II Mostra de Teatro no ônibus
2016 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 3
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ÍNDICE Quando o ônibus vira ninho_ por Paula Venâncio......................................................................................................4 A II Mostra de teatro no ônibus_ por Tatiane Lustoza.........................................................................................10 A imensidão do lugar_ por Anderson Maurício............................................................................................................16 Público, Memória e Identidade_ por Priscila Reis....................................................................................................26
Programação completa..........................................................................................34
Conversação com grupos participantes + Cordel do amor sem fim com Trupe Sinhá Zózima....................................................................................................................................................35 Eu transito_ com Cia Asfalto de Poesia...............................................................................................................36 Opereta Canta Zumbi_ com Núcleo Teatral Opereta ..................................................................................44 Saída discreta pela porta dos fundos com Grupo Saída discreta pela porta dos fundos ..........................................................................................54 A feira do bago de jaca_ com Grupo Café com farinha .............................................................................64 Processo de criação compartilhado Iracema via Iracema com Agrupamento Andar7 + Trupe Sinhá Zózima .............................................................................................74
Ficha técnica.....................................................................................................................................................................................80 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 1
Processo de criação compartilhado Iracema via Iracema, com Agrupamento Andar7 + Trupe Sinhá Zózima foto Christiane Forcinito
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Quando o ônibus
vira ninho I Mostra de teatro no ônibus, 2009_ foto Danilo Dantas
por Paula Venâncio
Um ônibus. Sim, um daqueles de linha. A catraca foi retirada, porque neste espaço espera-se que todos possam entrar e circular livremente. Por dentro, algumas transformações possíveis para que a música e a encenação aconteçam com o ônibus em movimento. Assim é o território da Trupe Sinhá Zózima. Um ninho, uma casa em movimento que vai em busca da arte do en4 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
contro sem fronteiras. E este ônibus é transformado e transforma quem nele decide adentrar desde 2007. A Trupe Sinhá Zózima é um grupo de teatro, formado por atores profissionais, que pesquisa o ônibus urbano como espaço cênico, espaço de descentralização e democratização do acesso às artes. Durante os anos de pesquisa, a Trupe desenvolveu diversos projetos que culminaram na criação e realização dos espetáculos Cordel do amor sem fim (2007) – de Cláudia Barral, apresentado mais de 450 vezes em vários estados brasileiros e também encenado no continente europeu, Valsa nº 6 (2009) – de Nelson Rodrigues, O poeta e o cavaleiro (2010) – livre inspiração na obra literária de Pedro Bandeira e contemplado com o Prêmio Myriam Muniz da Fundação Nacional das Artes (FUNARTE), Dentro é lugar longe (2013) – de Rudinei Borges e Os minutos que se vão com o tempo (2016), com dramaturgia em processo colaborativo de Cláudia Barral; e dos projetos I Mostra de teatro no ônibus (2009), Plantar no ferro frio do ônibus o ninho – Residência artística por um teatro do encontro sem fronteiras (2012/2013) – contemplado pela 20ª edição do Programa de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo e Os minutos que se vão com o tempo: da imobilidade urbana ao direito à poesia, à cidade e à vida (2014/2016), contemplado pela 24º Edição da Lei de Fomento. Em 2009, a Trupe criou em parceria com a São Paulo Transportes (SPTrans), o projeto Arte Expressa – Mostra de teatro no ônibus, que promoveu pela primeira vez no transporte público uma sequência de apresentações artísticas: doze grupos de teatro foram convidados a encenar peças curtas em ônibus que circulam no Complexo Viário Expresso Tiradentes, num percurso que vai do centro da cidade ao bairro Sacomã e região de Heliópolis, a maior comunidade periférica de São Paulo. Intervenções cênicas foram apresentadas para mais de 4.500 pessoas durante uma semana. TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 5
Em 2014, a Trupe lançou a ação Toda Terça Tem Trabalho, Tem Também Teatro! com intuito de promover a cidadania artística, o encontro, a humanização do transporte, a formação de público para as artes cênicas, o diálogo com os trabalhadores. Desde então, todas as terças-feiras, às 20h, é ofertada, aos trabalhadores e passageiros do transporte público, uma programação artística e cultural gratuita com apresentações de espetáculos teatrais, performances, rodas de debates, saraus, cantoria, cinema e encontros. Essa é a semente do Arte Expressa: um programa que visa explorar dois movimentos de pesquisa com relação ao espaço: 1) o ônibus enquanto arquitetura que é ressignificada/reinventada por elementos artísticos que nela interferem e 2) o ônibus enquanto arquitetura que reinventa a arte, rompendo o limiar entre real e imaginário. É importante ressaltar que, desde 2009, a Trupe reside artisticamente no Terminal Urbano Parque Dom Pedro II, com ações contínuas dentro do seu ônibus, no terminal e em ônibus de linhas. Também realiza uma pesquisa de trajetória que traz apontamentos relevantes para a escolha de seus caminhos. No primeiro ano foi constatado que 75% das pessoas entrevistadas que usavam o transporte municipal nunca tinham tido contato com as artes cênicas. Mas foi mais surpreendente que 95% escolheriam para se locomover um ônibus onde houvesse encenações teatrais. Nesse mesmo ano foi levantado que 8% das pessoas entrevistadas que nunca haviam assistido a um espetáculo teatral estiveram no ônibus da Trupe Sinhá Zózima. Número que, no primeiro semestre de 2014, subiu para 15%. Em 2012 a pesquisa foi realizada em dias e horários em que não aconteciam ações artísticas. Foram entrevistados trabalhadores que transitavam pelo terminal. A partir da pergunta “quantas vezes você já foi ao teatro?”, a Trupe levantou que 31% nunca havia ido e 78% não ia ao teatro há mais de um ano. 6 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
I Mostra de teatro no ônibus, 2009_ foto Danilo Dantas TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 7
Eu transito, com Cia Asfalto de Poesia foto Christiane Forcinito
Números comprovados em pesquisas realizadas por outras instituições. Em pesquisa realizada pelo SESC, em 2013, dos 2.400 entrevistados, 57% nunca havia ido ao teatro. Em outra pesquisa realizada pelo Datafolha, em 2010, com 2.414 entrevistados, 60% apontou não frequentar o teatro e justificou por: 24%, não ter perto de casa; 14%, não ter tempo de ir; 10%, por ser caro. Questões que reforçam para a Trupe a necessidade de aproximação das artes ao ambiente do trabalhador, indicando caminhos de pesquisa e ações. Em relação ao trabalho da Trupe, em 2014, 31% dos entrevistados já haviam participado das ações no ônibus em outro momento. Número que em julho de 2015 já subiu para 51%. Ou seja, muitos tiveram contato com o teatro pela primeira vez no ônibus da Trupe Sinhá Zózima e voltaram para mais uma 8 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
experimentação. Além disso, o estudo do ônibus como transporte público e coletivo têm indicado alguns caminhos de pesquisa, uma vez que é um dos norteadores da concepção de cidade e de organização social no país. No município de São Paulo, de acordo com a SPTrans, o transporte por ônibus responde por cerca de 2/3 das viagens coletivas. Para a Trupe Sinhá Zózima o ônibus representa um espaço constante de desafio e descobertas. Sua exploração nas pesquisas cênicas da Trupe interessa em diversos sentidos: a exploração de sua estrutura física (espaço restrito, o posicionamento e a relação de atores e público, a acústica), a encenação em movimento tanto nas acepções simbólicas quanto práticas (o ator em equilíbrio, os cruzamentos entre tempo e espaço, interior e exterior do ônibus, a paisagem da cidade como elemento de encenação); o ônibus como transporte coletivo e público (a intervenção na cidade e na sua lógica cotidiana, a ressignificação do meio de transporte). Trata-se de uma proposta artística e de um posicionamento político, em busca do teatro (da arte) do encontro sem fronteiras. Ao criar espaços para a manifestação das artes cênicas, a Mostra de teatro no ônibus atua como meio de encontro de novos grupos de teatro de diferentes regiões de São Paulo, favorecendo a pesquisa e a experimentação teatral em outros espaços. Com isso, promove-se vantajoso diálogo com a sociedade a partir da reflexão sobre democratização das artes, transporte coletivo e revitalização de lugares públicos.
