Egitania sciencia - Número 5

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A Revista EGITANIA SCIENCIA, propriedade do Instituto Politécnico da Guarda, é uma publicação periódica que materializa a permanente preocupação de apoiar, primordialmente, a actividade de investigação desenvolvida no IPG e no interior do País. Fomentar a investigação nos domínios da didáctica, pedagogia, cultura e técnica é o principal objectivo desta revista de divulgação científica. La Revista EGITANIA SCIENCIA, es propiedad do Instituto Politécnico da Guarda, es una publicación periódica que materializa la permanente preocupación de apoyar, primordialmente, la actividad de investigación desenvolta en el IPG e en lo interior del País. Fomentar a investigación nos dominios da didáctica, pedagogía, cultura e técnica é o principal objetivo de la revista de divulgación científica. The academic journal Egitania Sciencia, property of the Instituto Politécnico da Guarda (IPG), is a periodic publication that represents a constant commitment to support research activity carried out at the IPG and the inland regions of Portugal. Its foremost objective is to give incentive to research in the areas of didactics & pedagogy, culture and technology.


Título Egitânia Sciencia Director: Fernando A.S. Neves dos Santos. Conselho Editorial: Jorge M. Monteiro Mendes, Fernando A.S. Neves Santos, Helder L. Rebelo Sequeira, Manuel A. Carvalho Prata, Constantino Mendes Rei (Instituto Politécnico da Guarda -IPG). Comissão Científica: Adérito Neto Alcaso, Alberto Trindade Martinho, Amândio Pereira Baía, Ana M. M. Caldas Antão, Ana Maria Jorge, Ascensão M. Martins Braga, Carlos A. Correia Carreto, Carlos F. Sousa Reis, Carlos M. Gonçalves Rodrigues, César Rafael Gonçalves, Eurico J. Gomes Dias, Ezequiel Martins Carrondo, Fernanda M. Trindade Lopes, Fernando C. Silva Marques, Fernando Pires Valente, Filomena S.J. Bolota Velho, Gonçalo J. Poeta Fernandes, Joaquim J. Quadrado Gil, Joaquim M. Fernandes Brigas, Jorge A.P. Fonseca Trindade, José G. Peres Monteiro, José M. Mayor Gonzalez, José R. Santos André, Luísa M.L. Queiroz de Campos, Manuel A. Brites Salgado, Maria C.S. Pinto Silveira, Maria E. Cunha Ferreira, Maria F. Santos David, Maria M. Santos Natário, Maria R. Gomes Gouveia, Maria R. da Silva Santana, Paula Isabel T.G. C. Borges, Paulo A. Moutinho Barroso, Pedro M.S. Melo Rodrigues, Rosa B. Almeida Figueiredo, Rui A.P.S. Cunha Ferreira, Rute M.G.A. Teixeira Matos, Teresa J. Trindade M C. Fonseca, Teresa M. Dias de Paiva, Tiago M.C. Santos Barbosa, Samuel Walter Best (Elementos do IPG). Revisão Técnica: Anabela Antunes de Almeida (DGE-UBI); Ana Margarida Godinho Fonseca (ESTG-IPG); António Sérgio Araújo de Almeida (ESTTM-IPL); Bráulio Alexandre Barreira Antunes (ISCTE); José Reinas Santos André (ESTG-IPG); Joaquim Gonçalves Antunes (ESTV-IPV); José Gonçalves Peres Monteiro (ESECD-IPG); Luís Filipe Fernandes Silva Marcelino (ESTG-IPL); Maria do Céu Alves (DGE-UBI); Maria Manuela Santos Natário (ESTG-IPG); Pedro Miguel Santos Melo Rodrigues (ESTG-IPG); Raul Manuel da Silva Laureano (ISCTE); Revisão de provas: Anabela Oliveira da Naia Sardo, Carlos Reinas Caldeira, Guadalupe Arias Mendez, Sílvia Alexandra Lopes dos Reis. Propriedade: Instituto Politécnico da Guarda, Av. Dr. Francisco Sá Carneiro nº 50 * 6300-559 Guarda Contactos: Telf. 271 220 111 * Fax 271 222 690, Email: cap@ipg.pt Endereço Web: http://www.ipg.pt/revistaipg/ Composição gráfica M Comunicação Impressão e Acabamentos: Daniel Ferreira, Maria de La Salete Venâncio, José Neves da Costa e Francisco Leite Depósito Legal: nº 260795/07 ISSN: 1646-8848 Vol. V, Novembro de 2009 Periodicidade: Semestral Tiragem: 1 000 exemplares

Proibida a reprodução total ou parcial desta Revista sem autorização expressa da Direcção de “Egitania Sciencia”. Todos os direitos reservados. Forbidden the total or partial reproduction of this Magazine without express authorization of the Direction Board of “Egitania Sciencia”. All rights reserved. Apoio a este número:

Fundação para a Ciência e a Tecnologia Unidade de Investigação para o Desenvolvimento do Interior (UDI/IPG) Nota: Os artigos são da responsabilidade dos autores, não reflectindo necessariamente os pontos de vista da direcção ou dos revisores.


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Responsabilidades acrescidas O crescente interesse que esta Revista tem suscitado, não só junto da comunidade académica, reforça as razões apresentadas aquando do seu lançamento. Escrevemos, então, que o incremento da actividade editorial do Instituto Politécnico era uma das prioridades assumidas pela Presidência, apesar das limitações ao nível dos recursos humanos e financeiros. A determinação de uma reduzida equipa de trabalho ultrapassou os vários condicionalismos e conseguiu afirmar a Egitania Sciencia como publicação de referência. Aliás, é com particular satisfação que constatamos o facto de esta Revista ter ido muito mais além dos horizontes delineados inicialmente; se estabelecemos nos seus objectivos a materialização do apoio à actividade de investigação desenvolvida no IPG e no interior os país, verificamos, decorridos estes números, a abrangência de outras áreas geográficas, dentro e fora do território nacional. Sem dúvida que a internacionalização da revista e as melhorias graduais que se pretendem implementar implicam responsabilidade acrescidas às quais estamos atentos. Contudo, o êxito de uma publicação desta natureza é o somatório de vários contributos, nomeadamente dos autores dos trabalhos que integra em cada número. Fica, pois, o convite a novas colaborações com esta publicação semestral do Instituto Politécnico da Guarda.

Jorge Manuel Mendes Presidente do IPG



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ÍNDICE [7]

PARTICULARS OF TEACHING THE MOTHER TONGUE IN LITHUANIAN INFANT ORPHANAGES Robertas Kavolius, Aras Vebra

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SUBJECTIVE WELL-BEING AMONG THE ELDERLY IN THE SOUTHERN CORNE: HEALTH, INCOME AND FAMILY Alejandro Cid, Daniel Ferrés e Maximo Rossi

[39]

LIDERANÇA ESCOLAR. DO CONCEITO À PRÁTICA ACTUAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS PORTUGUESAS José Manuel Silva

[59]

ARGENTINA NO CAMINHO DO POPULISMO: CONFLITOS SOCIAIS E POLÍTICAS ECONÓMICAS DURANTE O PERONISMO José Carlos Alexandre

[87]

ACCOUNTABILITY E SUSTAINABILITY NAS AQUISIÇÕES DE BENS E SERVIÇOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Fátima David, Rute Abreu, Francisco Carreira e Paula Hediodoro

[113]

COMO O CONFLITO E AMBIGUIDADE DE TAREFA INFLUENCIAM O BURNOUT E O DESEMPENHO INDIVIDUAL: UM ESTUDO NO SECTOR HOSPITALAR Susana Leal, Jorge Faria e Tânia Jacinto

[137]

DIMENSÃO DESCRITIVA DO PLANEAMENTO ESTRATÉGICO António José Fernandes, Maria Isabel Ribeiro

[157]

ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS: PASSADO, PRESENTE E FUTURO Pedro Miguel Cardoso

[177]

CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-QUÍMICA, TEOR EM ÁCIDO ASCÓRBICO E COMPOSTOS FENÓLICOS DO DIOSPYRUS KAKI, PROVENIENTE DE DIFERENTES REGIÕES GEOGRÁFICAS DE PORTUGAL CONTINENTAL Márcio Calhandro, Filipe Coutinho, Marta O. Soares, Ana F. Vinha e Marisa Machado

[193]

A EFICÁCIA DE UMA FERRAMENTA DE VALIDAÇÃO NA MELHORIA DA QUALIDADE DE DADOS HOSPITALARES Tiago Costa, Alberto Freitas, Jorge Jácome, Fernando Lopes e Altamiro Pereira

[209]

ANIMAÇÃO DE PERSONAGEM 3D: EXPRESSÃO FACIAL José Carlos Miranda



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PARTICULARS OF TEACHING THE MOTHER TONGUE IN LITHUANIAN INFANT ORPHANAGES PARTICULARIDADES NO ENSINO DA LINGUAL MÃE EM ORFANATOS INFANTIS LITUANOS PARTICULARIDADES EN LA ENSINANZA DE LA LENGUA MADRE EN ORFANATOS INFANTIS LITUANOS Robertas Kavolius * Aras Vebra (arasvebra@yahoo.com) **

ABSTRACT When Lithuanian infants and children up to age three become orphans, they are often sent to live in homes for infants with development disorders (further infant orphanages) where all the rearing they get comes from the caretakers who work there. Therefore, this article seeks to discover the outlooks on teaching the mother tongue and attitudes on language teaching in general of the caretakers at the infant orphanages. Based on an analysis of foreign and Lithuanian scientific papers, the methods of teaching children under three their native tongue are presented. Keywords: child, infant orphanage, caretaker, mother tongue.

RESUMO Quando os bebés e as crianças lituanas, até aos três anos de idade, ficam órfãos, são muitas vezes colocadas em instituições (frequentemente em orfanatos) com outras crianças que sofrem de perturbações/problemas de desenvolvimento, cuja formação e educação é fornecida pelos indivíduos que ali trabalham. Assim, este artigo procura descobrir a forma de ensino da língua materna e as atitudes do ensino da linguagem, em geral, transmitidas pelos funcionários/vigilantes dos infantários. Com base na análise de trabalhos académicos de autores Lituanos, entre outros, são apresentadas as formas de ensino da língua materna a crianças com menos de 3 anos. Palavras-chave: criança, orfanato infantil, vigilante, língua materna.


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RESUMEN Cuándo los bebés Lituanos y los niños hasta la edad tres se quedan huérfanos, a menudo son enviados a hogares para niños con trastornos de desarrollo (más en orfanatos) donde toda la información y la educación es de la responsabilidad de las personas que trabajan allí. Este artículo procura descubrir el modo de enseñanza de la lengua materna y las actitudes ante la enseñanza del lenguaje en general de los responsables de los centros de acogida/orfanatos. Basado en la análisis de trabajos académicos de autores lituanos y de otras nacionalidades, se presentan estas formas de enseñanza de la lengua materna a niños menores de 3 años. Las palabras clave: niño, orfanato infantil, vigilante, lengua materna.

* English Teacher in Klaipeda College and Soros International House Lithuania. ** English Teacher in Klaipeda College, Lithuania.


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1. INTRODUCTION The pertinence and topic. This past year theoreticians and practitioners of the education sciences and sociology (LeCroy, Milligan, 1991; Lochman, Coie, Underwood, Terry, 1993; Juodaityté, 2003, et al) both at home and abroad have paid considerable attention to the ways children are brought up to live in a complex society. According to Salkauskas (1992), the first factor affecting a child’s rearing is his family. When there is no family, educators can end up in charge of the child’s upbringing for a number of reasons: objective ones, such as the death or incapacity of the parents; or subjective grounds, such as domestic abuse, narcotics abuse, or simply the unwillingness to keep one’s child. Either way, these children end up with the infant orphanage as the primary educational factor rather than the family, which raises questions about the actions and competency of caregivers. The 2007 Lithuanian Education Law and the pedagogical and psychological literature (Zukauskiene, 1996, Ališauskiene, Gudonis, Mikulenaité, Petrulyté, Radzevičiené, 2003, Bajoriūnas, 2004, Radzevičiené, 2006 et al) emphasize the necessity of teaching children social skills, which, in the case of infant orphanages, is directly linked to native language teaching. Ergo, to improve a child’s social skills it is helpful for him to successfully socialize with other children and adults, which also encourages identity development and fosters adaptation to the surroundings. For an individual to learn a language, he has to spend a certain period of developmental growth in an appropriate educational environment. Children under three living at infant orphanages do not have that opportunity, nor do they feel the sympathy of their parents, the variety in educational approaches or the organic relationship they have with their parents. In Lithuania, orphaned children under the age of three live at one of six orphanages that specialize in infants and young children. Naturally, the children at these institutions participate in various forms of communication: they speak in one fashion with their peers and another with the caregivers, teachers, and other personnel. According to Karaliūnas (1997), Nauckūnaitą (2000), Glebuvieną, Leleikieną (2003), Piaget (2002), Grabauskieną (2006) et al, if a child is to learn to speak, he must be exposed to people speaking as an example. Ivanov (1978) adds that a child without contact with people


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and their speech during the first critical stage of development will never be able to master a language perfectly. Children without the experience of family care do not create an appropriate behavior model: they are shy, apprehensive, insecure in their surroundings, cannot deal with stress (Kvieskieną, 2002), and do not know how to express their emotions. This is why it is vital for educators at infant orphanages to know their charges especially well and be able to pass on to them the most important means of developing their language skills and abilities. Educators must focus on interaction during the teaching process: based on theory, the linguistic situations created for children have to encourage them open up a dialogue, share their ideas, and form values. However, the research done in Lithuania to analyze the language learning that takes place in infant orphanages is limited. Research Object—the teaching of the native tongue at infant orphanages. Research Objective—to explore the particulars of children’s native language learning process at infant orphanages. Research Methods—an analysis of academic literature, document content analyses, a written survey, and SPSS program output of data collected by empirical research. Research Methodology and Organization. One group of educators included staff from infant orphanages in Vilnius, Kaunas, Klaipąda, Alytus, and Šiauliai. They have direct contact with children living there, and the research results reflect the opinions at those homes. The total number of teaching staff at these schools is 102; 57 took part in the research. In synch with principles of research ethics, respondents could participate in the research regardless of age, race, creed, or other restriction. (Charles, 1999, Rupšieną, 2007) Nevertheless, all of the participants were women; clearly women are more likely to choose this profession than men. The research subjects ranged in age from 26 to 69: 26-39 made up 36.9%; 40-59 made up 57.8%; and 60-69 made up 5.3%. The participants have long careers working in infant orphanages. Of the respondents, 67.4% have been working there for sixteen to twenty years; 15.8% answered 21-25 years. Nearly all—94.7%—have university bachelor’s degrees in an appropriate field of pedagogy. These research results confirm earlier research done by Rupšieną, Leliūgieną, and Baršauskieną, in 2004. According to these authors, there are no programs within higher education in Lithuania that


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qualify graduates to work as language teachers in orphanages. The qualification required for the work is simply college or university degree in pedagogy. Therefore, the people that work there are from various subject fields and are primary, preschool, or yet another kind of teacher. The research was done in 2008. Quantitative research was done with groups using written responses in the form of a survey. This article presents questions representing the three branches of research. Branch #1 is demographic data. The questions discovered the respondents’ gender, work experience, educational background. Branch #2 is the differences between the infant orphanages. The questions assessed such things as the number of children per group, conditions for the children to learn their mother tongue, and the roles of teachers throughout the teaching process. Branch #3 is the particulars of native language teaching at the infant orphanages.

2. RESEARCH DATA ANALYSIS Rupšieną, Leliūgieną, and Baršauskieną (2004) said that educators working at child care homes often complain that they are psychologically exhausted by frequent conflicts and uproar among the children. The research results show that teachers at infant orphanages work with large groups of children (figure 1). More than half of the respondents work with twelve or more children in a group—this decreases the time spent with each child and restricts the one-on-one communication with each learner, which is vital to native language learning. Educators at the infant orphanages indicated that when trying to pattern teaching conditions on the family model, it is necessary to ensure individual contact with the child to satisfy his psychological and social needs, to individualize his language content, and to reorient his activities in group work. The first step towards reaching these conditions is to reduce the number of children per teacher to 6-7 by increasing the number of groups or institution or encouraging foster families. In summary, the educators believe the children would reach better language learning results if the group sizes were decreased by at least 25%.


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21,1

15,8

10 children 10,5

11 children 12 children

52,6

13 children

Figure 1: The number of children per group

The data analysis shows that the teachers at the infant orphanages use various methods in teaching the mother tongue (figure 2). As scientists have discovered (GlebuvienĂŠ, LeleikienĂŠ, 2003 et al), children at early ages enjoy dialog that creates scenarios; ergo, lessons are not appropriate at such an age when children are mobile and inclined to examining and familiarizing themselves with their surroundings. 100 80 60

94,7%

100% 73,7%

40

36,9%

20 0 Lesson

Educational Activity

Game

Other

Figure 2: Language teaching formats

Of the teaching forms used by the infant orphanages staff, the game is the most appropriate: it is purposeful, and the educator can connect it to observations, tasks, musical activities, pronunciation exercises, nature, and role-playing. When teaching infant orphanage residents under the age of three, it is very important to choose the proper work methods. From a methodological point of view, the important thing is that none, not even the most advanced and modern methods can ensure a positive result, if the educational process is not operating systematically (BukantienĂŠ, 2007). It was therefore appropriate to the research to determine what methods the respondents used in language teaching. It was established that they use storytelling,


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conversation, miming, games, and demonstration methods. The results also showed that not all study participants clearly understood the concept of the game method of education and could not identify any methods of this type. They mentioned “communication, various tasks, holidays, entertainment, field trips...” Based on the constructivist approach, analytical learning is inseparable from activities and experience; this highlights the purpose and involvement in the learning. Children acquire experience from cooperation with teachers, and their interests and activities become the center of learning. However, because children's language level and maturity of throughout the groups varies, they cannot all be taught in the same way. As each group has more than one teacher, a very important factor to learning is to evaluate the progress of each child, systematically and uniformly recording the achievements of the child in language development. The results of this study show that all respondents noted the achievements of their children (in journals, by writing characterization, filling out children’s development tables...) (see Table 1), but it should be emphasized that in many cases children's language achievements are not recorded systematically (only once or twice every six months). Table 1: Child Language Achievement Records Frequency of Recording Children’s Language Learning Progress at Infant Orphanages Constantly, by children’s development tables Constantly, by writing children’s characterization Keeping a journal Quarterly evaluations Quarterly characterizations Yearly reports on a child’s language achievements Yearly individual program creation, in which a child’s language achievements are noted Anecdotal information on children’s language level written into the minutes of the infant orphanages staff meetings

% 12.5 9.2 6.7 19.2 19.2 25 1.5 6.7

Vérinèlis (1995) and Early Education Guide (2001) are two programs written for Lithuanian preschool-aged children. Based on the survey data all respondents use these books. However, the study participants believed that each institution has its own custom program prepared based on its needs and abilities: this leads to the


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generalization that in Lithuanian infant orphanages there is currently no unified approach to teaching the mother tongue to children less than 3 years of age. Children end up in orphanages for a variety of objective and subjective reasons; 45% of orphans are not even visited. Another 32% of orphans are visited less than once a month by a parent or other relatives (Paulauskiené, 2006). Having noticed this already, Braslauskiené (2002) emphasizes that a child’s welfare at an orphanage depends on the strict sympathetic values of the teacher and a desire to aid his well-being and future. The research results show that teachers at children’s orphanages tend to pull the other staff members into the native language learning process in order to push the limits of the socialization process. The experiences of communicating with different kinds of people helps a child learn to live with and among people and get used to the reality of life. Unfortunately, admittedly, most of the children at orphanages are not often able to talk to anybody beyond the walls of the orphanages.

3. CONCLUSIONS 1. Teachers at infant orphanages understand the importance of language teaching at these institutions, but not all of them have delved deeply into the specifics of the process. Bearing in mind that children under 3 years of age tend to interact by dialogue in the creation of certain linguistic situations, educators develop language through games and by linking learning to other activities. However, quite often educators also use language lessons as a form of education, which is not suitable for children at this age because of their mobility, and their tendency to explore their environment. 2. The infant orphanage teachers who participated in the research study try to include other orphanage staff in the language teaching process when possible. They also promote participation of children’s parents or other relatives in the process to increase experience, orientation, socialization, and development. 3. At infant orphanages, children’s learning of their mother tongue takes place under specific circumstances. Therefore, to date there is no single educational program that can be used according to universal parameters to teach orphans their native language.


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REFERENCES Ališauskieną S., Gudonis V., Mikuląnaitą L., Petrulytą J., Radzevičieną L. Early Education: the Present and Prospects; Šiauliai: Šiaulių University Press, 2003. Monkevičieną O., ed. Earyly Education Guide; Vilnius: Minkląs Press, 2001. Bajoriūnas Z. The Science and Practive of Family Teaching; Vilnius: Kronta, 2004. Braslauskiené, R. Orphans’ Socio-Cognitive Experience as Care Institutitons; Tiltai, priedas; Education Science: Problems and Prospects; Klaipéda: Klaipéda University Press, 2002, Nr. 11. Bukantiené J. The Teaching and Learning of Primary Class Pupils to Prounounce as a part of Communications in General Doctoral dissertation summary. Klaipéda: Klaipéda University Press, 2007. Charles C. M. Pedagoginio tyrimo ĺvadas; Vilnius: Alma litera, 1999. Glebuviené V. S., Leleikiené V. Vaiką aktyvinantis pedagogo bendravimas darželyje; Pedagogika; Vilnius: Vilniaus pedagoginio University Press, 2003, Nr. 68. Grabauskiené A. Šeimos ugdomasis vaidmuo ir mokykla; Pasaulis vaikui: ugdymo realijos ir perspektyvos; Vilnius: Pedagoginio University Press, 2006, Nr. 3. Juodaitytą A. Vaikystąs fenomenas: socialinis-edukacinis aspektas; Šiauliai: Šiaulių University Press, 2003. Karaliūnas S. Kalba ir visuomen; Psichologiniai ir komunikaciniai kalbos vartojimo bruožai; Vilnius: Lietuvių kalbos institutas, 1997. Kvieskieną G. Socializacijos pedagogika; Vilnius: Pedagoginis universitetas, 2000. LeCroy C. W., Milligan K. B. Promoting Children‘s Social Competence in the Schools; Scool social work. Practice and research perspectives; Chicago: Lyceum Books, Inc. Lithuanian Law on Education, 2007 http://www3.lrs.lt/pls/inter3/dokpaieska.showdoc_l?p_id=302313; viewed 2008/05/18. Lochman J. E., Coie J. D., Underwood M. K., Terry R. Effectiveness of a Social Relations Intervention Program for Aggressive and Nonaggressive, Rejected Children; Journal of Consulting and Clinical Psychology; Vol. 61 (6). Nauckūnaité Z. Teaching Language by Speaking; Mokykla; 2000, Nr. 6. Paulauskiené G. A review of orphanages for children up to three years old in the Republic of Lithuania; http://sena.sam.lt/images/Dokumentai/Asmens%20sveikata/konferencijai%20-rodyti%20pats.pps; viewed 2008/05/18. Piaget J. A Child’s Language and Thinking. Aidai, 2002. Radzevičiené L. Young Children’s Emotion Development at Childcare Institutions; Šiauliai: Šiaulių University Press, 2006. Rupšiené, L., Leliūgiené, I., Baršauskiené, V. An Orphanage Educator’s Responsibilities, Professional Competence, and Functions; Tiltai, supplement: academic works; Klaipéda: Klaipéda University Press, 2004, Nr. 18. Rupšiené, L., Methodology of Qualitative Research Data Collection; Klaipéda: Klaipéda University Press, 2007. Šalkauskis S. Collected Works: Pedagogical Studies. Book 1; Vilnius: Publishing Center, 1992. Vérinélis: A Book for an Educator.// ed. Monkevičiené O; Vilnius: Publishing Center, 1995. Zukauskieną R. Development Psychology; Vilnius: Margi raštai, 1996. ИEAHOB B. B. Brain Asymmetry and Signal Systems; Moscow, 1978.



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SUBJECTIVE WELL-BEING AMONG THE ELDERLY IN THE SOUTHERN CONE: HEALTH, INCOME AND FAMILY BEM-ESTAR SUBJECTIVO ENTRE IDOSOS NO CONE SUL: SAÚDE, RENDIMENTO E FAMÍLIA EL BIENESTAR SUBJETIVO ENTRE LAS PERSONAS ADULTAS MAYORES EN EL CONO SUR: SALUD, INGRESO Y FAMILIA Alejandro Cid (acid@um.edu.uy) * Daniel Ferrés (dferres@um.edu.uy) ** Máximo Rossi (mito@decon.edu.uy) ***

ABSTRACT The literature about happiness provides evidence on various factors, other than money, that do seem to contribute to individual happiness. As one explores the produced “happiness economics” literature, one understand the difficulty to find proper information on developing countries’ reality. In our analysis we investigate the relationship between income, family composition, health and religion over subjective well-being in the Southern Cone (Argentina, Chile and Uruguay). Specifically, we analyze data from the SABE survey a study conducted among people who are 60 years old or over in various Latin American countries. The majority of the results show a positive correlation between higher levels of income and health, being married and the frequent religion practice and higher levels of subjective well-being. On the contrary, malnutrition has a negative impact on happiness indicators. In order to add robustness to our results and to deal with endogeneity issues, this paper uses different indicators of well-being, alternative estimation models such as a semiparametric one and a propensity score approach for the treatment of marriage. Latin America –and in particular the southern conehas experienced an increasing aging population since mid ’50. Thus, for policy makers, it is extremely useful to disentangle the possible causes of subjective well-being among the elderly. This research and its findings suggest guidelines to explore. JEL classification: I31, I10, J14, J12 Keywords: well-being, happiness, elderly, family; Latin America


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RESUMO Os estudos sobre a felicidade evidenciam vários factores, para além do dinheiro, que parecem contribuir para a felicidade individual. Em primeiro lugar, quando se explora a investigação feita sobre a "economia da felicidade", constata-se a dificuldade em encontrar a informação adequada sobre a realidade dos países em desenvolvimento. Na nossa análise, investigamos o relacionamento entre rendimento, composição familiar, saúde e religião, subjacentes ao bem-estar no Cone do Sul (Argentina, Chile e Uruguai). Especificamente, analisamos dados da sondagem SABE, um estudo destinado a pessoas com 60 anos de idade ou mais, em vários países latino-americanos. Os resultados obtidos mostram existir uma correlação positiva entre os níveis mais altos de rendimento, e outros aspectos como ter saúde, ser casado e praticante de uma religião, e os níveis de bem-estar mais elevados. Pelo contrário, a má nutrição tem um impacte negativo nos indicadores de felicidade. De forma a tornar mais fidedignos os nossos resultados e resolver problemas endógenos, este artigo usa indicadores diferentes de bem-estar, com modelos alternativos de estimativa, como o semi-paramétrico e o “propensity score”, para o tratamento de dados sobre o casamento. A América Latina – e em particular o Cone do Sul - assistiu ao crescimento da população em idade, desde meados da década de 50. Assim, para os responsáveis pelas políticas públicas é extremamente útil analisar as possíveis causas de bem-estar subjectivo entre os idosos. Esta pesquisa e os seus resultados sugerem directrizes a explorar. A classificação de JEL: I31, I10, J14, J12 Palavras-chave: bem-estar, felicidade, idosos, família; a América Latina

RESUMEN La literatura sobre la felicidad proporciona evidencia de que varios factores, no sólo el dinero, parecen contribuir a la felicidad individual. Cuando uno explora la literatura académica aplicada sobre la "economía de la felicidad", se constata la dificultad para encontrar información disponible apropiada para el caso de los países en desarrollo. En nuestro análisis, investigamos el efecto del ingreso, la composición familiar, la salud y la religión sobre el bienestar subjetivo de las personas adultas mayores en el Cono Sur (Argentina, Chile y Uruguay). Específicamente, analizamos los datos de la encuesta SABE (Salud, Bienestar y Envejecimiento), que


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proporcionan información de personas que tienen 60 años o más, en varios países latinoamericanos. Los principales resultados obtenidos muestran que niveles más altos de ingresos y salud, estar casado y la práctica frecuente de la religión están correlacionados positivamente con niveles más altos de felicidad en las personas. Al contrario, la desnutrición tiene un impacto negativo en los indicadores de felicidad. Para agregar robustez a nuestros resultados y para atacar los posibles problemas de endogeneidad, la presente investigación utiliza indicadores diferentes del bienestar, modelos alternativos de estimación (como modelos semiparamétricos) y lo que se conoce en la literatura como “propensity score” para estudiar el efecto de estar casado sobre la felicidad declarada de los individuos. Iberoamérica – y en particular el Cono Sur - ha experimentado un aumento del envejecimiento de la población desde mediados de los años 50. Así, para los hacedores de políticas públicas, es muy útil aproximarse a entender las posibles causas del grado de bienestar que declaran tener las personas mayores. En este sentido, esta investigación y sus conclusiones sugieren líneas de exploración futura. La clasificación de JEL: i31, i10, j14, j12 Palabras clave: bienestar, felicidad, personas mayores, familia, Ibero América

* Master in Economics, Professor Universidad de Montevideo, Uruguay. ** Master in Economics, Professor Universidad de Montevideo, Uruguay. *** Master in Economics, Professor Social Sciences School, Universidad Uruguay

of Economics Department, of Economics Department, of Economics Department, de la República Oriental del


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1. INTRODUCTION In this paper, we follow a commonly adopted strategy for subjective well being measurement. Following Larsen, Diener and Emmons (1985) and Krueger and Schkade (2007), we identify subjective well-being with the concept of “satisfaction with life in general”. As Krueger and Schkade (2007) observes, subjective wellbeing is most commonly measured by asking people a single question, such as, “All things considered, how satisfied are you with your life as a whole these days?” or “Taken all together, would you say that you are very happy, pretty happy, or not too happy?”. As we use “satisfaction with life” information, we acknowledge that care must be applied when interpreting results. As Kahneman, Krueger, Schkade, Schwarz and Stone (2006) suggest: “the standard survey questions on global life satisfaction may induce a form of “focusing illusion” by drawing people's attention to their relative standing in the distribution of material well-being, exaggerating their happiness or distress. People do not know how happy or satisfied they are with their life in the way they know their height or telephone number”. The answers to global life satisfaction questions are constructed only when asked, and are therefore more susceptible to the focusing of attention on different aspects of life.

2. BACKGROUND “Happiness economics” literature developed and tested different hypotheses about the possible determinants of satisfaction with life or happiness. Economists have examined the relationship between happiness and different individual and socioeconomic variables: age; gender; income and education levels; employment status; health; marital status and family composition, for example. Additionally, various studies (such as Alesina, Di Tella and MacCulloch (2004); Alpizar, Carlsson and Johansson-Stenman (2005); Corneo, G. and Jeanne, O. (2001)) have focused the attention on analyzing the impact of social (or aggregate) variables on individual well-being: inequality; the quality of “institutions”; specific macroeconomic variables (GDP growth, inflation); corruption and crime perceptions, among others.


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The analysis of the relationship between income levels and happiness has – particularly – attracted many people for one reason: there is vast evidence indicating that differences in income explain only a low proportion of the differences in happiness among persons. Analyzing income as a possible determinant, Kahneman, Krueger, Schkade, Schwarz and Stone (2006) state that, though most people believe that they would be happier if they were richer, survey evidence on subjective well-being is largely inconsistent with that belief. While reported life satisfaction and household income are positively correlated in a cross-section of people at a given time, surveys show that global judgments of life satisfaction or happiness have not changed, on average, much over the last four decades, in spite of large increases in real income per capita. This result has been confirmed in different countries like Japan, Belgium, the UK and the US. Easterlin (2001) observes that over the life cycle, aspirations grow along with income, and undercut the favourable effect of income growth on happiness. People think they were less happy in the past and will be happier in the future, because they project current aspirations to be the same throughout the life cycle, while income grows. But since aspirations actually grow along with income, experienced happiness is systematically different from projected happiness. Alesina, Di Tella and MacCulloch (2004) studied the effect of the level of inequality in society on individual well-being and found that individuals have a lower tendency to report themselves happy when inequality is high, even after controlling for individual income and a large set of personal characteristics. The happiness literature provides evidence on various factors, other than money, that do seem to contribute to happiness of individuals. It is generally observed that stable family life, being married, health, having religious faith, feelings of living in a cohesive community where people can be trusted, and good governance contribute to happiness. Chronic pain, divorce, unemployment and bereavement detract from happiness. In our paper we will explore the relationship between income, family composition, health and religion over subjective well-being. In our work, we analyze the happiness relationships for the Southern Cone region of South America (Argentina, Chile and Uruguay). In our analysis we also aim


22

to explore the potential common pattern that individuals in these three countries may show.

3. DATA We use cross-sectional microeconomic data from the SABE Survey which includes socio-economic and subjective well-being information of elderly people (60 years old or above). The SABE survey was conducted between 1999 and 2000. In the present study we focus attention on the cases of Argentina, Chile and Uruguay. The total sample size for this three countries is 3784 observations (Argentina: 1039; Chile: 1301; Uruguay: 1444).

3.1 THE DEPENDENT VARIABLE In our work we follow two different paths to define the dependent variable. On one hand, we use a binary indicator of wellbeing which is available since the survey includes the question: “In the most time of the past two weeks, have you been satisfied with your life?”. Possible answers are only “yes” or “no”. On the other hand, in order to seek for nuances or different grades of satisfaction we built an index based on answers to twelve available questions which also are related with well-being (“In the past two weeks, have you felt that your life has no sense?”; “Have you been bored frequently?”; “Have you felt happy most time?”; “Have you thought that it is marvellous to be alive?”, etc.) ”). Thus, this index takes the integer values from 0 to 12, where superior values indicate greater life satisfaction (we expressed this index in percentage terms in the estimation). As can be observed in Figure 1, less than forty percent of the sample has a “complete” happiness.


23

Distribution of Happiness as an Index from 0 to 12 Urban Elderly People in Argentina Chile and Uruguay - SABE 1999-2000 .4

.3 Density .2

.1

0 0

5

Happiness Index

10

Figure 1: Distribution of Happiness

3.2 REGRESSORS SEEKING TO EXPLAIN WELL-BEING In this study we focus in four groups of explanatory variables (see Table 2). The first group of explanatory variables is related to various indications of “Health Status”: Absolute Bad Health Index, which is based in two questions about current health status; Relative Bad Health Index, a variable related to the subjective health status in comparison with people with the same age; Ill-nourished, a binary variable that takes value 1 if the person considers the individual has been ill-nourished (the question is related to the time when the person was below 15 years of age); Nervous System Problems: a binary variable that takes value 1 if the individual indicated that a specialist told him that he had nervous system or psychiatric problems. The second group relates to “Income”. In this section, we are interested in three types of income-related issues: income level; income aspirations and an indication of household economic needs. In our work we deal with a major issue related to the “Income” variables: we found a high number of no responses to personal income questions in the SABE survey. In order to solve this situation we estimated individual income using data from Encuesta Continua


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de Hogares (ECH, the Uruguayan National Household Survey), Encuesta Permanente de Hogares (EPH, the Argentine National Household Survey) and Encuesta Casen (the Chilean National Household Survey). Based on the on the national household surveys, we estimated income for both men and women. See appendix A for more details about per capita income estimations. As said, besides the income question, we account for aspirations-related issues. In particular, we constructed a dummy variable that accounts for respondents’ aspiration levels (“Enough Income for Ordinary Necessities”). This variable is based in the following question: “Do you consider that the household income level is enough for covering the household ordinary expenses?” Additionally, respondents are asked and if the household “Receives money, food, etc. from relatives or friends”. The third group of independent variables refers to the family background and focuses in two variables: a dummy variable that identifies people who are married (“Married”) and another dummy variable that indicates whether he/she has “Bad communication with sons/daughters”. Last, we include a “Religion” factor among the explanatory variables: “Catholic with frequent practice” and “Protestant with frequent practice”. In the conducted estimations, we also control for “Country” and “Gender”. We do not include “Age” as a regressor. Various studies focus on the relationship between aging and happiness. Oswald (1997) and Cruz and Torres (2006) found that the relationship between happiness and age is U-shaped. While Oswald (1997) find that happiness indicators in Europe reach the minimum levels at age around 30; Cruz and Torres (2006) find that for the case of Colombia, the happiness curve decreases as it approaches to age 40; then it becomes a growing function. But in our analysis, our attention is restricted to those of age 60 or more and the sample is highly concentrated on individuals of age between 65 and 75 we knew, from the beginning, that we would hardly find an age effect. Our results confirmed our initial intuition. During the estimation process we tested the statistical significance of the “age” variable, but we got no robust effects.


25

Distribution of Age .06

Urban Elderly People in Argentina Chile and Uruguay - SABE 1999-2000

.04 Density

.02

0

60

70

80 Age

90

100

Figure 2: Distribution of Age

3.3 SUMMARY STATISTICS Table 1 includes the results of t-tests on the equality of means between happy and unhappy elderly people from the Southern Cone region. As mentioned in Section 3.1, we define a “happy” individual if he/she answers “Yes” to the question: “In the most time of the past two weeks, have you been satisfied with your life?” In our sample, happy and unhappy people have some different features on average. Happy people have higher levels of income, are better nourished and healthier. In comparison with unhappy people, happy individuals say, in a higher rate, that religion plays an important role in theirs lives and define themselves as “Catholics with a frequent practice”. Also, happy people drink more and show more practice of sports and artistic activities, have more children and better relationships with their sons/daughters, and are married in a superior proportion. In specific aspects, happy and unhappy individuals show common patterns. On average: the live in households composed by three members; around 40 percent lived in rural areas during at least 5 years before they were 15 years old; more than 50 percent have fear to be a victim of a robbery; one out of four households receives


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support from sons/daughters who live in another house; three out of four define themselves as Catholics and approximately 7 percent are Protestant with a frequent practice. Also, around 7 percent of the individuals in our sample indicated to be illiterate. Table 1 – Descriptive Statistics: Means Happy and Unhappy Urban Elderly People in Argentina, Chile and Uruguay – 1999 – 2000 SABE Survey

Age Lived in rural before 15 years old Fear from robbery Number of people at home Receiving support from sons/daughters who live in another house Religion plays an important role in theirs lives Catholic Catholic with frequent practice Protestant with frequent practice Alcoholic drinks 4 or more days a week Illiterate Number of children Using Artistic Skills Enough Income for Ordinary Necessities Sports practice Ill-nourished One meal a day Hunger before 15 years old Married Bad communication with sons/daughters Voluntary work Widow / Widower Nervous Problems Health1 Compared Health2 Happiness Index3

Unhappy 70.39 0.42 0.52 3.02 0.26

Happy 70.74 0.43 0.52 3.07 0.27

Difference -0.35 -0.01 0.00 -0.05 -0.01

p-value 0.2808 0.6140 0.9328 0.5268 0.6370

0.60

0.67

-0.07***

0.0008

0.76 0.50 0.07 0.12 0.06 2.82 0.24 0.26 0.11 0.12 0.10 0.18 0.32 0.15 0.10 0.43 0.25 5.84 1.70 6.21

0.76 0.56 0.08 0.17 0.07 3.18 0.32 0.40 0.19 0.05 0.08 0.14 0.43 0.11 0.15 0.35 0.16 5.33 1.48 10.63

0.00 -0.06** -0.01 -0.05*** -0.01 -0.36*** -0.08*** -0.14*** -0.08*** 0.07*** 0.02** 0.04** -0.11*** 0.04*** -0.05*** 0.08*** 0.09*** 0.51*** 0.22*** -4.42***

0.9159 0.0136 0.2110 0.0085 0.5064 0.0019 0.0001 0.000 0.0000 0.0000 0.0395 0.0101 0.0000 0.0011 0.0027 0.0004 0.0000 0.0000 0.0000 0.0000

4. ESTIMATION STRATEGY Firstly, we estimated two linear models using the pooled survey information for Argentina, Chile and Uruguay. We conducted Ordinary Least Squares (OLS) estimation using the Happy/Unhappy 1 Health takes the rank of values from 2 to 8, where superior values indicate worse health. 2 Compared Health takes the values 1, 2 and 3, where superior values indicates worse health subjectively compared with other people of similar age. 3 As is stated in Section 3.1, this index takes the integer values from 0 to 12, where superior values mean greater life satisfaction


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binary variable as the dependent variable.4 Additionally, we conducted an alternative estimation were the dependent variable was the happiness index (ranked from 0 to 12, expressed as a percentage) to allow nuances or different grades of satisfaction. Secondly, we estimated an OLS model with the happiness index again but using subpopulations. In particular, we divided our sample into various specific groups in order to detect uncommon patterns. In our analysis we work with the following subpopulations: women/men; those with age between 60 and 75/ those with age above 75; Enough Income/Not Enough Income; Argentina/Chile/Uruguay. Thirdly, we used a semiparametric model known as “Symetrically Censored Least Squares Estimator” (SCLS, developed by Powell, 1986) to account for the fact that the “happiness index” is a doubly censored variable. Note that index is expressed as a percentage and takes the value of zero and one with positive probability. SCLS is based on the assumption that errors are symmetrically (and independently) distributed around zero. 5 This approach consists in symmetrically censoring the dependent variable (it is usually known as a "symmetric trimmed" method) so that symmetry can be restored, and then the regression coefficients can be estimated by least squares. Symmetric censoring of the dependent variable implies that observations with values above the censoring point are dropped, and this means that there could be a loss of efficiency due to the information dropped in those observations. However this problem is reduced in the present paper because a relative large sample is used. The SCLS estimators are consistent and asymptotically normal for a wide class of symmetric error distributions with heteroscedasticity of unknown form. We estimate this model for data for Argentina and Uruguay as a pool (leaving aside Chilean data because of the peculiarities that we show in the next section of “Results”). Finally, because of the possible existence of endogeneity in the marriage-happiness relationship we formulated a treatment evaluation process on marital status. The typical dilemma in treatment evaluation involves the inference of a causal association 4 In addition to the OLS we conducted Probit estimations with similar results. 5 SCLS allows us to stay away from assuming the homoskedasticity and normality of the error term.


28

between the treatment and the outcome. Thus, we observe (yi, xi, Di), i= 1,..., N, where yi is the happiness index, xi represents the regressors, and Di is the treatment variable and takes the value 1 if the treatment is applied (got married) and is 0 otherwise. The impact of a hypothetical change in D on y, holding x constant, is of interest. But no individual is simultaneously observed in both states. Moreover, the sample does not come from a randomized social experiment: it comes from observational data and the assignment of individuals to the treatment and control groups is not random. Hence, we estimate the treatment effects based on propensity score: this approach is a way to reduce the bias performing comparisons of outcomes using treated and control individuals who are as similar as possible (Becker and Ichino 2002). The propensity score is defined as the conditional probability of receiving a treatment given pre-treatment characteristics: p(X)≡Pr{D=1|X}=E{D|X}

(1)

Where D={0,1} is the indicator of exposure to treatment and X is the vector of pre-treatment characteristics. The propensity score was estimated in this application using a Logit model. Due to the probability of observing two units with exactly the same value of the propensity score is in principle zero since p(X) is a continuous variable, various methods have been developed in previous literature (for a summary, see Cameron et al. 2005) to match comparison units sufficiently close to the treated units. In the present paper, after estimating p(X) we employed the Kernel Matching method.6

5. EMPIRICAL RESULTS Table 2 presents the results of the OLS estimation using, on one side, the binary happiness indicator and, on the other side, the happiness index. The first group of regressors – which refers to “Health”seems to be robust and the variables have the expected sign: those who are healthier (both in absolute and relative terms) and those who 6

This matching method was applied using the Stata ado file “psmatch2” developed by Leuven and Sianesi (2003).


29

have no nervous system problems report a higher tendency to have higher subjective well-being. This result is consistent with Gerdtham and Johanesson (1997), who analyzed the impact of health status on happiness for the case of Sweden. Additionally, as we analyze the relationship between health issues and subjective well-being, we identify that those who declared to have experienced malnutrition show a clear negative impact on subjective well being. Table 2: Linear Regression Model Happy and Unhappy Urban Elderly People in Argentina, Chile and Uruguay – 1999 – 2000 SABE Survey

Happiness (Binary Index)

Happiness (Index from 0 to 12, in percentage)

AB Health Index

Coef. -.030

Robust Std. Err. .0059143***

Robust Std. Coef. Err. -.021 .0034745***

RB Health Index

-.037

.0116106***

-.040 .0067886***

Ill-nourished

-.103

.0316397***

-.096 .0208375***

.0188161***

-.063 .0111227***

.048

.0131211***

.020 .007459***

Receiving money, food, etc. from relatives or friends

-.084

.043334*

-.077 .0236583***

Married

.040

.0136389***

.036 .007838***

Bad communication with sons/daughters Catholic with frequent practice Protestant with frequent practice URUGUAY ARGENTINA Women Constant

-.031

.0219154

-.040 .0135396***

.056

.0145076***

.020 .0082244**

.096

.0245216***

.064 .0146399***

-.037

.0166828**

.028 .0105361***

-.083

.0182467***

.028 .0105393***

-.025

.0144213*

-.015 .0080968*

1.042

.0398507***

.963 .0236742***

R-squared

= 0.0689

Nervous System Problems Enough Income for Ordinary Necessities

Number of obs 3347 * significant at 10%; ** significant at 5%; *** significant at 1%

= 0.1388 3329


30

Obtained results also show a positive relationship between income levels and happiness. This result is similar to the findings of Cruz and Torres (2006) for the case of Colombia. Additionally, note that having “Enough Income for Ordinary Necessities” is associated with higher levels of happiness. This conclusion may not be aligned with the often found result that “subjective well-being varies directly with income and inversely with material aspirations” (see Easterlin (2001), for example). When interpreting our income aspiration result we have to consider that according to Easterlin, aspirations vary with age. In our work, we are dealing with a very specific age group. For example, it could be the case that as people get over 60 (or retire for example), aspirations become more realistic and the negative income aspirations – happiness relationship does not hold. On the other side, “Receiving money, food, etc. from relatives or friends” seems to diminish the happiness levels (perhaps showing that the household - to some extent - requires additional aid to afford the ordinary expenses). The fact of being married seems to be highly correlated with happiness. This result is consistent with Stack and Eshleman (1998) who analyzed the relationship between marriage and happiness in a multi-country study. In particular, they observed that the positive relationship between being married and happiness indicators held for 16 of the 17 cases analyzed. Frey and Stutzer (2006) also analyzes the causal relationships between marriage and subjective well-being in a longitudinal data set spanning 17 years and find evidence that happier singles opt more likely for marriage. They argue that potential, as well as actual, division of labour seems to contribute to spouses’ well-being, especially for women and when there is a young family to raise. Also, frequent religion practice appears to have a statistically significant positive relationship with happiness. Table 3 presents the results of the OLS inference on subpopulations, using the index of happiness as the dependent variable.


31


32

We go now to the subpopulations analysis. Broadly speaking, men in Uruguay and Argentina seem to report greater happiness levels than women. In our analysis, we observe that there are a few significant determinants of men’s happiness that are not robust in the case of women. For example, note that religion appears to play a more fundamental role when explaining higher levels of happiness in the case of men than in the case of women. Also, among those that do not have enough money for ordinary expenses, women see their happiness levels to decrease more. Table 4 – Symmetrically Censored Least Squares Model Happy and Unhappy Urban Elderly People in Argentina and Uruguay – 1999 – 2000 SABE Survey

AB Health Index

Happiness (Index from 0 to 12, in percentage) Robust Coef. Std. Err. -.076 .019***

RB Health Index Ill-nourished

-.089

.023***

-.169

.038***

Nervous System Problems Enough Income for Ordinary Necessities Receiving money, food, etc. from relatives or friends Married

-.171 .079 -.134

.028*** .037*** .057***

.127

.037***

Bad communication with sons/daughters Catholic with frequent practice

-.055

.051

.023

.028

Protestant with frequent practice

.220

.213*

ARGENTINA Women Constant

.0007

.027

-.028

.028

1.424

.099***

Initial sample size = 2342 Final sample size = 1154 *** 90% normal, percentile and bias-corrected confidence interval do not include 0; * only 90% percentile and bias-corrected confidence interval do not include 0

We also analyzed age-related subpopulations. We divided the sample in two groups we took 75 years as the cut-off. We note that various explanatory variables are robust for the younger group but seem not to be significant to the older one. This is the case of “Receiving money, food, etc. from relatives or friends”; “Enough income for ordinary necessities”, and “Bad Communication with sons/daughters”. Moreover Argentinean and Uruguayan individuals


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of the younger group show superior happiness, while the female individuals of this group report inferior happiness. Also, we are interested in analyzing potential specific effects for the subpopulations that declared to have enough income for ordinary necessities compared to those that shall short of money for their regular expenses. We divided the elderly between those with “Enough Income” from those with “Not Enough Income”. See that there is a clear subjective component that makes people identify themselves into one of these two groups. We find interesting features: the frequent practice of a religion improves the happiness only of those with “Enough Income”. Predictably, “Ill-nourished” is not a problem for those with enough income for ordinary necessities. In addition, it is possible to observe that Argentineans and Uruguayans with “Enough Income” report greater happiness. From a country-specific point of view, the most remarkable result is that, Chileans appear to have a quite different happinessrelated pattern than Argentineans and Uruguayans. For Chile, for example, we have been pretty much unable to obtain statistically significant relationships between subjective well-being and the tested variables. In fact, only health related issues seem to have a clear positive impact on happiness among the elderly in Chile. Table 4 shows the result of the semiparametric inference (for its peculiarities, in this section we leave aside the Chilean data). As can be observed, the most significant regressors seem to be those related with health, marriage and income: bad health (both in absolute and relative terms), bad nourishment and nervous system problems decrease happiness levels of the Argentinean and Uruguayan. On the other hand, having enough income for ordinary necessities and marriage increases the happiness indicator. We take a look now at the treatment evaluation. The point estimates indicate that marriage (the "treatment") increases happiness. The Average effect of the Treatment on the Treated group (ATT) is significantly different from zero at a 1 percent level. Thus, using the propensity score and the Kernel matching method, there's some evidence to support the positive influence of marriage on adults’ happiness. In order to evaluate the goodness of the matching, we should bear in mind that the matching method intends to make comparisons between treated and control individuals who are as similar as possible. This similarity between the treated and control individuals can be seen in the mean comparison test (t-test)


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shown on the Table 6: there's no statistically significant difference in the characteristics of the treated and control matched individuals. This fact denotes that the matching is fine. Table 5 - Average Effect of Treatment (married) on the Treated estimation with the Kernel matching method Urban Elderly People Argentina and Uruguay – 1999-2000 SABE Survey

Number Treated Number Control ATT Std. Error T-stat

Effect on Happiness 965 1273 .0316 .0119 2.65

Table 6 - Descriptive Statistics for the treated (married), not treated and attached groups Urban Elderly People Argentina and Uruguay – 1999-2000 SABE Survey

Mean Variable Women

Sample Unmatched Matched Relative Wealth Index Unmatched Matched (Relative Wealth Index)^2 Unmatched Matched Number of Dead Sons/Daughters Unmatched Matched Number of Sons/Daughters Unmatched Matched (Number of Sons/Daughters)^2 Unmatched Matched Illiterate Unmatched Matched At most, Only Primary School Unmatched Matched Number of Divorces and Separations Unmatched Matched Likes the present people at home Unmatched Matched

Treated .45511 .45699 .47367 .472 .33076 .32888 .1259 .12642 2.677 2.6611 11.112 10.978 .01032 .01036 .59649 .59896 .08462 .08497 .98968 .98964

Control .75884 .44975 .33078 .46984 .1986 .32203 .24902 .14757 2.6434 2.6876 13.793 11.397 .02435 .0084 .7227 .61155 .30322 .10042 .91673 .98662

t-test t -15.50 0.32 10.78 0.15 9.62 0.43 -3.02 -0.94 0.33 -0.29 -2.05 -0.41 -2.46 0.45 -6.34 -0.57 -10.79 -1.03 7.83 0.61

p>t 0.000 0.749 0.000 0.883 0.000 0.667 0.003 0.349 0.738 0.772 0.041 0.680 0.014 0.655 0.000 0.572 0.000 0.303 0.000 0.541


35

6. CONCLUSIONS In our work we analyze data from the SABE Survey to explore the determinants of subjective well-being among people who are 60 years old or over, in the Southern Cone (Argentina, Chile and Uruguay). The happiness literature provides evidence on various factors, other than money, that do seem to contribute to individual happiness. In our paper we explore the relationship between income, family composition, health and religion over subjective wellbeing. Our work has specific limitations basically related to the dataset. For example, due to the fact that there are very few unemployed individuals in the sample, we could not analyze the typical unemployment-happiness relationship. Also, good data on education is not available. In a way, the present work is an extension of a previous work (Cid et al (2007)), where we tested various happiness hypotheses for the case of Uruguay. In the current analysis, we have been able to incorporate data for Argentina and Chile. Therefore, we have worked with a much larger database that allowed us for a richer analysis. For example, in the present work we explored different relationships across subpopulations. As said, we conducted empirical analysis for the entire dataset but also we specifically focused on particular subpopulations of interest. In this line, we analyzed results disaggregated per country, age group and gender. Also, we explored the “happiness” relationships for those who consider that have enough income for ordinary necessities and those who do not. We followed this strategy in order to incorporate indications of income aspirations to our analysis. Main obtained results indicate a positive correlation between higher levels of income and health, being married and the frequent religion practice and higher levels of subjective well-being. On the contrary, malnutrition has a negative impact on happiness indicators. Latin America –and in particular the southern cone- has experienced an increasing aging population since mid ’50. Thus, for policy makers, it is extremely useful to disentangle the possible causes of subjective well-being among the elderly. There might be important public policy implications for the design of social insurance


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programs for the welfare of the elderly. This research and its findings suggest guidelines to explore.

