Egitania sciencia - Número 2

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Título Egitânia Sciencia Director Fernando Sá Neves dos Santos Conselho Editorial Jorge Manuel Mendes, Fernando Sá Neves dos Santos, Helder Sequeira, Manuel Carvalho Prata, Constantino Mendes Rei Comissão Científica Alberto Trindade Martinho, Amândio Pereira Baía, Ana Maria de Morais Caldas Antão, Ana Maria Jorge, Ascensão Maria Martins Braga, Carlos Alberto Correia Carreto, Constantino Mendes Rei, Ezequiel Martins Carrondo, Fernanda Maria Trindade Lopes, Fernando Carmino da Silva Marques, Fernando Augusto de Sá Neves dos Santos, Helena Maria da Silva Santana, Joaquim João Quadrado Gil, José Gonçalves Peres Monteiro, Luísa Maria Lucas Queiroz de Campos, Manuel Alberto Carvalho Prata, Manuel António Brites Salgado, Maria Clara dos Santos Pinto Silveira, Maria de Fátima dos Santos David, Maria Manuela Santos Natário, Maria Regina Gomes Gouveia, Maria Rosário da Silva Santana, Teresa Dias de Paiva, Samuel Walter Best. Revisão Técnica Alzira Maria Ascensão Marques, Bráulio Alexandre Barreira Alturas, Fernando Ernesto Rocha Almeida, Graça Maria dos Santos Seco José Brites Ferreira, Luís Filipe Fernandes Silva Marcelino, Maria da Graça Mouga Poças Santos, Maria Manuela dos Santos Natário. Revisão de provas Maria del Carmen Ribeiro, Carlos Reinas Caldeira Propriedade Instituto Politécnico da Guarda (IPG) Av. Dr. Francisco Sá Carneiro nº 50 * 6300-559 Guarda Contactos Telf. 271 220 111 * Fax 271 222 690 Email: cap@ipg.pt http://www.ipg.pt/revistaipg/ Composição gráfica M Comunicação Impressão e Acabamentos Serviço de Reprografia e Artes Gráficas do IPG Depósito Legal nº 260795/07 ISBN 1646-8848 Vol. II Abril de 2008 Tiragem 1 000 exemplares Proibida a reprodução, total ou parcial, desta Revista sem autorização expressa da Direcção de “Egitania Sciencia”. Todos os direitos reservados Apoio a este número: Unidade de Investigação para o Desenvolvimento do Interior ( UDI/IPG) e Fundação para a Ciência e a Tecnologia Nota: Os artigos são da responsabilidade dos autores, não reflectindo necessariamente os pontos de vista da direcção ou dos revisores.



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Garantir o Desenvolvimento Como tivemos ensejo de escrever no primeiro número desta Revista, o incremento da investigação e a partilha de conhecimento nos domínios da didáctica, pedagogia, cultura e técnica são os principais objectivos de Egitania Sciencia. Ainda no início de um percurso que queremos longo, pautado pela qualidade e por colaborações idóneas, a entrada da nossa revista no plano editorial deste Instituto Politécnico mereceu uma aceitação muito positiva; a oportunidade deste novo projecto foi particularmente saudada. E o Interesse suscitado não se circunscreveu à nossa comunidade académica mas acolheu adesões junto de outras instituições, nomeadamente de ensino superior; isto a par da disponibilidade de outros contributos individuais, com mérito firmado e sobejamente reconhecido. Assim, estamos perante uma responsabilidade acrescida que passa, como já é notório neste volume, pela consolidação da estrutura humana e técnica que vai assegurar, semestralmente, as edições de Egitania Sciencia. Contudo, o desafio lançado no primeiro número continua presente, pois só com a ampliação do número de colaboradores e de uma criteriosa política editorial será possível o desejado desenvolvimento desta publicação. Entretanto, Egitania Sciencia conquistou já, de pleno direito, o seu lugar enriquecendo e valorizando também o trabalho produzido neste Instituto Politécnico, fiel à sua divisa: “Scientia lucet omnibus”. Jorge Manuel Mendes Presidente do IPG



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ÍNDICE [9]

FACTORES DE STRESS E INSATISFAÇÃO NUM CURSO ONLINE Manuel Paulino e Nuno Coelho

[21]

PODE UMA NOVA METODOLOGIA DE ENSINO MELHORAR RESULTADOS?: AVALIAÇÃO MICROECONOMÉTRICA DO SUCESSO ESCOLAR Alcina Maria de Almeida Rodrigues Nunes e Paula Odete Fernandes

[45]

A INAUGURAÇÃO DO SANATÓRIO E DO HOSPITAL: UM MARCO TEMPORAL NA GUARDA Helder Sequeira

[75]

TURISMO LITERÁRIO: UMA FORMA DE VALORIZAÇÃO DO PATRIMÓNIO E DA CULTURA LOCAIS Anabela Naia Sardo

[97]

O PAPEL DO TURISMO NA EXPANSÃO DA ACTIVIDADE ECONÓMICA: SINOPSE DA LITERATURA Nino Matos da Fonseca

[109]

O MATERIALISMO ENTRE GERAÇÕES DE JOVENS PORTUGUESES Fernando Sá Neves dos Santos e Maria Manuela de Sá Neves

[135]

FRACCIONAMENTO DA MATÉRIA ORGÂNICA DISSOLVIDA NA ÁGUA DA ALBUFEIRA DO CALDEIRÃO Pedro Rodrigues e Joaquim Silva

[151]

X3D E JAVA NUM JOGO DE FANTASIA MEDIAVAL Nuno Miguel Pereira Martins e José Carlos Miranda

[167]

TOWARDS TRANSACTIONAL INTEGRITY ISSUES IN POLICY BASED NETWORK MANAGEMENT SYSTEMS Vitor Roque, Rui P. Lopes e José Luís Oliveira

[183]

ELÉCTRODO DE TERRA EM SERPENTINA Bruno Rodrigues e António M. R. Martins



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FACTORES DE STRESS E INSATISFAÇÃO NUM CURSO

ONLINE

STRESS AND DISSATISFACTION FACTORS IN AN ONLINE COURSE Manuel Paulino* (mpaulino@ipg.pt) e Nuno Coelho** (nmdcoelho@gmail.com)

RESUMO

O ensino online pertence à quarta geração do ensino à distância e apresenta um conjunto de factores que podem interferir na satisfação do estudante e causar momentos de insatisfação e de stress. Com a realização deste estudo pretendemos, pela análise do discurso dos inquiridos: i) conhecer os níveis de insatisfação e stress vividos pelos estudantes de um curso de Pós-graduação e Mestrado na modalidade de ensino online assíncrona; ii) identificar os factores geradores de maior stress e insatisfação nos estudantes. Para a sua concretização, procedeu-se a um estudo qualitativo com 20 estudantes, utilizando-se como instrumento de pesquisa, a entrevista semi-estruturada, realizada na modalidade online síncrona, através da palavra escrita. Os resultados obtidos apontam para uma amostra de estudantes que: i) afirmam estar globalmente satisfeitos com o curso; ii) identificam a aprendizagem efectuada como aspecto gerador de mais satisfação; iii) salientam a falta de feedback atempado do professor como o factor de maior insatisfação; iv) referem que as emoções mais positivas se situaram ao nível das relações interpessoais, e as mais negativas, no receio de não corresponder às expectativas criadas; v) consideram a falta de tempo como o factor que desencadeou não só mais stress e insatisfação, como também foi responsável pelos muitos momentos de tensão que viveram durante o curso. Palavras-chave: Ensino online; Stress; Insatisfação.

ABSTRACT

Online learning belongs to the fourth generation of the distance learning and has some factors that can interfere in student satisfaction causing dissatisfaction and stress. Analysing the inquired discourses, the aims of this study were to: i) ascertain the dissatisfaction levels and stress felt by the students of a Post-graduation and Masters Degree in the modality of asynchronous online learning; ii) identify the main factors of students’ stress and dissatisfaction. A qualitative study of 20 students was carried out, using a semi-structured interview as the research instrument, carried out in writing in a


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synchronous online format. The results obtained reveal a sample of students who: i) state that they are globally satisfied with the course; ii) identify the knowledge obtained as a source of greater satisfaction; iii) point out the delays in feedback from the professor as the factor of greatest dissatisfaction; iv) note that the more positive emotions were obtained in their interpersonal relationships and the more negative, in their fear of not being able to meet the created expectations; v) consider lack of time the factor that originated not only more stress and dissatisfaction, but also, that responsible for the many tense moments during the course. Keywords: Online learning; Stress; Dissatisfaction.

* CESE em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria pela Escola Superior de Enfermagem Bissaya Barreto - Coimbra, mestre em Sociopsicologia da Saúde pelo Instituto Superior Miguel Torga - Coimbra e pós-graduação em Pedagogia do e-Learning pela Universidade Aberta - Lisboa. Enfermeiro Especialista em Saúde Mental e Psiquiatria no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Sousa Martins. Docente da Escola Superior de Saúde da Guarda. ** Licenciatura em Informática de Gestão – Instituto Superior de Línguas e Administração. Professor Associado com Agregação no Departamento de Química na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Autor de mais de cento e setenta comunicações em congressos científicos e de mais de sessenta artigos em revistas internacionais da área da Química Ambiental, Química Analítica, Bioquímica, Espectroscopia e Quimiometria.


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1. INTRODUÇÃO O ensino online pertence à quarta geração do ensino à distância e tem vindo a crescer ao longo dos últimos anos, assente na evolução das Tecnologias da Informação e Comunicação e nas potencialidades de comunicação e interacção que elas permitem. Este modelo educacional proporciona a aprendizagem sem os limites do espaço ou do tempo (anywhere, anytime), baseado na separação geográfica ou temporal entre professor e estudante, na utilização da tecnologia como instrumento de distribuição e de comunicação bidireccional, na criação de um grupo de aprendizagem e tendo como suporte uma instituição (Keegan, 1996, citado por Morgado, 2003). O uso de meios tecnológicos para ligar o professor e o estudante e distribuir conteúdos permite a disseminação dos materiais e o estabelecimento de canais de comunicação, com o objectivo de reduzir a distância e criar graus de proximidade variável. É esta mediação tecnológica que permite a implementação da comunicação bidireccional entre os principais actores do processo, que estimula o diálogo, a conversação ou tutoria por intermédio da escrita, através dos materiais de aprendizagem, constituindo-se como um aspecto crucial do ensino online. Neste modelo de ensino, o elemento estruturante é a aprendizagem independente, num formato, que a distingue claramente da aprendizagem autodidacta e que pressupõe a separação, o controlo do estudante e a autonomia. Muito embora se privilegie o trabalho individual, com o advento das novas tecnologias desenvolveram-se modelos educacionais mais centrados na interacção, remetendo-nos para a possibilidade de aprendizagem em grupo (Morgado, 2003). Esta pedagogia inovadora, que desloca o controlo da aprendizagem para o aluno, de preferência adulto, autónomo, motivado, responsável e capaz de realizar trabalho independente, transpõe para o ambiente online o que de melhor se faz no ensino presencial (conhecimento, criação de vínculos, organização de processos de aprendizagem) e valoriza o melhor do ambiente virtual (flexibilidade, discussão em fórum alargado ou restrito, pesquisas, trabalhos de grupo, permanência no local de residência ou de trabalho, comunicação online e offline). O modelo pedagógico é alicerçado no auto-estudo dos materiais recomendados e na aprendizagem colaborativa com raiz nos


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paradigmas construtivistas e sócio-construtivistas (Vygotsky, 1979; Dillenbourg et al., 1996), que perspectivam “uma aprendizagem que

resulta da circunstância dos indivíduos trabalharem em conjunto, com valores e objectivos comuns, colocando as competências individuais ao serviço do grupo” (Pereira et al., 2003: 43). Tendo por base a

aprendizagem colaborativa, pretende-se criar uma comunidade de aprendizagem com o objectivo de progredir na construção colectiva do conhecimento, apoiando assim, o crescimento do conhecimento individual. Bischoff (2000) e Salmon (2000), citados por Morgado (2001), consideram que a chave do sucesso do ensino online se centra na actuação do tutor, nomeadamente na sua liderança, na elaboração de actividades e na criação e manutenção de um ambiente de aprendizagem dinâmico. O cenário actual, em que o papel do tutor sofreu uma mutação, evoluindo de um papel de transmissão de conhecimentos para mediador na construção do conhecimento por parte dos alunos (Salinas, 2004), exige dele um perfil que facilite uma mudança na postura do aluno, que o torne pró-activo e autónomo na busca do conhecimento. Porém, as características do ambiente de aprendizagem online diferem significativamente do ambiente face a face e determinam taxas de desistência superiores à modalidade presencial. Neste sentido, num contexto de aprendizagem online, a distância, o isolamento, a falta de tempo, a relação com a tecnologia e as relações interpessoais são alguns dos factores críticos que podem influenciar os níveis de satisfação do aprendente e, consequentemente, a sua motivação, desempenho e persistência. Segundo Lawless e Allan (2004), esta forma de trabalho pode causar situações de stress entre os vários participantes. O termo stress provém do verbo latino stringo, stringere, strinxi, strictum, tendo como significado apertar, comprimir, restringir (Serra, 2002). Goldenberg e Wadell (1990) consideram-no uma discrepância entre as solicitações do meio e as capacidades, necessidades ou objectivos individuais. A este propósito, Serra (2002) considera que a relevância de um problema tem a ver, por um lado, com o significado que a pessoa lhe atribui, e, por outro, com a qualidade dos processos de coping em questão num determinado contexto. Neste sentido, as vivências ou experiências de stress dependem em grande parte das condições da situação e das expectativas da pessoa. Em síntese, as evidências da literatura sugerem que numa turma de um curso online nem tudo é positivo. Então, que emoções negativas é possível identificar na interacção com os colegas? E na


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interacção com os professores? Que impacto e consequências podem ter essas emoções negativas nos processos de aprendizagem? Quais os principais factores de stress, insatisfação e desmotivação num curso online?

2. MATERIAL E MÉTODOS Objectivos do Estudo Com o presente estudo pretendemos alcançar os seguintes objectivos: i) conhecer os níveis de insatisfação e stress vividos pelos estudantes de um curso de Pós-graduação e Mestrado na modalidade de ensino online assíncrona; ii) identificar os factores geradores de maior stress e insatisfação nos estudantes. Amostra A amostra é constituída por 20 estudantes com grau académico ao nível da licenciatura, geograficamente dispersos, com idade superior a 25 anos, sendo 30% do género masculino e 70% do feminino. Relativamente às funções profissionais, cerca de 80% exercem funções docentes nos diferentes graus de ensino (básico, secundário e superior) e 20% são quadros superiores das Forças Armadas com responsabilidade na formação de recursos humanos. Instrumento de Medida O instrumento de medida utilizado foi a entrevista semiestruturada, construída em duas etapas. A primeira consistiu num brainstorming sobre as perguntas a fazer relativamente à temática de investigação e teve a participação de todos os estudantes; na segunda etapa foram seleccionadas as questões a incluir, para alcançar os objectivos sobre a temática a investigar. Com o trabalho desenvolvido, obteve-se um guião constituído por questões abertas e fechadas, sem uma ordem de colocação rígida, deixando-se ao critério do entrevistador a necessidade de clarificar o sentido das respostas, ou explorar outros aspectos não considerados previamente no guião. Procedimentos Para a concretização do estudo foi pedida autorização a todos os participantes, que deram o seu consentimento e aceitaram colaborar sem reservas. As entrevistas, num total de 20, foram efectuadas na semana de 23 a 30 de Junho de 2006, utilizando-se, como recurso, o computador com ligação à Internet. Foram realizadas entre pares de


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estudantes, com um duplo papel de entrevistadores e entrevistados, em momentos distintos, na modalidade online síncrona, através do MSN Messenger, com uma duração média de 45 minutos, utilizandose a palavra escrita.

3. RESULTADOS As ideias identificadas nas transcrições das entrevistas constituem o inventário de cogitações dos entrevistados, que são objecto de comparação, de modo a identificar percepções semelhantes partilhadas por grupos de entrevistados. As respostas foram categorizadas em unidades de significação, que serviram de ajuda para a sua apresentação em tabelas, omitindo-se a fonte, o local e a data, por se tratar sempre de dados referentes a este estudo. Passaremos, assim, a apresentar os principais resultados obtidos. Pela análise da tabela 1, pode-se verificar que 25% dos inquiridos estão muito satisfeitos “apesar do ritmo alucinante” em que decorre o curso, 70% estão satisfeitos e 5% insatisfeitos. Os que responderam que estão satisfeitos referem-no fazendo alusão ao desenvolvimento de competências técnicas e pedagógicas (“estar a descobrir um novo meio que estava ao nosso alcance, cheio de potencialidades”), relacionais (“conheci virtualmente pessoas que me são queridas”, tendo “potenciado novas amizades” e pela “partilha que se tem feito”), e científicas (pelo “acesso a novos conhecimentos” e a “novos conteúdos”). Em sentido divergente, um inquirido afirma “não estou nada satisfeita como inicialmente imaginei, pois é muito mais exigente e não é tão flexível como parecia inicialmente pelo guia do curso”. Tabela 1 - Grau de satisfação com o curso (n= 20)

No geral, estás satisfeito com o curso?

Grau de satisfação com o curso Muito satisfeito Satisfeito Nada satisfeito N % N % N % 5 25,0 14 70,0 1 5,0

As 31 respostas dadas pelos inquiridos (tabela 2) mostraram que os aspectos que geraram maior satisfação foram: a “aprendizagem efectuada” (22,7%); o desenvolvimento pessoal (19,3%), justificado com a “vontade de superação, o exercício da imaginação e criatividade”, a “experiência, a descoberta” e o “sentido de pertença”;


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as “relações humanas” (19,3%); “a interacção e partilha de experiências” (19,3%); “os trabalhos de grupo” (12,9%). Tabela 2 - Aspectos que geraram mais satisfação (N= 31) Unidades de registo Aprendizagem Desenvolvimento pessoal Relações humanas Interacção e partilha de experiências Trabalhos de grupo Convívio Nenhum

N 7 6 6 6 4 1 1

% 22,7 19,3 19,3 19,3 12,9 3,2 3,2

Os factores referidos como geradores de maior insatisfação (tabela 3) estão relacionados com: o professor, nomeadamente a “falta de feedback atempado”, “a demora na avaliação” e “o excesso de trabalhos”; com os alunos (“não conseguir acompanhar o ritmo” e “falta de tempo”); com a organização das disciplinas (“pouco tempo para realizar as actividades” e o “excesso de material para ler”); e com a tecnologia (“utilização e lentidão da plataforma”). Tabela 3 - Factores que geraram mais insatisfação (N= 39) Unidades de registo Falta de feedback Demora na avaliação Excesso de trabalhos no 1º trimestre Não conseguir acompanhar o ritmo Falta de tempo Pouco tempo para realizar actividades Excesso de material para ler Utilização e lentidão da plataforma Avaliação aquém da expectativa Falta de sínteses Alteração dos prazos Desorganização da disciplina Textos em inglês Competição Indiferença Agressividade Total

Professores N % 8 21,1 5 13,2 4 10,5

Categorias Aluno Disciplina N % N %

4 3

10,5 7,9 3 2

1 1 1 1

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Tecnologia N %

7,9 5,3 2

5,3

2

5,3

2,6 2,6 2,6 2,6

55,2

1 1 1 10

2,6 2,6 2,6 23,6

1

2,6

6

15,8

As emoções positivas (tabela 4) ocorreram “fruto do relacionamento com alguns colegas”, das “interacções e empatias geradas com alguns colegas e com alguns professores”.


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A tabela 5 mostra os resultados obtidos em relação às emoções negativas, podendo constatar-se que uns referem emoções, enquanto outros nomeiam factores ou situações geradores dessas emoções. Tabela 4 – Emoções positivas (N= 15) Unidades de registo Relações interpessoais (interacção; empatia) Companheirismo Felicidade em realizar as tarefas Solidariedade Gratidão

N 5 3 3 2 2

% 33,3 20,0 20,0 13,3 13,3

A grande dispersão de respostas permite verificar que “o receio de não corresponder às expectativas criadas nos grupos de trabalho” e a “ansiedade em alturas de maior trabalho” foram as mais salientadas pelos inquiridos. Tabela 5 – Emoções negativas (N= 16) Unidades de registo Receio de não corresponder às expectativas Falta de feedback durante o curso Ansiedade Demora na saída das notas Notas aquém das expectativas Falha da plataforma Angústia/receio de não acompanhar o ritmo Frustração Eleição do delegado de turma Tristeza de não acompanhar o ritmo Confronto com formas menos éticas Total

Professores N % 2

13,2

1 1

6,7 6,7

4

26,6

Categorias Alunos N % 3 20,0 2

13,2

2 1 1 1 1 11

13,2 6,7 6,7 6,7 6,7 66,6

Tecnologia N %

1

6,7

1

6,7

A falta de tempo (73,9%) foi, sem dúvida, o factor mais apontado como gerador de maior stress e insatisfação (tabela 6). Tabela 6 – Factor que gerou mais stress e insatisfação (N= 23) Unidades de registo Falta de tempo Falta de feedback do professor Falhas/pouco domínio da tecnologia Relações interpessoais Prazos curtos para os trabalhos

N 17 2 2 1 1

% 73,9 8,7 8,7 4,3 4,3

Como pode verificar-se pela análise da tabela 7, de um total de 12 respostas, 91,6% afirmam que foram muitos os momentos de


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tensão durante o curso, principalmente pela falta de tempo (41,7%), e 8,3% consideram que passaram por alguns momentos de tensão, devido aos prazos curtos e às falhas da tecnologia. Tabela 7 – Momentos de tensão durante o curso (N= 12) Unidades de registo Falta de tempo Excesso de trabalhos no fim do 1º trimestre Cumprimento dos prazos Quantidade de intervenções dos colegas Sentir estar a ser rejeitado Eleição do delegado de turma Prazos curtos e falhas da tecnologia Total

Momentos de tensão Muitos Alguns N % N % 5 41,7 2 16,7 1 8,3 1 8,3 1 8,3 1 8,3 1 8,3 11 91,6 1 8,3

4. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES Em termos globais e pelos resultados apresentados, parece claro que os alunos estão globalmente satisfeitos com o curso. Entre os factores que geraram maior insatisfação, destacam-se a falta de feedback atempado do professor, a demora na avaliação e o excesso de trabalhos a realizar. Este resultado está em sintonia com o afirmado por Pereira (2005), quando refere que a principal crítica que os estudantes fazem aos cursos online é a ausência dos formadores em determinados períodos de tempo, originando uma falta de feedback que aumenta a sensação de isolamento, insegurança, ou, ainda, impede que os alunos adquiram uma compreensão integral, que se pode transformar numa construção errada, sem que o professor tenha oportunidade de efectuar as correcções adequadas. Considera, por isso, que a satisfação destes estudantes está altamente relacionada com a interacção com os formadores. Nesta perspectiva, a “comunicação enquanto instrumento de relação, tem um lugar de destaque neste processo” (Pinto, 2006: 19), fazendo parte de um relacionamento continuado entre o tutor e o formando, sedimentado através da avaliação contínua e do feedback, orientado às necessidades e aos comportamentos dos formandos. Lawless e Allan (2004) afirmam, a este propósito, que a resposta de um tutor bem preparado ajuda a gerir as expectativas e o stress. Quando questionados sobre as emoções positivas, os entrevistados situam-nas ao nível das relações interpessoais e apontam


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a interacção, a empatia, o companheirismo, o prazer na realização das tarefas, a solidariedade, a gratidão, circunscritas a grupos de colegas e não à generalidade da turma. Palloff e Pratt (2002) observaram que, no processo ensino-aprendizagem, o elemento humano, constituído pelas relações entre professores e estudantes, aparece sempre quando estes interagem electronicamente, e que o trabalho em conjunto é propício ao desenvolvimento de uma atitude de confiança, que os leva a partilhar um pouco das suas vidas e emoções, que aumentam a coesão do grupo e são fundamentais para a aprendizagem online. Walther (1996), citado por Lawless e Allan (2004), considera que a formação de relações online ocorre de forma mais lenta que nas relações face-a-face. Relativamente às emoções negativas, observa-se um conjunto de respostas muito heterogéneas e inconclusivas, com apenas três inquiridos a associarem-nas ao receio de não corresponderem às expectativas. Na pesquisa efectuada por Lawless e Allan (2004), também se constata que um dos factores de stress dos estudantes ocorre não só pela falta de reconhecimento dos outros pelos seus contributos, mas também pelo receio de os defraudar e não corresponder às suas expectativas. O tempo, principalmente a sua falta, ou a sua deficiente gestão, acaba por ser uma variável crítica para a globalidade dos estudantes neste curso, surgindo como o factor mais relevante para gerar stress, insatisfação e momentos de tensão. Scott et al. (1997), citados por Lawless e Allan (2004), também salientam que o trabalho colaborativo pode originar stress, particularmente quando há constrangimentos do tempo. Implicações Para finalizar, e depois de uma leitura atenta do enquadramento teórico e dos resultados do estudo, torna-se pertinente fazer algumas considerações relacionadas com esta temática. Assim, é fundamental: i) esclarecer os estudantes sobre a necessidade de uma boa organização pessoal e de gestão do tempo para promover a sua participação efectiva no curso e prevenir o stress e os sentimentos de insatisfação; ii) que os estudantes com pouca experiência no ensino online criem rotinas de visita à sala de aulas virtual e de participação nas actividades, dentro dos prazos determinados, que lhes conferem uma sensação de controlo do processo de aprendizagem e previnem situações de frustração e abandono; iii) que o estudante “sinta” a presença do tutor no decurso das actividades, acompanhando a discussão, mantendo-se visível e intervindo o estritamente necessário, com um feedback claro, sintético e simples, para encorajar ou corrigir


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os formandos. No final, e antes de dar início à actividade seguinte, o feedback deve ser consistente e detalhado, funcionando como balanço final do trabalho desenvolvido e deixando em aberto a possibilidade de correcção/melhoria de produtos finais menos conseguidos por parte do estudante; iv) que os tutores estejam atentos aos sinais de isolamento e desmotivação, às implicações positivas e negativas que podem “assolar” o estudante durante o processo de aprendizagem e o ajudem a resolvê-las, num clima de respeito mútuo e confiança; v) por fim, é crucial prever um período inicial de ambientação à plataforma virtual onde vai decorrer a aprendizagem, para prevenir eventuais dificuldades técnicas que os estudantes possam sentir.

BIBLIOGRAFIA Dillenbourg, P. et al. (1996); ”The Evolution of Rechearch on Collaborative Learning”; in Learning in Humans and Machine: Towards an interdisciplinary learning science; E. Spada & P. Reiman (Eds); Pergamon, 189-211. Goldenberg, D.; Wadell, J. (1990); ”Occupational stress and coping strategies among female baccalaureate nursing faculty”; Journal of Advanced Nursing; 15 (5), 531-543. Lawless, N. & Allan, J. (2004); ”Understanding and reducing stress in collaborative eLearning”; Electronic Journal on e-Learning, vol. 2, Issue 1, February; 121-128. Morgado, L. (2001); ”O Papel do Professor em Contextos de Ensino Online: Problemas e Virtualidades”; in Discursos, III Série, nº especial, 125-138, Univ. Aberta. Morgado, L. (2003); Ensino Online: Contextos e Interacções, Dissertação de Doutoramento, Universidade Aberta. Pallof, Rena; Pratt, Keith (2002); Construindo Comunidades de Aprendizagem no Ciberespaço; Artmed, Porto Alegre. Pereira, A. et al. (2003); ”Contributos para uma Pedagogia do Ensino Online Pós-Graduado: Proposta de Modelo”; Discursos; Série Perspectivas em Educação, nº 1, 39-53. Pereira, A. (2005); O Formador ausente; http://www.nesi.com.pt/monitor/Monitor52.pdf; 22/01/2007. Pinto, J. (2006); A Avaliação em Educação: da linearidade dos usos à complexidade das práticas; (no prelo). Rovai, A.; Wighting, M. (2005); ”Feelings of alienation and community among higher education students in a virtual classroom”; Internet and Higher Education, 8 (2), 97-110. Salinas, J. (2004); ”Innovación docente y uso de las TIC en la enseñanza universitaria”; Revista de Universidad y Sociedad del Conocimiento; Vol. 1, Nº 1; http://www.uoc.edu/rusc/dt/esp/salinas1104.pdf; 6/12/2006. Serra, A. (2002); O Stress na Vida de Todos os Dias, 2ª ed. Gráfica de Coimbra. Vygotsky, L.(1979); Pensamento e linguagem; Edições Antídoto, Lisboa.



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PODE UMA NOVA METODOLOGIA DE ENSINO MELHORAR RESULTADOS? - AVALIAÇÃO MICROECONOMÉTRICA DO SUCESSO ESCOLAR1

CAN A NEW TEACHING METHODOLOGY IMPROVE RESULTS? - A MICROECONOMETRIC EVALUATION OF SCHOOL SUCCESS Alcina Maria de Almeida Rodrigues Nunes* (alcina@ipb.pt) e Paula Odete Fernandes** (pof@ipb.pt)

RESUMO No ano lectivo de 2004/2005,a Declaração de Bolonha inspirou a introdução de uma nova metodologia de ensino num dos cursos leccionados por uma instituição de ensino superior em Portugal. Assim, seguindo as lições da literatura de avaliação microeconométrica, adopta-se a metodologia de Propensity Score Matching para realizar um processo de avaliação do impacto da filosofia de ensino no sucesso escolar dos alunos a ela sujeitos. Os resultados mostram que a introdução de uma nova metodologia de ensino melhorou as taxas de aprovação dos alunos sujeitos a uma medida que tem na base a presença e participação obrigatória nas aulas, porque implica um maior acompanhamento do aluno pelo docente e a avaliação contínua. De facto, observa-se, para alunos sujeitos à medida, uma maior percentagem de notas positivas quando comparados com os colegas dos restantes cursos leccionados pela instituição. No entanto, quando se compara a qualidade dessas taxas de aprovação, os resultados não são tão óbvios. Mesmo que o aluno sujeito à medida alcance uma classificação positiva, tal é frequentemente mais baixa relativamente àquela obtida pelos colegas não expostos. Palavras-Chave: Metodologias de Ensino, Avaliação Microeconométrica, Propensity Score

Matching.

ABSTRACT In the academic year of 2004/2005, the Bologna’s Declaration inspired the implementation of a new teaching methodology in one of the nine 1 As autoras agradecem aos participantes nas XVII Jornadas HispanoLusas de Gestión Científica os valiosos comentários e contributos.


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undergraduate programmes offered by a public institution in Portugal. Following the lessons of the microeconometric evaluation literature, the present paper adopts a Propensity Score Matching Methodology choosing as the interest parameter the average treatment on the treated. The results show that the introduction of the new teaching methodology improve student pass rates when exposed to compulsory presence and contribution in classes, imposing a higher follow-up of the student’s scholar progress by the teacher and a continuous evaluation. Indeed the treated students seem to show a bigger percentage of positive grades comparing with the non treated colleagues, in all the evaluated subjects. However, in comparison with the levels of passing, the results are less obvious. Even if the treated students achieve a positive grade, this grade is often smaller than the grade achieved by the non-treated students. Keywords: Program Evaluation, Microeconometrics Evaluation, Propensity Score Matching.

* Alcina Nunes é doutoranda em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Possui mestrado e licenciatura em Economia pela mesma instituição. É, actualmente, Professora Adjunta da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Bragança onde lecciona desde o ano lectivo de 1997/1998. No decorrer da sua actividade científica tem participado em conferências nacionais e internacionais. ** Doutoramento em Economia Aplicada e Análise Regional pela Universidade de Valladolid. Mestre em Gestão e Licenciada em Gestão de Empresas, pela Universidade da Beira Interior. Professora Adjunta da Escola Superior de Tecnologia e de Gestão do Instituto Politécnico de Bragança. Docente do Departamento de Economia e Gestão, desde o ano lectivo 1992/1993. Participação em 4 projectos de I&D, internacionais e cerca de 20 publicações em conferências nacionais e internacionais, com arbitragem científica.


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1. INTRODUÇÃO O ano lectivo de 2004/2005 caracterizou-se, na Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Bragança (ESTiGIPB), pela reformulação de um dos nove cursos leccionados pela instituição, o Curso de Informática de Gestão (IG)2. Esta reformulação, visando colocar em prática o Declaração de Bolonha, adoptou não só uma estrutura curricular diferente, do que era comum nesta instituição, como também uma nova filosofia de ensino. A introdução da nova filosofia de ensino verificou-se essencialmente ao nível das metodologias de ensino, com o objectivo de melhorar o sucesso escolar. Destaca-se a obrigatoriedade de participação nas aulas, a existência de uma avaliação contínua ao longo do período escolar, assim como um contínuo, e mais personalizado, acompanhamento do aluno pelos docentes. Estando as autoras interessadas em contribuir para a discussão relativa aos métodos pedagógicos de ensino na instituição onde leccionam, em particular, e no ensino superior, em geral, elaboraram uma avaliação microeconométrica do impacto, das alterações metodológicas, no sucesso escolar daqueles a que a elas estiveram sujeitos. A avaliação e os resultados que aqui se apresentam correspondem a uma avaliação objectiva, que adopta uma abordagem metodológica distinta da que se realiza normalmente no interior das instituições, pretendendo-se que os resultados possam servir de base a uma discussão mais fundamentada e cientificamente alicerçada. Retirar inferências relativamente à adopção de uma nova filosofia de ensino, em oposição ao status quo, pode contribuir para aferir da sua eficiência e eficácia, relativamente aos objectivos que se pretendem atingir, e fornecer aos decisores um poderoso instrumento de análise. Sujeitar um curso da ESTiG-IPB à adopção de uma nova filosofia de ensino -, a que no futuro nos iremos referir como tratamento para facilitar a explicação do método econométrico utilizado - quando 2

Por motivos institucionais apenas o curso de Informática de Gestão foi reformulado mantendo-se os restantes cursos leccionados na ESTiG-IPB inalterados até à entrada em funcionamento, no presente ano lectivo, do resultado da sua adequação de acordo com a actual legislação para o ensino superior. Simultaneamente, enquanto a reformulação dos restantes cursos foi sendo discutida e preparada, foi também discutida a oportunidade da extensão da metodologia de ensino introduzida no curso de IG aos restantes cursos da instituição.


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os restantes não lhe foram sujeitos, cria as condições para que se efectue um processo de avaliação quase-experimental cujo objectivo é quantificar o efeito causal da exposição ao tratamento. Ou seja, quantificar o efeito causado pela introdução da metodologia de ensino nos resultados dessa mesma metodologia. O que se verifica é que os métodos estatísticos normalmente utilizados para tentar quantificar os efeitos, nos resultados, da exposição a um determinado tratamento correspondem a medidas estatísticas de associação, como a correlação, entre a variável de tratamento e a variável de resultado, e não necessariamente a medidas de estimação de um efeito causal entre o tratamento e o resultado. A associação entre duas variáveis nem sempre significa causalidade, isto é, nem sempre permite estabelecer uma relação causa-efeito entre essas variáveis. Neste caso concreto, considera-se que a simples análise comparativa dos resultados do sucesso escolar entre diferentes cursos é insuficiente para concluir sobre o efeito da metodologia de ensino nos resultados dos alunos do curso de IG. Assim, para quantificar inferências causais acerca da exposição a um determinado tratamento, analisa-se a adopção de uma filosofia de ensino através de um método internacionalmente conhecido, nos processos de avaliação empírica de políticas sociais, como Propensity Score Matching3. Esta metodologia de avaliação empírica é bastante intuitiva, podendo ser explicada como uma técnica onde, para os elementos do grupo de tratamento, serão encontrados elementos idênticos no grupo não sujeito a tratamento, o grupo de comparação, em termos das suas características observáveis, de forma a que a diferença nos seus resultados seja possível de atribuir ao que os distingue - a participação no tratamento. Muitas das características observáveis para os alunos dos diferentes cursos da ESTiG-IPB correspondem a dados administrativos, que são registados pelo sistema de informação da instituição, ao qual se acedeu para realizar a presente avaliação. Outras das características dos alunos têm que ser obtidas questionando-os sobre as mesmas porque não correspondem a características pessoais ou educacionais objectivas. O questionário directo aos alunos constitui uma boa solução

3

A designação de alguns métodos e técnicas adoptará a designação inglesa original, pois a sua actualidade e a sua não adopção em Portugal não permitem encontrar tradução adequada em português.


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para obter alguns dos dados que se pretendem, mas, sendo este um projecto de avaliação ex-post, não foi possível recolher tal informação4. Se os resultados são positivos em termos de taxas de aprovação - a medida quantitativa mais significativa para o sucesso escolar -, especialmente quando se analisam cursos na vizinhança da mesma área científica, neste caso a área de Gestão, tal não ocorre quando se tenta avaliar a qualidade dessas taxas de aprovação. Verifica-se que os alunos sujeitos à metodologia apresentam, em média, classificações positivas inferiores às dos seus colegas que não foram sujeitos à metodologia. O presente trabalho divide-se da seguinte forma. Na secção seguinte apresenta-se e explica-se o método econométrico utilizado. Segue-se-lhe uma secção onde se explica como se adequou o método ao problema em questão e, após uma secção onde se apresentam resultados, conclui-se.

2. O PROBLEMA DA AVALIAÇÃO E A SUA RESOLUÇÃO 2.1. O “problema” da Avaliação O problema de avaliação de programas sociais tem sido amplamente publicitado e é geralmente apresentado como um problema de “ausência de informação”, podendo ser formalizado de uma forma simples. Recorrendo ao nosso estudo concreto, num dado momento de tempo, um aluno da ESTiG encontra-se numa de duas potenciais situações (D), cada uma delas originando um determinado resultado (Y): na situação 1 o aluno participa na filosofia em avaliação, a que nos referiremos como situação de tratamento; na situação 0 ele não participa no programa. O resultado desta formulação apresenta-se através do chamado Modelo de Rubin: Y = DY1 + (1 − D)Y0

(1)

Face ao anterior modelo, faz sentido associar ambos os resultados e pensar na diferença entre eles como o impacto da 4 Semestralmente, os alunos são inquiridos relativamente a questões como a motivação e a assiduidade, e alguma informação subjectiva existe na ESTiG-IPB, embora protegida por medidas de confidencialidade, o que limita uma adequada avaliação.


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participação, no aluno, isto é, o efeito causal, no indivíduo, da participação na política em causa pode ser expresso através da seguinte expressão: ∆ = Y1 − Y0

(2)

O problema de avaliação surge porque, para um aluno num momento particular de tempo, é impossível observar a sua participação (D=1) e, em simultâneo, a sua não-participação (D=0) - o aluno ou participa na metodologia sob avaliação ou não participa! Assim, apenas um dos resultados é observado, dando origem a um problema de avaliação de políticas sociais - não é possível conhecer o efeito causal de uma política para um determinado indivíduo porque não existe a evidência contrária, ou seja, um “contra facto” correspondente ao que aconteceria ao aluno na ausência do tratamento. A estimação do efeito de um tratamento baseia-se, então, na construção artificial de um “contra facto”, isto é, na inferência acerca de um potencial resultado que teria sido observado se o aluno não tivesse sido sujeito a uma política (Rubin, 1974; Rosenbaum & Rubin, 1983). Nesta análise em concreto, para percebermos o impacto da introdução de uma nova filosofia de ensino na probabilidade de os alunos obterem sucesso escolar, é necessário realizar uma dedução acerca da mesma probabilidade no caso de esses mesmo alunos não terem sido sujeitos à aplicação da filosofia. Na literatura econométrica de avaliação, todos os esforços para resolver o problema de avaliação têm sido desenvolvidos para responder à questão da construção do “contra facto”. Esses esforços distinguem-se, entre si, pela hipótese que assumem acerca da relação entre os dados que estão disponíveis e aqueles que estão em falta. No entanto, para além da discussão acerca das diferentes formas de construir um “contra facto”5, a literatura de avaliação concorda, em geral, com a impossibilidade de cálculo do efeito causal, ∆ , para um único indivíduo. Desta forma, a solução estatística foi transferida do nível individual para o nível global da população, como forma de estimar 5 Blundell e Dias (2002), por exemplo, dividem os métodos de avaliação em cinco categorias, de acordo com a modalidade de construção do “contra facto”: experiências sociais aleatórias, experiências naturais, métodos de matching, modelos de selecção e modelos estruturais de simulação.


