tes. No dia seguinte, a greve termi-

prometer por mais um ano”, explica

nou. Em reportagem de O Globo,

Rodrigues. No dia 30 de setembro,

o presidente do trt-pe declarou

com os trabalhadores em greve

haver sido o dissídio mais rápido

após pressionarem a classe patronal

realizado no Brasil.

Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco

quanto ao cumprimento da conven-

Horácio Mendonça explica que

ção do ano anterior, e sob a ameaça

o movimento de 1980 e dos anos

de o mercado canavieiro entrar em

posteriores “seguiu a mesma práti-

sofriam represálias quando exigiam

colapso, temor já vivenciado em 79,

ca do inicial, que era a reivindicação

o cumprimento ou reclamavam seus

o Ministério do Trabalho instalou

de aumento salarial e manutenção

direitos”, explica José Rodrigues.

dissídio coletivo, na busca da urgen-

das conquistas do ano anterior,

te solução do problema.

com apresentação de alguns novos

A convenção também previu outras concessões, como adicional

Assim como a repercussão da

pedidos”. Apesar das negociações

de insalubridade e periculosidade, o

greve de 79, o dissídio de 80 era

coletivas, o advogado pondera: “os

àqueles que tinham mais de um ano de serviço de utilizar uma área do engenho para plantação e criação necessárias a sua subsistência e de sua família – e a estabilidade no emprego

Acervo Memorial da Justiça do TRT6

cumprimento da lei do sítio – direito

para o delegado sindical.

Dissídio de 1980 Esse primeiro movimento paredista na Zona da Mata pernambucana influenciou as relações entre as classes e as posteriores negociações. Na campanha salarial de 1980, como Histórico. O juiz Alfredo Duarte Neto (à direita) presidiu o primeiro dissídio dos canavieiros, em 1980

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descumprimentos de convenção

rural. Paulo Roberto conta que o

ginástica laboral por algumas usinas

sempre podiam ser reclamados na

respeito entre as classes ao longo

que buscam as melhores práticas – o

Justiça do Trabalho a qualquer época

desses 35 anos cresceu exponencial-

que ameniza os efeitos dos movi-

do ano”.

mente. Uma das principais razões

mentos do corte da cana –, a in-

O sindicalista José Rodrigues

disso, segundo o sindicalista, são

clusão de intervalos para descanso

também afirma que a greve teve uma

as convenções coletivas de trabalho,

com local apropriado para refeições

conotação muito importante em ní-

realizadas anualmente, e decorren-

e a gradativa redução da jornada de

vel nacional: foi a segunda do Brasil

tes da cultura de dissídios e movi-

trabalho dos canavieiros.

(a primeira foi a dos metalúrgicos,

mentos paredistas iniciada pelos

Mendonça estima que o movi-

em 1978) e teve forte influência na re-

trabalhadores no final dos anos se-

mento de 35 anos atrás foi bastante

alização e resultados das campanhas

tenta. Apesar disso, também atribui

organizado. “Havia coesão entre os sindicatos dos trabalhadores parti-

salariais dos anos seguintes. “As relações trabalhistas

Hoje

ficaram mais formalizadas e foi criada uma rotina de

Os 250 mil trabalhadores de 1979 foram reduzidos para 80 mil em 35

movimentos semelhantes em cada ano seguinte”

anos. Para Paulo Roberto Rodrigues,

cipantes. O acordo foi assinado por todos, e pelos sindicatos patronais das usinas de açúcar e dos fornecedores de cana”, lembra. “As relações trabalhistas ficaram mais formalizadas e foi criada uma rotina de movimentos semelhantes em cada ano

diretor de assalariados da Fetape, o

Horácio Mendonça

decréscimo se deu em razão da saída

Representante do Sindaçucar

de várias usinas e destilarias do mer-

em

1979

seguinte”, avalia o advogado. Rodrigues também atribui àquela greve a fluência das negociações

cado, fato que impulsionou o êxodo

ocorridas nos anos seguintes, além

rural. Outra queda da indústria su-

do fortalecimento e da expansão

croenergética do Nordeste – então

para os estados vizinhos das cam-

chamada de sucroalcooleira – foi em

o sucesso das negociações entre

panhas salariais que vieram depois.

relação à produção. Nos anos 70, o

classes à evolução da consciência

Para ele, a greve de 79 se consolidou

Nordeste representava 15% do mer-

dos patrões quanto à necessidade da

como marco inicial das melhorias

cado nacional, número que hoje caiu

melhoria das condições no canavial

das condições de trabalho no cam-

para 3%. O solo acidentado da região,

e à atenção da Justiça do Trabalho e

po: “A gente fez uma greve que so-

a estagnação produtiva frente ao ex-

órgãos fiscalizadores – como mpt e

cializou os benefícios para toda a

pansionismo do Centro-Oeste e Su-

mte –, que aos poucos foi se voltan-

região canavieira, não só para de-

deste (onde o relevo plano favorece a

do para o labor no campo.

terminado município”, estima.

automação na colheita, implicando

As negociações ganharam cada

A organização dos trabalha-

no barateio dos custos de produção)

vez mais força depois de 79, trans-

dores, a mudança de atitude dos

são alguns dos fatores que influencia-

formando em realidade, ao longo

patrões e a atuação do trt-pe, da

ram a retração da produção.

dos anos, benefícios como o for-

prt-te e do mte refletem-se hoje

Mesmo assim, são visíveis as me-

necimento de água potável durante

em condições mais dignas de tra-

lhorias na conjuntura do trabalho

toda a jornada, a implementação de

balho no setor canavieiro.

42

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Na prateleira Carnaval - Os Efeitos Jurídicos da Folia

Repercussão geral da questão constitucional

Perícia digital - da investigação à análise forense

Coordenadoras

Autor

Coordenadores

Fernanda Schaefer e Karin Cristina Bório Mancia

Evandro Della Vecchia

Luiz Fux, Alexandre Freire e Bruno Dantas

Editora Juruá

Editora Millennium

Editora Forense

A obra trata dos possíveis desdobramentos judiciais decorrentes do carnaval. Entre os temas abordados estão “Filhos do Carnaval e Reconhecimento Voluntário de Filiação”, trabalhado pela doutora em Direito das Relações Sociais, Fernanda Schaefer, e “Crimes de Carnaval - A Fantasia da Liberdade Sem Limites”, exposto pela mestra em Filosofia e especialista em Direito Penal e Criminologia, Thathyana Assad.

Versando sobre os crimes digitais, o livro é dividido em duas partes. A primeira, voltada para a investigação digital, aborda conceitos e técnicas para o rastreamento e a identificação do criminoso. Na segunda, que corresponde à fase da perícia digital, são apresentados conceitos e procedimentos adequados para análise forense em equipamentos. O livro tem autoria de Evandro Della Vecchia, Mestre em Ciência da Computação e perito criminal na área de Perícia Digital desde 2004.

Tendo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux como um dos coordenadores, a obra reúne estudos realizados por importantes juristas nacionais sobre o instituto da repercussão geral, criado pela Emenda Constitucional 45/2004. A coletânea avalia os 10 anos de criação do instrumento, concebido como ferramenta para a redução da sobrecarga de recursos submetidos à apreciação do stf

Para entender o salário

Os limites constitucionais da terceirização

História do Direito no Brasil

Autor

Autores

Autor

Márcio Túlio Viana

Gabriela Neves Delgado e Helder Santos Amorim

Antonio Carlos Wolkmer

Editora LTr

Editora LTr

Editora Forense

Juiz do trabalho aposentado e professor na pós-graduação da PUC-Minas, Márcio Túlio Viana fala sobre questões que ajudam a entender a composição do salário. Respondendo a perguntas como “O que é o salário?”, “Como entender a lógica dos cálculos, mesmo sem saber calcular?” e “Quais as formas tradicionais de proteção do salário e quais os modos usados hoje para desprotegê-lo?”, o autor explica com linguagem simples e olhar crítico a natureza deste meio de pagamento.

A obra, de autoria da doutora em Filosofia do Direito Gabriela Delgado e do mestre em Direito Constitucional e procurador do trabalho Helder Amorim, reflete de forma doutrinária e jurisprudencial sobre os limites constitucionais da terceirização em um horizonte humanista de proteção ao trabalho. Para tanto, percorre os caminhos trilhados pela jurisprudência trabalhista na construção interpretativa da Súmula 331 do tst e apresenta debates entre o Direito Constitucional e o Direito do Trabalho.