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Appendix A In this appendix we refer to the income estimation conducted in order to deal with the problem of unavailability of good income data in SABE Survey. We regressed (the logarithm of) per capita income against a set of individual and socioeconomic variables using the Official Household Survey data of each country. Our major challenge consisted in selecting those independent variables that we could identify both in the Official Household Survey and in the SABE survey. In particular independent variables included indications of age, gender, family composition, educational level, employment status, sources of income and the ownership of different kinds of durable goods. Our regressions had an R2 of about 0.60 in each country. Once we obtained the income estimations from Official Household Survey we predicted individual income for the SABE respondents. In our prediction, we utilized those coefficients obtained in our initial estimation in order to express the relationship between individual variables and income levels. This data is used in the estimation per country (see Table 3).


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LIDERANÇA ESCOLAR. DO CONCEITO À PRÁTICA ACTUAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS PORTUGUESAS SCHOLAR LEADARSHIP. FROM CONCEPT TO PRATICE IN PORTUGUESE SCHOOLS LIDERANZA DE ESCUELA. DEL CONCEPTO PARA PRATICA EN LAS ESCUELAS PORTUGUESAS José Manuel Silva (jmsilva@esel.ipleiria.pt) *

RESUMO A liderança escolar é um tema relevante de discussão e traduz-se num conjunto muito diversificado de práticas organizacionais e de relações entre os diversos intervenientes no universo das escolas, com consequências marcantes no clima das organizações e na qualidade do ensino. A abordagem conceptual das questões da liderança escolar é indispensável para situar a problemática e referenciar categorias e o seu estudo aplicado, necessário para aferir experiências, definir modelos e ensaiar a reflexão prospectiva. Na primeira parte deste artigo analisam-se, do ponto de vista conceptual, as questões relativas à temática da liderança escolar nas suas várias aportações. Na segunda, faz-se o ponto de situação decorrente do novo regime jurídico da direcção e gestão dos estabelecimentos dos ensinos básico e secundário e das implicações na liderança formal das escolas. Palavras-chave: Liderança escolar, administração escolar, organizações escolares, autonomia das escolas, qualidade de ensino.

ABSTRACT School leadership is a relevant theme for discussion and it implies a wide range of organizational practices and relations among participants within schools. Such configurations imply significant consequences, both to the organizational environment and to the teaching quality.


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The conceptual approach to school leadership is a fundamental one, not only as a means to contextualize the issues at stake and provide workable categories, but also due to its potential as an applicable research framework to assess experiences, set models, and rehearse a prospective reflection. This article begins with a conceptual analysis of issues related to school leadership and its various dimensions. The second part looks into the sate of work resulting from the application of the new legal position regulating school management and direction in Portuguese basic and secondary schools. Furthermore, it provides an elaboration on its implications upon formal school leadership. Keywords: School leadership, school administration, school organizations, school autonomy, quality of teaching.

RESUMEN El liderazgo escolar es un tema de discusión relevante y se traduce en un conjunto muy diversificado de prácticas organizacionales y de relaciones entre los distintos intervinientes dentro del universo de las escuelas, con consecuencias que condicionan el clima de las organizaciones y la calidad de la enseñanza. El abordaje conceptual de las cuestiones del liderazgo escolar escolar es indispensable para situar la problemática y aludir a las categorías y su estudio aplicado necesario para contrastar experiencias, definir modelos y ensayar la reflexión prospectiva. En la primera parte de este artículo se analizan, desde el enfoque conceptual, las cuestiones que tocan a la temática del liderazgo escolar en sus distintas aportaciones. En la segunda, se hace un punto de la situación resultante del nuevo régimen jurídico de la dirección y gestión de los establecimientos de enseñanza básica y secundaria y de sus implicaciones en el liderazgo formal de las escuelas. Palabras clave: Liderazgo escolar, administración escolar, organizaciones escolares, autonomía de las escuelas, calidad de la enseñanza.

* Doutor em Educação, pós-graduado em Gestão

Estratégica de Universidades, professor da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Instituto Politécnico de Leiria, consultor de formação, autarca;


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1. ALGUMAS QUESTÕES CONCEPTUAIS É inquestionável que o tema da liderança é hoje um tópico importante de reflexão e discussão no âmbito da administração e da gestão escolar. De tal forma que “se converteu verdadeiramente num tema de moda, um tópico de actualidade” (Lorenzo Delgado, 2005: 367) e um excelente campo de investigação. Apesar da multiplicidade de estudos, “o fenómeno da liderança escolar continua a ser mal conhecido” (Sanches, 1998: 49), não devendo esquecer-se que a expressão e os conceitos relacionados “são fenómenos relativamente recentes, tendo sido incorporados no discurso educativo no final da década de oitenta” (Waite e Nelson, 2005: 391). É, pois, natural a preocupação de se esclarecer com detalhe a temática.

A liderança exerce-se num campo de intervenção que abrange dimensões fundamentais da vida quotidiana das organizações: a natureza dos processos de tomada de decisão, a gestão dos conflitos organizacionais, o nível de qualidade das suas realizações, as formas de prever e lidar com o impacto resultante da turbulência dos ambientes institucionais e sistémicos em que se movem e ainda o grau de abertura à comunidade envolvente. (Sanches, 1998: 49)

As escolas são organizações, têm vida própria, vão-se construindo de acordo com um tempo e um contexto, um e outro mutantes, têm os seus diversos actores, têm a sua própria história. “A liderança é o motor dessa construção histórica, social e cultural que chamamos centro educativo, e organização em sentido mais geral” (Lorenzo Delgado, 2005: 368). Cuban (1988:190) assinala “que há mais de 350 definições de liderança, mas nenhum entendimento claro e inequívoco que permita distinguir líderes de não-líderes.” Um elemento fundamental em muitas definições de liderança reporta-se ao processo de influência descrito por Yukl (2002:3).

Muitas das definições de liderança reflectem o entendimento de que envolve um processo de influência social por intermédio do qual uma pessoa [ou grupo] influencia intencionalmente outras pessoas [ou grupos] para estruturar as actividades e relações num grupo ou organização.

Yukl também concebe a liderança como um processo individual ou colectivo, ponto de vista reforçado por Harris (2002) e


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Leithwood (2001), ambos defensores da liderança partilhada como alternativa aos modelos tradicionais da liderança vertical (top-down). No entanto, a “influência” é uma noção neutral, não define que objectivos ou acções devem ser alcançados, pelo que a liderança deve ser ancorada em valores pessoais e profissionais claramente assumidos: o As escolas estão comprometidas com a aprendizagem e todos os seus membros são aprendentes. o Cada membro da comunidade escolar é valorizado enquanto indivíduo. o A escola existe para servir os alunos e a comunidade local. o A aprendizagem reporta-se ao desenvolvimento global da pessoa e ocorre dentro e fora das aulas. o As pessoas progridem com confiança, estímulo e reconhecimento. A visão é outra componente importante da liderança. Beare, Caldwell e Millikan (1994) referem-se aos “líderes excepcionais” como possuindo “uma visão das suas escolas – uma imagem mental de um futuro desejável – que partilham com toda a comunidade escolar” (p. 99), enumerando quatro aspectos essenciais. o Os líderes excepcionais têm uma visão de futuro para as suas organizações. o Devem comunicá-la/partilhá-la por formas que fortaleçam o compromisso entre os membros da organização. o A partilha requer comunicação/conhecimento dos propósitos a alcançar. o Para que a liderança alcance sucesso é indispensável dar atenção à institucionalização dos princípios caracterizadores da visão de futuro. No entanto, é necessário ser-se prudente relativamente a esta matéria. Kouzes e Posner (1996:24) consideram que “Inspirar uma visão partilhada é a prática de liderança com a qual [directores] se sentem menos à vontade”. Fullan (1992) é ainda mais crítico, sugerindo que os líderes visionários podem prejudicar, mais do que melhorar as suas escolas.

A ênfase na visão como pressuposto corrente da liderança pode ser enganadora. A visão pode cegar os líderes em vários aspectos…Os poderosos e carismáticos directores [principals] que “transformam radicalmente as escolas” em quatro ou cinco anos podem estar cegos e enganados quanto ao seu papel de modelo. Os directores podem ser traídos


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pela sua própria visão quando sentem que precisam de manipular os professores e a cultura escolar para os conformarem aos seus desejos. (p.19).

Para além dos perigos do visionarismo pessoal, permanece actual reconhecer que a visão é um pressuposto básico da liderança em qualquer domínio. No campo educacional, Begley (1994), citado por Bush e Glover (2003: 5), elenca quatro níveis relacionando visão e objectivos, ambos resultando de um processo de tomada de consciência e acção prática eminentemente colectivo. Tabela 1: O director como visionário (Begley) Nível Básico Intermédio Avançado

A visão resulta dos objectivos Possui um conjunto de objectivos definidos pelas autoridades educativas. Desenvolve objectivos de escola consistentes com a visão articulada do director. Trabalha com o corpo docente para desenvolver objectivos que reflictam a sua visão colaborativa.

Expert

Colabora com membros representativos da comunidade escolar para desenvolver objectivos que reflictam o desenvolvimento colaborativo dos princípios que consagram a visão partilhada.

Bush e Glover (2003) sublinham a importância da visão na liderança e tomam-na como elemento básico de uma definição operacional de liderança escolar.

Liderança é um processo orientado para a consecução de objectivos desejáveis. Os líderes bem sucedidos desenvolvem uma visão para as suas escolas baseada nos seus valores pessoais e profissionais. Articulam a sua visão em cada oportunidade e influenciam os seus colaboradores e “stakholders” para a partilharem. A filosofia, estruturas e actividades da escola são orientadas para a concretização desta visão partilhada. (p.5).

Lorenzo Delgado (2005: 368-371) desenvolve longamente o que se entende por liderança, hoje, numa organização. Em síntese, podem destacar-se interpretações que: 1. Se centram nas qualidades do indivíduo. O líder é aquele que possui determinadas características e qualidades em “alguma dimensão da actividade humana” (p. 368) que os outros não possuem. Teorias personalistas. 2. Se centram no contexto e nas situações. “É a situação que faz o líder”(p. 369) Não se nasce líder, são as contingências próprias de cada contexto que fazem surgir as lideranças, que estão para além das dimensões meramente pessoais. Teorias ambientalistas ou contingenciais.


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3. Se centram na abordagem integradora de múltiplos aspectos que englobam o indivíduo, o contexto, o grupo e um projecto ou “missão”. Por isso se tende a falar mais de liderança e menos de líder, por se tratar de: - Uma função inerente a todo o grupo, “estratégica para toda a organização e que condiciona ritmos de trabalho, cria impulsos, orienta as energias de todos para metas determinadas, constrói uma visão da organização” (p. 370). - Um património do grupo, não de uma pessoa. - É mais um valor que constitui a cultura da organização. - É um exercício que pressupõe o domínio de processos de tríplice natureza – técnicos, de interpretação e de transformação. - É uma função partilhada por todos os actores da organização. “Não existe um líder no vazio” (p. 370). - A liderança apresenta-se como uma função de influência que resulta do encontro dinâmico de quatro variáveis: O líder ou líderes do grupo com as suas características. O grupo de seguidores e o tipo de relações que mantêm com o líder. A situação ou contexto problemático a superar, dinamizar ou melhorar. Um projecto partilhado como elemento de união, resposta ou saída para a situação concreta. Em síntese, o autor define liderança como a função de dinamização de um grupo ou de uma organização para gerar o seu próprio crescimento em função de uma missão ou projecto partilhado. (p. 371). Ghilardi e Spallarossa (1989: 103) vão no mesmo sentido:

A liderança poderia ser definida como a capacidade que influencia o comportamento de pessoas e grupos para atingir determinados objectivos. Querendo, pois, indicar, de modo preliminar, quais os elementos fundamentais em que se baseia a função de liderança numa qualquer organização (incluindo a escola), podemos individualizá-los em: - direcção e coordenação das actividades de um grupo em função do alcance das metas previamente fixadas; - motivação dos membros do grupo, a fim de que eles sintam como seus os objectivos estabelecidos; - representação dos objectivos do grupo, tanto no seu interior como perante o ambiente exterior.


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Trata-se agora de procurar precisar a “missão ou projecto partilhado”. Na actualidade, convergem sobre a escola múltiplas pressões, desafios, interesses, às vezes contraditórios e corporativistas, que tornam impossível responder de forma positiva a todas as solicitações. Ganha, pois, actualidade e significado perguntar “liderança para quê?” (Furman, 2002, citado por Gago Rodríguez, 2004: 4). Certamente para melhorar qualitativamente a organização escolar, a qualidade do ensino e a dos serviços prestados à comunidade. Em Portugal, a missão estruturante é definida pelo próprio Estado, trate-se de escolas públicas ou privadas, mas resta uma larga margem de manobra para a “interpretar” de forma peculiar e comprometer num projecto próprio e partilhado o conjunto de actores que interagem em cada escola ou centro educativo.

2. LIDERANÇA E AUTONOMIA DAS ESCOLAS Isto supõe, nas escolas públicas, a consideração de um outro tema de inegável importância, apenas aqui enunciado, o problema da autonomia das escolas, que em Portugal é um tópico muito corrente de discussão na comunidade educativa, mas cuja concretização está adiada, não obstante ter sido consagrada em lei desde 19891. Como bem assinala Almeida (2005: 85), “As relações entre as escolas portuguesas e a administração educativa parecem, assim, continuar centradas na pressão normativa do controlo burocrático”. Convém, no entanto, ter presente “(…) que isso não significa que a nível escolar não se tenham já dado passos importantes nessa direcção” (Lima, 1998a:81). O autor, referindo-se à dinâmica que nalgumas escolas tem permitido construir janelas de oportunidade no sentido da afirmação informal da autonomia, considera “(…) a consagração política e a legalização da(s) autonomia(s), quando ocorrerem, assumirão em certos casos um carácter retrospectivo face às práticas sociais” (Ibidem) Fundada na participação, a autonomia exige também o desenvolvimento de competências de gestão e não dispensa a 1

Decreto-Lei nº. 43/89, de 3 de Fevereiro


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emergência de formas explícitas de liderança. Como afirma Barroso (1999:141), “(…) não pode haver autonomia sem liderança”.

Esta “liderança empreendedora” (que não é incompatível com a participação, antes é uma das suas condições) tem um papel fundamental na “aprendizagem organizacional” da autonomia, quer enquanto mobilização social dos diferentes actores, quer na regulação dos complexos processos de compatibilização de interesses e de estratégias necessários à construção de um projecto comum.” (Barroso, 1996: 63).

No âmbito das transformações em curso no que à administração educativa e à liderança respeitam, que alguns consideram como uma mudança de paradigma e outros, mais cépticos, apenas como alterações com mais ou menos significado, (Waite e Nelson, 2005: 393-397), Barroso, que fala “desta alteração de paradigmas relativos à organização e coordenação da acção colectiva” (2005: 435), considera que “(…) Se impõe encontrar novas formas de liderança escolar, que respondam ao desafio do reforço da autonomia das escolas e da evolução das formas de gestão pós-burocráticas”.

3. LIDERANÇA E DIRECÇÃO Para além da função da liderança está saber quem a exerce e nem todos estão de acordo na “liderança implícita” do director da escola ou centro educativo. “Ser líder de um centro formativo não é necessariamente dirigi-lo. Pode-se ser director e não ser o líder, nem sequer um líder entre muitos outros da instituição” (Lorenzo Delgado, 2005: 368). Ainda mais longe nesta negação vão Pascual, Villa e Auzmendi (1993), citados por Gago Rodriguez (2004: 5), ao considerarem que uma importante fonte de conflitos nas escolas reside no facto de se confundirem os papéis do director, de quem se espera que seja ao mesmo tempo líder e administrador, ainda que por definição as condutas apropriadas para cada papel se excluam mutuamente. Em sentido contrário pronuncia-se Fishman, citado por Waite e Nelson (2005: 395), ao referir que alguns dos estudiosos da matéria deixaram de considerar os termos “direcção-liderança” como opostos, “pararam de culpar a “direcção”, ou chamá-la


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“negra”, e à liderança “branca”. Entendem que a situação é mais complicada e deixaram de simplificá-la”. Mas que distinção se pode estabelecer entre direcção e liderança? Scurati (1978), citado por Ghilardi e Spallarossa (1989: 103), diferencia “administrador” e “líder”.

A diferença substancial entre a figura do administrador e a do líder consiste no facto de que enquanto o primeiro pretende assegurar o funcionamento regular da organização mediante o emprego dos meios previstos e consentidos (garante a correcta execução), o segundo aspira, por sua vez, a planear e encontrar novas metas e novos meios, conjuntamente com os outros membros da organização (garante a inovação).

Southworth (1998), citado por Pina (2003: 48), defende que:

“(…) a liderança distingue-se da gestão pois esta última, genericamente, refere-se ao assegurar a vivência diária de uma escola, dentro de níveis razoáveis de ordem, estabilidade e funcionalidade, isto é, “fazer com que a escola caminhe”, enquanto que a liderança é pensada em termos de fazer com que a escola caminhe “para algum lado”, isto é com um sentido e orientação.”

Naturalmente que os dois conceitos se sobrepõem, mas Cuban (1988:123) ajuda a clarificar as diferenças.

Por liderança, entende-se a acção de influenciar os outros a alcançarem fins desejáveis. Os líderes são pessoas que inspiram objectivos, motivação e acções de outros. Frequentemente iniciam processos de mudança para alcançar objectivos já definidos ou novos desafios. A liderança envolve muita subtileza, energia e capacidade de realização. A gestão ocupa-se da manutenção eficiente e eficaz do funcionamento corrente de uma organização. Embora a gestão apresente frequentemente traços das características da liderança, no conjunto da função ocupa-se mais da manutenção do que da mudança. Ambas são importantes e o que torna uma ou outra determinante são o contexto e o momento.

Independentemente de posições mais extremadas, a opinião generalizada, sustentada pela literatura e pela investigação, sublinha que o director de um centro escolar está numa posição privilegiada para exercer uma determinada liderança e, caso o não faça, o seu centro, seguramente, ressentir-se-á. (Gago Rodríguez, 2004: 5). Na verdade, se é necessária uma visão clara para estabelecer a direcção e natureza de um qualquer processo de mudança, é igualmente importante assegurar que as inovações são implementadas com eficiência e que as rotinas de funcionamento


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de uma qualquer organização são asseguradas com proficiência. Assim, liderança e gestão/direcção são indispensáveis para o sucesso da escola. Como afirmam Bolman e Deal (1997: XIII-XIV), “Os desafios das modernas organizações requerem a perspectiva objectiva do gestor assim como a visão de futuro e o compromisso sábio assegurados pela liderança”. Subjacente a esta ideia está o conjunto de exigências sociais feitas às escolas nas décadas mais recentes, que têm vindo a descentrar o foco de preocupação da organização escolar dos aspectos internos para a resposta ao exterior. As escolas são submetidas a um permanente escrutínio por parte da sociedade em geral, das comunidades locais, das famílias, relativamente aos serviços que prestam e à qualidade dessa prestação. Longe vai o tempo em que as escolas viviam na sua torre de marfim e o respectivo director exercia a sua autoridade com mão mais ou menos firme e sem contestação. Hoje, a exigência é permanente e a gestão escolar não se pode resumir a um exercício rotineiro e burocrático, quiçá autoritário, para assegurar conformidades administrativas e pedagógicas. A qualidade dos serviços prestados, desde a recepção dos alunos no primeiro dia de aulas à realização dos exames, é reivindicada como condição básica de satisfação dos utentes, que já não são apenas os alunos, mas todos quantos, directa e indirectamente, lhe sofrem os efeitos. É um enorme desafio que torna ainda mais candente o exercício de uma liderança partilhada, que envolva todo o grupo num projecto ambicioso e de qualidade reconhecida. Do “líder” está-se a caminhar para a “liderança”, no sentido de que a liderança deve estar distribuída e de que parte dessa liderança está destinada a criar e facilitar a liderança de outros. (Lieberman, 2002/3), citado por Waite e Nelson (2005: 394).

4. LIDERANÇA E QUALIDADE Convém, no entanto, ter presente que a questão da qualidade nos sistemas educativos não é uma questão pacífica. No relatório da O.C.D.E., As escolas e a qualidade (1992:111), sinalizam-se algumas preocupações:


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A qualidade do ensino não é uma mais-valia que se possa obter mediante um simples esforço pontual, ela deve ser uma prioridade constante. O ensino não pode ser assemelhado a uma linha de montagem, graças à qual se possam aumentar mecanicamente os meios de produção a fim de multiplicar a produtividade. As medidas que permitem melhorar a sua qualidade suscitam questões fundamentais sobre os fins que a sociedade atribui ao ensino, sobre a natureza da participação na tomada de decisões a todos os níveis e sobre as próprias finalidades da escola enquanto instituição.

Embora, como reconhece Azevedo (2002: 7-8):

Uma coisa parece evidente: os cidadãos (de modos variados e até contraditórios) são cada vez mais exigentes com o desempenho das escolas, não só porque estas são instituições sociais imprescindíveis e crescentemente valorizadas pelas sociedades, mas também porque os seus custos, cada vez mais elevados, sobrecarregam os mesmos cidadãos com impostos que os penalizam. Para directores de escolas, dirigentes de órgãos intermédios e professores, em geral, esta não pode ser uma problemática estranha.

Brito (1991) considera que “(…) qualidade, numa escola, não significará forçosamente mais custos, maiores encargos financeiros” (p.51) e define o que considera escolas de qualidade.

As escolas de qualidade entendidas como as que possuem um elevado grau de realização escolar, de participação comunitária e cívica, de desenvolvimento pessoal, de dinâmica cultural e de intervenção no meio onde se inserem, são as que conseguem envolver toda a comunidade educativa na vida da escola.” ( p.53).

Vilar (1993) também sublinha a necessidade de a escola se abrir ao seu Meio, devendo constituir-se como “um elemento mais do sistema imediato (a realidade sociocultural, económica, política, etc.) que a envolve” (p. 80). Alvarez (1998), citado por Pina (2003: 47-48), identifica três tipos de razões para justificar a importância que vem assumindo a questão da liderança no contexto da melhoria da qualidade da educação: sociológicas, psicológicas e profissionais. Relativamente às primeiras, não existe qualquer grupo humano que possa funcionar de forma eficaz sem qualquer tipo de liderança, formal ou institucional, ocasional ou informal. Quanto às segundas, sublinha a necessidade de um líder que harmonize os objectivos organizacionais com a pluralidade de interesses em presença, de forma a garantir a sobrevivência da própria organização.


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Relativamente às terceiras, trata-se de responder com eficácia aos “clientes”, o que só se consegue com uma liderança que descentre a preocupação do grupo dos seus próprios interesses para os dos usuários. Assim como mobilizando o grupo para superar objectivos, às vezes à custa da sua própria comodidade e sacrificando interesses adquiridos. No mesmo sentido se pronuncia Béltran de Tena et al. (2004: 37).

A função directiva é um factor-chave na melhoria dos centros educativos, especialmente na promoção e gestão da mudança. Há um certo consenso em que os centros que têm capacidade para melhorar dependem, significativamente, de equipas directivas que contribuem activamente (dinamizam, apoiam, animam) para que o seu centro aprenda a desenvolverse, superando os desafios e dificuldades que têm que enfrentar.

Uribe (2005:109) considera que os estudos mais recentes evidenciam com clareza o impacto que o exercício de uma liderança adequada produz na eficácia escolar.

Um ponto de destaque nessa liderança é que, através de uma estrutura de gestão adequada, se possibilita a participação dos docentes em diferentes âmbitos da gestão escolar. Acontece que estamos sendo espectadores e/ou atores, pelo menos conceitualmente, de uma transição entre uma linha de liderança mais tradicional, denominada transacional, que mantém linhas de hierarquia e controle (de modo burocrático), e um enfoque de liderança mais transformacional, que distribui e delega.

De forma sumária deixamos aqui elencadas algumas considerações sobre o conceito de liderança escolar, distinção entre liderança e direcção/gestão, a problemática da autonomia como fundamento instrumental de uma verdadeira liderança, e a influência da liderança na procura de maior eficácia e qualidade escolares. Leithwood, citado por Lorenzo Delgado (2004: 208) e fundamentando-se numa recensão sobre 125 estudos realizada por Hallinger, sintetiza as três principais categorias de práticas relativas à liderança escolar:

- Definir a missão da escola inclui formular os objectivos da escola e modificá-los; - Gerir o programa educativo inclui supervisionar e avaliar o ensino, coordenar o currículo e controlar o progresso do aluno; - Promover um clima positivo de estudo significa respeitar o tempo de estudo, promover o desenvolvimento profissional,


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manter uma grande amplitude de perspectivas, proporcionar incentivos aos professores e estímulos para a aprendizagem.

Fica patente a importância do aprofundamento conceptual do tema central – a liderança escolar - bem como dos vários modelos da sua prática que, grosso modo, estão em trânsito de uma abordagem mais normativa e hierárquica, designada transacional, para um enfoque mais participativo e delegante, designado transformacional. Longe da perspectiva de uma liderança unipessoal que mobiliza o grupo, foram-se definindo os contornos de uma liderança colectiva, força ou energia mobilizadora que emana do grupo e se plasma num projecto de afirmação ou missão, em que a inovação e a superação das debilidades e pontos fracos são os elementos catalizadores da transformação. A afirmação e o exercício de verdadeiras lideranças, esclarecidas e competentes, são condições fundamentais para relegitimar as escolas nas comunidades, como prestadoras de serviços educativos de qualidade e como elementos fundamentais de desenvolvimento local.

5. A EXPERIÊNCIA PORTUGUESA. DO IGUALITARISMO À LIDERANÇA ASSUMIDA Na direcção e administração das escolas portuguesas, a liderança tem sido, tradicionalmente, uma prática envergonhada imersa num mar de igualitarismo. Dinis (1997: 330), numa investigação sobre presidentes de conselhos directivos, conclui que:

A representação que os professores e os próprios presidentes dos conselhos directivos fazem da figura de chefe de estabelecimento de ensino é basicamente a de um profissional-docente cuja função principal é a de criar as melhores condições para o exercício da actividade docente (na perspectiva dos professores) e a de garantir o funcionamento, nas melhores condições possíveis, do estabelecimento de ensino (na perspectiva dos próprios).

Carvalheiro (2004: 386), em estudo semelhante, sublinha:

Não esquecendo a sua dimensão de administradores, não se pode, no entanto, deixar de reconhecer que predomina no seu discurso a representação profissional do cargo, traduzida na proximidade aos colegas, na proclamação repetida da igualdade hierárquica, na informalidade afectiva e no


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peso decisional que estes têm, tal como Afonso (1994) e Clímaco (1988) observaram.

Ventura, Costa, Neto-Mendes e Castanheira (2005: 125) afirmam que “Estamos convencidos de que nas escolas públicas portuguesas há um certo sentido de um estilo de “gestão consensual”, mais próxima dos interesses dos professores do que dos outros participantes na vida da escola” e concluem que o presidente do conselho directivo “é muitas vezes visto como um colega pelos professores”. Evidentemente que têm existido líderes mais assumidos e lideranças mais personalizadas mas, habitualmente, o figurino não é este e o discurso tem sido, predominantemente, o da igualdade. Nem os próprios se assumem como líderes, nem os pares os reconhecem como tal. A eleição dos responsáveis das escolas foi, num grande número de casos, o exercício rotineiro de uma escolha, mais ou menos instrumental, necessária a cumprir o formalismo legal e muito raramente entendida como um acto de cidadania e de afirmação de uma opção destinada à emergência de um líder capaz de conduzir a organização para o futuro, de acordo com princípios estratégicos assumidos colectivamente. As últimas décadas foram marcadas pelos princípios definidos pelo DL 735-A/74, aperfeiçoados pelo DL 769-A/76, que conferiu aos docentes, aos funcionários não docentes e aos alunos os instrumentos necessários para assegurarem a gestão corrente das escolas, reservando-se para o Ministério da Educação todos os restantes poderes de direcção centralizada na definição dos normativos de gestão pedagógica, administrativa e financeira. A chamada “gestão democrática”, constitucionalmente consagrada, embora garantindo importantes princípios de democraticidade e de participação, não foi, contudo, institucionalizada de forma a permitir uma ruptura com o paradigma de centralização política e administrativa da educação, nem a conferir verdadeira autonomia às escolas (Lima, 1998).

Os professores conquistaram de facto maior protagonismo face ao anterior modelo liceal [vigente antes de Abril de 1974], e sobretudo face à intervenção de alunos, funcionários e, especialmente, de actores externos (pais e encarregados de educação, representantes comunitários, responsáveis autárquicos, etc.). Porém, um protagonismo fortemente insularizado e limitado às áreas de execução, numa acção profundamente subordinada e regulamentada pormenorizadamente por um extensíssimo


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“corpus” normativo que garantiu o protagonismo maior ao ministério da educação e lhe conferiu o exclusivo dos poderes de governo e de direcção do sistema e das escolas (Lima, 1999:65).

Toda a legislação posterior, apesar das suas particularidades, evidencia claramente esta matriz, tendo-se avançado, embora muito limitadamente, no capítulo da representação autárquica, parental e de outros actores das comunidades. Na prática, o ME tem tomado as decisões, as escolas cumprem-nas, sendo que nos seus órgãos de gestão os professores eram, até há bem pouco tempo, hegemónicos e a representação dos outros corpos pouco mais do que simbólica. Com a publicação do Decreto-Lei 75/2008, que aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, opera-se uma rotura na continuidade anterior, justificada politicamente pela necessidade de realizar uma intervenção de fundo na gestão das escolas públicas e na própria filosofia de poder interno que lhe está subjacente.

Em primeiro lugar, trata-se de reforçar a participação das famílias e comunidades na direcção estratégica dos estabelecimentos de ensino. (DL 75/2008, preâmbulo).

Com este objectivo, é criado um órgão de direcção estratégica, denominado Conselho Geral, onde estão representados o pessoal docente e não docente, os pais e encarregados de educação, os alunos (no caso dos adultos e do ensino secundário), as autarquias e a comunidade local, designadamente representantes de instituições, organizações e actividades económicas, sociais, culturais e científicas. Como forma de garantir uma participação equilibrada de todos os interessados, nenhum dos corpos ou grupos representados pode ter, por si mesmo, a maioria dos lugares, e os corpos representativos dos profissionais que exercem a sua actividade na escola não podem, em conjunto, deter a maioria dos lugares no conselho. Este é, indiscutivelmente, um dos aspectos que marca pela diferença a nova legislação relativamente à anterior e que diminui o poder dos professores na gestão das escolas.

Em segundo lugar, com este diploma, procura-se reforçar as lideranças das escolas, o que constitui reconhecidamente uma das mais


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necessárias medidas de reorganização do regime de administração escolar. (Ibidem).

Para a concretização deste objectivo é criado o cargo de director, órgão unipessoal, em contraste com a existência de um órgão colegial, que se tornou a regra desde a restauração da democracia. No entanto, não é a primeira vez que se prevê a existência de um director, pois já o Decreto-Lei n.º 172/91 considerava a existência de um “director executivo”2 e o Decreto-Lei 115-A/98 de uma “direcção executiva”3, que tanto podia exercer-se através de um conselho executivo, como de um director, competindo à escola a opção em sede de Regulamento Interno. Ao director são confiados amplos poderes de gestão administrativa, financeira e pedagógica, incluindo a presidência do próprio Conselho Pedagógico. Com o objectivo assumido de reforçar as suas condições de liderança e dar mais eficácia ao funcionamento da escola, incumbe também ao director o poder de designar os responsáveis pelos departamentos curriculares que são as principais estruturas intermédias de coordenação e supervisão pedagógica. Finalmente, o presente diploma corresponde a um terceiro objectivo: o reforço da autonomia das escolas. “(…) [deste] tem de resultar uma melhoria do serviço público de educação. É necessário, por conseguinte, criar as condições para que isso se possa verificar, conferindo maior capacidade de intervenção ao órgão de gestão e administração, o director, e instituindo um regime de avaliação e de prestação de contas. A maior autonomia tem de corresponder maior responsabilidade. (Ibidem).

A prestação de contas concretizar-se-á, por um lado, ao nível do Conselho Geral, onde têm assento os diversos representantes de corpos, grupos e interesses, e a quem incumbe a nomeação do Director; por outro lado, por um sistema de autoavaliação e avaliação externa. Entende-se que “só com estas duas condições preenchidas é possível avançar de forma sustentada para o reforço da autonomia das escolas” (ibidem) que se expressa “na faculdade de auto-organização da escola” (ibidem). Quanto à possibilidade de transferência de competências das estruturas do Ministério da Educação para as escolas, mantémse o princípio da contratualização da autonomia e da sua 2 3

DL 172/91, de 10 de Maio, art.º 16, n.º 1. DL 115-A/98, de 4 de Maio, art.º 15.º, n.ºs 1 e 2.


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progressividade em função dos resultados da avaliação externa relativos à capacidade da escola para o seu exercício, que já vêm a ser ensaiados, desde 2006, através da celebração de “contratos de autonomia”. Naturalmente que nem a liderança nem a autonomia se decretam, qualquer destes processos tem de ser construído ao longo de anos e participado por todas as forças interessadas no funcionamento dos estabelecimentos escolares, mas o novo modelo de administração e gestão das escolas está em linha com muitas das práticas internacionais e procura responder à necessidade de introduzir uma nova racionalidade na gestão, tornando-a mais profissional, mais personalizada e mais vinculada à comunidade.

6. CONCLUSÃO A questão da liderança das escolas assume, neste novo quadro legal, uma importância acrescida no sentido em que os novos directores têm de ser capazes de protagonizar projectos mobilizadores não apenas de natureza interna, mas com forte empenho das comunidades. A definição de estratégias de inovação e mudança só poderão assumir relevância se o processo de autonomia sofrer um forte incremento e se vier a verificar-se uma mudança significativa no relacionamento entre a administração educativa e as escolas, substituindo-se o paradigma centralizador por práticas autonómicas robustas. No quadro das contradições inerentes ao processo de mudança, duas notas a assinalar. A primeira, relativa à evolução entre o anterior modelo e o actual no que respeita aos novos directores. A esmagadora maioria dos presidentes dos conselhos executivos foi eleita para o novo órgão unipessoal. O “conservacionismo” nesta matéria é assinalável e o facto de o “círculo de poder nas escolas” se ter mostrado bastante fechado é um bom tópico de reflexão. Uma segunda nota reporta-se às práticas da autonomia nas escolas intervenientes na experiência dos contratos. No essencial, as mudanças são escassas e pouco sustentadas, prevalecendo


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uma perspectiva burocrática da administração educativa relativamente às ambições das escolas, que, em muitos casos, pouco sentem as vantagens de estarem envolvidas no processo. Com o novo modelo de direcção e gestão das escolas, a liderança escolar assume um novo estatuto e passa de prática envergonhada a obrigação institucional. A tradição colectiva vai ter de caldear-se com o novel estatuto presidencialista do director e, mais do que isso, com novos desafios onde a inovação e a racionalidade da gestão assumem papel relevante. Os directores devem estar conscientes de que a avaliação da sua liderança não se pautará apenas pelo juízo dos pares e pelo bom ou mau clima que inspiram, mas pelos resultados, nomeadamente escolares, que a “sua” escola, enquanto organização, apresenta. O colectivo escolar não pode ser encarado como um somatório de corporações profissionais e académicas, mas como uma organização coesa dotada de uma missão e de uma visão, assumidas e partilhadas por todos na concretização de um projecto inspirador, e a nova liderança tem de se exercer para além dos muros das escolas e assumir um papel estratégico no desenvolvimento das comunidades que serve.

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ARGENTINA NO CAMINHO DO POPULISMO: CONFLITOS SOCIAIS E POLÍTICAS ECONÓMICAS DURANTE O PERONISMO ARGENTINA ON THE ROAD TO POPULISM: SOCIAL CONFLICTS AND ECONOMIC POLICIES DURING THE PERONISM ARGENTINA EN EL CAMINO DEL POPULISMO: CONFLICTOS SOCIALES Y POLÍTICAS ECONÓMICAS DURANTE EL PERONISMO José Carlos Alexandre (jcalexandre@ipg.pt) *

RESUMO Até à Grande Depressão dos anos 1930, a Argentina conseguiu combinar uma economia dinâmica com uma relativa estabilidade democrática liberal. Depois da Grande Depressão e da II Guerra Mundial, a evolução económica e política sofreu um grande revés. O populismo chegou ao poder na Argentina em 1913, mas alcançou o seu apogeu com o peronismo (1946-1955). O peronismo foi, essencialmente, a tentativa falhada de incorporar as massas populares num Estado corporativo. Todavia, o peronismo sobreviveu à queda do seu governo e manteve-se muito activo na vida política argentina. Quais são as origens do peronismo? Como é que Juan Perón tentou articular as ambições dos diferentes grupos sociais? Quais eram os objectivos e as limitações do modelo económico do peronismo? Qual foi o legado do peronismo na sociedade argentina? Para responder a estas questões, vamos concentrar-nos, em especial, nas relações de poder e conflito dentro da sociedade argentina e entre a sociedade e o Estado. Com este objectivo presente, analisaremos as interacções destas relações internas com as políticas económicas seguidas pelo regime peronista. Palavras-chave: Populismo, peronismo, Estado, conflitos sociais, políticas económicas


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ABSTRACT Until the Great Depression of the 30s, Argentina managed to combine a dynamic economy with liberal democratic stability. After the Great Depression and the Second World War, economic and political evolution suffered a significant turn down. Populism got to power in Argentina in 1913, but only reached its zenith with peronism (1946-1955). In a nutshell, peronism was a failed attempt of incorporating the popular masses in a corporative State. However, peronism survived the withdrawal from power and remained very active in the political Argentinean life. What were the origins of peronism? How Juan Perón attempted to articulate the ambitions of different social groups? What were the purposes and the limitations of the economic model of peronism? What was the legacy of peronism in the Argentinean society? We try to give an answer to these questions by focusing on the power and conflict relations within the Argentinean society and between society and the state. With this goal, we will analyze the inter-actions of these internal relations with the economic policies followed by the Government. Keywords: Populism, peronism, state, social conflict, economic policies

RESUMEN Hasta la Gran Depresión de los años 1930, Argentina logró combinar una economía dinámica con una relativa estabilidad democrática liberal. Tras la Gran Depresión y la Segunda Guerra Mundial, la evolución económica y política sufrió un gran revés. El populismo llegó al poder en Argentina en 1913, pero alcanzó su apogeo con el peronismo (1946-1955). El peronismo fue, básicamente, la tentativa fallada de integrar las masas populares en un Estado corporativo. Sin embargo, el peronismo sobrevivió a la caída de su gobierno y se ha mantenido muy activo en la vida política argentina. ¿Cuáles son los orígenes del peronismo? Cómo es que Juan Perón ha intentado articular las ambiciones de los diferentes grupos sociales? ¿Cuáles eran los objetivos y las limitaciones del modelo económico del peronismo? ¿Cuál ha sido el legado del peronismo en la sociedad argentina? Para responder a estas cuestiones, vamos concentrarnos, en especial, en las relaciones de poder y conflicto dentro de la sociedad argentina e entre la sociedad y el Estado. Teniendo en cuenta este


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objetivo, analizaremos las interacciones de estas relaciones internas con las políticas económicas llevadas a cabo por el régimen peronista. Palabras clave: económicas

Populismo,

peronismo,

Estado,

conflictos

sociales,

políticas

Prof. Adjunto na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico da Guarda, Lic. Economia (FEUniversidade de Coimbra), Mestre de Comércio Internacional (Universidade do Minho), Diploma de Estudios Avanzados en Historia Contemporánea, (Fac. Geografia y Historia, Universidad de Salamanca.


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1. INTRODUÇÃO A Argentina teve sempre uma posição marginal e periférica dentro do império colonial castelhano. Após a independência em 1816, a economia argentina encontrou no sector agro-pecuário e no comércio externo as duas principais fontes da sua dinâmica. Nos finais do século XIX, o Estado Argentino era corporativo, sendo claramente dominado pela oligarquia agro-exportadora. Desde então a transformação desta economia numa economia industrializada converteu-se numa verdadeira obsessão política nacional. Até à Grande Depressão dos anos 1930, a Argentina conseguiu combinar uma economia dinâmica com uma relativa estabilidade democrática liberal. A economia não estava somente a crescer, estava também a diversificar-se. Era notório o desenvolvimento das manufacturas; primeiro, vinculadas à expansão da agricultura; nos anos 1920, como resultado de investimentos estrangeiros; e, nos anos 1930 e 1940, impulsionadas pelo proteccionismo resultante da Grande Depressão e da guerra. Existia tolerância com a oposição, mas a participação política estava muito condicionada pelas práticas eleitorais e pela exclusão dos imigrantes. O poder era monopolizado pela elite agroexportadora, designada de “oligarquia” pelos seus opositores. As pressões da classe média obrigaram a uma reforma eleitoral que estabeleceu o sufrágio universal para os homens, nativos, em 1912. O poder seria então transferido pacificamente dos conservadores para os radicais. O crescimento económico e a diversificação permitiram um relativo alto nível de vida. Nos anos 1930, a Argentina estava entre os cinco países mais ricos do mundo em termos de rendimento per capita. No final da II Guerra Mundial, continuava dentro do clube dos 10 mais ricos. Depois da Grande Depressão e da II Guerra Mundial, a evolução económica e política sofreu um grande revés. A economia expandiu-se a um bom ritmo até 1940, mas depois entrou num processo de desaceleração, com desempenhos medíocres: entre 1950-1983, o rendimento per capita cresceu somente 1%. O populismo chegou ao poder em 1913, com os radicais. No entanto, a constitucionalidade legal apenas foi interrompida em 1930, por um golpe militar. A partir desta data até 1983, a Argentina


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tornou-se politicamente muito instável, com uma sucessão de ditaduras militares, regimes populistas e democracias restritivas. Como a democracia não havia conseguido uma distribuição equitativa dos rendimentos, surgiram vários movimentos com o objectivo de derrubar o regime. O triunfo do populismo foi a resposta dos argentinos à desigualdade económica e às injustiças sociais, tentando estabelecer um Estado populista que afastasse as elites de uma economia de exportação. O populismo, cujo apogeu coincidiu com o peronismo (1946-1955), foi uma resposta reaccionária anticapitalista e antielitista, cujas origens se situam nos finais do século XIX. Juan Perón foi o homem providencial, o chefe carismático ou o ditador que ocupou o novo espaço político aberto pela insatisfação das classes médias e trabalhadoras nascidas com a recente industrialização da Argentina e, ao mesmo tempo, foi o homem que surgiu aos olhos de uma parte das elites como a melhor garantia de apartar qualquer (justificada ou injustificada) ameaça revolucionária. Numa palavra, a chegada de Perón ao poder em 1946 é o ponto de viragem da História Contemporânea Argentina. A preocupação fundamental deste trabalho tem a ver com a estabilidade e instabilidade da democracia argentina e da relação que existe entre esta e as políticas económicas levadas a cabo pelo regime peronista, entre 1946 e 1955. Como é que o Estado populista tentou articular as ambições dos diferentes grupos sociais? Qual foi o papel do Estado na implantação do novo modelo de desenvolvimento - a industrialização por substituição de importações (ISI)? Para responder a estas questões, vamos concentrar-nos, em especial, nas relações de poder e conflito dentro da sociedade argentina e entre a sociedade e o Estado. Com este objectivo, analisaremos as interacções destas relações internas com as políticas económicas seguidas pelo regime peronista.


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2. INSTITUIÇÕES E CONFLITOS PERSPECTIVA TEÓRICA

SOCIAIS:

UMA

O que são exactamente as instituições? North (1990: 3) dá a seguinte definição: “Institutions are the rules of the game in a society or, more formally, are the humanely devised constraints that shape human interaction.” e “In consequence they structure incentives in human exchange, whether political, social, or economic.” Tanto os economistas como os governantes reconhecem a importância das instituições no desempenho económico dos países. As instituições políticas incluem as formas de governo – por exemplo, democracia versus ditadura ou autocracia – e as coacções impostas aos políticos e à classe política (Acemoglu et al., 2004). É, por isso, importante estudar o que determina as instituições políticas1. Acemoglu et al. (2004) consideram que as instituições são o resultado de escolhas colectivas2. De acordo com este perspectiva, as instituições não são escolhidas por toda a sociedade, mas pelos grupos que, em resultado de conflitos com outros grupos, dominam o poder político em determinado momento. Os grupos mais poderosos escolherão as instituições que maximizam os seus rendimentos e benefícios, e as instituições económicas - como, por exemplo, a estrutura dos direitos de propriedade ou a presença e a perfeição dos mercados podem não ser aquelas que maximizam o rendimento e a riqueza total de uma sociedade3. 1 Todavia: “(...) there is relatively little work on what determines political institutions.” (Acemoglu, 2000: 1). 2 Há, porém, outras explicações sobre a origem e formação das instituições numa determinada sociedade. Convém, por isso, começar por aludir as mais recorrentes. Basicamente, podemos agrupá-las em três categorias: “Eficiência institucional” – os indivíduos, sendo racionais, escolhem, dadas as circunstâncias, as instituições o mais eficientes possível; “Escolha ideológica” – é racional que sociedades diferentes optem por instituições diferentes, porque isso depende das ideologias e crenças de cada nação e em especial das suas elites; “Acidente histórico” – as instituições seriam o resultado de interacções sociais incontroláveis ou acidentes históricos, ocorridos em momentos decisivos, e as instituições assim formadas tenderiam a persistir por longos períodos de tempo e com consequências significativas. Acemoglu et al. (2004), apesar de reconhecerem importância a estas explicações, pelo menos a curto prazo, não as consideram convincentes a longo prazo. 3 A noção de que as elites, ou seja, os mais poderosos politicamente podem optar por instituições económicas que


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Neste esquema, Acemoglu et al. (2004) introduzem uma hierarquia institucional, com as instituições políticas a determinar as instituições económicas, e, estas o desempenho económico e a distribuição do rendimento. Há uma interacção entre as instituições políticas e as instituições económicas. Se, num primeiro estágio, as instituições políticas determinam as instituições económicas, estas, por sua vez, são determinantes em relação ao crescimento económico e à distribuição do rendimento. As alterações na distribuição do rendimento podem modificar as relações de poder dentro de uma sociedade, o que pode causar a médio prazo mudanças nas instituições políticas. As instituições políticas têm uma característica importante: são estáveis. Há duas razões principais para a sua estabilidade. Primeira: é necessária uma grande mudança na distribuição do poder político interno para alterar as instituições políticas. Segunda: o grupo com maior poder político tudo fará para impor as instituições políticas e económicas que melhor garantem os seus interesses, ainda que isso possa significar o prejuízo do resto da sociedade. Apesar da tendência da persistência, as instituições não são imutáveis. As mudanças podem vir de dentro, quando, por exemplo, um grupo com poder político quer mudar as instituições políticas e económicas a seu favor, e pode consegui-lo com uma mudança de regime, ou, simplesmente, brandindo a ameaça de revolução ou de forte agitação social. Mas as alterações das instituições políticas também podem ser provocadas por um choque externo: uma revolução tecnológica ou uma mudança do contexto internacional.

aumentam os seus rendimentos – muitas vezes, à custa do resto da sociedade – está presente em muita literatura marxista e na teoria da dependência. Todavia, ao contrário das teorias marxistas e da dependência, esta “perspectiva do conflito social”, desenvolvida por Acemoglu et al. (2004), inclui situações onde as instituições económicas podem ser, em determinado momento, as mais eficientes dadas as circunstâncias, mas deixam de o ser quando as condições sociais e económicas se alteram. Por exemplo, determinadas instituições podem ser eficientes para países mais pobres, o problema é que não se modificam quando já estão desajustadas às novas realidades desses países, ou seja, deixam de ser eficientes.