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parâmetros de interesse médios. Neste trabalho, o parâmetro de interesse é o efeito médio do tratamento naqueles que participaram: ∆P ≡ E (∆ D = 1) = E (Y1 − Y0 D = 1) = E (Y1 D = 1) − E (Y0 D = 1)

(3)

2.2. O método de Matching Os métodos de matching têm sido bastante refinados com os mais recentes progressos na literatura de avaliação, tornando-se actualmente num valioso instrumento de avaliação em termos de metodologia empírica (Blundell & Dias, 2002). Este tipo de métodos é intuitivamente apelativo. No nosso caso concreto, corresponderá a fazer corresponder um aluno que participou na introdução de uma nova metodologia de ensino a um aluno que não participou, mas que apresente as mesmas características observáveis de forma que a diferença entre os seus resultados apenas possa ser imputada à introdução da metodologia (Deheija & Wahba, 2002). Apesar de intuitivo, o processo de matching pode tornar-se complexo numa avaliação do tipo quase-experimental, devido a problemas de selecção que podem enviesar os resultados. Assim, o processo de matching assume hipóteses bastante fortes. Uma dessas fortes hipóteses é a chamada Hipótese da Independência Condicional, que, não podendo ser provada ou testada, pode ser discutida caso a caso. Esta hipótese assume que a selecção para o processo de tratamento (D), condicionada por um vector de características observáveis (X), é independente dos resultados potenciais (Y). Em termos de notação formal, esta hipótese corresponde a: (Y1 , Y0 ) ⊥ D X

(4)

Em termos práticos, a hipótese significa que os alunos são seleccionados para o curso, que foi sujeito à introdução de uma nova filosofia de ensino, de acordo com um conjunto de características observáveis, mas essa selecção não dependeu dos potenciais resultados em termos de sucesso escolar. Se esta hipótese parece admissível para o presente projecto de avaliação, ela pode criar problemas práticos de implementação se o vector de características X possuir uma elevada dimensão e variáveis contínuas. Atentos a este problema, Rosenbaum e Rubin (1983) mostraram que proceder a um ajustamento entre indivíduos com base


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numa função escalar de X, como a que eles baptizaram de Propensity score - P(X), é suficiente para equilibrar o vector de características X,

entre os indivíduos tratados e aqueles que lhes servirão como termo de comparação. Os autores definiram propensity score como uma variável uni-dimensional que representa a probabilidade condicional de participação no tratamento em questão, dado o vector de características observáveis. Deste modo, se a hipótese acima mencionada é aceitável se condicionada no vector de características X, é também aceitável se for condicionada na variável propensity score, P(X): (Y1 , Y0 ) ⊥ D P( X ) , com P( X ) = Pr (D = 1 X )

(5)

Para além de exigir a assumpção de uma hipótese forte para a construção do grupo de comparação, o método de matching requer também uma hipótese de equilíbrio para garantir conteúdo empírico ao efeito médio de tratamento. Esta hipótese indica que o número de observações com a mesma propensity score estimada deve possuir a mesma distribuição de características, independentemente do estado de tratamento, isto é, D ⊥ X P ( X ) . Por outro lado, exige-se que, para satisfazer a condição anterior, deve existir para cada característica X tanto participantes como não-participantes, ou seja, . 0 〈 P ( X ) = Pr (D = 1 X )〈 1

2.3. A técnica de matching através do vizinho mais próximo Decidida a adopção da metodologia de propensity score, várias técnicas podem ser seleccionadas para realizar o ajustamento entre os alunos participantes e os que lhes vão servir de comparação, isto é, podem ser utilizadas diferentes técnicas para realização do processo de matching. Cada técnica compreende a definição de um critério de proximidade, uma vizinhança, e a selecção de um adequada função de ponderação, que sirva para associar os indivíduos no grupo de comparação a cada um dos indivíduos tratados. Ora, a escolha de uma vizinhança baseia-se num trade-off entre a variância e o enviesamento associados com cada tipo de técnica de matching, assim como no fardo computacional que pode acarretar. Em geral, por exemplo, diminuir a exigência de proximidade entre observações para construir o “contra facto” (para seleccionar o indivíduo que será comparável) irá


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reduzir a variância, mas aumentar o enviesamento resultante da utilização, em média, de mais, mas também mais pobres, ajustamentos. Esta solução aumenta também as dificuldades de estimação computacional. Neste estudo concreto, será adoptada a técnica do “vizinho mais próximo” que significa que cada aluno de IG, isto é, cada aluno sujeito a tratamento, será comparado com o aluno mais próximo, retirado dos cursos de comparação, que apresentar o mesmo valor em termos de propensity score. Adicionalmente, permitiremos que exista a reposição dessa observação de comparação, caso se prove que o aluno seleccionado, nos cursos que servirão de comparação, é a melhor observação para servir de comparação aos alunos de IG.

3. APLICAÇÃO EMPÍRICA DO MÉTODO ECONOMÉTRICO À AVALIAÇÃO DO CURSO DE IG 3.1. Selecção das disciplinas a avaliar Da apresentação do método de Propensity Score Matching ficou claro que a sua adaptação a um processo concreto de avaliação requer a comparação entre aquilo que pode ser comparável. Será este o pressuposto de partida para o processo de avaliação efectuado e que a seguir se descreve. Na ESTiG-IPB, no ano lectivo de 2004/2005, eram leccionados nove cursos, cada um deles com as suas especificidades, mas também com pontos em comum, objectivamente observáveis e potencialmente comparáveis. De facto, o curso de IG possuía em comum com os restantes cursos da ESTiG algumas disciplinas que são o objecto deste estudo de avaliação. Pela análise das fichas de disciplina das disciplinas do curso de IG, verificou-se a existência de um programa idêntico ao de disciplinas de outros cursos, assim como, frequentemente, a partilha da mesma carga horária, do mesmo docente ou do mesmo formato lectivo. Face a esta constatação, foram avaliados os resultados das disciplinas que apresentavam um programa, assim como outras características formais, comum aos vários cursos da ESTiG onde eram leccionadas6. 6

Para auxiliar a concluir da comparabilidade entre disciplinas foi analisado o grau de comparabilidade entre os programas das disciplinas com base na ponderação atribuída pelas autoras a cada


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Da observação das fichas de disciplina foram seleccionadas as seguintes disciplinas do curso de IG: Álgebra Linear, Matemática I, Matemática II, Estatística, Investigação Operacional, Introdução à Informática, Contabilidade Financeira I, Contabilidade Financeira II e Marketing7. Concluída a constatação de que as disciplinas são semelhantes em termos formais, chega-se à conclusão que apenas a metodologia de ensino é diferente entre elas. Mesmo assim, constatou-se que em algumas disciplinas se aplica também um dos pilares da metodologia de ensino que aqui se procura avaliar - a avaliação contínua. É o caso das disciplinas de Marketing ou de Introdução à Informática. No entanto, em nenhum dos cursos que serviram para comparação existe a obrigatoriedade de participação dos alunos nas aulas nem o acompanhamento mais contínuo e personalizado dos alunos é assumido como uma linha de orientação pedagógica obrigatória. Desta forma, as diferenças nos resultados dos alunos apenas se deverão àquilo que diferencia as disciplinas nos diferentes cursos - a introdução de uma nova metodologia de ensino no curso de IG. Quanto aos resultados, vamos utilizar duas medidas distintas de sucesso escolar. Ou seja, mediremos o sucesso escolar com base: (i) na percentagem de alunos com classificações iguais ou superiores a 10, nota que divide o sucesso e o insucesso escolar; (ii) na média da classificação dos alunos que obtiveram uma classificação positiva. O objectivo é avaliar não apenas sucesso escolar com base nos alunos um dos itens do programa. Sempre que se verificaram dúvidas relativas a esta mesma ponderação, foram pedidos esclarecimentos aos responsáveis pelas disciplinas. Se, para algumas das disciplinas seleccionadas, o grau de comparabilidade é máximo, significando a disciplina é absolutamente idêntica (disciplinas de Marketing, de Álgebra Linear, Estatística ou Investigação Operacional), para outras disciplinas foi possível encontrar graus de comparabilidade inferiores, devido a diferenças não significativas. De facto, assumiu-se que pequenas diferenças no programa não devem ser factores de distinção entre resultados dos alunos. 7 As restantes disciplinas do curso apresentam demasiadas especificidades e a sua inclusão na análise não permitiria concluir se as diferenças nos resultados dos alunos se deveria à metodologia de ensino ou a outro factor qualquer relacionado com essas especificidades As questões de confidencialidade não permitiram também utilizar variáveis que permitissem o tratamento estatístico de aspectos como a motivação do aluno relativamente a cada uma das disciplinas. A não utilização de variáveis que permitissem a aproximação estatística a aspectos subjectivos que podem influenciar o sucesso escolar, não sendo um factor restritivo da nossa análise, condiciona as conclusões que podem ser elaboradas após a obtenção dos resultados estatísticos.


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que foram aprovados na avaliação, mas também avaliar o que designaremos de qualidade desse sucesso escolar, de forma a melhor compreender o impacto da nova metodologia de ensino.

3.2. Comparação de médias antes de introduzir a metodologia de Propensity Score matching A Tabela 1 mostra a percentagem de alunos aprovados no curso de IG (grupo de tratamento - GT) e a mesma percentagem nos restantes cursos onde a disciplina é leccionada (grupo de comparação - GC), assim como a diferença entre os resultados dos alunos. Os resultados são apresentados assumindo como subgrupos particulares de comparação, todos os cursos onde a disciplina de IG é comparável a outra e apenas os cursos na vizinhança daquela que designámos área de gestão - os cursos de Gestão de Empresas (GE) e Contabilidade e Administração (CA). Tabela 1: Percentagem de alunos aprovados antes de introduzirmos o matching TODOS

DISCIPLINAS Álgebra Linear Matemática I Matemática II Estatística Investigação Operacional Introdução à Informática Marketing Contabilidade Financeira I Contabilidade Financeira II

GT

GC

26.5 18.6 ----53.2

41.1 28.8 ----43.6

CURSOS DE COMPARAÇÃO ÁREA DE GESTÃO

(∆ )

(∆ )

GT

GC

– 14.6 – 10.2 ----9.6

26.5 18.6 27.4 53.2

37.3 20.7 17.8 32.3

– 10.8 – 2.1 9.7 20.9

34.6 42.7

– 8.1

34.6

32.9

1.7

----- ----90.7 71.8

----18.9

30.4 90.7

32.7 69.0

– 2.2 21.7

73.7 29.5

44.2

73.7

25.4

48.3

-----

-----

56.4

33.0

23.4

-----

Diferença

Diferença

Da observação da Tabela 1, alguns factos devem ser salientados: (i) as disciplinas de Matemática II, Introdução à Informática e Contabilidade Financeira II só são comparáveis com disciplinas em cursos da área de Gestão; (ii) das seis disciplinas que é possível comparar com cursos não apenas na área da Gestão - Álgebra Linear, Matemática I, Estatística, Investigação Operacional, Marketing e Contabilidade Financeira I - três apresentam resultados piores para os alunos do curso de IG do que para os alunos que servem de comparação; (iii) restringindo a comparação das seis disciplinas mencionadas no ponto acima a cursos apenas na área da gestão


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verifica-se que os resultados melhoram, deixando mesmo a Investigação Operacional de apresentar resultados menos positivos para os alunos de IG do que para os restantes. Este facto deve-se a um notório decréscimo na aprovação dos alunos nos cursos da área da gestão; (iv) é interessante notar que a disciplina de Introdução à Informática, podendo ser considerada uma disciplina mais específica de um curso como o de IG apresenta piores resultados que disciplinas não tão relacionadas com o objecto específico do curso, como as Contabilidades ou o Marketing. A Tabela 2, que mostra a média das classificações positivas, ajuda a esclarecer o impacto da introdução de uma metodologia de ensino no sucesso escolar daqueles que a ela foram sujeitos. É notório que não existe qualquer impacto na qualidade das notas. Quando o grupo de comparação engloba todos os cursos, verifica-se que, mesmo não apresentado diferenças significativas em termos de classificação positiva, os alunos de IG apresentam uma classificação positiva média inferior aos seus colegas. Quando o grupo de comparação se resume aos cursos na área de gestão, as diferenças apresentam-se mais significativas. No entanto, o pior resultado para os alunos de IG apresenta a excepção da disciplina de Introdução à Informática onde os mesmos possuem uma média de classificação positiva 1,55 pontos acima dos colegas de GE e CA. Tabela 2: Média das classificações positivas antes de introduzirmos o matching TODOS

DISCIPLINAS GT Álgebra Linear Matemática I Matemática II Estatística Investigação Operacional Introdução à Informática Marketing Contabilidade Financeira I Contabilidade Financeira II

GC

CURSOS DE COMPARAÇÃO ÁREA DE GESTÃO

(∆ )

(∆ )

GT

GC

11.38 11.72 11.27 11.96 --------10.69 10.93

– 0.34 – 0.68 ----– 0.24

11.38 11.27 11.75 10.69

12.70 11.68 12.32 10.50

– 1.31 – 0.40 – 0.57 0.19

11.00 11.39

– 0.39

11.00 11.62

– 0.62

-----

12.71 11.16

1.55

11.31 11.45

– 0.14

11.31 11.53

– 0.22

10.38 11.30

– 0.92

10.38 11.17

– 0.78

-----

11.21 11.44

– 0.23

-----

-----

-----

-----

Diferença

Diferença

Sem que se efectue o ajuste econométrico proposto para comparar os alunos de IG apenas com aqueles que, de facto, lhes são semelhantes, os resultados apenas se limitam a estabelecer possíveis


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relações entre a introdução da metodologia e os resultados obtidos, sem que se defina uma verdadeira relação causa-efeito.

4. EFEITO CAUSAL DA INTRODUÇÃO DE UMA METODOLOGIA DE ENSINO NOS ALUNOS DE IG Nesta secção serão apresentados os resultados da adopção de uma metodologia de propensity score matching para estimar o efeito causal da introdução de uma nova metodologia de ensino nos alunos do curso de IG. Em concreto, mostrar-se-á qual o efeito da metodologia nos alunos de IG comparando com o que lhes teria acontecido se eles tivessem frequentado a mesma disciplina, mas num curso diferente, onde não fosse utilizada a mesma filosofia de ensino. Para aferir dos resultados dos alunos do curso de IG, caso eles não tivessem sido sujeitos à nova metodologia de ensino, vão ser encontrados, nos cursos de comparação - para cada uma das disciplinas seleccionadas para análise -, alunos que apresentem as mesmas características observáveis que cada um dos alunos de IG. O matching entre alunos será realizado caso a caso, e para cada aluno de IG vai ser encontrado o aluno, num dos restantes cursos, que lhe seja idêntico ou, no mínimo, muito semelhante8.

4.1. Efeito da introdução da metodologia na percentagem de aprovação Da informação disponível e acessível publicamente foram seleccionadas as variáveis que constam na tabela seguinte. Na Tabela 3 apresentou-se a distribuição das características seleccionadas pelas disciplinas analisadas, tanto para o grupo de tratamento como para os grupos de comparação. É possível verificar que existem diferenças na distribuição das características seleccionadas entre os grupos de análise. Esta diferente distribuição de características mostra a importância de se proceder a um processo de matching entre os alunos dos diferentes grupos, para 8 O ideal no processo de matching entre alunos seria poder dispor de um conjunto vasto de variáveis correspondentes a todas as características que podem influenciar os resultados; no entanto, nem toda a informação estatística desejável existe e, por outro lado, nem toda a informação existente está disponível publicamente, pelos motivos já avançados.


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perceber qual o verdadeiro efeito causal da política nos alunos de IG. De facto, a diferença entre os alunos em termos de características observáveis pode estar na origem da diferença entre os seus resultados e, assim, afirmar-se que a diferença entre os resultados dos alunos de diferentes cursos - relativamente ao curso de IG - é consequência da introdução da política em IG, e não nos restantes, é abusiva e pode originar erros de interpretação. Tabela 3: Distribuição das características observáveis, seleccionadas para a realização do processo de matching entre os grupos de tratamento e comparação CARACTERÍSTICAS % % % % % % DISCIPLINAS GRUPOS Região Isenção Alunos Idade Sexo Nac. Asso. Bolseiro Origem Prop. (Masc.) (Port.) (Sim) (Sim) (Norte) (Sim) GT 49 25.3 71.4 20.4 77.6 4.1 18.4 6.1 Álgebra GC - TC 525 24.8 71.0 27.2 85.5 2.1 26.5 22.3 Linear GC - AG 118 26.1 41.5 29.7 85.6 0.8 47.5 33.1 GT 59 24.7 67.8 18.6 78.0 5.1 20.3 8.5 Matemática I GC - TC 794 24.9 64.2 24.4 85.3 2.0 27.6 22.2 GC - AG 299 25.6 41.8 23.4 83.9 1.3 35.1 27.8 GT 62 24.9 69.4 21.0 77.4 4.8 17.7 9.7 Matemática II GC - TC --------------------------------GC - AG 321 25.8 43.6 24.3 83.8 0.9 34.3 26.2 GT 47 25.4 48.9 25.5 89.4 2.1 34.0 25.5 Estatística GC - TC 621 25.7 57.5 27.2 85.7 1.3 41.1 28.5 GC - AG 217 26.2 37.8 27.2 86.6 1.4 46.5 34.1 GT 26 25.4 50.0 34.6 92.3 3.8 19.2 26.9 Investigação GC - TC 419 26.1 55.6 27.9 88.5 1.2 39.4 28.4 Operacional GC - AG 167 26.2 38.3 27.5 86.8 1.2 49.1 36.5 GT 23 25.6 73.9 21.7 73.9 4.3 4.3 21.7 Introdução GC - TC --------------------------------à Informática GC - AG 150 25.4 36.7 20.0 80.0 0.7 13.3 24.7 GT 43 25.0 39.5 27.9 79.1 0.0 20.9 37.2 Marketing GC - TC 78 26.6 25.6 29.5 76.9 0.0 39.7 35.9 GC - AG 71 26.7 28.2 31.0 74.6 0.0 40.8 32.4 GT 40 25.1 65.8 13.2 71.1 0.0 18.4 7.9 Contabilidade GC - TC 78 24.5 47.4 20.5 80.8 0.0 14.1 19.2 Financeira I GC - AG 71 24.7 50.7 22.5 80.3 0.0 14.1 14.1 GT 57 25.8 63.6 25.5 76.4 0.0 18.2 7.3 Contabilidade GC - TC --------------------------------Financeira II GC - AG 97 24.9 44.3 18.6 79.4 0.0 22.7 16.5

Em resultado da constatação de que existem diferenças entre as características dos alunos nos diferentes cursos, foi estimado um modelo logit binomial - cujos parâmetros são as variáveis correspondentes às características seleccionadas na Tabela 3 - para a


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obtenção da probabilidade de um aluno estar inscrito num curso de IG e não num outro curso9, isto é, para estimar a propensity score que permitirá o ajustamento entre os alunos. Tabela 4: Taxa de previsão correcta da participação de alunos no curso de IG Disciplinas

CURSOS Álgebra Linear Matemática I Matemática II Estatística Investigação Operacional Introdução à Informática Marketing Contabilidade Financeira I Contabilidade Financeira II

TODOS 71.43 67.8 66.13 57.45 76.92 69.57 74.42 76.32 61.82

TPC (%) ÁREA GESTÃO 77.55 62.71 ----63.83 73.08 ----72.09 76.32 ----

Da estimação resulta que, embora nem todas as variáveis sejam estatisticamente significativas ao nível individual, elas apresentam significância estatística conjunta mostrando que são relevantes para a determinação da probabilidade de participar no curso. Aliás, é possível mostrar os resultados das taxas de previsão correcta (TPC) da participação, isto é, é possível mostrar como é que os modelos logit paramétricos estimados prevêem, de forma correcta, os alunos que efectivamente são de IG. Os resultados constam na Tabela 4. De facto, todos os modelos apresentam taxas correctas de previsão da participação em disciplinas do curso de IG acima dos 57%, chegando alguns modelos a apresentar taxas perto dos 80%. As taxas de previsão consideram-se muito boas, o que indicia que as variáveis seleccionadas são um excelente ponto de partida para permitir encontrar, nos grupos de comparação, alunos idênticos, ou quase idênticos, aos alunos de IG, de acordo com a sua probabilidade de participação no curso de IG, condicionada num vector de características observáveis10. 9

Neste trabalho não serão apresentados os resultados do modelo

logit, pela extensão dos mesmos e pelas particularidades

econométricos, cuja dificuldade de explicação pensamos dever ficar fora do texto do estudo. No entanto, os resultados serão fornecidos caso haja interesse e sempre que forem necessárias explicações adicionais. 10

Os modelos não produzem taxas de previsão iguais a 100%, nem esperávamos que tal ocorresse, pois, tal como já admitimos, verificase a inexistência de informação que poderia explicar os resultados


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Calculada a probabilidade de participação - a partir das características que auxiliam o processo de matching - no curso de IG para cada aluno, em cada disciplina, foi encontrado, para cada um dos alunos do curso de IG, aquele aluno no grupo de comparação que possui a mesma probabilidade. Assim, a média dos resultados para os alunos de IG será agora comparada com a média dos resultados daqueles que lhes são idênticos, mas frequentam a mesma disciplina num outro curso. A média dos resultados dos alunos que serviram de comparação representa o resultado que o aluno de IG teria obtido se não fosse obrigado a assistir às aulas, não estivesse sujeito a uma avaliação contínua e não fosse acompanhado pelo docente de uma forma mais sistemática. Agora é possível obter uma aproximação mais rigorosa ao verdadeiro efeito causal da introdução da nova metodologia, naqueles que a ela foram sujeitos. Os resultados serão apresentados de seguida, mas antes é importante referir a qualidade do procedimento. De facto, ao ajustaremse os alunos, de acordo com a sua semelhança em termos de probabilidade de participação, pretende-se que eles se assemelhem o mais possível em termos de distribuição das características observáveis. Em termos estatísticos, significa que o teste de igualdade entre a média de cada variável para os grupos em análise deve possuir significância estatística. Com reduzidas excepções, para todas as variáveis na análise concreta de cada uma das disciplinas, foi encontrada significância estatística para a igualdade entre a média de cada uma das variáveis entre os grupos. A quantidade de variáveis e de disciplinas analisadas não permite que seja possível a apresentação desses resultados. No entanto, pode ser apresentado o resultado do cálculo do valor absoluto médio do enviesamento padronizado11, relativamente ao conjunto de características observáveis, entre o grupo de tratamento e os grupos de comparação, antes e depois da aplicação do nosso procedimento de matching. (como a média de entrada no curso ou a prova específica de acesso, por exemplo), ou então existe informação que não pode ser acedida (como a motivação do aluno na disciplina). 11

Enviesamento

padronizado:

(X

− X0

)

,

(V ( X ) + V ( X )) 1

X 1 (V1 )

1

1

0

0

é a média (variância) no grupo de tratamento e

a simbologia análoga para o grupo de comparação.

onde

2

X 0 (V 0 )

é


37

Tabela 5: Média absoluta do enviesamento padronizado entre o grupo de tratamento e os grupos de comparação antes e depois do matching Enviesamento GC

Disciplinas

TODOS

ÁREA GESTÃO

Antes

Depois

Antes

Depois

Álgebra Linear

18.58

0.54

39.92

8.43

Matemática I

16.87

6.58

30.06

4.81

Matemática II

29.66

8.37

-----

-----

Estatística

9.86

9.94

14.83

13.14

Investigação Operacional

17.58

12.6

25.45

10.07

Introdução à Informática

23.68

22.83

-----

-----

Marketing

21.35

5.82

23.87

13.43

Contabilidade Financeira I

23.6

10.98

19.95

18.35

Contabilidade Financeira II

21.03

14.37

-----

-----

A Tabela 5 permite observar que a média do enviesamento padronizado entre os grupos é, em geral, bastante elevado antes de se proceder ao matching entre os alunos, reduzindo-se bastante após este procedimento. Esta redução significativa do enviesamento médio entre os grupos é um bom indicador da qualidade do procedimento de matching, traduzindo-se, na prática, pela indicação de que foi possível encontrar nos grupos de comparação alunos muito idênticos aos alunos de IG, no conjunto das características analisadas. Tabela 6: Percentagem de alunos aprovados após o matching entre alunos DISCIPLINAS GT Álgebra Linear Matemática I Matemática II Estatística Investigação Operacional Introdução à Informática Marketing Contabilidade Financeira I Contabilidade Financeira II

26.5 18.6 ----53.2 34.6 ----92.9 73.0 -----

CURSOS DE COMPARAÇÃO TODOS ÁREA DE GESTÃO Diferença Diferença GT GC GC

(∆P )

30.6 30.5 ----46.8 53.8 ----73.8 27.0 -----

– 4.1 – 11.9 ----6.4 – 19.2 ----19.0 45.9 -----

(∆P )

26.5 19.0 27.9 53.2 34.6 30.4 95.1 73.0 56.4

16.3 13.8 11.5 19.1 23.1 26.1 65.9 29.7 16.4

10.2 5.2 16.4 34.0 11.5 4.3 29.3 43.2 40.0

Assim, é possível olhar para os resultados do efeito causal da introdução da nova metodologia de ensino com confiança e a certeza que serão a melhor aproximação para o efeito real da metodologia


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naqueles que a ela estiveram sujeitos. Estes resultados encontram-se na Tabela 6. Começando por observar o efeito da metodologia nos alunos de IG, e admitindo a possibilidade de eles frequentarem a disciplina em qualquer curso da ESTiG-IPB que a possua na sua estrutura curricular, verifica-se que, com a excepção das disciplinas de Estatística, Marketing e Contabilidade Financeira I, os alunos de IG teriam obtido melhores resultados, em termos de aprovação, nas disciplinas de Álgebra Linear, Matemática I e Investigação Operacional se as tivessem frequentado num outro curso que não IG. Quanto aos alunos de IG, nas disciplinas de Álgebra Linear, Matemática I e Investigação Operacional, os resultados mostram que eles possuem menos 4 a 19%, respectivamente, de probabilidade de obter uma classificação positiva do que se tivessem frequentado as disciplinas noutros cursos leccionados na ESTiG, independentemente da área científica em questão. No entanto, se compararmos os alunos apenas com os colegas de cursos da área da gestão, verifica-se que os alunos de IG beneficiaram bastante por frequentarem o curso de IG e não os cursos de CA ou GE. Se olharmos com cuidado, verificamos que este resultado é uma consequência dos baixos níveis de aprovação nos cursos de CA e GE. Curiosa é a observação de que a disciplina de Informática de Gestão é a que parece apresentar o menor efeito positivo para os alunos de IG. Uma explicação poderá ser a obrigatoriedade de, qualquer que seja o curso, o aluno se sujeitar a avaliação contínua, o que dilui o efeito da introdução da metodologia no curso de IG. Os alunos deste curso possuem apenas cerca de 4% mais probabilidade de obter aprovação na disciplina de Introdução à Informática do que se tivessem frequentado a disciplina num dos outros cursos da área da gestão. De facto, se analisarmos, por exemplo, a disciplina de Estatística, verificamos que é apenas obrigatória uma avaliação contínua para o curso de IG, não se prevendo esta alternativa de avaliação nos restantes cursos, e que o efeito causal da política indica que os alunos de IG possuem cerca de 34% mais probabilidade de serem aprovados na disciplina do que se tivessem frequentado a disciplina num outro curso da área da gestão. Os factos mencionados servem como pistas de análise para avaliar o efeito da introdução da metodologia. Para auxiliar essa análise é também interessante comparar os resultados obtidos antes e depois do procedimento de matching. Pode observar-se que não existem


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grandes diferenças nos resultados, antes e depois da aplicação do procedimento de matching, quando se analisa a instituição como um todo; no entanto, tal já não é verdadeiro para a comparação entre os cursos na área da gestão. Neste último caso, verifica-se que o ajustamento entre alunos permite obter resultados bastante mais positivos para o efeito causal da introdução da nova metodologia de ensino naqueles que a ela foram sujeitos. Para a análise em que se faz a comparação com todos os cursos da ESTiG, os resultados menos claros podem indiciar que existem factores relacionados com as áreas científicas específicas de cada curso, as quais podem influenciar os resultados e não foram captadas pela presente avaliação.

4.2. Efeito da introdução da metodologia na classificação positiva Para a análise da qualidade do sucesso escolar foram apenas seleccionados os alunos que obtiveram uma classificação positiva, ou seja, igual ou maior que 10. Para estes indivíduos é apresentada a distribuição de características observáveis, à semelhança do que se fez na secção anterior (Tabela 7). Como é óbvio, temos uma diminuição do número de observações adequadas para análise, o que deteriora um pouco, embora não restrinja, um procedimento de matching. De facto, a constatação de que existem diferenças na distribuição do conjunto de características mostra que é importante realizar esse procedimento, tal como já se tinha concluído para a avaliação do sucesso escolar. Como o procedimento é exactamente o mesmo, não iremos repetir as explicações já fornecidas, limitando-nos a apresentar os resultados mais significativos. Um desses resultados a salientar refere-se ao pior ajustamento entre alunos de IG e os colegas. A diminuição do número de observações, em ambos os grupos, deixava adivinhar que tal pudesse acontecer. A degradação da qualidade do procedimento de matching, como pode ser constatado na Tabela 8, é a consequência prática de, com menos alunos, ser mais difícil encontrar, para cada aluno de IG, um aluno semelhante no conjunto de características seleccionadas para a análise.


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Tabela 7: Distribuição das características observáveis, seleccionadas para o processo de matching, entre os grupos de tratamento e comparação Alunos GT GC - TC GC - AG GT Matemática I GC - TC GC - AG GT Matemática II GC - TC GC - AG GT Estatística GC - TC GC - AG GT Investigação GC - TC Operacional GC - AG GT Introdução à GC - TC Informática GC - AG GT Marketing GC - TC GC - AG GT Contabilidade GC - TC Financeira I GC - AG GT Contabilidade GC - TC Financeira II GC - AG Álgebra Linear

13 125 43 11 229 62 8 ----57 13 71 16 9 179 55 7 ----49 39 56 49 13 23 18 19 ----32

Características % % % % % % Isenção Região Assoc. Bolseiro Nacion. Idade Sexo Prop. Origem (Sim) (Sim) (Port.) (Masc.) (Sim) (Norte) 23.8 30.8 23.1 92.3 0.0 30.8 7.7 23.3 57.6 32.0 93.6 0.0 27.2 49.6 24.0 30.2 34.9 93.0 0.0 44.2 58.1 23.6 36.4 27.3 63.6 0.0 27.3 18.2 23.9 56.3 23.1 88.6 0.0 31.0 39.7 24.3 24.2 25.8 85.5 0.0 50.0 56.5 23.9 37.5 37.5 62.5 0.0 25.0 25.0 ----------------------------24.5 24.6 21.1 84.2 0.0 42.1 47.4 25.2 38.5 23.1 92.3 0.0 30.8 46.2 24.8 39.4 26.8 87.3 0.0 38.0 43.7 24.5 0.0 31.3 93.8 0.0 31.3 68.8 24.4 33.3 33.3 88.9 0.0 11.1 55.6 25.0 52.0 24.6 91.1 0.0 37.4 36.9 24.6 16.4 23.6 96.4 0.0 47.3 56.4 26.1 85.7 42.9 85.7 0.0 0.0 42.9 ----------------------------23.7 40.8 10.2 81.6 0.0 18.4 40.8 24.9 33.3 25.6 76.9 0.0 20.5 35.9 25.9 23.2 30.4 82.1 0.0 46.4 46.4 26.0 26.5 32.7 79.6 0.0 49.0 42.9 24.5 53.8 23.1 84.6 0.0 30.8 7.7 23.4 30.4 17.4 87.0 0.0 17.4 39.1 23.4 33.3 22.2 83.3 0.0 16.7 27.8 25.2 36.8 26.3 84.2 0.0 26.3 10.5 ----------------------------23.9 37.5 18.8 78.1 0.0 37.5 25.0

Por outro lado, ao considerarmos que os resultados devem ser obtidos numa região de suporte comum, ou seja, num intervalo em que todos os alunos possuam a mesma distribuição na probabilidade de participação, foi necessário abandonar algumas observações no grupo de tratamento (no máximo 2 observações correspondentes a alunos de IG). Estes alunos foram retirados da análise porque se concluiu que seria impossível encontrar, nos restantes cursos, alunos com uma probabilidade de participação idêntica, isto é, não seria possível encontrar para esses alunos de IG um match adequado. Apesar da pior qualidade do matching, percebida em termos do valor absoluto médio do enviesamento padronizado, verificou-se que os testes estatísticos à igualdade das médias, de cada uma das características seleccionadas, entre os grupos, são significativos na maioria das variáveis12. 12

Como já foi explicado, a elevada dimensão dos resultados não permite a sua adequada apresentação no corpo do texto.


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Feitas as devidas ressalvas, podem agora analisar-se os resultados do procedimento de matching na qualidade da classificação positiva dos alunos de IG. Esses resultados apresentam-se na Tabela 9. Tabela 8: Média absoluta do enviesamento padronizado entre o grupo de tratamento e os grupos de comparação antes e depois do matching GC

Disciplinas

Álgebra Linear Matemática I Matemática II Estatística Investigação Operacional Introdução à Informática Marketing Contabilidade Financeira I Contabilidade Financeira II

Enviesamento TODOS ÁREA GESTÃO Antes Depois Antes Depois 35.96 1.38 31.43 17.25 29.21 24.50 39.03 39.50 36.28 40.81 --------9.85 28.37 25.53 51.25 30.2 20.68 29.73 34.35 54.47 30.43 --------25.87 10.57 24.35 18.9 38.2 32.53 30.35 19.8 24.18 40.68 ---------

A primeira constatação é que, se os alunos de IG possuem maior probabilidade de obter aprovação escolar por frequentarem disciplinas no curso de IG e não noutros cursos, especialmente nos da área da gestão, tal não acontece em termos do valor das suas classificações positivas. Com algumas excepções, os alunos de IG obteriam melhores classificações se frequentassem as disciplinas em causa noutros cursos. As excepções são a disciplina de Informática de Gestão - verifica-se que os alunos de IG possuem uma média de classificações positivas superior em 1,67 valores do que se tivessem frequentado a disciplina num dos cursos da área da gestão. No outro extremo, encontra-se a disciplina de Investigação Operacional, onde se verifica que os alunos que frequentam a disciplina no curso de IG possuem uma média de classificações positivas inferiores em quase 2,22 valores do que se tivessem sido aprovados na mesma disciplina, mas a frequentar outro curso. De facto, os resultados, em termos de qualidade do sucesso escolar, não são tão positivos para os alunos abrangidos pela medida.


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Tabela 9: Média das classificações positivas após o matching entre alunos DISCIPLINAS GT Álgebra Linear Matemática I Matemática II Estatística Investigação Operacional Introdução à Informática Marketing Contabilidade Financeira I Contabilidade Financeira II

11.50 11.27 ----10.73 11.00 ----11.31 10.45 -----

CURSOS DE COMPARAÇÃO TODOS ÁREA DE GESTÃO Diferença Diferença GT GC GC

(∆P )

11.50 11.91 ----10.45 11.33 ----11.54 11.00 -----

0.00 – 0.64 ----0.27 – 0.33 ----– 0.23 – 0.55 -----

(∆P )

11.38 11.27 11.75 10.73 11.00 12.33 11.31 10.45 11.21

11.38 11.45 12.13 10.18 13.22 10.67 11.51 10.91 11.84

0.00 – 0.18 – 0.38 0.55 – 2.22 1.67 – 0.21 – 0.45 – 0.63

5. CONCLUSÃO Com base nos resultados obtidos, conclui-se que a introdução de uma filosofia de ensino, tal como a preconizada pelo Declaração de Bolonha, é importante para a melhoria das taxas de aprovação dos alunos que a ela ficam sujeitos. Tal verifica-se pela maior taxa de aprovação dos alunos de IG, quando comparados com alunos que frequentam as mesmas disciplinas em cursos diferentes, mas na mesma vizinhança da área científica. A não verificação desta conclusão, quando o estudo se estende a todos os cursos leccionados pela ESTiG-IPB, independentemente da sua área científica, pode estar relacionada com factores específicos dos cursos que não foram analisados neste processo de avaliação. Se as taxas de aprovação são a medida quantitativa preferida dos decisores políticos, considera-se importante que não seja a única a ser analisada. De facto, em termos da consistência das taxas de aprovação, que no presente trabalho foi decidido designar por qualidade, não foi possível concluir pela importância da aplicação de novas metodologias de ensino.


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BIBLIOGRAFIA BLUNDELL, R. and DIAS, M. Costa; (2002); “Alternative Approaches to evaluation in Empirical Microeconomics”; Portuguese Economic Journal; 1(2), 91-115. DEHEJIA, R. H. and WAHBA, S.; (2002); “Propensity Score-Matching Methods for Nonexperimental Causal Studies”; The Review of Economics and Statistics; 84(1), 151-161. LEUVEN, E. and SIANESI, B.; (2003); "PSMATCH2: Stata module to perform full Mahalanobis

and propensity score matching, common support graphing, and covariate imbalance testing"; http://ideas.repec.org/c/boc/bocode/s432001.html.Version 1.2.3

ROSENBAUM, P. R. and RUBIN, D. B.; (1983); “The Central Role of the Propensity Score in Observational Studies for Causal Effects”; Biometrika; 70(1), 41-55. RUBIN, D. B.; (1974); “Estimating Causal Effects of Treatments in Randomized and Nonrandomized Studies”; Journal of Educational Psychology; 66, 688-701.



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A INAUGURAÇÃO DO SANATÓRIO E DO HOSPITAL: UM MARCO TEMPORAL DA GUARDA THE INAUGURATION OF THE SANATORIUM AND THE HOSPITAL A TIME BOUNDARY IN GUARDA Helder Sequeira* (heldersequeira@ipg.pt)

RESUMO O Sanatório Sousa Martins foi a instituição mais relevante na Guarda, no decorrer da primeira metade do século XX. Num período conturbado da vida política, económica e social portuguesa, no dealbar da implantação da República, a inauguração desta unidade de saúde (a primeira a ser construída pela Assistência Nacional aos Tuberculosos – ANT) constituiu um momento de tréguas por parte dos vários sectores ideológicos citadinos dessa época. Esta leitura é feita a partir da imprensa local e regional, unânime no entendimento do Sanatório como uma estância de vanguarda no tratamento de uma doença que dizimou milhares de portugueses; por outro lado, a tradição guardense, ao nível da hospitalidade e da fidalguia, em receber prevaleceu sobre as divergências conjunturais. A cidade preparou-se, festivamente, para receber o Rei D. Carlos I e a Rainha D. Amélia. Palavras-chave: Sanatório; Guarda; Tuberculose; Saúde.

ABSTRACT The Sanatorium Sousa Martins was he most important institution in Guarda during the first half of the twentieth century. In a troubled period of political, economic and social life, on the eve of the establishment of the Republic in Portugal, the inauguration of this unit of health (the first to be built by the National Assistance for Tuberculous - ANT) meant a moment of truce by the ideological sectors in the city at that time. According to the regional and local press, the reading one can make is unanimous in seing the Sanatorium as a health resort in the vanguard of a treatment for a disease that decimated thousands of portuguese; on the other hand, the Guarda tradition of hospitality and nobility in welcoming someone prevailed on a conjuncture of divergences. The city was prepared to receive festively the King Carlos I and Queen Amélia. Keywords: Sanatorium; Guarda; Tuberculosis; Health.


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* Mestre em Museologia e Património Cultural (Universidade de Coimbra). Licenciado em História (UC). Coordenador do Centro de Audiovisuais e Publicações do Instituto Politécnico da Guarda (IPG).


