Revista da Universidade Federal do Espírito Santo •
UFES
JUNHO 2018 • Nº 8
ISSN 2359-2095
MULHERES são 44% dos pesquisadores na Ufes
Esse índice coloca a Universidade próxima à média percentual de instituições de ensino superior de países como Estados Unidos, França, Dinamarca, Canadá e Reino Unido. Pág. 6
Gênero, raça e educação
Mistérios do Universo
A importância da presença da mulher negra na academia • Pág. 16
Doutoranda cria programas de computador para desvendá-los • Pág. 44
Foto: David Protti
O ingresso de mulheres nos cursos de nível superior no País só foi autorizado em 1879, mais de 130 anos depois, elas estão em maior número nas universidades, de acordo com o levantamento realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2015. Na Ufes, a presença feminina é superior à masculina. Dos 56% dos cursos, o número de estudantes mulheres é maior do que o de homens. Ao todo, estão efetivamente matriculados 20.982 discentes, sendo que 11.344 são alunas e 9.638, alunos. No quadro de 4.040 servidores há, atualmente, 2.044 mulheres, sendo 889 professoras e 1.155 técnicas-administrativas. Entre os 1.996 homens do quadro de pessoal, são 1.033 professores e 963 técnicos-administrativos. Na foto, a Biblioteca Setorial de Ciências Agrárias, no campus de Alegre (Sul do Espírito Santo).
Foto: Marcos de Alarcão
Universidade Federal do Espírito Santo • Ufes Reitor Reinaldo Centoducatte Vice-Reitora Ethel Leonor Noia Maciel Pró-Reitora de Administração Teresa Cristina Janes Carneiro Pró-Reitor de Assuntos Estudantis e Cidadania Gelson Silva Junquilho Pró-Reitora de Extensão Angélica Espinosa Barbosa Miranda Pró-Reitor de Gestão de Pessoas Cleison Faé Pró-Reitora de Graduação Zenólia Christina Campos Figueiredo Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento Institucional Anilton Salles Garcia Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Neyval Costa Reis Junior UNIVERSIDADE Revista de divulgação científica, cultural e temas institucionais, produzida pela Superintendência de Cultura e Comunicação (Supecc) da Universidade Federal do Espírito Santo Superintendente (interina) de Cultura e Comunicação e Secretária de Comunicação Thereza Marinho Secretário de Cultura Rogério Borges Editora Letícia Nassar Editora On Line Lidia Neves Pauta Letícia Nassar Reportagem Ana Paula Vieira • Camila Fregona • Jorge Medina • Letícia Nassar • Luiz Vital • Nábila Corrêa • Lorraine Paixão (estagiária) Fotografia Arquivo Supecc, Jorge Medina, Marcos de Alarcão, Lorraine Paixão e Elisa Coradini (estagiárias) Design Juliana Braga e Leonardo Paiva Revisão Márcia Rocha Capa David Protti Universidade Federal do Espírito Santo Superintendência de Cultura e Comunicação - Supecc Av. Fernando Ferrari, nº 514, Campus de Goiabeiras Prédio da Reitoria, 1º andar, CEP: 29075-910 Vitória/ES - Brasil Telefone: (27) 4009-2204 E-mail: revistauniversidade@ufes.br ISSN 2359-2095 O conteúdo desta revista pode ser reproduzido, desde que citada a fonte.
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Mulher e ciência A relação mulher e pesquisa está em foco nos
Sumário
veículos de comunicação que trabalham com a divulgação científica. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), por exemplo, criou,
6 Pesquisadoras
em 2016, o site Ciência & Mulher para destacar a produção de pesquisas, estudos, publicações e
As docentes da Ufes e a pesquisa
outros produtos científicos produzidos por mulheres e para mulheres. Já a Elsevier, a maior editora de literatura médica e científica do mundo, realizou uma pesquisa sobre a produção científica de homens e mulheres em 11 países e mais a União Europeia. Seu relatório aponta que o avanço da participação feminina varia de acordo com a área do conhecimento. Diante de tantas informações e análises a respeito do desempenho das mulheres no campo da
12 Literatura
Pesquisas revelam escritoras capixabas e latino-americanas e estudam seus textos
ciência, a equipe de jornalistas da revista Universidade procurou os órgãos administrativos e as pró-reitorias de Pesquisa e Pós-Graduação e de Extensão para trazer à tona um recorte do universo feminino da Ufes que participa de estudos que abordam não somente temáticas sobre mulheres, mas também as das Ciências da Vida, Humanidades, Engenharias e Exatas. A capa desta edição, então, já apresenta a boa notícia de que as docentes da Universidade correspondem a 44% do total de pesquisadores da Instituição. Essa reportagem apresenta, também, o depoimento de quatro pesquisadoras a respeito de suas experiências em suas respectivas áreas. Aliás, o mosaico de fotos da abertura da matéria é composto por parte de pesquisadoras que tiveram seus trabalhos divulgados na revista. Mulher na literatura e na política; gênero, raça e educação; transexualidade; patentes; prêmios; a ciência na saúde da mulher, enfim apresentamos nesta edição a presença feminina da Ufes em diferentes áreas do conhecimento e as pesquisas que elas desenvolvem visando à melhoria da qualidade de vida das mulheres e, por consequência, de toda a sociedade. Boa leitura,
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Gênero, raça e educação Participação da mulher na política Maternidade e cárcere Mulher transexual Biotecnologia e agronegócio Violência contra a mulher Mistérios do Universo A ciência e a saúde da mulher Exercícios físicos e cidadania Literatura de sinais Galeria de Arte Espaço Universitário Pesca artesanal Ideia Premiada Patentes
Letícia Nassar Editora UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Junho 2018
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MULHERES e as pesquisas na Ufes LETÍCIA NASSAR
Na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), as mulheres correspondem a 44% do total de 1.450 docentes que desenvolvem pesquisas na Instituição. Esse índice coloca a Universidade próxima à média percentual de instituições de ensino superior de países como Estados Unidos, França, Dinamarca, Canadá e Reino Unido. Segundo o relatório “Gender in the Global Research Landscape” (Gênero no Cenário Global de Pesquisa, em tradução livre), da maior editora de literatura médica e científica do mundo, a Elsevier, que apresenta uma análise da performance científica de homens e mulheres entre 1996 e 2015 em 11 países e mais a União Europeia, no Brasil as mulheres são 49% do total de pesquisadores. Os percentuais apresentam um avanço em termos de igualdade de gênero na academia nas últimas duas décadas, porém, em alguns campos do conhecimento, há muitas barreiras a serem vencidas para que os números se equiparem. 6
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O
relatório “Gender in the Global Research Landscape” (gênero no cenário global de pesquisa, em tradução livre), divulgado em junho de 2017, considerou como indicadores em sua pesquisa a autoria de artigos, proporção de mulheres e homens entre pesquisadores, impacto das publicações, proporção de mulheres e homens entre inventores e suas patentes, liderança, colaboração, interdisciplinaridade e mobilidade internacional. A partir das análises desses dados é possível conhecer os fatores que influenciam as discrepâncias de gêneros nas disciplinas STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática, na tradução da sigla em inglês). Segundo o documento, a quantidade de pesquisadoras varia de acordo com a área do conhecimento. Na Ufes, no ano de 2017, em pesquisa realizada junto aos 60 programas de pós-graduação, nas quais se concentra grande parte dos docentes pesquisadores, elas são 40%. Os programas em que elas constituem a maioria são: Enfermagem (70,60%); Ensino, Educação Básica e Formação de Professores (70,60%); Educação (69,70%), Ensino de Biologia em Rede Nacional (69,23%); Psicologia (66,6%); Saúde Coletiva (65,21%); Política Social (65%); Ciências Sociais (64,7%); Nutrição e Saúde (64,7%); Arquitetura e Urbanismo (64,28%); Linguística (60%); mestrado profissional em Educação (59%); Ensino na Educação Básica (59%); e Ciência e Tecnologia de Alimentos (53,8%). Esses números condizem com os resultados apresentados pelo relatório da Elsevier, o qual aponta a presença de maior número de pesquisadoras nas áreas da Saúde, Humanas e Ciências Sociais. O estudo da editora também aponta que é na Enfermagem, subárea da Saúde, que a porcentagem de mulheres é maior, não só no Brasil como também na Austrália, no Canadá, em Portugal e nos Estados Unidos. A professora Ethel Maciel, da graduação em Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGSC), onde, por exemplo, dos 23 docentes, 15 são mulheres, explica que a presença feminina na área da Saúde é cultural. “A Enfermagem, por exemplo, é um curso historicamente feminino. A Enfermagem moderna está ligada à preparação das mulheres para ir à guerra para cuidar dos soldados. Os homens lutavam e as mulheres cuidavam dos feridos. Hoje, em todas as graduações de Enfermagem no Brasil, as mulheres são mais de 80% dos estudantes. Na nossa sociedade patriarcal,
quem cuida é a mulher. Ela cuida das crianças, dos idosos, da casa e dos doentes”, ressalta. Os cursos de pós-graduação da Ufes em que há uma paridade de presença de ambos os sexos são Biodiversidade Tropical, Ciências Veterinárias, Doenças Infecciosas, Engenharia Química e Engenharia e Desenvolvimento Sustentável. Já nas chamadas ciências duras, a porcentagem de mulheres é menor. O estudo da Elsevier mostra que nos campos da Ciência da Computação, Energia, Engenharia, Matemática, Física e Astronomia, na maioria dos países e das regiões pesquisada, as mulheres representam menos de 25% entre os pesquisadores. Na Ufes não é diferente. As pós-graduações em que os índices de presença de docentes pesquisadoras são inferiores a 30% estão, por exemplo, em Engenharia Ambiental, Matemática, Ensino de Física, Agroquímica e Engenharia Elétrica. Abaixo dos 10% estão os programas de pós-graduação em Produção Vegetal e Física, onde há apenas duas mulheres; e Engenharia Mecânica, com apenas uma mulher. No programa de pós-graduação em Astrofísica, Cosmologia e Gravitação, não há professoras e, entre os doutorandos só há uma estudante (confira a reportagem com a aluna na página 44). Internacionalização O relatório da Elsevier apresenta dados importantes a respeito da participação de pesquisadoras em trabalhos em parceria com instituições de outros países, ou seja, a internacionalização das pesquisas que desenvolvem em seus centros de ensino. No Brasil, Canadá e Reino Unido, a quantidade de pesquisadoras que fazem mobilidade internacional é abaixo da quantidade das que atuam em pesquisa. O documento da editora conclui, então, que as mulheres tendem a se mover internacionalmente menos do que os homens. Em 2017, segundo o Departamento de Pós-Graduação/PRPPG, 285 docentes da Ufes participaram de congressos, conferências, visitas técnicas e outras atividades vinculadas à pesquisa no exterior. Desse total, 43,16% eram mulheres e 56,84%, homens, ou seja, as pesquisadoras da Instituição vão a eventos internacionais para apresentar os trabalhos desenvolvidos nos campi. Em parceria ou não com outras instituições de ensino – nacionais ou internacionais – essas docentes estão em eventos onde outros colegas do seu campo de pesquisa se encontram para
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debater e discutir projetos e resultados das investigações, além de traçar novos rumos para as pesquisas. “Com a internacionalização, os pesquisadores estão sempre em contato com pessoas que tratam do mesmo tema. Em toda pesquisa há sempre uma pergunta e quando o pesquisador está no meio de colegas que vivem em outros ambientes e têm olhares diferentes a respeito da questão, essa troca de
“Na pesquisa em Ciências Exatas, quando sou apenas Wrobel, J. S., e na Ufes, não tive dificuldades em relação à questão de gênero. A coisa é mais difícil nas relações entre as pessoas, quando sou Julia. Durante o meu doutorado, era difícil. Por mais de um ano, fui a única doutoranda
informações entre pares acaba contribuindo para a pesquisa”, explica a professora e secretária de Relações Internacionais Patrícia Alcântara Cardoso. Apesar de todas as dificuldades, seja durante a realização das pesquisas, seja na internacionalização de seus resultados, as pesquisadoras não se intimidam, e os números da Ufes e da Elsevier mostram que o espaço da pesquisa é também das mulheres.
do grupo. Ouvi do meu co-orientador que mulher não deveria fazer doutorado, deveria ficar em casa cuidando das crianças. Outro professor do grupo, certa vez, em uma discussão mais dura, me pediu para não chorar como todas as mulheres. Temos o tempo todo que provar que somos boas, que somos iguais. Porque ser mulher pesa negativamente.” Julia Schaetzle Wrobel, professora do Programa de Pós-Graduação em Mestrado Profissional em Matemática (Centro de Ciências Exatas)
Pesquisadoras no Programa Produtividade em Pesquisa do CNPq A Ufes tem 133 pesquisadores bolsistas do Programa Produtividade em Pesquisa (PQ), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Desse total, 45 são mulheres. No meio acadêmico, ser pesquisador bolsista do CNPq é ter seu trabalho reconhecido entre os pares e também uma forma de obter recursos para dar continuidade às pesquisas. A entidade, que é vinculada ao Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), divide os pesquisadores em duas categorias e em quatro níveis. Para a categoria 1, há os níveis A, B, C e D, assim classificados de acordo com a comparação entre os seus pares e a capacidade de formação contínua de recursos humanos. Desse modo, o nível 1A está relacionado aos principais pesquisadores do Brasil. Já a categoria 2 não possui níveis, sua avaliação de produtividade está relacionada principalmente a trabalhos publicados e a orientações referentes aos últimos cinco anos. Entre os pesquisadores da Ufes contemplados pelo CNPq, dois estão na categoria PQ 1A: Paulo Rogério Meira Menandro, do Programa de PósGraduação em Psicologia, e Dalton Valentim
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Vassalo, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Fisiológicas. Na categoria 1B, uma docente está entre os seis pesquisadores, Maria Marta Pereira Scherre, do Programa de Pós-Graduação em Linguística. Sete pesquisadores estão na categoria 1C, sendo que as duas mulheres são as docentes Almerinda da Silva Lopes, do Programa de Pós-Graduação em Artes, e Zeidi Araujo Trindade, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Já na categoria 1D, a Ufes tem 20 docentes e, desses, sete são pesquisadoras: Ethel Maciel, vice-reitora e professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva; Ivanita Stefanon, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Fisiológicas; Janete Magalhaes Carvalho, do Programa de Pós-Graduação em Educação; Maria Cristina Smith Menandro, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia; Maria del Carmen Bisi Molina, do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva; Maria Elizabeth Barros de Barros, do Programa de Pós-Graduação em Educação; e Neuza Maria Brunoro Costa, do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos. Noventa e oito pesquisadores estão na categoria 2 e, destes, 36 são mulheres.