Doutor em Filosofia do Direito e da Política, Antonio Wolkmer retoma, nesta obra, os estudos históricos no âmbito do Direto. Permitindo a releitura e a revisão da cultura jurídica tradicional brasileira, o livro apresenta o fenômeno jurídico enquanto expressão cultural de ideias, práticas normativas e instituições, apontando para a construção de nova historicidade no Direito, sob uma perspectiva desmistificadora.

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ENSAIO: labor das deusas por Stela Maris Domicílio de Vênus Maria Alice Amorim Invoco

Deméter

devi eva lilith maria

amamenta a terra

todas as musas

parvati kali shakti oxum ó feminino

mater mamapacha explode estas sementes

revigora o bosque de romãs

Héstia

Perséfone

os alimentos escolhidos

e traz a primavera

a lenha está pronta

acende a lareira assa o pão

vivifica a lamparina

vem

não esquece

as flores acordam o lume perfumam o labirinto acendem o céu

Ísis

Hécate

colhe o junco

ó deusa antiga

toma o tear

fia e tece a vida dá o abrigo do sicômoro o balanço de barcos

o aconchego das águas

a saciedade contentamento

ó velha

atenua o rigor da labuta

suaviza a firmeza da rocha de pérola e escuma é o caminho







Brasileiros trabalhando pelo mundo

Do Canadá à França, de Angola à Índia, em busca de novas experiências ou melhores condições de vida, profissionais deixam o Brasil e passam a trabalhar em países dos cinco continentes

Texto: Francisco Shimada Fotos: Arquivos pessoais dos entrevistados

N

uma

simples

observa-

de pau-brasil; e brasileiro era quem

equivale a 2% do total de migrantes

ção da língua portugue-

trabalhava na extração da madei-

em todo o planeta durante o período,

sa, percebe-se que o sufixo eiro é

ra. Numa livre interpretação do

que chega a 200 milhões de pessoas,

utilizado na formação de palavras

adjetivo pátrio, todos, neste país,

segundo informações da Organiza-

com referência às profissões. Tem-

já nascem com uma profissão e,

ção das Nações Unidas (onu).

se, então, jornaleiro, carpinteiro,

numa visão empírica, conseguem

No início dos anos de 1980, os

padeiro, borracheiro, engenheiro

se destacar no trabalho que venham

principais destinos dos brasileiros

e tantas outras atividades. Nesse

a escolher, seja em terras brasileiras

eram Estados Unidos, Japão, Para-

ponto, a história por trás do gentílico

ou estrangeiras.

guai e países da Europa. Com o pas-

brasileiro também faz referência a

De acordo com dados do Ministé-

sar dos anos, esse fluxo migratório

rio de Relações Exteriores (mre) e do

ficou mais diversificado e intenso.

Colônia de Portugal entre os

Ministério do Trabalho e Emprego

Para além de turismo e estudo, mui-

séculos xvi e xviii, o Brasil, por

(mte), nos últimos 35 anos, mais de

tos são trabalhadores, em busca de

muitos anos, apenas serviu como

quatro milhões de brasileiros passa-

oportunidades de emprego e renda

terra para a exploração da árvore

ram a viver no exterior. Esse número

no exterior.

uma ocupação profissional.

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Um Brasil no Canadá

o engenheiro de software potiguar Uelber Dantas e a gerente mineira Myrna Saramago. A violência, a corrupção e a instabilidade econômica do Brasil são algumas das razões citadas pelos en-

Canadá

trevistados como justificativas para a mudança. Sobre os aspectos que influenciaram a opção pelo Canadá, todos são unânimes: oportunidade profissional, qualidade de vida e estabilidade social. “Na verdade, não foi simplesmente uma decisão de morar fora do Brasil, e sim o desejo de morar e crescer com minha fa-

Licença maternidade (50 meses) / paternidade (20 meses) sem vencimento integral. Férias não remuneradas proporcionais ao tempo de trabalho. Não existe pagamento de 13º salário, vale refeição e vale transporte.

Atraídos pelas oportunidades

mília no Canadá, combinado com o

oferecidas por empresas e pelo

descrédito do sistema sócio-político

Governo canadense, milhares de

brasileiro. O Brasil é um país que

brasileiros têm se dirigido para a

não garante segurança, educação,

América do Norte em busca de

saúde, oportunidades para os nos-

Carvalho, vê na comparação en-

empregos. Estima-se que 30 mil já

sos filhos, sistema político respei-

tre os modos de vida canadense e

vivam no Canadá, de acordo com

tável e idoneidade administrativa”,

brasileiro a razão para continuar

informações do Governo do Brasil.

justifica o químico Átila de Carva-

em terra estrangeira. “Quando nos

Uma das localidades que mais atrai

lho, 48.

mudamos para cá [Cibele e o ma-

Flexibilidade de horário.

os trabalhadores é Edmonton, capital

Há 13 anos no Canadá, o quí-

rido], nossa intenção era cumprir

da província de Alberta, no meio

mico baiano começou a trabalhar

o prazo necessário para adquirir a

oeste canadense.

aos 19 anos de idade em empresas

cidadania canadense e, então, voltar

Na cidade, vivem profissionais

de grande porte nos ramos de pe-

para o Brasil. No entanto, hoje, 11

de diversas regiões do Brasil, que

tróleo e petroquímico, com pas-

anos depois, nosso plano mudou.

conseguiram, em grande parte, após

sagem, inclusive, pela Petrobras.

O Canadá se tornou nossa casa, e

um período inicial de adaptação,

Atualmente, Átila de Carvalho é o

não consigo mais imaginar minha

seguir atuando em sua área de ori-

responsável técnico pelo Departa-

família morando no Brasil. O pro-

gem. Entre esses brasileiros, estão o

mento de Operações Ambientais da

blema da segurança é o principal

químico baiano Átila de Carvalho,

Dow Chemical Company, empresa

motivo. Estabilidade financeira e

a advogada paulista Cibele San-

norte-americana de produtos quí-

o futuro dos meus filhos também

vido, a coordenadora de projetos

micos, plásticos e agropecuários.

têm um grande peso nessa decisão”,

pernambucana Christina Mesqui-

Também há mais de uma déca-

ta, o administrador de banco de

da no Canadá, a advogada Cibele

Cibele Sandivo e o marido de-

dados paraibano Luciano Jordão,

Sanvido, 40, a exemplo de Átila de

cidiram deixar Campinas, em São

enumera.

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Paulo, após a multinacional onde

sem dominar a língua é quase im-

exoneração do Ministério Público

ele trabalha solicitar a transferên-

possível. O clima pode ser consi-

da União (mpu) para trabalhar fora.

cia dele do Brasil para o Canadá.

derado um desafio, em proporções

Além das motivações e dos de-

Depois de atuar no ramo jurídico

bem menores. Começar por ‘baixo’,

safios enfrentados com a mudança,

por sete anos, no interior paulista,

ou seja, aceitar uma vaga inferior

o que atrai tantos brasileiros para

a advogada se viu na situação de

ao que você tinha no Brasil só para

território canadense? As respostas

mudar de país e atuação. “Encer-

entrar no mercado de trabalho,

podem estar nos argumentos a se-

rei minha carreira, quando mudei

também pode ser considerado um

guir. Dono de uma empresa de con-

para cá, pois não pude validar meu

desafio”, detalha a coordenadora

sultoria, com filiais em Edmonton,

diploma aqui. Teria de fazer o curso

de projetos Christina Mesquita.

no Canadá, e João Pessoa – Paraíba,

de Direito novamente, para poder

Aos 38 anos, a recifense conseguiu

no Brasil, o potiguar Uelber Felicia-

advogar aqui”, lembra a brasileira,

permanecer na área de Tecnologia

no Dantas Júnior, 42, descreve como

que hoje trabalha num programa

da Informação (ti), mesmo ramo

incríveis as situações de trabalho

chamado Childminding na ymca,

de trabalho em que atuava em Per-

naquele país. “As condições gerais

um centro recreativo para a família.

nambuco.

de emprego no Canadá chegam a

Mais um ponto de convergência

Natural de Campina Grande,

ser surreais, se comparadas à rea-

entre os brasileiros que decidiram

na Paraíba, o também profissional

lidade brasileira. Flexibilidade é a

trabalhar no Canadá é as dificulda-

da área de ti Luciano Jordão, 40,

palavra chave. Você pode solicitar

des enfrentadas em outro país, com

lembra o processo de adaptação

alguns dias de férias mesmo antes de

destaques para adaptação climáti-

como maior desafio enfrentado no

começar no trabalho. Estou citando

ca, diferença cultural, procura por

Canadá. “Para mim, o principal foi

esse exemplo porque, recentemente,

emprego e aprendizado do inglês.