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A II Mostra de teatro no ônibus Público participante de rodada de conversa no busão_ foto Júnior Docini
por Tatiane Lustoza produtora, artista-pesquisadora e cofundadora da Trupe Sinhá Zózima
A II Mostra de Teatro no ônibus surgiu como mais um
anseio da Trupe em transformar o espaço rígido do ônibus num ambiente afetuoso e de troca recíproca. Pensar o formato desse edital, nos rendeu muitas horas de discussão para que fosse verdadeiramente democrático, 10 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
menos burocrático e que cada inscrito se sentisse acolhido e entusiasmado com a possibilidade de participar do projeto. Para isso decidimos que a ficha de inscrição seria simplificada, poderiam se inscrever grupos profissionais e amadores e, caso o grupo não tivesse um projeto escrito, havia a possibilidade de fazer uma entrevista pessoalmente para que o projeto fosse explicado verbalmente. Decidimos fazer dessa maneira porque no início da carreira da Trupe, tínhamos muitas dificuldades em transformar os pensamentos em escrita, isso pelo simples fato de sermos seres criados na periferia, onde a excelência do ensino escolar está bem longe de ser prioridade e se você não tiver a sorte de nascer com um talento nato, terá que se esforçar de muitas maneiras para suprir o problema de não ter uma boa formação. Muitas vezes os editais excluem os artistas que não possuem habilidade para escrita, mesmo apesar de existir inúmeros tipos de inteligência que muitas vezes não são levadas em consideração. Recebemos mais de 40 inscrições de diversas partes do Brasil e tivemos a dura missão de selecionar apenas 3 grupos. Sinceramente o nosso desejo era trabalhar com quase todos, mas nem sempre querer é poder, e nesse caso, não podíamos. Além dos grupos selecionados, tínhamos previsto no projeto convidar 2 (dois) grupos: Agrupamento Andar 7 e Cia Asfalto de Poesia – que tinham proximidade com a Trupe e que queriam ter uma experiência mais profunda com a pesquisa no ônibus. O processo das entrevistas foi muito interessante porque conhecemos grupos de diversas linguagens. Foi muito bacana bater um papo e saber o que eles pensavam criativamente para desenvolver no busão da Trupe. E a cada entrevista nos surpreendíamos e nos encantávamos com aquele turbilhão de ideias. A primeira entrevista estava agendada com o grupo Café com Farinha, TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 11
Maria Silvia do Nascimento, Cia. Asfalto de Poesia, durante rodada de conversa no busão_ foto Júnior Docini 12 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
que teve como representante a dramaturga e diretora Nay Dias. Quando chegamos no local, tinha uma mulher com um bebê no colo. Logo ela se apresentou dizendo que tinha saído de Itapecerica da Serra às 5h30 da manhã para chegar pontualmente na entrevista. Quando iniciamos o papo, o bebê fez um show à parte e tornou tudo muito leve e divertido. A força de vontade daquela mulher foi algo arrebatador e extraordinário e sinceramente não tinha como não querer ver o que ela tinha para aprontar no busão. Após a etapa de entrevistas, os grupos selecionados participaram de oficinas ministradas pelos artistas-pesquisadores Anderson Mauricio, que propôs procedimentos práticos que teve como tema o espaço cênico, e Priscila Reis, que propôs atividades práticas e reflexivas sobre a importância do público na pesquisa da Trupe. Em seguida foram realizadas as oficinas sobre produção cultural que ocorreram no mês de maio de 2016 e fizeram parte da programação da ll Mostra de Teatro no ônibus. Essa etapa foi muito importante para que a Trupe Sinhá Zózima e os grupos selecionados Café com Farinha, Núcleo Opereta, Cia. Asfalto de Poesia, Agrupamento Andar 7 e Saída Discreta pela Porta dos Fundos, fizessem uma reflexão profunda sobre os caminhos de se produzir arte no Brasil. A diversidade temática das rodadas foi de grande importância para que os grupos tivessem a oportunidade de conhecer as múltiplas formas/ferramentas de atuar no amplo campo da produção. As oficinas tiveram temáticas distintas, mas absolutamente complementares e foram ministradas por excelentes profissionais que de alguma maneira fizeram parte da trajetória da trupe ao longo desses 9 (nove) anos de existência. Sendo eles: Marcelo Bones (capacitação: caminhos para circulação nacional e internacional), Sergio Azevedo (Sustentabilidade: Reflexões sobre a criação e apropriação de condições que possibilitem a existência de uma atividade artístico cultural), Gilma Oliveira, (curso TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 13
de produção do Galpão), Lala Deheinzelin (Como fazer da crise oportunidade), Tatiane Lustoza (a arte de Gestar, Parir e cuidar) e Daniele Sampaio (elaboração de projetos culturais). A realização da II Mostra era um sonho antigo da Trupe e queríamos que os encontros propusessem uma troca verdadeira e profunda entre os grupos, queríamos que a Mostra fosse algo marcante na trajetória de vida deles, que fosse algo capaz de refletir no futuro do grupo e que descobrissem ferramentas para isso. Durante as conversas foram provocados a entender que produzir trabalhos artísticos não é como receita de bolo. Cada grupo possui um histórico de vida que reflete diretamente na maneira de pensar e realizar/gerir seu trabalho. E conhecer maneiras distintas de fazer produção resultou num intercâmbio extremamente produtivo para os envolvidos. Trabalhar com produção requer dedicação, compromisso consigo e com o outro, é pensar sempre no coletivo, é entender que a produção é uma ponte entre o projeto imaginado (que foi idealizado por alguém ou pelo coletivo) e o projeto realizável. A função da produção é transformar em realidade uma ideia que um dia foi utopia. A produção deixa rastros e temos como obrigação deixar rastros positivos e reverter a imagem estereotipada que se tem do artista incapaz de produzir sua obra com excelência. A principal ferramenta do produtor é a relação de confiança e comprometimento que ele cria ao seu redor. É fazer com que todos deem credibilidade e entendam a importância do projeto em desenvolvimento. O ato de produzir algo artístico pode resultar apenas num instante de memória que pode reverberar em esferas desconhecidas, mas absolutamente necessárias nos dias de hoje. Nestes anos em busca da humanização do ferro frio do ônibus como lugar do ninho, da casa pública em movimento, do útero que abriga o trabalhador, foram necessários muitos passos. Passos esses que trouxeram a essa investi14 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
Tatiane Lustoza_ foto Anderson Maurício
gação, a necessidade de desvios, de atalhos, da imaginação e transformação de ferramentas que ampliasse o olhar para a produção e gestão cultural. É no movimento do existir e resistir, que surgem e se fortalecem as ações da Trupe. É neste lugar onde o “não” prevalece, que pesquisamos o “sim” que pode florescer. Não podemos simplesmente nos conformar com o cenário atual e cruzar os braços. É preciso trabalhar, plantar inúmeras sementes e acreditar no poder da criação e união dos pares. Ainda temos muito por fazer, muito por viver e muito para juntar! Quem topa?! TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 15
Anderson Maurício_ foto Júnior Docini
A imensidão do lugar 16 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
por por Anderson Maurício diretor, artista-pesquisador e cofundador da Trupe Sinhá Zózima
O espaço é geométrico,
é frio em temperatura. Somente no lugar caberá a dimensão do afeto, da memória, da vida que nele habita. Bachelard escreve “(...) a casa é o ninho do homem no mundo”. Construir a casa é assentar tijolos na memória eterna do ser. E mesmo quando se tenta destruir a casa, aniquilar o espaço do lugar, este permanecerá vivo na imensidão invisível do tempo. O espaço é limitado, o lugar é sem fim. O teatro não é e nunca foi a arquitetura cênica. O teatro é o encontro do artista com o público. Na proposta de investigação do ônibus urbano como espaço cênico, junto aos participantes da II Mostra de teatro no ônibus, foi antes de tudo, descobrir as possibilidades dos lugares dentro do espaço. Foi, e para Trupe Sinhá Zózima sempre será, uma investigação infinita de possibilidades, de construções, de poder afetar o outro. Pois pesquisar o espaço, é semear olhares, imaginação, reflexão, transformação... TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 17
Carpintaria com grupos participantes_ O espaço_ foto Priscila Reis
utopia – experimento cênico: devagar silenciosamente como quem deseja sonhar aproxime-se da janela fechada, respire fundo observe sua cor, seu formato, as ranhuras que o tempo deixou toque na sua textura, perceba sua temperatura, olhe para suas mãos lentamente,
levemente, leve suas mãos aos olhos como quem deseja fechá-los
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no escuro, imagine o que gostaria de ver quando abrir a janela crie com detalhes, dê tempo para sua imaginação quando satisfeito, tire suas mãos do rosto, abra os olhos respire fundo mais uma vez olhe para suas mãos indo em direção a janela, como quem deseja se surpreender abra aos poucos, tenha calma olhe perceba,
construa, o mundo que se apresenta...