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1. INTRODUÇÃO No passado ano ocorreu a passagem do centésimo aniversário da inauguração do Sanatório Sousa Martins e do Hospital da Misericórdia da Guarda, a que seria atribuído o nome do então Provedor, Dr. Francisco dos Prazeres. Estas duas instituições marcaram, de forma indelével, um largo período da história da Guarda, que se abriu a 18 de Maio de 1907. Na cidade conjugaram-se, nessa época, uma série de factores que viabilizaram a concretização do sonho de alguns, alicerçado numa sólida determinação e na multiplicidade de actos solidários, apesar dos circunstancialismos político-sociais do Portugal do início do século XX. É interessante verificar o tácito entendimento entre representantes de diferentes posturas ideológicas em função do momento festivo que a cidade ia viver, tanto mais que o acto inaugural destas unidades de saúde era engrandecido com a presença do Rei D. Carlos e da Rainha D. Amélia; a Guarda, como foi afirmado na imprensa local, não podia abdicar dos seus pergaminhos de cidade fidalga e hospitaleira. Daí ter havido um empenho colectivo em preparar, dignamente, o dia aprazado para a inauguração do Sanatório (instituição sobre a qual tivemos já o ensejo de escrever alguns apontamentos1) e do novo Hospital, que projectaram a “cidade da saúde”. - Cf. Revista Praça Velha, Ed. Câmara Municipal da Guarda, vol. 12, Ano V, I Série, Novembro 2002, pp. 114-139. Em 1901 foi adquirido o espaço necessário à edificação dessa unidade; parte dos terrenos foram adquiridos à Quinta do Chafariz, tendo a escritura sido celebrada em 9 de Novembro, na Guarda. O Dr. Lopo de Carvalho figurou como procurador de D. António de Lencastre, Secretário-Geral da Assistência Nacional aos Tuberculosos. À referida Quinta foi adquirida “toda a parte ocidental que se acha separada das restantes terras da mesma pela estrada real número cincoenta e cinco que desta cidade vai a Castello Branco e que parte pelo nascente com a dita estrada, pelo norte com o Largo do Chafariz de Santo André, e caminho público, poente com a quinta das Lameirinhas e quinta do Pina, e pelo sul com a mesma quinta do Pina” (Cf. Arquivo Distrital da Guarda, Escritura de Venda, L133/135, Fls 7v - 8v.). No dia 21 de Dezembro desse mesmo ano, foi assinada uma outra escritura (onde o Dr. Lopo de Carvalho representou igualmente o Secretário Geral da ANT) através da qual foi vendida à Assistência Nacional aos Tuberculosos uma área de terreno pertencente à Quinta do Pina, com setenta e cinco mil metros quadrados, “constituída por duas porções de terreno, uma à direita e outra à esquerda do caminho que desta cidade se dirige à povoação de Porcas e vulgarmente conhecida com o nome de caminho do forte”(Arquivo Distrital da Guarda, Escritura de Venda, L133/135, Fl. 19v.) Estes terrenos ficavam adjacentes à antiga Mata da Guarda, localizada entre a vertente da Torre de Menagem da antiga estrutura muralhada, a vertente da zona tradicionalmente conhecida por Dorna e

1


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Revisitar esse dia festivo é, assim, o propósito deste breve e despretensioso artigo, que recupera alguns dos mais significativos momentos2.

2. UMA ONDA DE ENTUSIASMO O acto inaugural foi precedido por cuidadosos preparativos, que a imprensa local acompanhou3, fornecendo interessantes relatos e informações, sobretudo acerca do festivo dia. “Por este facto, que

representa um importante benefício para a Guarda, reina aqui grande e justo enthusiásmo. A nossa excelsa Rainha, a quem se deve em grande parte tão importante melhoramento vem, na companhia de lusido cortejo, presidir à solemnidade”4. “Ao Bazar do Povo, conceituado estabelecimento onde

se encontra um sortido variadíssimo de todos os artigos, chegou uma enormidade de louças da Vista Alegre com as vistas do Santório Sousa Martins. Lindíssimos pratos para decoração de paredes, chávenas, bules, cinzeiros, enfim, é uma variedade escolhida e interessante. Com iguaes vistas também chegou ao Bazar do Povo uma apreciável colecção de bilhetes postaes.

o subúrbio conhecido por Lameirinhas, a sudoeste da cidade. A construção da cerca do futuro espaço sanatorial foi iniciada no ano seguinte, altura em que começou a ser feita a arborização dessa área com a plantação de abetos e pinheiros, num total de mil árvores; aberto, a de 15 de Janeiro de 1904, o concurso para a edificação de três pavilhões, a construção do Sanatório começou em Abril desse mesmo ano, num terreno com 27 hectares, localizado a 1039 metros de altitude numa zona denominada “Cova Quente”. 2 - Recorde-se aqui a recriação feita pelo Teatro Municipal da Guarda, no passado ano, a propósito da comemoração do centenário do Sanatório Sousa Martins, um espectáculo que foi apreciado por largos milhares de pessoas. 3 - Cf. os jornais Notícias da Guarda, Jornal do Povo, O Combate, O Districto da Guarda e A Guarda. O Districto da Guarda faz alusão à deliberação camarária relativa à preparação “condigna” da “recepção a Suas Magestades e aos numerosíssimos visitantes que por essa ocasião aqui concorriam”, pelo que foi constituída uma “Grande comissão dos festejos”. Cf. edição de 24 de Março de 1907. 4 - Cf. A Guarda, 24 de Março de 1907, nº 105, Ano III.


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Convidamos os leitores a visitar o Bazar do Povo, estabelecimento importante que honra a Guarda”5. A inauguração tinha sido agendada, inicialmente, para o dia 20 de Abril de 1907. “Preparam-se, pois, festas ruidosas que chamarão à

Guarda numerosos visitantes. As companhias dos caminhos de ferro estabelecerão preços muitos reduzidos, de ida e volta, em todos os comboios das Beira Alta e Baixa. Os que pretenderem assistir aos imponentes festejos, que se vão preparando para gosarem umas festas como poucas vezes se vêem na província”, informava o Noticias da Guarda6. Este mesmo jornal dava conta, na edição de 18 de Abril, que

“ainda não está designado dia para a inauguração d’aquelle Sanatório (...) Apesar d’isso os trabalhos para se dar aos festejos o maior brillho continuam activamente, podendo-se desde já afirmar que esses festejos serão grandiosos e revestirão o maior brilho e entusiasmo”. Quatro dias antes, o Districto da Guarda tinha noticiado ser “provavel que os acontecimentos políticos de ordem publica a que

estamos assistindo influam na maior ou menor brevidade com que se realize a inauguração deste sanatorio com a assistencia de Sua Magestade a Rainha. Nada ha por isso determinado sobre o dia dessa inauguração”7. A data indicada acabou por ser 11 de Abril de 1907, mas “em virtude do pessimo tempo de chuva, frio e cerrado nevoeiro, e a pedido, por intermédio do ilustre chefe do districto, da camara municipal, associação comercial e respectiva comissão dos festejos”8 a

inauguração foi adiada para 18 de Maio. O comércio citadino tinha também a lucrar com a afluência de pessoas, certamente em maior número com as condições meteorológicas favoráveis. “Ao commercio,

principalmente, interessa que esta cidade seja frequentada; e quando o commercio das mais importantes cidades do paiz dá o nobre exemplo de realizar festas que chamem essa concorrência que todos conhecem, não serão os previdentes commerciantes da nossa praça que deixarão de aproveitar este ensejo para concorrerem, como devem, para o brilho das festas iniciando assim um período novo de chamamento de visitantes”9. - Cf. Notícias da Guarda, 16 de Maio de 1907. - Cf. edição de 4 de Abril de 1907, p.2. 7 - Cf. edição de 14 de Abril de 1907. 8 - Cf. Notícias da Guarda, 16 de Maio de 1907. 9 - Cf. Notícias da Guarda, 18 de Abril de 1907. 5 6


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O jornal A Guarda, num texto sobre a inauguração do Sanatório, e com o sub-título “Impressões d’um forasteiro”, descreveu o ambiente logo às primeiras horas da manhã.

“6 horas da manhã – Uma manhã encantadora. Nem um farrapo de nuvem a empanar o azul puríssimo do céu. Chilreia a passarada. Para além da linha indisctinta das serranias rasgando a bruma aquosa da manhã, ergue-se o sol altivo e triumphante. Andam perfumes esparsos pelo ar. Um ruído tumultuoso sae da cidade que desperta, semelhante ao ruído de uma enorme colmeia. Pelos atalhos íngremes e tortuosos ranchos de camponeses chegam à cidade. Uns a pé, outros a cavallo, bifurcados em éguas alforjadas, ou em pacíficos jumentos orelhudos. Raparigas de fato domingueiro e lenço de seda com ramagens, rapazes de largo chapéu e braguez e de varapau na mão passeiam admirando os arcos, as bandeiras e os galhardetes. É um vae-vem continuo pelas ruas da cidade. Exclamações de pasmo, de admiração, de alegria (...). Nas casas de pasto há tambem um movimento desusado. Na ideia de tarde tornarem a comer, os visitantes vão preparando o estômago com alguma cousa. As libações sucedem-se. O barulho augmenta a pouco e pouco, com o reboar de uma trovoada que se aproxima. Anda no ar como que um frémito de anciedade”10. Outros relatos convergem nesse ambiente de expectativa e festa. “A alvorada pelas orchestras e bandas acorda os dormentes.

Levantamo-nos à pressa, e mais à pressa almoçámos. São oito horas da manhã: o dia apresenta-se lindo, dum sol quente, de festa radiante”, descreveu o Notícias da Guarda11.

De acordo com os dados do Observatório Meteorológico da Guarda, a temperatura registada às 9 horas era de 10,5º C; nesse dia a temperatura máxima foi de 15,0º C e a mínima de 5,7º C, enquanto a velocidade do vento, com rumo ENE, foi de 10,0 Km/h. Uma situação 10 11

- Cf. A Guarda, 26 de Maio de 2007 - Cf. Notícias da Guarda, 23 de Maio de 1907, nº 38, Ano I, p.1.


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meteorológica que contrastava com aquela que fora sentida dias antes (nos dias 15 e 16 de Maio houve nevoeiro intenso na cidade). As ornamentações da cidade foram coordenadas por Rogério Reinaud e englobavam quatro “arcos triumphaes: um à entrada da rua

D. Luiz, outro ao principio da Praça Luiz de Camões, o terceiro no Largo da Misericórdia e o último, do Jornal do Povo, defronte dos nossos escriptorios, à entrada do Campo de S. Francisco. Além d’isto muitos mastros com bandeiras, balões e galhardetes, festões de flores, colchas em todas as janellas, muito povo, calculando-se que havia 30 mil pessoas na Guarda”12.

Pelas nove horas, na estação dos caminhos-de-ferro, encontram-se já as autoridades oficiais, religiosas e militares, que aguardam a chegada dos Reis. “A gare está cheia de fardas reluzentes,

casacas, sobrecasacas, fraques e até democráticos jaquetões. No fundo escuro dos trajes de cerimónia, rubra como uma papoula, destaca-se a veste episcopal do sr. Arcebispo-Bispo. O governador civil e o secretario geral ambos de casaca, vão e vêem dar ordens, conversam...Umas perfeitas lançadeiras”, comenta o articulista de A Guarda13.

3. A CHEGADA DO CASAL REAL À hora prevista, 9h30, o comboio que transportava o casal régio entrou na estação da Guarda. “Uma companhia de infantaria 12, com

banda, sob o comando do capitão Lima da Veiga, fazia a guarda de honra. Assim que parou o comboio estrugiram os vivas a Sua Magestade a Rainha e, de quando em quando, ao Rei, e subiram ao ar muitos foguetes”14.

D. António de Lencastre desceu da carruagem e de imediato entram as autoridades locais. O Dr. Francisco dos Prazeres, na sua qualidade de Presidente da Câmara Municipal, proferiu um breve discurso de boas-vindas.

“Com toda a consideração devida à elevadissima posição de Vossa Majestade, como Augusto 12 13 14

- Cf. Jornal do Povo, 22 de Maio de 2007. - In “Impressões de um forasteiro”, A Guarda, 26 de Maio de 2007. - Cf. Jornal do Povo, 22 de Maio de 1907.


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Representante e Primeiro Magistrado da Nação, e com os mais vivos affectos de dedicação e profundo reconhecimento para com a Pessoa de Vossa Majestade e de Sua Majestade a Rainha, que tão graciosa e gentilmente se Dignam visitar hoje a cidade da Guarda, cumpro gostosamente o honroso dever de, em nome da vereação Municipal, tradicional representante da sua população, apresentar a Vossas Majestades o preito de homenagem que os habitantes desta região offerecem aos seus Reis, e assegurarLhes o alto apreço em que recebem tão distinta como honrosissima visita. A enaltecer tão vivos sentimentos para com os seus Augustos visitantes ha os ponderosissimos motivos de tão captivante visita. A benemerita Assistencia Nacional, que deve a sua existência, a sua vida e prosperidades aos caritativos sentimentos do coração de Vossa Majestade, Senhora D. Amelia, abre aos desgraçados tuberculosos os magnificos pavilhões de cura do Sanatorio Sousa Martins, aproveitando os magníficos ares e mais condições favoraveis da sua elevada altitude: a Irmandade da Misericordia desta cidade tem tambem concluídos os pavilhões indispensaveis para nelles instalar, em boas condições hygienicas, os pobres do concelho, até aqui tratados numa pessima casa d’alguns annos e seculos de existencia. É para inaugurar tão grandes como suggestivas obras que Vossas Majestades se Dignaram vir à Guarda, authenticando assim de forma mais solemne esses actos que elevam no conceito universal o prestigio da Nação que os celebra. Sejam, pois, bemvindos Vossas Majestades a esta capital da Beira Baixa, que ha menos dum anno tão agradavelmente ficou impressionada com a distincta visita de Suas Altezas o Principe Real Senhor Dom Luis Filippe, e o Infante Senhor Dom Manuel, tão captivantes de maneiras e affabilidades, tão brilhantes ornamentos da Côrte Portugueza, com justíssimo envaidecimento de seus Regios e Amantíssimos Paes.


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Sejam, pois, bemvindos.”15 Cumpridos os formalismos oficiais, D. Carlos e D. Amélia dirigiram-se para a sua carruagem – “um landeau offerecido pela ex.ma srª D. Adelaide Ribas da Costa, proprietária de Moimenta da Serra”16 – que os aguardava no exterior da estação. “O povo ergue-se em bicos de pés para ver. A primeira

impressão não é animadora. O povo contempla silencioso os soberanos”17; a expectativa criada relativamente a uma imponência do

vestuário real surpreendeu muitos, enquanto outros, com um melhor domínio acerca do estado da nação, mantinham uma postura reservada. De facto, o contexto político nacional não se apagou, totalmente, com este ambiente festivo na cidade mais alta de Portugal. O Jornal do Povo, numa das notas relativas à cobertura da visita real, dava conta que, “ao chegarem Suas Majestades à estação e

durante a sua estada até à partida do comboio, foi feita uma carinhosa e enthusiastica manifestação à Rainha, repetindo-se os vivas e as aclamações, que chegaram quasi ao delírio, contraste frisante e significativo com a indiferença com que foi recebido El-Rei, que, ao apparecer, fazia até arrefecer o enthusiasmo que havia para com Sua Esposa, e provocava vivas à liberdade, à Carta Constitucional, aos reis constitucionaes, etc. Durante a permanência dos soberanos na estação apenas foi levantado um viva ao Rei de Portugal, a que só meia dúzia de pessoas corresponderam”18... Este periódico, na mesma edição, após sublinhar que “todos os elementos se uniam para que as festas revestissem o maior brilhantismo” e anotar que “até os republicanos, pondo de parte o seu crédito político, davam o seu concurso para que a Guarda não perdesse as suas tradições de hospitaleira e nobre”, recordava a recente “dissolução das cortes com a publicação dos decretos dictatoriaes, que nos fazem retroceder aos tempos do absolutismo, forma de governo que, pelo paiz a não querer, levou a família de D. Miguel ao exílio.” O articulista acrescentava que “a Guarda, como todo o paiz, sente tristemente com a mais profunda indignação, que um governo, 15

- Cf. o jornal Districto da Guarda, 26 de Maio de 1907. - Cf. Jornal do Povo, 22 de Maio de 1907. 17 - Cf. A Guarda, 26 de Maio, “Impressões de um forasteiro”. 18 - Cf. edição de 22 de Maio de 1907. 16


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que se dizia liberal e que fez escalão d’um programa de regeneração moral e social para subir aos Conselhos da Coroa, tudo esqueça para nos fazer retroceder quasi um século no caminho da civilisação, roubando-nos a liberdade, rasgando a lei fundamental da nação e calcando aos pés os nossos mais sagrados direitos de povo livre. Lição cruel, na verdade, foi esta, que – como monarchicos e como representantes, na imprensa do distrito, d’um partido conservador e de gloriosas tradições – nos entristeceu profundamente”19. Este jornal distribuiu um suplemento no qual, reafirmando os seus responsáveis a qualidade de monárquicos, pedia o restabelecimento da “normalidade do regímen constitucional e

representativo que nossos antepassados à custa de tantos sacrifícios e de tantas vidas conseguiram implantar no paiz”20.

Contudo, as primeiras impressões populares sobre o casal real depressa se esvaíram, já com o cortejo a sair do largo fronteiro à estação. “O cortejo era aberto por um pelotão de cavallaria nº 8 , em

guarda avançada , seguindo-se muitas carruagens com auctoridades convidadas e representantes da Assistência. A seguir a carruagem real, ladeada à esquerda pelo general de divisão sr. Almeida Pinheiro e à direita pelo comandante da 4ª brigada de infanteria, sr. João Chrysostomo P. Franco, officiaes do quartel general de divisão, quartel general de brigada e estado-maior de infanteria 12”21.

A comitiva do Rei e da Rainha integrava D. António de Lencastre, a Condessa de Figueiró, o Conde de S. Lourenço e Figueiró, o Ministro das Obras Públicas e o Chefe de Gabinete, Dr. Alexandre Vilhena, o Conde de Sabugosa, o Coronel D. António de Noronha, o Tenente coronel José Lobo de Vasconcelos, o Dr. Ricardo - Jornal do Povo, 22 de Maio de 1907. Noutra local do mesmo texto aquele periódico referenciava que “a Guarda, liberal por educação, por índole e convicções, chegou até, nos primeiros momentos, a querer receber hostilmente o Senhor D. Carlos. Isso, porém, não podia ser, não devia ser: opunham-se os seus sentimentos de fidalga, as suas tradições de hospitaleira e generosa, as profundas sympathias que a todos merece Sua Magestade a Rainha D. Amelia, que tanta gente compara à santa esposa de D. Dinis. Desistiu-se, pois, de qualquer manifestação de desagrado e de protesto pela marcha desgraçada e deprimente que o governo imprime aos negócios do paiz, e toda a gente foi d’opinião que não era esta a occasião opportuna para se manifestar o nosso patriótico sentir. Todavia, por um sentimento espontâneo, sem ter obedecido a combinações, sem ninguém n’isso estar interessado, as coisas correram de maneira que El-Rei, que é intelligente, bem havia de observar a differença manifesta como se aclamava Sua Esposa, o enthusiasmo como era recebida (...)”. 20 - Ver a mesma edição do Jornal do Povo. 21 - Cf. Jornal do Povo, 22 de Maio de 1907. 19


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Jorge, o Dr. Curry Cabral, Dr. Aníbal Bettencourt, Dr. José Almeida, Dr. Carvalho Monteiro, Dr. Ayres Kopck, Dr. Henry Mouton, Dr. Costa Alemão, Dr. Guilherme Jones, Dr. João Ulrich, o Dr. Francisco Ceia, o Dr. Henry Mouton e o Dr. Oliveira Soares.

4. ACOLHIMENTO FESTIVO Cerca das 11 horas, o cortejo, com “algumas dezenas de carruagens, alguns cavaleiros civis e automóveis”22, chegou à cidade. A entrada “foi verdadeiramente imponente. Ouve-se, por meio do estralejar dos foguetes, o repicar dos sinos e o som abafado das bandas regimentaes e philarmonicas e alarido do povo. Das janellas, coalhadas de senhoras e meninas, arremessavam molhadas de flores sobre a Rainha”23.

Depois de subir a Rua D. Luís I (actual Rua 31 de Janeiro), dirigiu-se à Igreja da Misericórdia, onde se aglomerava um elevado número de pessoas24; aí perfilava-se “um batalhão de infantaria 12, sob o comando do sr. major Estrella”, para a guarda de honra. “Todo o largo da Misericórdia está ocupado por visitantes que

querem presencear a chegada, estendendo-se pelas ruas que vêm dar ao largo. Os lados das ruas que da Misericórdia conduzem ao Sanatório estão também já ocupadas e não ha espaço para tão extraordinário concurso de gente”25. A descrição do quadro humano que emoldurava a zona envolvente da Igreja é um registo comum à imprensa citadina, da época.

“ (...) O cortejo chega em frente da Misericórdia. Os convidados apeiam-se. O sr. Alfredo d’Andrade anda n’uma fona para facilitar o transito. Aproxima-se o sr. Arcebispo-Bispo que vem n’um carro coberto. Distingue-se apenas pela janella uma orlasinha sanguínea da veste. Uma mulhersinha inclina-se para - Cf. Notícias da Guarda, 23 de Maio de 1907. - Cf. Jornal do Povo, 22 de Maio. 24 - “Também aguardavam neste recinto a vinda de Suas Majestades a srª Condessa das Álcaçovas e filha, que lhes apresentaram cumprimentos e se incorporaram na comitiva real”. Cf. Distritcto da Guarda, 26 de Maio de 1907. 25 - Cf. Notícias da Guarda, 23 de Maio de 1907. 22 23


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dentro e murmura boquiaberta – ai que linda que vem! – Pensava que era a Rainha! Chegaram finalmente os soberanos. Apeiam-se e seguem pela estreita coxia aberta em meio do povo. À porta estão os estudantes em duas alas, dum lado os estudantes do lyceu, do outro lado os seminaristas do Mondego. Ao aproximarem-se as Majestades estendem as capas no chão para ellas passarem. Ao mesmo tempo que applaudem freneticamente dando vivas a sua majestade El-Rei e a sua majestade a Rainha, que são muito correspondidos”26. No exterior da Igreja da Misericórdia o Arcebispo-Bispo e os elementos do Cabido diocesano recebem D. Carlos e D. Amélia. “À

porta do templo o sr. arcebispo-bispo aguardava suas Magestadas, que, depois de oscularem o crucifixo que lhes apresentou o ilustre prellado, encaminharam-se, dando-lhes passagem debaixo o pallio, para o altar-môr”, descreveu o Jornal do Povo, na sua edição de 22 de Maio de 1907. “Feitas as cerimonias do ritual, dão Suas Majestades entrada no

templo sob o palio, a cujas varas pegavam os chefes das repartições districtaes e reitores dos estabelecimentos de ensino; e tomando lugar ao lado da epístola, em duas magníficas cadeiras e sob um espaldar encimado pela coroa real e tendo ao fundo uma riquíssima colcha, deuse começo ao Te Deum a grande instrumental, cantando no coro, com muita correcção, além doutros, os srs. padre Viegas, reitor de Ceia e conhecido orador sagrado, e Manuel António Affonso, escrivão de Fazenda em Fornos d’Algodres. Oficiou o sr. Arcebispo-Bispo”, escreveu, por seu turno o Districto da Guarda27. No exterior da Igreja “os sinos continuavam repicando alegremente e os foguetes e vivas estrugiam nos ares”28. Após a saída da Igreja da Misericórdia, pouco antes do meiodia, prosseguiu o entusiasmo e envolvimento popular nesta visita dos Reis à Guarda; no percurso até ao Sanatório, e depois da passagem por “mais dois arcos triumphaes”29, as saudações e as interjeições de alegria foram constantes.

- Cf. A Guarda, 26 de Maio, “Impressões de um forasteiro”. - Cf. Districto da Guarda, 26 de Maio de 1907. 28 - Cf- Jornal do Povo, 22 de Maio de 1907. 29 - Idem 26 27


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“À porta do Sanatorio fazia a guarda d’honra uma força de infantaria 12 com a respectiva banda e em frente ao pavilhão nº2 a corporação dos Bombeiros Voluntários que se apresentou com o seu novo uniforme”, relatou o Districto da Guarda30. A “luzente cerimonia”31 inaugural estava marcada para a galeria inferior do Pavilhão nº 2 (a que viria a ser atribuído o nome de D. António de Lencastre) que se encontrava, assim como a avenidas e artérias laterais, “bellamente ornamentadas com tropheus de bandeiras,

festões de verdura e emblemas da Assistência Nacional. A meio, duas cadeiras em estrado alto onde tomaram logar Suas Majestades, junto e á direita o busto do eminente clínico Sousa Martins, e dum e outro lado cadeiras para a numerossima e distincta concorrencia convidada pela Assistência”32 para o aguardado acto.

A decoração do Sanatório foi orientada por Pinho e Costa, “inteligente guarda-livros”33, e considerada de “muito bom gosto,

compondo-se de festões de hera e buxo, a dupla cruz vermelha, emblema dos sanatórios (...). Recordando Sousa Martins, as duas letras iniciaes d’este nome feitas com malmequeres brancos e aplicados à grade da galeria”34. “Se

neste momento o effeito da galeria era surpreehendente pela confusão dos uniformes e toiletes das damas num péle-méle graciosíssimo, o espectáculo que se offerecia aos olhos dos convidados em nada lhe ficava inferior, pois na frente, alem da concorrência enorme, via-se o elegante amphitheatro donde as creanças das escolas, que formavam o orpheon em numero superior a 200, assistiam às festas, e sobretudo parte do largo, bello amplissimo horizonte da Guarda limitado ao longe, muito ao longe pela serra”35. Um outro olhar, com cambiantes próprios, é-nos dado pelo relato feito noutro dos jornais da Guarda.

- Cf. edição de 26 de Maio de 1907. - Como a classificava o Districto da Guarda. 32 - Cf. Districto da Guarda, 26 de Maio de 1907. 33 - Cf. Jornal do Povo, 22 de Maio de 1907. 34 - Idem 35 - Cf. Districto da Guarda, 26 de Maio de 1907. 30 31


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“Entramos no parque. Está repleto de gente. Nas

eminências há grupos de camponeses disfructando o espectáculo. A galeria destinada à cerimónia de inauguração regorgita de senhoras. Que espectáculo Santo Deus! Que variedade! Rostos alvos de neve emmoldurados de ébano, faces rosadas nimbadas de ouro, perfis morenos em quadrados de azeviche. Cutis assetinadas, olhos de velludo, e tudo isto iluminado por um sol triumphador esplêndido, verdadeiramente régio”36. Antes da cerimónia, a Filarmónica da Bendada executou o Hino da Carta, com “grande estrondo na pancadaria e fífias nos clarinetes”37.

5. O ACTO INAUGURAL DO SANATÓRIO O jornal A Guarda, num texto intitulado “A inauguração do Sanatório Souza Martins – impressões d’um forasteiro”38 relatou que D. Antonio Lencastre começou por ler “o seu relatório. Não se ouve quasi nada. Só se sabe que cita Hipocrates e elogia Souza Martins. O discurso tem todo o ar d’um relatório. Vê-se que está escrito à machina em quatro folhas de papel branco. Ha numeros à mistura (...) Vem depois Lopo de Carvalho, cuja voz também sumida não nos deixa ouvir bem todo o seu discurso”, descreve o articulista no texto em referência. Por seu turno, o Jornal do Povo noticiou que o “secretario geral da Assistencia alargou-se em considerações para demonstrar que na questão da tuberculose ha dois elementos a ponderar: bacillo e meio social, semente e terreno. Fez ver as vantagens dos sanatórios, apontando notas estatísticas colhidas por Gebhard nos diferentes sanatórios allemães, no anno de 1899-1900. Concluiu fazendo um agradecimento a todos os que cooperaram no sanatorio que estava sendo inaugurado”39. O Dr. Lopo de Carvalho, após saudar a Rainha D. Amélia e evidenciar o papel da Assistência Nacional aos Tuberculosos, salientou que “é longo e árido o caminho a percorrer; o problema quanto mais se - Cf. A Guarda, 26 de Maio, “Impressões de um forasteiro”. - Cf. A Guarda, 26 de Maio, “Impressões de um forasteiro”. 38 - Edição de 26 de Maio de 1907. 39 - Jornal do Povo, 22 de Maio de 1907, nº 217. 36 37


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estuda e medita tanto mais complexo se nos apresenta, apesar do aperfeiçoamento progressivo dos nossos methodos de analyse e processos de investigação. Parece que por um acordo tácito de todos, nós, os médicos, desfeita a ultima ilusão therapeutica, nos voltamos para esta nova sciencia que se chama hygiene, na esperança de que ella dê a solução pedida, robustecendo a raça, impedindo a propagação do gérmen e curando o doente. E, sob este tríplice ponto de vista, e ainda no momento actual é o sanatorio que melhor realisa este desiderato. Seja qual for o futuro que os desideratos scientificos assignalem ao problema, o sanatorio ficará sempre triumphante, como uma grande escola de effeitos práticos, immediatos e de verdadeira educação hygienica de que tanto carece o nosso povo. É ahi onde serenamente Bremher pode e deve ser applicado: é ahi onde o doente apprende a executar conscientemente as regras praticas da hygiene: é lá de lá que o tuberculoso sae frequentemente curado, e cada doente que cura é também um mestre e um apostolo da propaganda hygienica, pois onde falhou o medico e o medicamento elle viu triumphar a natureza e a hygiene, que lhe cicatrizaram as lesões profundas dos seus pulmões, rejuvenescendo para a vida e para o trabalho pelo simples poder do ar puro que respirou, da luz do sol que o illuminou e da alimentação e do repouso physico e moral que o sanatório lhe deu”40. O Director do Sanatório da Guarda acrescentou, no decorrer da sua intervenção, que ao pensar nas responsabilidades assumidas “concorrendo no que pude para a realisação d’esta grandiosa obra,

certo e convencido dos resultados benéficos que d’ella advirão, parece-nos sentir serenar a minha consciência com a evocação do nome do saudoso medico que foi sempre um bom e um justo, cujo espírito superior não nos abandonará, orientando-nos e illuminando-nos nos trabalhos a realisar e na nossa missão a cumprir”41. Seguiu-se, na série de discursos, o Arcebisbo-Bispo da Guarda, D. Manuel Vieira de Matos. “A voz é forte e bem timbrada. No

meio da grazinada do povo ouve-se distinctamente fallar na sympathia com que a Guarda tem sempre acolhido aquelles que vêem retemperar a saude com o ar puro das suas eminencias”42.

40 41 42

- Cf. Jornal do Povo, 22 de Maio de 1907. - Idem. - Cf. A Guarda, 26 de Maio, “Impressões de um forasteiro”.


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“ (...) A vetusta cidade da Guarda exulta, e com razão, não só pela honra de receber a visita dos Soberanos de Portugal, mas também por ver surgir, não longe do seu centro, esta obra grandiosa do Sanatório para tuberculosos. Se a caridade nacional, arrebatada pelo exemplo subjugador de Sua Majestade a Rainha D. Amélia, tem contribuído generosamente com subsídios pecuniários para esta obra de Assistência – a Guarda já havia precedido esses subsídios, oferecendo a todos os doentes a pureza dos seus ares e o carinho dos seus habitantes. Era pouco? Talvez. Mas era dado generosamente. A generosidade da Guarda evidencia-se pelo acolhimento que recebiam aqui, já antes de se criar o Sanatório, os desditosos atingidos pelo terrível morbo. E a Guarda recebia-os magnânima, descuidosa do perigo, e prodigalizava a todos quantos aqui vinham restaurar os pulmões o ar puro e vivificante das suas eminências. E agora, concluída a obra do Sanatório, a Guarda sente-se altiva e ufana por ter podido colaborar, na santa cruzada, com Sua Majestade a Rainha, e com quantos espíritos benfazejos a secundam na campanha humanitária contra a tuberculose. Este dia, Majestade, ficará memorável nos fastos desta benemérita cidade, pois parece que com este Sanatório se completa uma trilogia sublime de monumentos em que está simbolizado tudo quanto faz grande um povo. Aquela catedral, jóia arquitectónica de altíssimo valor, é um testemunho histórico que ali está simbolizando o primeiro sentimento que tornou grande os portugueses – a fé! Aquele velho castelo, posto aqui às portas de Hespanha, sentinela arrogante das forças nacionais, é um padrão que o tempo tem poupado para transmitir às gerações futuras esse outro sentimento que faz grande os portugueses – o patriotismo. Este Sanatório, que hoje abre os seus edifícios como refúgio contra uma das maiores calamidades do género humano, surge agora também nas páginas da


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história egitaniense para revelar aos vindouros quanto é grande nos portugueses – a caridade! A trilogia monumental fica hoje completa. Dora em diante o caminheiro que passar ao longe, fitando as alturas da Guarda, contemplará três monumentos que são como três cantos da epopeia nacional – a catedral, o castelo, o sanatório – o amor de Deus, o amor da pátria, o amor dos homens. Bem hajam Vossas Majestades que vieram selar com sua régia presença o complemento deste último canto. Bem haja, especialmente, Sua Majestade a Rainha, que, como que renovando os prodígios da nossa Rainha Santa, transforma, não oiro em rosas, mas as penhas destas alturas num albergue do infortúnio, num jardim onde florescem para a vida tantas existências fenecidas antes do tempo. O nome de Sua Majestade ficará indelevelmente gravado nos fastos da cidade da Guarda. Seja-me permitido, ao terminar, não esquecer, entre aqueles que mais dedicadamente se têm votado a esta empresa, o ilustríssimo clínico Sr. Dr. Lopo de Carvalho, infatigável auxiliar da Assistência Nacional. A Guarda, que tanto lhe deve, saberá consagrar-lhe eterno reconhecimento. Cumprido este dever, só me resta implorar do Altíssimo a bênção para este Sanatório, porque é Ele o dispensador supremo das graças e sem Ele vãos seriam os esforços da ciência dos homens (...)”43. Do acto inaugural foi lavrado e lido o respectivo auto, por Guilherme Jones, segundo-secretário do Conselho Central da Assistência Nacional aos Tuberculosos

“Aos dezoito dias do mês de Maio de mil novecentos e sete, num dos edifícios recentemente construídos no reduto da antiga Quinta do Chafariz, situada à beira da estrada número cinquenta e cinco, nos subúrbios da cidade da Guarda, estando presentes Sua Majestade a 43 - Ver Ladislau Patrício, “O Sanatório Sousa Martins na Guarda (Memórias)”, in “A Medicina Contemporânea – Jornal Português de Ciências Médicas”, Lisboa, Ano LXXX, nº 10, Outubro 1962, pp.393399.


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Rainha Senhora Dona Amélia, bem como os funcionários abaixo assinados, procedeu-se à solenidade da abertura da primeira parte dos edifícios do Sanatório Sousa Martins e da inauguração deste estabelecimento da Assistência Nacional aos Tuberculosos, fundada e presidida pela mesma Augusta Senhora. Neste acto, Sua Majestade a Rainha, em nome da dita Associação, fez saber às pessoas ali reunidas que desde então ficavam abertos três pavilhões, cada um com vinte e oito leitos para o tratamento de tuberculosos curáveis, um para doentes de mais posses, outro para os remediados e outro para pobres, o hospital para doenças intercorrentes, com capacidade para doze leitos, o pavilhão dos serviços gerais, a abegoaria, a casa destinada à desinfecção e à lavandaria, e seis habitações reunidas duas a duas, em três chalés, cada uma destinada a ser alugada a uma família abastada, constituindo todos estes edifícios a primeira parte do Sanatório Sousa Martins, inaugurado na mesma data. Para perpetuar a memória deste acontecimento, foi redigido o presente auto, por mim, Guilherme Maria da Silva Jones, segundo-secretário do Conselho Central da Assistência Nacional aos Tuberculosos, que o subscrevo, depois de o haver lido perante as pessoas presentes e de por elas ter sido assinado, do que dou fé”44. Concluída a leitura deste auto, e após se ter procedido à respectiva assinatura, a Rainha D. Amélia entregou ao Dr. Lopo de Carvalho as insígnias da Comenda de Ordem de Santiago, com que “

Sua Majestade El-Rei se dignara agracia-lo, deferência que foi muito bem recebida pela opinião pública”, como noticiou a imprensa local45. “Fronteiro a este logar da inauguração achavam-se as creanças, cerca de 350, que formavam o orpheon em amphiteatro(...)”46.

- Auto da inauguração, citado por Ladislau Patrício em “O Sanatório Sousa Martins na Guarda (Memórias)”, trabalho publicado em separata de A Medicina Contemporânea, Jornal Português de Ciências Médicas, fundado por Manuel Bento de Sousa, Miguel Bombarda e Sousa Martins. Cf. edição de Outubro de 1962, Ano LXXX, nº 10, Lisboa. 45 - Cf. jornal Disctricto da Guarda, 26 de Maio de 1907. 46 - Cf. Notícias da Guarda, 23 de Maio de 1907, nº 38, p. 1. A música do hino foi oferecida por António Romano à Rainha D. Amélia; também 44


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Os monarcas portugueses, após alguns minutos de recolhimento, receberam, em seguida, diversas personalidades, que eram apresentadas pelo Governador Civil. No decorrer desta recepção real, que se estendeu por quarenta minutos, “o sr. tenente-coronel

Lobo de Vasconcellos apresentou a El-Rei uma rapariga da freguesia da Faia, daquelle concelho, que em tempos salvou de um incêndio, com risco da propria vida, uma creança, saltando pela janella da casa incendiada. El-Rei concedeu-lhe a medalha de salvação”47. “No fim da recepção, e precedendo autorisação d’El-Rei, apresentou o Dr. Mendes dos Santos ao Monarcha”48 um pedido

(relativo à conclusão das obras da Sé Catedral da Guarda) da imprensa local49. Este documento era subscrito por Alberto da Silva pela redacção do Jornal do Povo; por José Augusto de Castro, representando o jornal Combate; por Joaquim Diniz da Fonseca, em nome do jornal Abelha; por José de Almeida, pelo Notícias da Guarda; por Joaquim Augusto Quintella, pelo jornal A Setta, por Manuel Mendes da Conceição Santos, em representação do semanário A Guarda e por Francisco dos Prazeres, pelo jornal Districto da Guarda.

Ao apresentar a Vossa Magestade a nossa respeitosa saudação de boas vindas, pedimos licença para formular ao mesmo tempo um pedido que traduz o sentir de quantos se interessam pelo bom nome d’esta fidalga cidade. Ousamos implorar a protecção de Vossa Magestade para um monumento de inestimável valor, que constitue o orgulho não só da Guarda, mas de toda a nação portuguesa. Joia primorosa de architectura nacional, a Sé Cathedral egitaniense, alcandorada n’estas eminencias alpestres, é como vedeta silenciosa que do alto vela pela pátria amada. O extrangeiro que ao entrar no nosso paiz avista de longe os seus corucheus e as suas rendilhadas ameias, comprehende logo que está n’uma terra onde a arte não é extranha e onde sabe cultivar o bello. Bernardo de Jesus, mestre da banda de Infantaria 23 ofereceu o original de uma marcha da sua autoria, “dentro de uma linda e artística pasta”. 47 - Cf. Jornal Districto da Guarda, 26 de Maio de 1907. 48 - Cf. Notícias da Guarda, 23 de Maio de 1907. 49 - Fizeram esta entrega os Drs Mendes dos Santos, Diniz da Fonseca, José de Almeida e Júlio Ribeiro.


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E esse monumento, Senhor, que concretiza o esforço de tantas gerações e que representa as grandezas de um passado que tanto nos envaidece, ameaça ruína. Será fadário nosso deixar morrer tudo o que de grande nos legaram nossos maiores? Esses alem de um nome glorioso, cujo brilho os seculos não logram offuscar, legaram-nos tambem obras em que, por assim dizer, encarnaram o seu espírito e que, mais fortes que o bronze, deviam transmittir às gerações vindouras a memoria dos seus emprehendimentos e o testemunho das suas convicções. E nós estaremos destinados a legar ás gerações que nos succederem apenas ruínas dispersas? (...) Senhor, ao alto espírito de Vossa Magestade não pode ser indifferente o culto do bello e a conservação dos padrões nacionais, pois um povo que não sabe conservar os seus monumentos é um povo condemnado a morrer, e os escombros que amontoa serão a sua própria sepultura. Como representantes da Imprensa da Guarda, vimos respeitosamente implorar o alto patrocínio de Vossa Majestade para que às obras da nossa cathedral seja arbitrada uma dotação condigna. Nas suas ogivas e nos seus artezoados, nos seus rendilhados e as suas volutas nós vemos representado o estylo da Batalha e de Belém, o poema da nossa independência e o da nossa epopeia marítima, as duas notas mais puras da nossa fé e do nosso patriotismo. E deixar morrer um monumento que assim concretiza a vida nacional seria um crime de lesa Pátria. Ao patriotismo e ao sentimento artístico de Vossa Majestade esperamos dever a conservação de tão valiosa pérola (...)”50. De acordo com o relato da imprensa local, o Rei terá afirmado que iria recomendar ao seu Governo “esta petição, que é de toda a justiça”51. Terminada a recepção dada pelos Reis, “o orpheon infantil,

composto d’umas 350 creanças, entoa um hymno dedicado a Sua 50 51

- Cf. Jornal A Guarda, 26 de Maio de 1907. - Cf. Jornal A Guarda, 26 de Maio de 1907.