me acostumar com a diversidade.

descobri que não poderia deixar um

“A língua! Definitivamente é um

Eu sou nordestino, mas, depois que

empregado da filial do Brasil gozar

grande desafio. Procurar emprego

terminei a universidade, fui morar

suas férias antes que completasse 12

em Brasília. Os costumes são um

meses de trabalho. Outras diferen-

pouco diferentes, mas é tudo Bra-

ças notórias: 50 meses para licença

sil. Já aqui, você encontra gente de

maternidade, podendo ainda o pai

todo o lugar do mundo, cada um

usufruir até 20 meses desse perío-

com suas manias e costumes. Acei-

do, e horário flexível”, destaca o em-

tar certas coisas ainda é um desafio

presário, presidente da One Logic

para mim. Outro problema foi em

Soluctions.

relação à comida, muito diferente da

A preocupação com o bem-es-

nossa. Além da distância da famí-

tar da família é justamente mais

lia e idioma”, explica o administra-

um aspecto que chama a atenção

dor de banco de dados, que pediu

dos brasileiros que trabalham no

A competição entre as empresas em busca do melhor profissional chama a atenção do baiano Átila de Carvalho, que mora no Canadá há 14 anos

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REVISTA DIALOGAR  · DEZEMBRO / 2014 - MARÇO / 2015


Canadá. Esse é o ponto de vista da gerente Myrna Saramago, que, aos

estava sem companheiro, achei uma

Contraste europeu

boa oportunidade para aproveitar e

38 anos, é Engineering Cost Asso-

tentar a vida fora do Brasil. Ao me-

ciate da Enbridge, maior empresa

nos, estudar outra língua, para

canadense de oleoduto. “Todos

enriquecer minha área pro-

aqui valorizam muito a qualidade

fissional”, lembra Acioli.

de vida e o tempo disponível para a

Catorze anos depois e

família. A família é mais importan-

mais experiente, a per-

te do que o trabalho. Geralmente

nambucana agora trabalha

fico até mais tarde no trabalho, e o

na Eurotech France sas, no ramo

meu chefe me lembra sempre que

da construção civil.

eu tenho filhos e que preciso de-

Com ampla experiência em em-

dicar mais tempo a eles. Sempre

presas e instituições brasileiras, a

escuto frases como ‘deixe isso para

exemplo do Grupo ASA, do Servi-

amanhã’; parece nada ser urgente!

ço Brasileiro de Apoio às Micro e

Não consigo ainda pensar como os

Quando decidiu deixar o Recife em

Pequenas Empresas (Sebrae) e do

canadenses, pois, no Brasil, tudo

direção a Paris, a secretária técnica

Grupo Moura Dubeux, engana-se

era para ‘agora’”, relembra a minei-

e administrativa Sony Acioli tinha

quem pensa que Sony Acioli teve

ra de Belo Horizonte.

34 anos e buscava novas experi-

vida menos burocrática na França

Entre as diferenças trabalhistas

ências. “No fim do ano 2000, um

para conseguir emprego. “Adapta-

vivenciadas nos dois países, alguns

período da minha vida em que eu

ção e a dificuldade para encontrar

pontos chamam a atenção. No Ca-

uma atividade profissional, para en-

nadá, ao contrário do Brasil, não

trar no mercado de trabalho, são os

há pagamento de 13º salário, adicio-

principais desafios. Comecei como

nal de férias ou vencimento integral

estagiária e tive de fazer uma forma-

durante a licença maternidade. Em

ção de mais de 800 horas para voltar

agosto de 2014, entrou em vigor um

a atuar profissionalmente, além de

acordo previdenciário entre os dois

preparar um dossiê com certifica-

países, que beneficia trabalhadores

dos de horas exercidas nas empresas

e servidores migrantes brasileiros

brasileiras e diplomas de formação,

e canadenses. Os benefícios con-

tudo isso para comprovar que você

templados no acordo são aposen-

é uma profissional. Depois precisa

tadoria por idade, aposentadoria

se atualizar com formação na área

por invalidez e pensão por morte.

de trabalho escolhida, no caso de

Após conhecer as peculiaridades do

você ser estrangeira”, explica.

trabalho no Canadá, é hora de atravessar o oceano Atlântico e observar o estilo de vida dos trabalhadores brasileiros na Europa.

Pernambucana Sony Acioli, há 15 anos na França, aponta a burocracia como uma das principais dificuldades para entrar no mercado de trabalho europeu

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França

roupas masculinas e produtos de

merece pelos patrões e pelos even-

jardim, além da experiência brasi-

tuais clientes”, afirma a tradutora

leira nas áreas de construção civil,

Vanusa Brasil. “Não tenho resposta

indústria e comunicação.

jurídica para a questão dos direitos

Outra nordestina na França é a

e deveres, mas posso dizer que o sis-

tradutora autônoma Vanusa Brasil,

tema trabalhista é mais organizado

44. Natural de Riachão do Jacuípe,

e mais justo que o do Brasil. Em mi-

na Bahia, a professora de formação

nha opinião, não existe realmente o

decidiu se mudar após ganhar uma

sistema do ‘jeitinho’ com o patrão.

bolsa para mestrado em uma univer-

Tudo deve ser declarado e todos têm

sidade francesa. A rotina dela é de-

direito às suas férias, queira o patrão

Férias remuneradas de cinco semanas.

finida pela própria como “trabalho,

ou não”, exemplifica a tradutora, ao

trabalho, trabalho” e superação de

complementar a opinião sobre a or-

Jornada de trabalho semanal de 35 horas.

desafios variados. “Inicialmente, há

ganização do trabalho na França.

dificuldades para comunicar devido

Numa comparação com o Bra-

13º salário é facultativo.

à nova língua, o preconceito e a dis-

sil, por exemplo, a jurisprudência

criminação no cotidiano, concorrên-

trabalhista francesa também é con-

cia no trabalho entre outras coisas

siderada protetiva pelas brasileiras.

como as condições difíceis, mercado

“França é um país que protege os

exigente, nenhum reconhecimento,

trabalhadores. Você não pode ser

muita concorrência, muitos impos-

demitido sem um motivo muito

Quem também decidiu deixar

tos a pagar, vida cara, adaptação à

grave e, quando acontece, você

o Nordeste brasileiro em busca de

cultura, ao clima...”, relata a baiana.

tem direito, durante dois anos, a

mudanças na capital francesa é a

Em Paris, antes de se dedicar total-

setenta por cento (70%) do salário.

alagoana Maria Raquel Boulanger,

mente à tradução, dublagem e narra-

Você tem a oportunidade de estu-

42. Assistente comercial em uma

ção, Vanusa Brasil trabalhou por um

dar também”, informa a assistente

empresa de locação de veículos, ela

ano na área de publicidade de uma

comercial Maria Raquel Boulanger.

divide a rotina doméstica e o cui-

empresa portuguesa com mercado

“A relação entre direitos e deveres

dado dos dois filhos com o marido

em território francês.

é correta. Existem vários sindica-

Seguro desemprego no valor de 70% do salário por até dois anos.

francês e também produz bijuterias,

Os relatos das brasileiras apon-

tos, sempre prontos para intervir.

que vende às amigas e colegas de

tam as dificuldades vivenciadas na

Não é obrigatório o 13º salário,

trabalho. “Encontrei meu marido

Europa. Comparada à situação no

por exemplo; em compensação,

em Maceió e vim para morar com

Canadá, onde, segundo os brasi-

a legislação trabalhista é de cinco

ele. O idioma, o frio, a cultura dife-

leiros, existe uma maior preocu-

semanas de férias”, completa a se-

rente e a saudade de nossa família e

pação com a qualidade de vida, na

cretária Sony Acioli. Bem ao sul da

do Brasil são os principais desafios

França, prevalece a necessidade de

França, mas agora no continente

enfrentados no exterior”, afirma.

trabalho. “As condições são difíceis.

africano, é o momento de conhe-

Antes desse emprego, ela já havia

Você se dá conta de que vive para o

cer a realidade de um trabalhador

trabalhado como vendedora de

trabalho e não é reconhecido como

brasileiro na pátria-irmã Angola.