Criação coletiva_ Trupe Sinhá Zózima TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 19
Trata-se de imaginar, esse dom, essa terra fértil capaz de germinar o corpo ser. De transformar o espaço em lugar, de deslocar o mundo e findar as fronteiras. Quantos abraços cabem em seu corpo? Quantos sonhos residem em seu coração? Quantos lugares você gostaria de imaginar ir neste instante? Quantas viagens possíveis fazemos ao entrar em um ônibus? Quais os lugares que observamos dentro e fora de nós durante o percurso? Quais anseios aparecem em nossas janelas? Imaginem... - Quais os lugares este ônibus poderia ser? - Quais os lugares este ônibus poderia lhe levar? 20 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
Carpintaria com grupos participantes_ O espaço_ foto Priscila Reis
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Carpintaria com grupos participantes_ O espaço_ foto Priscila Reis
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hospital cemitério o mar o céu a casa que ainda não tive o sonho as nuvens o quarto da minha vó o quintal meu apartamento a cozinha o filme que gostaria de atuar as estrelas o coração de quem se foi o cheiro da flor o fundo do rio o cérebro o palácio do planalto o puteiro a zona sul leste oeste o centro espírita a mata o gelo outro planeta meu corpo meu pais meu bairro minha loucura meu velório seus olhos o estômago da cidade o barco o coletivo o indivíduo o encontro a despedida a igreja a escola a chacina a colheita o samba a bomba o navio a fronteira a viagem sem fim a morte o nascimento do filho o ônibus apertado o vazio a solidão a festa a praça pública o conhecimento a clareza a escuridão Imaginar é subir um tom na realidade Gaston Bachelard TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 23
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Carpintaria com grupos participantes_ O espaço_ foto Priscila Reis
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Carpintaria com grupos participantes_ O público_ foto Priscila Reis
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Público, Memória e Identidade por Priscila Reis artista-pesquisadora e cofundadora da Trupe Sinhá Zózima
Cessa o teu canto Cessa, que, enquanto O ouvi, ouvia Uma outra voz Como que vindo Nos interstícios Do brando encanto Com que o teu canto Vinha até nós. Ouvi-te e ouvi-a No mesmo tempo Como abrir o céu do passageiro com o olhar? Como planejar trânsitos no interior da alma? Qual é o canto da passagem entre nós? Quando tocar e permitir a troca? O que comunica o silêncio? _ Priscila Reis TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 27
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Carpintaria com grupos participantes O público_ foto Priscila Reis
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Sobre chegada e encontro da morada
A Memória é o Perfume da Alma_ George Sand
Acolher os artistas dentro do nosso ônibus teve cheiro de casa cheia: risadas, perfumes da alma, cantoria, poética, encanto e o mais importante: o espaço da palavra e da troca. 30 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
Priscila Reis_ foto Maria Alencar
Qual é a sua memória mais antiga? Os artistas juntaram-se em grupos, elegeram uma memória marcante, uma música e apresentaram dentro do ônibus. Músicas de amores perdidos ecoaram. Músicas da infância. Assim começou a noite, de forma divertida o espaço do ônibus foi apresentado novamente. Trabalhado na carpintaria anterior pelo diretor Anderson Maurício, dessa vez, o ônibus foi pensado em um espaço de troca. TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 31
O ser humano se torna eu pela relação com o você. A medida que me torno eu, digo você. Todo viver real é encontro_ Martim Buber É necessário que as pessoas se conheçam. Verdadeiramente. Conheçam seus medos, seus sonhos, seus milagres. Para que haja relação, é necessário o encontro real. Desde 2011, a Trupe Sinhá Zózima fundamenta sua pesquisa com base no encontro real entre os seres humanos. Duplas entrevistaram um ao outro. Colheram dados, investigaram saudades, selecionaram sonhos, capturaram essências. Buscaram material do próprio entrevistado para acrescentar na coleta. Após a colheita do material, as duplas elaboraram uma cena/intervenção/palavra /canção/dança e apresentaram pensando na relação com o público. E diferentes Juntas a cantar. E a melodia Que não havia, Se agora a lembro, Faz-me chorar. _ Fernando Pessoa Nesse momento instaurou-se um espaço de convivência dentro do busão. Os artistas-pesquisadores mergulharam dentro da proposta e extraíram poesias lindas da história ouvida. Todos se emocionaram com essas memórias. O tempo passou e até excedeu o horário. Mas as pessoas quiseram ficar, ouvir, tocar e serem tocadas pela história do outro. Mediar essa experiência foi um momento importante como artistapesquisadora da Trupe Sinhá Zózima. Viver essa trajetória da busca, das ações, 32 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
da práxis-transformadora é fortalecer o caminho e a direção. É alimentar a pesquisa e preencher de significados o âmago da prática. Quando começamos o processo de pesquisa com o Núcleo de História Oral da USP (NEHO-USP), em 2012, tínhamos destino certo. Entrevistar os passageiros. Conhecer suas histórias. Dar visibilidade a tantos heróis e heroínas do cotidiano. Mas entrevistar não foi tão simples assim. Porque o universo que existe em uma pessoa é imenso. Então, partimos para a entrevista de nós mesmos. Conhecendo um ao outro e, partindo dessas primícias, criarmos poeticamente nosso teatro buscando a poesia do humano. Em 2014, passamos pela segunda tentativa de entrevistar os passageiros e novamente um universo nos foi apresentado. Aguinaldo Lago, poeta e passageiro, nos presenteou com cinco diários. Essa tarefa de estar ao lado de uma pessoa é muita responsabilidade. As entrevistas de história oral foram nossa base para adentrar no espaço outro. O público que é tu, que sou eu, que somos nós. E seguimos viagem dentro dessa lata rodante. Perdoai Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas. _ Manoel de Barros
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PROGRAMAÇÃO COMPLETA
De 7 de junho à 26 de julho de 2016_ às 20h Ônibus da Trupe Sinhá Zózima Plataforma zero (próximo às catracas e caixas bancários) Terminal Urbano Parque Dom Pedro II (av. do Estado s/n. Sé – São Paulo)
Cordel do amor sem fim_ com Tatiane Lustoza, Trupe Sinhá Zózima_ foto Daniel Abicair 34 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
12 anos | 60 min. | Dramaturgia: Cláudia BarraDireção: Anderson Mauricio | Direção musical: Roberta Forte | Elenco: Anderson Maurício, Cleide Amorim, Junior Docini, Priscila Reis, Tatiana Nunes Muniz e Tatiane Lustoza Neste encontro os grupos apresentaram fragmentos dos estudos e a Trupe Sinhá Zózima, um trecho do espetáculo “Cordel do amor sem fim”. A primeira montagem da Trupe Sinhá Zózima, “Cordel do amor sem fim” (2007) narra estórias do universo interiorano. O ir e vir das águas do velho rio São Francisco envolve a vida dos personagens: Teresa, Antônio, Carminha, Madalena e José percorrem as margens do rio, tecendo um trajeto encantatório, como se movimentassem a própria vida no ônibus, onde a peça é encenada. O espetáculo foi apresentado mais de 450 vezes em vários estados brasileiros e também no continente europeu. Marca e finca o projeto teatral do grupo num campo experimental: a investigação de um teatro do encontro sem fronteiras. Após as apresentações, houve uma conversação com os grupos sobre o processo de investigação do ônibus urbano como espaço cênico e a relação e proximidade com o público na cena. TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 35
Em meio ao caos urbano, três mulheres muito diferentes se encontram num ônibus desgovernado. Enquanto o mundo ao redor parece inerte, resta a cada uma transitar pelo drama e pela comédia da existência. Ao se verem sem saída, acabam encontrando juntas um novo caminho para um destino especial. Pois: se na vida tudo é passageiro... qual é o ponto final? Neste espetáculo voltado para o público adulto, a cia. Asfalto de Poesia pesquisa o trânsito entre diversas possibilidades da atuação cômica, buscando o olhar crítico dessa linguagem e o ônibus como metáfora da vida em sociedade.
Cia. Asfalto de Poesia | O coletivo teatral procura semear o olhar
poético em meio à hostilidade do cotidiano urbano - o asfalto. Em 2007, o grupo uniu-se pelo encanto com as máscaras teatrais cômicas – em especial, o nariz vermelho – nos terrenos férteis da Fundação das Artes de São Caetano do Sul, IA-UNESP e o Clã-Estúdio das Artes Cômicas. Seu primeiro trabalho foi o espetáculo infantil TV sem Controle. Dali em diante realizou intervenções, contações de histórias e esquetes. Em 2013, criou seu espetáculo adulto: “O martelo das bruxas”. Nos anos de 2014 e 2015 realizou os experimentos cênicos “EU TRANSITO” em parceria com a Trupe Sinhá Zózima.