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3. O CAMINHO PARA O POPULISMO NA AMÉRICA LATINA O populismo é, em substância, uma doutrina ou uma prática política que rejeita ou tenta debilitar a representatividade política (Valente, 2007). O populismo promete ao “povo” o exercício directo do poder. Quando um regime se baseia no princípio da representação e parece ignorar a “vontade geral”, o populismo está perto. O populismo, ao suprimir os poderes intermédios, conduz inevitavelmente à centralização do poder no chefe. Há uma relação directa entre o chefe e o povo. É o chefe que tudo decide e, por isso, o populismo desemboca invariavelmente em ditaduras. Por definição, o populismo não tem um programa político ou tem apenas um programa: aproveitar o descontentamento popular sem se preocupar com as consequências do exercício. Este tipo de estratégia costuma falhar em sociedades estáveis, com regimes sólidos e prestigiados; em sociedades inquietas e com regimes frágeis e desacreditados, costuma funcionar (Ibidem). Nalgumas sociedades, as políticas populistas não destroem o existente aparelho do Estado; noutras, reestruturam-no de forma revolucionária, ainda que criando relações de clientelismo em termos políticos, económicos e sociais. Os economistas frequentemente associam o populismo latino-americano ao seguinte conjunto de objectivos políticos: 1) O Estado lidera e gere os objectivos de crescimento económico e de distribuição do rendimento, o que conduz à criação e propriedade de várias empresas públicas, que servem para alcançar os dois objectivos; 2) Implantação de políticas anticapitalistas e antimercado, como é o caso da industrialização por substituição de importações (ISI), em que o Estado é o grande motor do crescimento económico, enquanto a inflação e os défices públicos financiam os principais projectos de desenvolvimento e os programas sociais, ignorando ou resistindo aos constrangimentos internacionais e isolando os mercados domésticos. Durante muito tempo os intelectuais latino-americanos, em especial os mais influenciados pela tradição europeia, reduziram o populismo a uma aberração histórica, a um equívoco histórico,


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sustentado pela inexperiência democrática das massas urbanas de origem rural e na falta de princípios ou na ilimitada capacidade de manipulação de alguns líderes. Na realidade, o populismo latino-americano foi um fenómeno mais complexo. Governos como os de Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954) e de Juan Perón (1946-1955 e 1973-1974) foram, ao mesmo tempo, antiliberais e anticomunistas. Mais: muitos dos seus objectivos e políticas poderiam ser considerados, por vezes, liberais e, outras, socialistas. Exemplos? A luta contra as oligarquias – mais evidente no caso do peronismo do que no do getulismo -, a formação de uma burguesia urbana, a intensificação do desenvolvimento industrial, a expansão do sindicalismo, a liderança dos movimentos operários, etc. Essencialmente, o dilema filosófico do populismo latino-americano era como demarcar-se do comunismo e do fascismo, uma vez que seguia muitas das políticas destas duas ideologias e tinha as mesmas clientelas: a classe trabalhadora urbana e as classes médias e baixas. Os historiadores têm demonstrado que, enquanto nos Estados Unidos o populismo se desenvolveu em áreas rurais, na América Latina foi essencialmente um fenómeno urbano. Embora a atracção pelo populismo se tenha propagado a toda a América Latina, nalguns países tornou-se a essência das políticas nacionais. Argentina, Brasil, Venezuela, Uruguai e Costa Rica passaram todos por um prolongado período de populismo. A emergência popular na América Latina é o resultado de um período histórico determinado e das peculiaridades económicas e sociais de cada país. “E os movimentos e governos populistas, tal

como podem ser observados de maneira típica em países como o Brasil e a Argentina, terão sido talvez a sua forma mais completa de expressão.” (Weffort, 1978: 93)

O populismo é um dos aspectos de uma longa história de crise e transformação, que começa nas primeiras décadas do século XX e que terminaria somente nos anos 1980. É uma etapa de crise, porque nasceu de rupturas, originadas depois da guerra de 1914-1918 ou da Grande Depressão dos anos 1930 e que destruíram a velha sociedade latino-americana. Mas esta etapa foi também um período de grande esperança nas possibilidades de desenvolvimento democrático e do desenvolvimento capitalista na América Latina.


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Todavia, somente a partir da década de 1940 a integração das classes populares no sistema político passou a ter importância sobre os equilíbrios de poder. A emergência das classes populares nos anos 1940 foi, em grande parte, o resultado da industrialização por substituição de importações, levada a cabo por muitos países latino-americanos durante a Grande Depressão dos anos 1930. A ISI nasceu quase inadvertidamente. O principal objectivo era equilibrar a Balança de Pagamentos através de uma série de medidas proteccionistas. De qualquer maneira, esta estratégia gerou a ascensão de novas classes na arena política: primeiro, das classes médias; nos anos 40, das massas populares. A emergência das massas populares significou uma dupla pressão sobre as estruturas de poder vigentes: por um lado, pressão para aumentar a participação política das massas (sobretudo através do voto); por outro, pressão sobre as estruturas do Estado para aumentar as possibilidades de emprego e consumo.

4. AS ORIGENS DO PERONISMO As características do comportamento popular diferem de país para país e, no caso dos países latino-americanos, dependem, entre outras explicações, das peculiaridades da formação social de cada nação depois das independências do século XIX. Na Argentina, a emigração assumiu um papel fundamental na composição das classes médias e populares, durante o chamado período oligárquico. Os efeitos da emigração foram significativos na composição da sociedade argentina. Em 1869, a população era de 1,7 milhões de pessoas; todavia, entre 1870 e 1930, entraram mais de seis milhões de emigrantes no país (Waisman, 1989) - no século XIX, apenas os Estados Unidos receberam mais emigrantes provenientes da Europa. Em 1914, 30% da população era constituída por imigrantes (um rácio superior ao dos Estados Unidos), dos quais, metade eram italianos e um terço espanhóis. E, nos anos 1940, um terço dos trabalhadores eram imigrantes recentes, provenientes sobretudo da Itália e da Espanha.


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A Argentina não tinha muitas terras disponíveis para os emigrantes, o que levou a que a maioria se concentrasse nas cidades. Isto teve um grande impacto na estrutura das classes urbanas e criou um problema de integração destes emigrantes no sistema político, que a elite agro-exportadora nunca foi capaz de resolver. A formação de um sistema populista esteve condicionada, por um lado, pela crise económica de exportações e pela reorientação para as actividades industriais que marcam o período posterior à Grande Depressão dos anos 1930 e, por outro lado, pela crise de hegemonia da burguesia oligárquica e do sistema liberal vigente na etapa histórica anterior. Sublinhe-se, todavia, que os movimentos populistas nunca foram capazes de liquidar as bases do poder oligárquico. As classes populares emergentes eram predominantemente urbanas e a sua integração no sistema político fez-se de cima para baixo, ou seja, por partidos ou líderes que pertenciam às classes superiores e que controlavam os governos. A debilidade do sistema oligárquico argentino fez com que o sistema se encontrasse nos começos da década de 1940 com dois impasses fundamentais. Primeiro: a estratégia de desenvolvimento industrial seguida desde os anos 1930, ou seja, a industrialização por substituição de importações. Segundo: a integração no sistema político das classes trabalhadoras que se haviam expandido com essa estratégia de desenvolvimento e cujos interesses eram incompatíveis com os da ainda hegemónica elite agro-exportadora. Emergiram, por um lado, uma nova burguesia industrial de pequenos capitalistas não competitivos, concentrados no mercado interno e, por outro lado, o que se tornaria, nos anos 1940 e 1950, um forte movimento laboral. A nova burguesia emanava das classes médias e da classe operária, e a nova classe operária descendia das classes rurais baixas. Numa palavra, a sociedade argentina estava bastante fragmentada. Ao mesmo tempo, verifica-se uma cisão nas classes dominantes sobre o melhor modelo a seguir. As bases sociais do modelo oligárquico encontravam-se demasiado fragmentadas: não dispunham de poder suficiente para imprimir uma orientação hegemónica que incorporasse os sectores médios e operários ou,


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em alternativa, uma orientação excludente, com alguma probabilidade de impor o seu domínio. As Forças Armadas foram quem primeiro percebeu o ponto morto a que havia chegado a política oligárquica e, desde os começos de 1941, houve várias tentativas falhadas de golpes de Estado, que assumiam objectivos de recorte nacionalista. Foi neste contexto que se formou, no seio do Exército, o Grupo Obra de Unificación, que se viria a chamar mais tarde Grupo de Oficiales Unidos4 (GOU), e que contava como representantes mais destacados, Avalos, Ramirez, P. Gonzalez e Juan Perón. Este grupo declarava como principais objectivos: “(...) la defensa corporativa del Ejército y del mando; la defensa contra

la política y contra el comunismo. En especial, merecía destacarse que el movimiento surgió también como una reacción contra un sistema de partidos políticos percibido como inoperante para dar cuenta de los cambios acontecidos (...)” (Garcia, 1993: 119-120).

A concepção negativa da política e dos partidos políticos perdurou sistematicamente ao longo de todo o regime peronista e tornar-se-ia constitutiva da cultura política argentina. As Forças Armadas seriam o braço executor de um novo consenso em torno da nova estratégia de desenvolvimento: a industrialização por substituição de importações (ISI). “Este nuevo

modelo industrial supuso una creciente influencia de las ideas industriales, intervencionistas nacionalistas, bajo la tutela de la nueva elite burocrático-estatal.” (Ibidem: 120).

Antes do golpe militar de 1945, 45% da indústria argentina estava nas mãos de capitalistas estrangeiros. Agora, pela primeira vez, o Estado Argentino era dominado por militares, e estes, essencialmente, advogavam a autonomia do Estado5. Queriam um Estado que não estivesse capturado pelos interesses económicos das elites nacionais e estrangeiras. Este conservadorismo 4

É hoje consensual entre os historiadores que o GOU respeitava e adulava o partido NAZI alemão. 5 “The country was still manipulated by the traditional elites, in cahoots with international capitalists. The railroads were controlled by the British and French; the meat-packing businesses were in the hands of US firms; public utilities were owned and operated by US and Swiss companies; the automobile industry was run by Americans, and construction companies were either German or Dutch.” (Pang, 2002: 31) 5 La autonomía del Estado es una de las condiciones necesarias para el desarrollo según Alexander Gerschenkron.


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nacionalista exaltava a completa independência da nação e preconizava uma revolução que mudasse o sistema político e económico argentino. O crescimento industrial era o meio para a criação de emprego e de um sistema de segurança social. Depois da II Guerra Mundial, os sectores dependentes do mercado interno eram cada vez mais numerosos. Havia uma grande preocupação por parte dos militares em evitar situações de crise de emprego e de conflito social. A ISI parecia ser a melhor solução para um crescimento rápido da economia. Esta estratégia implicava uma intervenção crescente do Estado na economia. O Estado passou a assumir um papel de protagonista, amplamente questionado até então pela classe empresarial argentina.

5. A ASCENSÃO DO PERONISMO AO PODER Depois do golpe militar de 1943, Juan Perón é o oficial golpista que mais se destaca. Consolida-se como um líder programático, porque tem objectivos e um programa político. Em consequência, ganha prestígio e poder, que vai consolidando à medida que os jovens oficiais lhe vão manifestando apoio e adesão. Acaba por se converter num líder político reconhecido pelas Forças Armadas. Desenvolve-se, então, a fase preparatória do governo peronista (Girbal-Blacha, 2004). Segundo Pang (2002), Perón cultivou cuidadosamente o apoio dos líderes sindicais somente após ter sido rejeitado pelos partidos tradicionais. Seja como for, depois da II Guerra Mundial, Perón emerge, definitivamente, como o campeão incontestado dos trabalhadores. Waisman (1989) considera que Perón era um marxista ao contrário, no sentido em que era um fervoroso anticomunista que aceitava, todavia, o pressuposto básico do marxismo, ou seja, a classe operária é intrinsecamente um actor revolucionário. Perón argumentava que a reestruturação do pós-guerra iria criar desemprego massivo, o que aumentaria a ameaça revolucionária. Como terapia, propunha, por um lado, um autoritarismo corporativo e, por outro, um proteccionismo radical.


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Perón declarava que o desmantelamento das indústrias criadas durante a guerra geraria desemprego e, por consequência, um cataclismo político. Era, portanto, vital proteger essas indústrias, ainda que muitas não fossem competitivas. Waisman considera que o medo do comunismo no pósguerra era irrealista. O nível de polarização de classe não era elevado e a previsão de que este aumentaria se as indústrias indígenas fossem reconvertidas não era razoável. Em primeiro lugar, o partido comunista – a única organização revolucionária substancial – era pequeno e a sua influência estava muito limitada depois de décadas de repressão. Em segundo lugar, não havia sinais de crescente radicalização dos movimentos operários, verificando-se, a contrario, uma moderação reivindicativa dos sindicatos. Por último, o medo de um desemprego massivo era infundado. De acordo com algumas estimativas, o desmantelamento das indústrias não competitivas, mantidas artificialmente através do proteccionismo, implicava uma taxa de desemprego de 2% - 80 000 em termos absolutos. Esta situação era suportável para o Estado, que dispunha na altura de amplos recursos para aplicar em obras públicas e programas de reconversão de mão-de-obra. Assim, segundo Waisman, os sectores das elites que apoiavam Perón fizeram uma análise errada da classe operária e prescreveram um remédio errado. Esta visão distorcida da realidade de uma parte das elites (militares, igreja antiliberal e nova direita) e da sociedade argentina em geral6 resultava, em parte, da sua grande sensibilidade sobre o que se passava em Itália e Espanha. Os laços culturais que ligavam a Argentina a estes dois países eram muito fortes, o que significa que o impacto, por exemplo, da Guerra Civil espanhola ou do fascismo italiano era muito maior na Argentina do que em qualquer outro país da América Latina. É neste contexto geral que, em 24 de Fevereiro de 1946, Perón ganha as eleições marcadas pela Junta Militar, com 56% dos votos. Na campanha eleitoral, Perón surge como um símbolo do nacionalismo e emergem então as ideias-chave que marcariam o

6 Convém sublinhar que nos anos 1940 um terço dos trabalhadores eram imigrantes recentes, provenientes sobretudo da Itália e da Espanha e ainda mal integrados na sociedade argentina.


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peronismo: independência económica, justiça social e soberania política. Perón foi apoiado por três partidos: o Partido Laborista, a Alianza Libertadora Nacionalista e a UCR - Junta Reorganizadora e por alguns conservadores dissidentes (Ibidem). Mais tarde, seria criado o “Partido Único de la Revolución” que daria origem, em 1947, ao Partido Peronista, um partido “verticalista, monolítico y personalista”.

6. PERONISTAS VERSUS ANTIPERONISTAS Desde o golpe de Estado de 1943, Perón tentou, a partir da direcção do Departamento de Trabajo, depois Secretaría de Trabajo y Previsión, harmonizar os interesses das forças do capital e do trabalho. Esta harmonização era considerada um elemento essencial e prévio da consolidação do desenvolvimento industrial. O “(...)

peronismo aspiraba a involucrar a la totalidad de los argentinos tras las banderas de una Nación socialmente justa, económicamente libre y políticamente soberana.” (Rapoport, 2000: 365).

Quando Perón ganhou as eleições em 1946, a sua base principal de apoio era a classe trabalhadora urbana e aqueles sectores da classe média interessados no desenvolvimento de uma indústria nacional independente. Todavia, a sua vitória não se deveu a um movimento exclusivamente uniclassista (Garcia, 1993). Contava também com o apoio de alguns grupos de grande influência dentro da burocracia estatal, da Igreja e das Forças Armadas. Desde o princípio, Perón tentou ser uma espécie de articulador dos interesses dos diferentes grupos sociais. O objectivo era: “(...) lograr la armonía de intereses entre el individuo y la sociedad en el marco de lo que se denominaba la ‘Comunidad Organizada’. Este modelo, superador del capitalismo y del comunismo, suponía la planificación para ordenar el capitalismo y la humanización de las condiciones de vida y trabajo de los asalariados” (Rapoport, 2000: 365)

Esta estratégia limitaria severamente a sua acção governamental porque só podia funcionar enquanto as condições económicas propiciassem recompensas para todos os grupos.


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À medida que punha em marcha a nova estratégia de desenvolvimento, aumentava a resistência e a oposição das corporações empresariais. A atenção crescente ao sector industrial – através do aumento dos impostos aduaneiros e de novas quotas sobre as importações que competiam com as produções locais – provocou de imediato a oposição dos grupos historicamente vinculados ao livre cambismo: a Sociedad Rural, as empresas de exportação e importação e as empresas estrangeiras mais poderosas. A constante identificação do discurso de Perón com a nação não era facilmente compatível com um sistema pluralista de partidos. Daí a existência de censura e de controlo dos meios de comunicação social. Numa palavra, a liberdade de expressão estava limitada. De qualquer maneira, os partidos políticos existentes – o principal era a Unión Democrática, que se dividiria mais tarde – ignoravam, nas eleições de 1946, as profundas transformações que se estavam a produzir no país (Rapoport, 2000). Ao contrário de Perón, não entenderam a importância de fazer reformas sociais para proporcionar uma maior participação dos trabalhadores na vida económica e política do país. Estas novas forças sociais eram uma massa muito importante e politicamente disponível. Todavia, o peronismo não procurou a participação do novo sujeito político constituído, o “povo”, tendo-se antes apropriado da sua representação. A relação entre populismo e democracia representativa foi, na melhor das hipóteses, antagónica e excludente (Garcia, 1993). Os elementos “nacional popular” acabaram por se diluir no poder estatal. Na prática, a componente nacional e estatal, frente à qual se havia desenvolvido o populismo, jogou sempre um papel predominante. Os sindicatos estavam mal organizados antes do peronismo, devido à repressão existente. O peronismo passou a tutelar os sindicatos. Há uma integração das estruturas dos sindicatos nas estruturas do Estado. Esta integração teve consequências negativas e perniciosas. A subordinação global do sindicalismo à estratégia estatal reduziu tanto o espectro das questões negociáveis como o universo de agentes políticos com os quais se podia negociar. Todavia, houve aspectos positivos. Foi possível bloquear parcialmente as ameaças burguesas às conquistas sociais.


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Pode-se afirmar que Perón tentou modernizar por decreto-lei os sindicatos, à semelhança, aliás, do que tentaria fazer com a classe empresarial. Ainda que assumidamente antioligárquico e nacionalista, o peronismo não contou desde o início com uma clara orientação ideológica e, frente ao clássico conflito existente nas sociedades desenvolvidas entre capitalistas e classe operária, o peronismo impôs uma oposição entre o “povo” e a antinação – fosse esta a oligarquia ou um poder “imperialista” externo. O Estado liderado por Juan Perón obrigou os actores sociais a definirem-se politicamente. O peronismo provocou uma grande polarização política na sociedade argentina. E, a partir dos anos 1950, a sociedade argentina já não se dividia mais em povo versus oligarquia, mas sim em peronistas versus antiperonistas (GirbalBlacha, 2004).

7. A POLÍTICA ECONÓMICA DO PERONISMO Apesar das várias interpretações existentes sobre os efeitos do peronismo na economia argentina – basicamente, umas consideram que foi um desastre e outras defendem que, apesar de alguns erros, era a única via possível –, há um ponto em que todas convergem: “(...) el ‘primer peronismo’ dejó una huella profunda en el comportamiento económico de la Argentina.“ (Rapoport, 2000: 379). Desde as suas origens, a economia argentina encontrou no sector agro-pecuário e no comércio externo as duas principais fontes da sua dinâmica. Contudo, segundo Rapoport (2000), era já evidente, na primeira década do século XX, que este modelo estava esgotado. Ao mesmo tempo, a partir da década de 1940, estavam em voga as ideias keynesianas7, que centravam no lado da procura interna a terapia para a crise de sobreprodução sofrida pelos Estados Unidos nos anos 1930 e que afectou bastante a América Latina. O Keynesianismo, ao contrário das ideias liberais até então dominantes, atribuía ao Estado um papel decisivo no crescimento 7

John Maynard Keynes (1883-1946) publicou o seu famoso livro

General Theory of Employment, Interest and Money em 1936.


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económico – em especial, em épocas de crise – através do aumento dos gastos públicos – de preferência em infra-estruturas reprodutivas. As políticas económicas do peronismo tentaram articular estas novas concepções teóricas com as experiências que se haviam começado a realizar na Argentina depois da Grande Depressão, isto é, a ISI. Não se tratava, portanto, de ser original, mas sim de criar um projecto mais definido, que pretendia “(...) el rediseño del perfil productivo y socioeconómico del país.“ (Ibidem: 379). A política económica do peronismo assentava em quatro colunas principais: a importância do mercado interno, o nacionalismo económico, o intervencionismo estatal, o papel central da industrialização. A implementação desta estratégia contou com a adaptação das instituições herdadas dos anteriores governos e com a criação de novos organismos. O Estado reforçou muito o seu papel, assumindo uma crescente importância como regulador da economia e como produtor e fornecedor de bens e serviços. Todavia, a mudança mais significativa não resultou do maior peso do Estado, ou da industrialização virada para o mercado interno, ou do carácter mais ou menos fechado da economia. Todos estes rumos continuaram, de uma forma ou outra, as tendências que já vinham de governos anteriores. A mudança mais significativa foi a aplicação de políticas sociais que provocaram uma forte redistribuição do rendimento. Aqui, sim, o peronismo foi, sem dúvida, uma novidade na História da Argentina. Antes de Perón, a classe dominante não soube integrar a emergente classe operária, tanto em termos políticos como económicos. Havia um claro problema de distribuição do rendimento, que levava a uma forte desigualdade social. Durante o peronismo, houve, de facto, um esforço em melhorar a situação económica das classes que o apoiavam: a classe operária e as classes médias urbanas. No quadro 1, pode verificar-se o aumento de 56% dos salários reais dos trabalhadores industriais entre 1946 e 1955 – alcançando o máximo em 1949 -, assim como o aumento do peso da remuneração do trabalho no rendimento da Argentina, passando de 40,1% em 1946 para 47% em 1955.


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Quadro 1 – Remuneração do trabalho no rendimento e índice dos salários industriais (1946-1955) Anos Remuneração do trabalho no rendimento (%) Índice dos salários reais (1945=100)

1946

1947

1948

1949

1950

1951

1952

1953

1954

1955

40,1

39,5

43,5

49,0

49,6

45,2

50,5

48,9

49,9

47,0

106,3

134,6

166,7

172,7

166,3

153.9

137,2

147,4

157,9

156,0

Fonte: Rapoport (2000)

Perón teve de fazer alguns sacrifícios em termos de eficiência a longo prazo para poder no curto prazo favorecer a classe principal que o apoiava. Por outras palavras, o êxito da estratégia do peronismo dependia da sua capacidade em impor uma redistribuição do rendimento, transferindo-o dos produtores rurais para os consumidores urbanos e os industriais, através de medidas fiscais ou da fixação dos salários. Houve uma reestruturação das actividades do sector agrícola, que não significou, todavia, “(...) en modo alguno una reforma agrária.” (Garcia, 1993: 150). Foi criado em 1946 o Instituto Argentino para el Intercambio (IAPI), que era financiado pelo Banco de la Nación e pelo Banco de Crédito Industrial. A sua principal função consistia em reinvestir os lucros do sector agro-pecuário, “(...) comprando materias primas a precios oficiales bajos y vendiéndolas en forma bilateral, o en el mercado externo a precios elevados.” (García, 1993: 150) Os lucros eram apropriados pelo governo, que os utilizava fundamentalmente para financiar o desenvolvimento do sector industrial e a sua política de redistribuição do rendimento. Como seria de esperar, os produtores de gado e bens agrícolas reagiram mal a esta política, que os marginalizava na tomada de decisões importantes sobre o destino do mundo rural, situação a que não estavam habituados. O mal-estar dentro desta classe crescia e tornar-se-ia insuportável. Perón acreditava que o aumento do poder e da autoridade do Estado podia regular as reacções do sector privado e vencer as suas resistências. Contava ainda que o desenvolvimento do sector industrial arrastasse o resto da economia. Numa palavra, Perón não queria acabar com o capitalismo na Argentina; queria simplesmente transformá-lo, utilizando para o efeito as instituições do Estado.


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Na década de 1930, as indústrias argentinas haviam experimentado um grande desenvolvimento, mas em meados da década de 1940 o seu crescimento estava estagnado. Perón considerava que para ultrapassar este impasse não bastavam barreiras alfandegárias mais elevadas ou mais incentivos fiscais especiais. Era indispensável que o Estado tivesse maior controlo sobre a afectação e distribuição dos recursos financeiros. Ao nacionalizar os depósitos privados e o comércio externo, pensava estar a criar os mecanismos necessários para reorientar e estimular a economia. Até 1949, foram nacionalizados a maior parte dos serviços de capital estrangeiro e foi posto em marcha um programa de desenvolvimento de infra-estruturas, seguindo as directrizes do primeiro plano quinquenal (1947-1951)8. O Estado aumentava, assim, muito a sua área de influência, entrando em sectores que até então haviam estado sempre nas mãos dos privados. O problema é que o Estado necessitava de cada vez mais recursos para poder continuar com as suas políticas expansionistas. Desgraçadamente, os recursos aumentavam menos que os investimentos públicos. Ainda por cima, o Estado não criou um sistema fiscal que penalizasse mais os sectores dominantes. Com o tempo, esta política económica revelar-se-ia insustentável para os recursos fiscais do país e “(...) limitó gravemente las posibilidades de sus sucesores en materia de políticas económicas.” (García, 1993: 150) No quadro 2, pode verificar-se um aumento do défice público nos primeiros anos, atingindo um máximo em 1948, com 17;87% do PIB. O Estado começou a financiar-se com a emissão de moeda. Esta é a solução mais fácil no curto prazo, mas o resultado conhecido é o aumento da inflação. Em 1947, o índice do custo de vida atingiu os 12,2%, em 1948 os 13% e em 1949 os 32,7% (Garcia, 1993: 163).

8 “En este período se construyeron centrales hidroeléctricas, se desarrolló la explotación de las reservas de carbón, se incrementó la actividad de la compañía petrolera nacional, se construyó una flota mercante, se organizó una compañía aérea nacional, y se apoyaron los planes ya existentes para la construcción de un importante complejo siderúrgico” (García, 1993: 150)


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Em resultado de todas estas políticas, verificou-se uma acentuada subida da procura agregada, mas com comportamentos diferentes no consumo e no investimento. O consumo verificou somente uma descida em 1952, mas recuperou logo em 1953. Em contrapartida, a descida do investimento é mais acentuada em 1949 e, nos anos seguintes, não voltaria a alcançar os níveis de 1948. Quadro 2 – Contas do sector público consolidadas (1945-1953) (Em milhões de pesos de 1950) Ano 1945 1946 1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953 1954 1955

Gastos 12.494 12.567 17.047 24.687 17.002 17.236 17.424 16.896 18.363 10.053 18.234

Rendimento

Défice

9.171 9.383 13.376 14.227 14.244 15.152 16.028 15.726 16.848 17.110 15.648

3.323 3.184 3.671 10.460 2.758 2.084 1.396 1.170 1.515 2.943 2.588

Défice (% do PBI) 7,23 6,36 6,60 17,87 4,76 3,56 2,31 2,07 2,55 4,74 4,00

Fonte: Rapoport (2000)

O aumento da procura agregada tem várias explicações. O aumento do consumo é o resultado directo da política progressiva de redistribuição do rendimento. A política salarial produziu uma subida dos salários reais (quadro 2), motivo pelo qual a procura de bens cresceu notavelmente. Por outro lado, as facilidades creditícias, os subsídios e a conjuntura internacional provocaram um aumento do investimento industrial. Outro factor decisivo na expansão da procura agregada foi a crescente intervenção do Estado, tanto em termos de consumo como de investimento, e que foi bastante reforçada com a nacionalização dos serviços públicos. Este aumento da procura agregada provocou um incremento das importações, uma vez que a maior parte dos bens de capital e uma grande parte dos bens de consumo não eram produzidos na Argentina. Todavia, imediatamente a seguir ao final da II Guerra Mundial, os preços internacionais dos produtos agro-pecuários


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encontravam-se em níveis particularmente elevados e a Argentina havia logrado acumular reservas e créditos a seu favor durante a guerra (Rapoport, 2000). Daí que, numa primeira fase, as receitas das exportações tivessem sido suficientes para financiar o aumento das compras ao exterior e de que se dispusesse de divisas suficientes para evitar perturbações na Balança de Pagamentos. Ironicamente, os objectivos de independência económica e soberania política – duas ideias-chave do discurso peronista – estavam muito dependentes do comportamento das exportações agrícolas argentinas no mercado externo. Enquanto estas se comportaram relativamente bem, Perón pôde iludir o problema da falta de recursos para financiar as suas políticas e a economia cresceu a um bom ritmo. Desde 1946-1948 foi o período áureo do peronismo. Mas a crise acenava atrás da porta. Entre 1949 e 1952, a crise destapouse e obrigou o peronismo a uma mudança de rumo.

8. A MUDANÇA DE RUMO DO PERONISMO E A SUA QUEDA A evolução do sector externo foi determinante. Assim como a conjuntura favorável nos primeiros anos ajudou a financiar a crescente procura de importações, a queda dos preços dos produtos agro-pecuários (carne e cereais) provocou uma acentuada deterioração nos termos de troca e no saldo da balança comercial, a que se somaram grandes catástrofes naturais como a grande seca de 1951-1952. Em 1948, as exportações eram inferiores em 25% às do período 1935-1939, enquanto as importações eram 38% mais elevadas (Garcia, 1993). Em princípios de 1949, a Argentina tinha esgotado as suas reservas de dólares – sem as quais não podia importar mais, em especial dos Estados Unidos – e os rendimentos das exportações caíram 30% relativamente ao ano anterior. Ante a crise, Perón tentou evitar recorrer à clássica desvalorização da moeda. A rejeição desta medida fundamentavase na ideia de que a desvalorização, ao tornar mais caros os bens importados, reduzia os salários reais e transferia rendimentos dos trabalhadores para as classes de maiores rendimentos. De qualquer maneira, a importação de artigos não prioritários foi restringida com


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a desvalorização do peso em 90%, em Outubro de 1949 (Garcia, 1993: 163). Esta fase depressiva do ciclo económico obrigou a uma redefinição da política económica, que se cristalizou nas grandes linhas do Plan de Estabilización, o Plan Quinquenal de 1952. Tornou-se necessário apoiar mais a agricultura e as exportações e, ao mesmo tempo, minimizar as consequências que esta política poderia ter na indústria nacional, nos sectores urbanos e na classe trabalhadora. Não era um caminho fácil e exigia de Perón uma grande capacidade política. A indústria pesada substitui a indústria ligeira em termos de prioridade da política industrial. Sectores como o aço, os químicos, os metais e os automóveis passam a ser os sectores eleitos, financiados pelos créditos do Banco Industrial, que privilegiavam o estabelecimento de grandes empresas. Houve um retrocesso significativo do nacionalismo económico. Perón tentava agora seduzir as empresas multinacionais a investir na Argentina (Fiat, Kaiser de Detroit, Standard Oil). O segundo Plan Quinquenal era, no fundo, um retorno à “ortodoxia conservadora”. O plano pretendia baixar os gastos públicos, numa batalha contra a inflação. E, de facto, verificaram-se resultados positivos. O défice público registou uma descida significativa, passando de 17,8% do PIB em 1948 para os 4,76% em 1949, mantendo-se posteriormente relativamente estável. A inflação baixou dos quase 40% em 1952 para os 4,3% em 1953 (Garcia, 1993: 166). Ainda que Perón tenha ganho as eleições em Novembro de 1951 com 62,5% dos votos, esta viragem económica teve repercussões no interior da aliança peronista. Os cortes nos gastos públicos e os seus efeitos no mundo laboral provocaram fortes reacções de protesto dos trabalhadores. Em Abril de 1954, uma greve dos trabalhadores metalúrgicos obrigou o governo a levantar o congelamento dos salários imposto anteriormente, o que ameaçou o Plan de Estabilización. Apesar de se verificar uma recuperação em 1953, o crescimento do PIB não voltaria a alcançar os níveis anteriores a 1949. O aumento do défice público em 1954 levava a suspeitar que a economia argentina podia começar um novo ciclo infernal. Apesar da “vuelta al campo” – implantaram-se várias medidas de protecção e subsídios para os grandes proprietários rurais -, a agricultura


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continuava estagnada e os rendimentos das exportações caíam, provocando um novo défice da Balança de Pagamentos. A análise da economia argentina nesta segunda fase do peronismo tem sido objecto de várias controvérsias. Em relação à primeira fase do peronismo (1946-1949), os autores mostram-se mais ou menos unânimes: definem-na como populista, dada a indiscutível importância da política de redistribuição do rendimento a favor da classe trabalhadora e o decidido apoio à indústria nacional. A partir de 1949, quando a situação económica se agravou, a análise sobre as estratégias eleitas ou os resultados obtidos variam consideravelmente de autor para autor. Todavia, a conclusão mais generalizada é a de que a política económica do governo foi um fracasso. Um fracasso com consequências a longo prazo. Talvez a pior das consequências tenha sido a criação de uma geração de assalariados e empresários que se acostumou a viver na dependência do Estado. Um dos problemas da política industrial peronista foi o substancial proteccionismo que dedicou às indústrias não competitivas, orientadas apenas para o mercado interno. Como explicam os economistas, com o tempo esta política acaba por originar muitas distorções na distribuição dos recursos de capital e trabalho. Uma parte substancial dos lucros obtidos pelo sector agroexportador era transferida para as indústrias não competitivas. Havia um claro problema de acumulação de capital na economia argentina. A aposta numa indústria competitiva teria exigido moderação salarial. Os custos em eficiência e acumulação de capital poderiam ter sido menores se a política distributiva se tivesse baseado em medidas fiscais, em vez de aumentos dos salários (Garcia, 1993). Todavia, convém relembrar que estas demandas sociais haviam sido marginalizadas antes de Perón e era muito difícil controlar politicamente esta situação. A última etapa do peronismo esteve, segundo Rapoport (2000: 383), “(...) lejos de constituir un caos económico como habitualmente se cree.” Em 1955, verificava-se um novo “estallido inflacionário” significativo e o défice público tinha aumentado, mas sem alcançar níveis exorbitantes. O PIB crescia menos do que na primeira etapa, mas crescia a taxas razoáveis. Por isso, “(…) es

probable que la idea de asociar la caída del peronismo a una crisis económica sin precedentes se encuentre anclada en la prédica


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política posterior de quienes apuntaron a justificar el golpe de Estado que derrocó a Perón.” (Rapoport, 2000: 383). Havia, contudo, evidentes tensões estruturais de longo prazo que punham em risco a capacidade de expansão do aparato produtivo. Rapoport considera que o governo estava a começar a corrigir essas falhas estruturais quando foi derrubado. É possível. De qualquer maneira, os empresários, especialmente, os dos sectores agrícola e financeiro, haviam já perdido toda a confiança no regime e não tinham qualquer esperança de salvação dentro do peronismo. Sem surpresa, estavam na primeira linha do golpe militar que derrubou Perón em Setembro de 1955. A tendência de estagnação económica desencadeou uma divisão no seio da coligação de forças que apoiava Perón. Emergiu um conflito entre o, agora, poderoso movimento laboral e a débil burguesia industrial, a qual acabaria por abandonar a aliança. Perón tentou ainda provocar um conflito com a Igreja relacionado com o problema do divórcio e a separação de poderes entre o Estado e a Igreja. Mas esta manobra de diversão não obteve os efeitos desejados, reforçando mais a oposição da classe agroexportadora e de uma parte da classe média. As classes trabalhadoras aceitaram o controlo corporativo do Estado peronista enquanto os seus rendimentos aumentaram, mas, quando a política de redistribuição estabilizou ou desacelerou, tornaram-se uma classe autónoma, fora do controlo de Perón. Na fase final do regime, esta classe estava mais poderosa. Em Setembro de 1955, depois de um golpe militar, autoproclamado de “Revolución libertadora”, Juan Perón exilou-se, primeiro no Paraguai, depois, por pouco tempo, no Panamá e, finalmente, em Espanha até ao seu regresso triunfal em 1973.

9. CONCLUSÃO A Argentina não esteve literalmente estagnada depois da II Guerra Mundial; todavia, a sua economia caracterizou-se por fortes flutuações, em que os anos bons eram quase anulados pelos anos maus. Em 1983, a Argentina já não registava um rendimento comparável ao dos países mais desenvolvidos do mundo – era


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somente um terço do italiano e um sexto do canadiense e ligeiramente superior ao do Brasil, Chile e México (Diamond et al., 1989: 45). A transformação política foi total. Depois de 1930, a Argentina flutuou entre ditaduras militares, regimes populistas e democracias restritivas. De 1930 até ao restabelecimento da democracia liberal em 1983, a Argentina sofreu seis golpes militares: 1930, 1943, 1955, 1962, 1966 e 1976. Neste período, houve 25 presidentes, apesar de a administração de Perón ter durado quase 10 anos (1946-1955). Entre 1955 e 1983, a instabilidade política atingiu níveis críticos. Houve 18 presidentes e somente um não foi apeado do poder – Perón, que morreu em 1974, antes de terminar o mandato. O peronismo foi o ponto de viragem da História Contemporânea argentina. Perón, provavelmente o mais talentoso político argentino do pós-guerra, percebeu que as massas populares emergentes eram uma nova força considerável e argumentava que a sua integração política e económica – através de uma redistribuição dos rendimentos – era a única solução para evitar o comunismo. Pelo menos, Perón brandia este fantasma e apresentava-se como um baluarte contra essa ameaça revolucionária, ameaça que surgia aos olhos de uma parte das elites como bastante credível. A essência do peronismo foi a tentativa, e o fracasso, de incorporar estas forças através de um Estado corporativo. O governo peronista caiu em Setembro de 1955, mas o peronismo manter-se-ia muito activo na vida política argentina. O peronismo sobreviveu à queda do seu governo e tornou-se o eixo de um vigoroso movimento opositor. O golpe militar que derrubou Perón dividiu a sociedade argentina ao meio, sem que nenhuma das partes tivesse força suficiente para impor o seu projecto à outra, mas cada uma tinha a força suficiente para bloquear os projectos da outra. A principal característica do sistema político argentino, a partir de 1955, é a instabilidade (Cavarozzi, 1997). Tanto os governos civis como os militares que se sucederam ao longo deste período estiveram marcados pelo fracasso na consecução dos seus principais objectivos. A Argentina experimentou, nos finais dos anos 1960, uma política neoliberal, que foi, todavia, rapidamente abandonada devido a uma guerra interna e a pressões de vários grupos sociais.


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Houve um enfraquecimento dos sindicatos durante os regimes militares devido às suas lutas ideológicas internas e à vigilância e repressão do Estado. Todavia, foram capazes de manter muitas das práticas populistas intactas e os sindicatos e as empresas públicas tornaram-se ainda mais poderosos. Em suma, a Argentina tornou-se um país ingovernável. Estava presa num impasse, que se tornaria sangrento nos anos 1970, com a guerrilha e o terrorismo de Estado da ditadura militar (1976-1983). A ditadura militar terminaria ingloriamente, na sequência da humilhante derrota militar com o Reino Unido nas ilhas Malvinas (Falkland Islands). A Junta militar viu-se forçada a marcar eleições, que seriam ganhas em Dezembro de 1983 por Raúl Alfonsin, do Partido Radical. A democracia era restabelecida em tempos muito difíceis. Décadas de populismo e ingovernabilidade tinham deixado um legado de pesado endividamento externo e inflação, incompatível com os ventos do liberalismo em voga. Verdade que a Argentina susteve a mudança enquanto foi possível, mas a mudança foi, essencialmente, imposta de fora, por esse fenómeno chamada globalização. Timidamente, Alfonsin deu os primeiros passos, e Carlos Menem, com entusiasmo, implantou, nos anos 1990, as reformas de liberalização, privatização e desregulação. Curiosamente, Menem é membro do Partido Justicialista, o partido fundado nos anos 1940 por Juan Perón.

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86 Diamond, Larry e Juan J. Linz, “Introduction: Politics, Society, and Democracy in Latin America”, Democracy in Developing Countries,vol.4, Latin America, in Diamond, Larry, Linz, Juan e Lipset, Seymour Martin (org.), Lynne Rienner, Boulder (Colorado), 1989, 158. Garcia, Mª Esther del Campo, Estrategias de Desarrollo y Crisis Políticas en Argentina y Chile, Tesis Doctoral, Facultad de Ciencias Políticas y Sociología, Universidad Complutense de Madrid, Madrid, 1993 Girbal-Blacha, Naomi M., ”El populismo, el ascenso del peronismo al poder y las características de la “Nueva Argentina”, Estado, Sociedad y Economía en la Argentin (1930-1997), in Naomi M. Girbal-Blacha., Adrián Gustavo Zarrilli y Juan Javier Balsa (org.), Universidad Nacional de Quilmas Editorial, Buenos Aires, 69-112, 2004 Hirschman, Albert O., “The Political Economy of Latin American Development: Seven Exercises in Retrospection”, Latin American Research Review, vol. XXII, 3, 1987, Pittsburgh, 7- 37 North, Douglas C., Institutions, Institutional Change, and Economic Performance, Cambridge University Press, New York, 1990 O’ Donnell, Guillermo, Modernization and Bureaucratic Authoritarianism: Studies in South American Politics, Berkeley, University of California, Institute for International Studies, 1973 O’ Donnell, Guillermo e Phillip C. Schmitter, Transitions from Authoritarian Rule: Tentative Conclusions about Uncertain Democraties, John Hopkins University Press, Baltimore, 1986 Pang, Eul-Soo, The Internacional Political Economy of Transformation, in Argentina, Brazil, and Chile since 1960, Palgrave Macmillan, New York, 2002 Rapoport, Mario, Historia Económica, Política y Social de la Argentina, Ediciones Macchi, Buenos Aires, 2000 Valente, Vasco Pulido, “O que é o populismo?”, Público, 6 de Outubro de 2007, 2007 Vitelli, Guillermo, Los Dos Siglos de Argentina, Prendergast, Buenos Aires, 2000 Waisman, Carlos H., “Argentina: Autarkic Industrialization and Illegitimacy”, Democracy in Developing Countries,vol.4, Latin America, in Larry Diamond, Juan Linz y Seymour Martin Lipset (org.), Boulder: Lynne Rienner, 59- 109, 1989 Ward, John, Latin America, Development and Conflict since 1945, Routledge, London, 1997 Weffort, Francisco C., O Populismo na Política Brasileira, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1978


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ACCOUNTABILITY E SUSTAINABILITY NAS

AQUISIÇÕES DE BENS E SERVIÇOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ACCOUNTABILITY AND SUSTAINABILITY IN GOODS AND SERVICES PURCHASES OF PUBLIC ADMINISTRATION RESPONSABILIDAD Y CONTINUIDAD EN LAS ADQUISICIONES DE BIENES Y SERVICIOS DE LA GERENCIA PÚBLICA Fátima David (sdavid@ipg.pt) * Rute Abreu (ra@ipg.pt) ** Francisco Carreira (f.carreira@spr.ips.pt) *** Paula Heliodoro (pvalerio@esce.ips.pt) ****

RESUMO Actualmente, as organizações, em geral, e a Administração Pública, em particular, deparam-se com uma crescente especificidade das funções a desenvolver, assim como com uma elevada complexidade das operações inerentes aos procedimentos concursais que devem seguir na aquisição de bens, serviços e empreitadas. Assim, esta investigação tem por objectivo analisar os factores considerados na tomada de decisão sobre essas adjudicações na Administração Pública Portuguesa, fundamentados numa actuação socialmente responsável e nos conceitos de accountability e sustainability. Para o efeito, realiza-se uma análise empírica baseada nos procedimentos concursais publicados no 4º trimestre de 2006 pelas entidades públicas sujeitas à aplicação do Decreto-Lei nº 59/99, de 2 de Março, que regulava o regime jurídico das empreitadas de obras públicas, e do Decreto-Lei nº 197/99, de 8 de Junho, que estabelecia o regime de realização de despesa pública com locação e aquisição de bens e serviços, bem como da contratação pública relativa à locação e aquisição de bens móveis e serviços. Os resultados da análise empírica evidenciam, por um lado, uma elevada sofisticação tecnológica e comportamental, e, por outro, a necessidade de controlo dos gastos públicos, como condição indispensável à transparência dos actos das entidades públicas. Contudo, este controlo aumentou frequentemente os processos burocráticos, que acabaram por


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dificultar a obtenção de respostas rápidas e flexíveis que seriam desejáveis à satisfação das necessidades dos cidadãos. Palavras-chave: Accountability; Sustainability; Aquisição; Administração Pública.

ABSTRACT Organizations, in general, and Public Administration, in particular, face a growing specificity of tasks to develop, as well as, high operations complexity related to bidding procedures to be followed when they purchase goods and services. The aim of this research is to analyze the underlying factors of the decision-making process of the Portuguese public administration. Also, it is focus on a socially responsible behavior and on both concepts of accountability and sustainability. For that, the empirical analysis is based on the disclosure procedures published in the 4th quarter of 2006 by public authorities subject to the application of Decree-Law nº 59/99 of March 2, which regulates the legal regime of public works contracts, and Decree Law nº 197/99 of 8 June, establishing performance of the system of public expenditure with lease and purchase of goods and services and public procurement on the lease and purchase of goods and services. The results discover the high technological and behavior sophistication, and the need of public spending control as essential condition of the public authorities’ acts transparency. However, this control often increased the bureaucratic procedures that ultimately hinder the achievement of rapid and flexible responses that would be desirable to meet the needs of Citizens. Keywords: Accountability; Sustainability; Purchase; Public Administration.

RESUMEN Las organizaciones, en general, y la administración pública, en particular, poseen una especificidad creciente en las tareas a desarrollar, así como una elevada complejidad de las operaciones relacionadas con los procedimientos de adquisición por concurso público de bienes, servicios y adjudicación de obras públicas. El objetivo de esta investigación es la de analizar los factores fundamentales del proceso decisorio de la administración pública portuguesa. También, se centra en un comportamiento socialmente responsable y en ambos conceptos de responsabilidad y sostenibilidad. Para eso, el análisis empírico se basa en los procedimientos de adjudicación publicados en el cuarto trimestre de 2006 por las entidades públicas según aplicación del decreto-ley nº 59/99, de 2 de marzo, que regulaba el régimen jurídico de las


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adjudicaciones de obras públicas, y del decreto-ley nº 197/99, de 8 de junio, que estabelecía el régime de gasto público de leasing y adquisición de bienes y servicios, bien como la contratación pública relativa al leasing y aquisición de bienes muebles y servicios. Los resultados del análisie empírico evidencian, por un lado, una elevada sofisticación tecnológica y comportamental, y, por otro, la necesidad de control de los gastos públicos, como condición indispensable a la transparencia de los actos de las entidades públicas. Sin embargo, este control aumentó frecuentemente los procesos burocráticos, que acabaron por dificultar la obtención de respuestas rápidas y flexibles que serían deseables a la satisfacción de las necesidades de los ciudadanos. Palabras clave: Responsabilidad; Sostenibilidad; Adquisición; Administración Pública.

* Doutora em Contabilidade e Fiscalidade (Universidad de Salamanca - US), Mestre em Gestão (Universidade da Beira Interior UBI), Lic. Gestão de Empresas (UBI). Professora Adjunta da Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico da Guarda (ESTG-IPG). ** Doutoranda em Avaliação de Empresas (US), Mestre em Engenharia Industrial (Universidade Nova de Lisboa), Lic.Gestão de Empresas (UBI). Professora Adjunta da ESTG-IPG. *** Doutor em Ciencias Económicas y Empresariales (Universidad Autónoma de Madrid), Mestre em Gestão (Instituto Superior de Economia e Gestão-Universidade Técnica de Lisboa) Lic. Organização e Gestão de Empresas (Instituto Superior de EconomiaUniversidade Técnica de Lisboa). Professor Coordenador da Escola Superior de Ciências Empresariais do Instituto Politécnico de Setúbal. **** Mestre em Contabilidade e Auditoria (Universidade de Évora), Lic. Organização e Gestão de Empresas (Universidade Moderna). Assistente da Escola Superior de Ciências Empresariais do Instituto Politécnico de Setúbal.


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1. INTRODUÇÃO As organizações, em geral, e a Administração Pública, em particular, deparam-se actualmente com uma crescente especificidade das funções que têm que desenvolver, assim como uma elevada complexidade das operações inerentes aos procedimentos concursais para aquisição de bens e serviços, ao envolverem, por um lado, alta tecnologia, e ao exigirem, por outro, o controlo dos gastos públicos, como condição indispensável à transparência dos seus actos. Confiar no princípio do equilíbrio ou do controlo da despesa pública constitui um imperativo no desenho de sistemas de informação contabilística responsáveis, sendo este princípio particularmente relevante em entidades que adoptam um modelo de decisão descentralizado (Modell e Lee, 2001). Este controlo é tanto mais pertinente, quanto maior for a quantidade e volume financeiro associados à contratação pública de empreitadas, fornecimentos de bens e prestações de serviços, sempre tendo em conta a relevância da actividade administrativa contratualizada, bem como o indispensável controlo da despesa pública. Para a concretização do equilíbrio das contas públicas, os responsáveis das entidades da Administração Pública centram a sua actuação na motivação em gerar um melhor desempenho e na satisfação pelo dever cumprido, contribuindo para o bem-estar colectivo (Hofstede, 2003). Para isso, à semelhança do defendido por Rascão (2001: 71), considera-se que esses responsáveis necessitam de informação para a tomada de decisões, uma vez que “a informação reduz a incerteza ao gestor e, como consequência, reduz o risco para a empresa”. Assim, confirma-se o papel activo dos gestores públicos, em lugar de um papel passivo, uma vez que assumem maiores responsabilidades, quer nos sistemas de informação contabilística, quer na prestação de contas, ao evidenciarem informações relevantes sobre o custo, desempenho, normas e metas consideradas oportunas para os decisores-chave das entidades (Pettersen e Solstad, 2007). Neste sentido, o sector público está cada vez mais envolvido no desenvolvimento de sistemas de informação e comunicação orientados para o cliente/utilizador (Bruno et al., 2005), tendo por objectivo responder de forma mais eficiente e efectiva aos procedimentos impostos pelo normativo legal.


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Esta investigação centra-se, inicialmente, no Regime Jurídico dos Contratos Públicos para aquisições de bens, serviços, locações e empreitadas (ponto 2). De seguida, através da evidência empírica das principais variáveis explicativas do referido normativo, identifica quais os factores subjacentes ao processo de tomada de decisão adoptado pela Administração Pública Portuguesa, considerando os conceitos de accountability1 (ponto 3) e sustainability (ponto 4). A análise realizada tem por base a consulta de todos os procedimentos publicados no Diário da República (Série II, Parte Especial, nº 1 - Contratos Públicos), no período de Outubro a Dezembro de 2006. Por último, tecem-se algumas considerações finais, que pretendem ser o corolário da análise realizada (ponto 5).

2. O REGIME JURÍDICO DOS CONTRATOS PÚBLICOS PARA BENS E SERVIÇOS O Código dos Contratos Públicos (CCP), que estabelece a disciplina aplicável à contratação pública e ao regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo, no alinhamento das mais recentes directivas comunitárias, foi aprovado pelo Decreto-Lei (DL) nº 18/2008, de 29 de Janeiro (MOPTC, 2008)2, e entrou em vigor a 30 de Julho de 2008. Este Código representa um esforço de modernização a três níveis: investigação e desenvolvimento; permeabilidade à evolução tecnológica e às possibilidades oferecidas pelas vias electrónicas; e a própria evolução jurídica e sua articulação com áreas conexas, nomeadamente as relacionadas com o financiamento do projecto de aquisição (project finance), o financiamento do processo de aquisição de bens, serviços e empreitadas (acquisition finance) e a gestão financeira de activos (asset finance). 1

Importa referir que os conceitos de accountability e sustainability não têm tradução directa para a língua portuguesa, na medida em que não se lhes pode atribuir um conceito que expresse com suficiente abrangência a noção inglesa que lhe está implícita e que os autores pretendem evidenciar neste artigo. 2 Rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 18-A/2008, de 28 de Março (PCM, 2008).


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O CCP procedeu, em primeiro lugar, à transposição das Directivas 2004/17/CE (CE, 2004a) e 2004/18/CE (CE, 2004b)3, relativas à coordenação dos processos de adjudicação de contratos. Em segundo lugar, pretendeu seguir uma linha de continuidade relativamente aos principais regimes jurídicos em vigor, à data, em Portugal e que este Código revogou (DL nº 59/99, DL nº 197/99 e DL nº 223/2001), os quais constituíram a matriz da contratação pública nos últimos anos, de forma a garantir segurança e estabilidade jurídica aos operadores económicos nas aquisições de empreitadas, bens e serviços. A este propósito, entende-se por contratos de empreitada de obras públicas: “os contratos públicos que têm por objecto quer

a execução, quer conjuntamente a concepção e a execução, quer ainda a realização, por qualquer meio, de trabalhos relacionados com uma (...) obra que satisfaça as necessidades especificadas pela entidade adjudicante” (CE, 2004b: 126). Enquanto, por «obra» se entende: “o resultado de um conjunto de trabalhos de construção ou de engenharia civil destinado a desempenhar, por si só, uma função económica ou técnica” (CE, 2004b: 126).