A superação do preconceito de gênero poderia melhorar a ciência Nós, mulheres, sofremos preconceito todos os dias! Não somente no Brasil, mas no mundo inteiro, as mulheres são diariamente testadas quanto ao seu conhecimento, pois, para muitos, a mulher ainda é o sexo frágil, aquela que cuida da casa e dos filhos. A decisão de cursar Engenharia, curso praticamente masculino, foi o primeiro passo tentando superar a barreira do preconceito. Na minha turma, por exemplo, havia 40 alunos, desses apenas 6 eram mulheres. Esse pequeno número gerou preconceito por parte da família, dos amigos, dos colegas de turma e até de professores. Outro desafio que tem me estimulado na academia é que, apesar de atuar na área de Geologia, pois pertenço a esse departamento dentro da Ufes, mesmo sendo a única professora não geóloga do departamento, fato que também já me causou constrangimentos e julgamentos por preconceito, hoje sou a coordenadora do curso. Atualmente, as estatísticas do nosso curso mostram que estamos à frente, pois somos 13 docentes e entre eles, surpreendentemente, temos 7 mulheres! Nos cargos administrativos de chefe de departamento e coordenador de curso, hoje temos mulheres atuando, o que já é um diferencial em relação a outros departamentos. Credibilidade é do homem Enquanto pesquisadora, certa vez, um homem que participava comigo de uma mesa-redonda, em um evento, insinuou que eu estava falando a coisa errada. Já aconteceu também, duas vezes, de homens, usarem como sendo deles, os projetos escritos por mim. Já ocorreu, inclusive, de usarem minha fala como se fossem deles! Esse mesmo homem citado acima, apesar de ter dito várias coisas erradas, o que deveria desqualificá-lo, foi exaltado pelo simples fato de ser homem, e então ter mais “credibilidade” do que eu (mulher). Pesquisa, docência e família Lecionando é onde sinto menos preconceito, pois, por parte dos alunos, sempre senti admiração pelo meu trabalho e tento estimular neles a consciência de que a superação do preconceito de gênero poderia melhorar a ciência. Além disso, percebo que ser mentora na área científica impacta na escolha da carreira dos meus
Foto: Acervo Pessoal
Professora Fabrícia Benda de Oliveira
Fabricia Benda de Oliveira, professora do Departamento de Geologia (Centro de Ciências Exatas, Naturais e da Saúde)
orientandos, que muitas vezes têm atuado em áreas similares à minha. Além disso, vivo o desafio diário de cuidar da família, da casa, dos filhos e ainda ser cobrada e testada o tempo todo no trabalho. Nós, mulheres cientistas, precisamos provar o tempo todo que somos competentes! O principal dilema que eu vivo atualmente é que o trabalho científico demanda longas horas de pesquisas e viagens, e como vivo duas rotinas (trabalho e gestão do lar), torna-se difícil optar por algo que não seja a família, principalmente os filhos, e sustentar as pressões da carreira. Por diversas vezes já deixei de participar de eventos, de palestras, de comissões etc. por estar grávida, amamentando, cuidando dos filhos. Na realidade, atuar como professora e pesquisadora demanda muito tempo, e as 40 horas de trabalho semanais são insuficientes para fazermos tudo que precisamos, como preparo de aulas, correção de atividade, provas, orientações, produção intelectual, projetos etc. Eu sou extremamente motivada por desafios, e o fato de superar o preconceito é um desafio diário que me impulsiona a conquistar cada vez mais um lugar de destaque junto à academia. Pois sei que sou exemplo de mulher junto aos meus alunos, familiares, alguns colegas e, principalmente, para minha filha e que isso a incentivará na sua independência.
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O que tem vencido e o que deve vencer sempre é a competência Professora Cristina Engel de Alvarez A mulher está sentada na última fileira da enorme plateia, buscando algo em sua bolsa. Mesmo sentada, é perceptível se tratar de uma mulher alta, de postura elegante, longas pernas e grandes olhos. Concentrada na busca, não percebe um homem aproximar-se e sentar-se ao seu lado, com um copo na mão. Na sala ao lado acontece um coquetel e todos estão sendo chamados a entrar na sala de conferências. Ele logo inicia uma conversa, já com adjetivos pejorativos e preconceituosos em relação à palestrante que em breve subiria ao palco e que ele, certamente, não conhece. Ela percebe que o homem está levemente alterado e procura afastá-lo, porém sem sucesso. Sentindo-se totalmente à vontade, o homem, então lhe faz elogios inconvenientes, ao mesmo tempo que continua tecendo comentários preconceituosos sobre a autoridade que iria proferir a palestra, utilizando termos como “essa mulherzinha”, “o que ela teria a nos ensinar?” e comentários ainda mais ofensivas como “ela deve ter um caso com um militar importante para estar aqui”. Ao sinal de espanto da interlocutora, o homem ainda pergunta: “desculpe-me, é sua conhecida? Seria parente sua?”. O momento constrangedor é interrompido pelo mestre de cerimônias que inicia o evento, chamando a atenção de todos e anunciando a ilustre convidada. Como de praxe, o anfitrião tece uma série de comentários elogiosos, descrevendo os títulos, as publicações, os prêmios e as homenagens recebidas pela convidada. O homem faz uma expressão de deboche, como se estivesse falsamente impressionado. Ao fim da descrição, o mestre de cerimônias pede que a convidada suba ao palco. Para espanto do inconveniente espectador, a mulher pega o passador de slides que buscava na bolsa, levanta-se e comenta: “Não, a Dra. Cristina não é minha parente: ela sou eu”. Dirige-se ao palco em passos firmes, sendo aplaudida por uma plateia lotada e entusiasmada. Ao chegar ao palco, vira-se para a audiência e percebe, satisfeita, que o desagradável homem sumiu.
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Essa é uma história verdadeira descrita pela professora Cristina Engel de Alvarez, do Departamento de Arquitetura da Ufes. Confira abaixo outros desafios vivenciados pela pesquisadora. Tipos de preconceito Acredito que é importante “classificar” as formas de ação preconceituosa, ou seja, aquelas que acontecem de forma direta, em que é facilmente perceptível quem é o agressor e a agredida; e a indireta, que muitas vezes é tão ou mais ofensivo que a direta. Acho que é esse preconceito sutil o que mais me atinge ou atingiu ao longo da carreira. Por exemplo, é mais comum do que se imagina aquela cena em que um homem e uma mulher – de mesmo nível hierárquico e de formação – vistoriam uma obra, e o encarregado se dirige somente ao homem, pressupondo que mulher não entende do assunto. Muitas vezes, essa mesma situação acontece em reuniões de trabalho em ambientes caracteristicamente masculinos – como no meio militar, por exemplo – em que os aspectos levantados por uma mulher são tratados como de menor importância. Se a mulher for jovem e, eventualmente, de boa aparência, a situação pode ficar ainda pior, com sorrisinhos e gestos recheados de malícia, porém que parecem, num olhar externo, ações de gentileza. Existem ainda os preconceitos que se confundem com crenças. Como tenho que embarcar em navios – civis e militares – para desenvolver algumas das minhas atividades de pesquisa, não foram poucas as vezes que ouvi que “mulher a bordo dá azar” fazendo com que as viagens ficassem, de fato, bastante desagradáveis. Porém, há também um outro lado nessa história de viagens, em que a condição da mulher embarcada, muitas vezes, gera uma situação privilegiada, seja nas acomodações, seja em situações de emergência. E ainda falando de navios, não se pode também deixar de mencionar o preconceito da mulher com outra mulher. Foram muitos os “olhares enviesados” que recebi nos portos, quando esposas ou namoradas de oficiais embarcados me olhavam com desdém. Nas minhas primeiras expedições à Antártida, depois de passar 30
Cargos de chefia ou 40 dias fora de casa, esse tipo de “recepção” era Tenho 30 anos de carreira como pesquisadora e, bastante dolorida... nesse tempo, não foram poucos os enfrentamentos. Já passei por várias situações curiosas também, Com a maturidade, também aprendi a ter orgulho de como a história contada no início. Acho que foi ser mulher e sei que não preciso me esconder atrás nesse momento que percebi que minha luta teria do estereótipo que se espera da denominada “mulher de ser, sempre, permeada de alguma inteligência cientista” para demonstrar capacidade. Sou vaidosa, e recheada de bom humor! sorrio com facilidade e adoro ganhar flores! Isso em Também já senti o preconceito por ser mulher e nada me diminui como a pesquisadora que sou. latino-americana em alguns eventos internacionais É indiscutível que existe o preconceito em relae acredito, embora seja somente uma percepção, ção à condição da mulher, espeque alguns avaliadores de grandes projetos, quando se deparam com “O preconceito velado cialmente em cargos de chefia ou propostas tendo como coordenadoé o pior deles, pois coordenação. Acho que o preconceito velado, aquele que menciores homens europeus ou mulheres não há legislação nei no início, é o pior deles, pois latino-americanas, tendem para a ou instrumentos não há legislação ou instrumenprimeira opção. que permitam o seu tos semelhantes que permitam o seu efetivo controle. Equipe efetivo controle” No entanto, confesso que A maior parte da minha equipe, cada pequena vitória sobre essas atitudes foi atualmente, é composta por mulheres, mas proexaustivamente comemorada e percebi que, com vavelmente porque as mulheres, atualmente, alguma inteligência, também era possível fazer também são o maior universo no âmbito da Arquicom que esse tipo de ação fosse anulada ou até tetura. O tema é lidado com bom humor na equipe, mesmo revertida a meu favor. Acredito que, no final quase sempre envolvendo também os rapazes. das contas, o que tem vencido e o que deve venNão há tratamento diferenciado, seja para um cer sempre é a competência. lado seja para outro. Foto: Acervo Pessoal
As pesquisas a respeito de condicionantes para edificações em ambientes extremos ajudaram a professora Cristina Engel de Alvarez no projeto de construção e reconstrução da Estação Antártica Comandante Ferraz
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Pesquisas tiram
escritoras capixabas da escuridão do anonimato LETÍCIA NASSAR
Descobrir. Explicar. Compreender. Esses são alguns verbos que pesquisadores de todas as áreas do conhecimento utilizam em seus projetos. Mas também pode ocorrer que, durante o desenvolvimento do trabalho, alguns pesquisadores, motivados por valores sociais de sua época, acabem por encobrir em seus trabalhos grupos étnicos, raciais ou de gênero. Entre esses trabalhos estão as pesquisas sobre produção literária feminina. Durante décadas, historiadores, brasileiros ou não, publicavam suas antologias sem nem sequer mencionar uma escritora. Mas novas pesquisas estão preenchendo essa lacuna. 12
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Foto: Acervo Pessoal
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s verbos, então, mudaram para ouvir relatos, escarafunchar baús, mergulhar nos arquivos públicos, ler diários e folhear jornais. Como Sherlock Holmes, pesquisadores e pesquisadoras descobriram a fortuna literária produzida por mulheres nos quatro cantos do planeta. No Espírito Santo, as pesquisas revelaram a existência de muitas escritoras capixabas do século XIX que não só acompanhavam a literatura produzida por homens como também por suas ousadas contemporâneas. Estas últimas publicavam, principalmente, nos jornais. O diretor da Academia Espírito-Santense de Letras, escritor e professor aposentado da Ufes, Francisco Aurelio Ribeiro, é um dos principais pesquisadores da literatura feminina capixaba e, com mais de 20 anos de trabalho dedicado a trazer à tona os nomes e as produções literárias dessas mulheres, permitiu que o universo feminino desde o século XIX até meados do século XX fosse explorado por diferentes campos de pesquisa. “Pesquisar as escritoras capixabas é desvelar um passado de discriminação contra a mulher que escrevia”, afirma. O pesquisador explica que as mulheres do século XIX não podiam publicar seus versos, para não se tornarem públicas. Assim muita produção feminina ficou retida entre quatro paredes, mas nem todas as mulheres aceitavam essa condição e foram audaciosas para o seu tempo. Porém, o pesquisador diz que as antologias literárias foram impiedosas com essas escritoras. Francisco Aurelio cita como exemplo o livro “História da Literatura Espírito-Santense”, de Afonso Claudio, publicado em 1912, como uma das obras que não menciona escritoras capixabas do século XIX. “Pesquisas comprovam que a primeira escritora capixaba a ter seus poemas publicados é Adelina Tecla Correia Lírio. Ao todo foram encontradas 13 poesias em dois jornais capixabas de grande circulação nos anos de 1879 a 1883. Inclusive no jornal que tinha Afonso Claudio como um dos seus colaboradores. Durante o século XIX, havia também outras escritoras capixabas que estavam em constante diálogo com autoras nacionais e internacionais. Porém nenhuma delas consta no livro de Afonso Claudio”, diz Francisco. Essa ausência se perpetuou por muitos anos, pois, segundo o pesquisador, o livro “História da Literatura Espírito-Santense” era citado por muitos historiadores e pesquisadores. O pesquisador cita também como exemplo o livro “Poetas Capichabas”, uma antologia publicada em 1938, destacando 58 escritores. “Porém,
A escritora Haydée Nicolussi escreveu para jornais e revistas capixabas, paulistas e cariocas. Acima, página da revista O Cruzeiro (23/01/1930) que dá início ao conto de Haydée
só uma mulher é citada, a Maria Antonieta Tatagiba. Ela foi a principal poetisa capixaba dos anos 1930 e a primeira a publicar um livro de poesias em 1927”, salienta Francisco. Poesia e liberdade A liberdade de expressão da mulher capixaba nasceu sob o signo da poesia. Amor, abolição, independência do Brasil e proclamação da República foram alguns dos temas dos poemas publicados por mulheres nos jornais do Espírito Santo. Se a criação das escolas para o sexo feminino no Estado, a partir de 1845, abriu as portas da casa da mulher capixaba para o mundo, a leitura de textos publicados nos jornais por outras mulheres permitiu ampliar o olhar sobre a sua participação no lar e na sociedade. Aliás, escrever era uma atividade proibida para as mulheres. Como diz Francisco Aurelio em seu livro “A literatura do Espírito Santo: uma marginalidade periférica”, “elas deveriam recitar poemas escritos por homens”. O autor até destaca que havia uma quintilha popular, da época, para destacar o preconceito contra a mulher: “Estude a geografia, leia alguma boa história, mas não se atire à poesia. Porque mulher que se faz poeta põe o marido pateta.”