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Eu transito, com Cia Asfalto de Poesia foto Christiane Forcinito
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Reflexões sobre Eu Transito por Cia Asfalto de Poesia
Desde 2009, a Companhia Asfalto de Poesia, realiza a pesquisa de intervenção no terminal de ônibus em parceria com a Trupe Sinhá Zózima. Como parte da programação das ações Embarcando com Humor, Toda Terça Tem Trabalho, Tem Também Teatro! e da Mostra de teatro no ônibus, a Cia. está em processo com o espetáculo Eu Transito desde o seu primeiro experimento, em 2014. Uma vontade fomentada por essa parceria com a Trupe e que se transformou em ação. Em 2016, novamente foi oferecida a oportunidade de nos debruçarmos sobre este trabalho. Desta vez, ainda sendo preenchidos com as ricas trocas com a Trupe Sinhá Zózima e as demais companhias participantes da II Mostra de Teatro no Ônibus (Café com Farinha, Núcleo Teatral Opereta, Agrupamento Andar 7, Grupo Saída discreta pela porta dos fundos) durante as oficinas de produção artística, que tão generosamente foram ministradas por gente que pensa e faz teatro de tantas maneiras. Nossa sensibilidade foi aflorada pelo olhar sempre poético da Trupe e os momentos sublimes que o ônibus pode nos proporcionar. Desafiamo-nos a desenvolver um trabalho específico para além do espaço tão peculiar do ônibus: para um ônibus estacionado num dos terminais mais importantes da cidade. Como transitar estando estacionado? Estar dentro e ainda assim transitar, esse era o primeiro desafio. Então, a escolha foi não colocar o ônibus da Trupe Sinhá Zózima em movimento para a apresentação tendo a imobilidade como ponto de partida para nossa criação. “O ônibus talvez seja o lugar onde a minha imaginação vai mais longe” 38 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
disse alguém em um dos encontros. É isso! Estar dentro de um ônibus em meio ao trânsito da grande metrópole e a mente sempre em outro lugar. Quase não se nota mais quem está ao lado, apenas os detalhes do caminho. Por vezes, a vontade é que tudo passe o mais rápido possível, mas nesse ônibus não, tudo vira parte de uma mesma história. A inspiração vem do texto O Túnel, de Dias Gomes, escrito para a Feira Brasileira de Opinião, em 1968, em que um engarrafamento dentro de um túnel toma proporções surreais, remetendo metaforicamente a situação de estado de sítio imposta pela ditadura civil militar. Neste momento de alta instabilidade e do atentado à democracia, transpôs-se o túnel para um ônibus parado por anos no terminal como uma metáfora da atual situação política do país. Também configura-se como metáfora para a imobilidade de cada uma das personagens, estagnadas em suas classes e conceitos sobre o que é o mundo e o que é o outro. A discussão chegou à linguagem: é possível discutir o que se quer com o nariz vermelho? A escolha foi distanciar-se do nariz vermelho, máscara que tanto nos ampara e que esteve presente nos momentos anteriores desse processo. O nariz de palhaço é convidativo, causa uma empatia quase que instantânea, porém fizemos outra escolha para encarar o público do terminal com toda a presença que aquele local poderia trazer. Assumiu-se, assim, personagens, tipos que aproximavam mais as atrizes às pessoas comuns do terminal, com o intuito de se misturar. As personagens Fulana, Beltrana e Sicrana tornaram-se exacerbações e sínteses de mulheres do cotidiano de diferentes meios sociais. Pessoas que supõe-se que raramente trocariam palavras se não tivessem se encontrado naquele ônibus. Ganhamos aqui mais uma reflexão definitiva para o nosso processo, mulheres e a relação com o espaço. O ônibus não pode sair do lugar. Não há motorista, nem cobrador. Há TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 39
uma situação limite, algo que interrompe o “curso normal das coisas”. Então, a interação entre as figuras é necessária. Partindo de tantas diferenças, a primeira relação é o conflito, um conflito duro, um “bater de frente”. Elas não conseguem sair de suas zonas de conforto de seus pensamentos engessados. São intransigentes. Daí em diante, os iniciais estados de enclausuramento e a impossibilidade de se mover geraram a oportunidade de criar uma coletividade, um local de aconchego e felicidade protegido de um mundo caoticamente individualista e desigual. Quando elas se deixam esquecer do que eram antes do encontro é que conseguem se reinventar. Conseguem transitar para lugares ainda não visitados por suas personalidades. Deixando-se viver o que distanciamos. Percebem-se então novamente livres, livres para sair e voltar para suas vidas. Mas o que é a liberdade? O conceito vago, relativo, abstrato. Talvez a liberdade esteja escondida no mais profundo do seu ser. Há liberdade sem se considerar o outro? Sob tal influência de pensamento, a dramaturgia do espetáculo buscou desenhar um fio condutor que fizesse com que as personagens pudessem se aproximar, relacionar-se e que este movimento revelasse uma espécie de aprimoramento pessoal. Para a retomada do nariz vermelho em cena e, apenas no segundo ato, quando há uma mudança significativa nas relações entre as personagens e em como elas se mostram dentro daquele coletivo, como um ritual de passagem. Diante desta nova perspectiva, passamos por uma transformação no entendimento da peça. Algo gritou dentro do processo: eram três atrizes, mulheres, falando sobre a liberdade de ir e vir dentro desse espaço específico que é o ônibus, mas que contém o mundo inteiro. E por que negar esta condição? A inquietação não nasceu do nada. Algumas das nossas frentes de pesquisa são so40 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
bre feminismo e palhaçaria feminina, portanto, foi natural o tema ganhar força durante o processo e construir uma história baseada em relações de sororidade, termo feminista que imprime a necessidade da união entre mulheres. Para a Cia. Asfalto de Poesia, falar de liberdade é necessariamente falar de feminismo e coletividade, palavras que se não saem de nossas bocas, estão impressas em nossos corpos em cena. Portanto, é interessante observar o quanto a peça absorveu as nossas urgências e demandas durante o processo, indicando a importância de se estar sempre em movimento. O mesmo movimento ocorreu com a Companhia Asfalto de Poesia. O encontro proporcionado pela Trupe Sinhá Zózima fez com que revisitássemos nosso modo de trabalho, refletindo sobre nossa trajetória e agindo de forma transformadora no nosso caminhar daqui para a frente. Transitar é preciso. Desejamos que a parceria com a Trupe Sinhá Zózima esteja sempre em trânsito, em ação e em relação!
Eu transito, com Cia Asfalto de Poesia foto Christiane Forcinito
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Apreciação de Eu transito por Ana Carolina Marinho
Terminal Parque Dom Pedro II. O ônibus está estacionado e aguardamos a liberação para subir. Sou a primeira e sinto um prazer imenso em poder escolher qualquer um dos assentos. Sensação próxima a de encontrar banco vazio no transporte público na viagem de volta. E opto pelo mais alto. A visão deve ser a melhor, suspeito. Estamos na iminência de partir, mas permanecemos. “Motorista, cadê você?” cantarolamos, o que me remete rapidamente a minha lembrança de criança habitando aquele mesmo espaço. “Eu transito” me deslocava em sensações e memórias distantes em situações em que o ônibus já foi refúgio, diversão, excursão, lotação, entre outras possibilidades. É fácil perceber que onde há cores há vida e teatro. Estamos todos acinzentados pelo frio, mas aquelas três mulheres devolvem os tons quentes ao cotidiano. Os transeuntes que não firmaram esse “pacto invisível” do teatro estranham a presença daqueles três corpos. Suspeito que a cor é o que as escancara. As portas do ônibus são trancadas e permaneceremos por anos ali. “Ela está olhando para mim” diz o senhor que parece viver aquela ilusão como realidade. A figura desse senhor irá se repetir na maioria das apresentações dentro da Mostra. É nítido o quanto a cultura da plateia ensina os espectadores a serem dóceis. Aquele e outros tantos senhores nos expõe talvez o verdadeiro impacto do teatro na vida, essa inquietação constante que não o deixa emudecido, pelo contrário, o insere naquela narrativa como presença e dramaturgia. Resta aos atores dialogar com esse público. A espera acanhada cede lugar à uma inquietação neurótica. Diante do que é 42 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
Eu transito, com Marcela Sampaio e Amanda Massaro | Cia Asfalto de Poesia_ foto Christiane Forcinito
é urgente para mim, ignoro o outro. Berramos desse lado das janelas, enquanto do outro, alguns transeuntes ignoram nossa urgência. A pressa é apática demais para o afeto. E se aqui dentro não vivermos uma utopia, nos mataremos em breve. “Que linda” diz o senhor dentro do ônibus. Gosto dessa utopia e desse senso de humor, brinco de dança das cadeiras, enquanto ela sussurra uma canção ao pé do ouvido. Como é possível viajar mesmo ali parado? Nessa trajetória de algum lugar para lugar algum definitivamente não interessam o ponto de chegada nem o de partida. Esse espaço entre é o lugar das possibilidades! A utopia é essa mulher que me faz rir e quero permanecer ali, mesmo parada, ao seu lado. As portas se abrem e é difícil aceitar a urgência que berra lá fora. “Não vão embora não”, nos diz pela última vez o senhor, nos escancarando que a vida talvez seja mais interessante dentro da ilusão do teatro. TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 43
12 anos | 60 min. | Direção: Marco Senna | Elenco: Anderson Borges, Camila Rafael, Dora Nunes, Edson Guilherme, Kátia Aparecida, Marco Senna, Pâmella Carmo, Patty Nascimento, Priscila Klesse e Silas Xavier | Percussionista: Cosme Alves Inspirada na peça “Arena Conta Zumbi” de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal, a apresentação do Núcleo Teatral Opereta canta essa que foi e, ainda é, uma das grandes homenagens da dramaturgia nacional ao líder Zumbi dos Palmares. O musical “Opereta Canta Zumbi” faz os participantes atuarem numa outra dimensão da arte e podendo dar a ela outras funções que vão além do entretenimento: a função histórica e a social. Ao enaltecer Zumbi, fala-se também da resistência dos vários povos dizimados quer seja por suas condições financeiras, de raça, cor, etnia, sexo, religião e/ou ideologia política. Ao cantar Zumbi, as vozes ecoam tentando alcançar os ouvidos daqueles(as) que com seu preconceito velado e hipócrita, continuam a estimular cada vez mais o ódio e rancor dentre tantas pessoas. 44 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
Opereta Canta Zumbi, com Núcleo Teatral Opereta_ foto Christiane Forcinito
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Opereta Canta Zumbi, com Núcleo Teatral Opereta_ foto Christiane Forcinito
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Opereta | Fundado em 1991, um grupo di-
versificado de artistas amadores poaenses, uniu-se com a finalidade de difundir a ARTE como modo de expressão e cultura. Desde então, o grupo reúne-se com o objetivo de estudar, pesquisar e montar textos teatrais, além de realizar outros projetos em nome da Associação Cultural Opereta. Espetáculos como “Opereta de São Francisco”, “O Auto da Luz”, “Francisco, Canções de um Miserável”, “Palhaços”, “Santa Joana: Título Provisório”, “Opereta Canta Zumbi”, “O Papagaiato”, “Almas Peregrinas”, são os principais trabalhos do grupo. As atividades do NTO são baseadas na busca de uma linguagem popular, com espaço para reflexões sobre diversos temas que nos inquietam, na transformação do espaço em que vivemos e no constante olhar ao redor e reflexão sobre o que esse olhar nos traz, tornando um painel para expor as expressões dos artistas que o compõe.
