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PAISAGENS DO SABER
ESTUDAR Só depois de proclamada a República, São Paulo criou um sistema público de educação mais organizado. Na paisagem urbana, surgiram edifícios projetados para o ensino. Eram escolas, colégios religiosos e liceus técnicos, reconhecidos por sua arquitetura eclética. O Liceu Coração de Jesus (1), do final do século 19, é a partida deste roteiro, pois marca um período em que a cidade, com muitos imigrantes e escravos libertos, crescia em torno de seu centro histórico, impulsionada pela industrialização. Era uma escola religiosa, como o Colégio Santa Inês (2), destinado à formação de moças. Novos cursos superiores surgiram e, na região da Luz, concentraram-se os ligados à indústria, construção civil e saúde, como as antigas Faculdade de Farmácia e Odontologia, atual Oficina Cultural Oswald de Andrade (3) e Escola Politécnica (4 e 5). Esta foi pioneira na formação em engenharia e sua criação esteve vinculada às atividades do Liceu de Artes e Ofício (6). No século 20, um novo modelo pedagógico é aplicado em São Paulo, a partir das ideias do educador Anísio Teixeira: tratase do programa Convênio Escolar, que associava preceitos da arquitetura moderna ao conceito de escola integrada à comunidade, representada nesta rota pela Escola Estadual Prudente de Moraes (7). Por fim, voltamos ao fim do século 19, com o Antigo Liceu de Artes e Ofícios (8) que, por muito tempo, produziu obras de serralheria, cerâmica e bronze, mobiliário e monumentos que integram prédios públicos e praças da cidade.
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MORAR Com terra socada no pilão, ergueram-se as primeiras casas de São Paulo. Pouco restou desse casario depois que a riqueza do açúcar, do café e da indústria gerou um modo de morar que originou palacetes, vilas e altos edifícios. A classe operária, formada principalmente por imigrantes, criou vilas e cortiços a partir do saber fazer de seus mestres de obra e de ofícios variados, enquanto os mais abastados passaram a habitar em locais elegantes, palacetes afrancesados e apartamentos. O Edifício Esther (1) é um exemplo, pois funde modernidade aos ideais da elite dos anos 30, que queria alinhar São Paulo às grandes cidades do mundo. Ainda mais exuberante, o Edifício Viadutos (2) foi a “coqueluche” da classe média nos anos 50. A arquitetura moderna também criou modelos mais populares, como o Edifício Japurá (3), construído com recursos do IAPI*, exemplo pioneiro do conceito de “unidade de habitação”, com apartamentos modulares e espaço para comércio e recreação. Nesta verticalização urbana, o Edifício Planalto (4) destacou-se como um ícone do morar da burguesia, antes dominado por casas, a exemplo do Castelinho da Brigadeiro (5), construído pouco antes da 1ª Guerra para o médico Claudio de Souza e que hoje é alugado para eventos. Destino diferente da Vila Itororó (6) que, em parte construída com materiais de demolição, já chamava atenção na década de 20 por sua arquitetura pitoresca. Hoje é um imóvel da prefeitura destinado a fins culturais e passa por restaurações. *Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários
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NO BERÇO DO CAPITAL INDUSTRIAL
TRABALHAR São Paulo já foi uma cidade modesta, de tradições rurais e sem muitos atrativos, a não ser o fato de conectar caminhos rústicos do interior ao litoral, até que uma série de eventos do século 19, movidos pelo boom do café, transformaram sua economia, seu modo de vida, sua paisagem. A região da Mooca, ao longo de duas ferrovias, foi ocupada por fábricas e por uma legião de pessoas que vieram formar a força de trabalho do Estado – a maioria europeus que, quando chegavam, alojavam-se na Hospedaria dos Imigrantes. Nesta paisagem, galpões, chaminés, ramais e pátios de manobra daquela época dividem território com altos edifícios, centros comerciais, terminais urbanos e áreas baldias. A antiga Fábrica Alpargatas (1) deu lugar a uma universidade. Do viaduto sobre a Rua da Mooca, vê-se a imensidão dos galpões da Companhia Antarctica Paulista (2), atualmente sem uso. Originalmente uma tipografia, hoje, parte das Antigas Oficinas da Sociedade Casa Vanorden (3) está fechada e a outra utilizada como estacionamento. Na Rua Borges Figueiredo, onde fica o Moinhos Gamba (4), também há outros edifícios tombados. Interessante observar, neste roteiro, a qualidade arquitetônica das construções, suas técnicas construtivas, materiais empregados e a possibilidade de adequar o antigo às necessidades atuais de um novo uso sem descaracterizar o edifício, ou pelo menos parte dele, a exemplo do Cotonifício Crespi (5), cujas fachadas resistem ao tempo, adaptado a um supermercado.