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Foto: Divulgação
No livro “A Capitoa”, a escritora Bernadette Lyra resgata a história de uma das primeiras mulheres a comandar uma capitania Capa do livro publicado em 1998 pelo professor e pesquisador Francisco Aurelio Ribeiro. As escritoras são (em sentido horário): Yvonne Amorim, Haydée Nicolussi, Elisa Lucinda, Carmen Schneider Guimarães, Marly de Oliveira, Maria do Carmo Schneider e Bernadette Lyra
Mulheres com todas as letras No Departamento de Línguas e Letras da Ufes, um grupo de pesquisadores, coordenado pela professora Mirtis Caser, desenvolve estudos sobre a literatura de autoria feminina, em diferentes tempos e espaços, e também a respeito da participação das mulheres na produção da teoria, da historiografia e da crítica literária e da recepção de obras literárias por mulheres ao longo da história. Em foco, as escritoras brasileiras e de língua espanhola. “Nossa equipe trabalha com mulheres de todas as letras. Aliás, esse é o nome do nosso grupo de pesquisa no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). São autoras de gêneros lírico, narrativo e dramático, e sobre a participação das mulheres na produção da teoria, da historiografia e da crítica literária. Nosso principal objetivo é dar mais visibilidade à produção feminina”, explica a professora. Atualmente, o grupo pesquisa as brasileiras Adélia Prado e Lygia Fagundes Telles; a autora espanhola do século XIX Emilia Pardo Bazán; e
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“Ainda bem que muitas delas ousaram e publicaram ou criaram clubes literários”, acrescenta. Essas atividades não estavam restritas à capital Vitória, mas aconteciam também em São José dos Calçados, Cachoeiro de Itapemirim e São Pedro de Itabapoana (Mimoso do Sul). Foi nesse município que nasceu, em 1895, a primeira escritora do Espírito Santo, Maria Antonieta de Siqueira Tatagiba. “A cidade era próspera, tinha muitas atividades voltadas para as artes, cultura musical e literária e era engajada politica e socialmente com as transformações sociais e ideais de liberdade e justiça. Foi nesse ambiente que Maria Antonieta S. Tatagiba viveu. Ela morreu muito nova, com 33 anos, de tuberculose, mas construiu uma literatura que incorpora o nome feminino a um universo antes restrito aos homens”, ressalta Francisco Aurelio. Revolucionárias Revisitar o passado por meio de pesquisas para construir aventuras que mesclam fatos históricos com os imaginários. “Eu brinco com a história do Espírito Santo”, é o que diz a escritora, pesquisadora e professora aposentada da Ufes Bernadette Lyra. Autora de dois livros em que suas
as argentinas Isabel Allende e Luisa Valenzuela. Além das análises da produção de Pardo Bazán, também seus textos estão sendo traduzidos. “Essa autora espanhola era condessa, ensaísta, jornalista, poeta, crítica literária e dramaturga. Ela foi uma precursora a respeito dos direitos das mulheres e viveu em uma Espanha machista e patriarcal. Em seus textos, ela reclamava por melhores condições para as mulheres, e seus principais pontos eram educação e trabalho remunerado. Naquela época, havia os estudos de Sigmund Freud a respeito da histeria e Emilia dizia que os problemas das mulheres estavam relacionados à falta de emprego”, diz a pesquisadora. Mirtis Caser destaca que as mulheres avançaram em muitas áreas, entre elas a de crítica literária, onde buscam encontrar outros parâmetros para avaliar a produção feminina. E foi por meio de muitas pesquisas, que foi possível revalorizar textos que foram desprezados ao longo da história. “É uma tentativa de encontrar outros parâmetros para julgar a produção feminina, de resgatar os trabalhos que foram desprestigiados no decorrer
do tempo pela crítica masculina”, acrescenta e cita como exemplo as receitas culinárias. Receitas e emoção A sociedade patriarcal determinou o lugar para homens e mulheres, desprestigiando os valores ligados ao feminino. Entre eles as receitas de pratos culinários. Porém os espaços e textos atravessaram séculos na obscuridade para alcançarem hoje o respeito. A pesquisadora Mirtis Caser destaca o livro “Como Água para Chocolate” (1989), da autora mexicana Laura Esquivel, como um exemplo de obra onde toda a emoção feminina passa a ser valorizada pela crítica, principalmente pelas mulheres que são críticas. Mas ainda há muito a ser reconhecido. “A famosa expressão ‘coisas de mulher’ dá o tom para que muitos dos afazeres femininos não sejam valorizados. E dentre esses afazeres está a escrita. Infelizmente ainda há pouco interesse na produção das autoras. No Espírito Santo, por exemplo, as escritoras da Academia Feminina Espírito-santense de Letras não têm muito reconhecimento”, denuncia Mirtis Caser.
Foto: Dkvulgação
personagens principais são mulheres que deixaram marcas profundas na história capixaba, Bernadette fala que a literatura mantém essas mulheres vivas. Em seu último livro, “A Capitoa”, a autora conta a história da primeira mulher a governar uma capitania, no século XVI – Luisa Grinalda. Entre tantos problemas, conta a história que Luisa ainda teve que enfrentar a invasão do famoso pirata inglês Thomas Cavendish, que já havia tomado a então Vila de Santos, em São Paulo. “Tivemos uma capitoa e nesse contexto histórico é resgatada, por meio da ficção, a vida dessas mulheres”, destaca a escritora. Ainda falta muito a pesquisar sobre as mulheres capixabas. Entre elas está Haydée Nicolussi (1905-1970). Essa escritora nascida em Alfredo Chaves (Sul do Espírito Santo) teve sua produção literária reconhecida por escritores brasileiros de sua época. Haydée escreveu para jornais e revistas de Vitória (Vida Capixaba, Canaã) e Rio de Janeiro (O Cruzeiro, Diário de Notícias, Diário da Noite, O Jornal, A Noite) e de São Paulo (O Estado de São Paulo). Traduziu várias obras e suas poesias foram traduzidas para o espanhol e o francês. “Haydée Nicolussi tinha uma paixão pelo socialismo soviético, que surgiu quando conheceu, em
Retrato da escritora Emília Pardo Bazán publicado na revista La ilustración Artística em 1891
Vitória, o seu grande amor. Ela mudou-se para o Rio de Janeiro, na década de 1930. As pesquisas ainda precisam se aprofundar a respeito desse envolvimento da Haydée com o Partido Comunista Brasileiro. Sabemos que ela foi presa pela polícia de Getúlio Vargas, na revolta comunista de 27/11/1935. Quando ela faleceu, Carlos Drummond de Andrade a chamou de revolucionária romântica”, diz Francisco Aurelio.
“Na literatura há a tentativa de fazer a passagem da coragem de falar, de reclamar e de termos o cuidado de não sermos ‘coitadinhas’. Claro que existem as autoras que escrevem para o mercado e às vezes mantêm o que está imposto. As coisas acontecem muito em ondas, elas são cíclicas. Temos períodos em que houve alteração, que o trabalho das mulheres foi levado a sério e depois temos novamente as quedas. Os períodos de fascismo, de ditadura, são sempre um declínio na situação em que a mulher se encontra. Por outro lado, esses momentos resultam produções em forma de resistência. Acho que essa é uma das grandes questões na literatura feminina: a resistência. As mulheres autoras têm resistido estética e eticamente”, complementa. Já no que diz respeito às leitoras, a pesquisadora Mirtis Caser frisa: “Temos que ler! Quando uma leitora tem em mãos um texto de autoria feminina, poderá encontrar situações que viveu e que não teve respostas naquela hora e poderá deparar com uma solução que não seja patriarcal. Vale a pena ler a produção feminina e a produção do nosso Estado”.
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Gênero, raça e educação:
infeliz tríade nos capítulos da História do Brasil LORRAINE PAIXÃO
Somente no final do século XIX é que as mulheres puderam se sentar diante de uma lousa, abrir o caderno e, com lápis em punho, entrar para a história do Brasil como as primeiras no ensino formal. Antes disso, a única educação que recebiam era sobre costurar, limpar ou cozinhar. Por ser um país com três séculos de escravidão, o processo educacional para mulheres negras foi mais tardio ainda e só aconteceu após muitas lutas do movimento negro brasileiro.
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Não é novidade alguma que a presença da mulher na educação é algo ainda recente em termos históricos. No Brasil, desde o período colonial até meados do século XIX, a única “educação” que a mulher recebia era em casa e para a casa. Às brasileiras que viveram aqueles tempos eram dados ensinamentos domésticos de como manter um lar, cuidar dos filhos e do marido. Tarefas ditas exclusivamente femininas. Aos homens que também viveram aqueles tempos eram dados números, cálculos, experimentos, história, filosofia. Ensinamentos de como desbravarem o mundo e de como manterem o status de “todo-poderoso”. A primeira escola brasileira que abriu suas portas para as mulheres foi o Colégio Florence. A instituição, inaugurada em 3 de novembro de 1863, era dirigida pela alemã Carolina Krug Florence e pelo seu marido, Hercules Florence. Com sua sede em Campinas, cidade interiorana de São Paulo, a escola era particular. Uma instituição pública de ensino para mulheres só veio a ser inaugurada quase 20 anos depois, em 1880, com a fundação da Escola Normal na Corte do Rio de Janeiro. Se para as mulheres levou séculos para que tivessem o direito de receber uma educação formal, para as mulheres negras esse direito veio mais tarde ainda e somente após muitas lutas do movimento negro brasileiro. Os respingos do contexto histórico narrado sobre a mulher e a educação no Brasil ainda hoje são sentidos, como o fato, já muito dito, de que no mercado de trabalho elas ganham menos do que eles, exercendo a mesma função. Todavia, alguns avanços podem ser apontados, como o de que mulheres são mais escolarizadas do que homens e são também maioria no ensino superior. De acordo com os dados revelados pela pesquisa “Estatísticas de Gênero”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as brasileiras com 25 anos ou mais têm nível de instrução mais elevado do que os homens: 33,9% das mulheres têm superior completo, enquanto entre os homens o percentual cai para 27,7%. O recorte racial feito pela pesquisa aponta que, entre a população com 25 anos ou mais e que possui o ensino superior, apenas 17,4% é composta por pretos e pardos (10,4% mulheres e 7% homens), enquanto para os brancos esse percentual vai para 44,2%. Ou seja, mais uma vez os números apontam uma velha ferida: as desigualdades sociais e raciais que fazem parte da concepção do Brasil enquanto país.