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Reflexões sobre Opereta Canta Zumbi por Núcleo Teatral Opereta
Tem teatro no ônibus? Tem, sim, senhor! Um espaço onde é difícil imaginar a possibilidade de realizar intervenções artísticas... Lugar de fluxo contínuo de pessoas. Como transformar esse espaço em um lugar para ações, intervenções? A partir de vivências fomos descobrindo possibilidades para que esse lugar fosse transformado nesse espaço, onde as pessoas que ali transitam pudessem compartilhar da história contada, e, ao mesmo tempo, sentir-se parte dessa história também! Transformar um ônibus, um espaço que se locomove pelas ruas da cidade, num espaço cênico foi desafiador, algo que nos possibilitou exercer o olhar com mais cuidado para a proposta cênica. Envolver esse público em nosso espetáculo foi algo especial, pois nos despertou a curiosidade de experimentar um novo jeito do fazer teatral. Para isso, as vivências e oficinas com a Trupe Sinhá Zózima, que faz desse espaço um espaço cênico com maestria, nos ajudaram muito nesse olhar cuidadoso e observador, transportando esse público para o ‘universo teatral’. Nos trouxe também a reflexão que esse universo teatral pode e deve ser levado a lugares onde não se imagina, de fato, como um terminal de ônibus, dentro de um ônibus. Propiciar o diálogo entre o legado de Zumbi e a escravidão contem48 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
porânea é ação que gera uma multiplicidade de símbolos, de sentimentos e reflexões. Apresentar o Navio Negreiro no espaço que representa as idas e vindas do trabalhador e agrega em si o cansaço, as esperanças e, muitas vezes, as desolações é uma dádiva que talvez levemos algum tempo para compreender em sua plenitude – haja vista a grandeza da oportunidade e da responsabilidade de trazer a história e a arte do povo para o povo, despertando e propiciando o despertar para a compreensão da grandeza de nosso patrimônio histórico e a importância da luta passada e sempre presente. Teatro, mais teatro! Mais arte! Mais espaços! Mais coragem... desbravar um país com poesia, encenada... com pintura em palavras, com feira e palhaçadas, com sertão... o sertanejo que desgarra a ferramenta para contar a sua história. Cantos, fatos históricos deixa povos eufóricos, numa prosa, num alerta, num levantar de corpos um grito! Vimos com bons olhos, mas com estranhamento do espaço... fazer teatro no ônibus! Desafio lançado, ajustes de corpo e mente para se apresentar... nos pré-eventos um preparo para o que viria. Trocas de experiências, exercícios que nos impulsionam... num palco em movimento, buscar o equilíbrio. Palavras de alertas e incentivo ao crescimento, evolução e possibilidades de novos projetos e parcerias, nos fizeram e fazem entender nossa arte, nosso lugar! Num país cheio de dúvidas, oportunidades escondidas. Entender que somos caçadores e partilhadores de arte que caminha entre conforto e desconforto. Ainda sentimos uma grande emoção de ter participado desta que é uma história narrada e cantada com tanto fervor, recebemos o carinho do público que se emocionou. E fomos recebidos pela Sinhá Zózima com muito carinho. Obrigado pela oportunidade descoberta e partilhada a nós do Núcleo Teatral Opereta! Até a próxima! Axé!!!
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Opereta Canta Zumbi, com Núcleo Teatral Opereta_ foto Christiane Forcinito TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 51
Apreciação de Opereta Canta Zumbi por Ramilla Souza
Um ônibus um tanto diferente estaciona, descem os atores, todos vestidos de branco e o público, misturado com eles. Um cachorro late para a caravana que passa, um morador de rua acorda do sono ao seu lado sem entender o que está acontecendo. Assim, Opereta Canta Zumbi chega na praça no Centro de uma noite paulistana fria. E, de dentro da noite, todo o conjunto – a peça, os atores, a praça e o cachorro – não parecem fazer sentido juntos. Mas, o que vamos ver é um acolhimento diferente do que se esperava. O Centro da cidade, lugar inóspito, vai ser palco de um ritual compartilhado. Na Opereta, que para, simbolicamente, em frente à uma Igreja, outros atores são evocados, além daqueles do espetáculo. Na dança e no canto oferecidos para a rua, um homem chora e tenta, toscamente, fazer malabares. Ingênua ou sabiamente, insiste em não respeitar o espaço cênico. Me pergunto se isso incomoda o público. A mim, parece que uma certa inteligência, de outra ordem, permeia todo o jogo entre atores, cena, morador de rua. Todos se juntam para fazer o espetáculo acontecer. Estar na rua não é para qualquer um certamente. É importante ressaltar que não se trata de uma Igreja qualquer. Estamos no Largo do Paissandú, onde fica a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Erguida por trabalhadores negros, ela foi ponto de encontro para aqueles que eram proibidos de frequentar os locais religiosos dos brancos. A Opereta canta Zumbi. Fala sobre negros, escravidão que nunca acaba, descaso. Fala sobre um outro olhar para a própria história. O reconhecimento das feridas e o processo de cura. Impossível não estar falando também sobre aqueles que fazem da rua sua morada no Largo do Paissandú. Naquela noite, a 52 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
Opereta Canta Zumbi, com Núcleo Teatral Opereta_ foto Christiane Forcinito
Opereta encontrou a praça, que é casa de alguém. Os homens encontraram a Opereta. Todos dançaram juntos. Mas, antes de tudo isso, vem o ônibus. E eu penso ser impossível que este espaço, idealizado como um palco móvel pela Trupe Sinhá Zózima, não modifique intensamente a relação do público com este espetáculo. O ritual proposto pela Opereta, que é majoritariamente cantado, ganha um tom surreal enquanto nos movimentamos pelo Centro de São Paulo. O dentro e fora parecem dois mundos completamente diferentes. Lá, entre os carros e sinais de trânsito, ninguém sabe do que compartilhamos dentro. Desconfio que nem saibam do “Upa neguinho” que cantamos juntos. Nem de Dora, que tira o fôlego ao entrar em cena e parece legitimar, com sua presença e idade, qualquer coisa que seja feita ali. E no ônibus também aparecem os “outros atores”. Um deles, inclusive, quase me fez acreditar fazer parte da peça de tanto que suas intervenções eram cênicas. Em uma das cenas, todos os atores do espetáculo deitam-se no chão. O homem, sem entender o que acontecia pergunta: eles não estão mortos, não é? E grita: levanta, pessoal, tá na hora de levantar. Levanta! Levanta! Levanta! Levanta! Afinal, cativeiro já acabou. TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 53
Saída discreta pela porta dos fundos, com Grupo Saída discreta pela porta dos fundos _ foto Christiane Forcinito 54 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
12 anos | 60 min. | Direção: Howardinne Queiroz | Dramaturgia: Alexandre Cruz | Elenco: Howardinne Queiroz, Patrícia Faria, Rodrigo Ribeiro, William Fernandes Com foco na superficialidade das relações pessoais características da vida na metrópole e livremente inspirada no universo imaginário de Clarice Lispector, a peça recria personagens simples e improváveis dentro de uma trama crítica e atualizada. Essas personagens são otimistas e, mesmo com todos os revezes, olham para a vida e dizem sim. E se tudo no mundo começou com um sim, o mais singelo no cotidiano de cada uma dessas personagens será o tecido de forro dessas estórias cheias de encontros e desencontros.
Saída discreta pela porta dos fundos | Núcleo de artistas pesquisa-
dores das áreas de direção, dramaturgia e atuação. Os integrantes (a maioria oriunda da SP Escola de Teatro, Senac e ETEC) se uniram no projeto de uma das integrantes para a conclusão da Pós-graduação em direção teatral, no Célia Helena. Desde então, permanece com o processo de pesquisa sobre o universo de Clarice Lispector.