Face a este novo quadro legal, o primeiro diploma revogado foi o DL nº 59/99, de 2 de Março (MEPAT, 1999)4, que regulava o regime jurídico das empreitadas de obras públicas. Em conformidade com o nº 5 do artigo 2º desse diploma, o âmbito da sua sujeição não se restringia, apenas, às entidades públicas, como seria naturalmente expectável, mas compreendia também qualquer instituição que beneficiasse directamente de um financiamento do Orçamento do Estado superior a 50%. O segundo diploma revogado foi o DL nº 197/99, de 8 de Junho (MF, 1999), que estabelecia o regime de realização de despesas públicas com locação e aquisição de bens e serviços, bem como da contratação pública relativa à locação e aquisição de bens móveis e serviços, sendo de aplicação exclusiva para as entidades públicas, conforme o seu artigo 2º. Já o terceiro diploma revogado, o DL nº 223/2001, de 9 de Dezembro (MES, 2001), particularizava para os sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações os procedimentos a observar na contratação de empreitadas, 3 Alteradas pela Directiva 2005/51/CE (CE, 2005a) e rectificadas pela Directiva 2005/75/CE (CE, 2005b). 4 Alterado pela Lei nº 163/99, de 14 de Setembro (AR, 1999) e pelo DL nº 159/2000, de 27 de Julho (MES, 2000).


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fornecimentos e prestações de serviços. Assim, a contratação pública em bens e serviços assentava fundamentalmente, até 30 de Julho de 2008, nos dois diplomas legais anteriores a este último. Quadro 1. Entidades Adjudicantes previstas nos Diplomas Legais DL nº DL nº DL nº 197/99 18/2008 59/99 (nº 1, (artigo 2º) (artigo 2º) artigo 3º)

Entidades Adjudicantes

Estado

Institutos públicos

Associações públicas

Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira

Associações de que façam parte autarquias locais ou outras pessoas colectivas de direito público

Empresas públicas e sociedades anónimas maioritária ou exclusivamente públicos

capitais

Concessionárias de serviço público, sempre que o valor da obra seja igual ou superior ao estabelecido para efeitos de aplicação das directivas da União Europeia nesta matéria

Autarquias locais administrativa

e

outras

entidades

sujeitas a tutela

de

Entidades definidas no nº 2 do artigo 3º do DL nº 59/99, assim como as associações dessas entidades

Fundações públicas

Associações de que façam parte uma ou várias das pessoas colectivas referidas nas alíneas anteriores, desde que sejam maioritariamente financiadas por estas, estejam sujeitas ao seu controlo de gestão ou tenham um órgão de administração, de direcção ou de fiscalização cuja maioria dos titulares seja, directa ou indirectamente, designada pelas mesmas

Entidades definidas no nº 2 do artigo 2º do DL nº 18/2008, assim como as associações dessas entidades

Fonte: MEPAT (1999: 1103), MF (1999: 3173) e MOPTC (2008: 763).

Pese embora estes diplomas transpusessem Directivas Comunitárias para o quadro legal português, em concreto a Directiva 93/37/CE (CE, 1993) e a Directiva 97/52/CE (CE, 1997), do Parlamento Europeu e do Conselho, visando garantir a concorrência no espaço europeu, constata-se que o DL nº 18/2008 veio recuperar alguns dos entendimentos previstos no DL nº 59/99, já que era mais abrangente (e logo mais subjectivo) que o


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DL nº 197/99, ao contemplar as empresas públicas, as sociedades anónimas de capitais maioritária ou exclusivamente públicos, as concessionárias de serviços públicos e outras entidades (Quadro 1). Já em relação ao estabelecimento de princípios e orientações fundamentais, em termos de conduta por parte dos membros das comissões de abertura ou análise dos procedimentos, verifica-se que o DL nº 18/2008 segue o proposto no DL nº 197/99, ao identificar oito princípios (Quadro 2). Contudo, o actual diploma deixa de explicitar o princípio da estabilidade5, possivelmente como resultado do ambiente turbulento e competitivo em que as organizações actuam. Quadro 2. Princípios Fundamentais na Contratação Pública por Diploma Legal Princípios Orientadores

DL nº 59/99 (artigo 6º)

DL nº DL nº 197/99 18/2008 (artigos 7º a (preâmbulo; 15º) artigo 1º)

Legalidade e prossecução do interesse público

Transparência e publicidade

Igualdade

Concorrência

Proporcionalidade

Boa fé

Estabilidade

Responsabilidade

Imparcialidade

Fonte: MEPAT (1999: 1104), MF (1999: 3174-3175) e MOPTC (2008: 755, 763).

A contratação pública é composta por diferentes tipos de procedimentos, que dependem, quer do tipo de aquisição, quer do valor-base6 da adjudicação, implicando diferentes formas de actuar por parte dos funcionários ou agentes da Administração Pública. A este propósito, o nº 1 do artigo 6º do DL nº 18/2008 prevê como 5

De acordo com o nº 1 do artigo 14º do DL nº 197/99, “os programas de concurso, cadernos de encargos e outros documentos que servem de base ao procedimento devem manterse inalterados durante a pendência dos respectivos procedimentos”

(MF, 1999: 3175). Entendido, à luz do artigo 17º do CCP, como o preço máximo que a entidade adjudicante se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações que constituem o objecto do contrato a celebrar (MOPTC, 2008: 768).

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tipos de contratos: empreitada de obras públicas; concessão de obras públicas; concessão de serviços públicos; locação ou aquisição de bens móveis; e aquisição de serviços (MOPTC, 2008). Para a formação dos contratos pode adoptar-se, segundo o artigo 16º do DL nº 18/2008, um dos seguintes tipos de procedimentos: ajuste directo; concurso público; concurso limitado por prévia qualificação; procedimento de negociação; e diálogo concorrencial (MOPTC, 2008). Este último procedimento foi introduzido no normativo legal nacional pelo actual CCP, para ser adoptado quando “o contrato a celebrar, qualquer que seja o seu objecto, seja particularmente complexo, impossibilitando a adopção do concurso público ou do concurso limitado por prévia qualificação” (MOPTC, 2008: 755). Cada um dos possíveis procedimentos é justificado pelo próprio processo de actuação das entidades da Administração Pública. Assim, o Quadro 3 identifica, a título de exemplo, os tipos de procedimentos de formação de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis e de serviços que podem ser adoptados e os montantes subjacentes a esses mesmos procedimentos. Da análise do Quadro 3 é possível concluir, por uma parte, que a introdução do CCP reduziu o número de procedimentos previstos nos anteriores diplomas, bem como as exigências a cumprir em termos de montantes. Por outra parte, que a escolha do «ajuste directo» só é permitida, actualmente, para contratos de valor inferior a 75.000,00€, sem consulta a potenciais entidades, quer para a aquisição de bens e serviços, quer para a locação. E que a escolha do «concurso público» ou do «concurso limitado por prévia qualificação» permite a celebração de contratos de qualquer valor, excepto quando os respectivos anúncios não sejam publicados no Jornal Oficial da União Europeia, caso em que só permite a celebração de contratos de valor inferior a 249.000,00€, conforme alínea b) do artigo 7º da Directiva nº 2004/18/CE (CE, 2004b). Por seu lado, o Quadro 4 apresenta o articulado dos diplomas no que se refere aos critérios de adjudicação no «concurso público» e no «concurso limitado por prévia qualificação», sendo que todos os diplomas defendem os mesmos critérios para os dois tipos de concurso.


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Quadro 3. Tipos de Procedimentos e Montantes inerentes à Contratação Pública por Diploma Legal DL nº 197/99 DL nº 18/2008 (artigo 80º, 81º) (artigo 20º)

Tipologia do Procedimento

DL nº 59/99 (artigo 48º)

Ajuste directo: consulta obrigatória a 5 entidades

Não explicitado

< €49,879,79

Não explicitado

Ajuste directo: consulta obrigatória a 3 entidades

< €24.939,89

< €24.939,95

Não explicitado

Ajuste directo: consulta obrigatória a 2 entidades

Não explicitado

< €12.469,95

Não explicitado

< €4.987,98

< €75.000,00

Ajuste directo: sem consulta obrigatória < €4.987,98 Concurso público

Qualquer valor

> €124.699,47

Qualquer valor

Concurso limitado por prévia qualificação

Qualquer valor

Complexidade técnica

Qualquer valor

< €124,699,47

< €74.819,68

< €249.000,00

Não explicitado

< €124.699,47

Não explicitado

< €44.891,81

< €74.819,68

Não explicitado

Não explicitado

Não explicitado

Qualquer valor

Concurso limitado: sem publicidade previa de anúncio Procedimento de negociação: publicidade previa de anúncio

com

Procedimento de negociação: publicidade previa de anúncio

sem

Diálogo concorrencial

Fonte: MEPAT (1999: 1110), MF (1999: 3188) e MOPTC (2008: 767-768)

Quadro 4. Critérios de Adjudicação na Contratação Pública por Diploma Legal Concurso limitado por prévia qualificação DL O critério no qual se baseia a adjudicação é o da proposta economicamente mais nº 59/99 vantajosa, implicando a ponderação de factores variáveis, designadamente o (art. 105º, preço, o prazo de execução, o custo de utilização, a rendibilidade, a valia técnica 128º) da proposta e a garantia. Concurso público

A adjudicação é feita segundo um dos seguintes critérios: a) O da proposta economicamente mais vantajosa, tendo em conta, entre outros e DL consoante o contrato em questão, factores como o preço, qualidade, mérito nº 197/99 técnico, características estéticas e funcionais, assistência técnica e prazos de (art. 55º) entrega ou de execução; b) Unicamente o do mais baixo preço. DL nº 18/2008 (art. 74º)

A adjudicação é feita segundo um dos seguintes critérios: a) O da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante; b) O do mais baixo preço. Fonte: MEPAT (1999: 1121, 1125), MF (1999: 3183) e MOPTC (2008: 783)

É visível que, consoante o tipo de bem, serviço ou empreitada que esteja em análise, a entidade da Administração Pública opta pelo conjunto ou mix de factores que mais se coadunam com esse tipo de bem, sendo certo que o «preço» será


97

o factor que estará normalmente presente e que não será de descurar. Efectivamente, na adjudicação de bens de consumo corrente e nas aquisições ou empreitadas de reduzido montante e baixa complexidade técnica será utilizado, muito provavelmente, o «preço» como único critério, em concreto o seu valor mais baixo. Para além de que, a adopção deste critério único de adjudicação facilita em termos temporais os processos de aquisição, ao dispensar a audiência previa e, consequentemente, evitando eventuais reclamações e recursos hierárquicos. Por oposição, na adjudicação de determinados bens de equipamento e empreitadas de elevado montante serão utilizados vários factores de adjudicação, uma vez que o «preço» como critério único não será, possivelmente, o elemento que proporciona a melhor opção de adjudicação. Face ao regime jurídico português da contratação pública em locação e aquisição de bens e serviços e empreitadas, importa desenvolver uma análise empírica sobre a realidade portuguesa, com vista a identificar as variáveis explicativas e os respectivos factores na tomada de decisão. Esta tomada de decisão é tanto mais importante quanto maiores forem as suas repercussões na entidade, devendo permitir a quem decide optar, sempre, entre diferentes alternativas. Segundo Rascão (2001: 36), “na tomada de decisão é importante analisar todos os factores e subfactores externos e internos com a consequente identificação das oportunidades e ameaças para a organização, tendo em conta os objectivos, a estratégia e as políticas da organização”.

3. ACCOUNTABILITY NAS AQUISIÇÃO DE BENS E SERVIÇOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Uma vez apresentado o normativo legal relativo à contratação pública nas aquisições de bens, serviços, locações e empreitadas em Portugal, vai averiguar-se, através da evidência empírica, quais as principais variáveis explicativas do referido normativo e os factores subjacentes, ou seja, os critérios de adjudicação, no processo de tomada de decisão adoptado pela Administração Pública nessas adjudicações, fundamentados numa


98

actuação

socialmente

responsável

accountability e sustainability.

e

nos

conceitos

de

Para a concretização deste objectivo, a análise realizada tem por base a consulta de todos os procedimentos publicados no 4º trimestre de 2006, independentemente do seu valor, no Diário da República (Série II, Parte Especial, nº 1 - Contratos Públicos), pelas entidades públicas sujeitas à aplicação do DL nº 59/99, que regulava o regime jurídico das empreitadas de obras públicas, e do DL nº 197/99, que estabelecia o regime da contratação pública relativa à locação e aquisição de bens móveis e serviços. Neste sentido, registaram-se 793 procedimentos, distribuídos por 19 entidades abrangidas pelos dois DL, sendo que: - a divulgação mensal dos procedimentos, no 4º trimestre de 2006, correspondeu a: 305 em Outubro (38% do total da amostra), 312 em Novembro (40% do total da amostra) e 176 em Dezembro (22% do total da amostra); - os concursos públicos analisados registaram diferentes valor-base, o valor mais baixo foi 5.000,00€ e o mais elevado foi 23.000.000,00€; - o «preço» surge, em regra, como o principal factor de decisão no momento de adjudicação, nomeadamente: em 99% dos casos, quando se indicam os vários factores e respectivas ponderações; e em 94% dos casos, quando se referem os factores em termos qualitativos. Da análise dos resultados é possível concluir que, as entidades que mais procedimentos lançaram no trimestre em análise foram as Autarquias Locais (379 procedimentos, correspondendo a 47,8% do total), seguindo-se o Ministério da Saúde (191 procedimentos, correspondendo a 24,1% do total), tendo as demais Entidades uma fraca expressão, conforme ilustra o Quadro 5. Em termos de valor-base, verifica-se que 70% dos procedimentos lançados pelas Autarquias Locais têm valores superiores a 175.607.000,00€, sendo que os Hospitais e Centros Hospitalares remetem, em regra, para o caderno de encargos o valor dos procedimentos publicados. Quanto à natureza do procedimento, 324 procedimentos foram relativos à prestação de serviços (41%), 286 a empreitadas (36%) e 183 a fornecimento de bens (23%). A título de exemplo, uma análise detalhada dos procedimentos para prestação de


99

serviços (Quadro 6) permite concluir que aqueles que têm maior significado são os serviços de refeições (20%), os serviços de manutenção (17%), os serviços de limpeza e de tratamento de resíduos (11%, individualmente) e os serviços de educação (10%). Quadro 5. Entidades Adjudicantes - 4º trimestre de 2006 Tipologia do Procedimento

Presidência Conselho Ministros (PCM)

9

Ministério Administração Interna (MAI)

27

%

%

1,1%

Ministério Obras Publicas Transp. Comunic. (MOPTC)

Tipologia do Procedimento

1

0,1%

3,4%

Ministério Trabalho Segurança Social (MTSS)

25

3,2%

0,1%

Ministério Educação (ME)

8

1,0%

191

24,1%

Ministério Negócios Estrangeiros (MNE)

1

Ministério Finanças e Administ. Pública (MFAP)

6

0,8%

Ministério Saúde (MS)

Ministério Defesa Nac. (MDN)

25

3,2%

Organismos Autónomos (AO)

39

4,9%

Ministério Justiça (MJ)

13

1,6%

Autarquias Locais (AL)

379

47,8%

Ministério Ambiente Ordenamento Território Desenv. Regional (MAOTDR)

5

0,6%

Região Autón. Madeira (RAM)

24

3%

Ministério Economia Inov. (MEI)

2

0,3%

Região Autón. Açores (RAA)

24

3%

Ministério Agricultura Desenv. Rural Pescas (MADRP)

14

1,8%

Total de Procedimentos

793

100%

Quadro 6. Procedimentos para Aquisição de Serviços - 4º trimestre de 2006 Procedimentos

%

Tipologia do Serviço

Procedimentos

% 6%

Tipologia do Serviço

Serviços de Refeições

65

20%

Serviços de Aluguer

18

Serviços de Manutenção

56

17%

Serviços de Trabalho Temporário

11

3%

Serviços de Limpeza

35

11%

Serviços de Locação Financeira

8

2%

Serviços de Tratamento de Resíduos 35

11%

Serviços de Seguros

7

2%

Serviços de Educação

32

10%

Serviços de Saúde

6

2%

Serviços de Informática

26

8%

Serviços de Transporte

Serviços de Segurança

19

6%

Total de Procedimentos

6

2%

324

100%

Em relação às empreitadas, num total de 286 procedimentos, verifica-se a existência de 156 (55%) procedimentos tendentes à construção de edifícios e de 130 (45%) relativos a estradas. Relativamente aos procedimentos lançados pelas entidades públicas para fornecimento de bens, a grande maioria diz respeito a equipamentos ou bens de consumo corrente para a saúde (81% do


100

total), sendo que os restantes procedimentos têm uma fraca expressão (Quadro 7). Quadro 7. Procedimentos para Fornecimento de Bens - 4º trimestre de 2006 Procedimentos

%

Tipologia do Serviço

Procedimentos

%

Tipologia do Serviço

Equipamentos e bens para a Saúde

148

81%

Equipamento e bens Informáticos

7

4%

Equipamentos e bens para a Educação

3

2%

183

100%

Equipamentos e bens Administrativos

14

7%

Equipamento e bens para a Segurança

11

6%

Total de Procedimentos

No que respeita ao tipo de procedimento adoptado, observa-se que 764 (96%) procedimentos são relativos a «concurso público» e 11 (1,4%) procedimentos dizem respeito a «concurso limitado por prévia qualificação», tendo os restantes tipos de procedimentos uma fraca expressão (Quadro 8). Quadro 8. Tipos de Procedimentos - 4º trimestre de 2006 Tipologia do Procedimento

%

Concurso Público Concurso Limitado por Prévia Qualificação

764

96,4%

11

1,4%

Procedimento por Negociação Procedimento por Negociação com Publicação de Anúncio

5

0,6%

5

0,6%

Tipologia do Procedimento Concurso Limitado com Publicação de Anúncio Procedimento por Negociação sem Publicação de Anúncio

Total de Procedimentos

%

5

0,6%

3

0,4%

793

100%

A opção, na maioria dos casos, pelos concursos públicos não será de estranhar dado que se pretende garantir que não se verificam discriminações nem se concedem vantagens especiais, observando-se os princípios de justiça, equidade, concorrência, transparência e sustentabilidade na contratação pública, bem como de responsabilidade social de todas as entidades envolvidas. Assim, é essencial a percepção, por parte das entidades da Administração Pública, do conceito de accountability definido por Crowther e Rayman-Bacchus (2004: 240), nomeadamente que “(…) uma organização reconhece que a sua acção afecta o ambiente externo, e, por conseguinte, assume a responsabilidade pelos efeitos das suas acções”. Por conseguinte, o processo da contratação pública em bens e serviços está suportado nos valores pessoais e culturais que


101

cada funcionário, equipa de análise ou comissão tem, em termos de experiência profissional e ética. Como refere Schapper et al. (2006), os conceitos de transparência e responsabilização são cada vez mais significativos na Administração Pública. Quanto aos critérios de adjudicação, observa-se que a grande maioria dos procedimentos (em concreto, 676) optou pela proposta economicamente mais vantajosa (85% do total da amostra), contra 117 procedimentos que decidiram pelo preço mais baixo (15% do total da amostra). Além disso, em relação aos 676 procedimentos que indicavam como critério de decisão a proposta economicamente mais vantajosa, verifica-se que: 314 (46,4%) procedimentos especificavam quantitativamente os subcritérios de adjudicação, isto é, atribuíam a cada factor uma percentagem específica; 310 (45,9%) procedimentos remetiam para o caderno de encargos; e os restantes 52 (7,7%) procedimentos indicavam qualitativamente os subcritérios de adjudicação, ou seja, especificavam factores sem referência à sua ponderação. Adicionalmente, analisando os subcritérios de adjudicação reflectidos no Quadro 9, pode concluir-se que: - o «preço» é eleito pela quase totalidade dos procedimentos (99% dos casos); - a «qualidade» é indicada por uma parte substancial das entidades como elemento diferenciador (64% dos casos); - o «prazo» de execução ou entrega dos bens ou serviços a contratar é preferido em 39% dos casos; - a «manutenção ou assistência técnica» é tida como factor de decisão em 21% dos casos; - a «garantia» é expressa em 11% dos casos; - os restantes subcritérios (avaliação curricular, impacto ambiental, meios humanos e conhecimentos jurídicos) têm uma expressão insignificante, isto é, em 1% a 3% dos casos. Por conseguinte, ao destacar-se o critério «preço» dos demais critérios na adjudicação da contratação pública, confirmase, por um lado, o cumprimento da obrigação legal imposta pelo DL nº 197/99 à data a que se reportam os dados em análise e, por outro, que a opção pela implementação do e-procurement preconizada no CCP se tornava imperiosa. Através do e-


102

procurement, as empresas disponibilizam electronicamente todos os dados relativos ao processo de compra, pelo que a variável «preço» é uma das variáveis que mais importa integrar dentro das solicitações de compra, com vista à transparência, segurança e confiabilidade dos procedimentos, dada a criação de um sistema de cotação electrónica. Quadro 9. Subcritérios de Adjudicação - 4º trimestre de 2006 Tipologia do Procedimento Preço Qualidade Prazo Manutenção / Assistência Técnica Garantia Avaliação Curricular Impacto Ambiental Meios Humanos Conhecimentos Jurídicos

Total Procedimentos com Critério Adjudicação 314 314 314

Nº Procedimentos que indicam Critério Adjudicação

Importância relativa

313 201 121

99% 64% 39%

314 314 314 314 314

66 34 9 4 7

21% 11% 3% 1% 2%

314

4

1%

Para além destes factores, também a redução de custos constitui um dos factores subjacentes à eleição do e-procurement. De facto, segundo Lopes e Santos (2006: 440), o e-procurement é “uma forma electrónica de conduzir os processos de compra de uma organização, objectivando, entre outros, a redução dos custos, através da eficiência operacional, e a integração da cadeia de fornecimentos, através das facilidades de comunicação de dados”. O e-procurement representa um importante desenvolvimento no processo de compra, ao permitir ganhos de eficiência, em resultado da dimensão e volume dos contratos públicos (Bolton, 2006) e redução de custos (Croom, 2000; Essig e Arnold, 2001; De Boer et al., 2002; Croom e Brandon-Jones, 2005), para além de ser uma oportunidade para as entidades melhorarem internamente a sua função “compras” (Croom, 2000; Croom e Johnston, 2003; Dooley e Purchase, 2006). No entanto, a concretização efectiva das práticas inovadoras do processo de aquisição por via electrónica depende da realização de mudanças ao nível da cultura organizacional do sector público (Lawther, 2007), uma vez que é necessário criar relações de colaboração (Dyer, 2000; Croom e Brandon-Jones, 2007) que justifiquem o sucesso dos procedimentos inerentes à compra.


103

Quanto à dicotomia público/privado, Hardy e Williams (2008: 178) consideram que “o e-procurement público não se restringe a uma simples política de modernização e de e-government, na medida em que responde a situações localizadas e que traduzem prioridades particulares e locais”. Não obstante, apesar do e-procurement público ter semelhanças com o do sector privado, ao centrar-se no valor, competitividade e responsabilização, ele é diferente nos dois sectores devido às implicações em termos do bem-estar social (Panayiotou et al., 2004), pois o e-procurement público tem inerente um conjunto de iniciativas governamentais relacionadas com objectivos políticos, como seja o desenvolvimento da economia e das tecnologias de informação e comunicação. Face a esta nova contextualização das relações económicas e comerciais, em que um número significativo de entidades da Administração Pública identificara, a nível mundial, o e-procurement como uma prioridade da sua agenda de e-government (Vaidya et al., 2006), o Governo português seguiu-lhes o exemplo, a nível nacional. De facto, torna-se fundamental que, num quadro em que o Governo pretende promover a desburocratização, a contratação pública seja desmaterializada, obrigando, entre outras coisas, à criação de um sistema alternativo ao clássico papel, para além de se assegurar um encurtamento nos prazos procedimentais, tanto reais quanto legais (MOPTC, 2008). Assim, o Governo introduziu uma adequada participação procedimental através de meios electrónicos na aquisição de bens e serviços. Estas novas tecnologias e sistemas de comunicação agilizam o processo de tomada de decisão e promovem maiores garantias de isenção, competência técnica, racionalidade limitada, impessoalidade e, consequentemente, aumentam a previsibilidade de actuação e o padrão de comportamento adoptado pelos agentes económicos nas entidades da Administração Pública.

4. SUSTAINABILITY NAS AQUISIÇÃO DE BENS E SERVIÇOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Em termos de conduta por parte dos membros das comissões de abertura ou análise dos procedimentos, o preâmbulo


104

ao CPP prevê princípios que, directa ou indirectamente, se encontram explicitados em distintos artigos ao longo do mesmo Código, que vão ao encontro dos princípios subjacentes às práticas socialmente responsáveis das empresas (privadas e/ou públicas), e previstos no Livro Verde – Promover um quadro europeu para a responsabilidade social das empresas (CCE, 2001). Quadro 10. Tipo de Procedimento por Entidade - 4º trimestre de 2006 Tipo

A

B

C

D

E

F Total

Entidade Presidência Conselho Ministros (PCM)

9

0

0

0

0

0

9

Ministério Administração Interna (MAI)

27

0

0

0

0

0

27

Ministério Negócios Estrangeiros (MNE)

0

0

1

0

0

0

1

Ministério Finanças e Administ. Pública (MFAP)

6

0

0

0

0

0

6

Ministério Defesa Nac. (MDN)

24

1

0

0

0

0

25

Ministério Justiça (MJ)

12

0

0

1

0

0

13

Ministério Ambiente Ordenamento Território Desenv. Regional (MAOTDR)

4

1

0

0

0

0

5

Ministério Economia Inov. (MEI)

2

0

0

0

0

0

2

Ministério Agricultura Desenv. Rural Pescas (MADRP)

14

0

0

0

0

0

14

Ministério Obras Publicas Transp. Comunic. (MOPTC)

1

0

0

0

0

0

1

Ministério Trabalho Segurança Social (MTSS)

25

0

0

0

0

0

25

Ministério Educação (ME)

8

0

0

0

0

0

8

Ministério Saúde (MS)

175

0

7

3

2

4

191

Organismos Autónomos (AO)

38

1

0

0

0

0

39

Autarquias Locais (AL)

372

2

3

1

0

1

379

Região Autón. Madeira (RAM)

24

0

0

0

0

0

24

Região Autón. Açores (RAA)

23

0

0

0

1

0

24

764

5

11

5

3

5

793

Total

de Procedimentos 96,3% 0,6% 1,4% 0,6% 0,4% 0,6% 100% A - Concurso público; B - Procedimento por negociação; C - Concurso limitado por prévia qualificação; D - Procedimento negociação c/ publicidade de anúncio; E - Procedimento negociação s/ publicidade de anúncio; F - Concurso limitado s/ publicidade de anúncio;

Por outro lado, também os três princípios de responsabilidade social defendidos por Schaltegger et al. (1996), nomeadamente sustainability, transparency e accountability, se encontram reforçados no DL nº 18/2008, com vista a um


105

desenvolvimento sustentável. De acordo com Crowther e RaymanBacchus (2004: 239), a sustainability “refere-se ao efeito que as medidas tomadas no presente têm sobre as opções disponíveis no futuro. Se os recursos são utilizados, no presente, então eles não vão estar disponíveis para uso no futuro, sendo isto particularmente preocupante uma vez que os recursos são finitos”. A preocupação com o carácter limitado dos recursos ganha conteúdo quando se trata de uma entidade da Administração Pública, uma vez que a dimensão política e estratégica dos Governos pode condicionar a adopção de comportamentos socialmente responsáveis por parte de cada entidade. Robertson (2001) vai mais longe ao afirmar que, a sustentabilidade económica deve remeter para um futuro sustentável, não só no sentido restrito das relações económicas, mas também a nível social e ambiental. A estes efeitos, importa realizar a análise cruzada dos resultados (Quadro 10). A análise do Quadro 10 permite concluir que as Autarquias Locais e o MS, ao serem as entidades com mais procedimentos de contratação pública realizados, são também as entidades que mais recorrem ao procedimento de «concurso público» (547 procedimentos, correspondendo a 72% do total desses concursos). No entanto, este procedimento é o que mais acolhe as opções seleccionadas pelas distintas entidades adjudicantes, denotando a preocupação das mesmas em cumprir, por um lado, as imposições legais, e, por outro, os critérios de transparência que todo o processo concursal exige. No que concerne à natureza dos procedimentos adoptados, isto é, à intenção de realizar empreitadas e/ou adquirir bens e serviços (Quadro 11), verifica-se que: - as autarquias locais foram as entidades que mais recorreram às empreitadas (81% do total das empreitadas realizadas no período e 30% do total de procedimentos), sendo que as restantes entidades assumiram 19% do total das empreitadas, das quais as mais expressivas foram a RAA (9 procedimentos) e o MS (8 procedimentos); - o MS foi a entidade que mais se destacou no fornecimento de bens, com 137 procedimentos (75% do total de fornecimentos), seguindo-se as autarquias locais e o MAI;


106

-

as autarquias locais realizaram 137 procedimentos de aquisições de serviços (42% do total de aquisições), seguidas, a larga distância, pelo MS, com 46 procedimentos (14% do total de aquisições).

Os valores apresentados no Quadro 11 remetem para a criação de infra-estruturas a cargo das autarquias locais, com vista ao desenvolvimento sustentável das populações, nomeadamente através da melhoria das suas condições de saúde, educação, habitabilidade, cultura e lazer, que, para além de crescimento económico, permitem a satisfação das necessidades básicas, materiais e imateriais (Bilhim, 2004). Quadro 11. Natureza do Procedimento por Entidade - 4º trimestre de 2006 Natureza

Empreitadas

Fornecimento de Bens

Prestação de Serviços

Total

Entidade

%

%

%

Presidência Conselho Ministros (PCM)

5

2%

1

1%

3

1%

9

Ministério Administração Interna (MAI)

2

1%

10

5%

15

5%

27

Ministério Negócios Estrangeiros (MNE)

0

0%

0

0%

1

0%

1

Ministério Finanças e Administ. Pública (MFAP)

3

1%

0

0%

3

1%

6

Ministério Defesa Nac. (MDN)

7

2%

1

1%

17

5%

25

Ministério Justiça (MJ)

6

2%

2

1%

5

2%

13

Ministério Ambiente Ordenamento Território Desenv. Regional (MAOTDR)

2

1%

0

0%

3

1%

5

Ministério Economia Inov. (MEI)

1

0%

0

0%

1

0%

2

Ministério Agricultura Desenv. Rural Pescas (MADRP)

0

0%

0

0%

14

4%

14

Ministério Obras Publicas Transp. Comunic. (MOPTC)

0

0%

0

0%

1

0%

1

Ministério Trabalho Segurança Social (MTSS)

1

0%

2

1%

22

7%

25

Ministério Educação (ME)

2

1%

1

1%

5

2%

8

Ministério Saúde (MS)

8

3%

137

75%

46

14%

191

Organismos Autónomos (AO)

3

1%

8

4%

28

9%

39

231

81%

11

6%

137

42%

379

Região Autón. Madeira (RAM)

6

2%

3

2%

15

5%

24

Região Autón. Açores (RAA)

9

3%

7

4%

8

2%

24

Total

286

100%

183

100%

324

100%

793

de Procedimentos

36%

Autarquias Locais (AL)

23%

41%

100%


107

Quadro 12. Subcritérios de Adjudicação por Entidade - 4º trimestre de 2006 Remete p/ Caderno Encargos

Adjudicação (com %)

Adjudicação (Sem %)

Não aplicável

Presidência Conselho Ministros (PCM)

2

7

0

0

9

Ministério Administração Interna (MAI)

1

8

4

14

27

Ministério Negócios Estrangeiros (MNE)

1

0

0

0

1

Ministério Finanças e Administ. Pública (MFAP)

3

0

0

3

6

Ministério Defesa Nac. (MDN)

11

3

0

11

25

Ministério Justiça (MJ)

0

9

0

4

13

Ministério Ambiente Ordenamento Território Desenv. Regional (MAOTDR)

1

3

0

1

5

Ministério Economia Inov. (MEI)

0

1

0

1

2

Ministério Agricultura Desenv. Rural Pescas (MADRP)

9

0

0

5

14

Ministério Obras Publicas Transp. Comunic. (MOPTC)

0

1

0

0

1 25

Total

Ministério Trabalho Segurança Social (MTSS)

8

7

0

10

Ministério Educação (ME)

3

1

1

3

8

152

20

9

10

191

Ministério Saúde (MS) Organismos Autónomos (AO)

12

18

5

4

39

Autarquias Locais (AL)

96

221

16

46

379

Região Autón. Madeira (RAM)

7

7

7

3

24

Região Autón. Açores (RAA)

4

8

10

2

24

Total

310

314

52

117

de Procedimentos

39%

40%

7%

15%

793 100 %

Em termos de critérios de adjudicação, constata-se que: dos 310 procedimentos que remetem para o caderno de encargos, 49% são do MS e 40% das Autarquias Locais; dos 314 procedimentos que indicam quantitativamente os subcritérios de adjudicação, 70,4% são das autarquias locais; e dos 52


108

procedimentos que indicam qualitativamente os subcritérios de adjudicação, 30,8% são das autarquias locais e 19,2% da Região Autónoma dos Açores (Quadro 12). Por conseguinte, às entidades públicas é exigido que pratiquem políticas de responsabilidade social, implicando a identificação de metas e objectivos face aos esforços e resultados que se pretendem alcançar e, assim, possam garantir a sua própria sustentabilidade. Assim, a utilização de critérios transparentes, de que é exemplo o procedimento de «concurso público» (Quadro 10), e de subcritérios objectivos de adjudicação, como sejam o «caderno de encargos» e a «Adjudicação com %» (Quadro 12), obriga as entidades da Administração Pública a adoptar preocupações ambientais, sociais, politicas, económicas e financeiras nos processos concursais de aquisição de bens, serviços e empreitadas.

5. CONCLUSÃO Os resultados da análise empírica identificaram, por um lado, uma elevada sofisticação comportamental, quer das entidades adjudicantes, quer dos «concorrentes», principalmente ao serem definidos os factores que influenciam a avaliação dos seus acontecimentos do passado, as suas decisões do presente e as estimativas do futuro, com vista a responderem às necessidades da entidade aquando da tomada de decisões e a delinear a respectiva estratégia, bem como os procedimentos concursais. Também, a aplicação destes factores permite a promoção da ética, deontologia profissional e responsabilidade social, e, acima de tudo, garante a observância do conceito de accountability, na estrita aplicação dos princípios de legalidade, transparência, igualdade, livre concorrência, imparcialidade, proporcionalidade e boa fé. Mas as exigências a este nível vão mais longe, porque a qualidade dos sistemas de informação implicam a isenção de erros materiais, fraudes, omissões e juízos prévios, com vista a existirem processos concursais objectivos e imparciais face às necessidades da entidade. Assim, no contexto da entidade pública, deve ser estabelecida uma base que permita a reestruturação organizacional e contabilística, criando o (re)equilíbrio entre os novos elementos tecnológicos e os obsoletos processos burocráticos. A sofisticação


109

tecnológica resulta da necessidade de tratar de forma normalizada a informação de todas as entidades, para permitir o seu estudo no tempo e no espaço, para além de garantir a sustainability das entidades. Adicionalmente, essa sustainability obtém-se através do controlo dos gastos públicos, que se desenvolve como condição indispensável à transparência dos actos das entidades públicas. Além disso, desenvolver um comportamento com perspectiva empresarial ou similar no sector público, não deve, nem pode, ser o objectivo de uma determinada entidade ou Governo, em particular, pois deve constituir-se como uma Grande Opção do Plano para todo o sector público e para toda a sociedade, dada a sua completa integração numa economia globalizada. Contudo, este controlo implica, por vezes, o aumento dos processos burocráticos, que acabam por dificultar a obtenção de respostas rápidas e flexíveis, que seriam desejáveis à satisfação das necessidades dos cidadãos. Estes reclamam, frequentemente, eficácia nos resultados, eficiência na forma de execução e economia nos procedimentos, através da optimização dos recursos, com vista a concretizar as melhores contratações públicas em bens e serviços. De facto, accountability e sustainability são factores inerentes à tomada de decisão e, principalmente, ao cumprimento dos princípios e características de responsabilidade social, os quais não podem originar (des)equilíbrios nas entidades da Administração Pública. Para isso, medidas como o combate preventivo às ocorrências de fraude e corrupção na Administração Pública, o incentivo à implementação de processos de aquisição assentes em pilares de desenvolvimento sustentável e o constante controlo e avaliação dos procedimentos de aquisição de bens e serviços por parte da Administração Pública são urgentes e indispensáveis.

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113

COMO O CONFLITO E AMBIGUIDADE DE TAREFA INFLUENCIAM O BURNOUT E O DESEMPENHO INDIVIDUAL: UM ESTUDO NO SECTOR HOSPITALAR AS THE CONFLICT AND AMBIGUIDADE OF TASK INFLUENCE THE BURNOUT AND THE INDIVIDUAL PERFORMANCE: ONE STUDY IN THE HOSPITAL SECTOR COMO EL CONFLICTO Y AMBIGÜEDAD EN LA TAREA INFLUÍ EL BURNOUT Y LO FUNCIONAMIENTO INDIVIDUAL: UNO ESTUDIO EN EL SECTOR HOSPITALAR Susana Leal (susana.leal@esg.ipsantarem.pt) * Jorge Faria (jorge.faria@esg.ipsantarem.pt) ** Tânia Jacinto (tania.vargas@hotmail.com) ***

RESUMO Tendo por base os dados obtidos junto de colaboradores de um hospital português, este estudo investiga os efeitos do conflito de tarefa, ambiguidade na tarefa e burnout no desempenho individual. Replicamos o trabalho desenvolvido por Karatepe e Uludag (2008) em Chipre do Norte. Os dados foram obtidos através de um inquérito por questionário. Os resultados obtidos são similares, não obstante as diferenças entre culturas e tipo de serviço. A ambiguidade de tarefa diminui o desempenho, enquanto o conflito de tarefa não o influencia. Tal como no estudo de Karatepe e Uludag (2008), os resultados sugerem: (i) que a reduzida realização pessoal exerce uma influência negativa no desempenho individual, o mesmo não acontecendo com as restantes dimensões de burnout; (ii) tanto o conflito de tarefa, quanto a ambiguidade aumentam o cansaço emocional e a despersonalização; (iii) a ambiguidade na tarefa apresenta uma relação positiva e significativa com a reduzida realização pessoal, mas o conflito de tarefa não. Palavras-Chave: ambiguidade na tarefa, conflito de tarefa, burnout, desempenho individual, trabalhadores hospitalares.


114

ABSTRACT Based on data obtained from hospital employees in Portugal, this study looks into the effects of role ambiguity, role conflict and burnout on job performance. We replicate the work done by Karatepe e Uludag (2008) in Northern Cyprus. Data were collected with a survey by questionnaire. Although it focuses different cultures and kind of service, the findings are similar. It was found that role ambiguity decreased job performance while role conflict does not influence it. Like in the study of Karatepe e Uludag (2008), the results indicated: (i) that diminished personal accomplishment exerted a significant negative influence on job performance whereas the rest of the burnout dimensions did not; (ii) that both role conflict and ambiguity exacerbated emotional exhaustion and depersonalization; (iii) that role ambiguity was found to have a significant positive relationship with diminished personal accomplishment whereas role conflict was not. Keywords: role ambiguity, role conflict, burnout, job performance, hospital employees.

RESUMEN Teniendo por base los datos obtenidos de los colaboradores de un hospital portugués, este estudio investiga los efectos del conflicto de tarea, ambigüedad en la tarea y burnout en el desempeño individual. Replicamos el trabajo hecho por karatepe y uludag (2008) en el norte de chipre donde los datos fueron recogidos mediante la realización de un cuestionario. Aunque haya diferencia entre culturas y el tipo de servicio, los resultados son similares. La ambigüedad en la tarea disminuye la funcionalidad mientras que el conflicto en la misma no lo influencia. Tal como en el estudio realizado por karetepe y udulag (2008) los resultados sugieren lo siguiente: (i) la reducida autorrealización ejerce una influencia negativa en el desempeño individual, mientras que no sucede esto en el resto de dimensiones del burnout; (i) tanto la ambigüedad como el conflicto en la tarea aumentan el cansancio emocional y la disminución de realización personal o autoestima; (iii) la ambigüedad en el trabajo resultó tener una relación positiva y significativa con la reducida autorrealización, pero no en el caso del conflicto de tarea. Palabras-Clave: ambigüedad en la tarea, conflicto en la tarea, burnout, desempeño individual, trabajadores hospitalarios.


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* Doutoranda em Gestão de Empresas (Universidade de Coimbra). Equiparada a Professora Adjunta na Escola Superior de Gestão e Tecnologia do Instituto Politécnico de Santarém, onde lecciona Teoria das Organizações, Comportamento Organizacional e Jogo de Empresa. ** Doutor em Gestão (Universidade de Évora). Professor Coordenador da Escola Superior de Gestão e Tecnologia do Instituto Politécnico de Santarém, onde lecciona Teoria das Organizações e Comportamento Organizacional. *** Licenciada em Gestão de Empresas pela Escola Superior de Gestão e Tecnologia do Instituto Politécnico de Santarém.


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1. INTRODUÇÃO Na sociedade actual, o trabalho é uma actividade que ocupa grande parte do tempo do indivíduo. O trabalho nem sempre possibilita realização profissional (Dejours, 1992) e, por vezes, contribui para desenvolver nos indivíduos a síndrome de burnout. O burnout é uma síndrome caracterizada pelo esgotamento psíquico e emocional, em consequência de trabalho “stressante” e excessivo. O objectivo principal deste artigo é o de procurar reflectir acerca de como o burnout interfere com o desempenho individual dos trabalhadores de um hospital. Para o efeito iremos reproduzir, num contexto hospitalar, o estudo desenvolvido por Karatefe e Uludag em 2008, intitulado “Role stress, burnout and their effects on frontline hotel employees` job performance: Evidence from Northern Cyprus”. Do objectivo geral decorrem os seguintes objectivos específicos: i) relacionar o conflito de tarefa e ambiguidade na tarefa com o desempenho individual dos colaboradores; ii) relacionar o conflito de tarefa e a ambiguidade com as três dimensões de burnout (cansaço emocional, despersonalização, reduzida realização pessoal no trabalho); iii) relacionar as três dimensões de burnout com o desempenho individual dos colaboradores. Para além da presente secção, em que procedemos à apresentação do tema e dos objectivos do presente estudo, procuraremos apresentar, ao longo do artigo, os conceitos relacionados com o conflito e burnout, o modelo conceptual e as hipóteses de investigação, a metodologia adoptada, incluindo a amostra, o questionário e respectiva análise de dados. Apresentamos igualmente o estudo empírico realizado no Hospital Distrital de Santarém, incluindo a análise dos dados, recorrendo para o efeito à análise de consistência interna, análise de correlações e regressão linear múltipla. Por último, procedemos à discussão dos resultados, onde descrevemos a relação entre as variáveis e apresentamos as principais conclusões do estudo.

2. CONFLITO E BURNOUT Um conflito caracteriza-se por escassez de recursos e por um sentimento de hostilidade. É uma situação em que dois ou mais


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objectivos são mutuamente exclusivos, gerando atitudes de stress (Almeida, 2005). A escassez de recursos está relacionada com nunca se poderem realizar todos os objectivos em simultâneo - para que uns tenham algo é necessário que outros não o tenham. Por isso, em situações onde haja mais do que uma pessoa envolvida podem-se desenvolver atitudes de hostilidade (Almeida, 2005). Tradicionalmente, o conflito nas organizações era entendido como evitável, causado por erros da administração/gestão ou até por “provocadores”. O conflito era visto como algo que impedia um desempenho óptimo e contribuía para a desagregação da organização, pelo que a administração deveria promover a sua eliminação. A visão actual entende o conflito como algo inevitável, que pode surgir de inúmeras causas, inclusive da estrutura organizacional. A existência de conflito pode contribuir para a melhoria do desempenho organizacional, cabendo à gestão situar, encontrar e gerir o nível óptimo do conflito organizacional. Este tipo de conflito é habitualmente designado de conflito funcional. Dois dos conceitos relacionados com o conflito são o conflito de tarefa e a ambiguidade de tarefa. Estes conceitos têm sido largamente estudados (e.g. Coetzer e Richmond, 2009; Slattery, Selvarajan e Anderson, 2008; Shirom, Gilboa, Fried e Cooper, 2008) e são os dois causadores de stress mais referidos na literatura. Como é referido por Dimas, Lourenço e Miguez (2005), os conflitos de tarefa englobam situações de tensão vividas no grupo devido à presença de diferentes perspectivas em relação à execução de uma tarefa. Segundo os mesmos autores, a existência de desacordos entre os elementos de um grupo quanto à melhor forma de alcançar os objectivos comuns é inevitável, pois um grupo é constituído por indivíduos que percepcionam a realidade de diferentes maneiras. Em síntese, o conflito de tarefa ocorre quando os indivíduos têm exigências no trabalho incompatíveis com as restantes partes (clientes, colegas de trabalho, gestores) e consideram que é impossível satisfazer todas as exigências do trabalho ao mesmo tempo. A ambiguidade de tarefa tem que ver com a incerteza percepcionada pelos trabalhadores, relacionada com diversos aspectos das suas tarefas (Breaugh e Colihan, 1994); tende a ocorrer quando uma pessoa não está certa quanto aos requisitos da sua tarefa e/ou como realizá-la (Coetzer e Richmond, 2009). Assim, a ambiguidade ocorre quando os indivíduos não têm


118

informação suficiente sobre as expectativas dos seus papéis no seu trabalho ou organização. Como referem Maslach e Jackson (1981, p.99), “os profissionais em instituições de serviços orientadas para as pessoas têm de despender bastante do seu tempo em relacionamentos com outras pessoas. Muitas vezes, a interacção profissional-cliente está centrada nos problemas dos clientes (psicológicos, sociais e/ou físicos) que estão, muitas vezes, carregados de sentimentos de ira, vergonha, medo ou desespero. As soluções para estes problemas nem sempre são óbvias e facilmente obtidas, aumentando a ambiguidade e frustração das situações.” Os profissionais que lidam continuamente com pessoas perante estas circunstâncias estão diante um stress contínuo que poderá conduzir a situações de burnout. Algunss destes profissionais podem ser professores, assistentes sociais, fisioterapeutas, médicos e enfermeiros. Assim, o burnout é uma síndrome de exaustão emocional e cinismo que ocorre frequentemente entre indivíduos que desenvolvem algum tipo de trabalho que envolva pessoas (Maslach e Jackson, 1981). Designa o que deixou de funcionar por exaustão de energia e constitui actualmente um dos grandes problemas psicossociais, despertando interesse e preocupação por parte da comunidade científica e das empresas devido às suas consequências, quer no nível individual, quer organizacional. O burnout é um estado de esgotamento, decepção e perda de interesse pelo trabalho, produz sofrimento no indivíduo e tem consequências sobre o estado de saúde e desempenho dos indivíduos. Também pode ser entendido como uma reacção afectiva ao stress persistente, o qual resulta numa diminuição gradual dos recursos energéticos intrínsecos dos indivíduos ao longo do tempo (Simmons et al., 2009). O trabalho desenvolvido por Maslach e Jackson (1981) permite concluir que o burnout será tanto maior quanto maior for o cansaço emocional, a despersonalização e a reduzida realização profissional. O cansaço emocional entende-se como um processo gradual de perda de energia, que é mais provável acontecer quando o trabalho individual é mais exigente. Caracteriza-se, portanto, por uma falta de energia e um sentimento de esgotamento de recursos (Carloto e Câmara, 2004). Traduz-se por um estado em que o indivíduo se sente interiormente desiludido, sem sucesso, sem esperança e está também abatido fisicamente e sente um estado de fadiga crónica. O conceito está ligado à falta de recursos emocionais, ao sentimento de que não se é útil aos outros, e que


119

não se tem nada para lhes oferecer. A maior causa de exaustão no trabalho é a sobrecarga emocional e o conflito pessoal nas relações. Como afirmam Codo e Vasquez-Menezes (1999, p.242) “é um cansaço de vínculo afectivo na relação indivíduo-trabalho”. O “receio e o temor de voltar ao trabalho no dia seguinte” é um dos sintomas mais comuns (Santini, 2004, p.187). Assim, o cansaço emocional está relacionado com a tensão e o esforço, tanto mental, quanto físico do trabalho “stressante” (Chiu e Tsai, 2006). A despersonalização caracteriza-se por tratar os clientes, colegas e a instituição como objectos. Conforme Codo e VasquezMenezes (1999, p.242), a “despersonalização ocorre quando o vínculo afectivo é substituído por um racional. É um estado psíquico em que prevalece o cinismo ou a dissimulação afectiva, a crítica exacerbada de tudo e de todos os demais e do meio ambiente”. A despersonalização está associada ao desenvolvimento de sentimentos negativos, de atitudes e de condutas de cinismo e/ou indiferença para com as pessoas com quem se trabalha. Estas pessoas são vistas pelos profissionais de maneira desumana devido a um endurecimento afectivo (Gil-Monte, 2003). Conforme Santini, (2004), os sintomas comuns nessa fase são a ansiedade, irritabilidade, desmotivação, descomprometimento com os resultados, alienação e conduta voltada a si mesmo. A despersonalização induz-nos a não considerar os outros como indivíduos, mas sim como objectos. Isso anda frequentemente a par do cinismo e do negativismo. Em suma, a despersonalização referese ao distanciamento do profissional face aos clientes e/ou colegas e ao facto de os ver de forma impessoal. A reduzida realização pessoal no trabalho tem que ver com a pessoa se autoavaliar de forma negativa, muitas vezes associada à diminuição das expectativas de competência e sucesso no seu trabalho. As pessoas sentem-se infelizes com elas próprias e insatisfeitas com o seu desenvolvimento profissional. Experimentam um declínio no sentimento de competência e no êxito no seu trabalho e da sua capacidade de interagir com outras pessoas (Carloto e Câmara, 2004). Esta diminuição no senso da autoeficácia tem sido relacionada com a depressão e com a inabilidade em lidar com o trabalho, podendo ser exacerbada pela falta de suporte social e oportunidades de desenvolvimento profissional.