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DO FOOTING AO CINEMA
PASSEAR O tempo livre ganhou maior valor no século 19, quando a máquina começou a competir com o ser humano na revolução industrial. Desde então, a construção social do lazer se intensifica, associada à oferta de produtos ligados ao descanso, ao desportivo, ao cultural. Em registros de São Paulo no século 19, vemos poucas representações do lazer como o conhecemos. Resumem-se a famílias passeando por jardins, festas religiosas e estudantes na boemia. Algumas atividades artísticas surgiam: a cidade recebia trupes de artistas, e os primeiros teatros eram criados, com repertórios que iam da ópera ao vaudeville. Na transição para o século 20, surgiram espaços para diversão, como o Hipódromo e os clubes sociais e esportivos. Com a expansão do cinema como entretenimento de massa, o Centro Novo concentrou luxuosas salas de exibição, entre as décadas de 30 e 50, firmando-se como área de comércio, lazer e cultura. Desse conjunto, conhecido como Cinelândia, nosso roteiro destaca os cinemas Metro (1), em estilo art deco, atualmente uma igreja; Marabá (2), reformado num arrojado projeto de modernização; Ipiranga (3), projeto do arquiteto Rino Levi e fechado; Dom José, antigo Jussara (4), em atividade com exibição de filmes pornográficos; Cine Olido (5), reaberto pela Prefeitura; Art Palácio (6), Ouro (7), transformado em estacionamento; Paissandu (8) e Marrocos (9), atualmente fechados. Vale destacar que muitas outras salas dessa região funcionavam em galerias comerciais dessa área urbana.
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AVENIDA VIVA E VIVIDA
CIRCULAR Milhões de vidas se aglomeram em São Paulo e a cidade é palco de perpétuo movimento. Do Triângulo Histórico ao Vale do Anhangabaú, depois do Centro Novo à Avenida Paulista e de lá para o vale do Rio Pinheiros, o coração financeiro da cidade se desloca, transformando a paisagem e o cotidiano das pessoas. Com o tempo, a vegetação e as araucárias da Avenida Paulista cederam lugar a altos e modernos edifícios de uso múltiplo, como o Conjunto Nacional (1), os Condomínios Pauliceia e São Carlos do Pinhal (7) e Nações Unidas (8), ou o emblemático Banco Sul-Americano (2), embora ainda resistam na paisagem raros palacetes de sua primeira fase de urbanização, no início do século 20, como o Palacete Franco de Mello (3) e a Casa das Rosas (11), construídos no mesmo espírito da belle époque brasileira, como o Parque Trianon (4). As potências contrastantes da arte e do poder econômico coabitam a avenida em edifícios que são verdadeiros cartões postais – o Masp (5) e a sede da Fiesp (6). A Paulista, palco de festas e manifestações, endereço do Itaú Cultural (9), do Sesc (10) e da recém inaugurada Japan House (12), assume cada vez mais uma identidade ligada à cultura e ao lazer, com trechos fechados para o trânsito aos domingos, bares, restaurantes, shoppings, livrarias... Signo da modernidade, a Avenida Paulista, dia e noite, não para. Percorrê-la é um dos muitos jeitos de se ver e pensar sobre os intensos processos de modificação que caracterizam a cidade de São Paulo.
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LEMBRAR, CRIAR E RECRIAR
LEMBRAR Um indivíduo sem memórias perde sua identidade. São as lembranças que ajudam o ser humano a definir seu lugar no mundo. Além desse processo individual, o poder público ou grupos sociais criam elementos materiais para perpetuar a lembrança de fatos ou de instituições que consideram relevantes. Assim, templos, sedes de governo, vitrais, esculturas, obeliscos e outras obras são criados para, em tese, perpetuar fatos sociais ou personalidades julgadas importantes. Acontece que, muitas vezes, essas obras revelam conflitos de valores simbólicos, como no Monumento Fundação de São Paulo (1), que provocou uma disputa entre a comunidade portuguesa e espanhola paulistana sobre quem deveria ser considerado o fundador da cidade: José de Anchieta ou Manuel da Nóbrega? O Parque do Ibirapuera abriga um conjunto expressivo desses monumentos, alguns propícios a uma reflexão sobre visões críticas que se formam na sociedade, como no caso do Monumento às Bandeiras (2), cenário de protestos e alvo de pichações que questionam o próprio significado da obra, uma homenagem aos colonizadores que realizaram expedições no Brasil, em busca de metais preciosos e índios para escravizar, nos séculos 17 e 18. Nessa área, vale a pena observar outras obras – o Monumento Pedro Álvares Cabral (3), o Monumento aos Mortos e Desaparecidos Políticos (4), o Obelisco do Ibirapuera (5) –, todos carregados de importantes significados que permitem aprofundar o debate acerca de nossas memórias coletivas e individuais.