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Reflexões sobre Saída discreta pela porta dos fundos por Grupo Saída discreta pela porta dos fundos
Um texto de Clarice Lispector não se adapta às monótonas classificações dos períodos literários. Tampouco seus personagens cabem dentro de uma simples representação plana. Estado de transcendência e potência sublime da linguagem são algumas das marcas mais geralmente atribuídas aos textos dessa autora. Segundo a professora Clarisse Fukelman, da Universidade Católica do Rio de Janeiro, em A Hora da Estrela Clarice leva às últimas consequências a proposta de linguagem que produz autoconhecimento e o alargamento do conhecimento de mundo através do exercício com a própria linguagem. Uma adaptação para o teatro livremente inspirada no universo dessa obra literária teria de ser, antes de tudo, mais um exercício de linguagem e, ao mesmo tempo, teria de propor uma revivescência do mal-estar e da culpa da sociedade omissa por permitir que seres inadaptados como os de Clarice exista aos montes por aí. Esse exercício e essa revivescência não poderiam ter encontrado espaço mais coerente ou representativo para acontecer do que no Terminal Urbano Parque Dom Pedro II durante a II Mostra de teatro no Ônibus da Trupe Sinhá Zózima. Como é usual dos processos artísticos criativos no teatro, a realização desse espetáculo despendeu horas de discussão, ensaio, edição, escritura, reescritura, mais discussão e mais ensaio. Howardinne Queiroz, quem dirigiu a peça, também atuou com os atores William Fernandes, Rodrigo Ribeiro e Patrícia Faria, a protagonista anti-heroína. Os atores recebiam o texto da adaptação livre 56 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
do ensaio. Esses ensaios, metade das vezes, aconteceram na sala de estar de um apartamento ou em algum outro lugar improvisado. Até aqui está tudo dentro da usualidade quando se trata do caráter das condições de trabalho de muitos grupos de teatro pequenos ou recém-formados. Ao avaliar algumas das adversidades do projeto e da sua atuação, Howardinne relatou: “tive dificuldades para estar totalmente em cena e me desvencilhar do olhar de diretora”. A outra metade desses ensaios aconteceram dentro do ônibus da Trupe Sinhá Zózima. Desde o primeiro dia de ensaio no ônibus todos concordaram que a oportunidade de apresentar a peça naquele espaço era, simultaneamente, desafiadora e imperdível, com um potencial inestimável para contextualizar as críticas e as referências socioculturais tão aparentes e contundentes no texto original. A diretora relatou, “quando se tratou de adaptar as cenas do palco italiano para um transporte coletivo, a investigação cênica sobre o espaço se aprofundou (…) tivemos de nos voltar inteiramente para aquele espaço: dramaturgia, luz e desenhos das cenas, todos foram repensados para o novo ‘palco’”. O ator Rodrigo Ribeiro confirmou a impressão da diretora relatando que “a ideia [de apresentar no ônibus] era incrível e dialogava muito com a nossa proposta, começamos a pensar o espetáculo para o ônibus”. As dificuldades foram vencidas e, à medida que as soluções criativas apareciam, tínhamos mais certeza da teatralidade latente que o ônibus carregava. Sobre as descobertas surgidas durante os ensaios no ônibus e a possibilidade de movimentação real desse veículo, Howardinne acrescenta: “pensar a direção foi ir junto com o dramaturgismo em busca de soluções para a cena. Era nosso interesse desde o início que o ônibus se movimentasse, mas sabíamos dos riscos de logística para fazer tudo ‘casar’ na medida da cena”. Os atores tiveram de se adaptar com o veículo em movimento e com a movimentação cênica reduzida aos corredores do ônibus. Contudo, segundo a diretora, “duTRUPE SINHÁ ZÓZIMA 57
rante os ensaios tínhamos um esboço do que seria [a cena] de acordo com o que imaginávamos, porém, só temos a ideia do todo com a presença do público que é parte essencial, principalmente em um ônibus onde o olho no olho, os risos e o silêncio ganham uma potência dobrada”. A dramaturgia, por sua vez, em cada cena se preocupou em reinventar e, principalmente, atualizar a fábula original. Isso acarretou em liberdade para poder expandir livremente a adaptação e se deixar levar pelo vácuo de contexto fascinante e pelos personagens atuais imortalizados por Clarice. As palavras do ator Rodrigo Ribeiro vêm para respaldar a investida dramatúrgica observando que, “tanta gente vem de fora tentar a vida em São Paulo acreditando que aqui é o paraíso, o local das oportunidades, onde tudo acontece (…) de certa forma essa é nossa história também”. Sobre a personagem principal, ele diz, “vejo e me emociono com a Anetésia em sua simplicidade, me identifico”. Foi necessário pensar em tantos detalhes, fazer tantas concessões e arranjar tantas parcerias em torno do nosso objeto de arte ainda tão frágil e abstrato que no dia da estreia a nossa única grande surpresa foi ter de apresentar duas sessões consecutivas e, para a nossa alegria, lotadas. Valeu muito todo o esforço e a espera, pois, com o apoio da Trupe, conseguimos organizar tudo o que precisávamos para as nossas cenas acontecerem adequadamente: som, iluminação, movimentação, organização. O resto ficou por conta da habilidade dos atores e da magia instaurada pela fala inicial do narrador “a estória pode começar”. Testemunhamos que, simples e sofisticado ao mesmo tempo, o teatro pode sim acontecer também dentro de um ônibus. Sobre isso, Rodrigo Ribeiro relatou, “depois que a peça sobre o cotidiano aconteceu dentro de um ônibus, num formato aparentemente simples, pensei que esse mesmo cotidiano simples passa por mim todos os dias e eu o trato como 58 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
insignificante”. Ele completa, “ele [esse cotidiano] pode ser um tipo de poesia que nos traz novos pontos de vista sobre a nossa própria existência, pois, tanto no ônibus como no mundo, estamos, ao mesmo tempo, juntos no mesmo barco e separados, e somos, muitas vezes, hostis uns com os outros”. Após a estreia, as impressões relatadas pelos atores em termos de comparação entre o espaço do ônibus e os espaços tradicionais giram, sobre tudo, em torno da proximidade com o público e do efeito criado pela movimentação dos atores, do veículo e da própria dramaturgia escrita para esse espaço móvel. É preciso ressaltar ainda que a II Mostra de Teatro no Ônibus da Trupe não consistiu apenas de apresentações dos grupos convidados; o que por si só já possibilitou a todos envolvidos muitas oportunidades de trocas. Howardinne contou que “também foi possível conhecer mais sobre produção cultural através dos ciclos de palestras que aconteceram em maio com temas que variavam entre manutenção e difusão artística”. Essas atividades somaram-se à contribuição e ao reconhecimento que tivemos da Trupe. A visão da diretora do grupo é de que “para nós que estamos começando e vislumbramos um longo caminho pela frente, foi essencial ter essa porta aberta para mostrar o nosso trabalho, aprender como mantê-lo e ainda conhecer meios que possibilitem que continuemos apresentando”. Se ainda nos cabe citar mais uma vez nossa autora-musa, em uma das páginas do seu livro, lemos: “Só se consegue a simplicidade através de muito trabalho”. Se conseguimos contar essa estória com a mesma maestria para a simplicidade que ela, não sabemos; mas o sentimento de satisfação e o sabor do sucesso de que provamos no dia da nossa apresentação no ônibus, podem acreditar, foi fruto de muito trabalho e dedicação de todos os envolvidos. Especial agradecimento ao iluminador, Tom Vieira, e ao cenógrafo, Pablo Rodriguez, que vieram posteriormente somar forças ao trabalho do nosso grupo. TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 59
Saída discreta pela porta dos fundos, com Grupo Saída discreta pela porta dos fundos _ foto Christiane Forcinito 60 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
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Apreciação de Saída discreta pela porta dos fundos por Ramilla Souza
É sempre difícil adaptar Clarice Lispector e, talvez, sua obra mais complexa para este feito seja A Hora da Estrela. Como trazer para o palco (ou, no caso, para o ônibus) uma personagem que é criada para ser profundamente estúpida? Como adaptar uma obra que falava de uma realidade dos anos 70 e torná-la atual? E, sobretudo, como trazer para a cena as nuances da obra de Clarice com a sua profunda imersão interna? Diante de todas essas questões, é fácil errar. Um outro ponto a ser resolvido na cena é a questão criador/personagem. No livro, ela é colocada através da figura de Rodrigo SM, autor que cria Macabéa (personagem principal do livro e, na peça, chamada de Anetésia) e vive o conflito desta criação. Macabéa/Anetésia nasce de um incômodo, do não saber lidar com a miséria que assolava migrantes nordestinos vivendo na cidade grande nos anos 70. O que ela não é, portanto, é uma caricatura. E não tratar esta obra com muito cuidado em sua adaptação para o teatro é incorrer na falha de criar uma caricatura do migrante nordestino. Todos conhecemos a imagem do nordestino que fala errado, com sotaque forte, que não sabe de nada nem entende os trâmites da nova cidade em que vive. Essa imagem não precisa ser repetida. Ela é a solução fácil. Mas, qual seria a solução difícil? O que nos incomoda na sociedade hoje em dia que nos faça querer criar uma personagem apenas para dar conta deste anseio? Para dar conta daquilo que não conseguimos lidar, não conseguimos engolir e, sobretudo, não conseguimos naturalizar? Talvez, Macabéa/Anetésia hoje fosse uma boliviana escravizada em um ateliê de costura. Talvez, ela fosse uma haitiana vivendo em São Paulo sem conseguir falar nossa língua. 62 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
Vale lembrar aqui que Macabéa/Anetésia não existe para ser real. Por isso, ela é a imagem da ingenuidade, é essa característica elevada à enésima potência. E o narrador, neste caso, não é apenas aquele que observa e fala sobre a personagem, ele é o criador. Aqui, não cabe um narrador distanciado. É ele quem inventa e dá vida. Dá vida e mata. A morte de Macabéa/Anetésia é um símbolo do nosso fracasso. Uma tentativa de matar a miséria sem conseguir fazê-lo. Esta parece uma história fácil, mas não é. E é preciso muita atenção para olhá-la de perto.