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Magestade a Rainha. Lettra do sr Júlio Ribeiro, música do sr. António Romano”52, mestre da banda de Infantaria 12. Este hino, como anotou o Notícias da Guarda, “produziu um bellisimo efeito e eram geraes os louvores ao Sr. Romano”53. Depois de uma visita a alguns dos Pavilhões do Sanatório, teve lugar o almoço.

6. O HOSPITAL DA MISERICÓRDIA Cerca das 15 horas, o Rei D. Carlos e a Rainha D. Amélia foram inaugurar o novo edifício do Hospital da Misericórdia da Guarda, na actual rua Dr. Francisco dos Prazeres. “Dando a direita ao portão da entrada estava postado um

batalhão de infantaria para prestar as honras militares. Dentro, como no Sanatório, e dando a direita à entrada da casa da administração, a corporação dos Bombeiros Voluntários. Suas Majestades foram ahi recebidas pelo sr. Provedor, mezarios, irmãos, auctoridades, estudantes e grande quantidade de populares que nunca deixaram de saudar calorosamente suas Majestades El Rei, Sua Majestade a Rainha e a Família Real Portugueza”54. Em seguida, e já na capela da nova unidade hospitalar, teve lugar a cerimónia da bênção do edifício, pelo Arcebispo-Bispo da Guarda, “seguindo os monarcas para a enfermaria dos homens onde o

sr. Provedor na presença de numerosa assistencia leu um bem elaborado relatório sobre a construcção das obras do novo hospital”55 e

dirigiu algumas palavras de circunstância. Um texto que o Jornal do Povo considerou como “longo e fastidioso relatório do Sr. Padre Prazeres”56; julgamos, contudo, ser oportuna a sua transcrição, para conhecimento dos leitores.

- Cf. “A Inauguração do Sanatorio Souza Martins (Impressões d’um forasteiro)”, Jornal A Guarda, 26 de Maio de 1907 53 - Cf. Notícias da Guarda, 23 de Maio de 1907, nº 38, Ano I. 54 - Cf. Districto da Guarda, 26 de Maio de 1907. 55 - Cf. Districto da Guarda, 26 de Maio de 1907. 56 - Cf. edição de 22 de Maio de 2007, nº 217. O jornal dizia que esse relatório era “mais próprio para uma assembleia geral do que para aquella ocasião”. Não se esqueçam as assumidas divergências entre os responsáveis deste jornal e o Provedor da Misericórdia. 52


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“É com os mais vivos afectos de consideração e alto apreço que em nome da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia desta cidade, apresento a Vossas Majestades os sinceros agradecimentos desta corporação pela elevadíssima honra que lhe é assim dispensada na Regia Presidência que se dignaram tomar no acto solemne da inauguração do seu novo hospital. Nunca imaginou esta corporação que a sua obra mereceria tão alto conceito dos mais elevados Representantes da nossa querida Pátria. Foi grandiosa a ideia que presidiu a toda esta obra, porque representava um acto da mais acrisolada caridade para com os desvalidos da sorte nas longas horas das suas attribuladas doenças. Foi grande o arrojo de, como poucos meios effectivos, emprehender obra tão custosa, fiando-se a Irmandade na dedicação dos irmãos e na caridade pública que é fonte inexgotavel. Foi grandiosa a sua persistência na coragem que em eleições annuaes ia confirmando à sua Meza administradora para levar a cabo tão importante melhoramento. É grandiossissima hoje a inauguração do novo hospital; nada mais se pode desejar. A presença de tantos forasteiros, as bênçãos de tantos corações bem formados que em suave murmúrio se evolam de todos os lábios, a brilhantíssima assistencia de tão qualificadas personalidades, e tudo isto presidido por Vossas Majestades, que como representantes da Pátria, veem a uma das suas mais pequenas cidades consagrar esta inauguração com o que ha mais de Augusto, de mais digno de consideração e respeito, e tudo o que mais se vê e tudo o que mais que se sente no mysterio dos nossos corações, e se avoluma nas mysticas divagações da nossa imaginação, dá ao acto a que assistimos uma grandiosidade que a minha rude palavra não sabre exprimir, mas que a minha alma e a de todos nós sabe devidamente comprehender”57.

57

- Cf. Districto da Guarda, 26 de Maio de 1907.


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O Dr. Francisco dos Prazeres aludiu, depois, à forma como evoluiu o processo inerente à construção do novo Hospital da Misericórdia da Guarda. “Em assembleia geral de 9 de fevereiro de 1896

resolveu a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia a construcção dum hospital em devidas condições, ha muito reclamado pelos seus illustres clínicos. Regulando os fundos da Santa Casa apenas por 80 contos de réis, cujos rendimentos sustentavam o seu velho hospital, davam para dotes de casamentos, esmolas avulsas e para o culto da sua Egreja, pouco podia retirar desse minguado fundo para fazer o desejado hospital. Por isso votou para tal apenas 10 contos de réis do seu capital. O muito mais que seria preciso, confiou que lhe viria de economias que lhe fosse possível fazer, do augmento de 1% nos juros dos capitães mutuados emquanto durasse a construção e do que lhe devia fornecer em subscripções, esmolas de dinheiro, materiaes e serviços a Santa Caridade, essa fonte inexgotavel de recursos aberta nos corações da humanidade pelos ensinamentos divinos do Bom Jesus da Galileia. À Meza eleita para este grande emprehendimento ainda não faltou um momento a coragem com que o iniciou. Em 15 d’Agosto de 1901, em acto solemne a que presidiu o saudossisimo Prelado desta diocese, o ex.mo D. Thomaz Gomes d’Almeida, assentou-se a primeira pedra deste hospital, cuja traça é devida a uma das nossas maiores glorias medicas, ao dr. António Augusto de Castro Simões, a quem faltou a vida antes de ver realisado mais este seu plano de hospital. Era então este local um a encosta árida e desolada, como os terrenos visinhos, que a vereação municipal pozera à disposição da irmandade. Hoje é o que se vê, tal qual é, sem atavios para ser melhor comprehendida; na superfície circuitada dos terrenos do novo hospital ha três pavilhões construídos, faltando as suas ligações por meio de galerias que só carecem de cobertura; ha construída uma casa de autopsias; em construção um pavilhão para moléstias infecciosas à custa dum donativo feito


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pelo governo à cama municipal desta cidade, só para tal fim. No seu sub-solo e a pouca profundidade fez-nos encontrar a Providencia importantes veias d’água magnifica que dão de sobra para as necessidades hospitalares. A tudo isto gastou-se até hoje a importante somma de 28:257$559 réis paga em dinheiro de contado. A divida de materiaes e serviços que ainda não houve opportunidade de pagar orça por 200$000 réis. Dos 10 contos de réis auctorizados a retirar do seu fundo saíram apenas só 8:459$112 rs. O mais saiu das economias que foi possível fazer, do augmento de 1% pedidos aos prestamistas, e dessa tal fonte inexgotavel da caridade que aqui se tem manifestado nas formas mais captivantes. Além das subscripções em dinheiro, de que este livro é eloquente e precioso registo, seja-me permitido mencionar a desinteressadíssima e auctorizada coadjuvação, principalmente, do sábio higienista e clínico da Santa Casa o sr. dr. Lopo de Carvalho, tanto no incitamento a esta empreza como no seu conselho durante a execução, além da verba importante que ali figura; a assídua e quasi gratuita fiscalisação technica feita tão competentemente pelo sr. Clemente José Gomes, habilíssimo conductor d’obras publicas. Um benemérito investigador de antiguidades da Guarda resolveu-se a prosseguir os seu trabalhos, a colligir os seus preciosos apontamentos e a redigir e publicar um livro, cujo producto offereceu generosamente para as obras do novo hospital. Refirome ao apreciadíssimo livro do sr. dr. José Osório da Gama e Castro – Diocese e Districto da Guarda – que está ornamentando esta meza. O mobiliário para as vinte e quatro camas das enfermarias deste pavilhão d’homens é offerta dum benemérito irmão, membro da Meza constructora, antes de mudar a sua residência para Lisboa, que também figura neste livro com um donativo importantíssimo em dinheiro. Foi ainda este mesmo benemérito o sr. dr. Bernardo Xavier Freire que promoveu entre os seus patrícios residentes em Lisboa


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o offerecimento do magnifico fogão que se vê na cosinha do hospital58. Outro irmão, o sr. Leopoldo António Rebello, offereceu ha pouco uma meza d’operações e uma cadeira para curativos. Uma ilustre senhora representante duma família nobre oriunda desta cidade, a ex.ma sr.ª D. Maria do Carmo Osório Cabral, residente na Quinta das Lágrimas, em Coimbra, além duma esmola annual de mais de cem mil réis, offereceu a artística talha com que se confeccionou o altar da nossa pequenina capella de Nossa Senhora das Misericórdias. Os lavradores desta região gratuitamente fizeram quasi toda a condução de materiaes, etc., etc. Foi assim que sem maior gravame para os fundos da Irmandade se conseguiu o que ahi está, e em breve conta ella instalar aqui os seus pobres doentes.”

7. VISITA À CATEDRAL E PARTIDA DA GUARDA Após a inauguração e visita ao novo Hospital, D. Carlos e D. Amélia dirigiram-se para a Sé Catedral, rodeados do entusiasmo do “bom povo que pejava as ruas de transito”59. A imprensa local relatou que “com difficuldade se poude entrar na Sé, tal era o ajuntamento de pessoas que se estendiam” por toda a praça60. 58 - “O fogão é uma peça magnífica de trabalho technico e artistico perfeitíssimo, basta dizer que este fogão foi feito de propósito pela Fabrica Portugal a mais acreditada do género em Lisboa, para figurar, como figurou, numa exposição. Certa difficuldade que o constructor tinha em colocar um fogão d’aquelle tamanho, foi hábillmente aproveitada pelo sr. dr. Bernardo Xavier em favor da Santa Casa, levando-o a abater-lhe muito o seu valor real pela consideração também do que era oferecido por subscrição para uma instituição de caridade. Luctando a mesa da Santa Casa com certa difficuldade para pagar os transportes de Lisboa à Guarda, pois não tinha em orçamento verba para isso, foi ainda a caridade duma illustre bemfeitora de fóra da terra, mas que aqui tem antigas raízes, quem resolveu as difficuldades offerecendo a quantia precisa que se eleva à importância de 36$080 réis. O fogão foi transportado gratuitamente pelo Sr. António Pinto da estação para o novo hospital (...)”. Cf. Disctrito da Guarda, 16 de Setembro de 1906. 59 - Cf. Districto da Guarda, 26 de Maio de 1907. 60 - Cf. Notícias da Guarda, 23 de Maio de 1907, nº 38, p. 2. O Jornal do Povo aludia, a propósito, que prevaleciam as aclamações à Rainha e os “vivas à Carta Constitucional e aos reis constitucionais”. Cf. edição de 22 de Maio de 1907.


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“As Majestades visitaram o grandioso monumento, observandoo tanto na parte interna como na externa, pedido informações ao R.mo Arcebispo. Entrando pela porta lateral sahiram pela principal, demorando-se a observar a frente d’esta entrada e o lado sul já restaurado. Seguiram depois para a carruagem; e quando desciam a escada e as aclamações dos muitos milhares de pessoas que estavam na praça secundavam os vivas que o Arcebispo e outras pessoas levantaram, o effeito foi verdadeiramente novo e surprehendente”61. O Jornal do Povo noticiou que “Suas Majestades ficaram agradavelmente impressionados com a belleza da nossa Sé, um dos mais bellos monumentos nacionaes, e El-Rei prometteu recommendar ao governo uma representação que lhe foi entregue pelo sr. dr. Mendes dos Santos, em nome da Imprensa local, pedindo para que as obras de reconstrução da velha Sé fossem abreviadas e os trabalhos melhor dirigidos”62. Na Rua D. Luís I (actual Rua 31 de Janeiro), e já no regresso à estação, o casal real continuou a merecer manifestações de agrado por parte da população guardense, “recebendo mais flores e bouquets e saudações das pessoas que estavam às janellas”63.

“ 4 e 25 – Despedida na estação. Suas Magestades no estribo da carruagem, agradecem, sorrindo, as ultimas aclamações. Sua Magestade a Rainha dirige palavras amáveis ao sr. arcebispo, ao sr. dr. Lopo, sr. Costa Allemão, aos officiaes, ao sr. governador civil e a todos os que d’ella se aproximam. Um sujeito exclama, enternecido: - Não me canso de a ver... 4 e 48 – O chefe dá o signal de partida, sibila a machina e o comboio põe-se em movimento. Ergueu-se o clamor dos que ficam, renovam-se os adeuses dos que partem. E é como uma certa saudade que vemos a ultima carruagem perder-se de vista na curva do pharol”64.

- Cf. Notícias da Guarda, 23 de Maio de 1907, p. 2. - Cf. Jornal do Povo, 22 de Maio de 1907. 63 - Cf. Notícias da Guarda, 23 de Maio de 1907, p. 2. 64 - Cf. “A Inauguração do Sanatorio Souza Martins - Impressões d’um forasteiro”, Jornal A Guarda, 26 de Maio de 1907. 61 62


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8. CONCLUSÃO O dia 18 de Maio de 1907 constitui uma das mais imponentes jornadas festivas da Guarda, marcada por um expressivo envolvimento colectivo que importa reter. “À franca hospitalidade da cidade da Guarda, unanimemente

reconhecida por todos quantos a conhecem, veio, por ocasião da visita de Suas Majestades, juntar-se a sua gratidão pelos melhoramentos que, sob a protecção e vigilância da Rainha a Senhora D. Amelia, se fizeram junto à cidade, a dar a impressão dum novo bairro, que alargando-lhe a área com as edificações pertencentes ao Sanatório Sousa Martins, lhe dá um aspecto também de saber actuar e reagir contra todos os interesses da rotina, acompanhando e defendendo todos os progressos dignos desse nome. Destes dois factores resultou naturalmente o brilhantismo que as festas alcançaram o qual se manifestou no êxito da subscrição pública para as ornamentações, no bom gosto e belleza destas, na extraordinaria concorrencia, nas flôres, nas colgaduras, nos vivas a Suas Majestades, deixando o conjunto uma lembrança que não se esquece facilmente e que muito grata devia ter sido ao coração do Sr. D. Carlos e de sua Augusta Esposa, e de facto o foi (...). Para que nada faltasse ao luzimento e esplendor das festas, até o sol, que parecia querer esquivar-se, nesse dia se mostrou radiante de luz e de formosura, como querendo associar-se ao enthusiasmo popular pelos Augustos Visitantes (...)”65. A hospitalidade guardense cativou, de facto, os soberanos portugueses que, logo no dia seguinte, agradeceram – através de telegrama – a a recepção que lhe foi feita na Guarda. “Necessidades, 19 – 11h16m. Manhã. Presidente câmara municipal. Guarda. A si, à Câmara Municipal e à cidade da Guarda os nossos agradecimentos da inolvidável recepção de hontem. Amelia”66. “Necessidades, 19 – 2h40m. Tarde. Urgente. Presidente câmara municipal. Guarda. Mais uma vez peço para em meu nome e da Rainha agradecer à laboriosa população 65 - Cf. o Distritcto da Guarda, 26 de Maio de 1907, “A visita de Suas Majestades”. 66 - Cf. Notícias da Guarda, 30 de Maio de 1907, nº 39, Ano I, 1ª pag.


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d’essa cidade a carinhosa forma porque nos receberam e que tão grata foi ao nosso coração. Chegamos perfeitamente. El-Rei”67.

Este dia abriu um novo período da história citadina; se por um lado a Guarda ficou dotada com um moderno Hospital, tutelado pela Misericórdia, por outro iniciou, através do Sanatório, uma eminente actividade médica e assistencial que colocou a cidade nos roteiros internacionais das estruturas de saúde vocacionadas para o combate à tuberculose. O fluxo de tuberculosos superou, largamente, as previsões, fazendo com que os edifícios do Sanatório Sousa Martins se tornassem insuficientes perante a procura; este era aconselhado a todos quantos sofriam de “tuberculose pulmonar, anemia, fraqueza organica, impaludismo, etc.”, como noticiava o jornal A Guarda.68 O impacto económico e cultural destas duas instituições fez-se sentir ao longo de várias décadas, como tem sido reconhecido e evidenciado em vários trabalhos.

BIBLIOGRAFIA CARVALHO, Augusto da Silva, José Tomás de Sousa Martins, Ed. Imprensa Médica, Lisboa, 1943. CARVALHO, A. V. Campos de, Tuberculose e gestação, Tip. França Amado, Coimbra, 1896. CARVALHO, L., A Luta contra a Tuberculose em Portugal, ed. Adolpho Mendonça, Lisboa, 1935. CARVALHO, Silva, História da Medicina Portuguesa, Imprensa Nacional de Lisboa, Lisboa, 1929. LACERDA, António do Prado de Sousa, Viagem à Serra da Estrella: guia do excursionista, do alpinista e do tuberculoso, Liv. Central de Gomes de Carvalho, Lisboa, 1908. NAVARRO, Emídio, Quatro dias na Serra da Estrela: notas de um passeio, Ed. Eduardo da Costa Santos, Porto, 1884. PATRÍCIO, Ladislau, “O papel dos Sanatórios na luta anti-tuberculosa”, Sep. Portugal Médico, nº 37, Imprensa Portuguesa, Porto, 1953, pp. 555-565. PATRÍCIO, Ladislau, O bacilo de Koch e o homem, Ed. Cosmos, Lisboa, 1945. SEQUEIRA, Helder, “Apontamento sobre o Sanatório Sousa Martins”, in Praça Velha, nº 12, Ed. Câmara Municipal da Guarda, Novembro de 2002.

67 68

- Idem - Cf. A Guarda, 26 de Maio de 1907.


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SEQUEIRA, Helder, “Solidariedade e Formação no Mundo da Tuberculose”, in Praça Velha, nº 11, Ed. Câmara Municipal da Guarda, 2002. SEQUEIRA, Helder, O Dever da Memória – Uma Rádio no Sanatório da Montanha, Ed. Câmara Municipal da Guarda, 2003. SILVA, João Serras e, O clima d’altitude e a tuberculose pulmonar: estudo climatérico da Serra da Estrela, Imp. da Universidade, Coimbra, 1898. SOCIEDADE DE GEOGRAFIA DE LISBOA, Expedição scientifica à Serra da Estrela em Agosto de 1881: indicações geraes dos estudos projectados pela expedição, mandadas imprimir para uso exclusivo dos expedicionarios, S.G.L., Lisboa, 1881.

Jornais consultados Districto da Guarda, 1906-1935 Guarda (A), 1906-1908 Jornal da Guarda, 1898-1900 Jornal do Povo, 1902-1910 Notícias da Guarda, 1906-1907 O Combate, 1904-1910



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TURISMO LITERÁRIO: UMA FORMA DE VALORIZAÇÃO DO PATRIMÓNIO E DA CULTURA LOCAIS LITERARY TOURISM: A WAY OF ENRICHING THE LOCAL HERITAGE AND CULTURE Anabela Naia Sardo* (asardo@ipg.pt)

RESUMO Este artigo pretende reflectir sobre a relação entre a cultura, o património literário e o turismo e sobre a utilização do património literário como atractivo turístico. As obras literárias e as imagens ficcionadas podem ser utilizadas para valorização da cultura local e para o desenvolvimento do chamado “turismo literário”em Portugal, à semelhança do que se faz noutros países. Palavras-chave: Turismo cultural; Turismo literário; Viagens literárias; Sítios literários.

ABSTRACT This article aims at reflecting on the relation between culture, literary heritage and tourism and on the use of literary heritage as tourist attraction. Literary works and fictional pictures can be a way of enriching the local culture and developing the so-called "literary tourism” in Portugal and similarly in other countries. Keywords: Cultural Tourism; Literary tourism; Literary journeys; Literary places. “Se algum dia for a Roma, hei-de entrar na cidade eterna com o meu Tito Lívio nas algibeiras do meu paletó. Ali, sentado naquelas ruínas imortais, sei que hei-de entender melhor a sua história, que o texto dos escritores se me há-de ilustrar com os monumentos de arte que os viram nascer (...)”. Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra, Cap. XXVI.


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* Anabela Oliveira da Naia Sardo, Professora Adjunta de Nomeação Definitiva, docente e Presidente do Conselho Científico da Escola Superior de Turismo e Telecomunicações de Seia do Instituto Politécnico da Guarda. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas – Variante de Estudos Portugueses e Franceses e Mestre em Estudos Portugueses pela Universidade de Aveiro, encontra-se a desenvolver um projecto de doutoramento no âmbito da Literatura Portuguesa.


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1. INTRODUÇÃO Por ocasião do XXII Dia Mundial do Turismo, em 2001, que teve por tema "O turismo, um instrumento ao serviço da paz e do diálogo entre as civilizações", o Santo Padre João Paulo II chamou a atenção para o facto de as viagens e o turismo serem oportunidades para o diálogo entre as civilizações e as culturas e um precioso serviço à paz. Referia, ainda, que a própria natureza do turismo inclui algumas circunstâncias que predispõem para este diálogo. De facto, na prática do turismo, torna-se possível uma interrupção da vida quotidiana, do trabalho, das obrigações a que somos necessariamente compelidos. Nesta situação, o homem consegue "considerar com olhos diferentes a

própria existência e a dos outros: libertado das ocupações quotidianas, ele tem a oportunidade de redescobrir a própria dimensão contemplativa, reconhecendo os vestígios de Deus na natureza e sobretudo nos outros seres humanos" (João Paulo II, 1996: 1).

O turismo põe o Homem em contacto com as outras formas de viver, com outras religiões, com outras maneiras de ver o mundo e a sua história. “Isto leva-o a descobrir-se a si mesmo e aos outros, como

indivíduos e como colectividade, imersos na vasta história da humanidade, herdeiros e solidários de um universo familiar e ao mesmo tempo desconhecido” (João Paulo II, 1996: 1). Emerge, assim, uma

nova forma de encarar os outros, que liberta do risco de permanecer fechado em si próprio. Analogamente ao acto da leitura, o acto de viajar permite ao Homem, transformado agora em viajante, descobrir outros lugares, novas cores, formas diferentes, modos diversos de sentir e viver a natureza; moldar o seu olhar a outras imagens, aprender novas palavras, apreciar a diversidade de um mundo que ninguém pode cingir completamente. Neste empenho, aumentará, sem dúvida, a sua consideração por tudo o que o circunda e a consciência de que é necessário proteger esse todo. Em vez de permanecerem fechados na sua cultura, os povos são convidados, hoje mais do que nunca, a abrirem-se a outros povos, confrontando-se com os diversos modos de pensar e de viver. Nesta perspectiva, o turismo constitui uma ocasião propícia para o diálogo entre as civilizações, porque evidencia as riquezas que distinguem uma cultura de outra. As viagens e a actividade turística favorecem, ainda, a recordação de uma memória viva da história e das tradições sociais, religiosas e espirituais.


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Por outro lado, a luta contra a pobreza é um dos desafios cruciais que a comunidade internacional enfrenta no século XXI. Ao seleccionar temas como “a luta contra a pobreza”, “a criação de emprego” e “a harmonia social” para a comemoração do Dia Mundial do Turismo em 2003, a 14ª Assembleia Geral da OMT (Organização Mundial do Turismo) expressou firmemente a vontade e a necessidade ética de apoiar uma das questões fundamentais colocadas pelas Nações Unidas, ao mesmo tempo que chama à atenção para o turismo como um instrumento positivo para a redução da pobreza mundial, a criação de oportunidades de emprego, bem como a sua contribuição para a harmonia social. Como sector fundamental da economia, o turismo contribui para o desenvolvimento social e económico dos países receptores e das suas comunidades locais, combatendo o desemprego através da criação directa e indirecta de empregos. Contribui, também, de forma significativa, para o desenvolvimento rural, sobretudo de áreas empobrecidas pelo declínio das actividades agrícolas tradicionais, e de locais periféricos onde vivem as populações mais pobres dos países em desenvolvimento. Na perspectiva do desenvolvimento dos países, especificamente no que diz respeito a zonas mais desfavorecidas, como as zonas interiores e rurais, o património cultural, nomeadamente o “literário”1, pode desempenhar um papel fundamental, promovendo a criação de novos empregos e o desenvolvimento da harmonia social. Do mesmo modo, o chamado “turismo literário” poderá contribuir para o enriquecimento cultural dos países e dos seus povos, possibilitando a recuperação e revitalização de sítios que, de outra forma, estariam votados ao abandono e ao esquecimento.

2. LITERATURA E TURISMO: ESTUDOS INTERDISCIPLINARES A viagem, tal como afirmam Jean Chevalier e Alain Cheerbrant (s/d: 691), exprime “um desejo profundo de mudança interior, uma necessidade de experiências novas”, mais do que de deslocação local. Esse desejo íntimo e intenso marcou, desde sempre, o Homem, que, não podendo, por vezes, fazer viagens na realidade, o fez, em alternativa, através da escrita. 1

Squire (1996: 119) usa a expressão literary heritage.


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A ideia de viagem, que sempre seduziu o Homem, inspirou, ao longo dos tempos, textos fascinantes, envolvidos numa aura de mistério inusitado e exotismo que deslumbram o leitor contemporâneo e vão ao encontro da eterna necessidade da procura que existe em cada um de nós. Ao relermos os mais belos textos da literatura dita de viagem, mas também outros que se serviram das grandes paisagens, das cidades históricas e dos ambientes de charme como pano de fundo ou, ainda, aqueles que nos trazem à lembrança os locais por onde deambularam os escritores da nossa predilecção, somos impelidos a partir em busca desses destinos extraordinários. Ler dá, aos leitores de Ernest Hemingway, a vontade de partir para Cuba e descobrir o paraíso e a serenidade na terra onde o autor escreveu O Velho e o Mar; aos admiradores de Franz Kafka, o desejo de descobrir a histórica e belíssima cidade de Praga; aos devotos de Victor Hugo, o fascínio de passar um fim-de-semana de Primavera na doçura das ilhas anglonormandas; aos apaixonados de Camilo, Eça, Pessoa ou Saramago, a vontade de descobrir os lugares onde viveram/vivem e escreveram/escrevem ou aquelas paisagens que serviram de cenário aos seus textos. Referem-se estes exemplos, aleatoriamente escolhidos de entre uma lista de nomes, livros e lugares que poderíamos mencionar numa associação quase inesgotável. Ao longo de algumas narrativas, dos percursos das personagens, das considerações do narrador, da descrição dos espaços físicos, sociais e psicológicos, vai o leitor resgatando, pela memória individual das personagens e dos narradores (ou dos narradores/personagens), as paisagens, a História e as histórias, as lendas, os mitos e as tradições que compõem o património históricocultural dos locais que inspiraram o espaço físico onde as acções ficcionais se desenvolvem. Através dos textos, o leitor reconstrói, a partir da memória individual, a memória colectiva. Entre as áreas da Literatura e do Turismo justificam-se, deste modo, estudos interdisciplinares. Ler faz-nos viajar na imaginação e impele-nos, também, a tornarmo-nos “viajantes” (Cunha, 2001: 17) reais em busca desses lugares que a ficção recriou e que as palavras transformaram em imagens interiores. Lemos e sentimos vontade de partir em busca das emoções despertadas. As palavras dos poetas e dos escritores levam-nos, por um lado, a destinos longínquos, míticos e exóticos, mas seduzem-nos, também, na descoberta do país onde vivemos, das suas paisagens, regiões, cidades, locais e gentes que animaram os seus textos. E é


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assim que, por exemplo, ao lermos as Viagens na Minha Terra de Garrett, ficamos impressionados pela visão romântica da lezíria ribatejana e somos assaltados pela vontade de descobrir ou redescobrir o gosto pela terra, pela arte, pelo folclore e pelas tradições portuguesas, e especificamente pelo valor patrimonial de Santarém. O Porto vem-nos à ideia quando lemos O Arco de Santana, e uma visita ao Teatro Nacional D. Maria II será, ao mesmo tempo, um prazer e uma homenagem ao autor. Ao saborearmos Os Maias ou O Mistério da Estrada de Sintra, de Eça de Queirós, encontramos a possibilidade de regressar à Sintra dos finais do século XIX, mas também a vontade de conhecer a Sintra dos nossos dias. Em A Cidade e as Serras, ficamos a conhecer Paris, na pele de Jacinto, mas também chegamos ao Douro, quando o herói, entediado do progresso, resolve ir viver para a quinta de Tormes. E a visita a esse lugar torna-se imprescindível. Com o genial escritor, vamos pela cidade e pelas serras, voando por um Portugal tão semelhante ao de hoje. Ao percorrermos as páginas de Aquilino Ribeiro, recordamos o campo e a vida rural da província, num regresso ao passado. Quando lemos O Malhadinhas, Andam Faunos pelos Bosques ou Terras do Demo, encontramos as memórias dos tempos remotos, profissões e costumes já extintos, figuras típicas, e deparamo-nos, também, com a paisagem beirã. E é nesse momento que nos apetece viajar pela Beira Alta, que, nas palavras do autor, não tem “símile no Mundo”. Ao folhearmos José Cardoso Pires, embrenhamo-nos na História de um Portugal cinzento ao mesmo tempo que descobrimos a Lisboa que tão bem descreveu e amou. Ou, ainda, mais um entre tantos exemplos possíveis, ao relermos Miguel Torga, que escreveu com o vocabulário, a métrica e a musicalidade da terra, somos levados a encontrar a poção mágica que nos faz querer descobrir uma jóia (ainda) bem guardada: Trás-os-Montes. Miguel Torga acreditava que sempre tinha havido, e haveria, “reinos maravilhosos neste mundo”, e dizia que o que era preciso, para os ver, era que os olhos não perdessem a virgindade original diante da realidade, e o coração não hesitasse. As “viagens literárias” podem levar-nos a descobrir, ver e amar “esses reinos maravilhosos,” tantas vezes esquecidos em recantos longínquos e pouco visitados. Essas viagens, que são motivadas pelo deleite literário, enquadram-se no contexto do turismo cultural ou de “fruição cultural” (Runa e Rodrigues, 1998: 93) que se baseia em produtos turísticos concebidos na base da valorização do património cultural. Não é fácil conseguir encontrar uma definição única e completa de turismo cultural, nem é nosso propósito fazê-lo, de forma


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aprofundada, no âmbito deste artigo. Esta dificuldade advém do facto de que não se torna evidente definir os conceitos que lhe são subjacentes, como os de cultura e turismo, e, depois, proceder à articulação dessas enunciações. O turismo cultural começou a ser reconhecido como uma categoria de produto turístico distinta nos finais dos anos setenta. Nessa altura, percebeu-se que algumas pessoas viajavam “especificamente com o objectivo de conhecer a cultura ou o património de um dado destino” (Henriques, 2003: 48). Contudo, como afirmam Mckercher e Cross (2002), citados por Henriques (2003: 48), é apenas com “a fragmentação do mercado de massas nos anos 90 que

o turismo cultural começa a ser reconhecido por aquilo que ele é: uma actividade de mercado de elevado perfil.”.

Para a questão em causa – turismo literário como uma forma de turismo cultural – parece-nos fundamental recordar o que diz a Carta do Turismo Cultural2 (CTC, http://www.icomos.org/tourism/, 8/09/2006). Neste documento, o turismo cultural é entendido como uma forma de turismo que tem por objecto, entre outros objectivos, a descoberta dos monumentos e dos lugares (CTC: I. 3.). As definições avançadas por Richards (1996), citado por Henriques (2003: 49), no contexto do projecto de investigação no domínio do turismo cultural pela Association for Tourism and Leisure Education (ATLAS), são também importantes no âmbito da nossa reflexão. Este autor apresenta uma definição conceptual e uma definição técnica de turismo cultural. A primeira refere o turismo cultural “como o movimento de pessoas para atracções

culturais fora do seu local normal de residência, com a intenção de compilar novas informações e experiências para satisfazer as suas necessidades culturais”. A segunda apresenta esta forma de turismo como “o movimento de pessoas para atracções culturais específicas, tais como lugares de património, manifestações culturais e artísticas, de arte, drama para fora do seu local normal de residência”. Como se pode ver, a definição técnica põe a tónica na motivação subjacente à deslocação. Henriques (2003: 48) continua, citando Richards (2000), para dizer que o turismo cultural abarca não só produtos culturais do passado, como também da cultura contemporânea. O “turismo literário” será, então, um tipo de turismo cultural que tem a ver com a descoberta de lugares ou acontecimentos dos textos ficcionais ou das vidas dos autores desses textos. O “turista literário” interessa-se, por exemplo, pela forma como os lugares influenciaram a 2

Esta Carta foi adoptada, em Novembro de 1976, pela International

Council on Monuments and Sites (ICOMOS).


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escrita e, ao mesmo tempo, como a escrita criou determinados lugares. O “turista literário” é aquele que pega num livro (romance, conto, novela, poesia) e parte à procura dos “sítios literários”. No entanto, é preciso dizer que, em alguns países (como a França, a Irlanda, a Espanha, a África do Sul, entre outros) existem já guias, mapas e tours literários que orientam este tipo de turistas nas suas “viagens literárias”. O que fizeram os responsáveis desses países foi valorizar, em termos turísticos, determinados lugares que, de uma maneira ou de outra, estão ligados à vida e obra de autores consagrados. Ao desenvolverem estes projectos, estão a preservar e a promover lugares que poderiam cair no esquecimento ou, até mesmo, desaparecer. A melhor forma de preservar o património cultural é conhecê-lo, promovê-lo e divulgá-lo. Nesse sentido, algumas iniciativas são fundamentais (Costa, 1998: 113), como, por exemplo, promover o turismo local, preservar por reanimação, sensibilizar a população, implicar a escola, proteger as artes e os ofícios tradicionais, criar museus locais, entre outras. A congregação de esforços, no âmbito desta atitude face ao património cultural, requer a intervenção regional e local no sentido de promover o desenvolvimento de um turismo equilibrado, sustentado e assente na valorização de recursos endógenos. A literatura nacional e os seus escritores podem ser um dos pontos de partida para o desenvolvimento de iniciativas que atraiam turistas para determinadas regiões e essas viagens e actividades contribuirão para despertar o desejo de procurar os livros ou a eles regressar de novo. Atingem-se, assim, dois objectivos complementares, fundamentais: desenvolver o turismo em regiões onde tal facto, de outra forma, talvez nunca ocorresse, e promover a leitura e o conhecimento dos grandes vultos da literatura nacional. Conhecer a vida dos escritores, descobrir as convulsões dos seus pensamentos, reler as frases que imprimiram para todo o sempre faz-nos querer passar dos livros para a descoberta dos lugares onde se movimentaram, desperta a vontade de explorar aqueles espaços que as suas histórias imortalizaram. Lembremo-nos, a este propósito, que foi a Literatura que consagrou a expressão turista (do inglês, tourist -1800). Esta expressão generalizou-se a partir da publicação de Mémoires d’un Touriste, de Stendhal em 1838. Em Portugal, Eça de Queirós usou a palavra na forma francesa no seu romance Os Maias, editado em 1888. Só a partir do início do século XX a palavra apareceu na língua portuguesa (Cunha, 2001: 15).


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3. VIAGENS LITERÁRIAS: LER E PARTIR... Como afirma Florence Lignac (2003), contrariamente ao que se pensa, as viagens “peregrinações literárias”3 ou visitas às “casas de escritores ou de homens célebres” não são criações recentes. Diversos lugares abertos ao público, assim como numerosos textos, testemunham e atestam, desde os finais do século XIX, o interesse por estes lugares de memória. Mesmo em Portugal, a existência de casasmuseu de escritores também data de há já alguns (largos) anos, como é exemplo a Casa-Museu de Camilo Castelo Branco, em S. Miguel de Seide4, por exemplo.

3.1. TURISMO LITERÁRIO NO ESTRANGEIRO A questão mais inovadora é a tomada de consciência, por parte dos lugares considerados literários, da sua importância na paisagem cultural do país. Uma reflexão comum, por exemplo, num país como a França tem vindo a definir e a organizar, através de uma série de estudos e encontros da especialidade, o papel a desempenhar por esses sítios. Diferentes projectos e personalidades levaram à criação de duas associações que, desde 2001, têm vindo a trabalhar em conjunto. Uma é L’Association Française des Maisons d’Écrivain (AFME) e a outra La Fédération des Maisons d’Écrivains & Patrimoines Littéraires. A missão da federação tem sido reagrupar as casas de escritores dispersas (casas com ou sem colecções de objectos ou acervos literários), patrimónios literários (colecções de livros, manuscritos e arquivos literários em bibliotecas ou centros de investigação), associações dos amigos de escritores (gerindo ou não colecções, publicando ou não trabalhos de pesquisa), entre outras actividades. Projectos como os que acabámos de exemplificar são fundamentais para o desenvolvimento do chamado “turismo literário”, que inclui a visita aos “sítios literários”. Na base da criação do que um grupo de franceses chamou, já em 1987, “viagens literárias” (http://asp.terresdecrivains.com,

3 Florence Lignac usa apenas a expressão (bem mais sugestiva) de peregrinações literárias, “pèlerinages littéraires”. 4 Seide apresenta também a grafia Ceide.


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1/02/2005) terá estado, também, a ideia de partir, após a leitura das obras de autores consagrados. Relendo alguns textos literários que sugerem paisagens insólitas e incomparáveis, cidades históricas e cenários encantadores, três jovens especialistas tiveram a ideia de criar uma associação com o nome de Lire et Partir (Ler e Partir). Durante dois anos, realizaram, de uma forma um tanto artesanal, cerca de cinquenta viagens literárias que tiveram um enorme sucesso. Por esse motivo, decidiram associar-se à agência de viagens Expantour e constituíram um novo grupo a que deram o nome de Voyages et Créations. Este grupo propunha, em datas fixas, expedições literárias que eram acompanhadas por um especialista, capaz de fazer partilhar a sua ciência e a sua paixão, e podiam durar apenas um dia, um fim-de-semana, uma semana ou um período de tempo ainda mais longo. Cerca de meia centena de autores (desde poetas e escritores do século XVII até aos contemporâneos) serviu de fio condutor para as viagens5. Alguns nomes, como Marcel Proust ou Honoré de Balzac, para referir apenas dois, eram um verdadeiro chamariz. Graças a este tipo de iniciativas, algumas regiões francesas, muitas vezes injustamente ignoradas, foram valorizadas e ganharam nova vida graças ao sopro apaixonado dos escritores. Mas as viagens literárias propostas pelo grupo Voyages et Créations não se circunscreviam ao território nacional. Propunham-se, também, pequenas semanas literárias no estrangeiro, que tiveram enorme sucesso. Essas viagens procuravam responder às expectativas de um público que desejava encontrar razões para ir ou regressar aos locais de eleição dos escritores. Assim, apresentavam, para a Primavera, a Castela de Cervantes e, para o início do Verão, o Yorkshire das irmãs Brontë. Sugeriam, também, por exemplo, uma descoberta outonal do velho sul da América do Norte tão querido aos escritores William Faulkner e Tennessee Williams. E, ainda, para terminar o ano, por volta de Dezembro, um “especial URSS”6 em companhia dos grandes escritores russos do século XIX. O que fez este grupo de franceses foi substituir as iniciativas pessoais daqueles que, amantes da literatura e do turismo de fruição cultural, desejavam fazer viagens literárias e se documentavam, antes de partir, sobre os escritores que celebraram cidades, regiões e

5 No catálogo de 1989, havia cerca de cinquenta e dois destinos literários possíveis. 6 A União Soviética (URSS) dissolveu-se a 25 de Dezembro de 1991.