120

3. MODELO CONCEPTUAL INVESTIGAÇÃO PROPOSTAS ULUDAG (2008)

E HIPÓTESES DE POR KARATEPE E

Seguindo o trabalho desenvolvido por Karatepe e Uludag (2008), segue-se a apresentação do modelo conceptual e das hipóteses de investigação avançadas por estes autores e que propomos replicar neste estudo empírico. De acordo com Hobfoll, (1989) e Lee e Ashforth (1996), citados por Karatepe e Uludag (2008), a teoria da conservação dos recursos (TCR) providencia uma base para a compreensão da relação entre os causadores de stress e as três dimensões de burnout, bem como o impacto destes no desempenho individual. A base desta teoria (TCR) defende que as pessoas procuram obter, reter, proteger e manter os recursos. Os recursos são definidos como os objectos, características pessoais, condições ou energias que são valorizadas pelo indivíduo (Hobfoll, 1989). De acordo com a teoria, o burnout tem maior probabilidade de acontecer quando os recursos das pessoas são ameaçados com sentimentos de perda, ou quando as pessoas não conseguem recuperar recursos após um investimento significativo nos mesmos (Hobfoll, 2001). A teoria pressupõe que o burnout é a reacção ao stress quando as pessoas são incapazes de lidar com as diferentes solicitações que lhe são colocadas. Segundo Karatepe e Uludag (2008), a TCR também fornece uma base para a compreensão da relação entre o cansaço emocional, a despersonalização e a reduzida realização pessoal com o desempenho individual. A TCR sugere que os trabalhadores exaustos emocionalmente têm uma falha de certos recursos e precisam melhorá-los para poderem elevar o seu desempenho individual. De acordo com esta teoria, os trabalhadores podem tentar minimizar a perda dos recursos emocionais ao utilizarem estratégias que os ajudem a usar e conservar os recursos escassos (Karatepe e Uludag, 2008). O modelo de pesquisa do estudo consta na Figura 1. O modelo afirma que tanto o conflito como a ambiguidade nas tarefas aumentam o cansaço emocional, a despersonalização e reduzem a realização pessoal. De acordo com o modelo, as três dimensões de burnout influenciam negativamente o desempenho individual. Posteriormente, o modelo sugere que a ambiguidade nas tarefas diminui o desempenho, enquanto o conflito de tarefa o aumenta.


121

H3a(+)

H1a(+)

Cansaço emocional H4a(-)

Conflito de tarefa

H1b(+)

H1c(+) Despersonalização H2a(+)

Variáveis de controlo: Género; Idade; Escolaridade; Função; Antiguidade; Estado Civil

H4b(-)

Desempenho individual

H2b(+)

Ambiguidade na tarefa

H4c(-) H2c(+)

Reduzida realização pessoal

H3b(-)

Figura 1: Modelo de análise e hipóteses de Karatefe e Uludag (2008) Fonte: Adaptado de Karatefe & Uludag (2008)

Apresentam-se agora as hipóteses de pesquisa do estudo de Karatepe e Uludag (2008). As pessoas que são confrontadas com o conflito e a ambiguidade obtêm cansaço emocional, despersonalização e reduzida realização pessoal. Isto é consistente com a TCR. Existem testemunhos que sustentam os relacionamentos anteriormente mencionados. Assim são propostas as seguintes hipóteses (Karatepe e Uludag, 2008): H1: O conflito de tarefa está positivamente relacionado com (a) cansaço emocional, (b) despersonalização e (c) reduzida realização pessoal. H2: A ambiguidade da tarefa está positivamente relacionada com (a) cansaço emocional, (b) despersonalização e (c) reduzida realização pessoal. Apesar de diversos estudos terem investigado o impacto do conflito no desempenho individual, estes revelam resultados mistos para a relação (Karatepe e Uludag, 2008). Por exemplo, Brown e Peterson (1993) não conseguem relacionar o conflito com o desempenho. MacKenzie et al. (1998) mostraram que os trabalhadores tiveram um desempenho mais baixo quando existia conflito de tarefa elevado. Por outro lado, vários estudos demonstram a relação positiva entre o conflito e o desempenho. Recorde-se que existem conflitos funcionais e disfuncionais. Os conflitos funcionais são aqueles que melhoram o desempenho. O efeito da ambiguidade da tarefa no desempenho individual tem tido


122

relações mais consistentes. Inúmeros estudos e meta-análises demonstraram que os trabalhadores que não possuem informação completa sobre os seus papéis, deveres no trabalho e responsabilidades diminuem o seu desempenho no local de trabalho (Karatepe e Uludag, 2008). Ou seja, se a ambiguidade das tarefas for muito elevada o desempenho individual vem prejudicado. Assim sendo, são propostas as seguintes hipóteses (Karatepe e Uludag, 2008): H3a) O conflito de tarefa tem relação positiva com o desempenho dos colaboradores. H3b) A ambiguidade da tarefa tem relação negativa com o desempenho dos colaboradores. Em linha com a TCR, quando o trabalhador atinge elevados níveis de cansaço emocional, despersonalização e reduzida realização pessoal, o seu desempenho individual tende a diminuir. Isto acontece porque os colaboradores já não possuem recursos adequados para ultrapassar as dificuldades que sustentam os três aspectos do burnout. Todavia, como referem Simmons et al. (2009, p. 237), “embora a relação negativa entre burnout e desempenho individual seja largamente aceite, a sua defesa empírica é limitada”. Karatepe e Uludag (2008) propõem as seguintes hipóteses: H4a) O cansaço emocional está negativamente relacionado com o desempenho individual dos colaboradores; H4b) Despersonalização está negativamente relacionada com o desempenho; H4c) Reduzida realização pessoal está negativamente relacionada com o desempenho. Em síntese, as variáveis em estudo e as hipóteses sugeridas por Karatefe e Uludag (2008) estão ilustradas na Figura 1.

4. METODOLOGIA 4.1. AMOSTRA Para a realização do estudo recorreu-se a uma amostra de trabalhadores do Hospital Distrital de Santarém. O estudo foi devidamente autorizado pelo Conselho de Administração do Hospital. O referido hospital tem 1310 pessoas nos seus quadros. Através de uma amostragem por quotas foram distribuídos 391 questionários. Os questionários foram distribuídos aleatoriamente


123

pelos colaboradores proporcionadamente às funções desempenhadas (médicos, enfermeiros, auxiliares de acção médica, administrativos, entre outros). Na sondagem por quotas, estabelece-se uma quota para cada estrato que seja proporcional à sua representação na população e assegura-se que um número mínimo de elementos faça parte da amostra, para cada estrato especificado (Reis et al., 2001). Os questionários foram colocados dentro de envelopes de correio interno, anexados a uma carta de autorização do Conselho de Administração e uma nota de serviço, e dirigidos aos vários departamentos do hospital. A devolução dos questionários foi feita gradualmente com os envelopes dirigidos ao Serviço de Higiene e Segurança no Trabalho. Os questionários foram preenchidos de forma voluntária, anónima e confidencial. Foram devolvidos 149 questionários devidamente preenchidos, o que corresponde a uma taxa de resposta de 38,11%. Os 149 questionários representam 11,37% da população do hospital. Caracterização da amostra. Cerca de 76% dos inquiridos são do género feminino. A idade média é 38 anos (desvio-padrão de 10). Quanto ao nível de escolaridade, 77% dos inquiridos possuem bacharelato, licenciatura ou habilitação superior, 7% ensino secundário e os restantes habilitações inferiores. No que diz respeito ao estado civil, 64% dos colaboradores são casados ou vivem em união de facto, sendo os restantes solteiros (26%), divorciados (9%) e viúvos (1%). No que diz respeito à função desempenhada, 48% dos inquiridos são enfermeiros, 17% auxiliares da acção médica, 9% médicos, 8% administrativos, 6% técnicos e terapeutas, 6% técnicos superiores, 4% administradores e chefias e os restantes provêm de serviços gerais.

4.2. QUESTIONÁRIO Cada funcionário foi convidado a responder a um questionário. Este inclui escalas, para avaliar sete conceitos, cujas características psicométricas foram previamente validadas: conflito de tarefa (e.g. “costumo receber solicitações incompatíveis de duas ou mais pessoas”); ambiguidade nas tarefas (e.g. “sei exactamente o que é esperado de mim” – item com cotação invertida); cansaço emocional (e.g. “sinto-me esgotado/a no fim do dia de trabalho”);


124

despersonalização (e.g. “não me preocupo com o que acontece com certos utentes”); reduzida realização pessoal no trabalho (e.g. “sinto que influencio positivamente a vida de outras pessoas através do meu trabalho” - item com cotação invertida); e desempenho individual (e.g. “os meus colegas vêem-me como um colaborador bastante produtivo”). Os funcionários foram convidados a responder através de escalas de diferencial semântico de cinco pontos (1: “Não se aplica rigorosamente nada a mim”, 2: “Não se aplica”, 3: “Aplica-se alguma coisa”, 4: “Aplica-se muito” e 5: “Aplica-se completamente a mim”). Foi utilizado o mesmo questionário do estudo de Karatefe e Uludag (2008), cujas questões foram retiradas e/ou adaptadas de Rizzo et al. (1970) para o conflito e ambiguidade de tarefa, e de Maslach e Jackson (1981) para o burnout. Este foi traduzido e adaptado para português. Para a escala de desempenho individual foram seleccionados cinco dos itens de Staples, Hulland, e Higgins (1999), uma vez que a escala do estudo que procuramos replicar não era adequada para o ambiente hospitalar. Apresenta-se na tabela nº1 o resultado do alpha de Cronbach (indicador de consistência interna) para as escalas utilizadas. Alguns dos itens foram excluídos da análise com o objectivo de melhorar a consistência interna das escalas. À excepção do conflito de tarefa, todas as outras variáveis apresentam boa consistência interna (alpha superior a 0,7). Tabela 1-Análise da consistência interna INICIAL Alpha de Nº Cronbach de Itens

FINAL Alpha de Nº Cronbach de Itens

Conflito de tarefa

0,512

6

0,589

5

Ambiguidade na tarefa

0,683

5

0,715

3

Cansaço emocional

0,858

8

0,869

6

Despersonalização

0,761

5

0,761

5

0,708

7

0,716

6

0,773

5

0,773

5

Reduzida realização pessoal Desempenho individual

Exemplo de item Costumo receber solicitações incompatíveis de duas ou mais pessoas Sei exactamente o que é esperado de mim. (*) Sinto-me esgotado/a no fim do dia de trabalho Sinto que trato alguns utentes de forma muito impessoal (i.e. como se eles fossem objectos) Trato os problemas dos meus utentes com eficácia. (*) Os meus colegas vêem-me como um colaborador bastante produtivo.

(*) Questão invertida.

A consistência interna do conflito de tarefa é muito baixa (alpha igual a 0,589); não obstante, optou-se por não excluí-la da análise, pois isso prejudicaria a prossecução do estudo. Neste


125

estudo obteve-se consistências internas um pouco inferiores às de Karatefe e Uludag (2008). Foi ainda solicitado aos funcionários que facultassem dados sobre a idade, género, estado civil, nível de escolaridade, função desempenhada na organização e antiguidade, sendo estas introduzidas como variáveis de controlo.

4.3. ANÁLISE DE DADOS Para a realização prática deste estudo, foram aplicadas diversas técnicas de análise de dados, nomeadamente estatística descritiva, análise de consistência interna, correlação linear e regressão linear múltipla. Os cálculos foram operacionalizados com o SPSS (versão 15.0).

5. RESULTADOS Na tabela n.º 2 apresentam-se as médias, desvios-padrão e correlações das variáveis em estudo. Os coeficientes de correlação de Pearson sugerem que os homens denotam maior ambiguidade nas tarefas; os indivíduos mais velhos têm menores níveis de escolaridade, maior antiguidade e evidenciam menor realização pessoal; as pessoas com maiores índices de escolaridade trabalham há menos tempo no hospital e relatam menores índices de desempenho; as pessoas mais antigas na organização registam maiores conflitos de tarefa, estão emocionalmente mais cansadas e têm menor realização pessoal. O conflito de tarefa tem uma correlação positiva com ambiguidade na tarefa, o que era esperado, pois são dois conceitos complementares, e tem uma associação muito forte com o cansaço emocional e com a despersonalização. É de esperar que quanto maior o conflito nas tarefas, maior o cansaço emocional e despersonalização dos indivíduos. A ambiguidade na tarefa está positivamente correlacionada com o cansaço emocional, despersonalização e reduzida realização pessoal e negativamente relacionada com o desempenho individual. Ou seja, é de esperar que quanto maior a ambiguidade na tarefa maior o cansaço emocional, maior a despersonalização e menor a


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realização pessoal. Uma elevada ambiguidade também tende a prejudicar o desempenho individual. Tabela 1- Médias, desvios-padrão e correlações 1.Género (a) 2.Idade 3.Escolaridade (b) 4.Antiguidade 5.Conflito tarefa 6.Ambiguidade tarefa 7.Cansaço emocional 8.Despersonalização 9.Red. realização pessoal 10.Desempenho 1.Género (a) 2.Idade 3.Escolaridade (b) 4.Antiguidade 5.Conflito tarefa 6.Ambiguidade tarefa 7.Cansaço emocional 8.Despersonalização 9.Red. realização pessoal 10.Desempenho

Md 0,24 37,7 --12,4 2,7 2,3 2,6 2,0

d.p. 0,43 9,99 --9,38 2,70 2,32 2,58 2,02

1

2

3

0,03 0,08 0,01 0,10 0,23** 0,06 0,15

-0,31** 0,85** 0,16 0,07 0,13 0,09

-0,17* -0,15 0,13 -0,12 -0,05

2,3

2,33

0,09

0,22**

-0,06

3,6 4

3,63 5

-0,12 6

-0,01 7

-0,21** 8

0,20* 0,03 0,21* 0,14

0,24** 0,57** 0,48**

0,26** 0,41**

0,69**

0,21**

0,13

0,55**

0,49**

0,53**

0,01 -0,03 -0,65** -0,23** * valor p < 0,05; ** valor p < 0,01

-0,35**

9

-0,62**

(a) Feminino – 0; Masculino – 1; (b) Níveis de escolaridade (1-1º ciclo, 2-2º ciclo, 3- 3ºciclo, 4-secundário, 5bacharelato, 6- licenciatura, 7- mestrado/doutoramento).

O cansaço emocional tem uma correlação muito significativa com a despersonalização, ou seja, pessoas que emocionalmente estão mais desgastadas têm maior probabilidade de desligarem do atendimento personalizado. Quanto maior o cansaço emocional menor a realização pessoal e menor o desempenho individual. A despersonalização está positivamente correlacionada com a reduzida realização pessoal e negativamente com o desempenho individual, o que significa que as pessoas quando evidenciam sinais de despersonalização têm menor realização pessoal e menor desempenho individual. A reduzida realização pessoal tem uma correlação negativa com o desempenho individual, ou seja, quanto menor é realização pessoal menor é o desempenho individual. Prosseguiu-se o estudo com a regressão linear múltipla. Esta é uma técnica estatística, descritiva e inferencial, que permite a análise da relação entre uma variável dependente (Y) e um conjunto de variáveis independentes (X´ s).


127

No estudo das variáveis de burnout considerou-se na regressão linear a introdução de variáveis explicativas em duas fases: (1) variáveis de controlo – género, idade, escolaridade1; (2) conflito de tarefa e ambiguidade na tarefa. Para o estudo do desempenho considerou-se a introdução de variáveis explicativas em três fases: (1) género, idade, escolaridade; (2) conflito de tarefa e ambiguidade na tarefa; (3) cansaço emocional, despersonalização e reduzida realização pessoal. Note-se que a metodologia seguida segue de perto a abordagem de Karatepe e Uludag (2008) para permitir a comparação de resultados. Apenas as variáveis de controlo são distintas, pois o sector de actividade da organização estudada é diverso. Cansaço Emocional, Despersonalização e Reduzida Realização Pessoal A tabela nº 3 expõe os resultados da regressão linear múltipla para as dimensões de burnout: cansaço emocional, despersonalização e reduzida realização pessoal. Tabela 3- Resultados da regressão linear para as dimensões de burnout

Género Idade Escolaridade Conflito tarefa Ambiguidade tarefa R2 Ajustado F R2 Change

Cansaço Emocional

Despersonalização

1ª fase

2ª fase

1ªfase

2ª fase

0,062 0,093 -0,099

-0,027 0,017 -0,058 0,524**

0,148 0,071 -0,035

0,036 -0,007 -0,033 0,396**

0,148* 0,7% 1,36 2,7%

32% 14,94** 32%

Red. Realização Pessoal 1ªfase 2ª fase 0,078 0,218* 0,003

0,317** 0,9% 1,46 2,9%

30% 13,85** 30%

-0,042 0,160* -0,080 -0,035 0,565**

3,4% 2,76* 5,4%

32% 14,88** 29%

* p <0,05; ** p <0,01

1

Após alguns cálculos preliminares, detectou-se um eventual problema de multicolinariedade, uma vez que as variáveis idade e antiguidade apresentavam um coeficiente de correlação de Pearson superior a 0,8 o que significa que as variáveis têm uma correlação muito forte entre si. Assim, optou-se por não incluir a variável antiguidade no cálculo para evitar demais problemas desta natureza.


128

Como se pode observar na tabela referida, nenhuma variável de controlo (género, idade, escolaridade) influencia o cansaço emocional, nem na primeira, nem na segunda fase da regressão linear. Assim, pode-se afirmar que nem o género do inquirido, nem a sua idade ou escolaridade influenciam o cansaço emocional. Este, por sua vez, é positivamente influenciado pela existência de conflito de tarefa (beta=0,524; sig<0,01) e pela ambiguidade na tarefa (beta=0,148; sig<0,05). Ou seja, o cansaço emocional será tanto maior quanto maior for o conflito e a ambiguidade na tarefa. Estas duas variáveis têm poder explicativo único de 32% (R2 change; sig<0,01). O modelo é altamente significativo (F= 14,9; sig<0,01). No que se refere à despersonalização, esta comporta-se de forma semelhante ao cansaço emocional, pelo que nenhuma das variáveis de controlo a influencia, tanto na primeira como na segunda fase. A despersonalização é positivamente influenciada pelo conflito na tarefa (beta=0,396; sig<0,01) e pela ambiguidade na tarefa (beta=0,317; sig<0,01). Estas variáveis têm poder explicativo único de 30% (R2 change; sig<0,01). O modelo é altamente significativo (F=13,9; sig<0,01). No que concerne à reduzida realização pessoal, tanto na primeira quanto na segunda, a idade é a única variável de controlo que a influencia. Assim, os trabalhadores com idades superiores tendem a apresentar menor realização pessoal (beta=0,160; sig<0,05). Este resultado, embora possa surpreender é consistente com a literatura (Karatepe e Uludag, 2008). Em Portugal, o recente alargamento da idade de aposentação para os 65 anos, no que respeita aos funcionários públicos, pode ter gerado níveis acrescidos de insatisfação no sector hospitalar, cuja percepção possa ser entendida como uma desvalorização dos papéis desempenhados por profissionais altamente especializados (e.g. médicos e enfermeiros) e, por consequência, reduzir a realização pessoal dos mesmos. Das variáveis de conflito, apenas a ambiguidade na tarefa influencia esta variável (beta=0,565; sig<0,01), ou seja, quanto mais ambígua é a tarefa, menor é a realização pessoal. O conflito de tarefa, quando existe, não prejudica a realização pessoal dos indivíduos. Estas variáveis têm poder explicativo único de 29% (R2 change; sig<0,01). O modelo é altamente significativo (F=14,9; sig<0,01). Em síntese, interessa realçar que o conflito de tarefa e a ambiguidade explicam 32%, 30% e 29% do cansaço emocional, despersonalização e reduzida realização pessoal, respectivamente.


129

Das diferentes variáveis de controlo estudadas, apenas a idade influencia a reduzida realização pessoal, pelo que as pessoas com mais idade apresentam menor realização pessoal. Desempenho Individual A tabela nº 4 expõe os resultados da regressão linear para o desempenho individual. Procedeu-se à análise do desempenho através de três fases. Na primeira fase apenas se considerou as variáveis de controlo. Pode-se constatar que todas influenciam negativamente o desempenho individual, mas apenas a variável escolaridade é significativa (beta=-0,229; sig<0,01). Este resultado surpreende, pois, de acordo com este, quanto maior o nível de escolaridade, menor o desempenho2. Na medida em que se consideraram sete níveis de escolaridade (1: 1º ciclo, 2: 2º ciclo, 3: 3ºciclo, 4: secundário, 5: bacharelato, 6: licenciatura, 7: mestrado/doutoramento), pode ocorrer que haja profissionais altamente qualificados (possuidores do grau de licenciatura e/ou mestrado/doutoramento) com menor experiência profissional e consequentemente desempenho, que profissionais apenas possuidores de habilitações ao nível do bacharelato mas evidenciado maiores níveis de experiência profissional e desempenho (recorde-se que, até há pouco tempo, a carreira de enfermeiro/a era acedida apenas com o bacharelato). Por outro lado, como o desempenho foi medido por uma escala de autorelato, pode acontecer que os indivíduos com maior escolaridade sejam mais exigentes quanto ao seu próprio desempenho, relatando índices mais baixos do mesmo, conduzindo dessa forma a uma relação negativa entre escolaridade e desempenho. Não obstante, esta questão requer um estudo mais detalhado em investigações futuras. Assim, obtivemos uma variância explicada de 4%. O modelo é significativo (Fsig=0,027). Na segunda fase adicionou-se ao modelo duas variáveis, conflito na tarefa e ambiguidade na tarefa. Quanto às variáveis de controlo nenhuma emergiu como significativa, nem a própria escolaridade. Das duas variáveis de conflito verificou-se que apenas a ambiguidade na tarefa é significativa (b=-0,671, sig<0,01). Quanto 2

Note-se que tal resultado já tinha sido sugerido pelo coeficiente de correlação de Pearson entre escolaridade e desempenho (r= 0,213, sig< 0,01).


130

maior a ambiguidade da tarefa menor o desempenho individual. Não há evidências que o conflito de tarefa prejudique ou melhore o desempenho. Estas variáveis explicam 40% (R2 change, sig<0,01) da variância única do desempenho. O modelo, no global, é significativo (Fsig=0,000), ao qual está associado um R2 ajustado de 44%. Tabela 4- Regressão Linear múltipla da variável desempenho individual Sexo Idade Escolaridade Conflito tarefa Ambiguidade tarefa Cansaço emocional Despersonalização Reduzida realização pessoal R2 Ajustado F (sig) R2 Change

1ª fase -0,099 -0,078 -0,229**

2ª fase 0,036 -0,022 -0,122 0,109 -0,671**

3ª fase 0,019 0,045 -0,155* 0,096 -0,433** 0,010 -0,016 -0,415**

4,2% 0,027 6,1%

43,8% 0,000 39,5%

54,7% 0,000 11,5%

* p <0,05; ** p <0,01

Por último, consideramos as variáveis de controlo, as de conflito e as de burnout. Surgiram como significativas a escolaridade (b=-0,155; sig<0,05), a ambiguidade na tarefa (b=-0,433; sig<0,01) e a reduzida realização pessoal (b=-0,415; sig<0,01). O desempenho é negativamente influenciado pela escolaridade dos trabalhadores (já se referiu que este resultado deve ser investigado em futuros estudos), negativamente pela ambiguidade na tarefa e positivamente pela realização pessoal (ou negativamente pela reduzida realização pessoal). As variáveis de burnout são responsáveis por 12% da variância única do desempenho. No global, o modelo é altamente significativo (F= 23,3; sig <0,01) e explica 55% do desempenho. Em síntese, os resultados referentes ao desempenho sugerem que: (i) os indivíduos com habilitações superiores autoreportam menores índices de desempenho; (ii) quanto maior a ambiguidade das tarefas menor o desempenho; (iii) quanto menor a realização pessoal menor o desempenho; (iv) não há evidências de que o conflito na tarefa, o cansaço emocional e a despersonalização afectem o desempenho dos trabalhadores hospitalares.


131

6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 6.1. RELAÇÃO ENTRE VARIÁVEIS E O MODELO DE PESQUISA O modelo de Karatepe e Uludag (2008) afirma que tanto o conflito como a ambiguidade aumentam cansaço emocional, despersonalização e reduzida realização pessoal. De acordo com o modelo, os três factores de burnout influenciam negativamente o desempenho individual. O modelo ainda sugere que a ambiguidade na tarefa diminui o desempenho, enquanto o conflito o aumenta. Os colaboradores das instituições hospitalares estão expostos a um elevado nível de stress e sofrem por vezes de burnout. No entanto, pouco é conhecido acerca da relação entre o burnout e o desempenho individual. Os resultados revelaram-se viáveis para algumas das hipóteses da pesquisa. Especificamente, o conflito e a ambiguidade manifestaram-se capazes de aumentar o cansaço emocional e a despersonalização, obtendo-se relações significativas. Relativamente à hipótese H1, podemos concluir, tanto pela análise da matriz de correlações quanto pelos resultados da regressão linear múltipla, que o conflito de tarefa tem uma relação positiva com o cansaço emocional e com a despersonalização. O estudo corrobora H1a e H1b. No entanto, não existe qualquer relação entre o conflito e a reduzida realização pessoal. Assim, infirma-se H1c. Os resultados da matriz de correlações e da regressão linear múltipla indicam que a ambiguidade na tarefa está positivamente relacionada com o cansaço emocional, despersonalização e reduzida realização pessoal, dando viabilidade empírica às hipóteses H2a, H2b, H2c. Pode verificar-se, através da correlação, que o conflito tem um impacto negativo no desempenho, embora não seja significativo. Através da regressão, verificamos que o conflito tem relação positiva com o desempenho, mas também não é significativa. Logo, infirma-se H3a. Não há evidências que corroborem que o conflito de tarefa melhore ou prejudique o desempenho. Seria de esperar que as tensões vividas no grupo, por existirem diferentes perspectivas em relação à execução de uma tarefa, melhorassem o desempenho individual. Pode-se,


132

todavia, aduzir que a elevada formalização das tarefas, comum nos hospitais, poderá reduzir de forma significativa o conflito de tarefa, diluindo dessa forma o impacte que este tem no desempenho. Tanto os resultados da regressão linear múltipla como os da correlação corroboram que a ambiguidade exerce uma influência negativa no desempenho individual. Corrobora-se H3b. Ao contrário do inicialmente sugerido, os resultados entre o cansaço emocional e o desempenho individual não estão directamente relacionados. H4a é viável atendendo aos resultados da correlação, mas na regressão linear não é possível corroborar esta hipótese. A correlação entre a despersonalização e o desempenho individual é negativa e significativa, mas os resultados da regressão linear não corroboraram a relação. Não é possível corroborar H4b. De acordo com o previsto, a reduzida realização pessoal tem um impacto negativo no desempenho, como podemos constatar nos cálculos da correlação e na regressão linear múltipla. H4c está confirmada. Na figura nº2 sintetizam-se os resultados obtidos. H3a(+)

H1a(+)

Cansaço emocional H4a(-)

Conflito de tarefa

H1b(+)

H1c(+) Despersonalização H2a(+)

H4b(-)

Desempenho individual

H2b(+)

Ambiguidade na tarefa

H4c(-) H2c(+)

Reduzida realização pessoal

H3b(-)

Figura 2-Modelo de investigação com hipóteses significativas Legenda: Seta a cheio – hipótese corroborada; seta a tracejado – hipótese não corroborada


133

6.2. COMPARAÇÃO DE RESULTADOS ENTRE ESTUDO ACTUAL E ESTUDO DE KARATEFE E ULUDAG (2008) Os resultados apresentados nas tabelas nº3 e nº4 e sintetizados na tabela nº5 são, na sua grande maioria, consistentes com os de Karatefe e Uldag (2008). Os resultados indicam que os impactos do conflito de tarefa quer no cansaço emocional, quer na despersonalização, são fortes. No que concerne à reduzida realização pessoal e ao desempenho, o conflito de tarefa parece não os influenciar. Estes resultados são consistentes com os de Karatefe e Uldag (2008), com a excepção do desempenho, pois no estudo destes autores o conflito de tarefa influenciava positivamente o desempenho enquanto no nosso estudo isso não acontece. Note-se que estudos prévios já haviam revelado resultados mistos para a relação entre conflito de tarefa e desempenho (Karatefe e Uldag, 2008), logo as nossas evidências não são totalmente inesperadas. Ademais, é consistente com as conclusões da meta-pesquisa de Brown e Peterson (1993), que não encontraram relações significativas entre estes constructos. Quanto à ambiguidade na tarefa, podemos constatar que não houve alterações face aos resultados de Karatefe e Uldag (2008). Os resultados são consistentes em ambos os estudos, embora os contextos culturais e as realidades organizacionais sejam diferentes. A ambiguidade na tarefa está positivamente relacionada com o cansaço emocional, a despersonalização e reduzida realização pessoal. De acordo com o previsto, a ambiguidade faz decrescer o desempenho. Relativamente ao cansaço emocional e à despersonalização, tanto no estudo de Karatefe e Uldag (2008) como no estudo actual não há evidências que prejudiquem ou melhorem o desempenho auto-relatado. A reduzida realização pessoal tem um impacto negativo e significativo no desempenho, ou seja, o desempenho dos colaboradores decresce com a perda de recursos e com a redução da realização pessoal. Relativamente ao R2, é visível que somente no cansaço emocional apresenta um valor inferior ao do estudo de Karatefe e Uldag (2008); nas restantes variáveis, o estudo actual apresenta coeficientes de determinação melhores que os iniciais.


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Tabela 5-Comparação de estudos Estudo de Karatefe e Ulugad (2008) (1)

Conflito de tarefa Ambiguidade na tarefa Cansaço Emocional

Cansaço Emocional

Despers .

Red. Real. Pessoal

Desemp .

Cansaço Emocion al

Despers .

Red. Real. Pessoa l

Desemp .

+

+

n.s.

+

+

+

n.s.

n.s.

+

+

+

-

+

+

+

Despersonalização Red. Realização Pessoal R2 (2)

Estudo actual (1)

35%

27%

29%

-

n.s.

n.s.

n.s.

n.s.

-

-

30%

34%

33%

34%

57%

Legenda: n.s. relação não significativa; + relação positiva significativa; - relação negativa significativa (1) As relações inerentes às variáveis de controlo não são aqui apresentadas. (2) Inclui o efeito referente às variáveis de controlo.

7. CONCLUSÃO Com a realização deste estudo, procuramos abordar as temáticas do conflito, da ambiguidade e do burnout, realçando a importância das mesmas e o seu impacto no desempenho dos trabalhadores. Apesar de nem sempre se dar ênfase a estes temas, os recursos dos hospitais são maioritariamente humanos e necessitam de se sentir bem no ambiente em que laboram, para assim poderem desenvolver as suas actividades de forma eficiente e eficaz. Relativamente aos resultados das dimensões em estudo, os resultados revelam que o conflito de tarefa e a ambiguidade na tarefa manifestam-se capazes de aumentar o cansaço emocional, a despersonalização e de reduzir a realização pessoal dos colaboradores do hospital. Constatamos que o conflito de tarefa e a ambiguidade explicam 32%, 30% e 29% do cansaço emocional, despersonalização e reduzida realização pessoal, respectivamente. Das diferentes variáveis de controlo estudadas, apenas a idade influencia positivamente a reduzida realização pessoal, pelo que as pessoas com mais idade apresentam menor realização pessoal. Os resultados que respeitam à variável “desempenho individual” sugerem que: i) os indivíduos com habilitações superiores auto-reportam menores índices de desempenho; ii) quanto maior a ambiguidade das tarefas menor o desempenho; iii) quanto menor a realização pessoal menor o desempenho; iv) não há evidências de que o conflito na tarefa, o cansaço emocional e a


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despersonalização afectem o desempenho dos trabalhadores hospitalares. Associado a este resultado está um R2 ajustado de 55%. Quanto às limitações do estudo, há fundamentalmente que referir que: (i) as variáveis independentes e dependentes foram obtidas na mesma fonte, pelo que estudos futuros deverão incluir, de preferência, variáveis dependentes com dados recolhidos noutra origem (por exemplo, serem os superiores hierárquicos a apresentarem uma cotação de desempenho dos seus colaboradores), para evitar eventuais problemas relacionados com a variância do método comum; (ii) a variável conflito de tarefa apresenta uma consistência interna muito fraca (inferior a 0,6), o que requer a sua “reavaliação” no futuro; (iii) quanto à amostra, apesar de incluir 149 colaboradores, seria desejável que o número de pessoas inquiridas fosse maior, tendo em conta o número de colaboradores da instituição, e também seria interessante estender este estudo a outros hospitais, para se verificar as diferenças dentro do mesmo sector.

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DIMENSÃO PRESCRITIVA DO PLANEAMENTO ESTRATÉGICO PRESCRIPTIVE DIMENSON OF STRATEGIC PLANNING DIMENSIÓN PRESCRITIVA DE PLANEAMENTO ESTRATEGICO António José Fernandes (toze@ipb.pt)* Maria Isabel Ribeiro (xilote@ipb.pt)**

RESUMO Este artigo diz respeito à revisão da literatura sobre uma das três dimensões que podem encontrar-se na literatura sobre estratégia e planeamento estratégico. Trata-se da dimensão prescritiva na qual se podem enquadrar os contributos de três escolas, designadamente a Escola do Desenho, a Escola do Planeamento e a Escola do Posicionamento. Apesar de estas escolas terem atingido o auge entre as décadas de 50 e 80 do século passado, a sua força perdura ainda hoje. Efectivamente, na actualidade a sua influência faz-se sentir na generalidade do ensino e da prática desta disciplina. Palavras Chave: Planeamento Estratégico, Dimensão Prescritiva, Escola do Desenho, Escola do Planeamento, Escola do Posicionamento.

ABSTRACT

This article focuses on the literature revision on the prescriptive dimension of strategy formulation. This dimension integrates the contributions of three schools, namely, the Design School, the Planning School and the Positioning School. Nowadays, the force and influence of these schools still remains among the generality of the practice and teaching of this subject. Keywords: Strategic planning, prescriptive dimension, design school, planning school, positioning school.


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RESUMEN Este artículo se refiere a la revisión de la literatura sobre una de tres dimensiones que pueden ser encontradas en la literatura sobre estrategia y planeamiento estratégico. Se analiza la dimensión prescriptiva en la cual se pueden encuadrar las contribuciones de tres escuelas, designadamente, la Escuela del Diseño, la Escuela del Planeamiento y la Escuela del Posicionamiento. Después de que estas escuelas hayan alcanzado el auge entre las décadas de 50 y 80 del siglo pasado, su fuerza perdura todavía hoy. Efectivamente, en la actualidad, su influencia se hace sentir en la generalidad de la enseñanza y de la práctica de esta asignatura. Palabras-Clave: Planeamiento Estratégico, Dimensión Prescriptiva, Escuela de Diseño, Escuela del Planeamiento, Escuela del Posicionamiento.

* Professor Adjunto Equiparado do Instituto Politécnico de Bragança. Doutor em Gestão pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Membro Efectivo do Centro de Investigação de Montanha ** Professora Adjunta Equiparada do Instituto Politécnico de Bragança. Doutora em Economia pela Universidade de Trás-osMontes e Alto Douro. Membro Efectivo do Centro de Investigação de Montanha.


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1. INTRODUÇÃO Este artigo diz respeito à revisão da literatura sobre uma das três dimensões que podem encontrar-se na literatura sobre estratégia e planeamento estratégico. Trata-se da dimensão prescritiva, na qual, segundo Mintzberg (1990), Mintzberg (1994a), Mintzberg (1994b), Mintzberg e Lampel (1999) e Mintzberg et al. (2005), podem incluir-se três escolas da formulação da estratégia, nomeadamente a Escola do Desenho, a Escola do Planeamento e a Escola do Posicionamento. Para Knights e Morgan (1991), as escolas referidas caracterizam-se pelos modelos racionais que, segundo estes investigadores, constituem a ortodoxia da gestão estratégica. Nesta linha, também Calori (1998) considera que, desde o início dos anos 60 até ao início dos anos 80 do século passado, o conteúdo, o processo e as premissas dos modelos de estratégia empresarial se baseavam no paradigma cartesiano, ou seja, no racionalismo moderno. Apesar de estas escolas terem atingido o auge entre as décadas de 50 e 80 do século passado, a sua força perdura ainda hoje, o que justifica a elaboração deste artigo. Efectivamente, na actualidade a sua influência faz-se sentir na generalidade do ensino e da prática desta disciplina.

2. ESCOLA DO DESENHO Para Ghemawat (2002), o excesso de procura registado durante a década a seguir à Segunda Guerra Mundial fez com que as organizações se confrontassem com uma concorrência limitada e, por conseguinte, os conhecimentos acerca da natureza da estratégia caíssem em desuso. Contudo, segundo este investigador, foi nos finais da década de 50 do século XX que as organizações foram confrontadas com um novo factor a ter em conta aquando do planeamento - a concorrência global. Neste contexto, surge a Escola do Desenho que, segundo Mintzberg e Lampel (1999), viria a tornar-se popular e bastante difundida entre meados da década de 60 e meados da década de 70,


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destacando-se os contributos de Learned et al. (1965) e Andrews (1977). Precisamente, para Gouillart (1995), o modelo de análise desenvolvido por Learned et al. (1965), conhecido pelo acrónimo SWOT, marca o planeamento estratégico dos anos 50 e permite identificar os factores que podem afectar os resultados futuros da organização. Segundo Hax e Majluf (1996), o objectivo deste tipo de análise consiste na recomendação de estratégias que assegurem o melhor alinhamento entre o ambiente externo e a situação interna. Para isso, recorre à análise interna e externa da organização. Segundo David (2008), Pearce e Robinson (2007) e Hax e Majluf (1996), a primeira permite a identificação dos pontos fortes e fracos da organização e a segunda identifica as ameaças e oportunidades externas. Consequentemente, permite identificar as competências distintivas e os factores críticos de sucesso da organização que, em articulação com considerações acerca dos valores sociais e organizacionais, conduzem à criação, avaliação e escolha da estratégia. Alternativamente, Weihrich (1982) propõe o uso da matriz TOWS, apresentada na figura 1, como um mecanismo de ligação entre os pontos fortes e pontos fracos da organização e as ameaças e oportunidades do mercado. Para além disso, segundo este investigador, esta base de trabalho permite ainda identificar e formular estratégias. Pontos Fortes (S)

Oportunidades (O)

Ameaças (T)

Pontos Fracos (W)

Estratégia SO

Estratégia WO

Maxi-Maxi

Mini-Maxi

Estratégia ST

Estratégia WT

Maxi-Mini

Mini-Mini

Figura 1: Esquema para a matriz TOWS Fonte: Weihrich (1982)

A estratégia SO é a estratégia ideal que contempla a maximização da utilização dos Pontos Fortes da organização no sentido de retirar o máximo de vantagens das Oportunidades externas. Assim, a estratégia WO é uma estratégia de desenvolvimento conducente à superação dos Pontos Fracos no sentido de retirar vantagens das Oportunidades externas. A


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estratégia ST diz respeito à maximização dos Pontos Fortes da organização de forma a minimizar as Ameaças externas. Finalmente, a estratégia WT contempla a formação de joint-ventures, redução de despesas ou liquidação. Neste contexto, segundo Mintzberg (1994a), o planeamento estratégico surge como a solução para todos os problemas organizacionais. O processo de formulação da estratégia assenta, essencialmente, numa visão conceptual e consciente do líder, cujo objectivo, para Mintzberg et al. (2005), reside na adaptação das capacidades internas das organizações às oportunidades externas. Para Mintzberg (1990), a formulação explícita da estratégia é aplicável, especialmente, em dois contextos distintos. O primeiro situa-se no período de concepção da estratégia de novas organizações e o segundo diz respeito às organizações que se encontram numa fase de transição entre um período de mudança e um período de estabilidade operativa. Tendências e condições ambientais Económicas Fisícas Políticas Sociais

Competências distintivas Capacidades: Financeiras De gestão Funcionais Organizacionais Reputação História

Comunidade Nação Mundo

Recursos organizacionais

Oportunidades E riscos Identificação Inquérito Avaliação do risco

Consideração de todas as combinações

Avaliação para determinar o melhor ajustamento entre oportunidades e recursos Escolha de Produtos e Mercados

Como aumento ou diminuição de oportunidades Identificação de pontos fortes e fracos Programas para aumentar a capacidade

Estratégia económica

Figura 2: Esquema de formação de uma estratégia económica Fonte : Andrews (1977)


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Para Mintzberg e Lampel (1999), a perspectiva desta escola está bem patente na definição, quer de Chandler (1962) quer de Andrews (1977), acerca da formação da estratégia. Por um lado, Chandler (1962) defende que o processo de formação da estratégia tem início na definição dos objectivos de longo prazo para, de seguida, se adoptarem os cursos de acção adequados e, finalmente, fazer-se a afectação dos recursos necessários para levar a cabo tais objectivos. Por seu lado, para Andrews (1977), a formação da estratégia acontece quando a organização consegue adaptar, ainda que apenas no essencial, os pontos fortes e os Pontos Fracos às ameaças e Oportunidades externas, tal como se pode ver na figura 2. Esta base de trabalho foi, segundo Ghemawat (2002), um enorme passo em frente pelo facto de trazer, de uma forma perfeitamente declarada, o pensamento competitivo para as questões da estratégia. Para Mintzberg e Lampel (1999), esta foi a visão dominante relativamente ao processo estratégico até aos anos 70 do século XX, mas a sua força é de tal ordem que, na actualidade, é ainda considerável. De facto, no século XXI pode verificar-se que a sua influência implícita se faz sentir na generalidade do ensino e da prática desta disciplina. Em síntese, para Mintzberg (1990), na Escola do Desenho a formação da estratégia é um processo deliberado de pensamento consciente e controlado. O processo é desenvolvido pelo presidente executivo e deve produzir estratégias claras, simples e únicas, para que, posteriormente, sejam passíveis de serem implementadas. Segundo Wall e Wall (1995), a justificação para tal facto reside nas raízes militares nas quais assenta o planeamento estratégico. Segundo estes investigadores, estes modelos iniciais de planeamento estratégico caracterizavam-se pela sua formalidade e reflectiam a hierarquia de valores e sistemas lineares das organizações tradicionais. Por isso, esta ferramenta da gestão assumiu uma estrutura de grande verticalidade pela qual a gestão de topo era responsável. Era reservado um certo período de tempo para analisar a situação e decidir sobre as linhas de acção. Os resultados eram, posteriormente, formalizados em papel e, finalmente, procedia-se à implementação, que era considerada um processo separado. Ainda segundo Wall e Wall (1995), na Escola do Desenho a ênfase era colocada na coordenação e controlo das actividades, nas quais o desenvolvimento de procedimentos de orçamentação


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financeira funcionava como um mecanismo básico de planeamento. Contudo, a coordenação das decisões de investimento requeriam uma visão mais alargada e, em consequência, surge o planeamento de longo prazo. Este tipo de planeamento baseava-se em previsões económicas e de mercado que passaram a ser a tarefa principal da gestão de topo. Esta poderá ser, segundo Mintzberg e Lampel (1999), a razão por detrás do facto de esta escola não se ter desenvolvido no sentido de dar origem a variantes do seu próprio contexto, mas, pelo contrário, se ter associado a outras visões em contextos distintos. De facto, para Mintzberg (1996a e 1996b), a Escola do Desenho pode representar algum perigo na medida em que fornece um modelo sedutor no qual a racionalidade superficial é, facilmente, promovida, porque, segundo Calori (1998), se apresenta como um respeitável modelo científico. Apesar destas críticas, a análise SWOT é, na actualidade, uma das ferramentas mais usadas sempre que se pretende analisar os ambientes externo e interno das empresas nos mais diversos sectores de actividade económica, tal como o demonstram os trabalhos de Dyson (2004), Paliwal (2006), Yüksel e Dagdeviren (2007), Arslan e Deha Er (2008) e İşgören e Ayla (2009).

3. ESCOLA DO PLANEAMENTO Para Mintzberg (1996a e 1996b), em paralelo com a Escola do Desenho, a Escola do Planeamento cresceu e, apesar do reduzido número de publicações, predominou a partir de meados da década de 70 do século passado. Segundo Mintzberg e Lampel (1999), esta escola perdeu força na década de 80 do século XX, mas, apesar disso, continua a ser um ramo importante da literatura actual. Para estes investigadores, Ansoff (1965), é o precursor da estratégia empresarial na década de 60, porque baseiam o seu contributo na maior parte dos pressupostos da Escola do Desenho, na medida em que é o próprio Ansoff (1991) que se inclui nesta escola. Neste contexto, Ansoff (1977) define planeamento estratégico como uma análise sistemática de diferentes alternativas de futuros possíveis. Por essa razão, o planeamento estratégico inclui a avaliação das tendências ambientais; a determinação de oportunidades e ameaças; o estabelecimento da filosofia


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organizacional; a definição dos objectivos organizacionais; a geração, avaliação e escolha das alternativas estratégicas; e o equilíbrio da carteira de alternativas. Por seu turno, segundo o mesmo investigador, o planeamento operacional inclui a previsão das condições ambientais e da procura futura; o estabelecimento de objectivos de desempenho; o desenvolvimento das orientações do crescimento, a elaboração de comparações com os objectivos; e a escolha da orientação de crescimento. Para Ansoff (1965), o gestor de topo é o arquitecto da estratégia empresarial. Para isso, segundo Ansoff e Brandenburg (1969), o gestor deve preencher, simultaneamente, alguns requisitos, nomeadamente deve ser líder, administrador, empreendedor, estadista e arquitecto do sistema. Para Martinet (1988), a estratégia empresarial foi concebida como um raciocínio dedutivo na linha das funções da gestão enunciadas por Fayol (1984), nomeadamente prever, planear, organizar, coordenar, comandar e controlar. Mais, segundo Mintzberg (1993), a Escola do Planeamento estava orientada para a estabilidade e, por isso mesmo, obcecada pelo controlo. Neste contexto, a análise SWOT servia, igualmente, para guiar as reflexões da gestão do topo num contexto racional, isto é, a decisão precede a acção, é escolhida de entre um grupo de soluções e é baseada num diagnóstico minucioso da organização e do seu ambiente. Para Ansoff (1965), o processo estratégico não é apenas cerebral, mas também formal, pelo que é passível de ser decomposto em passos distintos delineados por checklists e sustentadas por técnicas, nomeadamente no que diz respeito a objectivos, orçamentos, programas e planos operacionais. Por isso, para Ansoff (1965) e Ansoff (1991), o processo estratégico não depende, necessariamente, de um líder. Por esta razão, Mintzberg e Lampel (1999) defendem que foi esta escola que permitiu a ascensão dos especialistas em detrimento da gestão de topo. Segundo Ansoff (1965), a estratégia é desenhada no sentido de permitir a mudança da posição actual para a posição futura, previamente definida pelos objectivos. Esta mudança está sujeita aos constrangimentos, às capacidades e ao potencial da organização. Este modelo enfatiza especialmente dois passos: a análise de hiato e a sinergia. A primeira permite avaliar a diferença ou hiato entre a posição actual e a posição futura definida pelos objectivos. Neste contexto, a organização escolhe a estratégia que


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fecha o hiato de forma substancial. A segunda refere-se à ideia de que a organização deve procurar uma postura produto-mercado de tal forma que a combinação das partes permita obter um desempenho superior à soma das partes. Face ao exposto, para Ansoff (1965), as decisões estratégicas dizem respeito, em primeiro lugar, aos problemas externos e, posteriormente, aos problemas internos da organização. Mais especificamente, envolvem a selecção do composto de produto. Para este investigador, é nesta fase que a organização identifica os produtos que deve produzir e em que mercados deve actuar. Quadro 1: O Vector Crescimento de Ansoff Produtos actuais

Novos produtos

Mercados actuais

Penetração de mercados

Desenvolvimento de produto

Novos mercados

Desenvolvimento de mercado

Diversificação

Fonte: Ansoff (1965), Lin et al. (1993), Peters (1993a e 1993b), Nwankwo e Richardson (1996) e Watts et al. (1998)

Precisamente, a matriz que se apresenta no quadro 1 identifica algumas direcções alternativas que, segundo Ansoff (1965), as organizações podem adoptar para sustentarem o seu desenvolvimento. Como se pode ver, o vector “crescimento” pode assentar numa de quatro estratégias: penetração de mercado, desenvolvimento do produto, desenvolvimento do mercado e diversificação. Segundo Ansoff (1965), Lin et al. (1993), Nwankwo e Richardson (1996) e Watts et al. (1998), a estratégia de penetração de mercado caracteriza-se pela conquista de quota de mercado. Quando o mercado total cresce, a penetração pode ser relativamente fácil de conseguir porque o volume absoluto das vendas de todas as empresas no mercado cresce e um número limitado de organizações não consegue fazer face à procura. Nos mercados estáticos ou em declínio é provável que uma organização que persiga uma estratégia de penetração de mercado enfrente uma competição intensa. Mas, se o cenário for de declínio irreversível da procura, se a organização estiver sobredimensionada, se for afectada adversamente pela pressão competitiva e pela mudança ambiental, ou, ainda, se o custo de oportunidade for tal que a retoma só pode ser conseguida à custa da reafectação de recursos, então a retirada do mercado pode ser a estratégia adequada. Para isso, a organização pode recorrer à venda de parte


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ou de todo o negócio. No caso dos grandes grupos, a estratégia adequada pode ser a concentração, porque permite que recursos demasiado dispersos por demasiados mercados sejam agora direccionados para as actividades nas quais o grupo possui uma vantagem competitiva. Segundo os mesmos investigadores, o desenvolvimento do produto acontece quando a organização está envolvida em modificações substanciais. No entanto, as mudanças no produto actual são conduzidas de forma a manter a base de clientes estabelecida. Nas indústrias que apostam na investigação e desenvolvimento (I&D), o desenvolvimento do produto pode ser o sentido principal da estratégia, porque os ciclos de vida do produto são curtos e porque os produtos novos funcionam como o ponto de partida para a I&D. A estratégia de desenvolvimento de novos produtos envolve fortes necessidades financeiras e, por isso, pode ser arriscada. Ainda segundo os mesmos investigadores, o desenvolvimento do mercado pode incluir a entrada em novas áreas geográficas, promovendo novos usos para um produto existente ou incorporando novos segmentos de mercado. É uma estratégia apropriada quando a característica distintiva das organizações está mais associada ao produto do que ao mercado. Finalmente, a diversificação pode ser classificada como horizontal, vertical e conglomerada. A diversificação horizontal refere-se ao desenvolvimento de actividades que são complementares ou competitivas com as actividades existentes. A integração vertical refere-se ao desenvolvimento de actividades que precedem ou sucedem o processo de produção da organização. A integração vertical a montante ocorre quando a organização entra numa actividade relacionada com o estádio precedente ao seu processo de produção. A integração vertical a jusante ocorre quando a organização entra numa actividade relacionada com um estádio posterior ao seu processo de produção. Por fim, a diversificação conglomerada refere-se à situação em que a nova actividade da organização parece não ter qualquer relação com os produtos ou mercados existentes. As vantagens da diversificação abrangem as economias de custo devido aos efeitos da sinergia; da diversificação do risco; do controlo das fontes de matérias-primas; do controlo dos mercados; do acesso melhorado à informação; da fuga aos mercados em declínio; e da exploração de recursos mal rentabilizados. As desvantagens da diversificação incluem a


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ineficiência devido à perda de sinergia e a ineficiência devido à perda do controlo da gestão. Apesar da sua grande aplicabilidade prática, a matriz produto mercado não tem, na actualidade, proporcionado grande produção científica. Apesar disso, no mundo empresarial é frequentemente usada para definir as estratégias nas quais deverá assentar o crescimento das empresas, como mostram os trabalhos de Adamson (2005), Pleshko e Heiens (2008) e Çakınberk(2009).