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REVISTA DIALOGAR  · DEZEMBRO / 2014 - MARÇO / 2015


Proximidade entre

que as condições de emprego não

exemplo, copeiras, vigilantes, auxi-

angolanos e brasileiros

recebem a tutela do Estado e nem

liares de limpeza e motoristas, que

a supervisão adequada para garan-

recebem salários muito mais bai-

tir os padrões mínimos de higiene,

xos”, afirma. Em Angola, a exemplo

segurança e qualidade”, alerta.

do Brasil, o serviço público é sinô-

Sobre os empregos formais, o educador Júlio Henrique destaca a

nimo de segurança e estabilidade em longo prazo.

existência do serviço público e da

Ainda sobre os empregos for-

iniciativa privada, num processo

mais, eles garantem direitos aos

de seleção, divisão de tarefas, sa-

trabalhadores angolanos: recolhi-

lários e demais benefícios também

mento dos impostos previstos por

bastante parecidos com o Brasil.

lei, e eventuais outros benefícios

“A minoria dos cidadãos trabalha

discriminados dentro das cláusu-

no setor formal, que pode ser o da

las contratuais, como subsídio de

função pública ou o do setor pri-

transporte, alimentação e seguro de

vado. Na função pública, cujo en-

saúde. Esses direitos são estendidos

quadramento acontece por meio de

aos trabalhadores da iniciativa pri-

um concurso de ingresso, existem

vada. “Temos ainda o setor privado,

várias categorias profissionais que

que, em Angola, está muito presen-

A exemplo do Brasil, Angola tam-

recebem vencimentos e benefícios

te e desenvolvido, sobretudo nos

bém foi colônia portuguesa por sé-

muito diferentes entre elas. De fato,

setores petrolífero, da construção

culos. As semelhanças entre os dois

temos categorias privilegiadas e

civil, da extração de minérios, das

países transpassam a miscigenação

bem pagas, e outras categorias, por

finanças... Nesses setores, trabalham

e o idioma, e também chegam às relações trabalhistas, como descreve o educador social pernambucano Júlio Henrique Lopes da Silva, 31, que vive há cinco anos na nação africana. “Existe uma primeira grande diferença dentro do mercado do trabalho em Angola, e é a entre trabalho formal e trabalho informal. A grande maioria dos cidadãos angolanos estão empregados no mercado informal, sobretudo na venda de bens e serviços nos pequenos e grandes mercados a céu aberto. Esse tipo de profissão não está formalmente regularizado, pelo

Com pouco mais de cinco anos em Angola, o pernambucano Júlio Henrique observa a semelhança nas relações de trabalho entre brasileiros e angolanos

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os quadros gerenciais estrangeiros

Em 2010, quando passou a tra-

e nacionais, ocupando posições de

balhar em Luanda, capital angola-

alto nível e de alta renda. Nessas

na, Júlio Henrique pôde observar

profissões, são representadas as

os contrastes e semelhanças entre

camadas sociais melhor sucedidas

os cotidianos de trabalhadores. “A

do país, apesar de ser uma minoria”,

realidade urbana da cidade capital

aponta Júlio Henrique.

nos proporciona outros desafios em

A história do educador social

comparação ao meio rural da pro-

fora do Brasil começou em 2008,

víncia. Por exemplo, a concentração

quando ele foi morar na Itália. Após

de pessoas que vivem em Luanda

o período de um ano na Europa,

torna a cidade muito caótica em

acompanhado da esposa italiana,

termos de deslocação e fruição de

Júlio Henrique ingressou na Or-

serviços que são insuficientes para

ganização Não Governamental

todos. Para ter uma ideia, aproxi-

Volontariato Internazionale per

madamente a metade da população

lo Sviluppo (ong vis). Logo após

total de Angola vive em Luanda”, de-

integrar o grupo, o casal foi trans-

clara. Outros desafios enfrentados

ferido a Angola, para a província

estão ligados à violência causada

fronteiriça do Moxico, na cidade

por questões econômicas e sociais.

de Lwena, na qual desenvolveu

Júlio Henrique trabalha no Hos-

inúmeras atividades humanitárias.

pital da Divina Providência. Ele im-

“Em 2009, quando fui para Angola,

plementa projetos de sensibilização

comecei a conhecer outros desafios

comunitária através do desenvolvi-

enfrentados por um brasileiro no

mento de atividades de informação,

exterior. Na província do Moxico,

educação e comunicação sobre te-

hospital para monitorizar alguns ca-

que se encontra a 1.300 quilômetros

mas relacionados à saúde pública.

sos de pacientes mais delicados ou

de distância do litoral de Angola

Além de ser educador social, ele

vulneráveis”, lembra Júlio Henrique,

e que faz fronteira com a Zâmbia,

apoia a Seção de Estatística do hos-

que acompanha, especialmente,

tive que enfrentar as limitações li-

pital, através do recolhimento e do

pessoas vítimas de hiv/Aids.

gadas à carência de luz e água, bem

processamento de dados epidemio-

A percepção da realidade de tra-

como a escassez de bens e serviços

lógicos, e também realiza ações vo-

balhadores do Brasil e de Angola

dos quais normalmente precisa-

luntárias. “Tendo em conta que eu,

também pode ser aplicada a outras

mos. Outro desafio foi a questão

como trabalhador expatriado, moro

nações. Na Índia — segundo país

da língua, porque, mesmo sendo

numa casa dentro do perímetro do

mais populoso do mundo, com

um país de língua portuguesa, nas

hospital, às vezes, tiro um tempo

aproximadamente 1,21 bilhão de

províncias a maioria das pessoas

após o trabalho para visitar os do-

habitantes, de acordo com o censo

falam apenas o dialeto local, que,

entes e conversar com os acompa-

indiano publicado em 2011 —, a in-

no caso do Moxico, era a língua da

nhantes. Aos finais de semana, dou

formalidade nas relações de trabalho

tribo Tchockwe”, conta.

uma volta pelos internamentos do

é uma característica recorrente.

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REVISTA DIALOGAR  · DEZEMBRO / 2014 - MARÇO / 2015

Angola

Informalidade do mercado de bens e serviços, sem a tutela do Estado. Subsídios para transporte, alimentação e seguro de saúde, além de outros benefícios estabelecidos em contrato. Estabilidade no serviço público.


Informalidade indiana “formalizada”

mas mudou de ramo e tornou-se diretora de uma escola particular Montessoriana, que utiliza método educacional desenvolvido pela multiprofissional italiana Maria Montessori. Com 180 alunos e funcionando apenas em um turno, a esco-

Índia

la conta com o

trabalho

de Helena em todas as áreas. “A minha escola só funciona pela manhã, das 8h30 até as 12h30. Como sou a diretora, chego sempre lá pelas 8h20, recebo as crianças e cumprimento os pais. Depois obQuando tinha 23 anos, a jornalista

servo as classes, crianças e profes-

pernambucana Helena Sales Mama,

sores. Quando necessário, ajudo as

46, decidiu viajar do Recife para

professoras na classe, faço toda a

Londres. Em solo inglês, ela trocou

administração escolar, admissão,

a experiência em jornais, rádios e

matrículas, programa e segurança”,

assessorias pelo trabalho como au

detalha.

Não existe legislação trabalhista normatizada. O 13º salário é facultativo. Em caso de demissão, não há aviso prévio ou indenização para algumas profissões, a exemplo de professores. Férias de três semanas. Trabalhadores domésticos não têm carteira assinada.

pair – cuidadora de criança – e gar-

Para a diretora Helena Sales

consolida as relações de trabalho

çonete. Nesse período, ela conheceu

Mama, na Índia as relações de tra-

com determinações para pagamen-

um indiano, com quem se casou, e

balho ainda são atrasadas e não

to de salário-mínimo e hora-extra,

mudou-se com ele para Bombaim, a

contam com uma legislação norma-

tempo de jornada de trabalho, fé-

maior e mais importante cidade da

tizada, o que acaba desfavorecen-

rias, licença maternidade, entre ou-

Índia, inclusive à frente da capital,

do os trabalhadores. “As questões

tros direitos. “Quando fiz freelancer

Nova Déli, localizada às margens

trabalhistas aqui na Índia ainda são

para a revista e o jornal, também

do oceano Índico.

bastante rústicas. Os [trabalhado-

não precisamos de nada oficial.

