Do Napster às lives, uma retrospectiva de como chegamos até aqui por_ Eduardo Lemos | de_ Londres
Os primeiros 20 anos deste século foram intensos para a música, certamente a indústria que primeiro sentiu os efeitos da digitalização do mundo. Parafraseando um meme, foi um ‘vixe’ e, depois, um ‘eita’. Só a mera listagem dos formatos que embalaram canções entre 2001 e este 2021 já é vertiginosa: fita cassete, CD, MP3, mini-disc, CD pirata, DVD, Blu-Ray e… já nenhuma mídia física.
Logo no início do novo milênio, o tempo fechou: os solares anos 90, conhecidos como “a década de ouro do mercado fonográfico”, deram lugar a um futuro nublado pela pirataria digital (na livre troca de MP3s que corria solta pelo Napster) e pela pirataria física (no alto número de CDs copiados e vendidos ilegalmente). Eram os primeiros sinais de um terremoto que abalaria a música como a conhecíamos.
Queda nas vendas e tentativas fracassadas de buscar um novo modelo de negócio foram a tônica até 2012, em uma longa e árdua travessia que envolveu disputas judiciais, adaptação a novas tecnologias e muitas, muitas previsões de que o mercado da música estava por um fio.
Os ventos começaram a mudar em 2015, e hoje, na troca de guarda do pandêmico 2020 para o vacinado 2021, fala-se em “nova era de ouro” da música gravada, até com previsões de retorno aos números dos anos 90. Nessa odisseia, há pela frente uma crise sanitária sem precedentes e que já golpeou fortemente o outro braço forte da indústria, os shows.
Neste momento de incertezas, é importante rever o filme.
Como a música chegou até 2021 depois de passar pela maior crise de sua história?
2001
A Apple apresenta o iTunes (que permite
downloads legais de músicas pertencentes
às grandes gravadoras) e o iPod (onde essas
músicas são armazenadas). O Napster
começa a bloquear faixas ilegais. No Brasil,
nasce a web rádio Usina do Som. Marisa
Monte lança registro do disco Memórias,
Crônicas e Declarações de Amor apenas em
DVD, dispensando a versão em CD.
2002
Nos EUA, o mercado de CDs virgens cresce
40%. O Napster é oficialmente fechado.
Nasce o Rhapsody, primeiro serviço de
música por assinatura. O músico inglês
Robbie Williams assina com a Universal
Music o primeiro contrato ‘360’ entre um
popstar e uma gravadora. Kazaa triplica
o número de usuários. No Brasil, é
criada a Associação Brasileira de Música
Independente (ABMI).
2003
Apple lança a iTunes Store, que passa a
vender faixas avulsas por 0.99 dólares.
Nasce o Myspace e o Piratebay. Relatório da
IFPI (Federação Internacional da Indústria
Fonográfica) coloca o Brasil em 1º lugar no
ranking mundial de pirataria de discos.
“Generalizou-se no início do século a
ideia de que a música (e o cinema e o
jornalismo) deve ser de acesso gratuito. A
ideia de gratuidade pode parecer bonita e
romântica, mas desvaloriza por completo o
trabalho dos músicos, dos realizadores ou
dos jornalistas.”
GONÇALO FROTA, jornalista musical
do diário português “Público
2004
É fundado Beatport. A cada 100 discos
vendidos no mundo, apenas 2 são digitais.
No Brasil, o DVD é responsável por 26% das
receitas das gravadoras. América Latina
fecha o ano como a região que mais cresce
em vendas de discos
2005
O Arctic Monkeys atinge o 1º lugar nas
paradas britânicas utilizando o Myspace
para promover a faixa I Bet You Look Good
on The Dancefloor. O álbum Jagged Little Pill
Acoustic, de Alanis Morissette, é vendido
apenas nas unidades da rede Starbucks.
O Myspace é vendido para a NewsCorp por
US$ 580 milhões. É criado o YouTube.
2006
Myspace ultrapassa o Google e se torna
o site mais visitado do mundo. A Tower
Records, icônica loja de discos dos EUA,
anuncia o fechamento de suas 89 lojas.
“O processo de aprendizado da indústria
foi lento, porque foi tudo muito novo. De
repente, você tem toda uma indústria que
está acostumada a empacotar um número
de CDs, emitir uma nota fiscal, entregar
para a loja e acabou. Isso acabou, e as
pessoas tiveram que se adaptar.”
MOOGIE CANÁZIO, produtor, engenheiro
de som e vice-presidente do Latin Grammy
2007
A Atlantic Records se torna a primeira
gravadora a contabilizar mais discos
vendidos digitalmente do que fisicamente.
Paul McCartney deixa a EMI e lança o
álbum Memory Almost Full pelo selo
musical da Starbucks. O Eagles atinge o
topo das paradas americanas com o disco
independente Long Road Out of Eden,
vendido exclusivamente na rede Walmart.
In Rainbows, do Radiohead, sai apenas na
internet em um sistema “pague o quanto
quiser”. No mundo, mais de 200 milhões de
músicas são compradas como ringtones.
Soundcloud e Amazon Music são criados.
2008
O primeiro Record Store Day é realizado nos
EUA. O Spotify é lançado na Suécia como
alternativa legal e gratuita para escutar
música. Apple ultrapassa Walmart e se
torna a loja que mais vende música nos EUA.
A Associação da Indústria de Gravação de
Música dos Estados Unidos (RIAA) anuncia
que não processará mais pessoas que
baixarem música ilegalmente. Nasce
o Bandcamp.
2009
No Brasil, a fábrica de vinil Polysom é
reativada. É lançado o Kickstarter, maior
site de crowdfunding dos Estados Unidos.