Saída discreta pela porta dos fundos, com Grupo Saída discreta pela porta dos fundos _ foto Christiane Forcinito TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 63
12 anos | 60 min. | Direção e dramaturgia: Nay Dias | Elenco: Daniel Nomoto, Diego Faria, Filipe Azeredo, Gisele Winter, Gustavo Cardoso, Laura Amaral Na feira do bago de jaca transitam vários tipos de passantes e comerciantes. O foco se dá sobre cinco feirantes no interior da Bahia que brigam feito cão e gato, mas demonstram certa cumplicidade na hora de defender seus interesses. A competição fica acirrada quando aparecem vendedores ambulantes no local de compra e venda. O ambiente da feira se desloca entre a diversão e o deboche. Vários tipos de sujeitos espertos que fazem qualquer negócio para ganhar uns trocados tumultuam ainda mais a trama. Tomar uma atitude ou não, defini o caráter dos personagens. Afinal, você é um homem ou um bago de jaca?
Café com farinha | O grupo, formado em junho de 2011, desenvolve até o presente momento um trabalho de pesquisa de teatro popular e o reaproveitamento de materiais recicláveis para cenografia e figurinos. Iniciou as apresentações em 2012 passando por Ribeirão Pires e Curitiba e curta temporada em 2014 em São Paulo. 64 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
Reflexões sobre a feira do bago de jaca por Grupo Café com farinha
A junção do café e toda sua forte história na cidade de São Paulo com a farinha - símbolo de ouro e sustento em diversas regiões interioranas do nordeste brasileiro - foi inspiração para o nome bem peculiar do Grupo Café com Farinha. Unimos as diferenças e brincamos com as diversas possibilidades da cultura popular, sejam elas realistas, poéticas ou estereotipadas para alguns. “Estar diante de um projeto, que leva o teatro para dentro do ônibus, me causou várias perguntas e inquietações. Como seria estar num espaço transeunte, em plena terça-feira, em um dos terminais mais agitados que liga a Zona Leste ao centro da cidade de São Paulo? Foi esse anseio de respostas e entendimentos que me fez pensar mais no verbo espiar. À primeira vista, é perturbador pensar numa plasticidade de alegoria cênica e intervir nessa cena já construída do ir e vir. Como virar o olhar do já cansado trabalhador, para um espetáculo teatral? Como apaziguar o parar e o seguir adiante? Perguntas foram muitas..., porém, conforme o primeiro ensaio ia sendo realizado, as perguntas iam dando lugar à adequação.” (Nay Dias, autora e diretora) No primeiro encontro do grupo com o busão, era nítido o olhar questionador e de reconhecimento daquele transporte tão utilizado por todos nós passageiros e pouco observado por tantos outros ângulos. Conforme íamos ensaiando no ônibus, diversas possibilidades eram testadas por todo grupo. E, de imediato, pensamos que o espetáculo deveria ser feito com o transporte andando, afinal, era um ônibus e a relação dos encontros se dava na alteridade TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 65
desse ir e vir, dessa relação muitas vezes desgastante do cotidiano com essa cidade em movimento. Porém, percebemos que essa movimentação já era da própria encenação da nossa peça “A Feira do Bago de Jaca” e o próprio fato de estar dentro do terminal, já configurava um outro encontro que não o do teatro, de um espaço outro, numa relação com os próprios transeuntes dali. Queríamos então dialogar com este espaço. Sendo assim, seria interessante chegarmos com essa Feira e fixar nosso ponto ali por uma hora e depois partirmos. Esse ônibus se tornaria uma grande jaca ambulante e todos ali do terminal teriam a liberdade de entrar e sair nesse espaço movimentado por negociação, tendo como pano de fundo as intervenções das buzinas, autofalantes, burburinhos dos moradores de rua, etc. E foi divertidamente encantador! Perceber todas aquelas poltronas, as barras de ferro, teto, portas, encostos, fez-nos enlouquecer em falar desesperadamente, sem controle e adequação. Enfim chegou o dia da primeira apresentação. Que energia maravilhosa! A comitiva “A Feira do Bago de Jaca” encontrou-se com os passageiros e estes se depararam com uma feira de intrigas, sonhos, forró e vendas... Os Feirantes desceram no terminal no meio dos passageiros e acontecia a mágica do encontro entre realidade e teatro. Um passageiro que ali passava, confundiu o teatro e logo disparou: “Estão vendendo farinha? Quero logo uns cinco sacos.” Outro olhou bem um dos personagens da peça e soltou: “Seu cabelo é muito louco meu!” 66 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
A feira do bago de jaca, com Grupo Café com farinha _ foto Christiane Forcinito TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 67
A feira do bago de jaca, com Grupo Café com farinha _ foto Christiane Forcinito 68 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
“No dia a dia vemos a mãe nordestina com seus filhos estressada pelas ruas, criativos vendedores ambulantes nos transportes públicos, feirantes com gogós afinados e etc... Tipos esses que se cruzam sem perceber na ida ou volta para suas casas em um dos maiores terminais da cidade de São Paulo, o terminal Parque Dom Pedro II. Um show de personagens e estilos desfilam entre as plataformas, logo, não é difícil reconhecer e interagir com um bago de jaca aqui e ali. ” (Diego Faria, ator) Depois de muitas experimentações, inclusive com ações poéticas da própria Trupe Sinhá Zózima, redescobrimos e ressignificamos o espaço de um ônibus. A partir dos ensaios, aquele espaço se transformou completamente. Sair de um teatro convencional com coxias, camarins e um certo afastamento do público que fica em meio à escuridão é de uma enorme diferença. O ônibus nos obriga a conversar com cada um da plateia, tudo está aceso, todos estão em um grande palco e em uma enorme caixa acústica. “É uma experiência incrível e apaixonante, se apresentar no terminal é algo por mim nunca imaginado e foi muito maior do que esperava, o público é fascinante, porque se encanta realmente com tudo o que ali acontece. Elenco e público são surpreendidos e o que fica é a vontade de mais e mais, de explorar mais possibilidades, mais públicos, mais terminais. As dificuldades são inúmeras, mas é no improviso e na adaptação que a mágica acontece.” (Gisele Winter, atriz) TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 69
“Transitar. Quando penso em ônibus, isso me vem à cabeça. Um espaço em trânsito, com trânsito e cheio de pessoas que estão no meio do ir e vir, que querem estar em outro lugar. Como transpor esse movimento para um encontro de olhares? Como estar naquele espaço de transição? Como construir morada sendo estrangeiro e passageiro àquele espaço? Um terminal cheio de vida, de interferências, de cruzamentos de caminhos. Música alta, vendedores ambulantes, trabalhadores, passageiros. E ainda aqueles que apareceram ali só para ver teatro mesmo.” (Laura Amaral, atriz) A jaca ambulante, nosso ônibus da “A Feira do Bago de Jaca” vem anunciando sua chegada, capitando olhares e falas dos transeuntes dos arredores do terminal, de feirantes ali do lado. Enquanto aguardamos para estacionar a jaca, um vendedor ambulante e uma freguesa embriagada tomam a cena, e capitam os olhares daqueles que estão nos aguardando. A cena termina, e a jaca vai sendo preenchida de vida. Não queremos dar adeus à cena externa, morada do terminal. Nós estamos ali de passagem, diferente dos próprios passageiros que estão em permanente chegada e partida. Num corredor estreito, no vão entre passageiros, tentamos olhar, conversar, trocar. Como não ignorar aquele com a visão mais prejudicada, no canto, excluso, tentar dar espaço para a relação? E a cena invade o terminal. A voz que tenta no terminal encontrar os passageiros da jaca, encontrar o transeunte da plataforma. E, de novo dentro da nossa jaca, a voz não quer estourar a cabeça de quem está ao lado, quer conversar, mas quer conversar também com o povo do fundão, com quem está perto da porta e da janela aberta. Portas e janelas que deixam a vida do terminal transbordar para dentro da jaca através de sons, de caminhadas e de olhares. Estar nessa viagem “Toda Terça Tem Trabalho, Tem Também Teatro!”, foi enriquecedor demais. Perceber essa correria da cidade com 70 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
um espiar que atravessa o cansaço. A arte está naquela janela embaçada do ônibus e vai mais além dos terminais. E quando se vê, nossa viagem acabou. Pensamos no caminho, nos percalços, nas surpresas, na vontade de reviver, de mudar coisas, de voltar a ver aquele olhar encontrado. Entramos na jaca e partimos, dizendo adeus àquele transitar que já sabíamos ser passageiro.