4. ESCOLA DO POSICIONAMENTO Para Calori (1998), no final da década de 70 do século XX assistiu-se ao surgimento dos consultores em planeamento que, em conjunto com os gestores e os planeadores, viriam a formar a elite dos estrategas empresariais. Na década seguinte, segundo Teece (1984), a gestão estratégica viria a ser dotada com uma base de trabalho compreensível e detalhada para analisar a competitividade e categorizar as estratégias. De facto, segundo o mesmo investigador, Porter (1980) socorre-se do primeiro e mais visível paradigma da organização industrial, nomeadamente o paradigma estrutura – comportamento – desempenho. Para além disso, Porter (1980) propõe a substituição do “planeamento estratégico” pelo “pensamento estratégico” como a forma de criar e sustentar a vantagem competitiva. Para Mintzberg (1990), esta perspectiva ficou conhecida como a Escola do Posicionamento e dominou, segundo Mintzberg e Lampel (1999), a visão da formulação da estratégia durante a década de 80 sendo Porter (1080) o seu principal protagonista. Para Mintzberg (1994a), esta escola assume uma clara visão analítica do processo, na qual o conteúdo das estratégias é mais importante que o processo em si. Efectivamente, Porter (1996) descreve o processo estratégico como deliberado e dedutivo. Neste contexto, segundo Mintzberg e Lampel (1999), a estratégia resume-se a posições genéricas, seleccionadas através de análises formalizadas de conjunturas industriais, ou seja, o planeador transforma-se em analista. Por essa razão, o modelo das cinco forças competitivas de Porter (1980) tornou-se padrão por permitir a análise do ambiente no qual a organização se insere e, simultaneamente, fazer a avaliação da atractividade da indústria. De


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facto, trata-se de uma ferramenta para auxiliar na estratégia da unidade de negócio e para entender o ambiente externo. Serve também para avaliar a atractividade de um determinado segmento ou de um produto. Segundo Teece (1984), Porter (1980), Ruocco e Proctor (1994), Simkin e Cheng (1997) e Bone-Winkel (1994), as cinco forças competitivas incluem o risco da entrada de novos concorrentes, a ameaça de entrada de produtos substitutos, o poder negocial dos clientes, o poder negocial dos fornecedores e o grau de rivalidade existente entre os concorrentes actuais, tal como se pode ver na figura 3. CONCORRENTES POTENCIAIS

Poder de negociação dos fornecedores FORNECEDORES

CONCORRENTES NA INDÚSTRIA RIVALIDADE Entre as Empresas existentes

Ameaça de novos concorrentes

Poder de negociação dos compradores CLIENTES

Ameaça de produtos ou serviços substitutos PRODUTOS SUBSTITUTOS

Figura 3: Modelo das Forças Competitivas de Porter

Fonte: Teece (1984), Porter (1980), Ruocco e Proctor (1994), Simkin e Cheng (1997) e Bone-Winkel (1994)

Basicamente, para avaliar o risco da entrada de novos concorrentes deve responder-se à seguinte questão: com que facilidade os novos concorrentes começam a competir, ou seja, quais são as barreiras existentes? Esta questão é importante pois, segundo Neves (1997), com excepção daquelas indústrias em que as empresas conseguiram construir importantes barreiras à entrada (“massa crítica” significativa, tecnologia protegida por patentes, elevado custo para criar uma boa imagem no mercado), os sectores onde não seja difícil a um novo concorrente instalar-se têm uma tendência a oferecer margens menos atraentes. Para identificar a ameaça de entrada de produtos substitutos deve verificar-se com que facilidade um produto ou serviço pode ser substituído por outro diferente ou mais barato. De facto, para


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Neves (1997), a própria sobrevivência das empresas num determinado sector ou até mesmo o futuro de uma indústria podem ser completamente postos em causa aquando do desenvolvimento de um novo produto ou tecnologia que ofereça maior “valor” aos clientes, caso as empresas existentes não tenham acesso a esse novo desenvolvimento. O estudo do poder negocial, quer dos clientes quer dos fornecedores permite verificar a maior ou menor capacidade que estes têm para influenciar um determinado sector. Efectivamente, segundo Neves (1997), graças a fenómenos de dependência, resultantes de uma excessiva concentração ou da detenção de um elemento chave, o poder de negociação das unidades a jusante e a montante de uma indústria pode justificar uma partilha desequilibrada do “valor total” criado numa determinada cadeia industrial. Por fim, para avaliar a rivalidade entre as empresas existentes deve verificar-se se existe uma forte concorrência entre elas ou se existe uma ou algumas empresas dominantes. De facto, Neves (1997) considera que, em função do ciclo de vida de uma indústria e da carteira de negócios, podem encontrar-se situações que podem variar do sector disperso que pode identificar-se com o modelo económico de concorrência perfeita até ao oligopólio característico dos mercados dos bens de grande consumo. Como foi referido, o paradigma estrutura – comportamento desempenho esteve, segundo Teece (1984), na base ao modelo das forças competitivas, porque o desempenho (rentabilidade, eficiência, entre outros) das organizações que actuam em determinadas indústrias ou mercados depende do comportamento dos vendedores e dos compradores no que diz respeito às políticas de preços, à coordenação e cooperação implícitas ou explícitas inter-organizações, ao compromisso com a I&D, à publicidade e estratégias de linha de produto, ao investimento em instalações, entre outras. Por seu lado, segundo o mesmo investigador, o comportamento depende da estrutura do mercado, que é determinada pelo número e dimensão dos compradores e vendedores, pelo grau de diferenciação do produto, pela existência de barreiras à entrada de novas organizações na indústria, pelo grau de integração vertical e pelo rácio de custos totais associados à tecnologia da indústria. Ainda segundo Teece (1984), a estrutura do


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mercado e o comportamento são também influenciados por condições básicas. Do lado da procura, incluem-se a elasticidade preço-procura, a disponibilidade de substitutos, as práticas dos compradores, entre outras. Do lado da oferta, as condições básicas incluem a natureza do acesso a matérias-primas, as características das tecnologias e dos processos da indústria, a durabilidade do produto e os custos de transporte e de armazenagem. Outras condições básicas prendem-se com o ambiente no qual a indústria se insere e com a regulação da mesma. Neste paradigma, segundo Teece (1984), o factor crítico reside na estrutura do mercado. Por isso, a ênfase é colocada na exploração das suas muitas facetas com o intuito de estabelecer ligações quer com o comportamento quer com o desempenho. Para Teece (1984), este paradigma é aplicável à análise estratégica, porque permite tratar a teoria normativa da organização industrial como uma teoria positiva da gestão estratégica. Ainda segundo o mesmo investigador, a essência da gestão estratégica, do ponto de vista de uma base de trabalho estruturalista, consiste na protecção da organização, dentro dos limites legais, das forças competitivas. A este respeito, Porter (1980) afirma que o objectivo da estratégia competitiva de uma unidade estratégica de negócio consiste em encontrar a posição na indústria na qual a organização melhor se possa defender das forças competitivas, ou melhor possa aproveitar a influência dessas forças em seu benefício. Por isso, para Hax e Majluf (1996), a análise ambiental é muito importante na medida em que inclui a avaliação da atractividade global da indústria e a identificação de factores que tornam a indústria menos atractiva. Segundo Hax e Majluf (1996), é através da escolha da estratégia que a organização consegue alterar o impacto destas forças em seu proveito. Para Porter (1980), a organização procura ganhar vantagem competitiva que lhe permita ultrapassar os seus rivais e atingir rentabilidades acima da média. Este investigador sugere que o caminho para a vantagem competitiva reside na implementação com sucesso de uma estratégia competitiva consistente. Neste contexto, as estratégias que criam valor resultam da exploração de vantagens competitivas sustentáveis de longo prazo. Segundo Neves (1997), a criação de valor depende da capacidade de tradução destas vantagens competitivas em fluxos monetários futuros. Assim, segundo o mesmo investigador, a avaliação de qualquer estratégia, seja ela de liderança pelos custos,


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seja de diferenciação, deve passar pela previsão dos fluxos monetários daí resultantes. Uma forma de o fazer é, segundo Porter (1980), através da análise da cadeia do valor. Para Martinet (1988), Armistead e Clark (1993) e Neves (1997), este conceito permite decompor a organização nas suas diversas actividades, nomeadamente de concepção, de produção, de comercialização e de distribuição. Segundo Porter (1980), através do uso desta ferramenta podem-se detectar e consolidar os elementos estratégicos capazes de forjar uma vantagem competitiva. No fundo, para este investigador, qualquer estratégia deve conduzir a vantagens competitivas, base da sustentação do valor. Para isso, Porter (1980) aponta três estratégias genéricas, designadamente a liderança de custos, a diferenciação e o enfoque no nicho, às quais se referem inúmeros investigadores. Global Liderança pelos custos

Diferenciação

Mercado Enfoque no nicho Restrito Baixo

Alto Nível de diferenciação

Figura 4: Estratégias Genéricas de Porter Fonte: Porter (1980), Miles e Snow (1986a e 1986b), Martinet (1988), Jennings e Lumpkin (1992), Green et al. (1993), Peters (1993a e 1993b), Stone (1995), Kumar e Subramanian (1998), Hambrick (2003)

Segundo estes investigadores, a organização que persegue uma estratégia de liderança pelos custos procura ultrapassar os seus rivais através da produção de bens ou serviços a um baixo custo. Esta estratégia requer uma quota de mercado elevada que permita o desenvolvimento de economias de escala. Para além disso, esta estratégia exige que os lucros sejam reinvestidos na melhoria do processo produtivo, para que a liderança pelos custos seja sustentável. Segundo estes investigadores, a estratégia de diferenciação consiste na procura de uma vantagem competitiva baseada no desenvolvimento de produtos ou serviços que sejam percebidos pelos clientes como únicos e que, por isso mesmo, estejam dispostos a pagar mais por eles. Para que esta estratégia atinja o sucesso é imprescindível que as necessidades do cliente sejam claramente percebidas e que, para além disso, sejam desenvolvidos esforços de investimento que vão ao encontro a


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essas mesmas necessidades. Ainda segundo os mesmos investigadores, a estratégia de enfoque no nicho difere das outras duas estratégias por ser direccionada no sentido de servir as necessidades de um grupo restrito de clientes ou segmento de mercado. As organizações que perseguem esta estratégia concentram a sua actividade no serviço de determinado nicho de mercado, que pode ser definido em termos geográficos, segmento de linha de produto ou tipo de cliente. Contudo, depois de escolhido o enfoque, a organização pode escolher competir no seu nicho, quer na base do baixo custo, quer na base da diferenciação. Neste caso, a vantagem competitiva é conseguida por melhor se atenderem as necessidades do segmento escolhido, sejam essas necessidades relacionadas com o preço ou com a qualidade. Apesar de tudo, os contributos da Escola do Posicionamento não podem substituir, segundo Martinet (1988), métodos como o uso de matrizes como a BCG, McKinsey, entre outras porque a análise de Porter (1980) limita-se a apenas um segmento ou indústria e, como tal, não se interessa pela estratégia global da organização. Contudo, segundo Green et al. (1993), a tipologia estratégica de Porter (1980) foi geralmente aceite como uma interpretação proveitosa da estratégia ao nível da unidade de negócio. Efectivamente, segundo Green et al. (1993), esta tipologia foi legitimada por ter sido examinada, de forma crítica, a partir de uma grande variedade de perspectivas. Os contributos da Escola do Posicionamento, designadamente o modelo das forças competitivas de Porter (1980), devido à sua importância inquestionável e actualidade, tem proporcionado grande produção científica. Exemplo disso mesmo são os trabalhos de Cox e Bridwell (2007), Smith (2006), Bridwell e Chun-Jui (2005), Zhao (2005), Flower (2004) e Avila (2001), que utilizam esta ferramenta para analisar diferentes indústrias.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS As Escolas Prescritivas, designadamente a Escola do Desenho, a Escola do Planeamento e a Escola do Posicionamento baseadas num processo de visão e concepção analítica, formal, matemática e conceptual, estavam interessadas, essencialmente,


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na forma como a estratégia é formada. Neste contexto, o planeamento estratégico consistia num processo deliberado e dedutivo, liderado pela gestão de topo, que visava a formulação de estratégias claras e simples. Tratava-se, pois, de um processo formal passível de ser decomposto em passos distintos e sustentado por técnicas que permitia posicionar a organização de forma a assegurar o melhor ajustamento entre o ambiente externo e a situação interna da organização. Apesar de os contributos destas escolas terem marcado o período que medeia entre as décadas de 50 e 80 do século passado, a sua força e influência perduraram até à actualidade, podendo ser observadas quer na prática quer no ensino desta disciplina. De facto, as ferramentas produzidas pelas escolas prescritivas são amplamente usadas nos dias de hoje. Apesar disso, vários investigadores, como Fulmer e Perret (1993) consideram que a estratégia não pode ser reduzida às estratégias genéricas, à análise das cinco forças competitivas, à análise SWOT ou ao vector “crescimento”, pois a análise conduz à paralisia da organização numa época em que a intensificação da concorrência é notória e a mudança ocorre cada vez de forma mais rápida.

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ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS: PASSADO, PRESENTE E FUTURO CLIMATE CHANGE: PAST, PRESENT AND FUTURE. CAMBIOS CLIMÁTICOS: PASADO, PRESENTE Y FUTURO. Pedro Miguel Cardoso (p.m.c.cardoso@portugalmail.pt)*

RESUMO: As alterações climáticas são consideradas um importante desafio da actualidade, sintoma de uma crise ambiental mais vasta. Ao longo da sua história o planeta Terra foi palco de inúmeras mudanças climáticas globais. No entanto, pela primeira vez, elas são induzidas pela humanidade. A principal causa destas alterações reside nas emissões de gases com efeito de estufa resultantes das actividades humanas, sobretudo do uso de combustíveis fósseis como fontes energéticas. Tendências como o aumento da temperatura média global, a subida do nível médio do mar, o aumento da frequência de fenómenos meteorológicos extremos demonstram que as alterações climáticas são já uma realidade. Os especialistas têm previsto um conjunto de consequências biofísicas e socioeconómicas para o futuro que apontam para a necessidade urgente de uma acção global no presente. Palavras Chave: alterações climáticas, interferência antropogénica, emissões de gases com efeito de estufa, consequências biofísicas e socioeconómicas.

ABSTRACT: Climate Change is currently considered an important challenge, symptomatic of a vast environmental crisis. Throughout history, planet Earth has hosted innumerable global climate variations. This, however, is the first time they have been generated by humanity. The main cause is linked to the emission of greenhouse gases, especially those produced by the use of fossil fuels as energy sources. Such trends as the increase in average global temperature, the rise of average sea level and the increasing frequency of extreme weather events, show that climate change is a reality. Experts in the field have predicted a set of biophysical and socioeconomic consequences for the future that point to the urgent necessity of concerted global action in the present.


158 Keywords: climate change, anthropogenic interference, greenhouse gases emissions, biophysical and socioeconomic consequences.

RESUMEN Los cambios climáticos son considerados un importante desafío de la actualidad, síntoma de una crises ambiental más vasta. Durante su historia el planeta Tierra fue escenario de numerosos cambios climáticos globales, pero por la primera vez estos son inducidos por la humanidad. La principal causa de estos cambios reside en las emisiones de gases de efecto invernadero que resultan de las actividades humanas, sobretodo del uso de combustibles fósiles como fuentes energéticas. Tendencias como, el aumento de la temperatura media global, el ascenso del nivel medio del mar y el aumento de la frecuencia de fenómenos meteorológicos extremos, muestran que los cambios climáticos son ya una realidad. Los expertos tienen previsto un conjunto de consecuencias biofísicas y socioeconómicas para el futuro que apuntan para la necesidad urgente de una acción global en el presente. Palabras clave: cambios climáticos, interferencia antropogénica, emisiones de gases de efecto invernadero, consecuencias biofísicas e socioeconómicas.

* Licenciado em Psicologia (Variante Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações) pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais (Especialização: Globalização e Ambiente) pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.


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1. INTRODUÇÃO Nas últimas décadas tem-se assistido a uma crescente visibilidade de temas como a sustentabilidade, o equilíbrio ecológico, a degradação ambiental, entre outros, onde a responsabilidade humana aparece em relevo. Podemos dizer que o ambiente se tornou um assunto residente da agenda mediática e social e sobretudo subiu a um patamar inédito de prioridade política e internacional. A obra Silent Spring, da autoria de Rachel Carson, publicada em 1962, foi uma das primeiras que chamou a atenção para o modo como as acções humanas estão a interferir com o ambiente do planeta. Segundo Soromenho-Marques (1998), ela “conseguiu ver a floresta através da árvore”. O autor verificou através do estudo dos riscos do uso de pesticidas como o DDT1, que a raiz do problema “se situava no optimismo arrogante e ignaro com que o poderio técnico tinha sido armado por uma ciência incapaz de se assumir como sabedoria e visão holística da realidade mundana e frágil em que a cultura se ergue e subsiste” (p. 112 e 113). Outros estudos publicados a partir dessa altura também lançaram alertas. Como exemplo pode-se referir o Relatório do Clube de Roma2 sobre os limites do crescimento, publicado em 1972. Este relatório previa que o crescente consumo mundial ocasionaria um limite de crescimento e um possível colapso do ecossistema global. Realizado por uma equipa coordenada pelo professor Meadows, o relatório manifestava a preocupação com as principais tendências do ecossistema mundial: industrialização acelerada, forte crescimento populacional, insuficiência crescente da produção de alimentos, esgotamento dos recursos naturais não renováveis e degradação irreversível do meio ambiente. A sua divulgação teve grande repercussão mundial. A partir daí as questões ambientais foram ocupando lugares centrais nas agendas políticas em todo o mundo. Ao nível estatal

1 Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT) é um pesticida sintético tendo sido largamente usado após a Segunda Guerra Mundial para o combate aos mosquitos causadores da malária e do tifo. 2 Meadows; Meadows; Randers & Behrens (1972); The Limits to Growth.


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criaram-se agências governamentais com responsabilidades de gestão ambiental em quase 100 países durante as décadas de 70 e 80, e ao nível inter-estatal realizou-se em 1972 a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano em Estocolmo, em 1992 a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro e, mais recentemente, em 2002, a Cimeira Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável em Joanesburgo. Como salienta Soromenho-Marques (1998), “a problemática ambiental já ultrapassou, nos planos internacional e nacional, a prova de fogo que distingue as preocupações estruturantes das meras modas conjunturais” (p. 109). Este autor aponta cinco razões que fundamentam esta ideia de que a crise de ambiente não é apenas um problema passageiro e simplesmente funcional: primeira razão, trata-se de uma crise planetária; segunda razão, o ritmo actual de ruptura dos ecossistemas só tem paralelo com as extinções maciças ocorridas há milhares de anos; terceira razão, a sua preocupante dimensão cumulativa torna difícil ou impossível a recuperação dos ecossistemas; quarta razão, a insensibilidade aos alertas obriga por vezes os cientistas a darem um tom trágico às suas projecções; quinta e última razão, a distância entre a complexidade objectiva do problema e o carácter redutor dos nossos instrumentos de representação atrasam a mobilização dos meios materiais e humanos necessários para a realização de um diagnóstico mais preciso da crise ambiental contemporânea. Neste âmbito, vamos abordar uma problemática que ganhou visibilidade nos últimos anos e que é um dos sintomas da crise ambiental que o planeta e a nossa civilização atravessam: as alterações climáticas. Segundo um significativo consenso científico elas representam uma séria ameaça a nível global. A principal causa destas alterações reside nas emissões de gases com efeito de estufa (GEE) resultantes das actividades humanas, sobretudo do uso de combustíveis fósseis como fontes energéticas. O Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas refere que estas emissões e o seu aumento constante são, de facto, responsáveis pelo aumento das temperaturas, que deverá continuar nas próximas décadas, atingindo níveis de cerca de +1,4°C a +5,8°C em todo o planeta até 2100, relativamente às temperaturas de 1990. Neste artigo procura-se fazer um retrato desta problemática. Começaremos por abordar as alterações climáticas que ocorreram


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no passado, em seguida falaremos das mudanças que estão a ocorrer na actualidade e terminaremos apresentando as consequências biofísicas e socioeconómicas dessas mudanças, algumas das quais já se fazem sentir.

2. O CLIMA O clima foi uma variável decisiva no desenvolvimento da vida no planeta Terra e na história da humanidade e das suas culturas. Segundo McMichael, Haines, Slooff e Kovats (1996), ele pode ser definido como as condições meteorológicas médias registadas num local particular, ao longo de um período de tempo específico, como 30 anos. Essas condições meteorológicas incluem a análise estatística dos valores e da variação da temperatura, precipitação, pressão atmosférica, ventos, radiação solar e formação de nuvens. Também incluem informação da frequência e características dos eventos atmosféricos extremos, bem como das variações sazonais. Existem inúmeras evidências de que o clima na Terra tem sofrido significativas alterações ao longo do tempo. Durante os 4600 milhões de anos de existência do planeta Terra ocorreram diversos episódios climáticos de arrefecimento e aquecimento. Segundo Mackenzie e Mackenzie (1995), vários factores contribuem para mudanças no clima: a composição de gases e aerossóis na atmosfera, a quantidade de radiação solar que chega à Terra do Sol, o efeito de parâmetros orbitais nessa quantidade de radiação, a forma e localização dos continentes e oceanos, padrões de circulação atmosfera/oceanos, a interacção de ciclos bio-geoquímicos em ecossistemas (como lagos, tundra, desertos, florestas e pradarias), a reflectividade (Albedo) de diferentes partes da superfície da Terra, eventos naturais catastróficos como explosões vulcânicas, impacto de meteoritos e, finalmente, as actividades humanas.


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3. ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS NO PASSADO Desde a primeira metade do século XIX, cientistas de diferentes disciplinas científicas têm procurado desvendar a história climática do planeta. Neste contexto, Santos (2007a) salienta que “a reconstrução dos climas passados e a identificação das causas das variações climáticas resultou de um longo processo de investigação científica iniciado na primeira metade do século XIX, no qual tiveram um papel de relevo disciplinas como a física, a química e a geologia” (p. 48). Nas últimas décadas, e depois de significativos esforços, os avanços neste domínio têm sido notórios. Os elementos da história climática estão contidos na natureza, nas acumulações de gelo e de poeiras, em sedimentos lacustres e oceânicos, em fósseis de plantas e animais, no registo de antigas linhas de costa, no crescimento de corais, nos anéis de troncos de árvores e de formações calcárias em grutas, assim como em registos escritos e arqueológicos. Através da análise desses elementos podemos recolher pistas sobre climas e ambientes passados. As análises que têm sido efectuadas revelam que ao longo da sua história a Terra foi geralmente um planeta quente, mais quente do que na actualidade. Pelo menos 2 500 milhões de anos de história registados nas rochas sedimentares e seus fósseis revelam evidências desses tempos quentes e também de pequenos períodos frios (Mackenzie e Mackenzie, 1995). Também revelam que nos últimos 650 mil anos o clima da Terra apresentou uma alternância entre períodos glaciais, com uma duração aproximada de 80 mil anos a 100 mil anos, e períodos interglaciais, com uma duração típica de 10 mil a 20 mil anos. O principal mecanismo que tem contribuído para essa alternância são variações na irradiância solar à superfície da Terra provocadas por alterações nos movimentos de rotação e translação da Terra em torno do Sol (Santos, 2007b). Actualmente, vivemos num período interglacial que teve início há cerca de 10 mil anos, durante o qual a temperatura nos últimos 8 mil anos teve apenas variações inferiores a 1 ºC por século. O último período interglacial, designado de Riss-Wurm ou Eemiense, durou cerca de 15 mil a 25 mil anos. Os “estudos paleoclimáticos permitem concluir que nessa época a temperatura nas regiões polares era 3 ºC a 5 ºC mais elevada, o clima era mais húmido e o nível médio do mar estava, provavelmente, 4 a 6 metros


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acima do actual” (Santos, 2007b, p. 475). A última época glacial começou há aproximadamente 120 mil anos e alcançou um máximo há cerca de 20 mil anos. Nessa altura “a temperatura média global da atmosfera era inferior, entre 5 ºC a 7 ºC, à que agora se observa e o nível médio do mar estava 100 a 120 metros abaixo do actual” (Santos, 2007b, p. 318). Pensa-se que esse último máximo glaciário foi um dos mais intensos de sempre, tendo coberto de gelo as regiões montanhosas e vastas áreas da América do Norte e da Europa setentrional. Nos climas frios, ao longo do bordo sul dos glaciares, viviam pequenas comunidades humanas. As pessoas da Idade do Gelo deixaram-nos vestígios de utensílios de pedra e fantásticas gravuras rupestres. No entanto, ao longo de muitos anos a órbita da Terra em torno do Sol sofreu alterações graduais, que levaram à ocorrência de verões mais quentes e, em consequência, os gelos começaram a fundir. Desde o fim da Idade do Gelo, o clima no Hemisfério Norte tornou-se progressivamente mais quente e muito mais estável. Este facto permitiu o rápido desenvolvimento da agricultura e o surgimento das primeiras cidades e civilizações o que teria sido muito difícil de acontecer durante a Idade do Gelo. No entanto é de salientar que o Homo Sapiens já viveu em duas épocas glaciais e duas interglaciais. Apareceu em África na penúltima época glacial e já estava na Europa durante a última. A principal conclusão a retirar das investigações sobre climas passados é que estaremos sempre expostos ao risco de alterações climáticas com causas naturais.

4. A INTERFERÊNCIA ANTROPOGÉNICA Em 1938, Guy Steward Callander apresentou uma comunicação na Royal Meteorological Society de Londres, onde afirmou que o aumento da temperatura média global observado desde o início do século XX era resultante das emissões de dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera, provocadas pela combustão dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural). As suas conclusões eram baseadas na análise de séries de temperaturas obtidas em mais de 200 estações meteorológicas espalhadas pelo Mundo e em observações do recuo dos glaciares das montanhas.


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Apesar disso, o artigo de Callendar foi mal recebido e praticamente esquecido (Santos, 2007a). Em 1956, Gilbert Plass afirmava que as emissões antropogénicas de CO2 iriam provocar um aumento da temperatura média global de 1,1 ºC por século. No mesmo sentido, outro artigo, da autoria do químico Hans Suess e do oceanógrafo Roger Revelle, concluía que a acumulação do CO2 antropogénico na atmosfera poderia tornar-se significativa com a contínua utilização industrial de combustíveis fósseis. Faltava saber se a concentração de CO2 na atmosfera estaria realmente a aumentar conforme estes cientistas previam. Suess e Revelle, no âmbito Ano Geofísico Internacional de 1957-1958, conseguiram obter financiamento para efectuar medições de alta precisão da concentração atmosférica de CO2. O químico Charles Keeling, encarregado de realizar este programa, através de medições no Hawaii e na Antárctida, concluiu que a concentração atmosférica do CO2 estava de facto a aumentar (Santos, 2007a). Nas décadas seguintes, o conhecimento melhorou e desenvolveram-se modelos de simulação do clima. Na década de 60, Edward Lorenz iniciou um projecto de simulação de fenómenos meteorológicos e de previsão do tempo com computadores. Verificou que a atmosfera apresenta comportamentos característicos de um sistema caótico, no qual pequenas diferenças entre estados iniciais produzem enormes diferenças nos respectivos estados finais. Na década de 70 desenvolveram-se bastante os modelos de circulação geral da atmosfera, acrónimo GCM (General Circulation Models), que se tornaram mais fiáveis e realistas (Santos, 2007a). Todos estes avanços científicos e descobertas culminaram num relatório (IPCC, 1990) apresentado em 1990 e realizado por um grupo internacional de cientistas, onde se declarava que as actividades humanas estavam, de facto, a contribuir para um aumento substancial da concentração atmosférica de GEE e que, quando a quantidade desses gases aumenta na atmosfera, o calor por eles captado provoca um aquecimento global, que por sua vez origina alterações climáticas. A temperatura média da Terra resulta dum equilíbrio entre o fluxo de radiação solar que chega à sua superfície e o fluxo de radiação infravermelha enviada para o espaço. Os GEE, que representam menos de 1% dos gases presentes na atmosfera, composta principalmente de azoto e de oxigénio, controlam os fluxos de energia na atmosfera e são responsáveis pela temperatura


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da Terra (Comissão para as Alterações Climáticas, 2002). É importante referir que na ausência destes gases “a temperatura média global da atmosfera à superfície seria de – 18 ºC em lugar dos actuais 15 ºC. Esta diferença de 33 ºC resulta de um efeito de estufa natural que favorece de modo decisivo as condições de habitabilidade do planeta” (Santos, 2004, p. 13). Os primeiros gases identificados como responsáveis pelo aumento desse efeito são o já referido CO2, o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O) – ver Tabela 1. Mais recentemente foram considerados outros GEE, os compostos halogenados (os HFCs ou hidrofluorcarbonos, os PFCs ou perfluorcarbonos e o SF6 ou hexafluoreto de enxofre), que têm contribuído para o agravamento do problema do aquecimento global. Os HFCs e os PFCs foram introduzidos como produtos alternativos às substâncias responsáveis pela destruição da camada de ozono (os Clorofluorcarbonos - CFCs), enquanto o SF6, o gás com maior Potencial de Aquecimento Global3, é muito usado nos sistemas de transmissão e distribuição de electricidade (Comissão para as Alterações Climáticas, 2002). O CO2, que é um dos principais gases a contribuir para o efeito de estufa, é produzido quando os combustíveis fósseis são usados para gerar energia e quando as florestas são cortadas e queimadas. Outros gases são produzidos pela agricultura e por processos industriais (Williams, 2003). Os estudos indicam que, desde o início da Revolução Industrial (em meados do século XVIII), a concentração de CO2 atmosférico aumentou mais de 32%, de 280 partes por milhão em volume (ppmv) até ao actual valor de 372 (Santos, 2004). Trata-se provavelmente do valor mais elevado atingido nos últimos 420 mil anos. As próximas Figuras (1 e 2) ilustram isso mesmo.

3 Potencial de Aquecimento Global: Este conceito foi desenvolvido para comparar a capacidade de cada gás enquanto GEE. O CO2 foi escolhido como gás de referência. Os seus valores calculados (em termos de CO2 equivalente), tendo por base um tempo de vida médio de permanência na atmosfera de 100 anos, são os seguintes: CO2 = 1; CH4 = 21; N2O = 310; HFC = [140 - 11700]; PFC = [6500 - 9200]; SF6 = 23900.


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TABELA 1: Aumento da concentração de CO2, CH4, N2O e compostos halogenados (em %)

CO2

Aumento da concentração desde 1750 (%) 31

Contribuição para o aquecimento global (%) 60

CH4

151

20

N2O

17

6

Compostos halogenados (HFC, PFC e SF6)

----

14

GEE

Principais fontes de emissão Uso de combustíveis fósseis, desflorestação e alteração dos usos do solo. Produção e consumo de energia (incluindo biomassa), actividades agrícolas, aterros sanitários e águas residuais. Uso de fertilizantes, produção de ácidos e queima de biomassa e combustíveis fósseis. Indústria, refrigeração, aerossóis, propulsores, espumas expandidas e solventes.

Fonte: Programa Nacional para as Alterações Climáticas (versão 2001).

Figura 1: Concentração atmosférica global de CO2 - 1870 a 2000 Fonte: United Nations Environment Programme/GRID-Arendal.


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Figura 2: Temperatura e concentração de CO2 na atmosfera ao longo dos últimos 400 mil anos O ano 0 nesta Figura corresponde ao ano 1870 da Figura 1.

Fonte: United Nations Environment Programme/GRID-Arendal.

Segundo os dados fornecidos pelo IPCC (2001), desde 1861 observa-se um aumento significativo na temperatura média global e durante o século XX o nível dos mares subiu, em média, entre dez e 20 centímetros. Além disso, a década de 90 foi a mais quente do milénio passado, com o ano de 1998 a ser assinalado como o mais quente desde que há registos (ou seja desde 1861). O IPCC (2007) refere que a actualização da tendência de aquecimento nos últimos 100 anos (1906 a 2005) é de 0,74ºC, maior do que a tendência para 1901 a 2000, que tinha sido calculada anteriormente (0,6ºC). Verificou-se também que 11 dos últimos 12 anos (1995 a 2006) estão entre os 12 anos mais quentes dos registos instrumentais de temperatura média à face da Terra. Os glaciares e a neve das montanhas têm diminuído em média em ambos os hemisférios (IPCC, 2007). O recuo dos glaciares das montanhas tem-se acelerado desde 1980. No Hemisfério Norte “a área dos gelos permanentes na região do Pólo Norte está a diminuir 3% por década. Na Gronelândia os glaciares estão a fundir e a área de gelos que fundem durante o Verão está a aumentar de modo preocupante; de 1979 a 2003 aumentou 16%”


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(Santos, 2004, p. 18). No Hemisfério Sul, “na Antárctida a fusão está a provocar o desprendimento de gigantescos blocos de gelo dos glaciares periféricos, como, por exemplo, o icebergue de Larsen B com uma área de 3275 Km2” (Santos, 2004, p. 20). Novos dados apresentados (IPCC, 2007) mostram que as perdas dos gelos na Gronelândia e Antárctida têm contribuído muito provavelmente para a subida do nível do mar. E esse nível subiu a uma taxa média de 1,8 milímetros por ano entre 1961 e 2003, quase duplicando entre 1993 a 2003 (cerca de 3,1 milímetros por ano). As temperaturas médias nos Árcticos aumentaram para quase o dobro da taxa média global nos últimos 100 anos. Há outros sinais de que a temperatura está a subir. Os episódios de precipitação intensa e as consequentes inundações aumentaram nas latitudes altas e médias, enquanto aumentaram as secas nas latitudes subtropicais, sobretudo na África e na Ásia (Santos, 2004). O quarto relatório do IPCC (2007) refere, por exemplo, que, ao longo dos últimos 50 anos, dias frios, noites frias e geadas têm sido menos frequentes, enquanto dias quentes, noites quentes e ondas de calor têm sido mais frequentes. Além disso, existem evidências do aumento da actividade dos ciclones tropicais no Atlântico Norte desde 1970, que pode estar relacionada com o acréscimo das temperaturas à superfície dos mares tropicais. O que sucederá se continuarmos a emitir quantidades cada vez maiores de GEE e o aquecimento da Terra continuar a acelerar?

5. CONSEQUÊNCIAS BIOFÍSICAS E SOCIOECONÓMICAS Os cientistas têm procurado prever o clima futuro e a sua repercussão nos sistemas biofísicos e socioeconómicos. Nesse sentido, têm apresentado um conjunto de possíveis cenários para o futuro, obtidos através de modelos que simulam o sistema climático com os seus vários subsistemas (atmosfera, hidrosfera, criosfera, biosfera e litosfera) e respectivas interacções. É de realçar que o clima não apresenta tendências caóticas, pelo que não há contradição entre o facto de os modelos meteorológicos de previsão do tempo não efectuarem previsões fiáveis para além de dez dias e a viabilidade de se obterem cenários do clima futuro em


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escalas de tempo da ordem de 100 anos (Santos, 2004). Em resultado dessas investigações, os especialistas têm alertado para o facto de mudanças na composição da atmosfera poderem ter consequências significativas. Os modelos climáticos prevêem que a temperatura global aumente cerca de 1,4 a 5,8 ºC até ao ano 2100. A Figura 3 apresenta alguns cenários para a temperatura média global até final do século XXI.

Figura 3: Cenários futuros de aumento da temperatura global Média global 1856 – 1999 e projecções estimadas até 2100.

Fonte: United Nations Environment Programme/GRID-Arendal.

O Relatório Stern (2006) refere que caso não sejam tomadas medidas para a redução das emissões, a concentração dos GEE poderá atingir o dobro do seu nível pré-industrial já em 2035, sujeitando-nos praticamente a uma subida de temperatura média global de mais de 2ºC. A longo prazo, existe uma possibilidade de mais de 50% de que a subida da temperatura exceda os 5ºC. Esta subida seria de facto perigosa, e equivalente à mudança das temperaturas médias desde a última era glacial até ao presente. Uma tal mudança deve resultar em alterações importantes na geografia humana, o local onde as pessoas vivem e o seu modo de vida, sujeitando as populações humanas a novos riscos e pressões. Todos os países serão afectados, mas os mais vulneráveis, os


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países e as populações mais pobres, serão os primeiros a sofrer e os que sofrerão mais, embora tenham sido aqueles que menos contribuíram para as causas das alterações climáticas. As previsões indicam que o aquecimento será, em geral, mais pronunciado nas regiões continentais do que nos oceanos e mais elevado nas latitudes elevadas, especialmente no inverno. A amplitude térmica diurna irá diminuir, devido a um maior aumento da temperatura mínima relativamente à máxima (Santos, 2004). A maioria das simulações mostra que haverá um aumento da frequência dos dias muito quentes e uma diminuição da frequência dos dias muito frios (McMichael et al., 1996).

5.1. CICLO DA ÁGUA No que respeita ao ciclo da água, as projecções indicam que a concentração de vapor de água na atmosfera e a precipitação global irão aumentar (Santos, 2004), tal como a frequência de intensos períodos de precipitação. Mackenzie e Mackenzie (1995) salientam que o conteúdo em água da atmosfera global depende da temperatura média do planeta. Numa Terra mais quente, a atmosfera terá mais vapor de água. O vapor de água, que também é um gás com efeito de estufa, contribuirá para um efeito de estufa maior e um aumento do vapor de água na atmosfera. Chama-se a este fenómeno feedback positivo do aquecimento global. Segundo Santos (2004), haverá mudanças significativas na distribuição espacial da precipitação, que irá aumentar nas latitudes elevadas, em algumas regiões equatoriais e no sueste da Ásia. Nas latitudes médias, incluindo o sul da Europa, a região mediterrânica e a Amazónia, projecta-se uma diminuição da precipitação. Embora no curto e médio prazos alguns impactos sejam positivos, a longo prazo (para além dos 100 anos) a maioria dos impactos serão negativos. A magnitude e a frequência das inundações podem aumentar em muitas regiões, como consequência da maior frequência de fortes chuvadas (IPCC, 2001). Em outras haverá um aumento da erosão dos solos resultante da perda de humidade (Williams, 2003). A Agência Europeia do Ambiente (AEA, 2005) prevê que as subidas de temperatura e as alterações dos padrões de precipitação agravem o problema da escassez de água, que já assume proporções muito elevadas no sul e no sudeste da Europa.


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Segundo as projecções, verificar-se-ão alterações da frequência e da intensidade das secas e das cheias, que poderão causar perdas financeiras e humanas significativas em toda a Europa.

5.2. ZONAS COSTEIRAS Os oceanos são uma componente do sistema climático com importantes relações de feedback com o clima. As alterações climáticas vão causar uma subida do nível do mar, principalmente como resultado da expansão termal dos oceanos, mas também devido ao degelo dos glaciares das montanhas (McMichael et al., 1996). O nível médio do mar subirá entre nove a 88 centímetros até ao ano 2100, causando inundações de zonas costeiras baixas. Segundo o IPCC (2001 e 2007), muitas zonas costeiras vão experimentar um aumento dos níveis de inundação, erosão acelerada, perda de pantanais e contaminação de fontes de água doce por água do mar. A esta realidade acresce o facto de a população humana estar a crescer, criando uma pressão adicional sobre as mesmas. Cerca de 100 milhões de pessoas vivem numa faixa de zonas costeiras com uma elevação máxima de um metro em relação ao mar (Santos, 2007b). As regiões mais vulneráveis encontram-se no sudeste asiático (ex. Bangladesh), bem como pequenos Estados insulares nos oceanos Indico (caso das ilhas Maldivas) e Pacífico (caso das ilhas Marshall, Tuvalu e Kiribati). As pequenas ilhas são particularmente vulneráveis em consequência da importância que têm as suas zonas costeiras, dos recursos naturais limitados e de uma maior exposição aos fenómenos meteorológicos extremos. No entanto, como referem Dessai e Trigo (2001), muitas regiões com maiores capacidades de adaptação, como a Holanda, estarão também sujeitas a um risco acrescido.

5.3. BIODIVERSIDADE Mais de 29 mil séries de dados recolhidos em 75 estudos mostram mudanças significativas em muitos sistemas físicos e biológicos, 89% das quais são consistentes com uma mudança esperada em resposta a um aquecimento (IPCC, 2007). Segundo o IPCC (2007), a resiliência de muitos ecossistemas será provavelmente excedida este século por uma combinação sem precedentes de alterações climáticas e distúrbios associados (ex.


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inundações, secas, incêndios violentos, insectos, acidificação dos oceanos) e outras mudanças globais (ex. uso dos solos, poluição, sobre-exploração dos recursos). Se nada for feito para as travar, as alterações climáticas poderão ocorrer a um ritmo tal que as espécies vegetais e animais das diferentes zonas climáticas não conseguirão migrar suficientemente depressa para acompanhar as mudanças nestas zonas. As consequências para a biodiversidade, já sujeita a pressões enormes noutras frentes, poderão ser graves (Comissão Europeia, 2001). A AEA (2005) refere que o aumento da temperatura e as alterações dos padrões de precipitação observados estão já a afectar certos aspectos dos sistemas naturais europeus, dos quais os mais vulneráveis são os das regiões árcticas e montanhosas, das terras húmidas do litoral e da região mediterrânica. As alterações previstas deverão estar na origem de perdas importantes de espécies e habitat em toda a Europa.

5.4. SAÚDE HUMANA As alterações climáticas também terão um conjunto de impactos sobre a saúde humana. A saúde depende de uma alimentação adequada, da existência de água potável, da qualidade do ar e de um controlo adequado das doenças infecciosas. Todos estes factores podem ser afectados pelo clima (Williams, 2003). O simples facto de reduzir os abastecimentos de água potável levará a uma redução de água para consumo e para a higiene. Segundo (Dessai e Trigo, 2001), actualmente cerca de 1/3 da população mundial vive em regiões com problemas de acesso a água. Prevêse que em 2025, cerca de 2/3 de uma população bastante superior à actual tenha problemas de obtenção de água. Em 2020 “haverá mais 75 a 250 milhões de pessoas em África expostas à penúria de recursos hídricos” (Santos, 2007b, p. 329). O aumento das ondas de calor, da humidade e da poluição do ar urbano causará mortes e doenças cardiovasculares e respiratórias. O impacto será maior nas populações urbanas, afectando particularmente os idosos, os doentes e os mais pobres. Evidências embora com carácter limitado indicam que em países temperados a redução de mortes no Inverno ultrapassará o aumento de mortes no Verão (IPCC, 2001). Devido às novas condições ambientais, as doenças tropicais que estavam confinadas aos trópicos poderão também alastrar a outras latitudes.


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Segundo os relatórios do IPCC (1995, 2001, 2007), haverá um aumento da potencial transmissão de doenças infecciosas, como a malária, o dengue, a febre-amarela e algumas encefalites virais. O balanço de impactos positivos e negativos na saúde vai variar geograficamente e ir-se-á alterar com o tempo, enquanto a temperatura continuar a subir. De importância central serão factores como a educação, acesso a cuidados de saúde, iniciativas e infraestruturas de saúde pública e desenvolvimento económico dos diferentes países (IPCC, 2007).

5.5. POPULAÇÕES As populações podem ser directamente afectadas pelos fenómenos meteorológicos extremos, por mudanças nos quadros de saúde pública e pela ocorrência de migrações (IPCC, 2001). As alterações climáticas podem contribuir para um aumento dos movimentos populacionais por via do declínio da produtividade agrícola, da dificuldade de acesso a água potável, de fuga de terras que são vulneráveis à subida do nível do mar e das deslocações temporárias devido a desastres naturais. Se as catástrofes naturais resultantes de eventos meteorológicos extremos se tornarem mais comuns, podem ser esperadas deslocações populacionais para campos de emergência. O termo “refugiado ambiental” estará na ordem do dia. No seu relatório de 1985, o Programa das Nações Unidas para o Ambiente definiu refugiados ambientais como as pessoas que são forçadas a deixar o seu habitat tradicional, temporariamente ou permanentemente, devido a uma marcante perturbação ambiental, seja natural ou induzida pelo homem, que ponha em risco a sua vida ou afecte seriamente a sua qualidade de vida (McMichael et al., 1996). A conflitualidade entre comunidades poderá também aumentar. O “conflito dramático do Darfur, de que já resultaram centenas de milhares de mortos e mais de dois milhões de refugiados, é o primeiro exemplo claro da ligação entre as alterações climáticas e as crises humanitárias” (Santos, 2007b, p. 332). A diminuição da precipitação, da ordem de 40%, a seca e desertificação tornaram os solos improdutivos e deixaram de poder suportar os rebanhos dos pastores nómadas (na maioria islâmicos)


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e a produção agrícola dos agricultores não islâmicos. Surgiu um conflito étnico de consequências desastrosas.

5.6. SEGURANÇA ALIMENTAR A produção agrícola é sensível aos efeitos directos do clima, da temperatura, do fluxo de água, da composição atmosférica (especialmente dos níveis de CO2) e dos eventos meteorológicos extremos. É também sensível aos efeitos indirectos do clima, na qualidade da luz solar, na incidência de doenças das plantas e nas populações de insectos e de ervas daninhas (McMichael et al., 1996). Nas áreas onde populações de baixos rendimentos estão dependentes de uma agricultura de subsistência, qualquer decréscimo na produtividade pode ter consequências negativas. A produtividade agrícola terá tendência a aumentar nas latitudes médias e altas e a diminuir nas latitudes baixas. Se o aumento da temperatura média global for superior a 3 ºC, a produtividade à escala mundial irá decrescer (IPCC, 2007). No mesmo sentido, Williams (2003) salienta que enquanto um aquecimento global de menos de 2,5 ºC pode não ter um efeito significativo na produção alimentar global, um aquecimento superior a 2,5 ºC pode reduzir o fornecimento alimentar global e contribuir para preços mais elevados. Os estudos sugerem que a produção agrícola global poderá ser mantida ao longo dos próximos 100 anos com uma mudança climática moderada (abaixo dos 2 ºC). No entanto, os efeitos regionais serão diferentes e alguns países vão sofrer reduções de produção, mesmo que adoptem medidas de adaptação.

5.7. ECONOMIA Utilizando resultados de modelos económicos formais, o Relatório Stern (2006) calcula que, se não se actuar, o total dos custos e riscos das alterações climáticas será equivalente à perda anual de, no mínimo, 5% do Produto Interno Bruto (PIB) global. Se tivermos em conta uma série de riscos e impactos mais amplos, as estimativas dos danos poderão chegar a 20% ou mais do PIB. Em contraste, os custos da tomada de medidas – a redução das emissões dos GEE a fim de evitar os piores impactos das alterações climáticas – podem ser limitados anualmente a cerca de 1% do PIB global. Este relatório, que foi muito divulgado pela comunicação social e realizado por especialistas de reconhecida


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competência, veio contrariar a opinião dos que levantam reservas ao combate às alterações climáticas, argumentando que a economia sairia prejudicada, e deu um argumento de peso a todos aqueles que defendem medidas de redução das emissões de GEE. Diversos economistas têm salientado que a transição para uma economia de baixo carbono abre novas perspectivas de negócios e pode criar novos empregos. Os países que apostarem nas novas tecnologias de baixo carbono podem ter, no futuro, significativas vantagens competitivas a nível económico. É importante recordar que os combustíveis fósseis são fontes de energia não renováveis e que um dia vão acabar, pelo que a mudança de paradigma energético é crucial para o futuro.

6. NOTAS FINAIS As alterações climáticas em curso são um processo dinâmico que importa sobretudo acompanhar, conhecer e compreender. Segundo as informações científicas apresentadas, elas têm a particularidade de serem induzidas pela humanidade e de estarem a ocorrer a uma velocidade bastante elevada, quando comparadas com outras que terão ocorrido no passado. As consequências biofísicas e socioeconómicas apresentadas são algumas das sequelas previstas. Apesar de algumas regiões beneficiarem a curto e médio prazos com algumas delas, o balanço global em todas é negativo. Face a esta realidade, há essencialmente dois tipos de respostas: mitigação e adaptação. As políticas e medidas de mitigação visam reduzir as emissões de GEE, enquanto a adaptação é um processo de resposta que procura minimizar os aspectos negativos dos impactos. Se uma mitigação relativamente rápida poupa custos futuros de adaptação mas implica grandes investimentos imediatos, a ausência de mitigação, ou uma mitigação lenta, gera no futuro custos elevadíssimos de adaptação (Santos, 2004). Independentemente das opções disponíveis, é necessária uma acção concertada a nível global para implementar uma resposta eficaz às alterações climáticas. É um desafio que diz respeito a todos, é um esforço global e individual, dos governos, mas também dos cidadãos.


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Agência Europeia do Ambiente (2005); “Vulnerabilidade e adaptação às alterações climáticas na Europa”; EEA Briefing; Gabinete de Publicações da Agência Europeia do Ambiente; Dinamarca. Comissão Europeia (2001); “Atacar o problema das alterações climáticas”; In Ambiente

2010 – O nosso futuro, a nossa escolha: Sexto Programa de acção comunitário em matéria de ambiente: 2001-2010; Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades

Europeias; Luxemburgo. Comissão para as Alterações Climáticas (2002); Programa Nacional para as Alterações Climáticas, versão 2001; Instituto do Ambiente; Portugal. Dessai, Suraje; & Trigo, Ricardo (2001); “A ciência das alterações climáticas”; Finisterra; XXXVI; 71; pp. 117 - 132. Intergovernmental Panel on Climate Change (1990); Intergovernmental Panel on Climate

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CARACTERIZAÇÃO FÍSICOQUÍMICA, TEOR EM ÁCIDO ASCÓRBICO E COMPOSTOS FENÓLICOS DO DIOSPYRUS KAKI, PROVENIENTE DE DIFERENTES REGIÕES GEOGRÁFICAS DE PORTUGAL CONTINENTAL PHYSICAL AND CHEMICAL CHARACTERIZATION, ASCORBIC ACID CONTENT AND PHENOLIC COMPOUNDS OF DIOSPYRUS KAKI, FROM DIFFERENT GEOGRAPHICAL AREAS OF MAILAND PORTUGAL CARACTERIZACIÓN FÍSICO-QUÍMICA, TEXTO EN EL ÁCIDO ASCÓRBICO Y COMPUESTOS FENOLICOS DEL CAQUI DE DIOSPYRUS, PROCEDIENDO DE DIVERSAS REGIONES GEOGRÁFICAS DE PORTUGAL CONTINENTAL Márcio Calhandro * Filipe Coutinho (filipe.coutinho@cespu.pt) ** Marta O. Soares (marta.soares@ipsn.cespu.pt) *** Ana F. Vinha (ana.vinha@ipsn.cespu.pt) **** Marisa Machado (marisa.machado@ipsn.cespu.pt) *****

RESUMO O conhecimento da composição química dos alimentos é fundamental para a implementação de uma dieta equilibrada na população portuguesa, com impacto positivo na saúde pública. O objectivo principal desta investigação foi estudar a cultivar caqui-chocolate (Diospyrus Kaki), caracterizando-o fisico-quimicamente e no teor em compostos fenólicos na pele e polpa do fruto, mediante a área geográfica de cultivo. Dos resultados obtidos verificou-se que o teor em compostos fenólicos e actividade antioxidante dos fenóis totais variam com a presença ou ausência de pele (p<0,05) e com a região geográfica (p<0,001). De uma forma geral, os compostos fenólicos são superiores em dióspiros com pele e cultivados na região Sul de Portugal. Os resultados reforçam a


178 elevada importância deste estudo, uma vez que, até à data, nenhum estudo deste género foi publicado, o que se torna uma mais-valia para o interesse do conhecimento da importância do consumo de dióspiros em Portugal. Palavras-Chave: Diospyrus kaki; Caracterização química; Fenóis totais; Licopeno; Ácido ascórbico.

ABSTRACT The knowledge of the chemical composition of foods is central to the implementation of an balanced diet on Portuguese population with a positive impact on public health. The main goal of this research was the study of the khaki-chocolate cultivate (Diospyrus Kaki), characterizing the physical-chemical properties and the total phenolic compounds in the skin and flesh of the fruit, by geographical area of cultivation. The results showed that the phenolic content and antioxidant activity of phenols vary with the presence or absence of skin (p<0,05) and geographic region (p<0,001). In general, the compounds are superior in persimmons with skin and cultivated in the South of Portugal. The results underscore the high importance of this study, since to date no study of this kind was published, which becomes an asset for the public knowledge of the importance of persimmons’ consumption in Portugal. Keywords: Diospyrus Kaki; Physical-chemical characterization; Total phenolics; Lycopene; Ascorbic acid.