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paisagens. Munidos dos seus livros, esses “turistas literários” partiam nos passos da literatura. Intimamente ligadas a este tipo de viagens, encontramos as visitas às residências dos escritores. Gaston Bachelar (1971) afirma que a casa, mais do que a paisagem, é um estado de alma. Neste sentido, as casas dos escritores estão enraizadas não só na realidade, simbolizando uma época, uma região e mostrando objectos pessoais, mas estão, também, presentes no nosso imaginário e na nossa cultura. A expressão “casa de escritores”, no seu sentido mais restrito, prende-se com a ideia do local onde nasceram, viveram (durante mais ou menos tempo) e escreveram autores consagrados. Contudo, a casa não é, necessariamente, «sa maison natale, ni celle où il a passe la

majeur partie de sa vie, beaucoup d’écrivains ayant été d’incessants voyageurs» (http://litterature-lieux.com/contact/questions-frequentes.asp,

10/10/2006). Esta noção pode ser estendida à de “sítio literário”, e aí podemos incluir, para além da residência propriamente dita, outros locais, como paisagens, cafés, bibliotecas ou museus dedicados aos escritores. Assim, um “sítio literário” pode ser «une maison d’écrivain, un

lieu fictionnel nommé ou inventé par l’auteur et situé dans un pays réel (...), un lieu de vie temporaire qui a compté dans l’oeuvre d’un écrivain (...), un lieu où sont conservés des manuscrits littéraires et des livres possédés par l’auteur (...) un musée évoquant la mémoire et l’œuvre d’un écrivain (...)» (http://litterature-lieux.com/contact/questions-frequentes.asp,

10/10/2006). O que torna um “sítio literário” numa atracção turística? De acordo com Herbert (2001), por exemplo, não basta uma casa-museu ter sido o berço de um escritor. Existem qualidades excepcionais da casa que, adicionadas a qualidades gerais do local a transformam em atracção turística. No que diz respeito às qualidades excepcionais do “sítio literário”, o autor refere aquelas que estão intimamente relacionadas com a vida do escritor (como o seu nascimento ou um outro acontecimento marcante) ou, ainda, com a sua obra, nomeadamente com a descrição do local visitado, o que lhe confere um significado especial e único. Outras qualidades de excepção do sítio, desta vez mais ligadas a valores afectivos, poderão ser, por exemplo, o poder que o local tem de evocar memórias nos visitantes, de relembrar histórias, livros ou autores que foram lidos na infância. Acrescentam-se, por outro lado, as qualidades gerais do local, ou seja, tudo o que este tiver para atrair o visitante. Estas qualidades enriquecem o “sítio literário” do ponto de vista turístico e podem estar


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relacionadas, por exemplo, com acessos, como estradas, monumentos, paisagens próximas do local ou facilities (desde lojas de recordações até restaurantes e cafés). Podemos acrescentar que todas estas qualidades vão participar na experiência turística. Herbert (2001) conclui que será o balanço entre as características excepcionais e as gerais que constituirá o sucesso turístico de um “sítio literário.” Sintetizando todos estes conceitos complementares, surgiu, também em França, Terres d’Ecrivains (Terra de Escritores). No site desta organização (http://asp.terredecrivains.com, 1/01/2005) são sugeridas visitas a inúmeros “sítios literários”, dos mais prestigiados aos mais insólitos. O que propõem é descobrir a literatura através dos lugares e dirigem-se a turistas, estudantes, professores, escritores ou simples amantes da literatura. A duração dos itinerários7 procura respeitar o ritmo de cada um, oferecendo-se percursos com durações diversas. Em França, há cerca de duzentos e oitenta “sítios literários”8, consultáveis a partir de um mapa de França e suas regiões, on-line, e de uma lista de locais geográficos. Este repertório de endereços constitui a primeira etapa de um projecto de inventário de lugares que a Fédération des Maisons d’Écrivains & Patrimoines Littéraires9 está a levar a efeito a fim de dar a conhecer e difundir as casas dos escritores franceses e o património literário francês. Os circuitos literários propostos associam as casas dos escritores aos locais de escrita e sugerem, ainda, hotéis, cafés e restaurantes literários, bem como acontecimentos da mesma natureza. Os interessados podem, também, ter acesso a guias literários e outra bibliografia que interliga turismo e literatura. Um dos vários circuitos propostos é “Nantes e Júlio Verne” (http://asp.terresdecrivains.com/TE2001/balade.asp?id=5, 1/01/2005). Partindo do facto de que a cidade de Nantes e seus arredores foram a região da infância do autor das Voyages Extraordinaires10, sugere-se a realização de uma viagem literária, começando no Museu 7 As propostas dividem-se em “Programmes de Lire et Partir” e “Les Idées Balades de Terres d’Écrivains”. 8

Existem, também, cerca de cento e cinquenta estabelecimentos, que possuem fundos literários, e cinquenta e nove museus, classificados e controlados, que dizem respeito à literatura. Estes dados foram fornecidos pelos recenseamentos mandados fazer antes de 2000 (Lignac, 2003). 9 Federação das Casas dos Escritores e Patrimónios Literários. Consultar o endereço http://litterature-lieux.com. 10 Do conjunto das Viagens Extraordinárias, de Júlio Verne, lembremos livros como Da Terra à Lua, A Volta ao Mundo em Oitenta Dias e Vinte Mil Léguas Submarinas, entre outros.


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Júlio Verne e continuando através de uma série de locais ligados à vida do escritor.

3.2. TURISMO LITERÁRIO EM PORTUGAL Se em Portugal não existem ainda agências de viagens e turismo que promovam viagens literárias como em França e noutros países da Europa e do resto do Mundo, vários têm sido os passos dados no sentido de interligar Cultura, Turismo e Literatura, aprofundando o gosto por estas áreas e pela Língua Portuguesa, defendendo a identidade cultural, nas suas diversas formas, contribuindo para a sua defesa, e promovendo, ao mesmo tempo, o turismo cultural e, especificamente, o “turismo literário”. Como escreveu o Delegado Regional do Norte para a Cultura (2000), aquando do lançamento do projecto “Viajar com... Aquilino Ribeiro”, “o encanto da leitura, o prazer e o gosto de sentir um

romance, um poema, um conto ultrapassa a admiração pela capacidade do criador nos seduzir com a sua arte; tem, também, a ver com o sentirmos que tudo isso se relaciona com os espaços e tempos, com territórios, com gente e seus costumes, identidade cultural que nos faz terra, região, povo, enfim, registada pelo génio dos nossos escritores” (Almeida, 2000: 113).

As iniciativas que se têm vindo a tomar pretendem relacionar as obras literárias e os seus autores com as viagens e o turismo, promovendo, deste modo, lugares mágicos imortalizados pelas palavras dos escritores e poetas. Neste sentido, o sistema de ensino pode desempenhar um papel fundamental. As escolas (dos Ensinos Básico, Secundário e Superior, e, particularmente, os professores de Língua, Literatura e História de Portugal) podem fomentar diversas actividades, das quais podemos destacar a realização de viagens de estudo que se convertem em “percursos turístico-literários”. Na perspectiva da procura turística, os públicos escolares são fundamentais para os equipamentos culturais, tanto em termos educativos como económicos. Por outro lado, no que diz respeito à oferta, para se poder acolher convenientemente este público é necessário planificar e construir uma oferta adaptada. Compilando o fruto de um trabalho ao nível da planificação de viagens de estudo de alunos do ensino secundário, duas docentes deste nível de ensino escreveram um livro a que deram o nome de Itinerários Literários, Viajando pela Literatura Portuguesa (Azevedo e Braga, 1994). Aí se propõem seis roteiros literários em Portugal:


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“Percurso Garrettiano”, “Camilo e a Casa de S. Miguel de Seide”, “O Porto Romântico”, “Lisboa Queirosiana”, “Sintra Queirosiana”, e “Eça e a Casa de Tormes”. Apresenta-se, também, uma viagem de três dias que se intitulou “Percurso dos Trovadores”, que começa em Portugal e se dirige para Santiago de Compostela, explorando, essencialmente, o Caminho de Portugal, na tradição de mil anos de história. Do mesmo modo, o Ministério da Cultura, através das suas delegações regionais, em cooperação com as câmaras municipais e as fundações e centros de estudos literários, tem vindo a apoiar e desenvolver projectos culturais e turísticos e iniciativas no sentido da promoção das regiões e escritores que, de uma forma ou de outra, a elas estão ou estiveram ligados. Uma dessas iniciativas ficou ligada à criação de “rotas literárias”. Uma rota é um caminho que se foi delimitando, ao longo dos tempos, por aqueles que, em busca de novas experiências, traçaram trajectos que foram criando vínculos com os lugares por onde passaram. Esses viajantes geraram, assim, grandes rotas, tais como o Caminho de Santiago, a Rota da Prata, entre outras, e deixaram marcas nos espaços, estabelecendo novas vias de conhecimento, de vida e de sentir. As rotas podem, também, relacionar-se com a literatura nacional ou internacional. De acordo com a Fédération des Maisons d’Écrivain & des Patrimoines Littéraires francesa, uma rota de escritores é «un ensemble de lieux littéraires dans un espace géographique donné (...),

un parcours lié à un écrivain qui situe son oeuvre dans un territoire donné (...).» (http://litterature-lieux.com/contact/questions-frequentes.asp,

10/10/2006). Em Portugal, a 23 de Setembro de 2002, a Comissão de Coordenação da Região Centro (CCRC) fomentou a assinatura de um protocolo entre as câmaras municipais dos núcleos da chamada “Rota dos Escritores”. A CCRC pretendia dar a conhecer, através da “Rota dos Escritores”, os autores que transpuseram para o papel, com criativa originalidade, a Região Centro, tão importante pela sua história, pela diversidade e beleza da natureza e pelo rico património cultural. A primeira rota contemplava, essencialmente, escritores do século XX, que se destacaram na sua relação com as gentes e terras da Região e que renovaram a nossa forma de expressão e o nosso imaginário, redesenhando os contornos da nossa identidade colectiva. Foram os seus livros que estimularam a investigação e difusão da sua vida e obra e levaram, também, à intervenção, através da qualificação de espaços e realização de infra-estruturas, no sentido da recuperação e divulgação


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dos lugares onde habitaram e escreveram ou que ficaram imortalizados através das suas obras. Afonso Lopes Vieira, Aquilino Ribeiro, Miguel Torga, Vergílio Ferreira, Fernando Namora, Carlos de Oliveira e Eugénio de Andrade foram os escritores escolhidos para integrar esta rota. Entre os objectivos a atingir, destacava-se o de “criar um produto cultural sustentável e auto-financiável, de qualidade, que através do turismo cultural fomentasse o desenvolvimento regional” (http://www.rotadosescritores.org/projecto_objectivos.html, 17/03/2003). A “Rota dos Escritores” pretendia ser um projecto de dinamização e intervenção cultural com importância decisiva na divulgação da Literatura Portuguesa, mas, também, no fortalecimento da auto-estima das populações, que podiam ver reabilitados e aproveitados espaços fundamentais da sua identidade e criados roteiros turísticos que dessem a conhecer as suas regiões. Projectos desta natureza deveriam ser desenvolvidos a nível de outras regiões do país. Por outro lado, aquelas que foram, em tempos idos, as casas de alguns dos grandes vultos da Literatura Portuguesa têm sido recuperadas, também, dentro deste espírito. A forma mais comum de aproveitamento cultural e turístico desse património é a sua transformação em museus. Encontramos, deste modo, as chamadas casas-museu. Mas, também, descobrimos algumas excelentemente aproveitadas para outros fins intimamente ligados ao Turismo, como é o caso do turismo no espaço rural (TER) ou a hotelaria. Conseguindo, de forma harmoniosa, conjugar estas duas vertentes, podemos mencionar, a título exemplificativo, a Casa Teixeira de Pascoaes, que se situa em S. João do Gatão, a três quilómetros de Amarante, frente à Serra do Marão e junto ao rio Tâmega. Neste belo solar do século XVII, viveu e morreu um dos mais notáveis poetas (e filósofos) portugueses. A casa proporciona, a quem a visita, para além de um agradável turismo de habitação11, uma vertente cultural inestimável. 11

Este solar é Turismo de Habitação desde 1993. Pode-se visitar o quarto do poeta, onde tudo parece permanecer como ele deixou, a biblioteca e a varanda onde escrevia os seus poemas (Marânus, por exemplo) e de onde podemos observar a lavada atmosfera bucólica do Marão, e passear pelos mesmos locais por onde o poeta andou, em especial a Fonte do Silêncio, seu local preferido. Uma atmosfera inebriante e poética respira-se em cada canto, de onde julgamos poder ver aparecer outros grandes vultos da arte e literatura portuguesas. A casa de Pascoaes foi sempre uma casa aberta a muitos amigos do poeta e da família, dos quais se destacavam: Raul Brandão que vinha com a mulher passar alguns meses; o pintor António Carneiro, o escultor António Duarte, José Régio e Sebastião


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Outras casas foram transformadas em museus, como é o caso da Casa-Museu de Camilo, em S. Miguel de Seide, concelho de Vila Nova de Famalicão. Uma visita à casa é um convite renovado à leitura do grande escritor, pois inúmeras são as marcas explícitas da relação profunda entre o autor e o espaço onde viveu desde o Inverno de 1863 até à sua morte trágica em 1890, “como se o seu espírito continuasse

no escritório a febril criação das suas intermináveis noites de insónia, ou como se o seu corpo mirrado pela dor oscilasse ainda ao sabor de um balanço que a mão do Destino prolongasse dolorosamente por toda a Eternidade.”12.

Actualmente, após obras de restauro, a evocação do escritor faz-se através da reconstituição de ambientes de época. A casa conserva, na sua essência, a atmosfera doméstica romântica, recriada a partir de objectos pessoais do escritor, procurando reproduzir a memória do lugar, para lhe conferir um sense of place, ou sense of nostalgia (Herbert, 2001: 314), indispensável a qualquer casa-museu. A Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão e o Centro de Estudos Camilianos desenvolveram um projecto de reestruturação da área envolvente à casa, com o objectivo de criar, em Seide, um pólo de atracção turístico-cultural. Em 2005, o Centro de Estudos Camilianos foi deslocado para Seide, situando-se, desde essa data, em frente à Casa-Museu de Camilo13. Este espaço permite, à casa-museu, articular a cultura com o turismo e atrair novos públicos, pois possibilita a realização de múltiplas actividades, como por exemplo, congressos, exposições temáticas, a promoção de recitais de piano, a projecção de cinema, o patrocínio na edição das obras de Camilo e a participação da Casa-Museu em da Gama, que eram hóspedes regulares da casa, assim como Miguel Unamuno, Almada Negreiros ou Sophia de Mello Breyner. Também alguns estrangeiros, como Albert e Beatriz Thelem, que fugidos da Segunda Guerra Mundial, viveram na casa durante oito anos e aí traduziram, para o alemão, as obras do poeta. Visitar a cozinha da casa revela-se uma agradável surpresa, pois, típica e tradicional, é um hino às iguarias da região que aí podem ser apreciadas, a pedido, promovendo a gastronomia local. 12 Casa de Camilo – Ceide, Edição da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão e Casa – Museu de Camilo, s/p. 13 A realização deste projecto pretendeu criar um complexo cultural respeitante à investigação de temática camiliana, promovendo e apoiando a investigação dos estudos camilianos e criando condições para a sua promoção. Este pólo cultural da Casa-Museu de Camilo, projecto assinado pelo arquitecto Siza Vieira, é composto por diversas valências, de entre as quais se destacam um auditório, uma biblioteca camiliana, uma sala de exposições e uma cafetaria com esplanada.


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iniciativas conjuntas com outras entidades, como foi o caso dos roteiro turístico-literário “Viajar com Camilo Castelo Branco”, ou ainda, “Rotas de Escritores”. As “Rotas de Escritores”, a que já se fez alusão, podem desempenhar um papel fundamental na valorização cultural e turística dos concelhos envolvidos nesses projectos, pois unem as regiões e as suas instituições culturais. Esta constatação está de acordo com o que Smith (2003: 25) afirma, quando diz que turismo literário “can (...) be used as a catalyst for the development of rural or urban tourism”. A par destas actividades, podem, ainda, referir-se outras acções de parceria com instituições estrangeiras, nomeadamente com outras casas-museu. Com este tipo de parcerias, pode conseguir-se o intercâmbio de projectos culturais e literários. Simultaneamente, as casas-museu podem investir na cooperação com estabelecimentos de ensino, dando resposta a preocupações de carácter pedagógico. Ainda no caso específico de Vila Nova de Famalicão, o futuro do turismo literário não passa só pelo dinamismo protagonizado pela casamuseu e pelo seu centro de estudos. O património camiliano é muito vasto e existem outras riquezas que podem ser exploradas, tanto do ponto de vista literário como turístico. Assim, a Câmara Municipal, em conjunto com outras dezassete cidades portuguesas e com o Município do Rio de Janeiro, fundou a “Associação das Terras de Camilo”, cujo objectivo é aproveitar melhor e de forma mais qualificada o património literário e arquitectónico camiliano, uma vez que Camilo teve, “pelos acasos da fortuna, pela instabilidade do seu temperamento

e pela necessidade psicológica de se defender contra os seus próprios fantasmas interiores, uma existência errante” (Passos de Camilo, s/d:

4). Desde Lisboa, onde nasceu, até S. Miguel de Seide, onde viveu até aos últimos anos de vida, Camilo percorre Vila Real, Vilarinho de Samardã, o Porto e arredores, Coimbra, Viana do Castelo, Braga, Vila do Conde, Póvoa de Varzim, entre outros lugares, realidades paisagísticas e humanas que podemos conhecer na perspectiva romântica do poeta. Potenciar e dar a conhecer os acervos e memórias camilianas de outras terras pode ser, também, uma forma de promoção turística desses mesmos espaços. Outras casas, ainda, estão intimamente relacionadas com as lendas que as nossas História e Literatura consagraram. Na cidade de Coimbra, por exemplo, situa-se aquele que foi considerado, pela revista Hotéis e Viagens (1999, nº10: 82), como um dos grandes hotéis da Europa.


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A Quinta das Lágrimas e o respectivo palacete pertencem à mesma família desde 1730 e foram transformados em hotel em 199314 (Hotéis e Viagens, 1999, nº10: 83). O Hotel da Quinta das Lágrimas encerra as memórias de D. Pedro e D. Inês e de tantos outros que ali vieram em honra do mais intemporal dos amores. A Fundação Eça de Queiroz, sedeada na quinta da família, em Tormes15, alia o projecto cultural e o desenvolvimento de actividades nesse âmbito, ao turismo rural. Este lugar mítico é de referência obrigatória quando se fala de Eça de Queirós e da sua obra, em particular de A Cidade e as Serras. Tormes e o concelho vizinho de Resende (do outro lado do Douro) foram regiões que serviram de cenário a diversas obras queirosianas. Inspiraram, por exemplo, a geografia de A Ilustre Casa de Ramires, de Os Maias (aí se situava a “Quinta de Santa Olávia”), e de O Crime do Padre Amaro (pois a primeira paróquia do Padre Amaro era em Feirão). No seu “Roteiro Queirosiano da Fundação Eça de Queirós”, Campos Matos (1988) realça a importância de Tormes, quando afirma que os grandes escritores imortalizam os lugares com que constroem os seus mundos literários, fazendo deles locais de peregrinação. Neste sentido, Tormes tornou-se num desses sítios. A visita a Tormes pode seguir o percurso dos heróis do romance (Jacinto e Zé Fernandes). A paisagem que se avista, ao chegar, repousa e delicia16. O panorama duriense, feito de vales e serranias, cerca Tormes17 e envolve o viajante de beleza. Chega-se, depois, à vasta avenida de faias e ao largo onde nasce a casa18, e nela pode, finalmente, entrar-se, ainda pela mão do grande escritor19. Esta fundação, com fins culturais, educativos e artísticos, e cujo objectivo principal é perpetuar a memória do escritor, colaborando na divulgação da sua obra e promovendo o seu estudo em Portugal e no estrangeiro, possui um programa de actividades que passa pela intervenção cultural, pelo desenvolvimento da actividade comercial e

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O Hotel Quinta das Lágrimas foi inaugurado a 19 de Setembro de 1995. Fundação Eça de Queiroz, Quinta de Vila Nova – Tormes, Santa Cruz do Douro – Baião. 16 Querendo, releiam-se os excertos de A Cidade e as Serras, Lisboa, Ed. Livros do Brasil, 4ª Ed., que a seguir se indicam. Para começar, capítulo VIII, pp. 129 -130. 17 Op. Cit., Cap. VIII, pp. 132, 135-136. 18 Op. Cit., Cap. VIII, pp. 136-138. 19 Op. Cit., Cap. VIII, pp. 138-139 (os quartos), p. 140 (a cozinha), pp. 142-143 (a grande sala de entrada), pp. 165-166 e 168 (a capela). 15


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agrícola na região20 e pela actividade turística. Neste ponto, destacamse as visitas guiadas à Casa e Quinta de Tormes, percursos queirosianos na região de Tormes (Baião e Resende), percursos pedestres, tais como “Caminho de Jacinto”, a partir de Aregos (Estação de Tormes), percursos com o tema “Tormes e os Escritores de Baião” (Eça, Camilo, Soeiro, Redol) e percursos das “Casas dos Escritores”, de momento ao nível das regiões de Entre-Douro-e-Minho e Galiza (Eça, Camilo, Eugénio de Andrade, Teixeira de Pascoaes, entre outros). Relacionada com a promoção turística, surge a promoção da gastronomia queirosiana, componente que integra duas vertentes distintas, que são a cooperação com os restaurantes da região e a oferta autónoma feita pela fundação. Estas duas vertentes completamse e são, muitas vezes, promovidas em articulação com a vertente cultural. Mas os caminhos e roteiros turísticos propostos para a região de Baião não são os únicos que a obra do escritor sugere. Com Eça de Queirós, podemos descobrir, ou redescobrir, outros locais de Portugal que são ainda tão semelhantes aos de hoje. Em Lisboa, podemos examinar lugares que o autor descreveu, como a Rua das Flores, da tragédia com o mesmo nome, o Rossio, o café Nicola, as livrarias francesas, a Brasileira, o romântico Chiado ou, na Praça do Comércio, sentar no Martinho da Arcada. O ambiente romântico de Sintra serviu, também, de cenário à obra do escritor (Os Maias, Eça, O Mistério da Estrada de Sintra, Ramalho e Eça). Aproveitando esse facto, a Câmara Municipal de Sintra promove, por exemplo, “Itinerários Queirosianos”, acompanhados por especialistas. Fernando Pessoa soube, como poucos, viver Lisboa. E, pelos seus olhos, talvez nem seja preciso pegar num roteiro turístico para visitar o Chiado, porque, a alguns, mais do que visitar monumentos ou igrejas, apetece desfrutar longas horas sentado na esplanada da Brasileira ou no Martinho da Arcada, simplesmente a ver quem passa. Também podemos ir a Portalegre descobrir a cidade, criada e recriada por poetas e pintores, que José Régio elegeu como sua terra adoptiva, ou a Vila Viçosa, sítio histórico do distrito de Évora, berço da Dinastia de Bragança e de Florbela Espanca. Ou podemos deslumbrarnos com as amendoeiras em flor em Freixo de Espada-à-Cinta, vila onde nasceu Guerra Junqueiro. Ou visitar a Casa de Bocage em Setúbal e deliciar-nos com tudo o que a região tem para oferecer. Ou, ainda, passear a pé e sentir a vivência beirã e os ares frescos da serra Reestruturação da vinha, criação de uma marca e promoção e venda do vinho “Tormes”. 20


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a caminho do Fundão, terra de Eugénio de Andrade. Ou recordar Antero de Quental, percorrendo as ruas típicas de uma das mais belas cidades de Portugal, Ponta Delgada. Ou deixar-se repousar sobre si próprio, “esvaziado do que oprime ou inquieta” (Ferreira, 2001), ao contemplar a montanha onde nasceu Virgílio Ferreira. Ou... Imortalizados nas obras literárias, o património cultural (material e imaterial) bem como o património natural dos lugares de Portugal, poderão ser valorizados através do desenvolvimento do turismo literário, sempre na sua vertente de sustentabilidade.

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O PAPEL DO TURISMO NA EXPANSÃO DA ACTIVIDADE ECONÓMICA: SINOPSE DA LITERATURA THE ROLE OF TOURISM IN THE EXPANSION OF THE ECONOMIC ACTIVITY: SYNOPSIS OF THE LITERATURE Nino Matos da Fonseca* (ninomf@estg.ipvc.pt)

RESUMO O presente trabalho propõe uma classificação dos estudos relativos ao papel do turismo no crescimento e no desenvolvimento económico: estudos informais; análises de impacto económico; análises de bem-estar; sustentabilidade e aspectos ambientais; adaptações da hipótese do crescimento induzido pelas exportações; extensões ou aplicações das teorias do crescimento económico. Salientam-se as principais características e limitações de cada um destes grupos e sugerem-se linhas para a investigação futura. Palavras-chave: crescimento e desenvolvimento económico; desenvolvimento turístico.

ABSTRACT This paper proposes a classification of the studies concerning the role of tourism in economic growth and development: informal studies; economic impact analysis; welfare analysis; sustainability and environmental aspects; adaptations of the export-led growth hypothesis; extensions or applications of the economic growth theory. The main features of each one of these sets of studies are point out and lines of future research are suggested. Keywords: economic growth and development; tourism development.

* Assistente do 2º Triénio e docente de Princípios de Economia, Economia do Turismo e de Métodos Quantitativos de Apoio à Gestão. Pós-graduado e mestrando em Métodos Quantitativos Aplicados à Economia na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho.


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1. INTRODUÇÃO Nunca foi o turismo uma actividade económica tão importante. De acordo com o World Travel and Tourism Council Portugal (WTTCP, 2004), o emprego e o produto directamente atribuíveis ao turismo representam 2,8% e 3,8% do emprego e do Produto Interno Bruto (PIB) totais mundiais, respectivamente. Se considerarmos os impactos directos e indirectos do turismo, esses valores sobem para 8,1% e 10,4%. A importância económica do turismo é muito elevada para a União Europeia e ainda mais relevante para Portugal. Neste país, o emprego e o produto turístico correspondem a 8% e 6,7% dos valores do emprego e do PIB totais. Os mesmos agregados, mas considerando agora os seus efeitos directos e indirectos, representam 20% e 16,6% do emprego e do PIB. O interesse dos académicos pelo turismo acompanhou esta evolução. Desde o estabelecimento das reputadas Annals of Tourism Research e Journal of Travel Research no início da década de 1970, não deixaram de aparecer outras revistas exclusivamente dedicadas ao estudo científico e rigoroso da actividade turística. Paralelamente, multiplicaram-se os centros de investigação e as conferências internacionais subordinadas a esta temática. O reflexo óbvio destes desenvolvimentos foi o crescimento exponencial da investigação científica relativa ao turismo. O presente trabalho constitui uma resenha e classificação dos contributos dados pelos investigadores para a compreensão do papel do turismo enquanto factor de expansão da actividade económica. Trata-se de uma classificação e grelha de leituras que poderá ser muito útil quer para aqueles apenas intelectualmente interessados neste tema, quer para docentes encarregues da organização de disciplinas subordinadas ao papel do turismo no crescimento e no desenvolvimento económico, sobretudo ao nível da pós-graduação. A literatura relativa ao papel do turismo no crescimento e no desenvolvimento económico ganhou um novo fulgor ao longo dos últimos dez a quinze anos, depois de alguns contributos pioneiros, como os de Diamond (1977), Britton (1982), Sathiendrakumar (1989), Poon (1990) e Dieke (1993). Sem prejuízo de outras classificações, é possível incluir os estudos sobre esta temática dentro de (pelo menos) um dos seguintes grupos: estudos informais; análises de impacto económico; análises de bem-estar; sustentabilidade e aspectos ambientais; adaptações da hipótese do crescimento induzido pelas


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exportações; extensões ou aplicações das teorias do crescimento económico. A secção seguinte descreve as principais características de cada um destes grupos de estudos. A terceira e última secção faz um balanço geral das várias linhas de investigação descritas e apresenta algumas sugestões para trabalhos futuros.

2. CLASSIFICAÇÃO DOS ESTUDOS 2.1. Estudos informais O primeiro grupo diz respeito a abordagens que, podendo apresentar e descrever dados estatísticos relevantes, estão isentas de formulações matemáticas, procedimentos de inferência estatística ou análises econométricas. Aqui vamos encontrar, sobretudo, estudos de caso relativos ao papel do turismo no desenvolvimento económico (Hampton, 1997; Tooman, 1997; Clancy, 1999; Milne e Ateljevic, 2001) ou aspectos afins, tais como a redução da pobreza (Benavides, 2002), a ajuda externa (Lindberg et al., 2001), a transição económica (Szivas e Riley, 1999), o desenvolvimento rural (Telfer e Wall, 1996; Briedenhann e Wickens, 2004), a migração (Bell e Ward, 2000), o desenvolvimento regional (Agarwal, 1999; Baidal, 2003; Nash e Martin, 2003), entre outros. Para uma abordagem integrada consulte-se o trabalho de Sharpley e Telfer (2002).

2.2 Análises de impacto económico As análises do impacto económico do (ou no) turismo englobam aplicações empíricas ou desenvolvimentos teóricos de pelo menos um dos seguintes instrumentos de análise: modelos de entradas-saídas (IO, do inglês input-output), modelos computacionais de equilíbrio geral (CGE, do inglês computable general equilibrium) ou matrizes de contabilidade social (SAM, do inglês social accounting matrix). Como se sabe, o modelo IO permite calcular diferentes tipos de efeitos multiplicadores, em particular os chamados multiplicadores de tipos I e II. Para uma revisão das aplicações deste instrumento analítico no contexto do turismo, consulte-se Tisdell (2000). Dentro dos trabalhos mais recentes incluem-se análises do impacto económico do turismo nos Estados Unidos da América (EUA) (Chang, 2001), na Tanzânia (Kweka, Morrissey e Blake 2001) e nas Ilhas Canárias (Martin, 2003).


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Contudo, os modelos IO apresentam várias limitações, sendo uma delas particularmente relevante no caso do turismo: a não consideração das interacções espaciais entre agentes económicos e entre diferentes regiões. Nesse sentido, Fleischer e Freeman (1997) desenvolveram (e aplicaram ao caso do impacto económico do turismo em Israel) o modelo multirregional de entradas-saídas (MRIO, do inglês multiregional input-output), o qual ajusta o modelo IO aos efeitos de feedback entre a região em estudo e o espaço que lhe é exterior. Por seu turno, Caleiro (2005) desenvolveu um modelo IO destinado a determinar os efeitos multiplicadores com base na localização espacial das regiões para onde os turistas vão e de onde vêm. Uma outra forma de contornar a limitação apresentada diz respeito à aplicação da SAM. De facto, o modelo IO pode ser visto como um caso particular da SAM (Thorbecke, 1985, cit in Wagner, 1997), permitindo estas desagregações ao nível regional e, concomitantemente, o cálculo de multiplicadores regionais. Como exemplos, temos as aplicações de Wagner (1997) ao caso de Guaraqueçaba, no Brasil, e de Daniels, Norman e Henry (2004) à análise dos efeitos económicos de um evento desportivo realizado em 2001 na Carolina do Sul, nos EUA. As outras limitações dos modelos IO, sobejamente conhecidas (impossibilidade de substituição entre produtos, ausência de economias de escala, inexistência de limites para a capacidade produtiva, etc.), têm vindo a ser ultrapassadas através da aplicação, cada vez mais intensiva, de modelos CGE. Dwyer, Forsyth e Spurr (2004) discutem as virtudes destes modelos relativamente aos modelos IO, no contexto do turismo. Destacam-se aqui, entre outros, trabalhos subordinados aos efeitos económicos do turismo em Espanha (Blake, 2000), em Malta e no Chipre (Blake, Sinclair e Sugiyarto, 2003), nas Ilhas Galápagos (Taylor et al., 2003) e nas Ilhas Fiji (Narayan, 2004). Igualmente interessante é o estudo de Blake e Sinclair (2003), relativo ao efeito do atentado terrorista de 11 de Setembro de 2001 na actividade turística.

2.3. Análises de bem-estar As análises de bem-estar debruçam-se sobre os efeitos da expansão da actividade turística sobre uma determinada função de bem-estar, no contexto de modelos de equilíbrio geral com dois ou três sectores. Esta linha de investigação constitui um contraponto à premissa, largamente difundida e tacitamente aceite, de que o turismo é uma indiscutível opção estratégica de crescimento e desenvolvimento


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económico. Na verdade, e para além dos custos sociais, ambientais e também económicos (e.g. Weaver e Oppermann, 2000: 263-306; OMT, 2005: 201-243; Tribe, 2005: 255-306 e 355-429) subjacentes à expansão do turismo, a verdade é que, em determinadas circunstâncias a dita expansão pode conduzir ao empobrecimento e à degradação do bem-estar dos residentes dos mercados receptores. Copeland (1991) e Hazari e Ng (1993) constituem duas referências pioneiras nesta área. Abordagens mais recentes têm-se centrado nos efeitos económicos decorrentes de uma expansão do turismo na presença de imigração ilegal (Chesney e Hazari, 2003) e de diferentes formas de tributação da actividade turística (Hazari e Nowak, 2003); a questão do ajustamento estrutural, no qual a evolução da actividade turística interage com a evolução dos restantes sectores, foi analisada por Nowak, Sahli e Sgro (2004). Para uma revisão sucinta da literatura teórica e empírica disponível consulte-se, por exemplo, Sahli e Nowak (2005) e Gooroochurn e Blake (2005).

2.4. Sustentabilidade e aspectos ambientais Os estudos sobre a sustentabilidade e aspectos ambientais debruçam-se sobre os limites e os custos ambientais do desenvolvimento turístico. Aqui vamos encontrar, em primeiro lugar, abordagens genéricas a essa problemática, tais como as apresentadas por Constantino e Tudini (2003) ou por Markandya, Taylor e Pedroso (2003). Um outro subconjunto de trabalhos diz respeito a reflexões contextualizadas, em particular nos países em desenvolvimento (Mowforth e Munt, 1997), em ilhas (García-Falcon e Medina-Muñoz, 1999) ou em países específicos (Turquia, Tosun, 2001; Croácia, Taylor, Fredotovic e Povh 2003). Um terceiro leque de trabalhos desenvolve-se em torno de discussões multifacetadas, nas quais a questão da sustentabilidade do turismo interage com o crescimento e o desenvolvimento económico (Wahab e Pigram, 1997), com o planeamento regional (Piga, 2003), ou com a globalização (Martins, 2004). Recentemente, têm vindo a ser desenvolvidos modelos matemáticos nos quais o desenvolvimento do turismo (e, concomitantemente, o crescimento económico) depende do consumo de um recurso não renovável que lhe é indispensável (e.g. recursos naturais e/ou culturais). Aqui, vamos encontrar os trabalhos de Casagrandi e Rinaldi (2002), Léon, Hernández e Gonzalez (2003), Palmer (2004), Palmer, Ibañéz e Gómez (2003), Bandolini e Mosetti (2005), Giannoni e Maupertius (2005) e Lozano, Gomez e Rei-Maquieira (2005).


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2.5. Adaptações da hipótese do crescimento induzido pelas exportações De acordo com a hipótese do crescimento induzido pelas exportações (do inglês export-led growth), a expansão da actividade exportadora constitui uma importante fonte de crescimento económico (McKinnon, 1964; Bhagwati e Srinivasan, 1979; Krueger, 1980; Helpman e Krugman, 1985; Grossman e Helpman, 1991). Se encararmos o turismo como uma actividade exportadora - embora com características especiais, na medida em que a mobilidade está do lado do consumidor e não do lado do produto (Copeland, 1991) -, é natural que da anterior se derive a chamada hipótese do crescimento induzido pelo turismo (do inglês tourism-led growth) primeiramente avançada por Balaguer e Cantavella-Jordá (2003). Estes autores analisam a causalidade entre o turismo e o crescimento económico em Espanha, no contexto de um modelo bivariado. Idêntico procedimento é adoptado por Dritsakis (2004) para a Grécia, Oh (2004) para a Coreia, Gunduz e Hatemi-J (2005) para a Turquia e Kim, Chen e Jan (2006) para Taiwan. Dois trabalhos que se destacam são os de Durbarry (2004), relativamente à ilha Maurício, e Cortés-Jimenez e Pulina (2006), relativamente às economias espanhola e italiana. Ao contrário dos anteriores, e por um lado, estes autores analisam ambas as hipóteses, crescimento induzido pelas exportações e crescimento induzido pelo turismo. Por outro lado, fazem-no com base em funções de produção inspiradas nas novas teorias do crescimento, introduzindo o capital humano como variável explicativa adicional.

2.6. Extensões ou aplicações das teorias do crescimento O último grupo de trabalhos aqui considerado diz respeito às extensões ou aplicações das teorias do crescimento económico. São de destacar, desde logo, os contributos teóricos de Lanza e Pigliaru (1994, 2000a) que, baseando-se no modelo de crescimento endógeno com dois sectores de Lucas (1988), derivam as condições necessárias para que a especialização em turismo não seja prejudicial ao crescimento económico. Paralelamente, procuram explicar por que é que as economias dos países pequenos especializados em turismo têm revelado taxas de crescimento mais elevadas do que outros grupos de países. Estas teses foram alvo de avaliação empírica posterior por parte de Lanza e Pigliaru (2000b), Brau, Lanza e Pigliaru (2003) e Lanza, Temple e Urga (2003). Os contributos de Lanza e


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Pigliaru também serviram de inspiração ao trabalho de Valente (2005), que desenvolveu um modelo de crescimento endógeno com dois países e dois sectores (sendo um deles o turístico), destinado a explicar a dinâmica de longo prazo de uma economia especializada em turismo. Modeste (1995) e Skerrit e Huybers (2005), na sua senda, adoptam o modelo de Feder (1983) ao estudo dos efeitos do turismo no crescimento económico. Em ambos os casos, os autores submetem os seus modelos à validação empírica através de regressões cross-country. De notar que estes dois trabalhos, tais como os de Durbarry (2004) e Cortés-Jimenez e Pulina (2006), também podiam ser incluídos nas adaptações da hipótese do crescimento induzido pelas exportações ao turismo - pois o modelo de Feder (1983) destina-se, precisamente, a estudar o efeito da actividade exportadora no crescimento económico. Contudo, enquanto os dois últimos se inspiram na nova teoria do crescimento, a base teórica dos dois primeiros é função da produção neoclássica com apenas dois factores produtivos. Finalmente, destacam-se os trabalhos de Eugenio-Martin, Morales e Scarpa (2003), Sequeira e Campos (2005) e Proença (2005), que analisam empiricamente o processo de convergência condicional entre vários países ou regiões, introduzindo o grau de especialização em turismo como factor condicionante adicional.

3. CONCLUSÃO Cada um dos grupos de estudos apresentados oferece uma perspectiva indispensável para a compreensão cabal deste fenómeno multifacetado que é o papel do turismo na expansão da actividade económica e na melhoria do bem-estar das populações. De facto, nenhum deles consegue, por si só, abarcar toda a complexidade do fenómeno em causa. Sem questionar o interesse e a validade destes estudos, devemos considerar algumas das suas principais limitações. Tratando-se, muitas vezes, de abordagens multidisciplinares oriundas da Antropologia, da Sociologia, da Geografia ou de outras ciências sociais, os estudos informais têm a vantagem de apresentar perspectivas que ajudam a enriquecer as análises e os conhecimentos do economista. Contudo, a sua informalidade pode fazer parecer as respectivas conclusões pouco robustas ou dificilmente generalizáveis. As análises de impacto económico constituem retratos estáticos acerca do papel do turismo na actividade económica. É certo que a


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aplicação de um ou mais destes modelos ao longo de vários anos, tal como sugerido por Reis e Rua (2006), pode fornecer-nos uma perspectiva evolutiva da incidência económica do turismo. Contudo, tal não constitui uma verdadeira análise da interacção dinâmica de longo prazo entre o desenvolvimento do turismo e o crescimento económico. As análises de bem-estar e os estudos sobre a sustentabilidade e aspectos ambientais decorrentes do desenvolvimento turístico, se bem que muito relevantes e pertinentes, nem sempre abordam explícita ou directamente o papel do turismo no crescimento económico de longo prazo. Para além disso, muitas vezes essa abordagem é feita à luz de distorções que apenas são relevantes em situações muito específicas (como é o caso dos efeitos da expansão do turismo na presença de imigração ilegal). A análise da hipótese do crescimento induzido pelo turismo e as extensões ou aplicações das teorias do crescimento económico constituem linhas de investigação que têm a vantagem de testar empiricamente o contributo do turismo para o crescimento económico de países ou grupos de países específicos. Contudo, ainda está por apresentar um estudo, ou conjunto de estudos, que responda a questões que pairam nas mentes dos investigadores. Do leque de nações que constituem o mundo, quais são os países nos quais o turismo efectivamente contribuiu para o crescimento económico? Que características comuns são partilhadas por estes países? São países pequenos? São países relativamente mais pobres? Estas são, entre outras, questões que ainda podem vir a constituir linhas de investigação muito frutuosas e interessantes.