Na Índia, a jornalista teve de su-

res] domésticos não precisam de

Recebia só um cheque por material

perar as dificuldades para apren-

carteira assinada, nem fundo de

escrito”, relembra.

der o idioma, fazer novos amigos

Previdência. Fica tudo na mão do

Ela explica que o processo de

e adaptar-se a costumes tão dife-

empregador. Se ele for bom, ótimo;

administração do próprio empre-

rentes. No começo, ela prestou

senão…”, revela. Num contraponto,

endimento é, de certa maneira, mais

serviços autônomos à revista Auto

já está em vigor, no Brasil, desde

livre. “Como é uma escola privada

Índia e ao jornal The Times of India,

2013, a Lei das Domésticas, que

para crianças de dois a cinco anos,

REVISTA DIALOGAR  · DEZEMBRO / 2014 - MARÇO / 2015

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não precisamos seguir nenhuma regra governamental. As professo-

Cara e coragem na

“Terra dos Cangurus”

ras recebem salários mensalmente, pagamos impostos e fundo de garantia, mas, se elas são despedidas ou pedem demissão, não há nenhuma formalidade a cumprir. Não precisamos pagar um décimo terceiro salário, nem indenização. Os professores também não precisam dar aviso prévio”, explica a diretora, que cita um exemplo de emprego no qual há maior formalização. “Se o empregado trabalha para um hotel, ele já recebe um bônus no Diwali, ano novo indiano,

A piauiense Gisele Scantlenbury, 39,

mudança, mesmo que não fosse

como um décimo terceiro salário.

passava por dificuldades, quando

tão radical. Lembro que, na mesma

O empregador investe num fundo

decidiu mudar-se para outra cidade,

época, uma amiga que morava na

de garantia, férias obrigatórias de

outro país. Ao deixar o Brasil, ela

Nova Zelândia há algum tempo me

três semanas e, se o trabalhador sair

trabalhou de babá, faxineira, gar-

instigou a passar um tempo por lá.

do emprego ou for demitido, rece-

çonete e auxiliar de escritório em

Não foi uma decisão fácil, mas eu

be quinze dias de salário por cada

Auckland, na Nova Zelândia. Com

senti naquele momento que não ti-

ano trabalhado”, completa Helena

pouco dinheiro e sem dominar o in-

nha muito a perder e resolvi peitar o

Sales Mama. Importante destacar

glês, ela viu no exterior uma forma

desafio. Fui com a cara e a coragem

que, além das ações de cada país

de se reinventar. “Eu estava passan-

mesmo. Pouco dinheiro e quase não

voltadas para a regulamentação da

do por um momento difícil, tanto

falava inglês”, relembra.

legislação trabalhista, nove conven-

profissional quanto emocionalmen-

A experiência com o jornalis-

ções da Organização Internacional

te. Não estava bem, um pouco can-

mo, adquirida no Brasil, foi válida,

do Trabalho (oit) e quatro da onu

sada de tudo e precisando de uma

quando Gisele Scantlenbury decidiu

visam a proteger os trabalhadores

trocar a Nova Zelândia pelo Japão.

migrantes em todo o mundo.

Como já havia trabalhado como as-

Na Austrália vive outra jornalista

sessora de Comunicação da Superin-

brasileira, que se tornou professora

tendência de Desenvolvimento do

e atualmente é gerente de projetos.

Nordeste (Sudene) e da Secretaria de

A realidade dos brasileiros nesse

Defesa Social de Pernambuco, além

país assemelha-se ao cotidiano dos trabalhadores no Canadá, ambos os países de colonização inglesa.

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Ao mudar-se para a Índia, há mais de duas décadas, pernambucana Helena Sales trocou as redações jornalísticas pela administração escolar


de passagens pela Gazeta Mercantil,

preocupação com a qualidade de

pela Rádio cbn e por campanhas po-

vida e o cuidado com a família.

líticas, ela se tornou correspondente

“Acredito que aqui os trabalhadores

internacional na Ásia. “Já em Tóquio,

são mais protegidos. Para se demitir

trabalhei para um jornal brasileiro.

alguém, por exemplo, você precisa

Comecei como freelancer e fui edi-

dar alguns avisos verbais e um por

tora chefe por um período. Depois,

escrito. Não pode, simplesmente,

sabendo que poderíamos [ela e o ma-

mandar o cidadão embora. Uma

Flexibilidade de horário.

rido] voltar para a Nova Zelândia,

coisa que percebo na cultura aus-

resolvi que precisava trabalhar em

traliana é que aqui a gente não vive

Salário calculado a partir de horas trabalhadas.

algum lugar para treinar meu inglês

para trabalhar. Eles têm preocupa-

e virei professora.” A mudança acon-

ção com o lazer, passar tempo com

teceu, mas não foi um retorno para

os filhos. O emprego é apenas um

Auckland. Gisele e o marido austra-

meio para se conseguir o padrão de

liano se mudaram para Melbourne,

vida desejado, mas ninguém vive

na Austrália.

para trabalhar”, destaca a brasileira.

Austrália

Cumprimento de aviso prévio e pagamento de seguro desemprego. Auxílio-creche de 50% dos gastos com filhos até cinco anos.

A situação de trabalhadores

Gisele ainda cita outros exem-

em Melbourne se assemelha à

plos de como funcionam as relações

dos brasileiros em Edmonton, no

de emprego na Austrália. Alguns

normalmente inclui alguns meses

Canadá, personagens de abertura

pontos se assemelham ao Brasil,

de salário. Há certa flexibilidade

reportagem. Gisele Scantlenbury,

como o pagamento de seguro de-

para quem tem filhos, muitas mães

que deixou as redações jornalísticas

semprego. “Outra opção é quando a

não trabalham em horário integral

e se tornou gerente de projetos de

empresa não tem mais como manter

ou apenas alguns dias da semana. O

uma empresa de tecnologia, avalia

sua vaga, por questões financeiras.

salário é calculado de acordo com

que, na Austrália, o empregado é

De forma geral, precisam te pa-

as horas trabalhadas.”

bastante valorizado e há uma maior

gar um pacote de demissão, que

Ainda sobre as semelhanças entre Brasil e Austrália, a brasileira também destaca o cumprimento do aviso prévio. “Dos empregados é exigido apenas que deem o melhor de si, cheguem no horário, avisem quando vão faltar e ofereçam, em média, quatro semanas de aviso se vão deixar o emprego”, completa Gisele Scantlebury.

Há mais de uma década fora do Brasil, piauiense Gisele Scantlenbury trabalhou de babá, faxineira, garçonete, auxiliar de escritório e jornalista

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Retorno para “casa”

“Queridas filhas, vocês chegam

brasileira, do jornalista Pedro Bial,

para viver em Edmonton, é categó-

ao Brasil depois de amanhã. (...) Em

publicada no livro Crônicas de re-

rica sobre um retorno: “Nunca”. Já o

primeiro lugar, tenham paciência.

pórter: o correspondente internacio-

químico Atila de Carvalho, que tro-

Principalmente porque vocês vêm

nal conta tudo o que não se diz “no

cou Salvador também pela cidade

morar no Rio de Janeiro, onde parece

ar”, da Editora Objetiva. Quando

canadense, utiliza o mesmo nunca

que a primeira solução de qualquer

decidiu voltar a morar no Brasil,

com uma paráfrase ao ditado po-

problema é o adiamento. Mas, com

na década de 1990, depois de uma

pular: “A vida me ensinou a nunca

tolerância e esquecendo a pressa, as

temporada na Europa, o jornalista

dizer nunca sobre alguns aspectos, e

coisas acabam se resolvendo. Por-

escreveu uma carta às filhas com

voltar a morar no Brasil é certamente

que, na batata mesmo, o número de

detalhes sobre o lar de origem, na

um deles, mas poderia expressar que,

pessoas que gostaria de resolver as

qual, entre outros pontos, fala sobre

neste momento, não tenho planos de

coisas, de melhorar a cidade é maior,

readaptação, costumes e mercado

voltar a morar no Brasil”.

bem maior do que o número de pre-

de trabalho brasileiro.

guiçosos e aproveitadores. Os brasi-

Quem também não deseja voltar

Entre os personagens ouvidos

para os trópicos, para a Paraíba, é o

pela Dialogar, a possibilidade de

administrador de banco de dados

As aspas que abrem a parte final

voltar ao Brasil revela um pouco

Luciano Jordão, ao afirmar, em nome

desta “viagem” pelo cotidiano dos

como cada um se sente em outros

da família, que “não pretendemos

trabalhadores brasileiros no exte-

países. A gerente mineira Myrna Sa-

voltar a morar no Brasil. Hoje temos

rior é um trecho da crônica Cartilha

ramago, que deixou Belo Horizonte

uma vida confortável aqui. O que

leiros trabalham muito.”