RESUMEN El conocimiento de la composición química de los alimentos es esencial para la aplicación de una dieta equilibrada en la población. El principal objetivo de esta investigación fue analizar el cultivar caquichocolate (Diospyrus Kaki), así como la caracterización físico-química y la presencia de compuestos fenolicos en la piel y la pulpa de la fruta, por zona geográfica de cultivo. Los resultados verifican que el contenido de compuestos fenólicos y la actividad antioxidante de fenoles varía con la presencia o ausencia de la piel (p <0,05) y la región geográfica (p <0,001). En general, los compuestos fenolicos son mayores en caquis con la piel y plantados en Sur de Portugal. Los resultados subrayan la gran importancia de este estudio, ya que hasta la fecha, no se publicó el estudio, que es un valor añadido para el interés de conocimiento de la importancia del consumo de Caquis en Portugal. Palabras-Claves: Diospyrus kaki; Caracterización física-química; Fenoles total; Licopeno; Ácido ascórbico.


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* Aluno de Licenciatura em Farmácia, Departamento de Farmácia da Escola Superior de Saúde do Vale do Ave/IPSN-CESPU. ** Assistente Técnico do Centro de Investigação e Tecnologia da Saúde (CITS), Escola Superior de Saúde do Vale do Ave/CITS/IPSNCESPU, 4760 Vila Nova de Famalicão, Portugal). *** Prof. Adjunta, investigadora do Centro de Investigação e Tecnologia da Saúde (CITS/IPSN-CESPU). **** Prof. Adjunta do Departamento de Farmácia, Escola Superior de Saúde do Vale do Ave, investigadora do Centro de Investigação e Tecnologia da Saúde. ***** Prof. Adjunta da Escola Superior de Saúde do Vale do Ave, investigadora da Faculdade de Farmácia (CEF), Universidade de Coimbra, investigadora do Centro de Estudos Farmacêuticos (CEF), Faculdade de Farmácia, Universidade de Coimbra, 3000 Coimbra, Portugal.


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1. INTRODUÇÃO Os dados epidemiológicos comprovam que uma alimentação deficiente em frutos e legumes aumenta o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares e de cancro (Chen, 2008). Consequentemente, tem vindo a aumentar o interesse nos benefícios que poderão decorrer da inclusão destes alimentos na dieta, uma vez que os alimentos de origem vegetal são ricos em micronutrientes, contendo, também, uma enorme variedade de metabolitos secundários biologicamente activos (Kuskoski, 2005). Neste âmbito, a tradicional “dieta mediterrânica”, rica em frutos e legumes, é considerada uma das mais saudáveis, sendo esses alimentos ricos em hidratos de carbono complexos, fibras, vitaminas, minerais e numerosos antioxidantes protectores do sistema cardiovascular, sendo o dióspiro um fruto possuidor de todas essas características. Os efeitos benéficos do consumo do dióspiro estão relacionados com as suas elevadas propriedades antioxidantes (Alonso, 2004). Nas últimas décadas, diversos estudos demonstraram que o consumo diário de alimentos ricos em antioxidantes naturais, particularmente em compostos polifenólicos, está associado à prevenção de doenças cardiovasculares, cancros e doenças neurodegenerativas, inclusive doenças de Parkinson e Alzheimer (Andrade, 2007; Jang, 2007; Javanmardi, 2006), aumentando, assim consideravelmente o interesse em encontrar antioxidantes naturais para o emprego em produtos alimentícios ou para uso farmacêutico, com o intuito de substituir antioxidantes sintéticos, os quais tem sido restringidos devido ao seu potencial carcinogénico (Degáspari, 2004). Muitos factores nutricionais são amplamente considerados como sendo críticos para a saúde humana. Entre eles, os radicais livres como oxigénio activo e espécies nitrogenadas têm sido motivo de preocupação, como uns dos factores que contribuem para doenças degenerativas crónicas (Patthamakanokporn, 2007). A acção protectora das plantas medicinais, frutos e vegetais pode ser atribuída à presença de antioxidantes, especialmente compostos polifenólicos e vitaminas antioxidantes, incluindo o ácido ascórbico, tocoferol, beta-caroteno, flavonóides, taninos, antocianinas, licopeno e outros constituintes fenólicos (Jang, 2007; Davis, 2003). O Diospyrus Kaki (cv. Caquichocolate) é um fruto altamente nutritivo em comparação com outros frutos, e estudos publicados citam o seu uso para fins


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medicinais, desde os tempos antigos na China (Chen, 2008). O seu cultivo é mais propício em zonas temperadas. É um fruto muito cultivado não só em Portugal (em regiões como a Beira Litoral, Entre-Douro e Minho, Beira Interior e Algarve), mas também um pouco por toda a Europa, como Espanha, Itália e também na América do Sul, apesar de ser ainda desconhecido em muitos países europeus. Considerando o facto de as árvores do género Diospyrus serem cultivadas em Portugal e Espanha em numerosas variedades (Schon, 1935) e devido à escassez de estudos sobre as características físico-químicas, composição fenólica e actividade antioxidante dos dióspiros de origem portuguesa, este estudo é de grande relevância. Os carotenóides são responsáveis pela coloração vermelha, laranja e amarelo das folhas, frutos e flores, assim como das cores de alguns pássaros, insectos, peixes e crustáceos (Borguini, 2006). Actualmente, o grande interesse nos carotenóides de origem vegetal não é apenas devido à sua actividade na provitamina A, mas também devido à sua acção antioxidante sobre os radicais de oxigénio e à redução no stress oxidativo do organismo (Barba, 2006). O licopeno, um dos carotenóides mais descrito no fruto, é um importante antioxidante, por ser razoavelmente estável durante o armazenamento e processamento dos alimentos em que se encontra (Borguini, 2006). O ácido ascórbico é usado extensivamente na indústria alimentar, não só devido ao seu valor nutricional, mas devido às suas contribuições funcionais na qualidade do produto, restabelecendo o valor nutricional perdido durante o processamento e inibindo o escurecimento enzimático dos alimentos (Toralles, 2008).

2. MATERIAIS E MÉTODOS: 2.1. MATERIAL A colheita das amostras de dióspiros foi efectuada em pomares situados no Norte (Famalicão), no Centro (Guarda) e no Sul (Portimão) de Portugal Continental, no mês de Novembro de 2007, época da sua colheita para consumo, sendo conservadas congeladas até ao início do processo de investigação laboratorial.


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Para cada amostra foram colhidas, manualmente, cerca de 1Kg de dióspiros por árvore, de forma aleatória e abrangendo toda a área da árvore. As amostras foram lavadas, secas com papel absorvente e divididas (com pele/sem pele). Todas as amostras foram picadas e trituradas em liquidificador doméstico, à velocidade máxima durante 1 minuto. O armazenamento foi feito em frascos, hermeticamente selados, desprovidos de luz e humidade, de forma a evitar possíveis alterações dos parâmetros a analisar.

2.2. MÉTODOS 2.2.1. Análises fisico-químicas Os parâmetros de qualidade dos dióspiros foram avaliados a partir das análises físico- químicas realizadas no Instituto Politécnico de Saúde do Vale do Ave da CESPU, incluindo teor de água, pH, teor de sólidos solúveis totais, cor e actividade da água. Todas as análises químicas realizadas seguiram os procedimentos descritos pela Association of Official Analytical Chemistry, AOAC (1997). 2.2.2. Teor de água O teor de água das amostras foi determinado por gravimetria, pesando-se 5g de cada amostra e secando-a em estufa (WTC binder TUTTLINGEN, Germany) a 105ºC±1ºC, seguido de pesagens regulares até peso constante. Os resultados foram expressos em percentagem (%) de água da amostra. 2.2.3. pH O pH foi obtido pelo método electrométrico, com o auxílio do pHmetro Microprocessor Bench-top HI 8417, Hanna Instruments. A análise foi efectuada em triplicado e os resultados expressos em unidades de pH (1-14). 2.2.4. Teor de sólidos solúveis totais Para a determinação do ºBrix (sólidos solúveis totais por refractometria), foi utilizado o refratômetro tipo Abbe Refractometer, modelo 2WAJ, Shangai Optical Instrument Company. 2.2.5. Determinação colorimétrica (cor) A cor foi medida por um colorímetro (Color Quest II Sphere, Hunter Lab), através do cálculo de ºh (ângulo de cor), a partir das leituras de a*, b*, c* e L* de uma porção de amostra uniformemente homogeneizada.


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2.2.6. Actividade da água (aW) Para esta medição, recorreu-se ao medidor automático Hygropalm, marca Rotronic. A temperatura a que a análise foi efectuada foi constante, de 23.2ºC±0.3ºC. A aW é expressa pela razão de pressão de vapor de água da amostra sobre a pressão de vapor da água pura à mesma temperatura.

3. QUANTIFICAÇÃO DE COMPOSTOS BIOACTIVOS: 3.1. ÁCIDO ASCÓRBICO Determinação segundo a Norma Portuguesa NP-3030, 1985. O método baseia-se na redução do 2,6-diclorofenol (DIP) pelo ácido ascórbico, expresso em mg ácido ascórbico/100g amostra. A quantidade de ácido ascórbico nas amostras foi obtida com base na curva padrão do ácido ascórbico (y=1.121x – 2.652x10-2, r2=0.99385).

3.2. LICOPENO A determinação de licopeno nas amostras baseou-se no procedimento descrito por Borguini (2006). O teor de licopeno foi extraído a partir de uma homogeneização de 5g de amostra em 50 mL de uma solução hexano/acetona/etanol (2:1:1, v/v/v), para solubilização total dos carotenóides. Após agitação constante durante 30 minutos, adicionaram-se 10 mL de água destilada. A solução foi mantida em repouso, na ausência de luz, de forma a obter-se 2 fases distintas; 35 mL de fracção polar e 25 mL de fracção não-polar, a qual continha o licopeno. Licopeno (mg/100g) =[ (AxVx106)/(3.450xMx100)]

(1)

Com V=volume de hexano (ml); M=massa da amostra aferida (g); A=absorvância lida 472 nm; 3.450=coeficiente de extinção para o pigmento em n-hexano


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A quantificação foi efectuada por colorimetria, utilizando um espectrofotómetro Shimadzu UV-2100 a 472 nm, usando o nhexano como branco. Os resultados foram expressos em mg de licopeno/100g amostra, conforme a fórmula 1.

3.3. FENÓIS TOTAIS A extracção dos compostos fenólicos baseou-se no método descrito por Sotero (2002) para processos de extracção sequencial em frutos. Após desidratação das amostras, pesou-se 1g adicionando-se 50 mL de solvente (MeOH a 80% e EtOH a 80%; v/v) e mantendo-se sob agitação constante durante 1 hora. A solução foi filtrada sob vácuo e o resíduo dissolvido no mesmo volume de solvente, totalizando-se 2 horas de extracção. Os filtrados foram combinados e o volume aferido para 100 mL. O teor de fenóis totais foi obtido pelo método de FolinCiocalteu, a 720 nm por espetrofotómetria (Shimadzu UV-2100), utilizando a catequina (EC) como padrão. Misturaram-se 0.2 mL de extracto (obtido com MeoH a 80% e EtOH 80%) com 0.5 mL de reagente Folin-Ciocalteu, previamente diluído em 7 mL de água desionizada. A solução repousou durante 3 minutos à temperatura ambiente e, posteriormente, adicionaram-se 0.2 mL de solução saturada de carbonato de sódio. Esta solução final ficou reservada durante 120 minutos antes de se efectuarem as leituras das absorvâncias.

3.4. ACTIVIDADE ANTIOXIDANTE DOS FENÓLICOS TOTAIS Para a determinação da acção antioxidante dos fenóis totais, recorreu-se ao método descrito por Jang (2007), através do radical livre 2,2-difenil-1-picrilhidrazil (DPPH). A 5 mL de solução 0.03g/dm3 de DPPH em metanol, adicionaram-se 0.05 mL de cada extracto. Os solventes utilizados para as extracções foram ambos utilizados como controlo. A leitura dos valores de absorvância foi efectuada a 517 nm por espectrofotometria (Shimadzu UV-2100), após reacção durante 30 minutos no escuro. Para avaliar a capacidade de captação do radical, calculou-se a percentagem de inibição de radicais livres, mediante fórmula 2. % de descoloração DPPH=[(Abscontrole–Absamostra)/Abscontrole]x100

(2)


185

3.5. ANÁLISE ESTATÍSTICA Todos os resultados obtidos foram avaliados através de análise de variância (ANOVA), a partir de ensaios em triplicado em cada determinação, fazendo-se a análise das médias dos resultados para um nível de 5% de significância.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO O conjunto dos compostos presentes em cada fruto e a sua avaliação quantitativa e individual constituem uma “impressão digital”, neste caso, um perfil químico, que caracteriza cada fruto. Este perfil não é constante e são diversos os factores que condicionam a sua variação. Outros factores que podem ter influência no perfil químico são o clima, a exposição solar, a natureza do solo, as técnicas agrícolas utilizadas, a idade da árvore, entre outros. Os resultados das análises fisico-químicas estão apresentados na Tabela 1. Com base nos resultados, verifica-se que o teor de água médio, característico do fruto, é de 80%, verificando-se que as amostras sem pele apresentam maiores teores de água (80.3% a 82.4%) do que as amostras com pele ou inteiras (79.1% a 80.1%). Quanto aos valores de pH, realçam-se as amostras colhidas a Norte de Portugal, apresentando relevância estatística (p<0.05) em comparação com as amostras colhidas no Centro e Sul. Os valores no inteiro e polpa do Norte apresentam valores de 6.05 e 5.95, respectivamente, e as amostras do Sul apresentam valores mais baixos, 5.66 na amostra inteira e 5.68 na polpa. A actividade da água apresentou valores semelhantes em todas as amostras, podendo-se afirmar que os valores médios para os dióspiros cv. Caqui-chocolate são de 0.955, no entanto, no que se refere ao teor de sólidos solúveis, as amostras do Centro (Guarda) apresentaram relação estatística (p<0.05) entre as amostras com pele e sem pele, não tendo sido observada essa mesma relação nas amostras do Norte e Sul (Famalicão e Portimão,


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respectivamente). Em relação à determinação do ângulo de cor (ºh), deve-se referir que um ângulo de 180º representa a cor verde pura e um ângulo de 0º o vermelho puro. Assim, em colorimetria, quanto maior for o ângulo de cor, mais verde se apresenta o fruto, e quanto menor o ângulo, mais vermelha é a sua tonalidade. Mediante análise estatística, verificou-se que não existe significância (p>0.05) entre as amostras quando comparadas mediante as áreas geográficas de cultivo. No entanto, torna-se importante referir que todas as amostras de polpa de dióspiros apresentaram um ângulo maior do que as amostras inteiras, com a excepção das duas amostras do Sul, onde isso não se verificou. O valor de ºh para a amostra de polpa do Sul apresentou um menor ângulo do que o fruto inteiro do Sul (74.93 e 79.20, respectivamente), reforçando a ideia que o clima e a exposição solar têm influência na caracterização organoléctica do fruto. Tabela 1. Valores médios obtidos para as amostras de dióspiros (inteiro e polpa, por área geográfica de cultivo) Regiões de cultivo de Portugal Parâmetros Químicos

Teor de água (%)

pH

Sólidos solúveis totais (ºBrix)

Ângulo de cor (ºh)

aW (%)

Norte*

Centro*

Sul*

(Famalicão)

(Guarda)

(Portimão)

Inteiro

79.5±0.04aA

80.1±0.06aA

79.4±0.19aA

Polpa

82.4±0.08aA

80.0±0.03aA

80.3±0.07aA

Inteiro

6.05±0.02aA

5.86±0.05aB

5.66±0.01aC

Polpa

5.95±0.07aA

5.90±0.06aB

5.68±0.02aC

Inteiro

1.90±0.00aA

1.80±0.01aA

1.85±0.02aA

Polpa

1.90±0.01aA

1.90±0.01bA

1.85±0.02aA

Inteiro

77.7±0.24aA

73.3±1.04aA

79.2±0.87aA

Polpa

81.2±0.38aA

78.6±0.67aA

74.9±0.29aA

Inteiro

0.957±0.00aA

0.952±0.01aA

0.952±0.00aA

Polpa

0.954±0.00aA

0.951±0.00aA

0.958±0.01aA

Amostras

* Valores expressos em média±desvio padrão, a partir de ensaios realizados em triplicado. aValores com letras minúsculas iguais na mesma coluna, considerando-se amostras inteiro e polpa, indicam que não houve diferenças estatisticamente significativas entre as médias ao nível de 5%. AValores com letras maiúsculas iguais na mesma linha, considerando-se a área de cultivo, indicam que não houve diferenças estatisticamente significativa entre as médias ao nível de 5%.

Os compostos fenólicos e os carotenóides estão directamente relacionados com as características organolépticas do fruto, nomeadamente na cor e sabor. A determinação dos níveis de


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compostos fenólicos totais em tecidos vegetais é a etapa inicial de qualquer investigação de funcionalidade fisiológica para posterior estímulo ao consumo (Furlong, 2003). Examinando os resultados apresentados na Tabela 2, verificou-se que os dióspiros com pele das regiões Norte e Centro possuem maior quantidade de ácido ascórbico do que as amostras sem pele obtidas nas mesmas regiões, variando entre 0.9479 mg/100g a 1.3079 mg/100g e de 0.6834 mg/100g a 1.1271 mg/100g, respectivamente. Tabela 2. Valores obtidos dos compostos bioactivos dos dois tipos de preparação efectuada (inteiro e polpa) para frutos colhidos nas três regiões em estudo e quantificados sem método de extracção

Regiões de cultivo de Portugal Determinações

Amostras

Norte(Famalicão)*

Centro(Guarda)*

Sul(Portimão)*

Ácido ascórbico (mg/100g)

inteiro

0.9479±0.02aA

1.3079±0.07aA

1.1268±0.01aA

polpa

0.6834±0.05

1.1271±0.04

1.1290±0.07aA

inteiro

4.418±0.09aA

7.295±0.04aB

8.064±0.03aC

polpa

3.635±0.04bA

4.986±0.01bB

5.349±1.2bC

Licopeno (mg/100g)

aA

aA

*Valores expressos em média±desvio padrão, a partir de ensaios realizados em triplicado. a,bValores com letras minúsculas iguais na mesma coluna, considerando-se amostras com pele e sem pele, indicam que não houve diferenças estatisticamente significativas entre as médias ao nível de 5%. A,B,CValores com letras maiúsculas iguais na mesma linha, considerando-se a área de cultivo, indicam que não houve diferenças estatisticamente significativas entre as médias ao nível de 5%.

As amostras do Sul são as que manifestam menor diferença entre elas, apresentando teores muito semelhantes para a amostra com pele (inteira) (1.1268 mg/100g) e amostra sem pele (polpa) (1.1290mg/100g). Pela análise estatística não foi encontrada nenhuma significância entre as amostras; no entanto, é de realçar que a diferença entre os valores de vitamina C, das amostras inteiras e das respectivas polpas, vai diminuindo mediante a região, ou seja, de Norte para Sul. Em relação à concentração de licopeno, pode-se afirmar que este carotenóide é variável entre as amostras analisadas, numa gama entre 3.635 mg/100g e 8.064 mg/100g, encontrando-se sempre em maior quantidade nas amostras inteiras do que em polpa, verificando-se, nestes casos, significância estatística (p<0.05). Um aspecto interessante que deve ser focado deve-se ao aumento dos teores de licopeno nas amostras colhidas em diferentes regiões, isto é, o teor de licopeno aumenta, em ambas as amostras estudadas, à medida que se desloca para o Sul, o que reforça os resultados publicados por outros autores, nomeadamente, Kim (2006) e Takahashi (2006), que estudaram


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dióspiros. Estes autores evidenciaram os aumentos de concentrações de carotenóides e polifenóis nas peles dos frutos face aos encontrados nas polpas e concluíram que as mesmas concentrações apresentavam uma relação directa com as regiões de plantio, nomeadamente com as que apresentavam maior exposição solar. As pesquisas referem que a actividade antioxidante dos frutos está relacionada com o conteúdo em compostos fenólicos (Cheung et al., 2003; Martinez-Valverde et al., 2002). Tabela 3. Teor de compostos fenólicos totais expressos em mg de equivalente de catequina (EC) por 100g de fruto (mgEC/100g), mediante o tipo de amostra (inteiro e polpa), obtidos por extracção metanólica (MeOH 80%) e etanólica (EtOH80%)

Regiões de cultivo de Portugal Amostras

Inteiro

Polpa

Solvente extracção

Norte*

Centro*

Sul *

EtOH (80%)

24.2±0.16aA

20.4±0.04aB

92.2±0.20aC

MeOH(80%)

19.0±1.40bD

43.0±1.20bE

EtOH (80%)

18.6±0.08cA

18.4±0.99cB

66.4±1.45cC

MeOH(80%)

14.2±3.10

36.2±1.99

99.0±2.64dF

dD

dE

114.6±0.23b F

aEC,

equivalente de catequina (padrão). *Valores expressos em médias±desvios pradão por meio de ensaios em triplicado. a,b,c,d Valores com letras minúsculas iguais na mesma coluna, considerando-se amostras com pele e sem pele, indicam que não houve diferenças estatisticamente significativas entre as médias ao nível de 5%. A,B,C,D,E,F Valores com letras maiúsculas iguais na mesma linha, considerando-se a área de cultivo, indicam que não houve diferenças estatisticamente significativas entre as médias ao nível de 5%.

Pelos valores apresentados na Tabela 3, verifica-se que as amostras com pele apresentam valores superiores aos obtidos pelas amostras desprovidas da mesma, em que as concentrações variam entre 19.0 e 114.6 mg/100g para amostras com pele e de 14.2 e 99.0 mg/100g em amostras sem pele. Verifica-se, também, a existência de uma variação nas concentrações de fenólicos totais entre os frutos cultivados em diferentes regiões, verificando-se uma significância estatística (p<0.05) entre as mesmas. Na verdade, os dióspiros cultivados a Sul apresentam teores de fenólicos totais bastante superiores aos do Centro e Norte, sendo os frutos do Norte os que contém menores teores de fenólicos totais. Do método de extracção utilizado e dos solventes usados na extracção, torna-se, evidente que o metanol (MeOH) apresenta uma taxa de recuperação fenólica muito superior ao apresentado pelo etanol (EtOH). Estes resultados estão em consonância com os dados científicos publicados por Takeota et al. (2001), o qual referiu


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o metanol como melhor solvente para extracções de fenólicos totais. A avaliação da actividade antioxidante pelo método do DPPH baseia-se no sequestro de radicais livres reconhecidos pelas espécies antioxidantes. Segundo Leong e Shui (2002), este método tem sido uma ferramenta útil para avaliar a capacidade antioxidante dos frutos. Os níveis de inibição da descoloração do DPPH pelo antioxidante sintético BHT foram aplicados como controlo positivo para a comparação entre as amostras e para a validação do método. Na Figura 1 encontram-se representados os valores obtidos através dos extractos das amostras e entre as amostras cultivadas nas diferentes regiões de Portugal.

Figura 1: Actividade antioxidante (% de descoloração do DPPH) do extracto metanólico e etanólico (0.1mg/mL) Obtido a partir de diferentes amostras (inteiro e polpa) colhidas nas diferentes regiões estudadas, Norte, Centro e Sul

Mediante observação da Figura 1, no que se refere ao estudo da acção antioxidante, torna-se visível a diferença da acção quelante dos agentes antioxidantes, manifestamente representadas pelas amostras com pele provenientes do Centro e do Sul de Portugal. Os valores obtidos variam entre 0.1 % e 9.6%, no entanto, verifica-se que a taxas maiores correspondem às amostras inteiras, o que reforça o que foi dito anteriormente, pois a pele contém altos teores de licopeno e fenóis totais, compostos bioactivos e com acção antioxidante. As amostras colhidas no Norte foram as que


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apresentaram menores valores de taxa de inibição, quer a nível da amostra com pele, quer a amostra sem pele (0.2% e 1.2%, respectivamente). Mais uma vez, verifica-se que o estudo da acção antioxidante está directamente relacionado com o teor de compostos fenólicos totais, dando mais ênfase à importância do processo e ao solvente de extracção. Pela Figura 1, torna-se fácil verificar, mais uma vez, a capacidade extractiva do metanol. Pela análise estatística verificou-se uma relação entre as concentrações de fenólicos totais e a actividade antioxidante dos mesmos, assim como existe relação entre a proveniência dos dióspiros e a actividade antioxidante (p<0.0001).

5. CONCLUSÃO Ao verificar o crescente sedentarismo da população e os seus distúrbios alimentares, o aumento da poluição a nível mundial, as doenças que advêm desses factores e uma análise cuidada deste estudo, pode-se concluir que cada vez mais deve haver uma preocupação em praticar uma correcta alimentação, como a dieta Mediterrânica, que prima pelo alto consumo de frutas e legumes, alimentos esses que contêm elevados níveis de compostos antioxidantes, benéficos para a saúde, sendo o caso do ácido ascórbico, o licopeno e demais compostos fenólicos. Considerando o dióspiro um fruto que possui todas essas características, revelouse ter sido importante o seu estudo. Os resultados obtidos na presente pesquisa permitem concluir que existem padrões físico-químicos, como o teor de água, o pH, o ângulo de cor, a actividade da água e o teor de sólidos solúveis totais, em que os seus valores são comuns aos dióspiros das regiões em estudo, e mesmo ao modo de preparação antes de consumo. Pode-se também concluir que, ao retirar a pele do dióspiro antes da sua ingestão, a quantidade de compostos antioxidantes (ácido ascórbico, licopeno e fenólicos totais) disponíveis para absorção intestinal é menor do que se o dióspiro for ingerido in natura (com pele). Mais se conclui que a região onde se plantam diospireiros é igualmente importante na biodisponibilidade dos compostos antioxidantes no dióspiro, sendo os dióspiros da região


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Sul detentores de quantidades superiores na maioria desses compostos.

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A EFICÁCIA DE UMA FERRAMENTA DE VALIDAÇÃO NA MELHORIA DA QUALIDADE DE DADOS HOSPITALARES THE EFFICACY OF A VALIDATION TOOL IN THE IMPROVEMENT OF THE QUALITY OF HOSPITAL DATA LA EFICACIA DE UN INSTRUMENTO DE VALIDACION EN LA MEJORA DE LA CALIDAD DE DATOS DE HOSPITAL Tiago Silva-Costa (tcosta@med.up.pt) * Alberto Freitas (alberto@med.up.pt) ** Jorge Jácome (jorge@med.up.pt) *** Fernando Lopes (flopes@med.up.pt) **** Altamiro Costa-Pereira (altamiro@med.up.pt) *****

RESUMO As bases de dados de internamentos hospitalares podem conter inconsistências e erros, mas como os seus dados são facilmente obtidos, de forma não muito dispendiosa, usam-se com frequência em estudos clínicos e epidemiológicos. O objectivo deste trabalho é mostrar a melhoria obtida na qualidade dos dados de internamentos através do uso de uma ferramenta de validação. Foi usada uma base de dados de internamentos hospitalares, com cerca de 780 mil registos, provenientes de um hospital central. Como método foi desenvolvido um algoritmo específico de validação. Para os 4 períodos escolhidos, de 5 meses cada, as percentagens de erros críticos desceram na seguinte ordem: 6,00%, 1,01%, 0,15% e 0,13%. É, assim, possível afirmar que a ferramenta consegue, num curto espaço de tempo, melhorar a qualidade dos dados de internamentos hospitalares. Palavras-chave: Internamentos, qualidade dos dados, dados administrativos, validação.


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ABSTRACT The hospital admissions’ data bases can contain inconsistencies and errors, but as the data are easily obtained, at a low cost form, they are frequently used in clinical and epidemiologic studies. The main goal of this work is to show the improvement obtained in the quality of the admissions’ data through the use of a validation tool. A hospital admissions’ database with around 780 thousand registers was used, obtained from a central hospital. An algorithm of validation has been developed and used as part of the methodology. For the 4 chosen periods, 5 months each, the percentage of critical errors came down in the following order: 6.00%, 1.01%, 0.15% and 0.13%. It is therefore possible to conclude that the tool can, in a short amount of time, improve the quality of the data of hospital admissions. Keywords: Admissions, quality of the facts, administrative data, validation.

RESUMEN Las bases de datos de admisiones de hospital pueden contener inconsistencias y errores, pero cuando sus datos son obtenidos fácilmente, de forma no muy costosa, son usados con frecuencia en estudios y epidemiológicos clínicos. El objetivo de este trabajo mostrará la mejora obtenida en la calidad de los datos de admisiones por el uso de un instrumento de validación. Fue utilizado una base de datos de internamientos hospitalares, con alrededor de 780 mil registros, original de un hospital central. Como metodo fue desarrollado un algoritmo específico de validación. Para los 4 períodos escogidos, de 5 meses cada, los porcentajes de errores de críticos se bajaron en la orden siguiente: 6,00%, 1,01%, 0,15% y 0,13%. Es por lo tanto posible afirmar que esta herramienta consigue, instrumento obtiene, en un espacio corto de tiempo, mejorar de la calidad de los datos de admisiones de hospital. Las palabras clave: Las admisiones, la calidad de los datos, datos administrativos, la validación.


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* Lic. Ciências de Computadores, Pós-graduação em Informática, e em Informática Médica, especialista de Informática no Serviço de Bioestatística e Informática Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e membro do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Sistemas de Informação em Saúde. ** Lic. Matemática Aplicada-Ciência de Computadores, mestrado em Engenharia Electrotécnica e de Computadores, doutoramento em Ciências Empresariais, docente na FMUP nas áreas de Bioestatística e Informática Médica. Investigador do Grupo de Informática Médica do CINTESIS/SBIM/FMUP. *** Lic. Engenharia Electrotécnica e de Computadores, Pósgraduação em Informática Médica, especialista de Informática no Centro de Informática da FMUP, membro do CINTESIS. **** Lic.Medicina, assessor da FMUP no apoio ao ensino e à investigação científica. Colaborador do SBIM, coordenador do Centro de Informática da FMUP. Formador e auditor da codificação clínica no Hospital de São João, consultor da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). ***** Lic. Medicina, Doutoramento em Medicina, Professor catedrático da FMUP, Coordenador Científico do CINTESIS, Director do Serviço de Bioestatística e Informática Médica da FMUP.


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1. INTRODUÇÃO O ambiente competitivo vivido hoje em dia por parte das organizações leva estas a terem de responder à mais directa concorrência de forma algo agressiva, criando vantagem competitiva. Cada segundo perdido a obter os dados necessários para dar resposta a um pedido, por parte de um cliente, faz com que se possa ganhar ou perder uma adjudicação e consequentemente o cliente. Deste ponto de vista economicista, a informação assume um aspecto fundamental na sobrevivência das organizações, podendo mesmo fazer-se a analogia de que a informação é o "oxigénio" que mantêm vivas as empresas e as organizações, num ambiente cada vez mais "poluído" e devastador, que é a concorrência vivida entre elas. Para usufruírem desta vantagem competitiva, as organizações são obrigadas a manter os seus dados em perfeitas condições de qualidade. Pode parecer algo confuso estar-se a fazer uma abordagem tão economicista do assunto, mas as organizações de saúde em geral e os hospitais em particular são cada vez mais geridos como empresas, em que os doentes assumem cada vez mais o papel de clientes. Contudo, devemos considerar que esta "empresa" tem associado a si um conjunto de contingências próprias do mercado onde operam, onde avultam os aspectos relacionados com a assimetria da informação, com a limitação na soberania do cliente (o doente), com a existência de uma integração vertical incompleta, com a relação de agência e com a irrelevância do factor preço para racionalizar a tomada de decisões. Associado ainda a estes factores, devemos considerar o carácter complexo da sua actividade, e a não existência de um critério de sucesso para que possamos concluir que os hospitais se diferenciem ainda mais das tradicionais empresas que operam no mercado. Na área da saúde, o acesso à informação é cada vez mais importante, não só do ponto de vista clínico, para um correcto diagnóstico e tratamento da doença, mas também para a gestão das unidades de saúde e para a investigação epidemiológica (SHORTLIFFE, 2006). Nestes últimos anos, com a exponencial informatização dos hospitais, o volume de registos clínicos electrónicos aumentou significativamente; paralelamente a este aumento de volume


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começaram a surgir outros interesses na sua análise. Assim, estes dados passaram a ser usados não só como fonte para uma correcta tomada de decisão clínica, mas também a nível de investigação para estudos epidemiológicos (USLU et al., 2008). As bases de dados dos internamentos hospitalares, normalmente referenciadas como Dados Administrativos (DA), têm uma influência significativa na melhoria dos cuidados de saúde (PRICE et al., 2003). A obtenção destes dados não é muito dispendiosa; inclui, tipicamente, milhões de casos; e, geralmente, tem uma abrangência de nível mundial. Por outro lado, os DA podem conter erros e inconsistências, tanto nos códigos de diagnóstico como nos cirúrgicos (KASHNER, 1998, PEABODY et al., 2004, SZETO et al., 2002). Em Portugal, desde 1989, existem bases de dados de registos de internamento no SNS (Serviço Nacional de Saúde), conhecidas como bases de dados dos GDH’s (Grupos de Diagnósticos Homogéneos) ou também vulgarmente denominada por SONHO, que a nível nacional contabilizaram, no final de 2006, mais de 16 milhões de registos. Estes dados são recolhidos sistematicamente e constituem já uma fonte de conhecimento de valor inestimável. A sua exploração, ainda bastante incipiente, deveria ser facilitada, e mesmo incentivada, junto dos gestores, investigadores e clínicos. Pois, este manancial de informação tem visto limitado o seu acesso, e a possibilidade de análise dos dados pelos profissionais de saúde. Os DA podem assumir um papel importante tanto a nível clínico como socioeconómico. Eles permitem, por exemplo, o acesso à história clínica dos doentes, medir a produção de um hospital, e ainda gerar alguns indicadores de qualidade. Por estas razões, os DA são de grande importância para uma correcta e equilibrada gestão hospitalar. Com o desenvolvimento das tecnologias de informação, as bases de dados médicas tendem a ser mais utilizadas. A qualidade dos dados (QD) é um conceito relativo a cada objectivo e pode ser definido como “fitness for use”, ou seja, os dados podem ter qualidade apropriada para um determinado propósito, mas podem não a ter noutra situação (TAYI et al., 1998). Isto é especialmente verdade em bases de dados médicas, pois estas podem ter


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suficiente qualidade para análises económicas, mas não para determinados estudos clínicos ou epidemiológicos. Para que os dados tenham qualidade, devem respeitar quatro regras básicas: (1) coerência, (2) integridade, (3) consistência, e (4) actualidade (GERTZ et al., 2004, TAYI et al., 1998, WANG, 1998, WYATT et al., 2002). Podemos falar de três etapas para a produção dos dados, nas quais a QD está directamente relacionada, em conjugação como os seus intervenientes: produtores, armazenistas e consumidores. Os produtores são aqueles que produzem os dados (todos os profissionais envolvidos nos cuidados de saúde), e têm a seu cargo a regra do bom preenchimento dos dados, bem como a sua actualização; os armazenistas, os responsáveis pela gestão e manutenção dos dados (administradores de base de dados, técnicos) têm a seu cargo a consistência e a fiabilidade dos dados; os consumidores são aqueles que utilizam os dados (médicos, estatistas, gestores); o seu carácter crítico sobre a veracidade dos dados assume grande importância também nas correcções efectuadas (ORR, 1998, STRONG et al., 1997). A qualidade dos dados em Saúde assume grande relevância em muitas áreas de impacto. Para um médico, muitas vezes o mais importante não é ter acesso a todos os dados dos pacientes, mas antes que eles sejam coerentes, consistentes e ausentes de erros, permitindo assim uma mais correcta e eficaz tomada de decisão, tanto clínica como administrativa. Com o objectivo de melhorar o acesso e qualidade dos dados hospitalares, foi desenvolvida uma ferramenta de validação e análise; sendo que este trabalho vai justamente incidir no respectivo módulo de validação, mostrando os seus resultados efectivos para o desiderato.

2. MATERIAL E MÉTODOS Os dois elementos estruturais deste estudo são os dados que se pretendem analisar e a ferramenta com a qual isso será concretizado. A escolha concreta desses dados resultou dum enquadramento espácio-temporal do problema. A ferramenta usada é uma aplicação web, denominada ARCHI, que incorpora um módulo de validação com o qual,


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concretamente, se realiza o processo de recolha de erros, usando algoritmos próprios para o efeito. Esses erros são então interpretados de acordo com os correspondentes métodos de análise. 2.1. VANTAGENS DA SOLUÇÃO WEB A opção por uma solução web, deveu-se ao facto de num hospital os potenciais utilizadores estarem dispersos por toda a unidade de saúde e poderem ter múltiplos pontos de acesso. Por outro lado, a já existência de uma intranet Hospitalar facilitou em muito a divulgação desta aplicação, não sendo assim necessário proceder a qualquer tipo de instalação nos computadores-clientes para este poderem começar a usar a ferramenta. 2.2. ARCHI - ANÁLISE DE HOSPITALARES INTEGRADOS

REGISTOS

CLÍNICOS

O ARCHI é uma ferramenta para ambiente web, desenvolvida no Serviço de Bioestatística e Informática Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, que, mediante condições e critérios, prévia ou interactivamente estabelecidos, permite, em tempo real, a gestores e profissionais de saúde, consultar, listar e produzir estatísticas e relatórios sobre dados provenientes da produção hospitalar. Para além da análise intuitiva e/ou programada de dados clínico-administrativos o ARCHI permite ainda integrar e aceder, de modo simples, à informação clínica dos utentes hospitalares. 2.3. CARACTERIZAÇÃO DADOS

ESPÁCIO-TEMPORAL

DOS

Os dados estudados compreendem um período de 25 meses, entre Novembro de 2004 e Dezembro de 2006, o que corresponde ao período de produção da aplicação ARCHI, num grande hospital do Norte do país. O hospital em causa tem cerca de 1.400 camas, o que actualmente origina à volta de 50 000 novos internamentos por ano,


200

sendo estes registados informaticamente desde 1989, até totalizarem 800 mil registos no final de 2006. Os dados usados neste estudo foram importados da base de dados hospitalar SONHO – Sistema de Gestão de Doentes, para a base de dados relacional da aplicação com a estrutura apresentada na figura 1.

Figura 1: Esquema genérico da BD

O SONHO é uma BD fornecida pela ACSS – Administração Central do Sistema de Saúde, antigo IGIF, a todos os hospitais públicos pertencentes ao Sistema Nacional de Saúde. Esta BD é alimentada diariamente por um conjunto de programas (ex: SAM- Sistema de Apoio ao Médico) existentes nos


201

hospitais que permitem aos médicos introduzir e anexar informação ao processo clínico do utente. Estes mesmos dados podem ser caracterizados mediante três eixos de classificação, quanto ao seu formato, âmbito e funcionalidade. No que respeita ao formato pode-se falar em três modelos de dados: data, numérico e categórico. O modelo data refere-se aos dados cujos valores são datas, e que portanto se constituem individualmente em dia, mês e ano. Já o modelo numérico representa genericamente os dados cujos valores provêm de avaliações quantitativas e que, portanto, são intrinsecamente numéricos; por exemplo, a idade ou tempo de internamento. Por fim, o modelo categórico está associado àquelas variáveis que se constituem através de uma relação unívoca entre o código (que representa o valor em causa) e a respectiva descrição; havendo aqui exemplos como o diagnóstico, que aparece na base da dados representado por um código alfanumérico, mas que para a interacção com o utilizador obriga à sua tradução em linguagem natural. Em relação ao seu âmbito, ou seja, ao tipo de informação que contêm, pode-se classificar os dados em administrativos, clínicos e financeiros. Os dados administrativos serão aqueles que têm um carácter intrínseco ao doente e que, portanto, não só não aparecem por força dum episódio clínico ou hospitalar, como caracterizam os indivíduos em muitos outros contextos. São disso exemplo o número de processo do doente, a idade, o sexo, ou a entidade financeira responsável. No cerne deste tipo de base de dados estão, naturalmente, os dados clínicos, ou seja, aqueles que evidenciam os processos médicos que constituem os episódios hospitalares, de que são exemplos os diagnósticos, os procedimentos e as morfologias tumorais. Há ainda um outro tipo de dados que, embora aparentemente administrativos, resultam fundamentalmente dos processos clínicos em jogo e têm um carácter financeiro, ou seja, pertencem ao sector da facturação (GDH’s e valor facturável). Quanto à funcionalidade, ou seja, quanto à forma como se podem agrupar os dados para uma melhor manipulação e estudo, é usada a seguinte divisão: Utente (Identificação do utente) (nºde doente, data de nascimento, peso ao nascimento, sexo, total de


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internamentos por utente, idade, área da residência, entidade financeira responsável); Admissão (hospital, nºde episódio de internamento, data de admissão, tipo de admissão, proveniência externa, transferência de outra unidade de saúde, causa externa de admissão, diagnóstico de admissão); Internamento (todos os serviços de internamento, 1º serviço de internamento, serviço de alta, total de dias de internamento por serviço, total de dias de internamento em UCI, data da 1ª intervenção cirúrgica, total de dias em pré-operatório, total de dias de internamento); Informação Clínica (causas externas secundárias, diagnóstico principal, diagnósticos secundários, procedimentos cirúrgicos ou de diagnóstico, morfologia tumoral, médico codificador); Alta Hospitalar (data de alta, resultado do internamento, destino após alta, transferência para outra unidade de saúde, motivo da transferência, médico que assinou a alta); e GDH’s (GCD/Grupo de Diagnóstico Homogéneo, valor facturável). 2.4. ALGORITMO DE VALIDAÇÃO Antes de se poder validar os dados é necessário procederse à sua importação (processo efectuado diariamente), cujo respectivo processo tem a função de inquirir a BD original à procura de novos registos. Como nesta BD apenas existe um campo com a data da criação, ou seja, não há possibilidade de monitorizar os registos que foram modificados, existe um ponteiro que percorre os registos por ordem cronológica e todos os dias marca 30 000 para serem também importados. Sendo assim, qualquer registo que contenha erros pode vir a ser validado em mais do que um ciclo completo de importação (tempo que leva o ponteiro a percorrer todos os registo da BD), caso não tenha sido corrigido entretanto. O processo de validação foi demorado e exaustivo no âmbito da investigação e aquisição de conhecimentos respeitantes aos dados. Foi necessário fazer um levantamento do tipo de validação adequado a cada campo, o que levou à criação de um relatório de validações, contendo algoritmos específicos para os campos. Exemplo disso o campo “BIRTH_WGT”, referente ao peso ao nascimento (Figura 2). Os erros resultantes do processo de validação foram divididos em dois níveis de exigência: críticos e não críticos (Tabela 1). Considerou-se crítico aquele que interfere com a integridade referencial da BD (ex: introdução de um códigos de diagnóstico não


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existente) e que coloca em risco a coerência do registo clínico; em contrapartida, um erro não crítico é aquele que não prejudica gravemente a coerência da BD (ex: área de residência não preenchida).

BIRTH_WGT Este campo é de preenchimento obrigatório quando se trata e um recémnascido, cujos diagnósticos começam por “V3”. Está preenchido? • Não Æ No campo DDX1 há um diagnóstico do tipo “V3”? ♦ Sim Æ emitir erro crítico. ♦ Não Æ ok. • Sim Æ No campo DDX1 há um diagnóstico do tipo “V3”? ♦ Sim Æ O valor do BIRTH_WGT é >400 e <9000? ¾

Sim Æ ok.

¾

Não Æ emitir erro crítico.

♦ Não Æ emitir erro crítico.

Figura 2 – Algoritmo para o campo “peso ao nascimento”

Os registos nos quais sejam detectados erros terão destinos diversos, conforme se tratem de novos registos ou de actualizações, e com o tipo de erros em causa. Tabela 1 – Destino dos registos depois de validados Inserção de um novo registo

Actualização de um registo

Erro Crítico (EC)

O registo é marcado e rejeitado

O registo é marcado e rejeitado

Erro não Crítico (ENC)

O registo é marcado mas é aceite

O registo é marcado e rejeitado

Todos os erros gerados no acto da validação são guardados em tabelas para posteriormente poderem ser auditados. Nessas tabelas é registada informação relativa à data e hora, número do registo, valor e nome do campo e ainda o tipo de erro (crítico ou não crítico). Estes dados são indispensáveis para a consequente produção de relatórios.


204

Os ditos relatórios são enviados por correio electrónico (Figura 3) aos responsáveis por cada fase do processo de importação, ou seja, erros relativos à consistência dos dados são enviados para as pessoas que procedem à manutenção das BD do hospital, erros inerentes a problemas ocorridos durante o processo revertem para os técnicos do projecto.

Figura 3 – Esquema do fluxo da informação durante o processo de importação e validação de um registo

2.5. MÉTODOS DE ANÁLISE Durante os 25 meses decorreram dois estudos em paralelo, um referente à qualidade dos dados, outro relativo ao volume de utilizadores e respectivo número de relatórios obtidos. No primeiro estudo, como forma de uniformizar os resultados, escolheram-se 4 períodos de tempo, cada um com 5 meses consecutivos, havendo entre eles intervalos de dois meses. Para se obterem os dados necessário à análise do primeiro estudo, utilizaram-se as tabelas onde diariamente são guardados os erros ocorridos no processo de validação. No segundo, o objecto de análise foram duas tabelas, uma de sessões e outra de operações. Na primeira são guardados os dados relativos às entradas e saídas dos utilizadores na aplicação; a outra contém todos os passos dados pelos utilizadores durante uma determinada sessão, podendo, assim, obter-se quais e quantos os relatórios que foram visualizados.


205

3. RESULTADOS No primeiro período, entre Novembro de 2004 e Março de 2005, justamente quando se procedeu à instalação da ferramenta, o processo de validação dos dados detectou 35% de registos com erros, dos quais 29,75% eram ENC e 6% EC. É necessário recordar que os registos com EC não são importados para a base de dado da aplicação, e portanto aí alguns doentes ficam com seu processo clínico incompleto ou desactualizado. Tabela 2 – Evolução do número de erros ao longo dos 25 meses Nov 04 - Mar 05 Nº

%

Jun 05 - Out 05 Nº

%

Jan 06 - Mai 06 Nº

%

Ago 06 - Dez06 Nº

%

Total Registos

2.895.256

Total Erros

1.013.316

35,00

775.887

28,81

645.825

26,32

953.260

24,31

ENC

861.318

29,75

657.176

24,40

543.784

22,16

834.148

21,27

EC

173.795

6,00

27.218

1,01

3.566

0,15

5.112

0,13

2.693.326

2.453.454

3.921.268

Com o decorrer do estudo, observou-se que, passados 7 meses de utilização da aplicação no hospital, entre Junho e Outubro de 2005, o número de EC já tinha diminuído drasticamente, acabando por representar apenas 1,01% dos registos importados. Esta grande diminuição deveu-se também ao facto de o programa de validações ter descoberto inconsistências em alguns algoritmos de cálculo, usados pelo hospital para a obtenção do valor de certas variáveis. Exemplo disso foi a descoberta que a idade de um utente era calculada com base na subtracção do ano de entrada no hospital menos o ano da data de nascimento, ou seja não levava em consideração os dias nem os meses. Neste momento, ao fim de 25 meses em produção, o ARCHI obteve indicadores na qualidade de dados bastante surpreendentes, pois em resultados analisados nos últimos 5 meses de 2006 registou-se 0,13% de EC e 21,27% de ENC (Tabela 2).


206

Como já foi referido anteriormente, em paralelo com este estudo decorreu a análise do número de sessões e de relatórios retirados da aplicação por parte dos utilizadores (Figura 4). Pode-se observar que o número de relatórios subiu gradualmente ao longo dos anos de 2005 e 2006, principalmente nos últimos meses de cada um deles, respectivamente para 1608 e 3101. Estes números revelam que, de um ano para o outro, os profissionais de saúde e gestores hospitalares ganharam mais confiança nos dados da aplicação e passaram a obter do ARCHI os seus relatórios anuais de produção, tanto a nível hospitalar como individualizadas por serviço. Análise do núme ro de se ssõe s e de re latórios por trime stre Nº de Sess ões

Nº de Relatórios

4000 3101

3500 3000 2500 1608 2000

1389

1205

1500

806

972

523

1000 500

53

439

319

177

42

485

379

434

292

-N ov Se t0 6

-A go 06

06

06

06 Ju n

M ar 06

-M ai

06 D ez

05

-N ov

-F ev

05

05 Se t0 5

Ju n

05

-A go

-M ai M ar 05

D ez

04

-F ev

05

05

0

Figura 4 – Análise do número de sessões e de relatórios por trimestre

4. DISCUSSÃO O sistema de validações da aplicação permitiu a detecção de erros existentes na BD, com o recurso a algoritmos de cálculo automático sobre algumas das variáveis. Esta melhoria deve-se a dois factores determinantes: um é a diversidade de regras internas de validação existente no ARCHI; outro, uma maior disponibilização dos dados, o que permitiu que um número mais abrangente de profissionais de saúde possa inquirir sobre a sua veracidade. Diariamente, é gerado e enviado para os responsáveis da base de dados no hospital um relatório dos erros encontrados no


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processo de importação e validação. A detecção de situações anómalas, i.e., a emissão de alertas relativos a registos com erros, leva a que as correcções sejam efectuadas na origem, permitindo uma diminuição clara no número de erros encontrados ao longo do tempo. Isto não só torna os dados mais fiáveis e coerentes na BD da aplicação, como também contribui para a sua correcção no hospital. A melhoria na qualidade dos dados na origem é evidente nos valores actuais dos registos de internamento com erros. Presentemente, chegam à aplicação cerca de 21,27% de registos com ENC e 0,13% com EC; isto mostra que em 25 meses de utilização da aplicação os dados inconsistentes sofreram uma significativa redução (97,8% nos EC e 28,5% nos ENC).

5. CONCLUSÕES Na análise dos resultados podemos facilmente constatar que esta ferramenta, com um algoritmo de validação simples, mostrou ser eficaz na redução da percentagem de erros existentes em bases de dados hospitalares. Em termos de erros críticos essa redução mostrou-se ainda mais efectiva, uma vez que pelo seu carácter complexo e urgente eram os primeiros a ser corrigidos pelos responsáveis das BD. Podemos também verificar que foram apenas necessários 7 meses para reduzirmos os 6% de erros críticos para apenas 1 %. Logo se constata que os resultados são obtidos num curto espaço de tempo. Após a instalação da ferramenta, é possível usufruir rapidamente das vantagens inerentes à aplicação, ou seja a melhoria efectiva da qualidade dos dados. Em registos anteriores a 1996 encontram-se certos dados omissos de difícil correcção, fundamentalmente porque os processos em papel, donde seriam originários os correspondentes valores, tanto podem estar extraviados como os dados neles pretendidos serem ilegíveis ou inexistentes. Acresce que esta situação gera uma significativa percentagem de erros não críticos, cuja persistência acaba por se expressar nos valores antes apresentados, todavia sempre em decréscimo.


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Tendo agora um conhecimento mais efectivo sobre os problemas das BD hospitalares, e um maior domínio sobre as suas variáveis, estamos preparados para proceder a novas actualizações no algoritmo, com o objectivo de o tornar mais inteligente e adaptativo.