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O MATERIALISMO ENTRE GERAÇÕES DE JOVENS PORTUGUESES MATERIALISM IN PORTUGAL: COMPARING GENERATIONS Fernando Sá Neves dos Santos* (fneves@ipg.pt) e Maria Manuela de Sá Neves** (mfigueira@ipg.pt)

RESUMO

As sociedades ocidentais são consumistas onde o materialismo assume um papel importante (McCracken, 1990). Com base em duas amostras de jovens universitários de Portugal, uma de 500 recolhida em 1996, e uma outra, obtida em 2005 com 143 jovens, procedemos à análise e comparação dos valores materialistas entre estes jovens, através da adaptação da escala de valores materialista de Richins e Dawson (1992). Através da análise factorial confirmatória, com recurso aos modelos de equações estruturais, estimamos as diferenças de sentimentos materialistas entre as duas gerações de jovens estudantes universitários. A tentativa de estabelecer um modelo materialista de 2ª ordem também é válida para estimar o materialismo entre os grupos de jovens. A diferença significativa ao nível da forma como encara o sucesso em termos materialistas indica que a geração actual sente menos ansiedade relativamente à avaliação do seu sucesso e dos outros com base em bens materiais, tal como se verifica que o factor centralidade constitui aquele que menos contribui para o nível de materialismo de todos os jovens do estudo. Palavras-Chave: Valores; Mudança; Materialismo; Jovens.

ABSTRACT Western societies are consumser societies where materialism has an important role (McCracken, 199). With two samples of Portuguese university student, the first one obtained in 1996 with 500 inquiries, and the other obtained in 2005 with 143 inquiries, we compare the materialism values between those young students adapting Richins and Dawson (1992) Materialism Values Scale (MVS). Through confirmatory factorial analysis using the structural equations models, we estimated the differences in materialistic feelings between the two generations presented in the samples. With the materialism evaluation between groups we attempted to establish a second order multigroup model. The significant difference in the way they look at success in materialistic terms shows that the current generation of youth has a


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lower anxiety level in evaluating their own success and that of others based on material goods, just as we also found that centrality factor contributes less to materialism levels among all the young people studied. KEYWORDS: Values; Changing; Materialism; Young People.

* Doutor em Gestão, especialização em Marketing pelo ISCTE, Mestre em Gestão pela UBI, Licenciado em Gestão de Empresas pela UBI. Coordenador da Unidade de Investigação para o Desenvolvimento do Interior (UDI/IPG). Prof. Adjunto da ESTG do Instituto Politécnico da Guarda. ** Mestre em Matemática Aplicada à Economia e à Gestão pelo ISEG, Licenciada em Gestão de Empresas pela UBI. Membro do Unidade de Investigação para o Desenvolvimento do Interior (UDI/IPG). Profª Adjunta da ESTG do Instituto Politécnico da Guarda.


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1. INTRODUÇÃO Os valores sempre fizeram parte da vida humana e das sociedades, são citados desde a mais antiga literatura escrita e integram todas as referências bibliográficas básicas de qualquer grande religião (Budismo, Cristianismo, Hinduísmo, Islamismo e Judaísmo) (Lindridge, 2005; Schwartz, 1994a). Os valores são menções na vida dos indivíduos que orientam condutas, formam e fortalecem crenças e desenvolvem juízos (Hofstede, 1997). O resultado do envolvimento dos indivíduos em sociedade traduz-se nas diferentes oportunidades e opções que estão disponíveis para cada um, que moldam e apadrinham os princípios e valores que vão orientar a sua vida, os comportamentos e atitudes futuras. “Values

are more closely related to behaviour than are personality traits and those values are less numerous, more central, and more immediately related to motivation than are attitudes” (Dioko, 1996, p.8). Conhecer os

valores que orientam a vida dos indivíduos é fundamental para entender as atitudes, as acções, os juízos respectivos e prever os seus padrões de comportamento (Hofstede, 1997). Existe uma relação entre valores e comportamento dos indivíduos (Fishbein e Ajzen, 1975), que ajuda a explicar a relação entre o consumidor e o comportamento de consumo (Fishbein, 1980). Normas subjectivas de expectativas de outros - amigos e familiares podem determinar o comportamento do indivíduo, o que significa que nem sempre o comportamento estará sob o domínio individual (Phau e Kea, 2007). Os jovens de diferentes idades têm valores ou princípios e motivações diferenciadas (John, 1999), desenvolvem valores materialistas consoante as experiências que lhes induzem insegurança e de acordo com a exposição a modelos e preceitos materialistas que lhes são transmitidos pela televisão, pela informação e em função da motivação social que resulta do visionamento de publicidade (Kasser et al., 2004). A importância dos bens materiais na vida dos indivíduos e da sociedade não corresponde necessariamente ao seu desejo e nível de materialismo (Ladwein, 2005). Os bens materiais contribuem para definir a identidade individual (Belk, 1988; Passas, 1997, cit. por Chang e Arkin, 2002), muitas vezes construída em torno das influências que recebem dos amigos (Chang, Zhang, Wang, 2006). O mundo actual depende do consumo e encoraja os indivíduos a adquirir bens, pressionando-os a assumirem uma atitude de procura


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incessante (Brand Startegy, 2007). No mundo contemporâneo, os jovens vivem num mundo de abundância, riqueza e opulência (Graham e Handam, 1987), num ambiente em que os media alimentam os desejos de consumo, numa sociedade que ambiciona uma vida menos dependente do trabalho e mais direccionada para os prazeres da vida (Moses, 2000; Ritchie, 1995). Segundo Hong, Muderrisoglu e Zinkham (1987), obtém-se maior nível de satisfação com a vida se assentirmos com o materialismo, porque este transmite a ideia de ser influente, rico e próspero. Os bens de consumo em quantidade e qualidade contribuíram para que se tenha vindo a alcançar o maior conforto individual e social. Neste sentido, a evolução da Humanidade impele as pessoas a valorizarem os bens materiais e incrementa o materialismo como um valor social a cada vez mais indivíduos e sociedades (Fournier e Richins, 1991; Giddens, 1998, 1999). “(...) as people have moved from

face-to-face societies in which the status of each individual is a matter of common Knowledge to relatively anonymous societies in which status must often be inferred from an individual’s physical possession.” (McCracken, 1990, p.33). Desta forma, cada vez mais os sentimentos materialistas estão associados aos desejos de alcançar a felicidade, o sucesso e a realização pessoal. A publicidade, revistas, televisão e a valorização do desporto encorajam a visão de que vencer é a única opção (Brand Strategy, 2007). Este artigo reporta uma análise do materialismo entre os jovens portugueses assente na escala de medida de materialismo de Richins e Dawson (1992), com a análise dos valores materialistas entre duas gerações de jovens estudantes universitários em Portugal.

2. REVISÃO DE LITERATURA O conceito de materialismo tem merecido uma crescente atenção nas últimas duas décadas, como podemos verificar pelos exemplos da tabela 1. Os inúmeros estudos são desenvolvidos com as mais variadas populações, com recurso a diferentes escalas de medida e têm por objectivo a tentativa de associar, explicar ou tentar perceber as consequências e influências que este valor tem no comportamento dos indivíduos como consumidores. O comportamento de consumo resulta das influências que recaem sobre os indivíduos durante o seu crescimento (Zhang, Gelb,


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1996; Rose, 1999). A comunicação ou media (Carlson, Grossbart, Walsh, 1990), a educação e a vivência em sociedade (Alsop, 1988; Rindfleisch, Burroughs, Denton, 1997; Tai, 2004; Walsh, Mitchell, Thuray, 2001) são também factores de influência para o comportamento do indivíduo. Muitos dos valores humanos estão associados ao materialismo (Schwartz, 1994b), e um dos maiores objectivos da sociedade e dos indivíduos converteu-se em conseguir bens em quantidade e qualidade (Weber, 1958, citado por Belk, 1983), para garantir conforto individual e demonstrar aos outros o seu sucesso (Richins e Dawson, 1992). Materialismo está associado a muitos objectivos e ambições pessoais (Netemeyer, Burton e Lichtenstein, 1995). Tabela 1: Estudos de Materialismo Autores Ward e Wackman Moschis e Churchil, Belk Belk

Ano 1971 1978 1984b 1985

Amostras EUA EUA EUA EUA

Richins O’Guinn e Faber Fournier e Richins Richins e Dawson

1987 1989 1991 1992

EUA EUA EUA EUA

Faber e O’Guinn

1992

EUA

Ditmar e Pepper Richins Richins Claxton, Murray e Janda Ger and Belk

1994 1994 1994 1995 1996

Mick Webster e Beatty Bachman Browne e Kaldenberg

1996 1997 1997 1997

R. Unido EUA EUA EUA 12 países EUA 2 países EUA EUA

Rindfleisch, Burroughs e Denton

1997

EUA

Autores Eastman et al. Muncy e Eastman Chang e Arkin Wong, Rindfleisch e Burroughs Roberts, Manolis e Tanner Richins Christopher et al. Kilbourne, Grunhagen e Foley Shrum, Burroughs e Rindfleisch Chaudhuri e Haldar Kamineni Ladwein Chan, Zhang e Wang Fitzmaurice e Comegys Wang e Wallendorf Roberts, Manolis e Tanner Cheung e Prendergast Chan

Ano 1997 1998 2002 2003

Amostras 3 países EUA EUA 5 países

2003 2004 2005 2005

EUA várias EUA 3 países

2005

EUA

2005 2005 2005 2006 2006

Índia Austrália França China EUA

2006 2006 2006 2006a 2006b

EUA EUA 2 países China China

O materialismo corresponde à orientação do indivíduo para a valorização da posse de objectos (Chang e Arkin, 2002). O sentido de vida passa a estar na posse e aquisição de mais objectos (Richins, 1994a, 1994b) que garantam reconhecimento social (Christopher et al., 2005; Browne e Kaldenberg, 1997). Influencia os indivíduos ao nível


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dos valores éticos que predominam nas suas atitudes (Muncy e Eastman, 1998), na valorização dos bens materiais para alcançar a felicidade e o progresso social (Ward e Wackman, 1971; Richins e Dawson, 1992; Zinkhan, 1994), na forma de conquistar uma autoimagem mais positiva (Ditmar e Pepper, 1994) ou para obter um estatuto social perante terceiros (Christopher et al., 2005; Christopher e Sclenker, 2004; Mick, 1996). O materialismo está presente em todos os consumidores, com desejos de obter mais bens e meios para adquirir mais produtos e serviços, valorizando os desejos e necessidades materiais em detrimento de valores espirituais (Fournier e Richins, 1991). Os bens estão associados a sentimentos variados: de posse, de ambição de felicidade, de alcançar o sucesso e de garantir status social (Belk, 1985; Ger e Belk, 1996; O’Guinn e Faber, 1989). Claxton, Murray e Janda (1995) afirmam que o materialismo está relacionado com os laços sociais e emocionais que permitem a interacção social e a afirmação da individualidade. O sonho com aquisições materiais é comum, estão em sintonia com as atitudes e práticas de uma cultura (Chaudheri e Haldar, 2005). As diferenças culturais reflectem-se nas dimensões e no tipo de materialismo. Dickins e Ferguson, em 1957 (cit. por Belk, 1983), começam a tentar perceber e medir o materialismo entre os jovens. Campbell (1969) inicia a medição de atitudes materialistas, continuada por Ward e Wackman (1971) e Wackman, Reale e Ward (1972). A evolução da pesquisa passa por medir o materialismo assente em diversas formas, atributos pessoais materialistas (Burdsal, 1975; Bengston e Lovejoy, 1973), necessidade ou desejo de aquisição (Moschis e Churchil, 1978; Jackson, Ahmed e Heapy, 1976), no propósito de materialismo, instrumental ou terminal (Belk, 1983, 1984a, 1984b, 1985; Richins e Dawson, 1992). Surgem outros investigadores com esta preocupação, que passam a efectuar pesquisas com amostras de outros países para avaliar e conhecer o materialismo presente nessas sociedades, para tentar conhecer as razões de tal comportamento e identificar os factores que induzem esse comportamento (Englis, Solomon, 1995; Englis, Solomon, Olofsson, 1993; O’Guinn, Shrum, 1997; Chan, Zhang e Wang, 2006), etc..


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3. MATERIALISMO E MUDANÇA DE VALORES O crescimento económico fomenta o consumismo e as culturas ocidentais enfatizam os sucessos financeiros dos indivíduos, o que conduz estes a desejarem a posse de quantidades e qualidade de bens materiais, transformando a compra num momento de prazer procurado (Ger e Belk, 1996). Os jovens concentram-se mais na obtenção de bens que lhes fornecem a sensação de sucesso e de felicidade (Richins e Dawson, 1992). Materialismo representa a devoção pelos bens materiais, para o conforto, em detrimento das matérias espirituais ou intelectuais (Chang e Arkin, 2002). As sociedades ocidentais têm transmitido às gerações mais novas o desejo crescente por bens materiais, através da publicidade, da educação familiar, da formação escolar e da própria vivência social, o que origina sentimentos materialistas nos indivíduos (Zhang e Gelb, 1996; Rose, 1999), para quem o sentido da vida passa a estar na posse e aquisição de mais objectos (Richins, 1994a) que lhe propiciem reconhecimento social (Christopher et al., 2005). Embora o materialismo seja um valor comum das sociedades industrializadas e ocidentais (Fromm, 1976), existem diferentes graus de desejo de bens materiais (Chang e Arkin, 2002). A pesquisa na área do materialismo sugere que as pessoas que enfatizam a aquisição e posse de bens materiais são consideradas materialistas, enquanto que as que não sentem esta necessidade de ter e adquirir cada vez mais são consideradas não materialistas (Belk, 1985; Richins, Dawson, 1992; Richins, 1994b). Estes sentimentos materialistas estão presentes em todas as culturas, mas as diferenças entre o que ambicionam e valorizam difere entre as culturas, porque o entendimento daquilo que cada cultura considera importante é também diferente e ainda de forma mais clara consoante o momento que vivem (Hofstede, 1997). Cada sociedade manifesta as suas diferenças culturais nas mais variadas formas, traduzindo-se, por vezes, apenas em expressões ou linguagem diferentes para os mesmos significados, na interpretação diferenciada dos mesmos acontecimentos ou na atribuição de diferentes significados para algo similar (Hofstede, 1997; Zhang e Gelb, 1996; Rose, 1999). A evolução das culturas ocorre sob a influência de vários factores, as pressões que resultam das alterações tecnológicas e económicas conduzem a mudanças sociais e naturalmente a mudanças culturais. O actual período da história da Humanidade vai no sentido da mundialização, cujas alterações e avanços ao nível tecnológico, político, regulamentar e sócio-económico provocam


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alterações na vivência dos indivíduos, grupos e sociedades, embora os seus efeitos não se façam sentir em todas as características de uma cultura, quer na forma, quer na intensidade. Os progressos económicos e sociais determinam, então, visões diferenciadas das mesmas palavras, imagens, produtos e comportamentos. Para Belk (1985), aquisição de bens pode significar apenas a vontade de possuir - materialismo terminal, mas pode também constituir um meio para atingir objectivos ou metas pessoais - materialismo instrumental. O conceito de materialismo tem demonstrado a sua importância no comportamento dos consumidores, no seu relacionamento directo com os comportamentos de compra compulsiva, na valorização das posses materiais, alterando os padrões de consumo (Richins, 1994a, 1994b). Browne e Kaldenberg (1997) encontraram uma relação estreita entre o nível de materialismo e o envolvimento dos indivíduos com a compra de vestuário. O materialismo tem ainda influência nos princípios que orientam a vida dos indivíduos, quer ao nível dos valores éticos que predominam nas suas atitudes (Muncy e Eastman, 1998), quer na valorização dos bens materiais como forma de alcançar a felicidade e o progresso social (Ward e Wackman, 1971). As atitudes materialistas representam também uma forma de os indivíduos encobrirem a sua insegurança relativamente à sociedade (Chang e Arkin, 2002), resultando em alterações de comportamento quando na presença de terceiros (Christopher et al., 2005). Segundo Richins e Dawson (1992), o processo de aquisição de bens pelos indivíduos resulta do facto de existirem necessidades, sentimentos ou vontades pessoais em obter determinado bem ou serviço. O anseio de posse ou aquisição assenta em sentimentos que pressupõem interesses para além do próprio bem ou serviço desejado. Com base neste entendimento, estes autores identificaram a existência de três dimensões materialistas associadas a traços de personalidade dos indivíduos. A primeira dimensão resulta da convicção de que, para avaliar o sucesso alcançado na vida do indivíduo e de terceiros, os materialistas fazem-no através da identificação da quantidade e qualidade de bens que possuem. O sentimento materialista relacionado com o sucesso – “Posse significa Sucesso” (Possession-defined Success) - implica que a avaliação dos bens é efectuada em função do seu custo e quantidade, em detrimento da satisfação que proporcionam.


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A segunda dimensão - “Centralidade na Aquisição” (Acquisition Centrality) - representa a vontade individual em acumular bens. Para

Richins e Dawson (1992), para um materialista adquirir bens é, um acto marcante, válido por si, que proporciona a forma de atingir um elevado nível de consumo. Constitui um estilo de vida, um objectivo, revela-se um acto de prazer, entendido como uma finalidade de vida ou de entretenimento que lhe proporciona a acumulação de mais bens. Os indivíduos que entendem a posse e a aquisição de bens como algo essencial para alcançar a felicidade denotam uma orientação que não distingue o progresso social, o bem-estar e a felicidade da posse de bens materiais. Estes indivíduos justificam a terceira dimensão materialista, identificada por Richins e Dawson (1992) - “Aquisição para alcançar a Felicidade” (Acquisition as the Pursuit of Happiness).

4. MÉTODO Com base numa amostra de 500 jovens universitários de duas instituições de ensino superior de Portugal, recolhida em 1996, e uma outra obtida mais recentemente, em 2005, entre 143 alunos universitários, procedemos à análise e comparação dos valores materialistas entre estes jovens, com base nas respostas à escala de valores materialistas (MVS) de Richins e Dawson (1992). MVS é uma escala com 18 itens, que inclui três dimensões - centralidade, felicidade e sucesso e que utiliza uma escala de Likert de 5 níveis: 1-discordo em absoluto a 5-concordo em absoluto. Pretendemos determinar de que forma os diferentes ambientes sociais e económicos vividos contribuem para diferenças ao nível dos valores e sentimentos materialistas. Poderíamos ter recorrido ao modelo mais simples, de apenas 9 itens, defendido por Richins (2004), para avaliar o nível de materialismo entre os jovens, facilitando a comparação entre grupos, dada a sua maior simplicidade dos modelos. Contudo, utilizar a escala original de 18 itens permite garantir a especificidade de cada cultura (no nosso caso, os jovens portugueses). Recorremos à análise factorial confirmatória (CFA) entre grupos, através dos Modelos de Equações Estruturais (SEM) de primeira e segunda ordem. A CFA possibilita a avaliação da equivalência das medidas para efeitos de comparação (Hair et al., 1998; Pestana e Gageiro, 2000), e, através dos SEM, podemos estimar as relações de


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dependência múltiplas e inter-relacionadas entre indicadores observáveis e variáveis não observadas, designadas por latentes, verificando as relações teóricas de um modelo (Salgueiro e Reis, 2000; Byrne, 1998). Com o recurso aos modelos multigrupo de equações estruturais podemos encontrar os padrões invariantes entre os grupos para a comparação dos factores identificados e o nível de importância que assume cada um dentro do respectivo grupo (Myers et al., 2000; Hair et al., 1998). Procedemos à avaliação da dimensionalidade da escala de materialismo, através da análise factorial confirmatória com os dados dos grupos envolvidos no nosso estudo e aplicada aos 18 itens da escala, invertendo os valores dos itens formulados de forma negativa, quer para o modelo multigrupo de 1ª ordem, quer para o de 2ª ordem. A análise foi efectuada com recurso ao software AMOS, versão 4.0 (Arbuckle e Wothke, 1999), com base nos dados obtidos através de inquéritos, com maximum likelihood estimation e uncorrelated measurement errors. Entre as respostas obtidas, apenas foi possível validar 477 inquéritos entre os recolhidos em 1996, e 119 inquéritos nos obtidos em 2005, com os jovens repartidos pelos grupos etários conforme a tabela 2. Tabela 2: Grupo etário dos jovens em estudo Estudo 1996 2005

18-20 45,0 85,7

Grupo etário (anos) 21-23 24-25 40,1 13,8 12,6 1,7

+ 25 1,1 0

% 100 100

5. ANÁLISE DE DADOS Os sentimentos materialistas estão presentes em todos os consumidores, embora com diferentes níveis para cada um dos sentimentos (Fournier e Richins, 1991). As diferenças que se podem encontrar entre os variados indivíduos resultam das suas características psicográficas (Rosenberg, 1979, cit. por Hong e Zinkhan, 1995), mas estão também de acordo com as diferenças no ambiente social e económico que rodeiam os indivíduos (Heath, 1995; Wells e Tigert, 1971). Para conhecer as diferenças de atitudes materialistas que se registam nas diferentes gerações é necessário testar a aplicabilidade de escalas de medida entre os grupos.


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Segundo Arbuckle e Wothke (1999), podem ser utilizadas várias medidas para avaliar o ajustamento dos modelos aos dados, e a opção por medidas específicas depende das opções dos investigadores. Estimámos primeiro o modelo original das medidas de materialismo com todos os 18 itens, de Richins e Dawson (1992) para ambos os grupos, resultando que um dos índices de ajuste global apresenta um valor quase aceitável para os dados relativos às respostas obtidas no ano de 1996, enquanto que, para os dados resultantes do inquérito recolhido em 2005, nenhum dos indicadores se pode considerar aceitável (tabela 3). Segundo Arbuckle e Wothke (1999), podem ser utilizadas várias medidas para avaliar o ajustamento dos modelos aos dados, e a opção por medidas específicas depende das opções dos investigadores. O CMIN ou χ 2 representa o teste estatístico de adequação da amostra. Embora este teste não seja fiável quando as amostras são grandes, é muito utilizado como medida de comparação entre diferentes modelos (Byrne, 2001). O rácio CMIN/DF avalia a adequabilidade do modelo e deve estar próximo de 2 e abaixo de 5. O índice de ajustamento Goodness-of-Fit (GFI) compara o ajustamento dos dados ao modelo, mede a variância relativa dos dados da amostra e deve estar próximo de 1. O índice comparativo de ajustamento (Comparative fit index – CFI) fornece a medida da covariação completa dos dados, indiciando o bom ajustamento dos modelos. O coeficiente de Tucker Lewis (TLI) é outra medida de ajustamento que combina a medida de moderação ou economicidade do modelo num índice comparativo entre o modelo proposto e o modelo nulo. A raiz quadrada da média dos erros (RMSEA) expressa o erro de aproximação da população, cujos valores inferiores a 0,05 indicam um bom ajustamento. Estudo 1 Temos, então, que proceder a algumas alterações ao modelo original para permitir a análise. Como resulta da análise da estrutura dos pesos factoriais e dos índices de modificação, o item 12, “Gosto de muito luxo na minha vida”, incluído na subescala “Centralidade nas Aquisições” reparte o seu peso entre esta dimensão e ambas as restantes, mas os valores do índice de modificação indiciam pesos cruzados entre a primeira e a segunda dimensões (a subescala “Posse significa Sucesso”) nos países em estudo, pelo que se estabeleceu o cross-loading para este item. O item 9 no segundo factor, “As coisas que possuo não são muito importantes para mim”, apresenta um peso não significativo para os dois grupos, pelo que este item não deve ser


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considerado. O item 18, “Às vezes, entristece-me um pouco que não possa comprar todas as coisas que quero”, também apresenta no primeiro factor um peso não significativo, pelo que deixa de ser considerado para a justificação. No primeiro factor verifica-se ainda que existe um nível elevado de correlação dos erros relativos aos itens 3 e 6, respectivamente “Não dou muita importância à quantidade de objectos materiais que as pessoas têm como sinal de sucesso” e “Não dou muita atenção aos objectos materiais que os outros possuem”. Este elevado nível de correlação indicia que existem erros sistemáticos de medida nas respostas a estes itens, o que advém provavelmente do facto de ambos representarem a mesma questão, pelo que o item 6 não será considerado. Depois de efectuadas as alterações, obtivemos melhorias ao nível dos diferentes índices do modelo para cada grupo, embora não se possam considerar como aceitáveis uma vez que os valores relativos ao grupo de jovens que em 2005 frequentavam o ensino superior não indiciam um bom ajustamento do modelo (tabela 3, alteração I) o que impossibilitaria a garantia de invariância entre grupos, inviabilizando a comparação. Existe a necessidade de continuar a introduzir algumas alterações ao modelo, para uma correcta análise e comparação dos sentimentos em estudo entre os grupos envolvidos. Aliás, a análise aos pesos de cada item confirma a dificuldade de ajuste do modelo relativo ao grupo de jovens de 2005, uma vez que 3 novos itens surgem como não significativos nos respectivos factores, como é o caso do item 3, “Não dou muita importância à quantidade de objectos materiais que as pessoas têm como sinal de sucesso”, para o primeiro factor, item 13, “Dou menos importância às coisas materiais que a maioria das pessoas que conheço”, para o segundo factor, e o item 16, “Não seria mais feliz se tivesse coisas mais bonitas”, para o terceiro factor. Tabela 3: Medidas de ajustamento do modelo de Materialismo de Richins e Dawson (1992) Modelo Original Alteração I Alteração II

Dados 1996 2005 1996 2005 1996 2005

Inq. CMIN g.l. CMIN/DF Válidos 477 484,466 131 3,698 119 209,644 131 1,600 477 316,862 100 3,272 119 142,788 100 1,404 477 198,635 61 3,256 119 70,041 61 1,148

GFI

CFI

TLI

RMSEA

0,894 0,828 0,922 0,860 0,942 0,916

0,738 0,716 0,825 0,823 0,874 0,956

0,694 0,668 0,790 0,788 0,839 0,944

0,075 0,071 0,067 0,060 0,069 0,035


121

Assim, com base nestas alterações foi possível avançar para a análise simultânea dos dois grupos, uma vez que se garantiram níveis adequados de ajustamento do modelo de 1ª ordem (anexo) para os dois grupos (tabela 3, alteração II), garantindo a existência de uma mesma estrutura do modelo de análise factorial para os dois grupos, o que permite uma comparação adequada da invariância entre os grupos de indivíduos envolvidos. A análise factorial simultânea para os grupos das duas gerações (tabela 4) apresenta os índices que possibilitam considerar que se garanta a adequação do modelo e permite que se possa avançar na análise comparativa dos sentimentos materialistas das gerações. Os pesos ou loadings dos itens são todos significativos no respectivo factor (p<0,05). Num total de 28 loadings ou pesos estandardizados, 86% excedem os 0,4, o que nos sugere a adequação do modelo aos dados. Tabela 4: Medidas de ajustamento do modelo corrigido de Materialismo para a geração dos jovens portugueses Modelo comum

Dados

Inq. Válidos

1996 2005

477 119

CMIN

Graus CMIN/DF GFI CFI TLI RMSEA Liberdade 268,782 122 2,203 0,937 0,887 0,855 0,045

O facto de as variáveis latentes ou factores apresentarem correlações moderadas entre a primeira e a segunda subescalas (0,186; 0,211), correlações ténues entre a segunda e a terceira subescalas (0,036; 0,155) e correlações elevadas entre a primeira e a terceira subescalas (0,401; 0,446), leva-nos a considerar outros modelos para avaliar a sua validade discriminante. Foi comparado o valor estatístico χ 2 de um modelo unidimensional para cada um dos grupos ( χ 2 =675,154 (GL=65); 157,386 (65), dados de 1996 e 2005, respectivamente), com o valor do qui-quadrado do modelo de 3 factores, e as diferenças significativas indicam um melhor ajustamento do modelo de 3 factores. Procedemos de igual forma, considerando várias combinações possíveis de modelos bidimensionais, e também neste caso o modelo tridimensional apresenta melhores indicadores de ajustamento, garantindo assim a validade discriminante. Para que se possam efectuar análises comparativas dos valores entre grupos, é ainda necessário demonstrar a invariância destas escalas de medida entre eles, e basta que se verifique uma equivalência parcial dos modelos para que se possam tirar algumas conclusões sobre as


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diferenças e semelhanças entre grupos (Byrne, 2001), contudo a estrutura final semelhante quase nos garante esta comparabilidade. O teste de invariância para a estrutura de materialismo entre os grupos das duas gerações de jovens resulta na constatação de que as variâncias entre grupos é invariante dada a diferença não significativa entre os dois modelos, como o demonstra os resultados obtidos e expostos na tabela 5. Tabela 5: Análise multigrupo do modelo de valores materiais correlacionados das gerações Modelo MultiGrupos

CMIN=χ2

Modelos base 268,782 Loadings, variâncias e covariâncias dos 287,853 factores tratados como iguais

gl

∆χ

122 139 19,071

∆gl 17

Significância Estatística NS

NS - não significativa

Podemos, então, afirmar que o modelo base encontrado, para além de descrever correctamente os conceitos de materialismo através das dimensões assinaladas, não apresenta diferenças estruturais nos valores materialistas dos jovens de diferentes gerações, como o confirmam a praticamente nula variação de alguns índices de ajustamento do modelo e a melhoraria de outros (GFI=0,932; CFI=0,885; TLI=0,871;RMSEA=0,042). A análise da consistência interna dos factores identificados com as amostras de jovens do nosso estudo e a escala de medida do materialismo restrita aos itens com valores significativos (tabela 6) permitem confirmar da adequação do modelo para a maioria dos factores destas culturas. Tabela 6: Alpha de Cronbach para as subescalas por grupo Grupo 1996 2005

Materialismo 0,6966 0,6801

Sucesso 0,6329 0,5419

Centralidade 0,7119 0,6956

Felicidade 0,6692 0,6238

O cálculo da fiabilidade composta (Construct Reliability1) (Hair et al., 1998; p.624) (tabela 7), através dos valores obtidos do output da análise confirmatória com a inversão dos loadings negativos, demonstra a existência de fiabilidade nas medidas das subescalas, para ambos os grupos. 1

Construct realibilit y =

(Soma dos pesos estandardi zados ) 2 (Soma dos pesos estandardi zados ) 2 + So ma do indicador da medida do erro


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Tabela 7: Medidas de fiabilidade composta para as subescalas dos valores materiais 1996 2005

Sucesso

Centralidade

0,633 0,592

0,701 0,642

Felicidade 0,673 0,639

A demonstração de equivalência da estrutura do modelo e dos

loadings dos factores dos valores materialistas entre os grupos permite-

nos analisar as diferenças das médias das variáveis latentes ou factores (Marsh, Marco e Apçy, 2002). Para conseguirmos examinar as médias de cada factor, será necessário estimar as diferenças existentes nas médias das variáveis latentes para cada um dos grupos de jovens considerando a equivalência escalar do modelo, através da invariância dos intercepts na equação subjacente às variáveis observadas. Socorremo-nos das diferenças das médias, fixando as médias das variáveis da geração de 2005 a zero e estimando as médias para a outra geração, para comprovar se existem sentimentos significativamente diferentes entre as dimensões do modelo. Tabela 8: Diferenças das médias dos factores Geração 1996 Sucesso Centralidade Felicidade

Valor estimado

Erro estandardizado

Rácio crítico

P

0,077 0,643 0,162

0,072 0,092 0,054

1,073 7,009 2,972

0,283 0,000 0,003

Verifica-se que existem diferenças das médias dos factores entre a amostra relativa à geração que estudava no ensino superior em 1996 e a que frequenta o ensino superior em 2005 (tabela 8). No entanto, as diferenças significativas apenas se verificam para a dimensão “Sucesso”, conforme p value. Com a geração de 1996 a apresentar médias mais elevadas para todos os valores materialistas, mas significativamente mais elevada quando se avalia o sucesso através dos bens materiais. Verifica-se, então, que os jovens que frequentavam o ensino superior na década de 90 tinham sentimentos materialistas mais elevados, apenas no que concerne à avaliação do sucesso através dos bens materiais.


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Estudo 2 O estudo 2 pretende avaliar a mesma escala como um modelo de factores de segunda ordem, em que o materialismo seria o factor da ordem mais elevada e os três domínios de materialismo seriam os factores de primeira ordem, representados pelos respectivos itens das subescalas. O exemplo de partida para estimar o modelo de segunda ordem é baseado no resultado obtido no estudo 1, inserindo uma nova variável latente - materialismo. Contudo, o resultado indica-nos que este modelo não é admissível como solução. Pela análise dos índices de modificação, verificamos existirem vários itens que contribuem para a instabilidade do modelo. Um dos itens que contribuiu de forma mais negativa para a fiabilidade é o item 7 (Geralmente, compro apenas aquilo de que preciso). Analisado o modelo com a eliminação do item 7 (linhas 2, 3 da tabela 9), quando impomos a invariância dos loadings de segunda ordem do modelo verifica-se a mesma situação, não sendo admissível a solução encontrada, em resultado da elevada correlação do item 5 (Gosto de ter coisas para impressionar as pessoas) com outros itens das subescalas. Assim, este item não será considerado no novo modelo de segunda ordem (Modelo Alteração II - Modelo A). Tabela 9: Medidas de ajustamento do modelo materialista de 2ª ordem para a geração dos jovens portugueses 1 2 3 4 5 6 7 8

Modelo

Dados

Modelo base Modelo Alteração I Modelo Alt. I Loading inv. Modelo Alteração II (A) Modelo Alteração II (A) A Loading inv. A 1+2ª ordem Load. inv. A 1+2ª ordem (Load.+var.) inv.

1996 2005 1996 2005 1996 2005 1996 2005 1996 2005 1996 2005 1996 2005 1996 2005

CMIN

Graus CMIN/DF GFI CFI TLI RMSEA Liberdade 269,833 124 2,176 0,937 0,888 0,858 0,044 192,439

100

1,924

0,949 0,907 0,877

0,039

205,548

113

1,865

0,946 0,904 0,885

0,038

137,215

80

1,715

0,960 0,932 0,907

0,035

∆CMIN 131,567 146,649

∆gl 42 89

NS 1,648

0,028 NS 0,958 0,932 0,915

0,033

147,820

92

1,607

0,957 0,934 0,921

0,032

149,623

95

1,575

0,957 0,935 0,925

0,031

Após a segunda alteração, não consideração do item 5 (modelo de 2ª ordem, no anexo), os índices de ajustamento do modelo sofrem


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uma melhoria significativa, como podemos observar pelos índices referidos, linha 4 da tabela 9. Com o modelo base, modificado relativamente ao modelo de 1ª ordem, testamos modelos multigrupos entre os jovens portugueses das duas gerações cada um com mais restrições de parâmetros que o precedente (tabela 9). Ao impormos as restrições de invariância entre os loadings de cada item e dos factores de 1ª ordem, confirma-se a evidência da invariância com base em dois critérios (Little, 1997): a adequação do modelo multigrupo aos dados pelos bons índices de ajustamento e a diferença negligenciável do Confirmatory Fit Index (∆CFI) entre modelos. Esta diferença do índice CFI não deve exceder o valor de 0,05 (Little, 1997), o que se verifica. Denota-se ainda melhorias nos índices de ajustamento do modelo e são apresentados factores e variâncias significativas, indiciando o bom ajustamento aos dados. Tabela 10: Sub-escalas e Itens dos valores materiais dos grupos de jovens Itens/ Factor

1 2 4 12 8 10 11 12 14 15 17 18

Subescalas Sucesso Centralidade Felicidade Sucesso Admiro pessoas que possuem carros, casas e roupas caras Alguns dos feitos mais importantes na vida incluem adquirir bens materiais As coisas que tenho dizem muito sobre o sucesso que tenho tido na vida Gosto de muito luxo na minha vida Centralidade Gosto de uma vida simples, no que diz respeito aos bens materiais* Gosto de gastar dinheiro em coisas que não são necessárias Comprar coisas dá-me imenso prazer Gosto de muito luxo na minha vida Felicidade Tenho todas as coisas de que preciso para ser feliz* A minha vida seria melhor se possuísse coisas que não tenho Seria mais feliz se tivesse dinheiro para comprar mais coisas Às vezes, entristece-me um pouco que não possa comprar todas as coisas que quero

Portugal Portugal 1996 2005 0,850 0,547 0,314 0,194 0,500 0,694 0,610 0,583

0,622 0,385

0,497 0,234

0,386 0,417

0,485 0,566 0,515 0,499

0,510 0,454 0,581 0,610

0,410 0,577 0,780 0,537

0,422 0,494 0,802 0,477

*Itens revertidos

Este modelo de segunda ordem representa de forma adequada os

scores dos jovens materialistas de cada uma das gerações, permitindo a

sua comparação (tabela 10). Através dos loadings apresentados na tabela 10, que resultam do modelo de 2ª ordem, o factor de segunda ordem – materialismo – para qualquer do grupo de jovens indicia a necessidade de associar aos bens


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materiais o sucesso e a felicidade alcançados, enquanto que os actos de consumo propriamente ditos não contribuem tanto para esse sentimento materialista. Para ambas as gerações, o acto de consumo é o factor que apresenta o nível mais baixo.

6. CONCLUSÃO A análise entre culturas com base na metodologia de modelos de equações diferenciais e análise multigrupos demonstraram a adequação e equivalência de resultados entre os dois grupos de jovens, o que está de acordo com o modelo validado para o estudo original. Os resultados corresponderam aos apresentados no estudo conduzido por Richins e Dawson (1992) e estão de acordo com os procedimentos e testes propostos por Steenkamp e Baumgartner (1998) e Byrne (2001). A utilização da escala original de 18 itens torna os modelos mais complexos (Richins, 2004), mas apresenta-se como adequada para conhecer e medir os mesmos sentimentos ou valores exclusivos, presentes em outras culturas ocidentais, mais propriamente em Portugal. São garantidas a invariância ou equivalência parcial das medidas utilizadas e a equivalência parcial da variância não explicada ou os erros de cada variável considerada, o que implica que os valores obtidos através da escala de materialismo podem ser comparados entre as diferentes culturas. A elevada consistência composta das dimensões suporta a consistência interna das escalas e subescalas de materialismo. A invariância do modelo de 2ª ordem para um modelo ajustado aos jovens da cultura portuguesa permite analisar os loadings de cada item ou factor de 1ª ordem, comparando o seu valor entre gerações (Byrne e Stewart, 2006). Os resultados desta investigação demonstram que existem algumas diferenças ao nível do materialismo entre duas gerações de jovens estudantes universitários. O modelo resultante garante parcialmente a equivalência das dimensões resultantes do modelo original e torna-se válido para comparação entre os dois grupos pela invariância estrutural apresentada, quer para o modelo de 1ª ordem, quer para o de 2ª ordem. No primeiro modelo, a dimensão que avalia o sucesso regista diferenças significativas entre os jovens que integram o estudo. A geração de 1996 apresenta um maior nível de preocupação com os bens materiais como forma de impressionar terceiros para demonstrar o sucesso alcançado. Com o modelo de 2ª ordem transparece a baixa implicação do factor centralidade com os


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sentimentos ou valores materialistas dos jovens, para ambas as gerações. Aparentemente, estão a verificar-se mudanças nos valores materialistas dos jovens, na forma como se manifestam ou estão a alterar-se as prioridades e ambições dos jovens, valorizando mais os sentimentos e as conquistas pessoais, medidas pelo sucesso e felicidade, do que as conquistas para demonstração a terceiros, medidas pelo sucesso e centralidade de aquisição. A evolução da sociedade vai no sentido da maior tolerância entre os jovens. As melhores condições de vida e o maior acesso à grande diversidade de bens essenciais e não essenciais, independentemente das grandes diferenças entre ricos e pobres, contribuem para esbater desejos. Os jovens tornaram-se, talvez por isso, menos propensos a deixarem-se encantar pelos bens materiais. Aparentemente, são estas as conclusões que podemos tirar do estudo, uma vez que os jovens estudantes universitários da primeira década do século XXI demonstram valorizar menos o material e de uma forma significativa quando se trata de avaliar o seu sucesso e dos outros com base nos bens materiais. Os resultados indiciam que os jovens da geração actual, em Portugal, serão menos sensíveis aos apelos publicitários que se baseiem e os impelem para a aquisição dos bens materiais, ou sentirão menos ansiedade por não conquistarem de imediato muitos bens materiais de forma a demonstrarem o sucesso que individualmente alcançaram. Poderemos, também, estar perante uma geração menos consumista do que até aqui, pela baixa ligação do acto de consumo nos valores e sentimentos materialistas providenciados por esta escala de valores. Podemos constatar que se verificam diferenças de materialismo entre estas duas gerações de jovens, na forma como consideram as diferentes dimensões e como analisam cada uma delas, o que, de forma inevitável, se traduzirá em diferenças nas atitudes, na interpretação de conceitos e nas perspectivas de vida. Algo que nos leva a pensar, que as suas preocupações são menores relativamente aos bens materiais, que apresentam baixos níveis de materialismo, mas devemos também equacionar o facto de a escala de valores materialistas de Richins e Dawson (1992) não expor claramente os valores materialistas existentes na população portuguesa. Existem limitações neste estudo, como a diferença muito significativa de dimensão das amostras para comparação, algo que pode alterar as tendências de sentimentos, tal como o facto de não constituírem amostras aleatórias. O recurso a escalas de medida


128

validadas em outras culturas pode não reflectir complemente os sentimentos medidos numa outra cultura, por dificuldades de interpretação ou de tradução de alguns itens (Richins, 2004). Temos, ainda, o facto de que as questões colocadas de forma negativa podem conduzir a respostas erróneas (Wong, Rindfleisch e Burroughs, 2003), e o facto de as normas culturais vigentes poderem induzir as respostas em determinado sentido (Mick, 1996). Estes problemas identificados fragilizam as nossas conclusões. Propomos, então, que sejam levados a cabo novos estudos quantitativos e qualitativos, com diferentes metodologias, relacionados com os sentimentos materialistas entre a população portuguesa. Os resultados obtidos servirão para confrontar com os encontrados em estudos anteriores, efectuados com esta escala, de modo a podermos atestar as conclusões obtidas, para melhor justificarmos as considerações finais ou para percebermos realmente o que os resultados nos transmitem, os quais podem neste momento não ser inteligíveis por falta de informação adicional.