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sinto falta do Brasil é os meus filhos

de Uelber Dantas, a advogada pau-

não pretende voltar para o Brasil

não conhecerem bem a nossa cul-

lista Cibele Sanvido não mais imagi-

no momento. “Ainda mais agora,

tura, apesar de falarem português”.

na a família vivendo no Brasil.

que tenho uma esposa e uma filha,

Enquanto isso, a coordenadora de

Da França, a assistente comercial

não é minha vontade atual. Caso, no

projetos Cristina Mesquita gostaria

Maria Raquel Boulanger diz querer

futuro, se abrissem caminhos para

de levar os familiares pernambuca-

voltar ao Brasil, quando os filhos

conseguir algo na minha terra, en-

nos para o Canadá: “Difícil respon-

estiverem na universidade; a tradu-

tão, será um opção a ser tomada em

der. Tem muita coisa que precisa ser

tora Vanusa Brasil também deseja

conta. Amo muito o Brasil, mas não

avaliada antes de tomar uma decisão.

retornar; e a secretária administra-

pretendo voltar até que não veja uma

Se eu pudesse trazer a minha família

tiva Sony Acioli pondera o retorno,

oportunidade concreta para mim e

pra cá, não voltaria”.

mas se sente motivada pela compa-

para o bem da minha família.” Julio

O empresário potiguar Uelber

nheira a viver no Brasil novamente.

Henrique continua as atividades em

Dantas, momentaneamente, tam-

“Depois de 14 anos aqui, ainda não

Angola, mas, no período da entrevis-

bém não tem intenção de deixar o

surgiu essa vontade, como em ou-

ta, estava na Itália, para acompanhar

Canadá. “Nossos filhos nasceram e

tros amigos, a maioria de São Paulo,

o nascimento da primeira filha.

estão crescendo aqui. Temos uma

que voltaram em 2013. Tem a ques-

Já as (ex)jornalistas Helena Sales

roda de amigos com laços muito for-

tão da idade, o medo para entrar no

Mama e Gisele Scantlenbury estão

tes, e, no final das contas, atingimos,

mercado de trabalho novamente...

decididas a permanecer no exterior.

ou melhor, superamos os ideais tra-

Mas há a possibilidade de voltar

Sales pretende ficar na Índia, no ge-

çados antes da imigração. Mas talvez

com um projeto meu, por exem-

renciamento da escola, e visitar o

exista a possibilidade de passarmos

plo. Hoje tenho uma companheira

Brasil “só de férias”. Da Austrália,

temporadas no Brasil quando nos

francesa, Isabelle Bousson. Estamos

Scantlenbury afirma sentir falta da

aposentarmos, uma vez que o verão

juntas há 12 anos. Ela é professora

família e dos amigos brasileiros,

brasileiro coincide com o inverno

primária, muito mais motivada a

mas se encontrou no novo lar e no

rigoroso daqui”, justifica. A exemplo

morar no Brasil e atuar na área pro-

gerenciamento de projetos de tec-

fissional. Quem sabe, um dia, vol-

nologia. “Eu sinto muita falta da

tarei, acompanhando Isabelle com

minha família e dos meus amigos,

todo esse amor que ela desenvolveu

mas Melbourne é minha nova mo-

pelo Brasil e, essencialmente, pelo

rada. Amo a cidade, as pessoas, os

nosso Nordeste, que ela já visitou

costumes, a tranquilidade, a segu-

inúmeras vezes”, declara Sony.

rança”, declara.

Por conta das oportunidades de

No Brasil ou no exterior, com

trabalho e a estabilidade no exterior,

desejo de retornar ou não, o conta-

o educador social Julio Henrique

to com cada uma dessas histórias possibilita perceber que o brasileiro, como o significado do próprio nome, é um trabalhador. Trabalha-

Mesmo sem o desejo de voltar para o Brasil, a mineira Myrna Saramago faz questão de manter o “verde e amarelo” no Canadá

dor do Brasil e do mundo.

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SERVINDO COM QUALIDADE

Você já pensou em ir para um restaurante de um chef renomado, com uma comida maravilhosa, um lugar lindo, mas ter um atendimento de péssima qualidade? Garçom desatencioso, mal humorado, demorando, que não sabe como servir, não conhece o cardápio e com má vontade. Com certeza, apesar de todos os demais aspectos positivos, não seria umas das programações mais agradáveis e talvez você nem retornasse ao estabelecimento. Garçons bem preparados e satisfeitos com o ambiente de trabalho é um ponto fundamental para a receita do sucesso de um estabelecimento. Manter a equipe de salão atenta aos pedidos dos clientes e bem humorada não é uma tarefa fácil. Levando ainda em consideração que em sua grande maioria eles estão trabalhando em horário como finais de semana, feriados, tarde da noite e sem horário certo de encerrar o expediente. O horário de trabalho é uma das realidades mais difíceis da categoria. E, para os que atuam na noite, pegar o transporte de volta para casa é mais uma verdadeira luta. Texto: Patrícia Castelão

Fotos: Danilo Galvão

Arte: Gilmar Rodrigues


A

garçonete Priscila de Lima,

diferença entre os dois serviços. “Lá

ele e seus sócios foi dividir a gorjeta

do restaurante Bercy Villa-

era só servir, e num restaurante te-

(os 10%) entre toda a equipe. “Te-

ge Recife, resolveu com o marido,

mos também que vender e para isso

mos internamente um sistema de

que também é garçom, comprar

é muito importante estudar o cardá-

pontuação que distribui a gorjeta

um carro. “Bastava sair um pouco

pio e se comunicar bem”, ressalta. Ela

compulsória (taxa de serviço de 10%

mais tarde que para pegar o ônibus

lembra que, quando chegou à casa

que é cobrada na conta do clien-

e voltar para casa era um sacrifí-

(há quatro anos), todos os dias reser-

te) para a equipe, a partir do cargo

cio. Chegava a pegar até o dobro

vava um tempinho para ler e reler o

que o funcionário ocupa. A ideia de

de conduções do normal, dando

cardápio e tirar as suas dúvidas. Só

distribuir para praticamente todos

uma verdadeira volta na cidade”,

parou de fazer isso quando realmen-

os funcionários do restaurante é

relembra. Para curtirem também

te se sentiu segura e preparada para

calcada na crença de que a quali-

os momentos de folga juntos, eles

oferecer um bom atendimento.

dade do atendimento e a satisfação

sempre se organizam para tirá-las

Há oito anos atendendo aos clien-

do cliente é responsabilidade de

no mesmo dia. “É muito difícil todo

tes do restaurante Villa Cozinha de

todos: garçons, cumins (como são

mundo de folga e você trabalhando.

Bistrô, José Henrique Albuquerque

chamados os auxiliares de garçons),

Então você tem mesmo que gostar

revela que o segredo da casa é que

cozinheiros, auxiliares de cozinha,

do que faz”, pondera.

os funcionários trabalham em har-

copeiro, barman”, explica.

Mas para ser um bom profissio-

monia e, assim, o atendimento flui.

José Henrique, antes de ser gar-

nal e desempenhar um bom servi-

“Aqui não tem esta história de um

çom trabalhou nove anos como vi-

ço é preciso se preparar. Estudar o

não ajuda o outro. Sim, temos cada

gilante. Quando ficou desemprega-

cardápio e conhecer os produtos

um uma praça (conjunto de mesas),

do, devido ao falecimento do antigo

comercializados pela casa é muito

mas estamos sempre um colaboran-

patrão, teve a primeira experiência

importante, além de saber servir da

do com o outro”, explica.

no ramo atual. Ele chegou a fazer

maneira correta, ser agradável e ágil.