O game Guitar Hero 3 fatura mais de
US$ 1 bilhão. Quase 3 mil lojas de discos
são fechadas nos EUA entre 2005 e 2009.
2010
É o pior resultado de vendas da indústria
desde 1993, quando começaram as medições
da Nielsen. As vendas digitais crescem
apenas 1%. O vinil alcança seu quarto ano
de crescimento consecutivo. Live Nation
e Ticketmaster se unem e formam a Live
Nation Entertainment.
2011
iTunes Store chega ao Brasil com preços que
variam entre 1,90 e 2,90 reais por música.
No Brasil, nasce o Catarse. Pela primeira vez
desde 2004, cresce a venda global de discos
físicos, graças ao sucesso de Adele e seu
disco “21”. Surge a Google Play Music.
2012
Universal Music Group compra a EMI.
Gangnam Style (foto), do sul-coreano Psy,
se torna o vídeo mais visto da história no
YouTube. A venda global de vinis alcança
o seu melhor resultado em 15 anos. Pela
primeira vez, o streaming dá mais lucro às
gravadoras do que os downloads.
“Sempre haverá fãs de música que apreciam
a capa, o encarte e todo o acabamento de
um disco de vinil. É incrível, mas muita
gente que compra vinil nem tem como ouvir
em casa, porque não tem toca-discos.”
LEO FEIJÓ, pesquisador, produtor cultural e
especialista em políticas públicas musicais.
2013
Nasce a SIM-SP. A MTV Brasil encerra suas
atividades. Surge o Vinyl Me Please, clube
de assinaturas de vinil. Beyoncé (foto)
lança seu quinto álbum, homônimo, sem
comunicar antecipadamente a público e
imprensa, inaugurando uma nova
estratégia de marketing.
2014
Alegando que os streamings não pagam os
artistas de maneira justa, Taylor Swift retira
seu catálogo do Spotify. É criado o Noize
Record Club, primeiro clube de assinaturas
de vinil da América Latina. A Apple compra
o disco Songs of Innocence, do U2, e o
disponibiliza de graça na biblioteca de todos
os assinantes da iTunes Store. A cada 100
discos vendidos no mundo, 49 são digitais.
“Uma pena que a qualidade de áudio dos
streamings seja limitada. As gravadoras não
quiserem estabelecer um formato de áudio
de qualidade.”
MOOGIE CANÁZIO
2015
Nasce o YouTube Music. O Starbucks decide
não vender mais CDs. O rapper Jay-Z compra
o Tidal, primeira grande plataforma de
música liderada por um artista. Pela primeira
vez na história, o streaming passa a ser o
maior responsável pelos lucros da indústria
musical, superando os downloads e os discos
físicos. O vinil tem seu melhor ano desde
1988. Nasce a Apple Music.
2016
Artistas como Drake, Beyoncé e Coldplay
abrem leilão com as plataformas para lançar
álbuns exclusivos. 250 milhões de pessoas
assinam um serviço de música no mundo;
112 milhões optam pela versão paga. A
América Latina é a região do mundo que
mais cresce em novas assinaturas. O cantor
Zeeba e o DJ Alok se tornam os primeiros
artistas do país a entrar no Top 50 Global
do Spotify com o single Hear Me Now.
“Ficou claro que, em vez de ter, o negócio
era acessar música.”
LEO FEIJÓ
2017
Taylor Swift volta para os streamings.
O Brasil é o segundo país do mundo que
mais consome música no YouTube, atrás
do México. Na Deezer, a assinatura mensal
paga por cada assinante passa a ser
revertida aos artistas que ele escutou no
mês. Spotify, Apple Music e Amazon Music
são os três serviços de assinatura mais
usados no planeta.
2018
A Rolling Stone Brasil anuncia o fim da revista impressa. O hip-hop é o gênero mais popular do mundo, superando o rock. O BTS se torna o primeiro grupo de K-pop a liderar a parada da Billboard dos Estados Unidos.
“Podemos ser hoje conhecedores profundos de rock chinês, blues do Mali, pós-rock sulcoreano ou as novas abordagens à cumbia na América do Sul sem ser preciso alguma vez ter posto os pés em qualquer um destes países.”
GONÇALO FROTA
2019
Pela primeira vez em 4 décadas, as vendas
de vinil superam as de CDs nos EUA, e o
streaming responde por mais da metade
da receita mundial com música gravada.
As plataformas de música alcançam
341 milhões de assinaturas pagas.
“Aos poucos, começa um regresso ao
passado - o momento em que os singles
passam a ser o consumo mais corrente
de música.”
GONÇALO FROTA
“Hoje em dia, o artista tem a vantagem das
redes sociais. Com um pouco de esforço e um
custo relativamente aceitável, ele consegue
ganhar um ouvinte novo por dia.”
MOOGIE CANÁZIO
“Para a imensa maioria dos artistas, o desafio
é encontrar um modelo sustentável, uma vez
que a remuneração por plays nas plataformas
de streaming não garante uma receita anual
razoável para quem está iniciando a carreira.
Além disso, terão que disputar com os
algoritmos e música criada por Inteligência
Artificial, o que já é uma realidade.”
LEO FEIJÓ
2020
A pandemia do COVID-19 faz shows e
festivais serem cancelados. As lives
ganham força nas redes sociais. 8 das 10
apresentações virtuais mais assistidas no
mundo são protagonizadas por brasileiros.
Profissionais da música passam meses
sem trabalho. Spotify estreia na Rússia. A
campanha Bandcamp Fridays arrecada mais
de 200 milhões de dólares a artistas de todo
o mundo.
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