A feira do bago de jaca, com Grupo Café com farinha _ foto Christiane Forcinito TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 71
Apreciação de A feira do bago de jaca por Ana Carolina Marinho
Que Nordeste habita São Paulo? Por que os esteriótipos são sempre fortes? O que eles querem dizer e o que querem reafirmar? Esse Nordeste famigerado, cheio de filhos, com esse sotaque que às vezes mistura todos os estados da região e que fala errado já me parece tão esvaziado quanto a caricatura do “black face”. Em temos de representatividade esvaziada, os tipos são fortes contrastes e destoam - com menos humor - da realidade. Os tipos às vezes nos distanciam e criam barreira intransponíveis. Mas isso já não me incomoda tanto quanto me incomodava nos primeiros anos da minha migração a São Paulo. Existe uma paixão por aqui de fazer “cultura popular” com essas alegorias distantes e respeito. Já não sinto que me fere como antes, ainda mais porque reconheço a força que qualquer manifestação artística gera e alimenta em quem transita pelo espaço público e se depara com aquilo. Me ative aos sotaques que me eram mais próximos e menos forçados. O Tobas, exímio “manicaca”, como chamamos em terras potiguares, os homens que obedecem a todas as ordens da mulher e aceita sem pestanejar, tinha uma inteireza em sua construção. Mais do que parecer, ele era. Digo isso porque a quantidade de vezes que outros personagens diziam a palavra “oxe” em uma mesma frase me escancaravam uma farsa nordestina. “Oxe” se tornava o “amparo” ilusório de que o Nordeste cabia na boca. As roupas e maquiagens já reforçavam uma construção dos personagens que se as vozes não fossem para outro lugar sublinhavam o que era dito com um ritmo mais lento e desinteressante. O próprio terminal nos revela uma comunhão de sotaques e de jeitos. Mas não há como negar que fazer teatro no terminal Parque Dom Pe72 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
dro II, sem dúvidas, é devolver paixão a um cotidiano apressado e invisível, é resistência e furor. Mas fazer dentro de um ônibus e não o tornar potência, suporte ou dramaturgia é ignorar uma realidade que está escancarada diante de nossos olhos e através das janelas. As cortinas não estão abaixadas, não estamos imersos nessa ilusão usual ao teatro. Estamos dentro de um ônibus o que acirra uma urgência e um risco estimulantes! O terminal urge do lado de fora e se não houver diálogos com tudo isso, o olhar escapa para fora e se distrai com os transeuntes, que carregam em si um tanto de teatralidade e um tanto de performatividade. E é exatamente quando “A feira do bago de jaca” se relaciona com o entorno que somos capturados com mais entusiasmo àquela narrativa, quando os transeuntes são inseridos à cena ou quando os atores se envolvem com os passantes, o teatro para revelar toda a sua potência enquanto ação cultural em um espaço público.
A feira do bago de jaca, com Grupo Café com farinha _ foto Christiane Forcinito TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 73
16 anos | 60 min. | Direção: Anderson Maurício Dramaturgia: Suzy Lins de Almeida | Atriz criadora: Luciana Ramin Vídeo artista e mapping: Gabriel Diaz Regañon Iracema via Iracema parte do texto homônimo de Suzy Lins de Almeida, e conta a história de uma mulher que deixa tudo para viver dentro de um ônibus, onde compartilha sua história de vida, sentimentos e sensações com o público. Para a criação do espetáculo multimídia como procedimento de criação entre atuação e encenação são realizadas performances, que utilizam o texto, a atuação e dispositivos audiovisuais, tais como vídeo mapping para a composição do espetáculo que acontece dentro de um ônibus urbano.
Agrupamento Andar7 | Criado por Luciana Ramin e Gabriel Díaz-Regañón, dupla multimídia que se dedica a pesquisa em linguagens híbridas em audiovisual, tecnologia e artes cênicas, seus trabalhos já participaram de mostras e festivais nacionais e internacionais de teatro, artes visuais e cinema. Entre seus trabalhos destacam-se Fausto in Progress, O Sacrifício de Julia Fake e Retinamérica. Vivem e trabalham em São Paulo, SP, Brasil. Mais informações: www.andar7.com
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Processo de criação compartilhado Iracema via Iracema, com Agrupamento Andar7 + Trupe Sinhá Zózima_ foto Christiane Forcinito TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 75
Processo de criação compartilhado Iracema via Iracema, com Agrupamento Andar7 + Trupe Sinhá Zózima_ foto Christiane Forcinito 76 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
Reflexões sobre sobre oo Processo Processo de de criação criação Reflexões compartilhado Iracema Iracema via via Iracema Iracema compartilhado por Luciana Ramin
Vivenciar a experiência de uma criação artística no transporte público nos dias de hoje é a chance mais radical que temos do encontro. É na casa provisória que se desloca pela cidade <o ônibus> que percebemos o quanto o cotidiano é fonte inesgotável de afetos e presenças marcadas pelo labor do dia a dia; e que nosso papel é remexer nesse universo, ampliando as possibilidades poéticas de existir na grande cidade. Iracema via Iracema conta justamente a história de uma mulher que passa a viver no transporte público e compartilha suas experiências e memórias com os seus, que também passam longas horas dentro do transporte. O desafio está no gesto de se colocar como algo extracotidiano e, mesmo assim, se fundir ao cotidiano misturando realidade e fantasia. Embarcar no ônibus da Trupe Sinhá Zózima no Parque Dom Pedro II é embarcar rumo ao desconhecido; e a surpresa revelada em cada olhar proporcionado através da experiência de estar presente em um espaço – tempo tão singular, quanto o transporte coletivo, o encontro com outro, é oxigênio para uma cidade como São Paulo, é tão essencial quanto o ar. Gratidão a todos por respiramos juntos com o peito cheio de poesia e amor. TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 77
Apreciação do Processo de criação compartilhado Iracema via Iracema, com Trupe Sinhá Zózima e Agrupamento Andar7 (São Paulo/SP) por Ana Carolina Marinho
As Iracemas na literatura e no cinema costumam habitar as entranhas desse país. São frutos de uma pátria violentada. De um ventre que expulsou o feto com suor e sangue. Aqui não é diferente, Iracema é profusão de cheiros e cores. É brutalidade e candura habitando o mesmo organismo. Aquele ônibus nunca foi tão quente e úmido, feito um útero. Estávamos juntos habitando as entranhas desse Brasil parido. E é nessas condições, que se prolifera a vida, que nos reconhecemos como frutos podres que sugam os nutrientes de Iracema. Ali era o lugar dela! O que trouxe a gente até ali? O que nos fez permanecer ali? O cheiro de Cidreira e das outras ervas acalenta o rigor e a brutalidade daquela mulher. O carinho é torto, mas poderia ser de outra forma, se a vida sempre foi sinuosa? Se é Iracema que nos chama, é ela que nos expulsa como uma contração voluntária. Ela nos expulsa daquelas vísceras porque ali mal dá pra viver um, imagina tantos. Se é para alguém sobreviver nessas condições, ela parece preferir que seja ela. Ela nos poupa daquilo que não a poupamos. Iracema é a tal como os objetos que carrega e que compõe uma espécie de altar da sobrevivência, eles já não tem serventia e já não são tão bonitos quanto antes. O ônibus pela primeira vez aparece com uma estratégia distinta. Ele não é dramaturgicamente exposto, mas em nenhum momento foi possível esquecer que estávamos ali dentro. O ônibus conquistou uma qualidade de ter78 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA
ritório de afeto e de abrigo. Faculdade rara e necessária quando pensamos no teatro feito ali, instalado no espaço público. Ali parece ser o único lugar a que Iracema pode chamar de seu. Suspeito que de tantos outros ela já foi escorraçada. Ali tem o cheiro dessa mulher atemporal, dessa vida que guarda os objetos que estão pela metade e sem uso, ali cheira a erva, cheira a maracujá. E é nesse contraponto entre o conforto de um útero e a retirada à vácuo da gente que a cena se desenrola. Iracema é força bruta, ela é capaz de gerar, dentro de si, ela própria.
Processo de criação compartilhado Iracema via Iracema, com Agrupamento Andar7 + Trupe Sinhá Zózima_ foto Christiane Forcinito TRUPE SINHÁ ZÓZIMA 79
Ficha técnica II Mostra de teatro no ônibus Coordenador Anderson Maurício
Motorista Wilson dos Santos
Produção Geral Tatiane Lustoza
Assessoria de imprensa e redação Paula Venâncio
Produtora Paula Barison
fotografias Christiane Forcinito Daniel Abicair Danilo Dantas Priscila Reis
Audiovisual Cinefoto Colapso Equipe de apoio Cleide Amorim Junior Docini Maria Alencar Tatiana Nunes
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Designer Deborah Erê Desenhos Guilherme Kramer Roberta Giotto Deborah Erê Webmaster Danilo Peres
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Com olho no olho O corpo no corpo Com a alma a escutar O dizer, a fala do povo A riqueza desse lugar Anderson Maurício e Rudinei Borges 82 TRUPE SINHÁ ZÓZIMA