Mulheres negras na Ufes Na Universidade Federal do Espírito Santo, a presença da mulher negra tem crescido gradativamente. Elas compõem a comunidade acadêmica como estudantes, professoras e/ou pesquisadoras. Segundo dados da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progep), a Ufes tem hoje 1.922 professores universitários. Nesse universo, 690 são mulheres brancas e 177 se autodeclararam negras (26 pretas e 151 pardas). Ou seja, as mulheres negras estão representadas na Universidade por 9,2% do corpo docente. Se na docência elas têm baixa representatividade, na outra ponta do conhecimento as mulheres negras têm ocupado, desde a efetivação das cotas, cada vez mais espaço. Segundo dados da Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento Institucional (Proplan-Ufes), a Universidade tem hoje 20.913 universitários, sendo 11.309 mulheres. Desse total de universitárias, 5.739 são negras (1.262 se autodeclararam pretas e 4.477 pardas), o que significa que 50,7% das universitárias são pretas ou pardas. Portanto, com os números obtidos, podemos concluir que, na Ufes, as estudantes negras representam 27,4% de todo o corpo discente. A revista Universidade ouviu algumas professoras e pesquisadoras que são referências no tema dentro da Ufes. Elas falam sobre a importância da presença da mulher negra na academia, e sobre os avanços e desafios enfrentados. Embora a representatividade das docentes negras tenha crescido, ainda há ausência destas mestras, como aponta a coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação, Patrícia Rufino: “Quase não encontramos professoras negras aqui, muito menos nos cargos de gestão. Há necessidade de pensarmos e debatermos mais essa questão institucional da representatividade”. A professora destaca ainda o racismo velado que por ela é percebido e sentido no cotidiano. Patrícia Rufino, que é publicamente ativista das cotas raciais,
“Estatísticas de Gênero” - IBGE População de 25 anos ou mais de idade com ensino superior completo: 23,5% - Mulheres brancas 20,7% - Homens brancos 10,4% - Mulheres pretas ou pardas 7% - Homens pretos ou pardos
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Foto: Lorraine Paixão
Patrícia Rufino é coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab)
vivenciou, na Universidade, a graduação, o mestrado e o doutorado em um período pré-cotas. “Sempre defendi as cotas no serviço público, mas na minha época de entrada não havia cotas. Identifico cotidianamente o racismo velado na Instituição. Vejo os empecilhos todos os dias, principalmente em relação às necessidades dos pesquisadores em geral e
as particularidades dos professores e pesquisadores negros”, conta. “No entanto, existem alguns agravantes que implicam todas as questões de maneira geral, como o acesso aos projetos de pesquisa no Brasil, os editais e a dificuldade que a própria Universidade tem em dialogar com os vários setores”, destaca. Patrícia Rufino faz parte da geração pré-cotas; já a mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais na Ufes Renata Beatriz Rodriguez vivenciou, como estudante, tanto o período pré-cotas raciais quanto o pós-cotas. “Quando entrei na Universidade, ela era bastante diferente do que vemos hoje, não havia programas de ações afirmativas similares às cotas”, relembra. O primeiro vestibular da Ufes a adotar o sistema de cotas aconteceu em 2008 e era apenas com base na trajetória escolar do estudante. Sendo ele de escola pública, tinha direito à cota social. Somente em 2014 é que o vestibular da Universidade passou a adotar também a cota racial. Atualmente, a Ufes reserva 50% de suas vagas ofertadas para estudantes oriundos de escola pública, dividido em quatro modalidades: duas contemplam autodeclarados pretos, pardos e indígenas com renda familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo ou independente da renda; e duas para estudantes oriundos de escola pública com renda igual
Foto: Arquivo Pessoal
Renata Rodriguez, Hegli Lotério, Maria Luiza de Barros, Eliane Araújo e Carol Ornellas integram o Grupo de Pesquisadoras Negras “Virgínia Leone Bicudo”, que acolhe e orienta mulheres negras que cursam a pós-graduação
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Foto: Arquivo Pessoal
Mulheres negras na Ufes 20.913 - Estudantes (sexos feminino e masculino) 11.309 - Estudantes do sexo feminino 4.477 - Estudantes do sexo feminino que se autodeclararam pardas 1262 - Estudantes do sexo feminino que se autodeclararam pretas (Fonte: Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento Institucional - Proplan)
Para a mestranda Renata Rodriguez, a política de cotas está modificando a presença de mulheres negras na Ufes
ou inferior a 1,5 salário mínimo ou independente da renda. “Hoje, depois de sete anos, retornei para cursar o mestrado e é visível a diferença que a política de cotas operou dentro da Instituição. Apesar de todos os desafios e obstáculos enfrentados, reitero que na Ufes a presença de mulheres negras vem se modificando”. Estratégias de resistência e permanência Além da política institucional de combate às desigualdades sociais e raciais no ensino superior, muitos coletivos e grupos de estudo se organizam dentro das universidades formando redes de fortalecimento em defesa de suas particularidades. Na Ufes, foi criado em 2017 o Grupo de Pesquisadoras Negras Virgínia Leone Bicudo. Composto por 17 mestrandas e doutorandas, o grupo inclui pesquisadoras de diversos cursos da Ufes, como Ciências Sociais, Letras, Engenharias e Serviço Social e tem o objetivo de ser um espaço de acolhida e compartilhamento de experiências. De acordo com a mestranda e integrante do grupo Renata Beatriz, o coletivo funciona como local de apoio para as mulheres negras que fazem parte do ambiente acadêmico, caracterizado ainda como excludente. “Nosso grupo de mulheres foi capaz de perceber, sobretudo por conta de nossos próprios desafios, algumas questões importantes para o ingresso de mulheres negras na pós-graduação. Nossas pontuações, no entanto, não são apenas sobre acesso, ingresso e permanência”, salienta. Outra pesquisadora que faz parte do grupo é a doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em
Letras Carolinne Quintanilha Ornellas, que durante toda a sua graduação teve apenas uma professora negra. Para Carolinne, apesar dos números, não há muito que se comemorar quanto ao aumento da presença da mulher negra nas universidades. “Vejo um aumento muito tímido, o que, sinceramente, não encaro como avanço. Mas sinto que, comparado ao meu período de graduação, há um avanço em relação à identidade das mulheres negras dentro da Universidade, a consciência sobre a necessidade de afirmação dessa identidade – que é algo que nunca localizei na minha época e que, julgo, também foi determinante para que eu demorasse tanto tempo para me reconhecer como tal”, reflete.
Foto: Arquivo Pessoal
Carolinne Ornellas, doutoranda do Programa de PósGraduação em Letras
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Foto: Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo
Na Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales), das 30 cadeiras disponíveis, as mulheres ocupam somente quatro. Na foto está a deputada estadual Janete de Sá
A participação da mulher na política:
uma questão de gênero JORGE MEDINA
É inquestionável a participação das mulheres no mundo político. Várias delas estão exercendo altos cargos no poder público e controlam – ou controlaram – as mais importantes nações do mundo, como a Inglaterra, a Alemanha e o Brasil. No entanto, o domínio masculino nos espaços de decisões que atingem todo um território nacional é visível e difícil de ser rompido. Colocando a lupa sobre o mapa para abordar essa questão no Espírito Santo, a socióloga Dayane Santos de Souza apresenta a trajetória e o papel de 10 mulheres representantes do Estado na política, nos cenários local e nacional.
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A
s desigualdades de gêneros em diversas sociedades, sejam elas atuais sejam antigas, ainda colocam as mulheres em posições inferiores aos homens. Essa desqualificação se percebe nas artes, na filosofia, na religião e na ciência. No livro “O Martelo das Feiticeiras”, escrito em 1484 pelos inquisidores Heinrich Kramer e James Sprenger, por exemplo, as mulheres eram consideradas como símbolo do mal, um ser imperfeito que engana sempre. A alegação dos inquisidores é que houve um “defeito de fabricação” da primeira mulher, pois foi formada por uma costela de peito de homem, que é torta. Por isso que elas são consideradas seres inferiores aos homens. Nem mesmo o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788 – 1860) poupou o sexo feminino. Para ele, a mulher é um ser inferior, de ancas largas, ombro estreito, cabelos grandes e mente curta. Mas essa inferioridade social das mulheres e sua subordinação aos homens aos poucos estão mudando, principalmente na política. Era impensável, até há pouco tempo, que mulheres iriam assumir o poder político de seus países, exercendo cargos nas mais altas esferas do poder. Algumas foram eleitas presidentas, outras primeiras-ministras, como Angela Merkel (Alemanha), Benazir Bhutto (Paquistão), Cristina Kirchner (Argentina), Dalia Grybauskaite (Lituânia), Dilma Rousseff (Brasil), Elen Johnson Sirleaf (Libéria), Indira Gandhi (Índia), Laura Chinchilla (Costa Rica), Margaret Thatcher (Reino Unido), Michelle Bachelet (Chile), Tarja Halonen (Finlândia) e Theresa May (Reino Unido). No Brasil, apesar do cargo máximo da República já ter sido ocupado por uma mulher, a participação feminina na política ainda é pequena. No Espírito Santo, a situação não é diferente. Nas eleições de 2014, nenhuma mulher foi eleita deputada federal pelo Estado. Porém, atualmente, com a eleição do deputado federal Max Filho para a Prefeitura de Vila Velha, em 2016, a suplente Norma Ayub Alves assumiu o cargo em Brasília para cumprir o restante do mandato, até janeiro de 2019, sendo assim a única representante capixaba feminina na Câmara dos Deputados. No Espírito Santo há 78 municípios, mas apenas quatro prefeitas. Na Assembleia Legislativa (Ales), das 30 cadeiras disponíveis, as mulheres ocupam somente quatro. Quanto às câmaras municipais, o predomínio também é dos homens. As mulheres correspondem a apenas 9% dos plenários das
câmaras municipais, enquanto os homens, 91%. Na capital do Estado, Vitória, há apenas uma representante do sexo feminino. No Brasil, apesar de as mulheres representarem 51,7% do eleitorado, dos 513 deputados federais, apenas 55 são mulheres, o que equivale a 10,7% do total. No Senado, entre 81 parlamentares, temos apenas 12 mulheres (14,8%), sendo uma delas capixaba. Em um ranking divulgado pela União Interparlamentar, em 2017, o Brasil está na 151ª posição entre 190 países com relação à ocupação de mulheres nos parlamentos. Participação capixaba Uma análise mais aprofundada sobre a participação das mulheres capixabas na política foi realizada por Dayane Santos de Souza em sua dissertação “Entre o Espírito Santo e Brasília: mulheres, carreiras políticas e o Legislativo Brasileiro a partir da Redemocratização”. Dayane defendeu a dissertação em 2014, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, do Centro de Ciências Humanas e Naturais (CCHN) da Ufes. O trabalho objetivou debater a questão de gênero e política sobre a trajetória e o papel de 10 mulheres representantes do Espírito Santo na política, um lugar marcado pela presença masculina. Foto: Divulgação
Socióloga Dayane Santos de Souza