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DENTRO, MAS NA RUA
COMPRAR E VENDER Comprar e vender em São Paulo, no começo do século 20, eram atividades concentradas no Centro Antigo e nas áreas próximas à várzea do Tamanduateí, onde ficam o Mercado Municipal, a rua 25 de Março e a Zona Cerealista. Mais tarde, no pós-guerra, a cidade se transformou, motivada pelo crescimento populacional e valorização imobiliária. Na gestão do prefeito Prestes Maia, na década de 40, foi autorizada a construção de prédios mais altos no Centro Novo, desde que os pisos térreos fossem aproveitados como espaços de fluidez e comércio. Assim, surgiram os edifícios com galerias de passagem, abrigando serviços e comércio em suas bases, caminhos públicos para pedestres; edificações que se interligam a calçadas e praças, propiciando o transitar por lugares cobertos, numa preciosa relação entre arquitetura e cidade. Neste roteiro, destacam-se galerias e outros pontos: Galeria do Rock (1); Galeria Olido (2), que abrigou a primeira sala de cinema em galerias e que hoje é importante espaço cultural; Galeria Guatapará (3); Antigo Mappin (4), tradicional loja de departamentos; Galeria Califórnia (5); Galeria Nova Barão (6); Galeria das Artes, Sete de Abril e Galeria Ipê (7); Galeria Metrópole (8); Conjunto Zarvos (9) e Edifício Copan (10), símbolo da arquitetura moderna do País. Ao contrário dos shopping centers, que afastam os consumidores dos espaços públicos, as galerias aproximam a rua dos espaços privados numa interação cultural e comercial que é marca da cidade.
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UMA FÁBRICA DE SABERES E CONVIVÊNCIAS
SESC POMPEIA Em 1938, na zona Oeste da cidade, bem perto das antigas estradas de ferro Sorocabana e Santos-Jundiaí, a empresa alemã Mauser & Cia. Ltda. construiu sua Fábrica Nacional de Tambores, um conjunto de galpões bem ao estilo inglês das primeiras grandes indústrias de São Paulo. Anos depois, a fábrica pegou fogo, foi abandonada e voltou a ter novas ocupações até que, na década de 1970, foi adquirida e começou a ser restaurada pelo Sesc. No projeto, a arquiteta italiana Lina Bo Bardi manteve visíveis as estruturas e técnicas construtivas originais, provocando um diálogo com conceitos e materiais modernos, integrando arquitetura de preservação e cidadania. A reforma durou quase 10 anos e a obra, apelidada por Lina de “cidadela da liberdade”, foi inaugurada em 1982 e batizada de Sesc Fábrica Pompeia. Impactou tanto pela grandeza quanto pela sutileza de detalhes, a exemplo do mobiliário, feito no local pela arquiteta e sua equipe, e da área de convivência, com riacho e lareira que criam uma atmosfera de aconchego. Outras memoráveis edificações tecem a história da industrialização nessa região, como a antiga indústria de gases industriais, hoje faculdade, a Vidraria Santa Marina, a antiga Fábrica de Tubos de Barro, a Casa de Caldeiras das Indústrias Matarazzo, a sede da Companhia Melhoramentos e a antiga tecelagem. Esse conjunto de edifícios que seguem em uso, sejam industriais ou não, indicam as conexões entre história, patrimônio, arquitetura e a cidade em que vivemos hoje.
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NOVAS CARAS DE UM CENTRO NOVO
SESC 24 DE MAIO Com olhar atento, um simples passeio entre a Praça da República e o Vale do Anhangabaú nos revela detalhes das diferentes ocupações da região ao longo da história. Trata-se do chamado Centro Novo, outrora irradiador de uma cultura identificada com as elites e com a classe intelectual. O Centro Novo não foi uma extensão do antigo centro histórico, mas sim uma fiel representação da vocação cosmopolita da cidade, que no início do século XX absorvia princípios da arquitetura moderna e valorizava o convívio social. O Teatro Municipal, as bibliotecas Mário de Andrade e Monteiro Lobato, as galerias, cinemas, edifícios e casas de café são símbolos fortes dessa época, expressões de intensa atividade cultural, intelectual, de comércio e serviços. Foi nessa região que, por quase 50 anos, funcionou uma das maiores lojas de departamentos da cidade em meados do século 20: a Mesbla. O prédio foi ocupado pela loja até 1998. Depois disso permaneceu fechado e, num arrojado projeto do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, transformou-se na Unidade Sesc 24 de Maio, inaugurada em agosto de 2017. Novos usos dos espaços ou mudanças de seus significados caracterizam a atual paisagem urbana do Centro Novo, bem como a presença de novos atores. A cultura de rua, os encontros em torno de expressões culturais, o circuitotabu dos cinemas pornôs, o comércio de ambulantes, a imigração africana, a popularização dos comércios e serviços e os conflitos de moradia fazem parte dessa nova paisagem.