O sócio do grupo Bercy Villa-

um trabalho extra como garçom e

Antes de se empregar em um esta-

ge Recife, La Vague, Villa e Ponte

não gostou, mas, desempregado há

belecimento comercial, Priscila teve

Nova, Leonardo Pontual, explica

mais de seis meses, terminou sendo

seu primeiro contato com a proffisão

que uma boa solução para o traba-

convidado para uma nova entrevista,

em bufê, mas destaca uma grande

lho em equipe fluir encontrada por

onde está até hoje, e resolveu encarar


o desafio. “Algumas pessoas pensam

capacitação em vinhos e higiene

do curso de garçons do Serviço Na-

que é só colocar a bandeja na mão e

pessoal. A discrição é outro ponto

cional de Aprendizagem Comercial

servir, mas é muito mais do que isso.

que conta muito para a sua decisão

(senac). Ele era cobrador de ônibus

Hoje realmente sou feliz com o meu

final. “Já selecionei funcionário fora

e observou o mercado de bares e

trabalho e com amizades dos colegas

do ‘padrão’ determinado por nós,

restaurante em ascensão e decidiu

e clientes”, fala. Na casa onde traba-

mas, de uma forma geral, quanto

investir na carreira. Para o garçom,

lha, além de treinamentos oferecidos

mais discreto for o visual melhor,

o curso foi um diferencial no início

pela própria empresa, eles degustam

além de ter uma boa educação e

da carreira e recomenda a todos que

o cardápio e até mesmo algumas be-

cuidado com o linguajar”, analisa.

pretendem ingressar no mercado.

bidas, como o vinho. “Com certeza

Outro aspecto levantado pelo em-

Hoje trabalhando em uma casa

fica muito mais fácil dar a sua opi-

presário é o conhecimento mínimo

fina, que exige todo o conhecimen-

nião e ajudar o cliente”, analisa.

em computação. Isso mesmo! Além

to e detalhes da profissão, Almir diz

Assim como foi a história de

de anotar no antigo bloquinho de

que continua sempre se reciclando e

José Henrique, o grupo comandado

papel, em muitas casas hoje o em-

interessado no que surge de novo no

por Leonardo Pontual e seus sócios

pregado precisa lançar o pedido num

mercado. “Algumas pessoas não que-

prima pela preparação do pessoal

programa de computador que o di-

rem se tornar um profissional, mas

com capacitação personalizada,

reciona para cozinha ou bar. Pontual

apenas um emprego. Para crescer tem

introduzindo a filosofia e valores

destaca que a geração mais nova não

que estudar, senão fica na mesmice

da empresa. O proprietário expli-

encontrou nenhuma dificuldade de

e no lugar comum”, avalia, revelando

ca que prefere profissionais menos

trabalhar com a moderna ferramen-

que se sente realizado em trabalhar

experientes que não venham com

ta e a aquisição agilizou e facilitou o

num ambiente que exige todo o re-

‘vícios’ do mercado. E, uma vez

trabalho no dia a dia .

quinte, conhecimento do serviço de

contratado o trabalhador, ele passa

Para Almir de Oliveira, garçom

mesa, de vinhos e ingredientes mais

por treinamentos diversos como

do restaurante Ponte Nova, o meio

finos da culinária. “Realmente este é

atendimento, segurança alimentar,

de chegar ao mercado foi através

o serviço que gosto de fazer”, conclui.

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REVISTA DIALOGAR  · DEZEMBRO / 2014 - MARÇO / 2015


O presidente do sintrah/pe

cct admite que 45% do total da gor-

serviços, entre outros.

(Sindicato Intermunicipal dos Tra-

jeta compulsória arrecadada devem

Ao fim da formação, os nomes

balhadores em Hotéis, Flats, Restau-

ser absorvidos pelo restaurante para

dos alunos concluintes são integra-

rantes e Similares de Pernambuco),

acerto de encargos relativos a ela, na

dos à Central de Oportunidades

Marcos Sérgio da Silva, esclareceu

folha de pagamento do trabalhador.

Profissionais do Egresso (copeg).

que os direitos da classe são todos

O restante, 55%, deve ser dividido

Lá é atendida a demanda de vários

os encontrados na Consolidação das

para a equipe.

estabelecimentos, que muitas ve-

Leis do Trabalho (clt), como cartei-

curso – O Curso de Garçons do

zes querem contratar profissionais

ra assinada, vale transporte, férias,

senac tem a carga horária de 500

novos no mercado, mas com boa

adicional noturno, 13ª salário e fgts.

horas-aulas e uma duração de três

preparação.

O piso salarial atual é de R$ 810,00.

meses. Com atividades curriculares

A capacitação integra o Pro-

Mas os salários chegam a ficar entre

teóricas e práticas (no restaurante

grama de gratuidade da institui-

r$ 1 mil a r$ 2 mil com o acréscimo

e lanchonete da instituição), o cur-

ção, ou seja, é totalmente de graça

das taxas de serviço de 10%.

so é dividido em quatro módulos:

e o aluno ainda recebe o almoço

Essa taxa é um dos assuntos mais

Atendente de Lanchonete, Eventos,

e lanche, já que o horário é inte-

polêmicos da categoria. Na ausência

Ajudante de Garçons (cumins) e

gral. Fora um auxílio transporte,

de leis federais sobre ela, o que guia

Garçom Propriamente Dito. Alguns

com cartão vem no valor de dois

é a Convenção Coletiva de Traba-

dos pontos fundamentais aborda-

vales A (r$ 2,45 cada trecho) por

lho (cct), que define dois tipos de

dos com os alunos são: manipulação

dia. “Hoje a demanda de garçons

gorjeta: a espontânea, entregue pelo

de alimentos, informações jurídi-

é muito grande e quem tem um

cliente ao garçom, sem conhecimen-

cas, etiqueta social e profissional,

bom serviço não fica desempre-

to da empresa e a compulsória. Essa

vocabulário técnico de inglês para

gado”, assinala o coordenador

última, apesar de ser calculada na

garçons, comunicação verbal e não

pedagógico do senac, Eduardo

conta do cliente, não é obrigatória. A

verbal, qualidade na prestação de

Alexandre Alves da Silva.

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Grandes responsáveis pela difusão de jornais até a primeira metado do século XX, as tipografias artesanais resistem ao tempo e precisam ter sua técnica valorizada para não serem extintas com o avanço das gráficas digitais Texto: Jaqueline Fraga Fotos: Danilo Galvão

O meu curso de Gráfi-

Modernos”. Eridan e Pedro Paulo

ca tinha 25 alunos, só eu

da Silva, tipógrafo formado na dé-

continuo na profissão”. A fala é de

cada de 1980, manuseiam os tipos

José Eridan, 49 anos, dono da única

- como são chamadas as letras -, e a

tipografia artesanal localizada no

máquina responsável pela impres-

centro da cidade do Recife (pe).

são dos materiais, repetidas vezes

Formado em 1979 no curso téc-

ao dia. “O dia a dia é trabalhoso,

nico promovido pelo Serviço Nacio-

a gente tem oito horas de serviço,

nal de Aprendizagem (Senai), Eri-

de segunda a sexta. Para fazer 100

dan reflete a resistência das gráficas

talões, por exemplo, levamos três

que imprimem em chumbo, metal

horas”, explica o gráfico.

utilizado no surgimento da impren-

O método de produção que hoje

sa, no século xvii, ante o avanço das

se encontra praticamente esqueci-

tecnologias digitais.

do foi o principal responsável, no

Com endereço fixo na Rua da

Brasil, pela impressão de jornais e

Palma, bairro de São José, há 10

periódicos durante grande parte

anos, Eridan conta que montou sua

dos séculos xix e xx. Com o avan-

tipografia em 1990. O dinheiro para

ço das tecnologias digitais, o uso de

arcar com as despesas, afirma, foi

tipografia artesanal foi substituído

economizado dia a dia.

por tecnologias que trabalham o de-

As atividades desempenhadas na gráfica lembram as cenas eter-

senho dos tipos com o auxílio de programas de computador.

nizadas por Carlitos, personagem

Professor da Universidade Fe-

de Charles Chaplin em “Tempos

deral de Pernambuco (ufpe) e

66

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José Eridan, dono da tipografia artesanal localizada no bairro de São José, Recife-PE

Pedro Paulo Silva, técnico em tipografia pela Escola Dom Bosco de Artes e Ofício


coordenador do Laboratório de

abordar as particularidades da pro-

Tipografia do Agreste, Leonardo

fissão, Pedro Paulo participou, em

Costa, conhecido no meio acadê-

2012, da Feira da Indústria realizada

mico como Buggy, avalia o porquê

no Centro de Convenções de Per-

de as gráficas tradicionais ainda

nambuco. “Foi uma experiência bem

resistirem. “Esta resistência, quase

interessante. Durante a exposição, eu

sempre, se dá por falta de recursos

falei sobre as etapas da composição

para aquisição de novas tecnologias

tipográfica, destacando o dia a dia

quando deveria se dar pela valoriza-

numa gráfica artesanal”, conta.