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133

Anexo I Modelo de 1ÂŞ ordem

1

q20_1 1

Sucesso

q20_2

1

q20_5

1

q20_10

Centralidade

1

mq20_8 1

q20_12 1

Felicidade

1

q20_15 q20_17 q20_18

err_h

err_k err_l

1

mq20_14

err_g

err_j 1

q20_11

err_d err_e

1

mq20_7 1

err_b 1

q20_4

err_a

1

err_n err_o

1

err_q 1

err_r


134

Modelo de 2ÂŞ Ordem

residsuc 1

1

1

q20_1 q20_2

1

Sucesso

1

1

1

materialismo

1

mq20_8 residcen

q20_12 mq20_14

residfel 1

Felicidade

1

q20_10 q20_11

Centralidade

1

q20_15 q20_17 q20_18

err_b 1

q20_4

1 1 1 1 1 1

err_a

err_d err_h err_j err_k err_l err_n err_o err_q err_r


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FRACCIONAMENTO DA MATÉRIA ORGÂNICA DISSOLVIDA NA ÁGUA DA ALBUFEIRA DO CALDEIRÃO FRACCIONATION OF THE DISSOLVED ORGANIC MATTER PRESENT IN THE WATER OF THE CALDEIRÃO DAM Pedro Rodrigues* (prodrigues@ipg.pt) e Joaquim Silva**

RESUMO Pretende-se extrair e caracterizar quimicamente as fracções de MOD (matéria orgânica dissolvida) presente na água da albufeira do Caldeirão (Guarda, Portugal), nomeadamente nas suas componentes colóide, hidrofóbica e transfílica. A MOD foi concentrada por osmose reversa e as respectivas fracções foram isoladas por diálise e adsorção em resinas do tipo XAD-4 e XAD-8. As fracções colóide, hidrofóbica e transfílica foram isoladas e caracterizadas com recurso a técnicas de espectroscopia UV-Vis, fluorescência molecular e infravermelho. A fracção hidrofílica foi caracterizada por fluorescência molecular. A concentração de MOD foi estimada em 82 mg/ 100 L de água e a percentagem em massa, das quatro fracções de MOD foi de 37, 25, 16 e 22 %, respectivamente. A fracção coloidal apresenta características estruturais diferentes das outras três e parece ter origem na decomposição das paredes bacterianas. A fracção coloidal é caracterizada pela ausência de estruturas aromáticas, pela elevada massa molecular e por conter N-acetilglucosamina, formada pela oxidação de hidratos e carbono. As outras três fracções apresentam semelhanças entre elas e observa-se uma variação com a seguinte tendência hidrofóbica>transfílica >hidrofílica, nas seguintes propriedades: massa molecular, quantidade de estruturas aromáticas condensadas e complexidade estrutural de grupos funcionais orgânicos. Palavras-Chave: matéria orgânica dissolvida; caracterização e fraccionamento de MOD; colóides; fracção hidrofóbica; fracção transfílica; fracção hidrofílica.

ABSTRACT The objective of this work is extract and characterized the DOM (dissolved organic matter) fractions present in the water of Caldeirão dam (Guarda, Portugal), especially in colloid, hydrophobic and transphilic components. The DOM was concentrated by a reverse osmosis system and the fractions were isolated by a dialysis membrane and adsorption to XAD-4 and XAD-8 resin. Three fractions of DOM, colloid, hydrophobic, and transphilic,


136

were isolated and characterized through UV-Vis espectroscopy, molecular fluorescence and FT-IR. The hydrophilic fraction was characterized by molecular fluorescence. The DOM concentration was estimated at 82 mg per 100 L of water and the percentage, in mass, for the four fractions was 37, 25, 16 and 22%, respectively. The colloidal fraction has unique structural characteristics and apparently is originated from bacteria wall cells. This fraction is characterized by the absence of no aromatic structures, a relatively high molecular weight and contains N-acetylglucosamines residuals. The other three DOM fractions show similarities and there is a hydrophobic>transphilic>hydrophilic trend for the following properties: molecular weight, quantity of condensed aromatic structures and molecular complexity. Keywords: DOM fractionation and characterization; colloids; hydrophobic fraction; transphilic fraction; hydrophilic fraction.

* Licenciado em Bioquímica, mestre em Controlo Químico da Qualidade, e pós-graduação em Qualidade da Água e Controlo da Poluição pela Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Assistente do 1º Triénio (1993-1996), Assistente do 2º triénio (19961999), e Equiparado a assistente do 2º triénio (1999-2007) na Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico da Guarda. ** Professor Associado com Agregação no Departamento de Química na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Autor de mais de cento e setenta comunicações em congressos científicos e de mais de sessenta artigos em revistas internacionais das áreas da Química Ambiental, Química Analítica, Bioquímica, Espectroscopia e Quimiometria.


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1. INTRODUÇÃO A matéria orgânica natural (MON), resultante dos produtos da decomposição de restos de plantas e animais, encontra-se extensamente distribuída nos diversos compartimentos ambientais, tais como no solo, na água, e nos sedimentos. O seu tamanho, estrutura, composição química e grupos funcionais podem variar de forma bastante acentuada, de acordo com a sua idade e origem (Gaffney et al., 1996). Esta heterogeneidade da MON constitui uma importante propriedade, pois é responsável pelo transporte de muitos produtos químicos orgânicos e inorgânicos, pela associação com poluentes alterando o seu comportamento, como, por exemplo, a solubilidade de compostos antropogénicos hidrofóbicos ou a formação de complexos com iões metálicos, afectando a biodisponibilidade e a toxicidade dos metais (Gaffney et al., 1996).

Carbono Orgânico Dissolvido

Carbono Orgânico Coloidal

Peptidogli cano

Carbono Orgânico Hidrofóbico

Carbono Orgânico Transfílico

Carbono Orgânico Hidrofílico

COH Ácido

COH Neutro

COH Básico

COHid Ácido

COHid Neutro

COHid Básico

Ácidos Fúlvicos

Taninos

Aminas Aromáticas

Ácidos Poliurónicos

Açúcares

Proteínas

Figura 1 - Fraccionamento da MOD. Adaptado de Leenheer e Croué (2003)

Importantes desafios estão também hoje colocados à indústria do tratamento de águas para consumo humano, onde o principal objectivo passa por compreender e prever a reactividade da matéria orgânica dissolvida (MOD), ou das suas fracções, nos processos específicos do tratamento (desinfecção). Neste caso, a caracterização da MOD presente nas águas ganhou recentemente maior importância devido à necessidade de se conhecer com maior profundidade os factores envolvidos na formação de subprodutos (SPD) durante o processo de desinfecção (Rook, 1976; Rook, 1977; Rodrigues et al., 2007). Neste campo, o fraccionamento da MOD e a sua classificação, apresentadas primeiramente por Leenheer e por Huffman (1976; 1979), e recentemente expandidas (Leenheer et al., 2000), permitiram a


138

separação em quatro fracções (Figura 1): coloidal, hidrofóbica, transfílica e hidrofílica. Assim, um conhecimento mais profundo de cada uma das fracções da MOD poderá proporcionar novas e mais eficientes abordagens dos processos de tratamento de águas para consumo e permitirá perceber de forma mais clara as propriedades apresentadas pela matéria orgânica no meio ambiente. Neste artigo apresenta-se o processo de extracção e fraccionamento das quatro fracções de MOD na água da albufeira do Caldeirão, onde é feita a captação para o abastecimento público do concelho da Guarda, e apresentam-se os resultados da sua caracterização com técnicas espectroscópicas (UV-Vis, infravermelho e fluorescência).

2. MÉTODOS EXPERIMENTAIS 2.1. Extracção, fraccionamento e isolamento da matéria orgânica Antes do processo de fraccionamento, a água da albufeira (aproximadamente 200 L) foi concentrada num litro com um sistema de osmose reversa (OR), esquematizado na Figura 2. Este sistema é constituído por uma bomba eléctrica da marca Topway Global Inc. (modelo 8821142120, USA), resinas desionizadoras (ATS, Portugal), manómetro de pressão (Precisión, Espanha) e uma coluna de osmose reversa (USA).

Figura 2 – Sistema de osmose reversa utilizado para a concentração da MOD

No fraccionamento da MOD usou-se o seguinte procedimento: i) acidificação da solução concentrada a pH 1 e a sua colocação num saco de diálise (Spectrum, Spectra/Por), com um cutoff de 3,5 kDa; ii)


139

imersão durante 36 horas em 3 x 4 L de solução 0,1 mol L-1 de HCl (Merck) - no saco de diálise ficou retida a fracção coloidal, a qual foi congelada para posterior liofilização. A solução dialisada foi eluída sequencialmente por uma resina não iónica de éster acrílico, XAD-8 (Fluka), e uma resina não iónica de estireno-divenilbenzeno, XAD-4 (Fluka), permitindo obter, por adsorção, as fracções hidrofóbica e transfílica, respectivamente (Figura 3).

Figura 3 – Esquema relativo ao protocolo de isolamento da MOD Adaptado de Croué (2004)

A eluição das fracções hidrofóbica e transfílica, adsorvidas nas resinas XAD-8 e XAD-4, foi efectuada com uma solução aquosa de acetonitrilo (Merck) a 75%. As soluções com as respectivas fracções foram congeladas e liofilizadas (B. Braun, Christ LDC-1).

Figura 4A – MEE de fluorescência da solução de HCl 0,1 molL-1 resultante do processo de diálise antes da eluição


140

As figuras 4A e 4B mostram as matrizes de excitação-emissão (MEE) de fluorescência da solução dialisada antes (A) e depois (B) de passar pelas duas resinas. Como as fracções hidrofóbica e transfílica ficaram adsorvidas nas resinas, a intensidade de fluorescência da solução, depois de passar pelas colunas, diminuiu porque corresponde apenas à fracção hidrofílica (Figura 4.B).

Figura 4B – MEE de fluorescência da solução de HCl 0,1 molL-1 resultante do processo de diálise depois da eluição

Na amostra estudada, e considerando que a intensidade de fluorescência é proporcional à concentração em massa das fracções, a fracção hidrofílica corresponde a 35% das três fracções que passaram pelo saco de diálise.

2.2. Análise espectroscópica das fracções de matéria orgânica Os espectros UV-Vis de soluções aquosas (20 mg L-1) das fracções de MOD preparadas em 0,1 mol L-1 de NaHCO3 (Merck) foram obtidos num espectrofotómetro Hewlett-Packard (modelo 8452A), utilizando uma cuvete de quartzo com 1 cm de percurso óptico (Hellma) e numa gama de comprimento de onda entre 240 e os 800 nm. A aquisição das MEE de fluorescência das mesmas soluções usadas para obter os espectros de UV-Vis, foram efectuadas com um espetrofluorímetro Spex 3D (Horiba, Jobin Yvon), numa gama de comprimentos de onda de excitação entre 200 e 700 nm e de emissão entre 200 e 600 nm, com uma largura de fenda de 0,5 mm, com um tempo de aquisição de 10 segundos e em cuvetes de quartzo de fluorescência com 1 cm de percurso óptico (Hellma). Os espectros de infravermelho das fracções de MOD foram obtidos por reflectância difusa da mistura da cada fracção com KBr (Aldrich), e foram adquiridos para números de onda entre os 1000 e os


141

3500 cm-1 com um espectrofotómetro FTIR da marca Jasco (modelo FT/IR-460 Plus), com a acumulação de 35 espectros e uma resolução de 4 cm-1.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. Percentagem em massa das fracções de MOD Na Tabela 1 e na Figura 5 são apresentados os resultados das análises quantitativas das quatro fracções de MOD. A análise da tabela e da figura mostra que a fracção coloidal é a que se encontra em maior quantidade relativamente às restantes fracções da MOD - cerca de 37%. Relativamente às fracções hidrofóbica, transfílica e hidrofílica, as percentagens são cerca de 25%, 16% e 22%, respectivamente. Para a fracção hidrofílica, a massa e respectiva percentagem foram estimadas a partir das intensidades de fluorescência das amostras dialisadas, antes e depois de passarem pelas resinas XAD-4 e XAD-8, como é descrito na secção 2.1, e das massas obtidas para as fracções hidrofóbica e transfílica. Tabela 1 – Massa e razões de massa (relativamente à fracção transfílica) das fracções de MOD obtidas a partir de 200L de água da albufeira da Barragem do Caldeirão Fracção Colóide Hidrofóbica Transfílica Hidrofílica** Total

Massa (mg) 62 41 26 36 165

Razão de massas* %** 2,4 37 1,6 25 1,0 16 1,4 22 Concentração ≈ 82,5 mg/100 L

* Relativa à massa da fracção transfílica. ** Estimativa com base nas intensidades de fluorescência (ver secção 2.1).


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Figura 5 – Percentagem em massa das fracções da MOD existentes na água da Albufeira do Caldeirão

3.2. Análise por UV-Vis Na Figura 6 mostram-se os espectros de UV-Vis das fracções coloidal, hidrofóbica e transfílica. Para facilitar a comparação entre os três espectros, calcularam-se as razões E2/E4, E4/E6 e absorvâncias a 285nm que se apresentam na Tabela 2. As razões E2/E4 e E4/E6 correspondem, respectivamente, à razão entre as absorvâncias medidas a 265 e 465 nm e a 465 nm e a 665 nm. A razão E4/E6 é independente da concentração das amostras de ácidos fúlvicos e/ou húmicos, e diminui com o aumento da massa molecular e consequente aumento da condensação aromática (Chin, Aiken e Longhlin, 1994, Saab e Martin-Neto, 2007). A absorvância a 285 nm poderá dar uma indicação do grau de humificação - quanto maior for a absorvância maior o grau de humificação (Kalbitz, Geyer e Geyer, 1999).

Figura 6 – Espectro UV-Vis das fracções coloidal, hidrofóbica e transfílica da MOD

A matéria orgânica apresenta geralmente uma forte absorvância na região do UV-Vis, particularmente na zona do ultravioleta, devido á


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presença de cromóforos aromáticos (Schnitzer e Khan, 1972; Traina, Novak e Sneck, 1990; Chin, Aiken e Longhlin, 1994). Os espectros das três fracções isoladas evidenciam um comportamento semelhante, verificando-se um decréscimo de absorção à medida que o comprimento de onda aumenta (Figura 6). Apesar de o espectro apresentar uma banda larga, não evidenciando máximos ou mínimos, a absorvância varia com as fracções de MOD. Pela análise da Figura 6 e da Tabela 2 (principalmente a absorvância a 285nm), verifica-se que a fracção coloidal apresenta uma menor absorvância relativamente às fracções hidrofóbica e transfílica, o que sugere que aquela fracção possui uma menor quantidade de compostos aromáticos e polifenólicos (colóides < transfílicos < hidrofóbicos). A análise da Tabela 2 permite verificar que a fracção hidrofóbica apresenta o valor maior para as razões E2/E4 e E4/E6, o que leva concluir que esta fracção apresenta uma maior massa molecular e maior condensação aromática do que a fracção transfílica. Este resultado é esperado porque tanto o aumento da massa molecular como o aumento da condensação aromática levam a um acréscimo das propriedades hidrofóbicas. Tabela 2 – Valores E2/E4, E4/E6, e absorvância a 285 nm para as fracções de MOD Fracção Coloidal Hidrofóbica Transfílica

E2/E4 4,5 26,1 12,6

E4/E6 1,7 5,0 1,9

Abs. 285 nm 0,08 0,20 0,13

No caso da fracção coloidal, como não tem uma origem semelhante às das outras fracções de MOD (substâncias húmicas), as suas propriedades de UV-Vis não poderão ser interpretadas com os critérios de massa molecular e condensação aromática descritas atrás, porque estas relações foram desenvolvidas para substâncias húmicas de solos e águas (Chin, Aiken e Longhlin, 1994; Saab e Martin-Neto, 2007; Kalbitz, Geyer e Geyer, 1999).

3.3. Análise por fluorescência molecular Os espectros de fluorescência resultam da contribuição de diferentes fluoróforos, principalmente compostos aromáticos, presentes nas fracções da MOD. Nas Figuras 7 e 8 são apresentadas as MEE e espectros de emissão de fluorescência das quatro fracções da MOD.


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Figura 7A – MEE e espectro de emissão de fluorescência (janela no canto superior direito) da fracção coloidal com tempo de aquisição de dez segundos (A)

As MEE da fracção coloidal (Figuras 7A e 7B) são caracterizadas por apresentarem uma banda de dispersão relativamente elevada e por uma fluorescência molecular praticamente inexistente. Este resultado confirma a menor quantidade de compostos aromáticos e polifenólicos desta fracção observada por UV-Vis. Por outro lado, a intensa banda de dispersão deve-se à existência em solução de colóides, que dão origem a um efeito de dispersão de Tyndall.

Figura 7B – MEE e espectro de emissão de fluorescência (janela no canto superior direito) da fracção coloidal com tempo de aquisição de quarenta segundos (B)

As Figuras 8A, 8B e 8C apresentam as MEE das fracções hidrofóbicas, transfílicas e hidrofílicas. Estas MEE apresentam uma única banda de emissão caracterizada pelos seguintes comprimentos de excitação (ex.) e de emissão (em.) máximos: hidrofóbica, ex. 332 nm e em. 452 nm; transfílica, ex. 329 nm e em. 438 nm; hidrofílica, ex. 315 nm e em. 420 nm. Observa-se um desvio para maiores energias no comprimento de onda da excitação das fracções de MOD, o que poderá evidenciar uma diminuição da condensação de estruturas aromáticas à medida que as fracções se tornam mais hidrofílicas. Este


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resultado confirma o obtido pela análise da razão E4/E6 das fracções hidrofóbicas e transfílicas.

Figura 8A – MEE e espectro de emissão de fluorescência (janela no canto superior direito) da fracção hidrofóbica

Figura 8B – MEE e espectro de emissão de fluorescência (janela no canto superior direito) da fracção transfílica

Figura 8C – MEE e espectro de emissão de fluorescência (janela no canto superior direito) da fracção hidrofílica

A intensidade máxima da banda de emissão das fracções hidrofóbica e transfílica é de 27638 e 18399, respectivamente. Este resultado mostra que a fracção hidrofóbica é mais fluorescente que a transfílica, o que traduz uma maior concentração de estruturas aromáticas nas sua moléculas (Chen et al., 2003). Este resultado confirma a maior quantidade de compostos aromáticos e polifenólicos da fracção hidrofóbica observada por UV-Vis.


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3.4. Análise por infravermelho Os espectros de infravermelho são particularmente úteis na caracterização das fracções de MOD, no que diz respeito à existência de grupos funcionais, principalmente os que contêm oxigénio. Na Figura 9 são apresentados os espectros de FTIR das três fracções MOD. Uma primeira análise destes espectros mostra diferenças bastante significativas entre eles, o que poderá ser utilizado como uma técnica de impressão digital para a identificação das diferentes fracções. O espectro FTIR da fracção coloidal apresenta o seguinte conjunto de bandas características que correspondem aos grupos funcionais: amida primária (1660 cm-1); amida secundária (1550 cm-1); grupos hidroxilo (banda larga a cerca de 3320 cm-1). A banda localizada a 1050 cm-1 deve-se a grupos CO, e é particularmente importante porque estes grupos são indicadores da presença de Nacetilglucosamina (Croué, 2004), formada a partir da oxidação de hidratos de carbono com grupos amina provenientes da estrutura da parede bacteriana (Hwang et al., 2001; Leenheer, 2004).

Figura 9 - Espectros de infravermelho das fracções de MOD, colóide, hidrofóbica e transfílica

No caso das fracções hidrofóbica e transfílica observa-se uma maior intensidade da banda para valores de número de onda próximos de 1720 cm-1, a qual sugere uma maior abundância de grupos


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carbonilo. A comparação dos espectros destas duas fracções, com base em Stevenson (1982), Baddi et al. (2004), Sierra et al. (2005) e Baglieri et al. (2006), mostra que o espectro da fracção transfílica tem um conjunto de bandas bem definidas nos seguintes números de onda: 2930 cm-1 (alongamentos vibracionais simétricos e assimétricos das ligações C-H em grupos metilo e metileno); 1720 cm-1 (alongamentos de grupos C=O principalmente grupos carboxílicos); 1130 cm-1 (vibrações de grupos álcool); e, 1080 cm-1 (associados a alongamentos C-O em polissacarídeos). Por outro lado, o espectro da fracção hidrofóbica não apresenta uma resolução fina e o espectro é semelhante à fracção da MON denominada ácidos fúlvicos (AF) e que está presente abundantemente nos solos e na água (Rodrigues e Esteves da Silva, 2005). Estas amostras de AF e a fracção hidrofóbica serão caracterizadas por uma maior complexidade estrutural, que leva a uma grande mistura de diferentes grupos funcionais, o que não permite obter um espectro de IV com uma resolução fina.

4. CONCLUSÕES O sistema constituído por um processo de diálise com um cutoff de 3,5 kDa em conjugação com duas colunas montadas sequencialmente, uma contendo resina XAD-8 e outra XAD-4, permite obter quatro fracções distintas da matéria orgânica. A análise quantitativa mostra que a MOD presente na água da Albufeira do Caldeirão é maioritariamente composta por colóides (37% em massa), sendo a fracção transfílica (16%) a menos abundante, seguindo a sequência coloidal>hidrofóbica>hidrofílica> transfílica. A análise qualitativa mostra que a fracção colóide é estruturalmente constituída por N-acetilglucosamina, enquanto que a fracção hidrofóbica apresenta uma massa molecular mais elevada e uma maior presença de grupos aromáticos quando comparada com a fracção transfílica. Por outro lado, o carácter mais hidrofílico da fracção transfílica é acentuado pelo aparecimento de um maior conteúdo de grupos funcionais contendo átomos de oxigénio, como grupos carboxílicos e hidroxílicos, relativamente à fracção hidrofóbica. No que se refere à qualidade da água resultante do tratamento em ETA, nomeadamente no desenvolvimento de subprodutos da desinfecção (SPD), é de prever que não sendo as fracções colóide e hidrofóbica completamente removidas pelos processos convencionais


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de tratamento, estas contribuam para a formação de certas famílias de SPD, induzindo simultaneamente um elevado consumo de cloro (nomeadamente a formação de mono e dicloroaminas). Relativamente às componentes mais hidrofílicas (transfílica + hidrofílica), que são mais solúveis na água, é de prever que estas contribuam de forma mais acentuada para formação dos SPD na água de consumo. A existência na água de fracções de MOD com propriedades bastante diferentes levanta dois tipos de problemas que poderão afectar a qualidade da água de consumo. O primeiro está relacionado com as operações unitárias da ETA utilizadas para a remoção da MOD e que terão que ser optimizadas para a remoção das fracções mais hidrofóbicas e mais hidrofílicas. Por outro lado, a reacção química entre as substâncias utilizadas na desinfecção e as diferentes fracções de MOD existentes na água poderá dar origem a produtos (SPD) com diferentes toxicidades. Para uma melhor compreensão dos mecanismos que, num determinado local e com um tipo de água, originam certas famílias de SPD, é necessário aumentar os esforços de investigação sobre a caracterização e eliminação das fracções de MOD que são responsáveis pelos SPD mais tóxicos, e que constituem uma fonte de risco para os consumidores de água desinfectada.

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X3D E JAVA NUM JOGO DE FANTASIA MEDIEVAL

X3D JAVA FUSION IN A MEDIEVAL FANTASY GAME Nuno Miguel Pereira Martins* (martins@sal.ipg.pt) e José Carlos Miranda** (jcmira@ipg.pt)

RESUMO A apresentação de conteúdos na Internet em formato 3D é sem dúvida muito interessante e possui muitas potencialidades, especialmente se nestes mundos houver uma grande dose de interactividade. O X3D é um novo formato que pretende ser o standard para a divulgação de conteúdos 3D na Internet, substituindo, assim, o VRML. Para além da utilização do X3D convencional, existe a possibilidade de integração com a linguagem de programação externa Java. No âmbito deste trabalho, foi desenvolvido um protótipo de um jogo estilo Role Playing Game de fantasia, demonstrando, assim, as funcionalidades da integração do formato X3D e a linguagem de programação Java. A integração destas duas tecnologias foi conseguida através da interface de programação SAI (Scene Acess Interface) e revelou ter um futuro promissor, uma vez que permite aumentar fortemente o poder de interactividade exigido neste tipo de aplicações. Palavras-chave. Mundos virtuais, modelação 3D, X3D, Java, Xj3D, Jogo RPG, HumanAnimation.

ABSTRACT The presentation of 3D contents on the Internet is doubtless very interesting and has much potential, especially if these worlds have high levels of interactivity. X3D is a new format that is going to be the standard for 3D contents distribution on the Internet, replacing VRML. Beyond the utilization of the conventional X3D, there is the possibility of integration with Java, an external programming language. In the scope of this project, was developed a prototype of a fantasy Role Playing Game, thus revealing the potential of the integration of X3D format and the Java programming language. The integration of these two technologies was possible through the programming interface SAI (Scene Access Interface) that showed a good outcome for it allows a considerable increase of the power of interactivity necessary for this type of applications. Keywords. Virtual Worlds, 3D modelling, X3D, Java, Xj3D, RPG, Human-Animation.


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* Licenciado Engenharia Informática na Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico da Guarda, Professor da Ensiguarda – Escola Profissional da Guarda. ** Mestre em Tecnologia Multimédia, Professor da Escola de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico da Guarda.


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1. INTRODUÇÃO Em 1999 foi iniciado o processo de criação do formato X3D (Extensible 3D), um padrão aberto para distribuição de conteúdos 3D na Internet. O X3D começou por utilizar a especificação do VRML (Virtual Reality Modeling Language) (VRML, 2007) e foi evoluindo, permitiu corrigir alguns problemas existentes com o seu antecessor. No X3D estão a ser aplicadas as experiências adquiridas na utilização do VRML, de maneira a criar um standard que dê resposta a um grande mercado que anseia pela popularização do 3D na web. A especificação do X3D foi aprovada pela ISO em Dezembro de 2004 (X3D, 2007). É de evidenciar a necessidade de uma grande interactividade neste tipo de apresentações de conteúdos 3D. O X3D é um formato adequado para a criação e visualização de conteúdos 3D, mas a interactividade que é possível criar sem recorrer a uma linguagem de programação externa é algo limitada. Devido à grande quantidade e diversidade de objectos no X3D, existem grandes potencialidades a explorar na utilização de uma linguagem de programação externa. O ambiente de programação adequado para essa manipulação é o Java (Harney et al. 2005). Para aferir as potencialidades de integração do X3D com a linguagem de programação externa Java foi desenvolvida uma aplicação dirigida para a área concreta do entretenimento. Decidiu-se construir um jogo de Role Playing Game (RPG), uma vez que este tipo de aplicação exige uma grande interactividade entre o jogador e o mundo virtual. A interface de programação apropriada para estabelecer a comunicação entre as duas tecnologias é denominada Scene Acess Interface (SAI), a qual torna possível a troca de eventos entre a cena X3D e a aplicação Java, garantindo, assim, interacções muito mais poderosas. Para colmatar a falta de informação existente nesta área tão recente, foi construída uma página web, onde se podem encontrar alguns exemplos de integração de X3D com o Java. Este site (Martins, 2007) está mais vocacionado para pessoas que já tenham alguns conhecimentos básicos de X3D ou VRML, na medida em que o seu objectivo principal é explicar o modo de integração do X3D com a linguagem Java. Na secção 2 são apresentados alguns assuntos relacionados com o mundo virtual criado no âmbito do protótipo desenvolvido. A interface de programação que permite a comunicação entre a cena


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X3D e a linguagem de programação Java é descrito na secção 3. A filosofia subjacente na programação do jogo, assim como, algumas metodologias usadas são abordadas na secção 4. Na secção 5 são apresentados os resultados obtidos e na secção 6 são expostas as conclusões e identificadas algumas linhas de orientação para trabalho futuro.

2. CRIAÇÃO DO MUNDO VIRTUAL Nesta secção vai fazer-se referência a algumas teorias que foram tidas em conta para a criação do mundo virtual. A primeira tarefa a realizar é transpor as ideias para o papel, quer em forma de texto, quer em forma de desenhos. Estes desenhos vão funcionar como um storyboard e são a base para a criação do mundo virtual.

2.1 Planificação e Estratégias de Interacção Um factor que o criador deve ter em conta na criação de um mundo virtual são as tarefas que o jogador poderá aí realizar. Um mundo virtual em que o jogador possa simplesmente navegar não será necessariamente interessante. Um princípio básico na criação de tarefas para os jogadores realizarem é que, ao completarem essas tarefas, recebam algum tipo de recompensa. Isto foi tido em conta no desenvolvimento do jogo implementado, na medida em que foram criadas algumas missões que o jogador deverá realizar ao longo da aventura. Segundo Roehl (1994) existe uma grande necessidade de introduzir outros personagens no mundo virtual com quem o utilizador possa interagir, pois o ser humano é por natureza um ser social. Estes novos personagens devem ter algum tipo de “inteligência artificial”, de maneira a tornar o mundo mais realista. No mundo construído para o jogo existem vários locais que o utilizador poderá explorar, assim como personagens com as quais pode interagir e comunicar (figura 1).


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Figura 1- Desenhos de diferentes cenários e de algumas personagens do jogo

O ser humano gosta de descobrir e aprender coisas. Da mesma forma, o utilizador sentirá grande satisfação ao descobrir o modo e os “truques” necessários para atingir um objectivo, que poderá ser abrir uma porta ou aceder a um local que parecia inacessível, ou resolver puzzles, especialmente se depois de cada nova descoberta o utilizador for recompensado por isso. Uma maneira de manter um utilizador “preso” a um mundo virtual é recompensá-lo em diversas etapas do desenrolar da acção, de acordo com as tarefas que vai realizando. Segundo Shneiderman (1998) uma forma de cativar os utilizadores de um mundo virtual é através da atribuição de pontuações. No jogo implementado, estas pontuações foram substituídas pelas características do personagem, cujo valor vai aumentar no decorrer do jogo à medida que o jogador vai completando as missões. Outra característica do mundo real que igualmente se deve ter em conta num mundo virtual é a sensação de perigo e o facto de o utilizador correr riscos. Existem muitas actividades no mundo real que se tornam mais interessantes devido ao facto de existir perigo presente, como, por exemplo, andar na montanha russa, fazer bungee jumping ou escalar montanhas. Na figura 2 são apresentados dois exemplos de armas que foram imaginadas para o jogador utilizar nas batalhas que vão ocorrer durante o jogo. Nestas batalhas existe a possibilidade de o jogador perder pontos de vida, podendo até morrer. Esta sensação de perigo é sem dúvida muito importante num mundo virtual, especialmente quando se pretende que este seja realista e pouco monótono, juntando a isto o facto de o ser humano gostar de correr riscos e vencer adversários.

Fig. 2. Desenho de várias armas


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2.2 Cenários e Objectos 3D Após a planificação, a tarefa seguinte é a criação dos cenários e dos objectos tridimensionais que vão fazer parte do mundo virtual. Deve ser usada uma ferramenta de modelação que permita controlar a geometria ao nível dos vértices, arestas e polígonos (figura 3), de maneira a não usar simplesmente as primitivas geométricas básicas: cubo, cone, esfera, cilindro, etc..

Figura 3 - Polígonos de uma personagem X3D

Para a modelação dos objectos que compõem o mundo virtual foram utilizadas, basicamente, duas ferramentas de modelação 3D: o Cosmo Worlds e o Vizx3D. O Cosmo Worlds pode ser definido como um construtor de mundos (Cosmo Worlds, 2008), tendo sido usado na criação de objectos e no respectivo posicionamento na cena, dado que possui ferramentas de precisão que permitem um grande controlo. De realçar que este modelador é um construtor de mundos VRML, o que implica uma posterior conversão para o formato X3D. Pelo contrário, o VizX3D (Media Machines, 2008) é um modelador específico para o formato X3D e, na nossa opinião, talvez seja, no momento em que se desenvolveu este trabalho, o modelador mais robusto para a criação de modelos X3D, uma vez que possui ferramentas de modelação bastante poderosas, tendo sido usado para a criação das geometrias mais complexas. Para além disto, foi também neste modelador que foram atribuídos os materiais e as texturas aos objectos, assim como foram criadas todas as animações. Foi igualmente no Vizx3D que se fez a adição de ambientes e de alguma interactividade simples. Foram também usados objectos previamente modelados em 3D Studio MAX e mais tarde convertidos para o formato X3D, utilizando ferramentas de conversão, como o AccuTrans 3D (AccuTrans, 2008).


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Na construção de um mundo virtual para a Internet, o processo de optimização de uma cena 3D é muito importante, porque vai permitir maiores velocidades de carregamento dos ficheiros X3D para o browser, assim como vai melhorar o seu desempenho aquando da navegação do utilizador, ou seja, aumentar a velocidade de rendering da cena 3D. Na construção do mundo virtual foram usadas várias técnicas de optimização, tais como: 1. Utilizar o menor número de polígonos possível, nomeadamente eliminando aqueles que serão sempre invisíveis, seja qual for o ponto de visão. Segundo Hartman e Vogt (1998), os mundos planeados para serem vistos na Internet não devem ter mais do que, aproximadamente, 1000 triângulos visíveis a cada instante; 2. Recorrer a materiais e texturas para criar o efeito de superfícies mais complexas, sem usar muitos polígonos. Segundo Ballreich (1997), uma textura deve ser o mais pequena possível, quadrada e a sua resolução deve ser uma potência de dois; 3. Reutilizar texturas e sons sempre que possível, e com tamanhos o mais reduzidos possível; 4. Limitar o uso de luzes para manter a velocidade de rendering em níveis razoáveis; 5. Estruturar cuidadosamente a hierarquia dos objectos que compõem a cena, de forma a permitir que os browsers efectuem mais eficientemente o cálculo de visibilidade; 6. Aplicar características da computação gráfica que ajudem a aumentar a eficiência, como, por exemplo, diferentes níveis de detalhe (LOD – level of detail), Billboards, Inlines e Detecção de Colisões. Estas técnicas são descritas, em pormenor, por Miranda e Sousa (2000).

3. INTEGRAÇÃO DE X3D E JAVA Enquanto o X3D é uma linguagem adequada para a criação de objectos tridimensionais, a linguagem Java pode ser utilizada para adicionar comportamentos complexos a esses objectos. A integração destas duas tecnologias é possível através da SAI - Scene Access


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Interface (SAI, 2004). Esta interface de programação disponibiliza um conjunto de funções que permitem a manipulação da cena X3D através

da utilização da linguagem de programação Java. No momento em que se realizou este trabalho, o único browser que permitiu a visualização de cenas X3D manipuladas através do Java foi o Xj3D (Xj3D, 2008), um browser stand-alone totalmente desenvolvido pelo Web3D Consortium e que tem servido como uma plataforma de testes de cenas que integram o X3D com o Java (Hudson, Couch e Matsuba, 2002; 3dtest, 2008). Na secção seguinte vai ser explicada a forma de integrar o X3D com o Java, recorrendo, para tal, à interface de programação SAI –

Scene Access Interface.

3.1 SAI – Scene Access Interface A SAI é a interface da programação (API) usada para fazer a comunicação entre o X3D e o Java. Através desta ligação é possível a troca de ventos entre os nós X3D e a aplicação Java. A interface gráfica criada para o jogo desenvolvido no âmbito deste trabalho é constituída por duas partes: o browser X3D e a aplicação Java. Enquanto o browser permite ao utilizador navegar num ambiente tridimensional, a interface 2D criada em Java oferece um conjunto de ferramentas que possibilitam a interacção e manipulação dos objectos desse ambiente 3D. Deste modo, pressionando um botão pode enviar-se um evento para a cena X3D, de forma a alterar as características de um determinado objecto. A SAI permite dois tipos de acesso à cena 3D, um tipo denominado por acesso interno e outro por acesso externo. Ambos os casos podem ser usados em conjunto, tirando desta opção as vantagens inerentes a cada um destes métodos. No acesso interno, existe um nó de script dentro do ficheiro X3D que vai fazer a ligação com a classe Java, ou seja, é a própria cena X3D que, ao ser carregada num browser X3D, vai chamar a classe Java onde existe o código que vai efectuar as alterações pretendidas na cena (figura 4).


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Figura 4 - Acesso interno

No acesso externo, a classe Java vai criar uma janela 3D e, de seguida, carrega a cena X3D para a janela 3D criada (figura 5Figura ).

Figura 5 - Acesso externo

Neste tipo de acesso é a própria aplicação Java que vai carregar o ficheiro X3D. Isto torna-se bastante útil quando se pretende uma aplicação composta por duas janelas, uma referente à cena 3D e outra referente à interface Java, como é o caso do protótipo desenvolvido no âmbito deste trabalho.

4. Programação do Jogo Sempre que forem necessárias a interacção e a manipulação de objectos da cena X3D através da linguagem de programação Java, deve-se aceder às propriedades desses objectos. Depois de se aceder a essas propriedades, pode então proceder-se à sua manipulação. De maneira a melhor se explicar o modo de funcionamento desta integração, passa-se de seguida à explicação da programação de um caso geral do jogo implementado – as batalhas do jogador com os monstros existentes no jogo.


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Para simular o campo de visão do monstro, foi colocado um sensor de proximidade na área onde se encontra o monstro (figura 6). Sempre que o jogador entrar na região demarcada por esse sensor de proximidade, é accionado um evento. A aplicação Java fica automaticamente notificada da ocorrência desse evento, desencadeando as acções necessárias, que, neste caso, seriam o início do ataque do monstro. A animação produzida é constituída por movimentos das pernas e dos braços do monstro, assim como pelos movimentos de rotação e translação na direcção do jogador. Para controlar os movimentos de translação do monstro na direcção do jogador recorreu-se ao princípio básico de uma animação, utilizando um interpolador de posição e um relógio.

Figura 6 - Sensor de proximidade na área onde se encontra o monstro

O interpolador de posição tem unicamente dois keyframes: o keyframe inicial, constituído pelas coordenadas iniciais do monstro, e o keyframe final, que vai ser sempre actualizado com as coordenadas actuais do jogador, à medida que este se movimenta (figura 7). Para controlar os movimentos de rotação do monstro, de forma a este esteja sempre “virado de frente” para o jogador, recorreu-se aos princípios básicos da geometria analítica. A representação esquemática está apresentada na figura 8. Inicialmente, o monstro está virado numa determinada direcção, representada pelo vector a . Quando o jogador entra no campo de visão do monstro, está na posição Pf. O monstro encontra-se na posição M e terá de sofrer uma rotação θ para ficar virado de frente para o jogador. Terá então de ser calculado o ângulo existente entre os vectores a e b de modo a ser conhecido o movimento que o monstro


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terá de efectuar. Foi usada a fórmula apresentada na equação 1 para calcular o produto vectorial entre os vectores a e b .