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Foram foco da pesquisa: Ana Rita Esgário, Etevalda Grassi de Menezes, Iriny Nicolau Corres Lopes, Maria de Lourdes Savignon, Myrthes Bevilacqua Corradi, Rita de Cássia Paste Camata, Rose de Freitas, Sueli Rangel Silva Vidigal, Lauriete Rodrigues Pinto e Luzia Alves Toledo. A escolha das participantes para o trabalho acadêmico, segundo Dayane, foi feita procurando analisar as condições sociais, os projetos ao longo da carreira, ganhos e perdas, entraves e possibilidades, tensões e conciliações à luz de questões presentes nos debates de gênero e de política. Na dissertação, também foi incluído um levantamento de indicadores sociais e estatísticos na sociedade e na política brasileiras a fim de apresentar o tema da desigualdade de gênero no Brasil com outros fatores, como etnia, geração e classe, de forma a subsidiar a discussão das barreiras à entrada e permanência de mulheres na política. O trabalho problematizou ainda o ofício da política pelas mulheres em suas possíveis especificidades, ainda persistentes na distribuição de trabalho e responsabilidades e apresentou a produção legislativa das parlamentares estudadas na pesquisa. Dayane explica que as mulheres retratadas no estudo vivem o pragmatismo político e lutam para se adequar aos imensos desafios de um ofício altamente competitivo, cujo comando de homens é o que impera. Ainda assim, imprimem sua “marca pessoal” no mundo em que atuam. Em alguma medida, também sua própria dicção. A dicotomia construída em torno das representações típicas dos gêneros acaba demarcando, de forma desigual, as experiências de cidadania de homens e mulheres. “A experiência de vida das mulheres entrevistadas expõe os sacrifícios por trás do êxito de uma carreira política numa sociedade que ainda se pauta na divisão sexual do trabalho. A carreira pública das mulheres está mais suscetível aos obstáculos vindos da vida doméstica. O tempo integral à política é, para a mulher, muito mais difícil de ser ofertado do que para o homem,” diz a pesquisadora. Conquistas Apesar da participação de mulheres na política institucional, tanto no Executivo quanto no Legislativo, ser considerada tímida pela pesquisadora, os avanços em um universo ainda muito masculino já podem ser percebidos. “É possível notar alguns avanços no Brasil. Podemos citar a Lei 12.034/2009 que impõe aos partidos e coligações o
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preenchimento do número de vagas de no mínimo 30% e no máximo 70% para candidatos mulheres e homens para cargos eletivos. A instituição de cotas que garantem vagas para mulheres no sistema político é um bom exemplo para o aumento da participação feminina na política partidária, embora nossa política de cotas não seja eficaz para que as mulheres sejam eleitas de fato. Muitas ficam só na candidatura, em parte pela falta de apoio dos partidos. A política de cotas da Argentina, por exemplo, surtiu muito mais efeito, porque existe punição junto aos partidos, cobrança e sistema político-partidário que favorece a eleição de mulheres”, explica Dayane. A participação feminina em vários cenários é inegável. No Brasil, segundo a pesquisadora, a conquista do sufrágio universal feminino, em 1932, se constituiu no primeiro grande passo na conquista da autonomia das mulheres. O acesso das mulheres à educação formal, o direito ao divórcio por lei, a decisão de e quando ser mãe e a conquista expressiva de posições no mercado de trabalho são algumas dessas conquistas. Dayane ressalta que o maior êxito das mulheres na política institucionalizada só ocorrerá de forma consistente se houver sérias discussões e mudanças nos papéis tradicionais de gênero, que são desempenhados nas esferas da vida cotidiana, na política ou na esfera particular. Há também a necessidade de mudanças mais significativas na forma como está estruturado o sistema político-eleitoral brasileiro, que acaba favorecendo a desigualdade de acesso ao poder político para grupos minoritários, como as mulheres, que, paradoxalmente, representam a maior fatia do eleitorado no país. Mas será que as mulheres da pesquisa de Dayane, que conseguiram transpor os primeiros obstáculos para efetivar sua atuação na política, apresentam um modo peculiar de atuação? “De um modo geral, não posso atestar que exista um modo de atuar politicamente próprio às mulheres com essa amostra tão restrita, tampouco porque não pesquisei as falas dos homens. Todavia, não poderia ignorar o discurso autolegitimador empregado pelas parlamentares do Espírito Santo que acreditam em uma especificidade ‘feminina’, que teria o potencial de qualificar a política ou, ainda, algo mais radical: empreender um novo modelo de política, mais humanizado”, ressalta. Dayane observa que o Brasil teve uma melhora em 2010, sobretudo com a eleição da primeira presidenta no Brasil, Dilma Rousseff. Por outro lado,
Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados/Brasília-DF
Nas eleições de 2014, nenhuma candidata do Estado foi eleita para a Câmara dos Deputados
ela esclarece que as eleições de 2014 escancararam o alto grau de desrespeito e desqualificação dedicado às mulheres na política por meio das inúmeras ofensas de cunho sexista destinadas à presidenta Dilma. “Apesar de haver um contexto político mais amplo no questionável impeachment, a questão de gênero também se impôs. Ao pensar nos vários níveis de governo e nos distintos poderes, nossa política ainda é dominada pelos homens e organizada de modo que favoreça essa configuração. Disso resulta que a participação das mulheres na política nacional continua bastante abaixo quando comparada à presença dos homens. Elas estão em espaços que geram baixo capital político e reduzida capacidade de angariar recursos”, completa a pesquisadora. O preço da candidatura Uma outra análise a respeito da baixa proporção de mulheres nas esferas do poder é realizada pela professora do Departamento de Ciências Sociais e coordenadora do Núcleo de Estudos em Transculturação, Identidade e Reconhecimento (Netir), Adelia Maria Miglievich Ribeiro, que foi orientadora de Dayane no mestrado. Para ela, as eleições no Brasil continuam caras. “Designar um nome e não outro para representar
a legenda partidária significa o partido investir dinheiro nesse nome com vistas às probabilidades de retorno. As mulheres, sem muitas variações, não costumam obter de seus partidos grande aposta. As exceções são mulheres que herdaram o capital da família e aquelas que, na redemocratização, surgiram como lideranças a partir dos movimentos sociais”, pontua a professora. Adelia reforça ainda que a mudança de mentalidades é lenta e requer um processo educacional que, entre outros fatores, defina a mulher como alguém que pode e deve ser respeitada em sua autonomia. “Também é extremamente necessário que as mulheres, nas suas divergências, se coloquem publicamente como ‘coletivo’ e notem que êxitos individuais não bastam. É importante que se pense a longo prazo na formação de lideranças mulheres na política de distintas faixas etárias, algo como formar um time titular e também um reserva, ainda juvenil, a fim de que a presença de mulheres na política brasileira deixe de ser tão baixa e intermitente para ser alta e ininterrupta”, ressalta. “Se as meninas crescerem vendo mais mulheres em cargos de mando poderão também ampliar seu horizonte de escolhas como ser humano e desenvolver talentos inimagináveis. Resta saber se o Brasil deseja isto para suas filhas”, provoca a professora.
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Foto: Divulgação/C(elas)
MATERNIDADE E CÁRCERE: a experiência de ser mãe no sistema prisional
LORRAINE PAIXÃO
No documentário C(ELAS), da professora do Departamento de Comunicação Social Gabriela Santos Alves, a rotina de mulheres que vivem em regime de privação de liberdade é apresentada para discutir os direitos e as angústias de tornar-se mãe no âmbito das prisões. 24
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filha nesse lugar. Aqui ela fica presa comigo”, conta Marisa*. Durante as visitas da pesquisadora e diretora à PFC, ela percebeu que essa é uma grande questão para as mulheres que por ali passam. O tempo todo elas se questionam o que é ser uma melhor mãe para a criança. Segundo Gabriela Alves, todas as entrevistadas traziam falas sobre o dilema de criar ou não um vínculo com o filho dentro da prisão. “Ao mesmo tempo que penso que foi bom, acho que foi ruim. Porque aqui, quando a criança nasce, você quer mandar mais cedo para a casa. Aí a juíza fala que você não é mãe, porque não está com ela, está mandando ela embora”, relata Joyce*, uma das entrevistadas que optou por ficar mais um tempo com a filha dentro da PFC. “Ficando com ela aqui, você está sendo mãe, mas tem a data que terá de mandar ela embora. Depois que trouxe minha filha e ela se apegou a mim, me arrependi”, completa.
“
Já falei para minha mãe, quando eu ganhar a criança, e se for sentenciada, irei mandar ela para casa. Não quero que ela fique por aqui, porque depois para desapegar vai ser difícil”, conta Jaqueline*, uma jovem mãe capixaba que vive em regime de privação de liberdade na Penitenciária Feminina de Cariacica (PFC). Trajando regata rosa clara com os dizeres “Interna” e uma bermuda rubra, Jaqueline é também uma das personagens que compartilham suas histórias e vivências no documentário C(ELAS), dirigido pela pesquisadora e professora do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Territorialidades, da Ufes, Gabriela Santos Alves. Em 18 minutos, o filme traz histórias incômodas das protagonistas, todas grávidas ou recentes mães, sobre os dissabores dentro da prisão. A fala que inicia a reportagem pode até causar espanto por ser proferida por uma mãe. Contudo, quem lê não sabe que essa, infelizmente, é um drama comum entre as mulheres privadas de liberdade, que vivem o dilema de estar dentro da prisão e permanecer com o filho recém-nascido ou mandá-lo para casa aos cuidados de familiares. “Tenho que me preparar para a resposta. Não sei se saio ou se fico. Não me adianta segurar minha
História e números O Brasil ocupa atualmente a quarta posição mundial no ranking das nações com maior população carcerária feminina. Segundo dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias, o número de mulheres em situação de privação de liberdade teve um aumento de 680% em um período de 16 anos. Ainda de acordo com o órgão, em junho de 2016, a população carcerária feminina passou a ser composta por 42,3 mil mulheres e parece seguir um perfil das estatísticas: 67% delas são negras ou pardas; 68% têm entre 18 e 34 anos; 63% são condenadas a penas de até oito anos; e 99% não têm diploma universitário. O crime cometido por 62% delas é o tráfico de drogas. No entanto, essas mulheres, geralmente, não estão no topo da pirâmide do tráfico, elas exercem atividades menores na hierarquia, como o transporte de drogas, por exemplo. Para tamanha quantidade de mulheres, que por alguma razão vivem em regime de privação de liberdade, imagina-se uma estrutura adequada para recebê-las enquanto respondem por seus atos. No entanto, os números não correspondem e o próprio Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen) reconhece que não há estrutura adequada. Em seu Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, realizado em junho de 2014, o órgão afirmou que o Brasil vive um grave problema quanto à estrutura física das unidades prisionais. São instalações superlotadas, péssimas condições de ventilação e iluminação, além de higiene precária e outras tantas mazelas.
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Foto: Arquivo pessoal
Professora Gabriela Santos Alves desenvolve suas pesquisas com o objetivo de refletir sobre cinco territórios de claustros femininos e suas categorias: mães e esposas, freiras, putas, loucas e presas
Ainda de acordo com os dados, o País possui ao todo 1.420 presídios. Desses, apenas 99 são exclusivamente femininos e 241 considerados mistos – com alguma cela ou espaço que abrigam mulheres. Esses dados são o reflexo de uma compilação de fatos históricos permeados pela cultura patriarcal em voga, como afirma a pesquisadora Gabriela Alves: “Apesar das conquistas obtidas até hoje, a vivência feminina no mundo contemporâneo ainda está condicionada à hegemonia patriarcal, estejamos na condição de mães, esposas, religiosas, prostitutas, loucas ou presas”, reflete a pesquisadora, que atualmente desenvolve o projeto de pesquisa “Clausuras – territórios e sentidos de clausuras femininas”, que tem como objetivo refletir especificamente sobre cinco territórios de claustros femininos e suas categorias: mães e esposas, freiras, putas, loucas e presas, analisando a produção audiovisual sobre esses territórios e categorias e propondo a realização de filmes, em especial, documentários, sobre eles. Além de Gabriela, outra pesquisadora da Universidade também estuda a temática “maternidade e prisão”. Mestranda em Ciências Sociais, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, e integrante do Grupo de Pesquisa Criminologias, Segurança Pública e Sistema Prisional, da Universidade de Vila Velha (UVV), Rayane Marinho Rosa traz em um de seus artigos um fato curioso a respeito da origem dos presídios. De acordo com a pesquisadora, as primeiras unidades prisionais dedicadas exclusivamente às mulheres eram administradas por freiras da Congregação Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor. Dessa forma, por três décadas seguidas, a Igreja Católica teve em suas mãos a ordem do primeiro presídio feminino no País.