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ANIMAÇÃO DE PERSONAGEM 3D: EXPRESSÃO FACIAL 3D CHARACTERS ANIMATION: FACIAL EXPRESSION LA ANIMACIÓN DE PERSONAJES 3D: EXPRESIÓN FACIAL José Carlos Miranda * (jcmira@ipg.pt)

RESUMO Durante os últimos anos, emergiu um interesse crescente em animação 3D de caracteres e expressões faciais. EsTe facto está relacionado com a nova participação de actores virtuais em televisão, cinema e indústrias de jogos interactivos, entre outros. Nestes casos, o objectivo principal é criar personagens virtuais que simulam o corpo e todos os detalhes de movimento do rosto, da forma mais realista possível. Neste artigo é efectuada uma revisão dos métodos mais usados na animação 3D. O método base do esqueleto é o mais utilizado para criar os movimentos principais, como o andar, por exemplo; os métodos base de mistura de formas são usados para criar deformações mais subtis. Em áreas que exigem um maior controlo e realismo, como alguns músculos do rosto, é possível adicionar camadas de deformação. Normalmente, curvas de NURBS ou grelhas de FFD são usadas para realçar algumas características do rosto. Os vários métodos têm vantagens e desvantagens. Assim, a melhor solução é combinar as diferentes técnicas. Palavras-chave: Animação de personagem, Objectos de Deformação, Transformação, Animação do esqueleto, Expressão Facial.

ABSTRACT During the last years a growing interest in 3D animation of characters and facial expressions has emerged. This is related with the new participation of virtual actors in television, cinema and interactive games’ industries among others. In these cases, the main goal is to create virtual characters that simulate body and all the facial movement details, in the most realistic possible way. In this paper a study about the most used 3D animation methods is presented. The skeleton based methods are the most used to create the character main movements, like walking, and the blend shapes based methods are used to create more subtle deformations. In regions that require a bigger control and realism, like some


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face muscles, it is possible to add deformation layers. Usually, NURBS curves or FFD grids are used to emphasize some facial features. The various methods have advantages and disadvantages, thus the best solution is to combine the different techniques. Keywords: Character Animation, Deformable Objects, Morphing, Skeletal Animation, Facial Expression.

RESUMEN Durante los últimos años ha surgido un interés creciente en la animación 3D de caracteres y expresiones faciales ha surgido. Esto está relacionado con la nueva participación de actores virtuales en la televisión, el cine y en industrias de juegos interactivos entre otros. En estos casos, el principal objetivo es de crear caracteres virtuales que simulan cuerpo y todos los detalles de movimiento de rostro, de forma más realista. En este artículo se realiza una revisión de los métodos más utilizados en la animación 3D. El método de base del esqueleto es el más usado para crear los principales movimientos, como andar, y los métodos base de mezcla de formas son utilizados para crear deformaciones más sutiles. En las areas que requieren un mayor control y realismo, como algunos músculos de rostro, es posible añadir capas de deformación. Normalmente, curvas de NURBS o cuadrículas de FFD son utilizadas para acentuar algunas características de rostro. Los varios métodos tienen ventajas y desventajas, así la mejor solución es de combinar las diferentes técnicas. Palabras-clave: Animación del personaje, Objetos de Deformación, Transformación, Animación del Esqueleto, Expresión Facial.

* Mestre em Tecnologia Multimédia, Professor da Escola de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico da Guarda.


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1.INTRODUÇÃO Os primeiros registos de animação datam de 2000 a.C., quando os egípcios pintavam nas paredes das cavernas sequências de lutas e cenas de adoração. Somente em 1828 a animação pôde ser explicada pelo entendimento do princípio fundamental do olho humano: a persistência da visão. Na animação tradicional, a ilusão do movimento era conseguida através dos vários desenhos criados pelo artista e gravados frame a frame numa sequência de imagens. A animação por computador foi baseada na animação tradicional e começou por utilizar métodos muito simples, como a técnica de Keyframe. Um keyframe é qualquer frame de uma animação onde supostamente ocorre um evento específico importante. Os frames localizados entre os keyframes são chamados de inbetweens e são calculados por interpolação linear. Trata-se de uma técnica antiga, introduzida por Burtnyk e Wein (1971), que produz resultados pouco satisfatórios, como movimentos pouco suaves, descontinuidade na velocidade e distorção nas rotações, como se pode ver na Figura 1.

Figura 1 – A interpolação linear produz uma redução indesejada no comprimento do braço (Magnenat-Thalmann ; Thalmann, 1993)

Kochanek e Bartels (1984) introduziram um método de interpolação mais robusto, denominado de “interpolação spline” e que utiliza funções cúbicas. O método permite controlar cada ponto de uma curva através de 3 parâmetros: tensão, continuidade e inclinação, obtendo desta forma movimentos mais suaves. Watt e Watt (1992) apresentam uma perspectiva geral sobre os diferentes tipos de splines. Posteriormente, técnicas de simulação baseadas na cinemática e dinâmica foram importadas da Robótica, ao mesmo


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tempo que eram desenvolvidos métodos de rendering sofisticados. Este tipo de animação, conhecido como “Animação Procedimental e Simulação”, consiste basicamente na utilização de modelos matemáticos, implementados em linguagens de programação para simulação de forças físicas, como, por exemplo, o caminhar de um personagem, a expressão facial, o movimento de roupas, etc. Algoritmos de “cinemática inversa (IK)” são apresentados em Welman (1993) como necessários para “ligar” um personagem ao meio ambiente, dando-lhe a possibilidade de, através de movimentos minimamente realistas, interagir com esse ambiente; por exemplo, caminhar sobre um chão irregular. Por outro lado, quando se pretende que o personagem 3D agarre ou toque num objecto, já é necessária alguma integridade “dinâmica”. Enquanto a cinemática procura descrever os movimentos sem se preocupar com as forças que os originam, a dinâmica estuda a relação existente entre as forças e o movimento. Arnaldi et al. (1989) apresentam vários métodos de animação baseados na dinâmica. Com o desenvolvimento da tecnologia e o aparecimento de dispositivos de realidade virtual, começaram a emergir sistemas de captura de movimento. “Captura de Movimento (MoCap)” é uma técnica que permite mapear os movimentos de um actor real para um personagem 3D. Os sistemas de captura de movimento evoluíram muito nas últimas décadas com algoritmos capazes de reconhecer os marcadores no corpo de uma pessoa. Actualmente, existem basicamente quatro tipos: óptico, mecânico, magnético e acústico. O sistema óptico é o mais utilizado uma vez que oferece ao actor uma maior liberdade de movimentos, já que não há a necessidade de cabos ligados ao corpo. O sistema utiliza pequenos discos reflectivos que são fixados ao corpo do actor. A área de actuação é gravada com várias câmaras de vídeo, cada uma equipada com uma fonte de luz, geralmente infra-vermelha, dirigida para iluminar a área de visão da câmara. Os discos reflectem a luz na direcção da câmara e um computador capta e sincroniza a imagem. Os dados das posições x, y, z de cada marcador são aplicados a um sistema de cinemática inversa para animar um esqueleto 3D. Uma desvantagem deste sistema é a facilidade com que o corpo do actor pode obstruir a reflexão dos discos. Esse problema pode ser contornado com a utilização de mais câmaras. Os sistemas de captura de movimento apresentam a grande vantagem de produzir animações bastante realistas.


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A criação de novos movimentos através de animações predefinidas denomina-se de “Síntese de Movimento” e implica a existência de uma biblioteca de movimentos previamente definidos e algoritmos para adaptar esses movimentos a outros objectos. Síntese de movimento é, no momento em que se escreve este documento, um importante e activo campo de investigação. Em Liu e Popovic (2002) ou Arikan et al. (2003) pode ser encontrada informação fundamental sobre este assunto. Nos últimos anos tem-se assistido a um crescente interesse na animação de personagens 3D e na expressão facial. Este interesse está relacionado com a crescente participação de actores virtuais na indústria da televisão, cinema, jogos interactivos, comunidades virtuais, e outros. Nestas novas áreas de aplicação, a interactividade e o tempo real são aspectos fundamentais. Embora recentes trabalhos produzam resultados realistas com relativa rapidez de execução, todo o processo de produção existente num pipeline de animação requer muita intervenção humana. O grande objectivo na investigação de novas técnicas de animação 3D tem sido a procura de metodologias capazes de automatizar algumas dessas tarefas e que operem em tempo real. Este documento tenta sintetizar vários assuntos relacionados com a animação de personagens 3D e com a expressão da face humana, e está organizado da seguinte forma. Na secção 2 são feitas algumas considerações fundamentais sobre a animação do esqueleto e apresentados, com algum formalismo, alguns dos métodos mais utilizados na animação de personagens 3D. A animação facial é tratada na secção 3, onde são abordados assuntos relacionados com a parametrização e com o rigging facial. Por último, na secção 4, é apresentado um sumário e a conclusão.

2. ANIMAÇÃO DE PERSONAGENS 3D A animação de personagens envolve tipicamente dois tipos de movimentos. Os movimentos primários, que consistem, basicamente, em definir os movimentos principais do personagem, como, por exemplo, o caminhar ou rodar a cabeça, e os movimentos secundários, relacionados com pequenas subtilezas


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que adicionam realismo à animação, como é o caso da contracção de pequenos músculos da face ou a respiração.

2.1. DEFINIÇÃO DE UM ESQUELETO Para representar personagens animadas, é conveniente armazenar as relações entre cada parte móvel diferente dos elementos geométricos que compõem o personagem. Tomando como exemplo o homem, as partes responsáveis pela deformação e movimento do personagem 3D recebem o nome dos seus correspondentes com a estrutura real do corpo humano. Os ossos são elementos individuais definidos a partir do seu comprimento e vector “direcção” e estabelecem a ligação entre duas articulações. As articulações são os pontos pivots de rotação que estabelecem a ligação entre os ossos e podem apresentar até três eixos de rotação. Como se pode ver na Figura 2, o esqueleto é uma estrutura hierárquica formada por ossos e articulações. Além da parte óssea, ainda há que considerar a pele e os músculos, que, além de limitar o movimento do esqueleto, permitem a deformação da malha.

Figura 2: Um esqueleto básico, constituído por ossos (linhas) e articulações (círculos)

O processo de criar um esqueleto e “ligá-lo” a uma determinada personagem é conhecido como rigging. Criar o rig de um personagem requer tempo, experiência e conhecimento da anatomia do personagem (Henry-Biskup, 1998). Para fixar a malha do personagem ao esqueleto, isto é, definir quais os vértices da malha que são influenciados por determinado osso, podem ser usados algoritmos heurísticos (Mohr e Gleicher, 2003). O método


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manual de fazer esta atribuição de vértices aos ossos é conhecido por weigth-painting e está implementado na maioria dos softwares de animação 3D. 2.2. CINEMÁTICA PARA ANIMAÇÃO DO ESQUELETO Para criar a animação de um esqueleto é necessário definir um conjunto de keyframes. Essas posições-chave são geralmente criadas através de técnicas de cinemática directa (FK) e cinemática inversa (IK), tal como descrito em Welman (1993). A cinemática directa usa a metodologia de hierarquia topdown, onde a posição das articulações “pai” interfere nas articulações “filho” (Figura 3).

Figura 3: Cinemática directa (FK) e inversa (IK) (Magnenat-Thalmann, Thalmann, 1993)

A cinemática directa é uma boa introdução para a compreensão da estrutura básica de árvore de uma animação, mas torna-se complexa, porque todos os ossos “filhos” ficam dependentes de qualquer animação que se fizer no osso “pai”. Os esqueletos FK são geralmente usados em cenas com pouco movimento. A cinemática inversa utiliza a metodologia de hierarquia inversa, na qual a posição e orientação das articulações e membros “pai” vai ser calculada a partir da posição final da articulação “filho” da hierarquia, ou seja, um osso do pé, na sua posição final, definirá como os outros ossos do joelho e anca deverão rodar e posicionarse, tornando a animação de um andar muito mais realista (Figura 3). Comparando-se as duas técnicas, percebe-se que algoritmos IK possibilitam a criação de movimentos mais complexos e realistas; porém, o facto de o movimento ser definido por uma


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função pode resultar em movimentos indesejados (Azevedo e Conci, 2003).

2.3. ANIMAÇÃO E DEFORMAÇÃO DE SUPERFÍCIES Inicialmente, a animação era realizada apenas com objectos rígidos; mais tarde surgiram os objectos articulados e, recentemente, aqueles ditos flexíveis ou deformáveis. A animação de personagens ou objectos deformáveis exige que se possua um modelo geométrico que permita a mudança de forma ao longo do tempo. Em computação gráfica, isso pode ser definido através de métodos numéricos (elementos finitos ou de contorno) ou de modelos físicos de curvas, superfícies, ou mesmo sólidos deformáveis. As deformações da superfície do personagem justificam-se por um variadíssimo número de razões. De acordo com Ghyme et al. (2000), a maior parte dessas deformações podem ser classificadas em seis categorias: 1. Bending; 2. Twisting; 3. Saliências; 4. Rugas; 5. Face; 6. Cabelo e Roupa; Bending pode ser visualizada quando se dobra os braços e as pernas. Twisting ocorre quando se roda o pescoço ou a cintura. Estas são as deformações mais visíveis que ocorrem num personagem. As rugas são muitas das vezes efeitos secundários dessas deformações. A contracção dos músculos causa saliências e rugas. A deformação facial é provocada pelo movimento dos músculos faciais. É menos visível, mas muito importante nos grandes planos e para expressar emoções. As deformações do cabelo e roupa são necessárias para adicionar realismo extra, mas muito complexas para executar em tempo real. As malhas poligonais são geralmente deformáveis, movendo os seus vértices. Para tal, são necessárias adequadas técnicas de deformação. A seguir, vão ser apresentadas três técnicas de deformação muito utilizadas na animação de personagens. 2.3.1. Morphing with Blend Shape Interpolation Morphing é uma técnica que transforma uma imagem A numa imagem B através de uma transição suave. Esta técnica pode


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ser aplicada a modelos 3D através do algoritmo blend shape interpolation, também conhecido como morph target animation, shape blending ou multi-target morphing. Este assunto é amplamente discutido em Lewis et al. (2000). A primeira fase consiste em criar diferentes modelos da mesma personagem. Estes modelos são chamados blend shapes e apresentam deformações específicas da personagem (Figura 4).

Figura 4: Blend shapes que representam as expressões básicas: feliz, triste, zangado e surpreso (Orvalho, 2007)

Estes modelos devem apresentar a mesma estrutura (mesmo nº de vértices, mesma conectividade, correspondência de vértices nos diferentes modelos). A deformação do personagem é a combinação linear do número total de blend shapes. A equação 1 descreve a forma de calcular os novos vértices: (1) vk é o vértice do blend shape k, wk é a influência do blend shape k e n é o nº total de blend shapes.

A grande vantagem desta técnica reside no facto de as expressões e deformações pretendidas serem definidas na modelação, o que torna possível realizar deformações de grande subtileza. Pelo contrário, e como já foi referido na secção 1, as interpolações lineares apresentam problemas nas rotações, causando, assim, efeitos indesejados em algumas deformações básicas, como o bending e o twisting (Figura 5).


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Figura 5: Distorção visível no movimento de rotação do braço (Garstenauer; Kurka, 2006)

Outra desvantagem é o grande consumo de memória, uma vez que é necessário armazenar a posição de todos os vértices dos

blend shapes.

Esta técnica é muito utilizada na animação facial, para criar o efeito da contracção dos músculos e também é usada para simular o efeito da roupa amarrotada. 2.3.2. Skeletal Animation with Smooth Skinning Skeletal Animation é actualmente a técnica mais popular na animação de personagens 3D. A ideia-base é a de que a superfície do modelo é deformada sobre um esqueleto. O algoritmo mais utilizado é conhecido como smooth skinning e citado em várias publicações como Mohr e Gleicher (2003), Lewis et al. (2000), Sloan et al. (2001), Wang e Phillips (2002), com diferentes designações, tais como linear blend skinning, skeleton-subspace deformation (SSD), matrix deformation ou single-weight enveloping. A primeira fase consiste em criar o modelo da personagem numa posição neutra, conhecida como rest pose, ou dress pose, ou binding pose (Figura 6), e produzido o seu rigging, que envolve a criação de um esqueleto e a “ligação” dos ossos à superfície do modelo. Cada osso tem o seu próprio sistema de coordenadas. Assim, quando um osso se move, todos os vértices que estão sob a sua influência sofrem o mesmo movimento. No caso de um vértice estar atribuído a ossos diferentes, o deslocamento resultante é um somatório “pesado” dos movimentos de cada osso. A influência de um osso k sobre um vértice v é estimada por um valor wk (wk ∈ [0,1] e o ∑wk =1).


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Figura 6: Personagem 3D com esqueleto, em posição neutra (Garstenauer; Kurka, 2006)

Para criar uma nova pose do modelo basta definir uma nova posição do esqueleto. Cada vértice v da nova posição é calculado pela equação 2. (2)

MRest,k é a matriz de transformação do osso k, na posição neutra (rest pose), e Mk é a matriz de transformação do osso k, na nova posição. Inicialmente, M-1Rest,k v transforma o vértice v da posição neutra (rest pose) para o sistema de coordenadas do osso k. A seguir, Mk transforma esse vértice para a nova posição do espaço. Isto é feito para todos os ossos que influenciam o vértice v. As posições resultantes sofrem, depois, uma combinação linear tendo em conta os valores wk. Este algoritmo tem uma excelente performance, já que utiliza cálculos matemáticos simples; tudo se resume a combinações lineares e multiplicação de matrizes. As deformações também são simples de controlar com esqueletos. Outra vantagem reside no facto de personagens diferentes poderem partilhar o mesmo


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esqueleto, o que significa que animações produzidas para um modelo podem ser reutilizadas em diferentes modelos. Para além das vantagens enunciadas, o algoritmo apresenta alguns problemas nos vértices partilhados por mais do que um osso, como acontece com o cotovelo (Figura 7).

(a) (b) Figura 7: Problema do cotovelo conhecido como (a) “collapsing elbow” e (b) “candy-wrapper” (Lewis et al., 2000)

Mohr e Gleicher (2003) e Weber (2000) apresentam algumas estratégias para resolver este problema. Outra desvantagem do smooth skinning é que este algoritmo não permite o controlo directo sobre os vértices da superfície, mas sim sobre os ossos, o que prejudica algumas deformações mais complexas, como, por exemplo, a simulação de rugas. Para ultrapassar este problema é necessário adicionar mais ossos na região onde se pretende aplicar a deformação. Este algoritmo é muito utilizado nas deformações principais dos personagens, como o caminhar, rodar a cabeça ou a cintura, etc. Também pode ser utilizado para simular a contracção de músculos, mas, como já foi referido, é necessário adicionar mais ossos de controlo na região de deformação. Como se pode ver em Unreal (2007), a próxima geração de motores de jogos como o Unreal Engine 3 vai usar extensivamente o smooth skinning, utilizando modelos com diferentes níveis de detalhe que podem ir dos100 aos 200 ossos. 2.3.3. Free-Form Deformation Free-Form deformation (FFD) foi inicialmente introduzido por Sederberg e Parry (1986) como uma técnica para deformar geometricamente objectos. Mais tarde, trabalhos apresentados por Coquillart e Jancene (1991) demonstraram que FFD pode ser usado como uma técnica de animação. O princípio desta técnica consiste


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em colocar uma grelha 3D de pontos de controlo (lattice1) sobre a superfície do objecto que se pretende deformar. A grelha de controlo é então deformada, e essa deformação é aplicada à superfície do objecto (Figura 8). O algoritmo pode ser usado para deformar superfícies paramétricas ou malhas poligonais.

(a) (b) Figura 8: FFD aplicado a uma superfície cilíndrica. (a) posição neutra. (b) deformação (Garstenauer e Kurka, 2006)

A grelha de controlo é constituída por pontos de controlo Pijk e tem o seu próprio sistema de coordenadas (s,t,u). Cada ponto X do espaço cartesiano pode ser mapeado para o espaço de coordenadas (s,t,u) e vice-versa, através das equações 3 e 4. (3)

e (4)

A posição dos pontos de controlo é definida pela equação 5. (5)

1 um objecto lattice é um objecto simples que serve para controlar um objecto mais complexo.


222

Inicialmente, cada ponto da superfície tem de ser mapeado para o sistema de coordenadas (s,t,u). Posteriormente, a grelha de controlo é deformada deslocando as posições dos seus pontos de controlo Pijk. A posição correspondente Xffd da superfície pode ser obtida através da equação 6. (6)

São utilizados polinómios de Bernstein para calcular os Bl,i(s), Bm,j(t) e Bn,k(u). Mais informação sobre este assunto pode ser encontrada em Coquillart e Jancene (1991). O inconveniente desta técnica é o tempo de processamento, uma vez que exige muitos cálculos por ponto de superfície. MacCracken e Joy (1996) apresentam alguns melhoramentos ao clássico FFD. As grelhas de controlo FFD podem ser colocadas em regiões específicas do personagem, permitindo, assim, a deformação dos músculos do corpo ou da face, a animação de roupas ou do cabelo.

3. ANIMAÇÃO FACIAL Um dos aspectos mais importantes a considerar na animação de personagens é a “expressão facial”. A face é uma estrutura muito irregular, que varia de personagem para personagem e desempenha um papel fundamental na transmissão de emoções. O problema torna-se mais complexo quando se trata de uma personagem humana e é necessário simular todos os detalhes que compõem a face, tais como os músculos, os ossos ou as rugas. A simulação destes detalhes deve ser o mais realista possível, para captar todas as subtilezas únicas de uma expressão facial, sob pena de se obterem resultados estranhos, conhecidos como Uncanny Valley (Mori, 1982). A animação facial é hoje uma importante área da animação, em crescente desenvolvimento e fortemente influenciada por toda a investigação já iniciada para a animação do resto do corpo. Contudo, comparando a face de um personagem com o resto do


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seu corpo, percebe-se, de imediato, diferenças significativas que se devem ter em conta, tais como a necessidade de um maior número de músculos para criar uma expressão facial do que para criar uma posição específica do corpo, ou a cabeça não poder ser animada apenas com uma articulação, como acontece com algumas partes do corpo. Para serem obtidos resultados realistas na animação de uma face, é necessário utilizar um maior número de deformadores para simular as animações produzidas pelos músculos da face, atribuir um maior número de ossos para influenciar regiões específicas da face e implementar um grande número de controladores para manipular toda a estrutura da cabeça e regiões secundárias da face. A expressão facial humana foi assunto de investigação científica por mais de cem anos. Os esforços em relação à expressão facial por computador começaram há mais de trinta anos, no inicio da década de setenta do século passado. É interessante perceber que a maioria das técnicas actualmente utilizadas envolve os princípios desenvolvidos várias décadas atrás. A primeira animação facial 3D foi criada por Parke (1972). Desde então, diferentes abordagens sobre o assunto têm sido desenvolvidas e classificadas em duas categorias principais: “manipulação geométrica 3D ou manipulação de imagem 2D”. Não é muito claro perceber a qual categoria um determinado método pertence, uma vez que as fronteiras entre estas duas tecnologias não estão muito bem definidas. Manipulação geométrica normalmente inclui técnicas como keyframe, parametrização, modelos baseados na física e outros; manipulação de imagem inclui técnicas de morphing e blend shaping. Um bom survey que apresenta uma classificação para os métodos de animação facial pode ser encontrado em Noh e Neumann (1998). Análise e compreensão facial é uma outra área que influencia as actuais tendências da síntese facial. Zhao et al. (2003) apresentam um documento detalhado sobre reconhecimento facial que pode dar uma perspectiva diferente para complementar a investigação actual.

3.1. PARAMETRIZAÇÃO FACIAL A parametrização facial consiste em definir um conjunto de parâmetros que são usados para controlar os movimentos faciais. Em vez de se manipular directamente a geometria do modelo,


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trabalha-se num nível de abstracção mais elevado. Definir uma óptima parametrização é uma tarefa complexa e difícil; a investigação tem mostrado que não existe nenhuma parametrização ideal por ser difícil satisfazer todas as necessidades existentes nesta área da animação. Parke (1974) desenvolveu o primeiro modelo facial 3D parametrizado que permitia obter deformações na face humana através de uma definição ad-hoc de parâmetros. Ekman e Friesen (1978) definiram um sistema para descrever e avaliar o comportamento da face humana denominado Facial Action Coding System (FACS)2. Este sistema tornou-se um standard para categorizar as expressões físicas das emoções e é actualmente usado por animadores e psicólogos. Neste sistema, as expressões faciais são codificadas por movimentos faciais básicos, conhecidos como Action Units (AUs). Actualmente, existem 66 AUs que representam contracções e relaxações de um ou mais músculos faciais. Na Tabela 1 são apresentados alguns exemplos. Tabela 1 – Movimentos faciais básicos (AUs) AU

FACS Name

AU

FACS Name

1

Inner Brow Raiser

12

Lid Corner Puller

2

Outer Bow Raiser

14

Dimpler

4

Brow Lower

15

Lip Corner Depressor

5

Upper Lid Raiser

16

Lower Lip Depressor

6

Cheek Raiser

17

Chin Raiser

7

Lid Tightener

20

Lip Tightener

9

Nose Wrinkler

23

Lip Tightener

10

Upper Lid Raiser

16

Jaw Drop

(Noh e Neumann, 1998)

As expressões faciais são geradas combinando diferentes AUs (Tabela 2). Por exemplo, combinando AU1(Inner brow raiser), AU4 (Brow Lower), AU15 (Lip Corner Depressor), e AU23 (Lip Tightener) é criada a expressão de tristeza. Definir os parâmetros adequados para controlar e animar os músculos de uma face de forma a obter expressões realistas é uma tarefa complexa mas fundamental. Na secção seguinte é feita uma descrição dos métodos de parametrização baseados em músculos que mais contribuíram para o desenvolvimento da investigação nesta área. 2

http://www.face-and-emotion.com


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Tabela 2 – Expressões faciais básicas Basic Expressions

Involved Action Units

Surprise

AU1, 2,5, 15, 16, 20, 26

Fear

AU1, 2, 4, 5, 15, 20, 26

Disgust

AU2, 4, 9, 15, 17

Anger

AU2, 4, 7, 9, 10, 20, 26

Hapiness

AU1, 6, 12, 14

Sadness

AU1, 4, 15, 23 (Noh; Neumann, 1998)

3.2. MODELOS BASEADOS EM MÚSCULOS Platt e Badler (1981) desenvolveram o primeiro modelo de animação facial 3D baseado em músculos. O modelo utilizava o conceito de mola elástica para simular as forças geradas pelos músculos e usava codificação FACS. Waters (1987) definiu três tipos diferentes de músculos que eram ligados à superfície da malha e eram independentes da estrutura dos ossos, o que, para além de simplificar o processo de animação, tornava possível a sua transferência para faces com diferentes topologias. Neste modelo, as expressões faciais eram obtidas através de deformações geométricas simples, controladas por um pequeno número de parâmetros, mas falhava naqueles movimentos que exigiam uma maior subtileza. Magnenat-Thalmann et al. (1988) introduziram um novo conceito denominado abstract muscle action (AMA), definido por um conjunto de procedimentos. Um procedimento AMA permite simular uma acção específica do músculo facial e é responsável por um determinado parâmetro da face. Uma expressão facial é considerada como um grupo de parâmetros cujos valores foram obtidos à custa de procedimentos AMA. Terzopoulos e Waters (1990) desenvolveram o trabalho anterior de Waters com um novo modelo que utiliza técnicas baseadas na física e na anatomia facial, o que tornou possível deformações bastante mais realistas. É curioso perceber que, actualmente, muito modelos baseados na física continuam a seguir os princípios enunciados por Waters. Lee et al. (1995) desenvolveram um modelo de músculos composto por várias camadas que, juntamente com um sistema de


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molas, tornava possível a deformação da superfície da face. Esta abordagem apresentava resultados com grande realismo e fidelidade, mas com um elevado cálculo computacional. Basu et al. (1998) descreveram um método de tracking e reconstrução 3D do movimento labial, a partir de um stream de vídeo. O modelo tridimensional dos lábios foi criado através de elementos finitos e o método desenvolvido é capaz de, automaticamente, fazer a correspondência entre os dados provenientes do vídeo e os parâmetros correspondentes no modelo 3D. Em Byoungwon et al. (2001) e Byoungwon e Hyeong-Seok (2001), foi apresentado um sistema para sintetizar expressões faciais através de dados obtidos por captura de movimento (MoCap). Os resultados ainda apresentavam alguma falta de exactidão anatómica. Um modelo anatomicamente promissor foi descrito por Kahler et al. (2001, 2002), que incluía diferentes tipos de músculos e suportava alguns efeitos (bulging e intertwinning). A deformação era simulada pela contracção dos músculos através de um sistema de molas elásticas. Em Sy-sem et al. (2004) é descrito um sistema de músculos através de curvas NURBS para simular expressões faciais 3D. As curvas NURBS representavam os diferentes músculos, que eram posicionados na face de acordo com o conhecimento da anatomia. As deformações dos músculos eram conseguidas através da manipulação dos diferentes pontos de controlo da curva. Recentemente, Sifakis et al. (2005) desenvolve um dos últimos e mais avançados modelos baseados em músculos. O sistema captura o movimento facial através de marcadores devidamente espalhados pela face e implementa um método de elementos finitos não-lineares para determinar com exactidão a acção de cada músculo. Uma característica interessante desta implementação reside no facto de forças externas, como, por exemplo, a colisão de um objecto, poderem interagir com os músculos e, por consequência, poderem modificar a aparência final da face. O método demonstra o sucesso dos sistemas de captura de movimento nesta área da animação facial.


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3.3. STANDARD MPEG-4 Para além de estabelecer métodos para a codificação, transmissão, armazenamento e composição de informação visual e sonora, a especificação do MPEG-4 foi baseada nas abordagens anteriores e tornou-se no primeiro standard que estabelece parâmetros e formalismo para a animação facial (Pandzic e Forchheimer, 2002). Um dos principais conceitos associados à parametrização da animação facial estabelecida pelo MPEG-4 é os denominados “pontos característicos”, ou FPs (feature points). Um ponto característico define um ponto de destaque para a definição e animação da face. A Figura 9 apresenta os pontos característicos definidos pelo padrão MPEG-4.

Figura 9: FPs de uma face, definidos no MPEG-4 (Balci, 2005)

A partir de uma cabeça-padrão é possível gerar uma animação através de “parâmetros de animação facial” ou FAPs (Facial Animation Parameters). Os FAPs definem os deslocamentos a serem aplicados aos pontos característicos. O MPEG-4 define 2 tipos de FAPs: “Visemas” e “Expressões”. Visema é a representação visual de um fonema e apresenta o posicionamento da boca para a articulação do fonema. As Expressões estão associadas a emoções e condicionadas a determinadas configurações da face. O padrão MPEG-4 define 6 expressões básicas: alegria, tristeza, raiva, medo, rejeição e surpresa. O número de aplicações que usam algum tipo de parametrização está em constante crescimento e novas tecnologias


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estão a emergir. Xface3 é um conjunto de ferramentas open source para criar e editar MPEG-4 (Balci, 2005).

3.4. RIGGING FACIAL Uma das tarefas mais complexas na animação facial é criar um rig capaz de adaptar o modelo da face à expressividade de cada personagem. De acordo com Falk et al. (2004), rigging é o processo de transformar um modelo 3D num personagem preparado para ser animado. O rigging tradicional envolve a criação de um esqueleto e a sua “ligação” com a superfície do personagem. Para criar esta ligação entre o esqueleto e a malha é necessário definir qual a influência que os ossos do esqueleto exercem sobre os vértices da malha; normalmente, isto é conseguido através de algoritmos de smooth skinning. Num pipeline de animação tradicional, podemos ver o rigging como uma etapa intermédia entre a modelação e a animação. Para criar um rig facial, normalmente são utilizados métodos de interpolação baseados em blend shapes e/ou métodos baseados na animação do esqueleto. Os blend shapes podem definir expressões de toda a região da face ou apenas de pequenas regiões como, por exemplo, o olho ou a boca. Por exemplo, a interpolação entre os shapes do olho fechado e do olho aberto cria a animação do personagem a piscar o olho. Criar o rig de um modelo facial usando, apenas, blend shapes é uma tarefa demorada, uma vez que o artista precisa de modelar um grande número de shapes para ter o controlo de toda a região da face. No filme The Lord of the Rings: The Two Towers, o rig do personagem Gollum envolveu a criação de 675 shapes. Este processo tem de ser repetido para todos os personagens que se pretende animar, o que consome muito tempo de produção. Orvalho et al. (2006) propôs um método para transferir automaticamente os shapes entre diferentes personagens, contribuindo, desta forma, para acelerar todo o processo de produção. Os métodos baseados no esqueleto começam por definir uma estrutura articulada de ossos para toda a região da face. Esta abordagem permite gerar movimentos mais suaves do que o método anterior, mas requer mais tempo de preparação, para se obterem os resultados desejados. Como não se manipulam 3

http://xface.itc.it/


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directamente os vértices, mas sim os ossos que influenciam esses vértices, a definição do rig requer mais tempo de preparação (Ward, 2004). Na produção de videojogos, este método é muito utilizado em conjunto com técnicas de captura de movimento (Figura 10).

Figura 10: MoCap. Cada sensor colocado na face do actor representa uma marca no modelo 3D (Copyright 2007 SoftImage)

Na indústria da animação por computador, as grandes preocupações são, naturalmente, os custos e tempos de produção. É fundamental utilizar a melhor técnica de rigging. Ambos os métodos baseados em blend shapes e “ossos” apresentam vantagens e desvantagens, pelo que, segundo Lewis et al. (2000), combinar as duas técnicas é a melhor solução, já que possibilita obter a flexibilidade e suavidade encontradas no método baseado em ossos e a expressividade conseguida com blend shapes. Nas regiões da face onde nem os ossos nem os shapes produzem os resultados desejados, é possível adicionar novos layers de deformação. Estes novos objectos adicionam mais controlo e conferem um maior realismo à animação. Um exemplo deste tipo de objectos de deformação são as curvas NURBS, que podem ser adicionadas em determinadas regiões para enfatizar algumas características da face, como, por exemplo, rugas, músculos, etc. Resumindo, um rig típico pode incluir os seguintes atributos: esqueleto: estrutura hierárquica composta por ossos e articulações; objectos de deformação: podem ser curvas e superfícies NURBS, malhas poligonais, objectos lattice e outros. Estes objectos, ligados ao esqueleto, adicionam controlo e realismo às animações e podem representar a geometria de determinados músculos da face; skinning: o processo de “ligar” os ossos do esqueleto aos objectos de deformação e aos restantes vértices da malha


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poligonal. A tarefa mais importante durante esta fase é a definição do mapa de influências que é exercida sobre os vértices durante a deformação; restrições: devem ser definidas restrições de posição, rotação e escala, de modo a evitar movimentos estranhos ou impossíveis; shapes: utilizados para definir diferentes poses ou expressões faciais. A interpolação de diferentes shapes resulta na animação do modelo facial ou, apenas, de determinadas regiões da face. Muitas vezes, durante o processo de animação as deformações obtidas na expressão facial não são exactamente as esperadas, o que implica voltar atrás e redefinir, de novo, o rig. Trata-se, assim, de um processo iterativo que requer muito tempo de produção, experiência e conhecimento da anatomia do personagem (Henry-Biskup, 1998). Um artista experiente pode demorar cerca de 4 semanas para criar o rig de um personagem. Automatizar algumas tarefas deste processo é fundamental para acelerar toda a produção da animação. Recentemente, Orvalho e Susin (2007) apresentaram um método para transferir automaticamente o rig entre diferentes modelos faciais, independentemente da topologia que os modelos apresentam (Figura 11).

Figura 11: Transferência do rig e animações entre modelos de diferentes proporções (Orvalho, 2007)

O método desenvolvido difere de outros trabalhos anteriores que usavam técnicas de morphing (Blanz e Vetter, 1999) e técnicas de retargeting4 (Noh e Neumann, 2001), uma vez que estes apenas 4

Síntese de movimento através da reutilização de dados


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transferiam animações entre personagens, enquanto o novo método transfere, para além das animações, todos os atributos definidos no rig. De acordo com os autores, transferir o rig dá ao artista uma completa liberdade para manipular posteriormente os personagens, permitindo, assim, a criação de novas animações sem estarem limitados àquelas geradas inicialmente.

4. SUMÁRIO E CONCLUSÃO Para criar a animação de um personagem 3D é necessário definir, em primeiro lugar, um esqueleto para esse personagem. Um esqueleto é uma estrutura hierárquica composta por ossos e articulações. O processo de criar um esqueleto e “fixá-lo” a um determinado modelo é conhecido como rigging, e o algoritmo mais utilizado para fazer esta atribuição entre os ossos do esqueleto e os vértices da malha denomina-se smooth skinning. A ideia base é a de que a superfície do modelo (skin) é deformada sobre o esqueleto. A animação do esqueleto utiliza técnicas de cinemática e dinâmica. A estrutura da cinemática directa é a mais básica e os esqueletos FK são geralmente usados em cenas com pouco movimento. Os algoritmos IK possibilitam a criação de movimentos mais complexos e realistas e estão implementados na maioria dos softwares de modelação e animação 3D. Em determinadas situações, como é o caso das colisões e algumas interacções do personagem com o ambiente, já são necessários algoritmos que implementem alguma integridade dinâmica. Os métodos baseados no esqueleto são os mais utilizados para criar os movimentos principais de um personagem, como é o caso do caminhar, rodar a cabeça ou a cintura, levantar os braços ou as pernas. Métodos baseados em blend shapes não são muito utilizados em situações que exijam movimentos de rotação, como é o caso deste tipo de movimentos primários. Os blend shapes são mais usados para criar deformações mais subtis, como é o caso de algumas contracções musculares. Ambos os métodos apresentam vantagens e desvantagens, pelo que combinar as duas técnicas é a melhor solução, já que possibilita obter a simplicidade e suavidade encontrada nos métodos baseados no esqueleto e a expressividade conseguida com os blend shapes. Em regiões onde


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nem os “ossos” nem os shapes apresentam bons resultados são usados layers adicionais de deformação. São normalmente utilizadas curvas NURBS ou grelhas FFD para simular estas animações mais exigentes de determinada partes do corpo ou da face. A parametrização é fundamental para controlar os movimentos dos músculos da face e obter expressões realistas. MPEG-4 foi o primeiro standard a definir parâmetros e formalismo para a animação facial e foi baseado no sistema de codificação FACS. A fase intermédia entre a modelação de um personagem e a sua animação, conhecida como rigging, implica a definição de um conjunto de atributos. Este processo exige muito tempo de produção e tem de ser repetido todas as vezes que se pretende animar um novo personagem. O recente trabalho de Orvalho (2007) é dirigido para a área concreta da animação facial e vem, em certa medida, alterar o paradigma existente num pipeline de animação. Os autores desenvolveram um método automático para transferir, entre diferentes modelos faciais, todos os atributos definidos no rig, incluindo as animações, contribuindo desta forma para uma drástica redução no tempo de produção.

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IPG, Setembro 2006


Publication Guidelines The academic journal Egitania Sciencia, property of the Instituto Politécnico da Guarda (IPG), is a periodic publication that represents a constant commitment to support research activity carried out at the IPG and the inland regions of Portugal. Its foremost objective is to give incentive to research in the areas of didactics & pedagogy, culture and technology. To ensure the technical quality of the journal, the following guidelines will be followed for all publications: 1. The articles will be written in either Portuguese, Spanish or in English and structured in chapters and subchapters, with salient terms and expressions in italics or otherwise graphically represented. Any articles to be published in English will meet rigorous standards; when these are not met, the article will be rejected pending further revision by the author(s). 2. All articles must identify the author(s), job title(s) (when applicable), place of employment, address (postal and e-mail), and phone number. 3. Additional required information includes a summary of the author’s (or authors’) curriculum vitae (cv), in a maximum of five (5) lines. Submission is a representation that the manuscript has neither been published previously nor is currently being considered for publication elsewhere. If the manuscript is accepted for publication, a signed1 statement must be submitted, transferring copyright to the academic journal Egitania Sciencia and confirming the article to be original work. 4. All articles must include the title and abstract in Portuguese, Spanish and English, each respecting the maximum of 1200 characters, with up to five (5) keywords/palavras-chave/palabras-clave. The abstract/resumo/resumen will cover the objective, methodology, results and conclusions of the article. 5. All articles will be new, original and will not exceed about 20 pages. The paper structure should follow the organization: first page – title in original language, 1 The signature must be the same as that on official documents, copies of which must also be submitted.


author(s) 2 and cv(s); second page – title, abstract/resumo /resumen, and keywords/palavras-chave/palabras-clave in the three languages Portuguese, Spanish and English. The text of the article will begin on the third page. 6. Articles should be submitted in digital format, in Word, Times New Roman 12, 1.5 spacing, left and right justified. The proposal mustl be sent by e-mail from the contact that will be used for any further communication with the author. The bibliography will be formatted in Times New Roman 8, single space, left and right justified. 7. Abbreviation and acronyms will not appear in the title and, when used in the rest of the article, will always be preceded by their full-length description, e.g. United States of America (USA). Also not the absence of periods (full stops), e.g. USA not U.S.A. 8. Any foreign words will appear in italics while citations will appear between quotation marks (inverted commas) and also in italics with the source cited in a footnote. Bibliographic references within the text of the article will respect the author-date-localization and one of the following notation styles: “contribute to the public good.” (Hughes, 1999) According to Zen (1890), (…) The object is worth its price (Reis, 2000). Several authors: (Santos and Neves, 2004) or more than 3 authors (Salgueiro et al, 1998) 9. Formulas and equations will be centered, with a blank line above and below. 10.

Cardinal and ordinal numbers between one and ten will be written out.

11. The final bibliography, which is compulsory, will be presented in alphabetical order in the following style: Book: (last name, first name, title, editor, place, year); Journal Article (last name, first name, “title of article”, journal, number, date, place, pages); Compendium of texts (last name, first name, “title of text/article”, in last name, first name (org./ed.), book title, editor, place, year, pages); for other cases, Portuguese Bibliographic Guidelines, NP 405-1, and the International Standard Bibliographic Description for Electronic Resources will be applied. 12. Figures, tables, graphs, schemata, and photographs to be included in the text will be sent, one per page, numbered appropriately and sequentially with Arabic numbers, in a separate file. Their place in the text will be indicated by a separate line in bold that reads figure 1 here. Photographs will be submitted with minimum resolution required for printing. 2

Note that the(se) name(s) will not appear at any other juncture of the article


13. Other graphic material and illustrations will be presented in Times New Roman 8, preferably in black and white, within the article. The title, in Times New Roman 8 bold, will precede the figure, with sequential Arabic numbers. 14. All articles to be published in the academic journal Egitania Sciencia will be reviewed by the Board and two Doctoral Professors as reviewers. This will follow the blind referee process in that the identity of the author(s) will be remaining unknown. Publishing (with or without alterations) will proceed based on the decisions of this referee process and publishing priorities. 15. The author(s) must commit to implementing the suggested alterations. The Board reserves the right to refuse articles that do not follow the guidelines for publication Final responsibility for correcting errors lies with the author. 16. The academic journal Egitania Sciencia reserves the right to keep all material sent for possible publication. The material will be returned only upon request, in writing, with mailing costs paid in full by the author(s). Upon acceptance and publication by the academic journal Egitania Sciencia, the article becomes property of said journal. Partial or total reproduction

17.

is prohibited, except in cases of citations in scientific and/or specialized publications.

18. The author(s) will receive two copies of the issue in which the article was published. 19.

Articles will be submitted in person or sent to the following address: Centro de Audiovisuais e Publicações, Serviços Centrais Instituto Politécnico da Guarda Av. Dr. Francisco Sá Carneiro, nº 50 6300-559 Guarda cap@ipg.pt

20.

The article is of sole responsibility of the author(s).

IPG, September 2006



Normas para presentación de Artículos La Revista EGITANIA SCIENCIA, es propiedad do Instituto Politécnico da Guarda, é una publicación periódica que materializa la permanente preocupación de apoyar, primordialmente, la actividad de investigación desenvolta en el IPG e en lo interior del País. Fomentar a investigación nos dominios da didáctica, pedagogía, cultura e técnica é o principal objetivo de la revista de divulgación científica. Así, e en el sentido de garantir la calidad técnica de la Revista, definen-se las siguientes normas de presentación de artículos: 1Los artículos deben ser presentados – en Portugués, Español o Ingles – debidamente estructurados, presentando de forma organizada los capítulos los sub-capítulos de lo texto, indicando los termos o expresiones a imprimir en itálico, o a destacar de cualquier otra forma gráfica. Es exigido un nivel excelente para a redacción en ingles o español; se así no suceder, lo trábalo podrá ser recusado, permaneciendo siempre sujeto a revisión. 2Los artículos deben incluir a identificación de lo(s) autor(es), de la categoría o función (cuando se justifique), la calidad profesional, local de trabajo y respectivo enderezo (postal e electrónico), bien como lo contacto telefónico. 3Los artículos deben ser acompañados de un Curriculum Vitae (CV), resumido (máximo cinco líneas), de lo(s) autor(es) e de un documento asignado1 pelo(s) articulista(s) abdicando de los derechos en favor de la Revista Egitania Sciencia, confirmando la originalidad del trabajo y declarando que lo trabajo no será presentado, en simultaneo, a otras revistas nacionales o extranjeras. 4-

Los trabajos deben incluir el título en Portugués, Español e en Ingles, o

resumo en Portugués, resumen en español y lo abstract en Ingles, cada un con lo máximo de 1500 caracteres e la indicación hasta 5 palavras-chave/palabrasclave/Keywords, en el máximo. Lo resumo/resumen/abstract debe demostrar el objetivo do trabajo, la metodología seguida, los resultados obtenidos e las conclusiones a presentar.

1

Assinatura igual à do Bilhete de Identidade, cujo número deverá ser referenciado.


5Los trabajos deben ser originales inéditos e no deben exceder cerca de 20 páginas A4; deben presentar la siguiente estructura: en la primera página debe ser indicado lo título en la lengua original, la identificación de lo(s) autor(es) e CV; el nombre de lo(s) autor(es)2; en la segunda página deben ser presentados los títulos (Portugués, Español e Ingles), el resumo/resumen/abstract bien como las palavras-chave/palabras clave/keyword; lo artículo propiamente dito será iniciado en la tercera página. 6Os artículos deben ser enviados en suporte digital, formateados en Word, letra Times New Roman – cuerpo 12, espacio de 1,5 líneas, con texto justificado; la propuesta de artículo debe ser enviada por e-mail (el contacto con los autores será efectuado exclusivamente por e-mail). La bibliografía debe ser presentada en letra Times New Roman – cuerpo 8, espacios simples, texto justificado. 7La utilización de siglas ou abreviaturas debe restringir-se a la forma padrón, evitando la su inserción en lo título; la designación completa de la institución/organismo/obra à cual se refiere una abreviatura o sigla debe preceder, en el texto, la primera indicación, ejemplo: Estados Unidos da América (EUA). No deben ser utilizados puntos en las siglas (ejemplo: EUA en vez de E.U.A.). 8Los vocablos extranjeros deben ser debidamente señalados (en itálico) e las citaciones de textos deben figurar entre aspas, segundo las exigencias tradicionales, remetiendo, cuando ceja el caso, para a nota no fundo da página. Las referencias bibliográficas integradas en los textos deben ser presentadas Autor-data-localización y de acuerdo con los siguientes ejemplos: - “contribuyen para o bien (Hughes, 1999)…; - “Como es referido por Zen (1890)…; - “«El objeto vale el precio.» (Reis, 2000).”; - Diversos Autores: (Santos e Neves, 2004) o mas que 3 autores (Salgueiro et. al., 1998). 9Las ecuaciones e fórmulas deben ser colocadas en una nueva línea e centradas en relación con el texto. 10- Los números, cuando no sean seguidos por unidades de medida, deberán ser presentados por extenso, de primero a décimo e de un a diez (inclusive), e por números a partir diste último número. 11- La lista bibliográfica (obligatoria) a incluir en el final de lo texto, tiene de ser organizada por orden alfabética e de acuerdo con o siguiente criterio: - Libro:(Apellido, Nombre propio, Título del Libro, Editor(a), Local da edición, ano); - Artículo de Revista (Apellido, Nombre propio, “Título do artículo”, Nombre de la Revista, número de Revista, data, local da edición, páginas);

2 Los autores no debe ser mas referenciado en cualquier ponto del artículo.


- Texto de colactánea (Apellido, Nombre propio, “Título del Texto”, in Apellido, Nombre propio (Org./ Ed.), Título da colactánea, Editor (a), Local de edición, ano, páginas); - Para esclarecer casos no considerados, los autores deberán cumplir la normalización en vigor en Portugal (Norma Portuguesa de Descripción Bibliográfica, NP 405-1) o la ISBD – International Standard Bibliographic Description for Electronic Resources. 12- Siempre que se incluyen figuras, cuadros, esquemas, gráficos o fotografías destinadas a inserción en el texto, estas deben ser enviadas en fichero independiente del texto, una por página. La suya localización en el texto debe ser indicada por una línea intercalada destacada a negrito (ex.: “la figura 1 aproximadamente aquí”). As figuras, cuadros, esquemas, gráficos o fotografías deben ser numerados de forma continua e con numeración árabe (as fotografías deben possuir la resolución mínima adecuada à impresión). 13- Lo material gráfico (y ilustraciones) debe ser presentado con as siguientes configuraciones: fuente Times New Roman, cuerpo 8; de preferencia negro e blanco; dentro del propio artigo; lo título debe ser presentado en Times New Roman, cuerpo 8, a negro, antes de la figura; debe ser numerado de forma secuencial, en numeración árabe. 14- Los artículos enviados, o solicitados, para la Revista Egitania Ciencia (ES) serán apreciados pela Dirección e por dos Profesores Doctorados, como revisores, en blind referee; estés no teran conocimiento de lo(s) autor(es) de lo(s) trabajos, ni estés últimos de los miembros a consultar. La decisión de publicación es tomada con base en esa información (pudendo ser sugeridas a lo(s) autor(es) algunas alteraciones), tiendo aún en cuenta las prioridades editoriales. 15- O autor compromete-se a considerar e rever os textos de acuerdo con las sugestiones presentadas por la Comisión Científica. La Dirección de ES se reserva lo derecho de recusar artículos en que los autores no consideren las modificaciones sugeridas por la Comisión Científica, que apenas apreciará los textos encuadrados en las normas establecidas. 16- La Revista Egitania Sciencia declina la responsabilidad de publicar papers no solicitados, à que la Dirección no atribuí nivel adecuado o que no obedezcan à las normas estipuladas. A Revista declina aún, la responsabilidad de devolución de los trabajos, algo que apenas será efectuada a pedido, por escrito e con los costos por cuenta de los autores. 17- Desde que os artículos cejan aceptes, y publicados en la Revista Egitania Sciencia, quedara propiedad de la misma, sendo prohibida suya reproducción

parcial o total, excepto en los casos de citaciones de lo texto en publicaciones de información general, en artículos científicos o publicaciones especializadas;

18- Lo(s) autor(es) de artículos tien (tienen) derecho a 2 (dos) ejemplares da Revista en que sea publicado o trabajo.


19- Los artículos deben ser enviados para lo Centro de Audiovisuais e Publicações (Serviços Centrais do Instituto Politécnico da Guarda, Av. Dr. Francisco Sá Carneiro nº 50 * 6300-559 Guarda, cap@ipg.pt ), o entregues personalmente. 20-

Lo artículo es de entera responsabilidad de lo(s) su(s) autor(es).

IPG, Setembro 2006


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