ção da cultura e de um tipo de aca-

Repleto de gráficas modernas,

bamento gráfico precioso”, pondera.

conhecidas como offset, o merca-

Comprovando em parte a teoria

do afunila a atuação de tipografias

do professor, o gráfico José Eridan

artesanais, mas, apesar desse cená-

revela que possuía o desejo de am-

rio, Eridan e Pedro Paulo garantem

pliar os serviços oferecidos: “Eu

que a firma possui clientela fiel e,

queria crescer mais, mas não deu”,

ao mesmo tempo, sempre atende a

comenta, finalizando com a frase

novos clientes. “Vem gente de lon-

que poderia ser considerada o seu

ge e vem muita gente por indicação

bordão “Mas é só alegria!”.

também. Agora mesmo nós estamos

Parceria. Há um ano, José Eridan

imprimindo um livro”, comenta José

trabalha com o amigo Pedro Paulo

Eridan. E finaliza: “A gente ama a

da Silva, formado no curso técnico

profissão da gente, não temos outra.

de tipografia oferecido pela Escola

E tudo o que eu tenho dou graças a

Dom Bosco de Artes e Ofício. Para

Deus e a minha profissão”.

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Poesia em tipos Poeta e artista plástica, a pernambu-

“Eu comecei a pesquisar e andar

cana Jussara Salazar lançou recente-

pelo centro do Recife. As pessoas

mente o seu novo livro “Cantiga de

me indicavam alguma tipografia,

Maria Degolada”. A obra, inspirada

mas, sempre que eu chegava no lo-

na história da santa popular não ca-

cal, ela estava fechada, até que um

nonizada, Maria Bueno, assassinada

dia eu encontrei a gráfica do Seu

em um crime passional, foi impressa

Eridan”, relembra Jussara. E acres-

na tipografia artesanal José Eridan

centa: “Ele é um tipógrafo artesanal

Gráfica, na cidade do Recife.

muito bom e já está certo que vou

“Eu considero os livros impres-

fazer outros trabalhos com ele”.

sos em tipografia lindíssimos, eles

Designer Gráfica pela Univer-

podem até ser comparados a gravu-

sidade Federal de Pernambuco, a

ras. E eu queria fazer o livro num

escritora busca a referência visual

formato que tivesse a ver com a ro-

para influenciar seus projetos: “Eu

maria, criando uma relação entre

sempre olho o desenho que os tipos

a cultura popular e o meio que se

estão fazendo, para que tenham um

encontra praticamente em extin-

ritmo visual. Isso em poesia é muito

ção”, explica a escritora.

importante, já que o texto não pre-

A dificuldade para encontrar

enche toda a página. Então, observo

uma tipografia artesanal foi imensa:

questões gráficas em relação ao som”.


Acervo pessoal

Entrevista

Pesquisador com interesse nas áreas de tipografia, Leonardo Buggy transferiu, em 2009, parte de seu acervo pessoal para a criação do Laboratório de Tipografia do Agreste (lta), localizado no campus Caruaru da ufpe, e que hoje conta com seis grupos de trabalho, compostos por 25 alunos em média. Nesta entrevista, ele fala sobre a importância da tipografia artesanal e sobre as perspectivas de futuro da atividade.

Como e por que surgiu a ideia de

design gráfico praticado no Agres-

montar um laboratório de tipografia?

te: a disponibilidade de mais um

O movimento de interioriza-

recurso de estilo e a rememoração

ção do ensino superior público

de um método de raciocínio visual.

realizado em Pernambuco através

As tipografias artesanais estão

da ufpe trouxe em 2006 o design

cada vez mais raras. Você acha que

para o meio acadêmico agrestino.

elas vão existir por muito tempo?

Os alunos que experimentam essa

O que não é observado por es-

formação devem ser aproximados

tas pequenas empresas é o fato de

da tecnologia tipográfica para que se

que acabamentos gráficos somen-

promova seu encontro com a mais

te realizados com equipamentos

legítima expressão gráfica produ-

tipográficos são hoje alguns dos

zida pelo povo nordestino [a lite-

serviços mais caros ofertados por

ratura de cordel]. Trata-se de, entre

uma gráfica offset. É preciso uma

outros fatores, permitir o estudo de

revolução no pensamento empre-

escala industrial nos tempos de

aspectos visuais de sua identidade

sarial do mercado gráfico local para

hoje. A esse respeito, vale lembrar

através da análise e interpretação

que a tecnologia de impressão por

que muito do que se produz em ter-

da linguagem plástica da poesia

tipos móveis possa se manter viva

mos de impressos no setor de casa-

narrativa, popular, impressa.

e produtiva.

mentos e formaturas é feito com o

Com o avanço das tecnologias

Há alguns anos, a editora Cosac

emprego do sistema de impressão

digitais, por que é importante conti-

Naify lançou o livro “Pensar com Ti-

tipográfico. As letras douradas,

nuar a ensinar o modelo tradicional?

pos”, que teve sua capa impressa de

gravações em relevo e os envelopes

A reintrodução da estética

forma artesanal. Como você avalia

cobiçados por formandos, noivas

decorrente do processo de com-

o resgate proposto por algumas em-

e debutantes também configuram

posição manual e impressão com

presas?

mais um dos caminhos para atingir

fôrmas em relevo no ambiente de

São iniciativas positivas que

uma condição digna e economica-

ensino superior implica em dois

provam a viabilidade econômica

mente viável de manter-se ativo no

fatores que afetam diretamente o

do emprego de tipos móveis em

mercado gráfico.

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O direito à memória como direito humano

direito de não esquecer a história alusiva à formação e desenvolvimento dos direitos humanos. É a guarda dos documentos que torna possível o registro da histó-

Danilo Galvão

Eneida Melo Correia dE Araújo Desembargadora do TRT-PE e professora da Faculdade de Direito da UFPE

A

ria política, econômica e cultural de uma sociedade e de uma instituição. A preservação dos documentos que contêm a comprovação de direitos

preservação da memória da

que inspirou os estados democráti-

afirmados existentes pelos magis-

Justiça do Trabalho assenta-se

cos a adotar uma legislação provi-

trados do trabalho ao decidirem

nos princípios e normas que integram

da de uma nova concepção de um

as questões que lhes foram subme-

a Constituição da República, a qual se

direito geral de personalidade.

tidas permite a identificação dos

traduz como marco formal, no Brasil,

E, em especial, perante o Poder

fatos marcantes para a história do

do reconhecimento da dignidade hu-

Judiciário, no plano da memória,

trabalho e do Direito do Trabalho.

mana e da cidadania, acompanhando

procura manter-se viva as narrativas

A manutenção dos acervos refe-

a doutrina dos direitos humanos, em

contidas nos documentos produzi-

rentes à história da Justiça do Tra-

cuja essência avultam a Declaração

dos em suas instâncias. Tal sucede

balho, de suas estruturas formais,

Universal dos Direitos Humanos, a

porque se entende que os documen-

dos documentos que traduzem a in-

Declaração de Filadélfia, o Pacto de

tos aí gerados revelam o papel e o

terpretação conferida ao direito ao

Direitos Civis e Políticos, o Pacto de

perfil da magistratura, a atuação dos

longo dos tempos e do desempenho

Direitos Econômicos, Sociais e Cul-

advogados e dos servidores. Mos-

dos diversos atores sociais também

turais, entre outros.

tram ainda a interpretação conferi-

enriquece o patrimônio cultural e a

Seguindo as balizas desses docu-

da às normas jurídicas ao longo dos

pesquisa científica do país. E torna

mentos, o Estado brasileiro assumiu

anos, dando ensejo ao conhecimen-

efetivos os princípios constitucio-

o compromisso jurídico e político

to da jurisprudência dos Tribunais.

nais e os objetivos do Estado no que

no sentido de assegurar aos indiví-

Todas essas vertentes contribuem

diz respeito à produção, promoção

duos os direitos humanos, entre os

para garantir o direito à lembrança

e difusão dos bens culturais.

quais se acham os alusivos à cultura

e à memória no âmbito do Estado.

Em síntese, nunca é demais re-

e à memória. É que a cultura e a

Na Justiça do Trabalho, a história

petir que o direito à memória é di-

memória se traduzem em direitos

das relações de trabalho, dos confli-

reito de personalidade e, como tal,

humanos, de acordo com os docu-

tos individuais e coletivos também

direito humano, cabendo ao Estado

mentos referidos e que integram o

brota dos processos. Estes integram

e à sociedade desenvolver todos os

sistema normativo do Direito In-

o acervo documental produzido,

esforços pra que esse direito seja

ternacional dos Direitos Humanos.

guardado, conservado e posto pelas

protegido e efetivado. Por fim, es-

Revela-se, no mundo contem-

autoridades à disposição daqueles

crever, lembrar, registrar, guardar,

que necessitem consultá-lo.

conservar, divulgar, participar dessa

porâneo, uma visão humanística, democrática e com tendência à uni-

A preservação documental, por-

versalidade, oriunda da Declaração,

tanto, desponta neste contexto: o do

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história é o convite que se dirige aos indivíduos e às instituições.


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