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“A criação de presídios exclusivamente femininos se deu muito tardiamente. Somente nas décadas de 1930 e 1940 foram inaugurados no nosso País cárceres que abrigavam mulheres, que eram administrados por freiras. Ou seja, tinha um propósito de reconstruir os papéis historicamente condicionados às mulheres”, analisa a pesquisadora. A primeira penitenciária exclusivamente feita para mulheres era sediada em uma casa e, em seu decreto de criação, previa que a pena das internas deveria ser executada com trabalho e instrução domésticos. “Além de não serem originalmente construídos para receberem mulheres, os presídios possuem também toda uma orientação androcêntrica (tendência em se reduzir a raça humana ao termo “homem”, em que o masculino é o paradigma de todas as coisas) em suas práticas e dinâmicas”, afirma Rayane Marinho. Gabriela Alves concorda com a reflexão acerca da origem dos presídios femininos e acrescenta que o fato está intrinsecamente ligado à dinâmica de nossa sociedade, que nasce sob o manto patriarcal. “É uma prática comum do permanente esforço do patriarcado em nos manter no espaço doméstico, mesmo que estejamos fisicamente fora dele”, pondera. Cárcere feminino no ES Segundo a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus), já são 1.090 mulheres no sistema prisional capixaba, sendo que 637 estão condenadas e outras 450 em regime provisório. Em relação à maternidade na prisão, o Estado possui 19 mulheres grávidas e 10 que estão amamentando, de Foto: Arquivo pessoal
Em suas pesquisas, Rayane Marinho aponta para o fato de que as primeiras unidades prisionais só para as mulheres no Brasil eram administradas por freiras
Foto: Divulgação/C(elas)
C(ELAS) é um documentário de curta-metragem sobre a maternidade no sistema carcerário brasileiro que já participou de diversos festivais nacionais e internacionais e ganhou o prêmio de Melhor Filme (Júri Técnico) da Mostra Foco Capixaba, integrante do 24° Festival de Cinema de Vitória (2017)
acordo com informações apuradas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em dezembro de 2017. Com esses dados, o Espírito Santo ocupa o 5º lugar no ranking dos estados com mais grávidas em presídios no País. Ainda segundo o CNJ, em todo o Brasil existem 622 mulheres grávidas ou lactantes no sistema penitenciário. O estado com maior número é São Paulo, com 235 detentas nessa situação, seguido de Minas Gerais, com 56. Conforme o site da Sejus, o Espírito Santo possui ao todo 35 unidades prisionais distribuídas em 15 cidades do interior; e 20 na Grande Vitória. Dessas unidades, três são femininas e estão localizadas nos municípios de Cariacica, Colatina e Cachoeiro de Itapemirim. Ou seja, a média local de presídios femininos (8,5%) não está tão distante da média nacional (7%). Dos três dedicados às mulheres, somente a Penitenciária Feminina de Cariacica (PFC) tem infraestrutura adequada para receber detentas grávidas ou com filhos recém-nascidos. Foi na PFC, na ala especial e única no Estado, que o filme C(ELAS) foi gravado. A cor lilás nas paredes, os objetos coloridos espalhados pelo cômodo e as roupas de bebês estendidas em varais improvisados não afastam a ideia de que ali, na Ala Materno Infantil da PFC, ainda é, de fato, uma prisão. E é nesse ambiente que mulheres – a maioria jovem e negra – carregam a dor e angústia da indagação do que é ser uma boa mãe. “O duro questionamento enfrentado pelas mães detentas, sobre o que é ser melhor mãe, possibilita que encaremos a situação vivida por essas mulheres como uma ‘reprisão’, já que vivem duas espécies
de claustros: o institucional e o social. Esse último ligado aos padrões e normas de comportamento impostos sobre o corpo feminino em relação ao ideal da maternagem”, analisa Gabriela Santos Alves. As Leis No Brasil, existem algumas leis que garantem minimamente direitos à mulher gestante, lactante ou mãe presidiária. Temos a Constituição Federal, a Lei de Execuções Penais, o Código de Processo Penal e os tratados internacionais – como as Regras de Bangkok, documento com recomendações e diretrizes para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras, do qual o Brasil é signatário. É na Constituição Federal, art. 5º, L, que o direito das presidiárias de permanecer com seus filhos durante o período de amamentação é garantido. No entanto, isso pouco era cumprido. Somente em 2009, com a Lei de Execução Penal 11.942, é que foi assegurada de fato a permanência, por no mínimo seis meses, bem como a garantia de assistência médica aos bebês e às mães. Foi também neste mesmo ano que sobreveio outra lei. Uma determinação de que os estabelecimentos penais destinados às mulheres tenham por efetivo de segurança interna somente agentes do sexo feminino. “O fato de existir em leis que garantem direitos às mulheres presas, em especial às mães, não significa necessariamente na prática a sua real efetivação. Há ainda uma série de dificuldades, além da falta de estrutura, como a tímida aplicação dessas leis por parte dos magistrados; e
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Principais leis que protegem as mulheres que vivem em regime de privação de liberdade Constituição Federal - Art. 5º, L Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.
Lei de Execução Penal 11.942 Dá nova redação aos arts. 14, 83 e 89 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, para assegurar às mães presas e aos recém-nascidos condições mínimas de assistência. Art. 14 § 3º Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido. Art. 83 § 2º Os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade. Art. 89 Além dos requisitos referidos no art. 88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa.
o próprio preconceito na atuação de profissionais que lidam com essas mulheres em seu cotidiano”, reflete Rayane Marinho. “Para compreendermos o papel do Judiciário nesse cenário, é preciso pensar também o que está por detrás de um sistema tão seletivo e perverso, que tanto reforça a exclusão social e racial existente”, pontua. Até 2017, era comum o uso de algemas em presas que estavam em trabalho de parto. Mesmo com a resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária feita em 2012, a qual proibe o uso de algemas em gestantes que estão prestes a dar à luz ou enquanto amamentam seus filhos. A lei que veda o uso de algemas nessas mulheres só foi sancionada em 12 abril de 2017. Em 20 de fevereiro de 2017, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu por maioria de votos conceder um habeas corpus coletivo para determinar a substituição da prisão preventiva por domiciliar de mulheres presas que sejam gestantes ou mães de crianças de até 12 anos. O pedido de habeas corpus foi feito pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos e foi aceito pelo STF sob o argumento de que “confinar mulheres grávidas em estabelecimentos prisionais precários, subtraindo-lhes o acesso a programas de saúde pré-natais, assistência regular no parto e pós-parto, e ainda privando as crianças de condições adequadas a seu desenvolvimento, constitui tratamento desumano, cruel e degradante”. A nova decisão se estende ainda a mulheres presas que são mães de filhos com deficiência física ou mental de qualquer idade. Os juízes de primeira instância têm até 60 dias, a partir da data da decisão, para colocar isso em prática. “Uma questão tão simples, que passa despercebida. O fato de não ocuparem expressividade em termos absolutos na população carcerária não torna a questão menos relevante”, critica Rayane. “A problemática de mulheres encarceradas se reveste de peculiaridades muitas vezes tão despercebidas. Um sistema estruturado para receber homens demonstra sua faceta mais perversa quando lançamos um olhar às mulheres presas, sobretudo às mães. Especificidades essas que, se evidenciadas, representam ainda mais violações de direitos”, conclui. *Todos os nomes usados na reportagem para referenciar mulheres que vivem em regime de privação de liberdade são fictícios, em respeito às identidades das mesmas.
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PRECONCEITO, EXCLUSÃO E VIOLÊNCIA vividos por mulheres transexuais JORGE MEDINA
Embora haja avanços no Brasil em relação às políticas sociais para a população LGBTTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), ainda são muitos os desafios e obstáculos que essa comunidade enfrenta na sociedade, principalmente no combate à discriminação e à violência. Para Viviana Corrêa, mulher transexual, técnica-administrativa da Ufes, os preconceitos quanto à sexualidade estão relacionados à falta de conhecimento sobre os estudos de gêneros e à falta de entendimento a respeito da diferença entre identidade de gênero e orientação sexual.
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onforme dados da ONG International Transgender Europe, o Brasil é o País onde mais se mata travestis e transexuais. Em 2017, por exemplo, 179 pessoas trans foram assassinadas no País. Além disso, o preconceito, a exclusão social, a dificuldade de acesso aos postos de trabalho e a violação de direitos de forma geral são preocupantes, principalmente entre as pessoas trans e travestis. Entender o porquê da discriminação e da agressividade que sofrem a comunidade LGBTTT é uma tarefa complexa. O professor Alexsandro Rodrigues, coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Sexualidades (GEPS) e do Núcleo de Pesquisa em Sexualidade (NEPS/Ufes), destaca que a sexualidade é uma questão que desperta muito interesse, pois faz parte dos sujeitos que a constituem, não é algo que possa se desligar ou algo de que alguém possa se distanciar. Está relacionada às sensações, aos prazeres e às emoções, independentemente da identidade sexual dos indivíduos. Viviana Corrêa, mulher transexual, técnica-administrativa da Ufes no cargo de secretária executiva do Departamento de Cidadania e Direitos Humanos da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Cidadania (Proaeci), ressalta que os preconceitos quanto à sexualidade estão relacionados à falta de conhecimento sobre os estudos de gêneros. Para ela, primeiramente, as pessoas ainda não conseguem entender a diferença entre identidade de gênero e orientação sexual. “A identidade de gênero de uma pessoa é um sentimento e uma vivência profunda do próprio gênero, normalmente consistente com o sexo que lhe foi atribuído no momento do nascimento. É uma questão pessoal, uma relação com você mesmo. Já a orientação sexual é a atração física ou emocional que uma pessoa sente em relação a outra. É o afeto com o próximo, com o outro”, completa. No caso de Viviana, ainda criança ocorreu a percepção de que o gênero que lhe foi designado ao nascer não a representava. As pessoas a viam como menino, mas ela se sentia uma menina. Sua infância foi bem conturbada. Era castigada por seu comportamento, por sua postura e por suas atitudes, que eram incompatíveis, socialmente, com o que se espera de uma pessoa do sexo masculino. Não conseguindo corresponder às expectativas e cobranças alheias, ela preferiu se isolar e viver em seu próprio mundo. Viviana conta que a transição de menino para menina só aconteceu próximo aos 30 anos de
idade, quando entrou na Ufes. Para ela, a mudança não é fácil e assusta as pessoas, pois há uma quebra do padrão imposto pela sociedade, e muitas não sabem lidar com a situação e se afastam. “Talvez por isso minha transição veio a acontecer tardiamente. Quando chegou o momento, foi algo muito libertador e de angústia ao mesmo tempo, por não ter feito isso antes”, admite. Além da questão de gênero em si, Viviana, que também é ativista em movimentos sociais, acredita que outros fatores contribuem para intensificar ou atenuar a discriminação e a exclusão social contra as pessoas transexuais. “Não sofro tanto preconceito como as demais pessoas trans. Acredito que seja pela minha postura e pela minha situação social. Tenho acesso a estudos, um emprego estável, e socialmente sou considerada como branca. Todas essas questões amenizam a discriminação”, salienta. Viviana fala fluentemente três idiomas, morou na Alemanha por três anos, é professora de Inglês e Alemão no Núcleo de Línguas da Ufes e tem pós-graduação em Língua Alemã pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Apesar do acesso à educação formal de qualidade, a técnica-administrativa da Ufes ressalta a importância de ter sido aprovada no concurso público da Universidade, em 2013. “Mesmo tendo competência para exercer uma profissão, pessoas trans são, frequentemente, recusadas por sua identidade de gênero. Dessa forma, muitas delas só veem uma opção de sobrevivência: se prostituir”, diz Viviana. Segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), mais de 90% de travestis e transexuais vivem da prostituição. Preconceito A secretária executiva Viviana Corrêa enfatiza que existem preconceitos e discriminações de maneiras diferenciadas. “A discriminação com as pessoas trans é maior do que com os gays. Os preconceitos relacionados às pessoas trans estão relacionados com à desumanização, fetichização e objetificação. Existem pessoas que não se aproximam da gente, não falam com a gente, agem de formas diferentes. Às vezes, existe respeito, mas percebemos um preconceito de maneira velada”, observa Viviana. Viviana explica ainda que muitos pensam que a transexualidade é a homossexualidade em estágio avançado. “Temos de falar sobre gênero e diversidade sempre. Fazer com que as pessoas percebam que nós existimos, senão elas ficam alienadas e com uma visão atrofiada. Sabemos que mudar a
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maneira de pensar das pessoas não é algo fácil, não é tranquilo. Algumas questões só mudam com gerações. Nós estamos vivendo o que os gays viveram nos anos 1960 e 1970. Mas temos que ter visibilidade e acabar com os tabus e os estereótipos construídos em torno de nós”, destaca. Para desmistificar um pouco essas questões, a Ufes promove vários eventos educativos como o Dia Nacional da Visibilidade Trans, que é organizado desde 2004 e objetiva defender os direitos humanos e o respeito à identidade de gênero. Outro ponto levantado por Viviana, que, segundo ela, reforça o preconceito contra as mulheres trans, é a ideia ainda presente na sociedade brasileira de que o sexo feminino é inferior ao masculino: “Sendo assim, para quem é preconceituoso, é ultrajante aceitar que uma pessoa designada homem quando nasce se “rebaixe” e queira levar a vida como uma mulher. Para aqueles que se identificam como sexo forte, é inaceitável que um homem se identifique com o sexo que eles acham inferior ao seu. Isso fere o machismo de uma maneira muito forte e reforça ainda mais a violência contra as pessoas trans”. Ela explica ainda que, em uma sociedade que estabelece e mantém categorias fechadas e alienantes, fugir à regra é uma afronta. “Quanto mais você sai de um padrão estabelecido social e culturalmente, mais preconceito você sofre”, observa. Para Viviana, a consequência máxima dessa discriminação, o assassinato de pessoas trans, tende a aumentar neste ano. “Temos a impressão de que o número de assassinados será maior. O levante do conservadorismo está cada vez mais alto no País. Isso é observado principalmente nas redes sociais,
os comentários relacionados aos gêneros estão cada vez mais agressivos e depreciativos. Estamos vivendo em um momento complicado e de retrocesso em nossa sociedade. Estamos vivendo a mesma situação que os gays viviam anteriormente”, pontua. Acolhimento Como ação no enfrentamento à violência, exclusão social e violação de direitos das pessoas trans e travestis, o Departamento de Psicologia da Ufes, coordenado pela professora Andrea dos Santos Nascimento, criou o Grupo de Acolhimento para Pessoas Transexuais e Travestis. “O objetivo foi abrir um espaço dentro da Universidade para que pessoas trans e travestis pudessem falar sobre suas vidas, seus medos e suas inquietações de forma aberta e sem preconceitos. Um espaço para cuidarem de sua saúde mental, proporcionando um porto seguro para que essa população pudesse revelar seus anseios e suas conquistas o mais inteiramente possível. Foi um momento de profundas e importantes trocas. Oferecemos a possibilidade de aceitação e compreensão sem nenhum pré-julgamento moral”, explica Andrea, doutora em Psicologia. O grupo foi criado em 2004, junto ao Sistema Conselhos de Psicologia. “Comecei a dar os primeiros passos na militância pela diversidade sexual e de gênero. Nos grupos de militância, a maior reclamação da população LGBTTT era quanto à ausência do atendimento psicológico feito por profissionais preparados. Em outros momentos, a reclamação era de que a psicologia não sabia o que fazer com os pacientes trans e travestis, que
Foto: Jorge Medina
Viviana Corrêa, mulher transexual, destaca que o preconceito contra as mulheres trans está relacionado à ideia ainda presente na sociedade brasileira de que o sexo feminino é inferior ao masculino
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a proposta era sempre de usá-los(as) para fins de pesquisa e levantamento de dados. Dessa forma, em 2017, colocamos em prática o primeiro Grupo de Acolhimento para pessoas trans e travestis, dentro da Universidade e de forma gratuita. Hoje, contamos com 12 profissionais”, afirma. A importância desse tipo de ação é ressaltada ainda por dados que apontam para a vulnerabilidade psicoemocional da comunidade LGBTTT. O suicídio, por exemplo, é quatro vezes maior nesse grupo do que em heterossexuais, sendo que essas pessoas são três vezes mais propensas a desenvolver algum tipo de transtorno psicológico, como a depressão, por exemplo. Avanços Apesar dos preconceitos e da falta de informações sobre a transexualidade, a servidora da Ufes e ativista em movimentos sociais Viviana Corrêa destaca alguns avanços. O principal, para ela, é o direito de existir. “Nos anos 1980 e 1990, a população trans vivia em guetos. Acredito que essa violência de hoje é porque ousamos sair dos guetos e ocuparmos os mesmos locais das pessoas cisgêneras. Elas não estavam esperando que fossem dividir os mesmos espaços conosco”, salienta. Outro ponto destacado como conquista são as políticas do Sistema Único de Saúde (SUS), do Ministério da Saúde, que visam a ações para evitar a discriminação contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais nos espaços e no atendimento dos serviços públicos de saúde. Também há o Projeto de Lei João Nery (PL 5002/2013), que tramita na Câmara dos Deputados desde 2013, e busca garantir à população trans o reconhecimento a sua identidade de gênero. A lei busca permitir que qualquer pessoa acima de 18 anos apresente em cartório um pedido de retificação registral da certidão de nascimento e novas emissões de documentos, com o nome e gênero pelo qual quer ser tratado. Outra conquista é o nome social, que é a identificação pelo qual as pessoas trans, transexuais, travestis ou qualquer outro gênero preferem ser chamadas no dia a dia, em contraste ao seu nome oficialmente registrado em certidão de nascimento. Em 2014, o Conselho Universitário da Ufes aprovou o uso de nome social para estudantes e servidores da Universidade. Estes passaram, então, a ter o direito de requerer o uso e a inclusão nos registros acadêmicos de seu nome social, sempre que o nome civil não refletir sua identidade de gênero ou implicar algum tipo de constrangimento.