Figura 7 - Animação de translação do monstro

Figura 8 - Representação da rotação do monstro

θ = arccos

a×b a × b

(1)


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Em que a é a norma do vector a , b é a norma do vector b e

θ é o ângulo entre os dois vectores O cálculo do ângulo θ é realizado continuamente e aplicado ao

sistema de coordenadas do monstro, garantindo, assim, que o monstro fica sempre virado de frente para o jogador. Posteriormente, torna-se necessário controlar quando o jogador está próximo do monstro, sendo esta a situação em que o monstro iniciará o seu ataque, podendo até causar dano. Para verificar esta situação, colocou-se um sensor de proximidade junto do corpo do monstro. Este sensor de proximidade está a envolver todo o monstro e encontra-se dentro do grupo que faz parte da animação do mesmo, para que, quando este se desloca, transporte o sensor de proximidade consigo (figura 9Figura ).

Figura 9 - Sensor de proximidade do monstro

A partir do momento em que o jogador entra na região definida por este segundo sensor de proximidade, será, então, accionado outro evento que indica ao programa que os ataques podem começar. Assim, são iniciadas as animações de ataque do monstro e do jogador. O dano causado por estes ataques é controlado por fórmulas específicas, que têm em conta as características físicas do jogador, o tipo de arma equipada e as particularidades do monstro. Uma batalha termina quando os pontos de vida do jogador ou do monstro chegarem a zero, considerando-se que este morreu. Deste modo vão ser controlados, as batalhas e o dano causado, quer pelo monstro, quer pelo jogador. Depois de visto este exemplo, pode entender-se um pouco melhor a filosofia na programação deste jogo. O mundo criado é


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constituído por um grande número de sensores, como, por exemplo, sensores de proximidade, sensores de toque, sensores de visibilidade, entre outros. Desta maneira, pretende-se que cada sensor vá notificar a aplicação Java das interacções do jogador, que por sua vez vai desencadear uma determinada acção sobre o objecto específico do mundo 3D.

5. Resultados Para aferir as potencialidades de integração da tecnologia X3D com a linguagem de programação Java, foi desenvolvido um protótipo de um jogo RPG de fantasia medieval. A interface gráfica é constituído por duas partes: o browser X3D e a aplicação Java (figura 10). Enquanto o browser permite ao utilizador navegar num ambiente tridimensional, a interface criada em Java oferece um conjunto de ferramentas que possibilitam a interacção e a manipulação dos objectos desse ambiente 3D.

Figura 10 – Interface gráfico constituído por dois componentes: cena 3D e aplicação Java

Na parte inicial do jogo, o utilizador deverá seleccionar e configurar as características da sua personagem, como, por exemplo, a raça, a cor, a força, a destreza, a inteligência, etc.. Nesta etapa inicial existem grandes possibilidades de interacção do utilizador com a cena tridimensional. Através de uma interface desenvolvida em Java, é possível não só manipular algumas características da personagem, como também adicionar novos elementos na cena 3D. Posteriormente,


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o jogador poderá explorar um mundo virtual num ambiente de fantasia medieval. O mundo criado é constituído por diversos ambientes, tais como montanhas, grutas, aldeias, castelos e florestas. O jogador deverá realizar algumas tarefas e explorar o mundo da maneira que pretender. Não existe uma linha de jogo fixa, o que significa que o jogador possui um elevado grau de liberdade na sua exploração. Ele poderá decidir com que personagens falar, quais os monstros a atacar, quando deverá fugir, etc.. Nesta fase do jogo existe igualmente uma interface 2D desenvolvida em Java que permite a interacção com a cena X3D. Na figura 11 são apresentadas algumas imagens do protótipo desenvolvido no âmbito deste projecto. Para executar o som na cena 3D foi necessária a instalação do OpenAL (2008), uma biblioteca muito utilizada em aplicações e jogos que necessitem de áudio 3D. Neste tipo de jogos não se pretende que o jogador atinja um determinado ponto para a passar ao nível seguinte, mas sim que o jogador explore o mundo e realize tarefas, de maneira a aumentar as suas capacidades e habilidades, e que, acima de tudo, goste da experiência de explorar o mundo virtual.

Figura 11 - Imagens do jogo desenvolvido

6. CONCLUSÃO Para a realização deste trabalho optou-se pela utilização de uma tecnologia 3D open source - o X3D. A escolha do X3D em detrimento do VRML parece lógica, tendo em conta que aquele é o sucessor do último, possuindo, entre outras vantagens, uma codificação da cena muito mais robusta. Os objectos da cena 3D são, agora, codificados em XML, ao invés de texto, como acontecia com o VRML.


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O objectivo imediato deste projecto não seria a construção de um jogo, mas sim a criação de uma aplicação que demonstrasse as capacidades e potencialidades da ligação entre um mundo X3D e uma aplicação Java. No entanto, pensa-se que com o jogo implementado ficam demonstradas bastantes características desta integração. A capacidade de recorrer a uma linguagem de programação externa para adicionar comportamentos específicos aos objectos de uma cena 3D veio aumentar o poder de interactividade existente, tornando, assim, o X3D muito mais poderoso. Embora o protótipo desenvolvido fosse dirigido para a área concreta do entretenimento, a integração destas duas tecnologias pode ser utilizada em diversas áreas de aplicação, como, por exemplo, arquitectura, medicina, ensino e publicidade, entre outras. O browser utilizado, Xj3D, funciona bem na fusão do X3D com o Java e suporta a maior parte das características do X3D. No entanto, apresenta ainda alguma instabilidade, devido ao facto de estar ainda em desenvolvimento. Espera-se que seja brevemente lançada uma nova versão deste browser, com muitos dos seus problemas resolvidos. É, ainda, de realçar a necessidade de adicionar tempo extra para uma correcta preparação do computador, caso contrário não é possível a comunicação entre o X3D e o Java. A principal dificuldade encontrada no desenvolvimento deste trabalho foi a falta de informação existente sobre o tema. As informações disponíveis não eram muito claras, especialmente na forma de integração do X3D com o Java. De modo a colmatar a falta de informação nesta área tão recente e, de alguma forma, contribuir para a evolução e divulgação desta tecnologia 3D standard, foi criada uma página Web composta por exemplos práticos. Esta página está online e pode ser consultada a partir do site oficial do Xj3D, na sua secção de tutoriais (2008). Trabalho futuro A implementação de um jogo não é uma tarefa simples, na medida em que pressupõe a intervenção de uma equipa de trabalho, cada elemento com uma função específica. Muito do trabalho futuro será a criação de novas áreas para o jogo, assim como a implementação de novas missões e objectivos para o jogador cumprir. Adicionar inteligência aos personagens de modo a tornar o mundo mais realista é também outro objectivo futuro. Durante a realização deste projecto a impossibilidade de utilizar a SAI numa aplicação online, devido ao facto de o Xj3D ser um browser


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stand-alone. Sendo assim, outro objectivo futuro passará pela disponibilização na Internet do jogo criado.

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TOWARDS TRANSACTIONAL INTEGRITY ISSUES IN POLICY BASED NETWORK MANAGEMENT SYSTEMS ASPECTOS SOBRE INTEGRIDADE TRANSACCIONAL EM SISTEMAS DE GESTÃO DE REDES COM BASE EM POLÍTICAS Vitor Roque* (vitor.roque@ipg.pt) Rui P. Lopes** (rlopes@ipb.pt) e José Luís Oliveira*** (jlo@det.ua.pt)

ABSTRCT As networks increase in size, heterogeneity, and complexity, their effective management becomes more important and increasingly difficult. In this context, Policy-Based Network Management (PBNM) has been gaining popularity in recent years. New demands on internetworking, services specification, Quality Service (QoS) and on network management functionality, in general, have been driving users to consider this paradigm in their own networks. From the moment PBNM pearadigms began to be implemented, another aspect became readily evident: that of transactional integrity. Transactional control envisages achieving consistent state changes along the network. In other words, state transition in network devices is only authorized if all the related operations are successfully executed. In this paper we propose a transactional control mechanism for PBNM systems, specifically a transactional control assurance across different systems and different network domains. Keywords: Policy based network management, policies, network management, transactions.

RESUMO Devido ao aumento em tamanho, heterogeneidade e complexidade das redes, uma gestão eficaz das mesmas torna-se cada vez mais importante e ao mesmo tempo mais difícil. Neste contexto, a Gestão de Redes com Base em Políticas (Policy Based Network Management-PBNM), tem vindo a ganhar popularidade e efectividade nos últimos anos. As novas exigências relativas a internetworking, especificação de serviços, qualidade de serviço (Quality of Service-QoS) e genericamente sobre a funcionalidade de gestão de redes conduziu os administradores de redes a considerarem este paradigma nas redes que gerem.


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A partir do momento que se começou a explorar este paradigma, imediatamente outro aspecto passou a ter relevância e a merecer a atenção da comunidade cientifica: a integridade transaccional. O controlo transaccional, neste contexto, tem como objectivo a obtenção mudanças de estado consistentes ao longo de toda a rede. Por outras palavras, a transição de estados nos dispositivos da rede é unicamente autorizada se todas as operações relacionadas com os mesmos forem realizadas com sucesso. Neste artigo, é proposto um mecanismo de controlo transaccional para sistemas de Gestão de Redes com Base em Políticas, nomeadamente o assegurar o controlo transaccional em diferentes sistemas e em diferentes domínios de rede. Palavras Chave: Gestão de Redes com Base em Políticas, políticas, gestão de redes, transacções. * Equiparado a Professor Adjunto na Escola Superior de Turismo e Telecomunicações de Seia do Instituto Politécnico da Guarda, coordenador do curso de Informática para o Turismo e Responsável pelo Gabinete de Informática da ESTTS. Mestrado em 1999 com o título “CORBA, DCOM e JavaRMI” pelo Departamento de Electrónica e Telecomunicações da Universidade de Aveiro.Instituto Politécnico da Guarda, ESTG, Guarda – Portugal ** Professor Auxiliar no Instituto Politécnico de Bragança, responsável pelo curso de Engenharia Informática e Coordenador do Centro de Informática (CRi). Actualmente é o Director da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Mirandela. Doutoramento em 2003 com o título “Gestão Distribuída em SNMP” pelo Departamento de Electrónica e Telecomunicações da Universidade de Aveiro. *** Professor Associado da Universidade de Aveiro no Departamento de Electrónica, Telecomunicações e Informática (DETI), investigador sénior do Instituto de Engenharia Electrónica e Telemática de Aveiro (IEETA) e investigador colaborador no Instituto de Telecomunicações coordenador do grupo de bioinformática da Universidade de Aveiro e Director da unidade de Bioinformática no BIOCANT


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1. INTRODUCTION The telecommunications market has growth impressively in the last years. The number of network devices, users and organizations that are interconnected shows how the complexity of these networks has increased. The number and diversity of applications requiring network services (virtual private networks, QoS and so on) have also increased. The bandwidth required by many of these applications, such as VoIP or multimedia streaming, is considerably higher from what we had a couple of years ago. Likewise, users’ expectations point to growing demands and to higher service levels. In this context, organizations will need expedited methodologies to configure and manage networks, systems and resources. Policy-based network management (PBNM), one of such methods, has been gaining importance as network dimension and complexity has grown. The goal behind PBNM is to approximate the business personal from the network technicians, by allowing managing network from high level policy rules. Each policy can represent an action that is applied to thousands of network elements. However, to be effective, this operation should be automated with appropriate software tools and protocols, which allow the policy to be applied regardless of the equipment vendor. Another challenge in PBNM is how to achieve full transactional integrity in a network domain. Today’s solutions, namely the COPS or SNMP protocols, allow for transactional integrity at the device level, but when we go to the network level, i.e., when we want to apply the same configuration to all the devices at one network domain we will face some difficulties. This paper presents a transaction manager and pairs of PDP/PEP which can deal with the properties of a network configuration transaction.

2. BACKGROUND ON POLICY BASED MANAGEMENT Policies are plans of an organization to achieve its objectives. A policy is a persistent specification of an objective to be achieved or of a set of actions to be performed in the future or as an on-going regular activity.


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Policy-based networking is the application of these organizational policies in the context of networking (Chadha, Lapiotis and Wright, 2002). It is usually concerned with the implementation of organizational objectives as automated operations, management and control systems. In this context a policy is a relationship between network objects, such as particular groups of network elements, network resources and services, and user groups. For example, a bandwidth management policy may apply to all routers within a particular region or of a particular type. An authorization policy may specify that all members of a department have access to a particular service (Yavatkar, Pendarakis and Guerin, 2000).

Figure 1 – IETF PBNM architecture

Compared to conventional network management models, closer to low level instrumentation procedures (Wong and Law, 2001), PBNM simplifies interfaces by extracting commonality across devices; moreover, it provides consistency across interfaces. Network behaviors and management data will be standardized and abstracted. Network actions or configurations will be derived from these “policy rules�, and the policy rules can be differently applied from vendor to vendor. These abstracted management data and fewer interfaces are the keys to achieve better scalability and simplicity in large networks.


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To support the high level dictated by PBNM, the IETF has proposed a policy framework architecture (Yavatkar, Pendarakis and Guerin, 2000) that we describe in the figure 1. This architecture describes the key components: Policy Management Tool (Policy Console), Policy Decision Point (PDP) or Police Server, Policy Enforcement Points (PEP) and Policy Repository. A network management protocol, like COPS (Durham et al., 2000), SNMP (Case et al., 1999) or other, is used to transfer management information among network management entities such as agents, managers, decision, and enforcement points. These protocols guarantees transport of information, although network level transactions are still an open issue (MacFaden et al., 2003). A PDP may have a different number of PEPs under its responsibility (Figure 2).

Policy Console

PDP

PEP

PEP

PDP

PEP

PEP

Figure 2 – PBNM architecture hierarchy

If a single PDP is used to configure a large number of PEPs, we may have some scalability problems (centralized model). If we use more PDPs, we tend to distribute the configuration operations among a more meaningful number of PDPs. If each PDP is responsible for a single PEP, we are under a strong distribution scenario (Martinez et al., 2002).


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3. BACKGROUND ON TRANSACTIONS The concept of transactions has been widely supported by a variety of existing systems, including data-oriented systems, such as databases, and process-oriented systems such as distributed systems. This concept has the same purpose in all these systems and is meant to “group� a set of operations, mainly read and write operations, into one logical execution unit called a transaction. Transactions guarantee that the data will be consistent at the end of its execution, regardless of whether the transaction was successful (commits) or have failed (aborts). Transactions must follow the ACID properties (Gray and Reuter, 1994). These properties, identified by Atomicity, Consistency, Isolation, and Durability ensure that a transaction is performed in a proper way and that it leaves the system in a stable state. The atomicity property ensures that all operations performed as a part of a transaction are considered as atomic – i.e. all the transaction operations are performed or none of them. If a transaction aborts, all the operations are undone and the state will roll back to the previous stable state. Consistency ensures that state changes occur from one consistent state to another. Consistency of a state is defined by a set of constraints and variants which must be satisfied. The property of consistency enables an application to perform a set of operations guaranteed to create a new state satisfying these constraints. The isolation property is used in situations where multiple processing entities reference and change the same underlying resources and data. An executing transaction cannot reveal its results to other concurrent transactions before it commits. Durability guarantees that the result of a transaction is durable (persistent) and will not easily be lost (except in the case of catastrophes, such as destruction of the disk and all its backups). Durability is usually implemented by using a persistent storage mechanism. Taking these concepts to PBNM, the configuration of equipment following a policy usually results in the update of several managed objects and, to be successful, all of them must be configured or none at all. Thus, PBNM must rely on a transaction service so that the network travels between stable states.


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4. DISTRIBUTION OF POLICIES In modern communication networks, an efficient and effective network management system must address support for management of network domains. In this context, the term domain represents a set of interconnected networking devices which may share a common goal or goals – the network-wide policy. Network wide policies imply that a single sentence of objectives be translated into a set of network equipment rules which are then used for equipment configuration purposes. Each rule should be installed in a specific network component thus contributing to the desired global goal. Looking from a different angle, each network-wide policy represents a transaction, which means that several configuration requests must be clustered so that they are performed with ACID properties. In other words, the requests must be all successfully applied – thus achieving a consistent state transition – or none at all, thus rolling back to the previous consistent state. In the following examples, and to illustrated the transactions mechanism, we will use the work of several IETF working groups, namely Policy (Policy Framework WG, 2004), Diffserv (Differentiated Services WG, 2003), and SNMPconf (Configuration Management with SNMP WG, 2003). Network wide policies as transactions Let us consider the example of a network composed of several core routers, identified by NE C_* and two edge routers, NE E_1 and NE E_2 ( Figure 3). Let us also consider that all the nodes support DiffServ classification of traffic (Blake et al., 1998; Grossman, 2002). Considering that it is necessary to establish a connection with a given class of service (the network wide policy) we have to configure all the routers along the path and we must guarantee that the communication requirements are met. If, at any point, this is not possible, we have to roll back to the previous configuration.


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Network domain NE C_1

NE C_N ...

NE E_1

NE E_2

Internet

Figure 3 – Network domain policies.

For simplicity, we consider that the DiffServ nodes are configured through SNMP and/or COPS with the DiffServ MIB (Baker, Chan and Smith, 2002) and/or DiffServ PIB (Chan et al., 2003). The configuration activity taken when applying a policy must be performed as a transaction, thus having the ACID properties. Transactions must be isolated from each other. This property requires some sort of concurrency control to prevent other policies, which might collide with the one we are trying to enforce, from being applied ( Figure 4).

Figure 4 – Concurrency control. a) Conflicting configuration in PEP C; b) Isolation of transactions.

From a technical perspective, we have to get a write lock to each router under state change. It is well known, from the distributed systems theory that a value can be read simultaneously by several clients. However, modifying a value usually requires dedicated access by each client (Emmerich, 2000). This fact alerts us to the possibility of deadlocks as well as starvation.


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The SNMP framework defines a mechanism to deal with multiple managers. The standard textual convention document defines TestAndIncr, a spinlock, which is used to avoid race conditions (McCloghrie et al., 1999). Objects of this type must be set to their current value otherwise the set operation will fail. If successful, its value is incremented. In a transaction scenario, the manager would have to retrieve the spinlock value from all the PEPs and then try to set a new state with the retrieved value. Should any operation fail, the transaction would have to bring all the PEPs to the previous state. This scenario does not provide an exclusive access lock to the PEP but it provides a method to detect if a different manager tried to configure it. A different perspective would be to use a transaction manager to grant or deny access to the PDP but this would require that all the requests be sent to it. Current management applications are not built to perform in this way. The durability property is ensured by the storage resources on network elements. Usually, it relies on flash RAM or on hard drives. This is usually defined through an object of the StorageType type (McCloghrie et al., 1999). A transaction can only end successfully if the state is consistent. The PEPs must only accept data which drives them to a possible state. In the DiffServ MIB (Hazewinkel and Partain, 2004), several conceptual tables are used for configuration. A conceptual table provides a column, of the RowStatus type, which reflects the status of the data stored in the associated row. If the status is ‘notReady’ then there is missing or incorrect information in it. Only if it is ‘active’ or ‘notInService’ the state is, or can be, consistent. The last property is atomicity. A transaction must be executed completely or not at all. Since we can have policies being applied to different PEPs and that each PEP has no knowledge about the others, the atomicity must be ensured at a higher level – the PDP. Transaction control is independent of the client and server objects and the operations between them. The coordination role is usually taken by a specific process – the transaction coordinator. The transaction is transparent to the client: it just requests the beginning of a transaction by sending a begin message to the coordinator followed by the configuration messages to the server objects. Finally, the client issues a commit message to the coordinator which will be responsible for ending the transaction.


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A well known protocol for achieving atomicity in transactions is the Two-Phase Commit Protocol (2PC) (Ă–zsu and Valduriez, 1999). The 2PC has two phases: The voting phase: a coordinator process is started (usually at the site where the transaction is initialized), writes a begin commit record in its log, sends a vote message to the participants, and enters the wait state. This message also contains a unique transaction id, which will be used in further messages. When a participant receives a vote message, it checks if it can commit the transaction. If it can, the participant writes a ready record in its log, sends a vote confirmation message to the coordinator, and enters the ready state. Otherwise, the participants decide to unilaterally abort the transaction by sending an abort message to the coordinator. It enters the abort state and can forget about the transaction. The commit phase: After the coordinator has received votes from all participants it decides whether to commit or abort according to the global commit rule, and writes this decision in the log. If the decision is to commit, it sends a commit message to all participants. Otherwise, it sends an abort message to all sites that voted to commit. Finally, it writes an end of transaction record in its log. We thus have an exchange of messages as shown in Figure 5.

Figure 5 – Messages exchanged for the 2PC


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To cope with eventual crashes or lost messages, the participants will have to provide some recover procedures: • If the client fails before committing, the coordinator will eventually abort the transaction by sending abort messages to the transaction servers. • If a server fails before voting, the coordinator should interpret the missing vote as a vote against and should explicitly abort the transaction. • If the coordinator fails during the voting phase, the servers will not receive the commit message and eventually abort. • If the server fails after voting and if it has voted in favour, after restarting it will ask the coordinator for the decision taken and act accordingly. If the decision is to commit, it must use the data recovered from temporary storage. • If the coordinator fails after the first commit message, it has to retransmit the commit request when getting back online. Next section will describe how the roles can be applied to policybased management.

5. AN ARCHITECTURE FOR POLICY TRANSACTIONS This section describes our architecture for implementing transactions in PBNM (Figure 6). Ignoring the Policy Console and the Policy Repository, it closely resembles the IETF architecture, basing the main operations on PDPs and PEPs. We use The Java Transaction API (2004) (JTA) to provide coordination between the PDP and PEPs. The role of the Transaction Coordinator is to control and coordinate the transaction, as referred in the previous section. The JTA provides a generic coordinator as part of the API.


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Figure 6 – Architecture for PBNM transactions

The PDP works as a transactions client and the PEPs as servers. In JTA, this means that the PDP has to obtain a reference to a UserTransaction object, which will be used to start and end the transactions: public void applyPolicy(Policy policy) { UserTransaction ut = context.getUserTransaction(); try { // Request the transaction coordinator to start a transaction ut.begin(); setPolicy(policy); // Request the transaction coordinator to commit the transaction ut.commit(); } catch (Exception ex) { try { ut.rollback(); } catch (SystemException syex) { throw new EJBException("Rollback failed: " + syex.getMessage()); } throw new EJBException("Transaction failed: " + ex.getMessage()); } }

The PEP is the transaction server object. As such, it has to implement the XAResource interface. This interface provides methods corresponding to the 2PC protocol, namely the voting phase (prepare), commit and others. When the PDP sends a configuration message to the PEP, it has to register on the Transaction Coordinator through the enlistResource method of the Transaction interface. This is how the coordinator gets the references to the participants in the transaction. The PEP may have


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to store some information retrieved from the agent to cope with crashes that may happen. The implementation of the prepare method must also include code to check if the agent is in a consistent state, by querying the conceptual table RowStatus column, for example, and if the transaction could be committed. Meanwhile, it also has to check the spinlock object, to see if some other manager is configuring or has configured the agent. In this case, the PEP will vote against committing and the transaction has to be aborted. After the PDP has issued the commit message, the transaction coordinator will request the PEPs install the policy in the agent. The PEP also plays an important role in the recovery process in case some message is lost or some participant crashes: • If the PDP fails before committing, the coordinator will eventually abort the transaction by sending abort messages to the PEPs. • If a PEP fails before voting, the coordinator should interpret the missing vote as a vote against and should explicitly abort the transaction. • If the agent fails before voting, the PEP will loose contact with it and will vote against the commit. • If the coordinator fails during the voting phase, the PEPs will not receive the commit message and, after a timeout, will abort the transaction. • If the PEP fails after voting and if it has voted in favour, after restarting it will ask the coordinator for the decision taken and act accordingly. If the decision is to commit, it must use the data recovered from temporary storage. • If the agent fails after the PEP has voted and if the decision is to commit, the PEP will wait for the agent to come back online and restore the state previously retrieved from it. The PEP will then complete the transaction by applying the transaction decision. • If the coordinator fails after the first commit message, it has to retransmit the commit request when getting back online.

6. CONCLUSIONS Policy-Based Network Management is a methodology wherein configuration information is derived from rules and network-wide


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objectives, and is distributed to many potential network elements with the goal of achieving consistent network behaviour. The configuration activity causes state changes in the network elements and, to achieve consistent state changes in network domains, it is necessary to guarantee support for transactional integrity. Throughout this paper we have presented some considerations about the importance of guaranteeing transactional integrity at the network level in PBNM. The architecture presented, based on the JTA package and on the 2PC protocol, validates our ideas.

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ELÉCTRODO DE TERRA EM SERPENTINA COPPER SERPENTINE GROUND ELECTRODE Bruno Rodrigues* (bafrodrigues@hotmail.com) e António M. R. Martins** (amrmartins@ipg.pt)

RESUMO

Este artigo tem como principal objectivo a divulgação de uma aplicação informática para calcular a resistência de difusão de eléctrodos de terra em serpentina, a qual é representada analiticamente por uma sinusóide. No cálculo da resistência utilizou-se o chamado método da matriz, desenvolvido por S. Meliopoulos. Como a distribuição de potencial no solo obedece à equação de Laplace, o eléctrodo de terra é previamente discretizado em pontos-fonte de corrente eléctrica, situados no eixo dos condutores. O modelo discreto é representável por um sistema de equações lineares que permite calcular as correntes dos pontos-fonte, arbitrando uma tensão no eléctrodo. A corrente deste é a soma das correntes pontuais, e a lei de Ohm permite calcular facilmente a resistência de terra. Os resultados permitem observar que a resistência da serpentina diminui com o aumento do número de máximos, com o aumento da profundidade de enterramento e com o aumento da largura da vala. Conclui-se da utilidade da serpentina, comparada com o simples cabo horizontal, já que possui resistência de terra menor. Palavras-Chave: Resistência de terra, Método Matriz.

ABSTRACT

The main goal of this article is the calculation of the ground resistance of a copper serpentine ground electrode, analytically represented by a sine curve. In this calculation, the so-called Matrix Method, developed by S. Meliopoulos, was used. Since the ground potencial obeys, the ground electrode is previously distributed along point current sources in the center of the conductors. The discrete model is represented by a linear equations system, in order to calculate the point current sources, controlling the electrode’s tension. This current is the sum of the pontual currents and Ohm’s law enables the simple calculation of the ground resistance. The results show that the copper serpentine ground resistance is smaller with increasing depth or wide of the trench. It was concluded that this electrode, compared with a horizontal buried wire, has lower ground resistance. Keywords: Land Resistance, Matrix Method.


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* Licenciado em Engenharia Informática pela Escola Superior de Tecnologia e Gestão da Guarda – Instituto Politécnico da Guarda. ** Licenciado em Electrónica e Telecomunicações pela Universidade de Aveiro. Trabalhou 5 anos na Portugal Telecom, onde foi responsável pela instalação e manutenção de multiplexadores de primeira hierarquia, pelo Projecto de Redes Locais e Regionais. Mestre em Teoria dos Sistemas pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, sendo Professor-Adjunto da ESTG do IPG desde 1997.


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1. INTRODUÇÃO A importância atribuída à protecção de instalações, equipamentos e segurança de pessoas, perante a ocorrência de perturbações eléctricas, tem vindo a acentuar-se nas últimas duas décadas. A segurança e o desempenho de um sistema eléctrico devem-se em grande parte ao sistema de protecção, o qual permite à corrente fluir para a terra de protecção durante um curto-circuito, numa situação de desequilíbrio e também numa descarga atmosférica. A resistência do eléctrodo de terra terá de ser baixa, caso contrário a tensão nos condutores ligados ao referido eléctrodo terá um potencial demasiado elevado, podendo originar danos na estrutura a proteger, bem como aos seus utilizadores.

2. MODELO MATEMÁTICO

“As dimensões de um sistema de terra são muito menores que a profundidade de penetração, à frequência da rede e para a resistividade dos solo comummente encontradas, pelo que uma análise em corrente contínua é suficiente para a generalidade das aplicações (Meliopoulos 1988)”. Esta aproximação resulta num modelo electrocondutivo estático, representado por uma equação de Laplace relativa ao potencial eléctrico. (A) PONTO NA SUPERFÍCIE DO SOLO (B) PONTO ENTERRADO

Figura 1: FONTE PONTUAL DE CORRENTE, SUA IMAGEM E PONTO DE INTERESSE


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Sendo o solo um condutor semi-infinito, o eléctrodo mais simples a considerar é uma fonte pontual de corrente. Sendo um caso teórico, é, contudo, fundamental, pelo que se ilustra na figura 1. Usando coordenadas cilíndricas para o laplaciano, obtém-se (Meliopoulos 1988):

∇ 2 v (R, z ) =

1 ∂ ∂V (r , z ) ∂ 2V (r , z ) + r =0 r ∂r ∂r ∂z 2

1)

O potencial no ponto P, solução de 1), é (Meliopoulos, 1988):

V=

ρI 4π

1 ⎞ ⎛1 ⎜ + ⎟ ⎝ d dim ⎠

2)

Onde: V - potencial em P, criado pelo ponto-fonte; ρ - resistividade do terreno; d - distância cartesiana do ponto-fonte ao ponto P; dim - distância cartesiana da imagem do ponto-fonte ao ponto P. I - corrente debitada pelo ponto-fonte. No caso da figura 1 A, a distância do ponto P ao ponto-fonte é igual à distância ao ponto-imagem, o que não acontece no caso da figura 1 B, em que ambas as distâncias são claramente diferentes. A equação 2) pode ser apresentada de outro modo:

V = k i, j I

3)

ρ 4π

4)

Em que:

ki, j =

1 ⎞ ⎛1 ⎜ + ⎟ ⎝ d dim ⎠

O parâmetro k contém os índices i e j em que o primeiro representa o ponto onde se calcula o potencial e o segundo ponto-


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fonte de corrente. Uma análise dimensional do referido parâmetro mostra que este tem as dimensões de uma resistência Ωm ⋅ m −1 = Ω . Ki, j poderá, assim, ser designado por resistência entre o par de pontos i e j. A equação 3) será então a bem conhecida lei de Ohm V = k i, j I . Este modelo teórico pode ser utilizado para um eléctrodo real, tal como uma vareta de terra, desde que “o condutor seja dividido em pequenos segmentos (Meliopoulos 1988)”. Supõe-se então que “a corrente debitada pela superfície de qualquer segmento pode ser substituída por uma fonte pontual de corrente, localizada no seu ponto central (Meliopoulos, 1988)”. A figura 2 ilustra uma discretização, propositadamente com poucos pontos, a fim de facilitar a exposição.

(

)

FIGURA 2: DISCRETIZAÇÃO DE UMA VARA EM 3 PONTOS FONTE

De seguida calcula-se o potencial V1 num ponto superficial usando o teorema da sobreposição, que afirma que o potencial num ponto é a soma das contribuições de todos os pontos-fonte. Assim, para o ponto superficial ‘Ps1’ tem-se:


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V1 = R11 I 1 + R12 I 2 + R13 I 3

5)

Sendo R11 a resistência entre o ponto de superfície Ps1 e o ponto fonte Pf1, R12 a resistência entre o ponto de superfície Ps1 e o ponto fonte Pf2 e analogamente para R13. O percurso das três correntes, entre estes pontos, é feito dentro do eléctrodo, cuja resistividade é nula, o que não inibe Meliopoulos de usar o valor da resistividade do solo no cálculo da resistência. Aplicando o mesmo princípio aos restantes pontos, obtém-se o seguinte sistema:

V1 = R11 I 1 + R12 I 2 + R13 I 3 V2 = R21 I 1 + R22 I 2 + R23 I 3

6)

V3 = R31 I 1 + R32 I 2 + R33 I 3 Geralmente, os sistemas de terra são construídos com condutores de cobre. Devido à alta conductividade deste material, todo o sistema de terra está praticamente ao mesmo potencial. Então, a tensão em todos os segmentos é igual pelo que se tem V1=V2=V3=V (Meliopoulos, 1988). Arbitrando um valor para estes potenciais, resolvese o sistema obtendo-se o valor das três correntes. Note-se que as resistências entre pontos dependem da colocação destes para um mesmo solo, pelo que são parâmetros calculáveis usando a equação 4). O número de pontos à superfície é igual ao número de pontos-fonte garantindo um sistema de 3 equações às 3 correntes debitadas pelos pontos-fonte. A corrente total que sai do eléctrodo será a soma das três e a resistência de difusão do eléctrodo será, pela lei de Ohm:

R=

V I Total

7)

O método é generalizável a um número qualquer de pontos.


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3. PROGRAMAÇÃO E AFERIÇÃO 3.1 Programação Para fazer o cálculo da resistência, foi desenvolvida uma aplicação informática, dividida em três fases: Pré-processamento, processamento e pós-processamento. 3.1.1 Fase de pré-processamento Consiste em construir três matrizes onde se guardam as coordenadas (abcissas, ordenadas e cotas) dos pontos-fonte, dos pontos de superfície e dos pontos-imagem. Na matriz dos pontos-fonte guardam-se os valores das abcissas e das ordenadas na primeira e segunda coluna, respectivamente. As cotas são guardadas na terceira coluna da matriz. A matriz dos pontos imagem é construída de forma semelhante à matriz dos pontos-fonte, mas com a diferença de que o valor das cotas é simétrico. A matriz dos pontos de superfície é também construída de forma semelhante à matriz dos pontos-fonte, mas serão alteradas as ordenadas. Por exemplo, para eléctrodos verticais, as cotas correspondem ao raio da vara. 3.1.2 Fase de Processamento Nesta fase pretende-se efectuar o cálculo da intensidade total. A intensidade total é a soma de todas as intensidades debitadas pelos pontos fonte. Estas intensidades são as incógnitas do sistema de equações lineares que vão ser calculadas através do método de eliminação de Gauss, usando as matrizes anteriormente preenchidas. O valor atribuído ao potencial à superfície foi de 104volt. 3.1.3 Fase de Pós-Processamento Aqui calcula-se a resistência de difusão, pela lei de Ohm, dividindo o potencial arbitrado pela corrente total. O cálculo de potenciais em pontos à superfície do terreno é também executado neste bloco do programa.

3.2 Aferição Para aferir o modelo matemático e o programa, torna-se necessário definir o espaçamento conveniente entre pontos. Considerou-se uma vareta de terra com três metros de comprimento e


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8 mm de raio, enterrada num solo de resistividade 1000Ωm. Os resultados foram comparados com a fórmula de Dwight (Dwight, 1936) para varas de terra:

R=

2l ρ ln 2πl a

8)

Em que:

R - resistência da vara de terra ρ - resistividade do solo

ℓ - comprimento do eléctrodo a - raio do eléctrodo

Com as dimensões e resistividade referidas, esta fórmula fornece o valor de 351Ω. Pela simulação computacional e variando o número de pontos, obtivemos a Tabela 1. Tabela 1 Distância entre pontos fonte (m) 0,1 0,01 0,001

Número de pontos

Resistência calculada pela aplicação (Ω)

30 300 3000

525 332 331

Erro para 351 Ω (%) +50 -5 -6

Uma separação entre pontos fonte de um decímetro está, obviamente, fora de hipótese. Com os pontos fonte separados por um centímetro ou um milímetro, o resultado é quase igual, mas o tempo de cálculo aumenta consideravelmente no último caso, pelo que se escolheu uma distância de um centímetro entre pontos-fonte.

4. ELÉCTRODO EM SERPENTINA O cálculo da resistência de terra de um eléctrodo em serpentina (figura 3) é obtido pelo método anteriormente descrito. A serpentina, colocada horizontalmente numa vala, é aproximada a uma sinusóide. A diferença no cálculo da resistência de terra, em relação à vara vertical, reside na fase de pré-processamento. A discretização para obter os pontos-fonte obedeceu às seguintes regras:


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o As abcissas dos pontos-fonte foram espaçadas de um centímetro até preencherem o comprimento da vala; o As ordenadas foram obtidas usando a função: y = Asen(wx ) ; o A – metade da largura da vala; o w – frequência angular;

Figura 3: Eléctrodo em serpentina (EDP 2005)

O cálculo da frequência angular exige o conhecimento do período. Este obtém-se dividindo o comprimento da vala pelo número de máximos que o utilizador define. As cotas dos pontos-fonte são constantes, visto que a serpentina está enterrada horizontalmente, e iguais à profundidade de enterramento. Quanto à matriz dos pontos de superfície, é de referir que para uma geração mais fácil se considerou convenientemente colocar estes pontos na superfície superior do cabo, como se mostra na figura 4.


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Desta forma, a matriz é semelhante à anterior, embora as cotas sejam alteradas somando o valor do raio do cabo à cota do ponto-fonte.

Figura 4: ponto fonte e respectivo ponto de superfície do eléctrodo em serpentina

A matriz dos pontos-imagem é igual à matriz dos pontos-fonte, exceptuando o valor das cotas, que é simétrico.

5. RESULTADOS Realizaram-se várias simulações, cujos resultados estão sumarizados nas tabelas seguintes: a) Parâmetros: resistividade do solo - 1000 Ωm ; diâmetro do condutor - 35mm; comprimento da vala - 10m; largura da vala 0,4m; profundidade da vala - 0,5m. A resistência diminui com o aumento do número de máximos para as mesmas dimensões da vala, como se verifica na tabela 2: Tabela 2 Nº de Máximos 10 20 30

Resistência (Ω) 116 107 103

b) Parâmetros: resistividade do solo - 1000 Ωm ; diâmetro do condutor - 35mm; comprimento da vala - 10m; largura da vala 0,4m; número de máximos – 10.


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Tabela 3 Profundidade da vala (m)

Resistência (Ω)

0,5 0,8 1,2

116 110 105

A resistência diminui com o aumento de profundidade do enterramento como se verifica na tabela 3. c) Parâmetros: resistividade do solo - 1000 Ωm ; diâmetro do condutor - 35mm; comprimento da vala - 3m; profundidade da vala - 0,5m; número de máximos – 10. Tabela 4 Largura da vala (m) 0,4 1 2

Resistência (Ω) 229 182 147

A resistência diminui com o aumento da largura da vala, como se verifica na tabela 4. Na procura de uma validação para o algoritmo usado para a serpentina, e dada a dificuldade em encontrar solos homogéneos na região da Guarda, comparou-se este eléctrodo com uma chapa horizontal e com um cabo enterrado horizontalmente. Considerou-se uma vala com 10m de comprimento, 0,4m de largura e 0,5m de profundidade num terreno com resistividade de 1000 Ωm . Discretizouse uma serpentina com vinte máximos e diâmetro do cabo de 35mm. A simulação computacional obteve um valor para a resistência de 107Ω. Se na mesma vala se enterrasse um cabo horizontal com 10 m de comprimento e com o mesmo calibre, a resistência deste, pela fórmula de Dwight relativa a cabos horizontais (Dwight, 1936), seria de 130Ω, um valor mais elevado do que aquele obtido com a serpentina, como seria de esperar. A serpentina reduziu a resistência do cabo horizontal em 17,7 %. No outro extremo, se enterrarmos uma chapa de cobre com as dimensões da vala - 10x0,4 m 2 - e uma espessura igual ao calibre do cabo usado na serpentina, obtinha-se pela fórmula de Rudenberg (Rudenberg, 1945), uma resistência de 93Ω, mais baixa do que o valor da serpentina. Como o valor da resistência da vara horizontal é um majorante e o valor da resistência da chapa é um minorante, podemos observar que


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o valor da resistência da serpentina se encontra dentro do intervalo 93<107<130Ω, como seria de esperar.

6. CONCLUSÕES Na discretização de eléctrodos de terra, os pontos-fonte devem estar espaçados de um centímetro, aproximadamente. A resistência da serpentina diminui com: O aumento do número de máximos para as mesmas dimensões da vala; O aumento de profundidade de enterramento; O aumento da largura da vala; O uso de uma serpentina, no lugar de um cabo horizontal, permite baixar a resistência deste em 18 %, aproximadamente, notando-se, assim, a sua utilidade.

BIBLIOGRAFIA Meliopoulos, Sakis (1998), Power System Grounding and Transients, Marcell Dekker Inc, Nova York. EDP (2005), Guia técnico de terras, edição própria, Lisboa. Dwight, H. (1936), “Calculation of Resistences to Ground”, Electrical Engineering, December, p.1319. Rüdenberg, Reinhold (1945), “Grounding Principles and Practice”, Electrical Engineering, vol.64, nº1, Janeiro, p.1.


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