O objetivo é conceder aos estudantes travestis e transexuais o direito de utilizar o nome social, sem mencionar o nome civil, durante a frequência de classe, em solenidades, colação de grau, defesa de monografias e em outras situações da vida acadêmica. Histórico escolar, certificados, certidões, diplomas, atas e demais documentos relativos à conclusão do curso e colação de grau serão emitidos com o nome civil, acompanhado do nome social.
Cirurgia de transgenitalização O Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam) é referência no tratamento de disforia de gênero para transexuais e transgêneros no Estado do Espírito Santo. Em 1998, realizou a primeira cirurgia de transgenitalização no Estado, conhecida como cirurgia de mudança de sexo. Foi o segundo hospital público brasileiro a fazer a cirurgia e se tornou referência mundial Em 2013, uma equipe coordenada pelo professor de Medicina da Ufes Jhonson Joaquim Gouvêa desenvolveu uma técnica inédita nas cirurgias de redesignação sexual, com preservação dos corpos cavernosos. Atualmente, o Hucam oferece para a comunidade um Ambulatório de Diversidade de Gênero, o único existente no Estado. A portaria de credenciamento foi publicada no dia 2 de março de 2018. O ambulatório é formado por uma equipe multidisciplinar que inclui urologista, endocrinologista, psiquiatra, ginecologista, infectologista, cirurgião plástico, enfermeiro, psicólogo, assistente social e fonoaudiólogo. Os pacientes são acompanhados em suas dimensões psíquica, social e médico-biológica. Coordenada pela professora e enfermeira Léia Damasceno Brotto, que é chefe da Divisão de Gestão do Cuidado, o ambulatório atende em média 10 pacientes por mês. Para realizar a cirurgia de transgenitalização os pacientes têm que ter mais de 21 anos, além de passar por uma rigorosa avaliação com a equipe multiprofissional, que dura em média dois anos. A cirurgia, que é gratuita, dura em média quatro horas. O Hucam já realizou 76 cirurgias de transgenitalização.
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Fotos: Elisa Coradini
Do mundo da
BIOTECNOLOGIA
para o dia a dia do cidadão CAMILA FREGONA
Produção de etanol a partir da casca de coco, melhoramento de sementes e melhoria da qualidade da cachaça são algumas das pesquisas desenvolvidas no Laboratório de Biotecnologia Aplicada ao Agronegócio, que já conta com um prêmio internacional e 18 patentes. A coordenadora do laboratório é a professora Patrícia Fernandes, que também é presidente da Comissão Interna de Biossegurança (CIBio) da Ufes e membro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTN-Bio) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
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As sementes de mamão, a casca de coco e a levedura fazem parte das pesquisas desenvolvidas no Laboratório de Biotecnologia Aplicada ao Agronegócio
A
pesar de parecer uma invenção do mundo moderno, a biotecnologia tem origem nos primórdios da civilização. Por seu conceito amplo, a biotecnologia é associada ao uso de organismos vivos, ou parte deles, para produzir bens ao ser humano e ao meio ambiente. Dessa forma, percebe-se que o uso de leveduras para a fermentação de pães e bebidas já é um processo biotecnológico de longa data. No século XX, a biotecnologia moderna ganhou destaque com a alteração genética dos organismos. Em 1928, por exemplo, foi descoberto o fungo Penicillium, que mais tarde deu origem a um antibiótico amplamente utilizado na medicina. Já o primeiro transgênico comercializado no mundo foi a insulina produzida por bactérias – deixando para trás a necessidade de extrair insulina a partir do pâncreas de bovinos ou suínos. E assim são inúmeros exemplos de biotecnologia que hoje estão no nosso dia a dia. No Laboratório de Biotecnologia Aplicada ao Agronegócio, do Centro de Ciências da Saúde (CCS), localizado no campus de Maruípe (Vitória), muitas pesquisas são desenvolvidas na área. Algumas delas partem do uso das leveduras, como a Saccharomyces cerevisiae. “Ela é considerada ‘a melhor amiga do homem’, já que atua na fermentação de
alimentos e bebidas (destiladas ou não), e também na produção de etanol. Foi o primeiro organismo eucarionte a ter o seu genoma completamente sequenciado, então, já conhecemos sua estrutura e grande parte do que ele produz. É um micro-organismo que transforma o açúcar comum em álcool, por exemplo”, explica a pesquisadora Patricia Fernandes, coordenadora do laboratório. Uma das pesquisas desenvolvidas no Laboratório de Biotecnologia é ligada ao incremento da produção de cachaça capixaba com base na melhoria do processo fermentação do álcool. Em outras palavras, o laboratório estuda esse micro-organismo para que ele possa fermentar melhor e resultar em um produto de qualidade superior. “No processo da cachaça, nós isolamos diferentes leveduras, para caracterizar cada uma delas e mostrar qual seria melhor para cada ambiente do estado do Espírito Santo, além de mostrar como deveria ser feita a prática da fermentação (concentração de levedura, forma de processamento etc). E continuamos esses estudos com a modificação genética da levedura baseada no melhoramento clássico, que consiste em replicar e observar algumas alterações espontâneas. Isso significa que não fazemos transgênicos, já que não transferimos um gene de um organismo diferente para a levedura”, ressalta.
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Foto: Elisa Coradini
Professora Patricia Fernandes, coordenadora das pesquisas no Laboratório de Biotecnologia Aplicada
Ainda na linha do álcool, mas agora combustível, outra vertente de pesquisa importante do laboratório é sobre a produção de etanol, tanto de primeira geração (a partir da conversão direta do caldo de cana) quanto de segunda geração (conversão de celulose e, principalmente, resíduos da agroindústria em etanol). Premiada internacionalmente e já patenteada, a pesquisa sobre o uso da casca de coco verde para a produção de etanol de segunda geração é uma referência do Laboratório de Biotecnologia, pois transforma o que seria um passivo ambiental em uma fonte de energia. De acordo com Patricia Fernandes, essa não é uma tecnologia fácil, mas excelentes resultados já foram obtidos, principalmente com o uso da alta pressão hidrostática – um processo que utiliza a pressão em níveis bem altos (similares à pressão nas maiores profundezas do oceano) para diferentes fins, como alterar a estrutura de um elemento ou, no caso de alimentos, descontaminá-los. “Esse processo também favorece a transformação das fibras da casca de coco, porque faz com que elas fiquem mais soltas. Além disso, a alta pressão torna mais eficaz a ação das enzimas que vão clivar (cortar) a fibra da celulose em açúcar (que a levedura é capaz de fermentar). Então, nós temos bons resultados em escala de laboratório e agora estamos passando a fazer em maiores volumes, em escala pré-industrial”, adianta a pesquisadora.
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Melhoria de sementes A alta pressão hidrostática é utilizada ainda para acelerar a germinação de sementes, área de pesquisa em que o Laboratório de Biotecnologia Aplicada ao Agronegócio também possui patente. Outro campo de estudos são as pesquisas para melhorar a resistência de plantas a doenças e, neste caso, o foco está no mamão papaya, produto de grande destaque na agricultura capixaba. As lavouras de mamão são afetadas por doenças muito severas, como a provocada pelo vírus da meleira, e até então a solução encontrada pelos produtores era a retirada e o descarte da planta infectada para evitar a contaminação de toda a lavoura. Os pesquisadores do Laboratório de Biotecnologia da Ufes têm estudado a forma como o vírus age e como a planta responde àquela infecção para assim alterar geneticamente a planta a fim de que ela resista à doença. Para isso, os pesquisadores têm utilizado novas tecnologias de transformação genética, como o CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats) – uma ferramenta que tem revolucionado a biotecnologia, pois permite a edição dos genes. “Não existe nada exógeno, nenhum gen de outro organismo. É só mesmo o próprio genoma do mamão papaya que é reorganizado de forma a trazer esse grande benefício. Temos feito muitos estudos de transcriptômica
e proteômica comparando a planta saudável, a doente e a que possui o vírus, mas não ficou doente. Então, a partir desses estudos, estamos identificando quais fatores da própria planta podem fazer com que ela se torne resistente ao vírus”, conta. Biossegurança Ao se falar em biotecnologia, um tema que vem à tona é a biossegurança. A pesquisadora Patricia Fernandes – que, além de presidente da Comissão Interna de Biossegurança (CIBio) da Ufes, é membro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTN-Bio) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – lembra que muitos estudos são feitos antes de qualquer produto geneticamente modificado chegar até o consumidor. “É importante que as pessoas entendam que quando se desenvolve um novo organismo ele não vai para o mercado sem nenhum tipo de estudo de segurança. No Brasil, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, da qual faço parte, avalia os estudos laboratoriais, passando pelos estudos controlados no ambiente, até a liberação comercial”, explica. “São plantas, vacinas, micro-organismos que produzem compostos importantes no diagnóstico de doenças tanto de humanos, quanto de animais e de plantas. Então, a biotecnologia – da forma como utilizamos esse termo atualmente –trouxe mudanças fenomenais para a saúde e também tem facilitando o dia a dia do ser humano”, complementa. Foto: Elisa Coradini
Reconhecimento internacional Com tantos trabalhos científicos realizados, o Laboratório de Biotecnologia da Ufes é reconhecido internacionalmente e mantém parceria com muitas universidades. Os estudos com levedura, por exemplo, rendem trabalhos com pesquisadores das universidades norte-americanas de Princeton e Penn State. Já com a universidade de Louvain, na Bélgica, pesquisas são feitas sobre a produção de etanol de segunda geração a partir da casca de coco. Em relação aos estudos com as plantas, a maior parceria é com o Centro de Pesquisa de Yucatán, no México, mas há vários contatos internacionais, como com instituições do Equador e de Belize, por exemplo. Em 2018, há previsão de se firmar parceria com o instituto norte-americano Scripps Oceanography, referência em trabalhos com alta pressão hidrostática. Além das parcerias internacionais, o laboratório fomenta o intercâmbio de pesquisadores. “Nós recebemos muitas pessoas de fora e, atualmente, temos estudantes do México, da Colômbia, da Costa Rica e do Japão. Nossos alunos também são recebidos facilmente em universidades de outros países. Então, esse reconhecimento é muito importante para os nossos estudantes, para o laboratório e para a Universidade. Todas as patentes que registramos são de propriedade da Ufes e, caso essa pesquisa seja de interesse de uma empresa, o objetivo é que esse estudo retorne como um bem financeiro para a Universidade e possa fomentar nossos investimentos em pesquisa”, ressalta.
Os estudos com a levedura são realizados também em parceria com pesquisadores das universidades norte-americanas de Princeton e Penn State
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Foto: Hélio Marchioni
“Você vai se arrepender de
levantar a mão pra mim” LORRAINE PAIXÃO
Professoras da Ufes dedicam seus estudos à problemática da violência contra a mulher e como os padrões de gênero implicam uma hierarquia de poder. As pesquisas revelam que a vergonha, o medo e a dependência econômica são alguns dos fatores que muitas vezes impedem essas mulheres de fazerem a denúncia. Os estudos também apontam que um dos caminhos para combater essa violência está na mudança na formação do homem, isto é, em um novo modelo de masculinidade. 38
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“
Cadê meu celular?/ Eu vou ligar no 180 / Vou entregar teu nome/E explicar meu endereço. [...] Eu solto o cachorro/e, apontando pra você/ eu grito: péguix/Eu quero ver você pular,/ você correr/na frente dos vizinhos, /cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim”. É com esses versos que a cantora Elza Soares denuncia, no samba “Maria da Vila Matilde (Porque se a da Penha é brava, imagina a da Vila Matilde!)”, que integra seu mais recente álbum “A Mulher do Fim do Mundo”, a cultura da violência contra a mulher no Brasil. Anos atrás, a mesma Elza também sofreu violência doméstica. Ela apanhou diversas vezes de seu então marido, o jogador da seleção brasileira Mané Garrincha. Em uma ocasião, chegou a ter os dentes quebrados. Na época, sofreu calada. Agora, aos 87 anos, faz um clamor às brasileiras para denunciarem qualquer indício dessa bruta conduta praticada por homens. O 180, disque denúncia mencionado pela cantora, foi criado pela Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres em 2005 para servir de canal direto de denúncia e orientação sobre direitos e serviços públicos para a população feminina. Ele é a porta principal de acesso à Rede de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher que é composta ainda por: agentes governamentais e não governamentais formuladores, fiscalizadores e executores de políticas voltadas para as mulheres; serviços/programas voltados para a responsabilização dos agressores; universidades; órgãos federais, estaduais e municipais responsáveis pela garantia de direitos; e serviços especializados e não especializados de atendimento às mulheres em situação de violência. Entre esses serviços oferecidos estão as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM), unidades especializadas da Polícia Civil que realizam ações de prevenção, proteção e investigação dos crimes de violência doméstica e sexual contra as mulheres. No Espírito Santo, existem dez unidades localizadas nos municípios de Vitória, Serra, Vila Velha, Cariacica, Guarapari, Linhares, Cachoeiro de Itapemirim, Aracruz, Colatina e São Mateus. Além das DEAMs, no Estado existe ainda uma unidade de Plantão Especializado da Mulher com atendimento 24 horas, no bairro Ilha de Santa Maria, em Vitória, e mais seis Centros de Referência de Atendimento à Mulher. Todos esses locais
de atendimento foram inaugurados recentemente. São instituições que têm menos de três décadas de existência e são fruto de um período marcado pela intensificação da luta dos movimentos sociais por políticas públicas para mulheres e pela criação de leis como a Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006. Padrões de gênero e a violência contra a mulher A doutoranda e mestre em História Social das Relações Políticas, pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Mirela Marin Morgante apresenta em sua dissertação “Se você não for minha, não será de mais ninguém: a violência de gênero denunciada na DEAM/ Vitória-ES” alguns dados relevantes de denúncias feitas entre os anos de 2002 a 2010 na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher de Vitória. Nesse mesmo período, o Espírito Santo registrou, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 1.525 homicídios de mulheres. Nenhum tipificado até então como feminicídio, isso, porque a Lei 13.104, que prevê o feminicídio, só foi sancionada em março de 2015. Mesmo com a lei ainda não sendo aplicada, a pesquisadora Mirela Foto: Arquivo Pessoal
Mirela Marin Morgante, doutoranda e mestre em História Social das Relações Políticas
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Marin Morgante analisou em sua pesquisa os Boletins de Ocorrências registrados nos casos em que os agressores denunciados tinham algum tipo de vínculo afetivo com a vítima da violência. A pesquisadora compilou o total de 12.085 Boletins de Ocorrência (BO) registrados no período de janeiro de 2002 a dezembro de 2010 na DEAM/Vitória, sendo que, desse total, 7.914 foram de denúncias cujos agressores eram maridos ou ex-maridos, namorados ou ex-namorados, companheiros ou ex-companheiros das vítimas, ou seja, os agressores tinham vínculo afetivo com suas vítimas. Para a professora do Departamento de Direito e presidente da Comissão Permanente de Direitos Humanos da Ufes, Brunela Vincenzi, há um ciclo reincidente de violência quando a vítima e o agressor são pessoas próximas. “A violência no ambiente de um relacionamento acaba se repetindo várias vezes, em razão do vínculo que une as pessoas e impede uma separação ou afastamento rápido”, afirma. Com os dados levantados pela pesquisadora, revela-se que, naquele período, iam todos os dias
à DEAM/Vitória cerca de três mulheres denunciarem a violência praticada por seus próprios companheiros, o que equivale a 989 denúncias ao ano. Porém esses dados não refletem completamente a realidade. Ainda há mulheres que não denunciam as agressões por diferentes motivos, seja a dependência financeira, seja o receio com a separação, seja a vergonha, entre outros. “Há muitas mulheres que sofrem violência e nem sequer denunciam. Verificamos que a maioria das mulheres que fez a denúncia nos boletins analisados era negra de regiões periféricas. No entanto, isso não quer dizer que elas sejam a maioria, é difícil saber. O que notamos é que muitas mulheres de classes média e alta têm receio de denunciar seus companheiros por conta da posição social da família e do marido, como foi o lamentável caso da médica assassinada Milena Gottardi”, comenta a pesquisadora, que relembra esse caso de feminicídio que chocou os capixabas em setembro de 2017. Nos Boletins de Ocorrência analisados pela pesquisadora, três motivos foram muito mencionados pelas vítimas para encorajarem seus companheiros a serem violentos: sentimento de posse e domínio do companheiro sobre elas; questionamento, por parte delas, acerca do trabalho e da virilidade masculina; e o fato de as vítimas não quererem mais continuar o relacionamento. Essas três características são consequências das relações de gênero forjadas pela sociedade patriarcal, que coloca o homem como sujeito soberano, viril e forte, e a mulher como sua propriedade, submissa e obediente, como ressalta a pesquisadora Mirela Marin Morgante. “Na sociedade patriarcal em que vivemos, os homens aprendem a ser agressivos desde a mais tenra idade. A agressividade é a forma com que os ensinam a resolver os problemas. Além disso, a sociedade os ensina a serem possessivos com suas companheiras, a serem sexualmente ativos e a proverem a sua família. A identidade masculina se forma dessa maneira”, reflete a pesquisadora. “Precisamos criar um novo modelo de masculinidade, uma nova forma dos homens se sentirem reconhecidos socialmente que não seja por meio da violência e da posse sobre as mulheres”, pontua.
O assassinato de Ângela Diniz na capa da revista Manchete – 27 de outubro de 1979
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O Espírito Santo é o 5º Estado brasileiro em feminicídio Entre os dias 1° de janeiro de 2017 e 22 de dezembro do mesmo ano, ocorreram no Espírito Santo 123 homicídios de mulheres, destes 37 foram caracterizados como feminícidio, segundo a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp). Em um período de doze meses, foram registradas 4.152 ocorrências de agressões contra as mulheres em delegacias da Grande Vitória, 2.788 solicitações de medidas protetivas e 6.113 inquéritos policiais enviados à Justiça. Os dados divulgados pela Sesp revelam que a cada duas horas uma mulher é agredida na Grande Vitória. Ao se fazer um recorte racial, as mulheres jovens e negras têm 3,5 mais chances de estar nessa estatística. De acordo com dados da Unesco, o Estado é o segundo do país com maior taxa de homicídio de mulheres negras do Brasil. Feminicídio O caso mais recente, aconteceu em setembro de 2017, quando uma outra capixaba entrou para as estatísticas que colocam o Estado na 5ª posição
geral dentre aqueles em que mais se matam mulheres no Brasil, segundo o Atlas da Violência 2017. Foi o caso da médica Milena Gottardi, 38 anos, que foi assassinada com um tiro na cabeça no estacionamento de onde trabalhava, o Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam), em Maruípe (Vitória). De acordo com a polícia, há a suspeita de que o crime tenha sido arquitetado pelo marido, o policial civil Hilário Frasson, de quem estava em processo de separação. A morte de Milena era anunciada. Ela já havia escrito uma carta e a registrado em cartório em que relatava o comportamento agressivo do marido e seu receio de que fosse assassinada no momento da separação. Além de deixar uma carta, alertou as pessoas próximas sobre as ameaças que sofria do marido. Todas as características denunciadas por Milena e sua morte se encaixam no crime de feminicídio. Ela viveu um ciclo de violência, psicológica e física, que se fechou somente com sua morte.
infográfico UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Junho 2018
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Resgate histórico: quem ama não mata No início da década de 1980, os movimentos feministas concentraram os esforços de luta para a problemática da violência contra a mulher. Não à toa, é exatamente nesse período que é inaugurada no ano de 1985, em São Paulo, a primeira Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher do país, nesse mesmo ano foi inaugurada também a DEAM/Vitória/ES. É também nessa década que a mídia passou a dar visibilidade aos casos de violência doméstica e, portanto, levantar o debate entre a opinião pública acerca dessa questão. Na dissertação de Mirela, há o resgate histórico de três casos de violência contra a mulher que repercutiram na mídia brasileira. O primeiro caso foi o de uma mulher pertencente à classe alta paulista que escreveu, em meados dos anos 1980, uma carta ao jornal local denunciando seu marido, um professor universitário renomado, de tê-la espancado. “À época essa denúncia, que teve repercussão nacional, colaborou para romper com o estigma de que a violência doméstica só acontecia com mulheres pobres, negras e com baixa escolaridade”, ressalta Mirela. O segundo crime que ganhou destaque na mídia e chocou a opinião pública foi o assassinato da socialite mineira Ângela Diniz pelo seu companheiro, Doca Street, em 1976, no Rio de Janeiro. Apesar de ter gerado manifestações dos movimentos feministas que pediam a punição de Doca, o assassino de Ângela Diniz foi absolvido pelo júri sob o argumento de que a matou em “legítima defesa da honra”. Após ser absolvido, o assassino ainda afirmou ter matado por amor, o que deu origem ao slogan feminista “Quem ama não mata” e provocou várias manifestações públicas de enfrentamento à violência contra a mulher. O movimento feminista se fortaleceu e manteve firme a campanha de denúncia e enfrentamento à violência contra a mulher. A campanha teve grande repercussão pública, e as manifestações contra a absolvição do assassino Doca Street se avolumaram, fazendo com que, em 1981, Street participasse de um novo julgamento. Neste, ele foi condenado a 15 anos em regime fechado. Na dissertação, a pesquisadora resgata ainda
um terceiro caso de violência doméstica que também foi bastante exposto na mídia. Em março de 1981, a cantora Eliane de Grammont foi covardemente assassinada com cinco tiros disparados pelo ex-marido, o também cantor Lindomar Castilho. A cantora fazia uma apresentação no bar Belle Époque, em São Paulo, quando foi surpreendida pelo ex-marido, de quem havia se separado três meses antes de seu assassinato. O crime gerou de imediato grande comoção, tanto por parte da mídia, como pelo movimento feminista paulista, que organizou na época um enorme ato público. As ativistas permaneceram mobilizadas durante todo o julgamento. “A visibilidade dada à violência contra a mulher era crescente e cada vez mais se almejava que essa questão se tornasse um problema social público, e não restrito à esfera privada”, afirma a pesquisadora. Preso em flagrante, Castilho usou sem sucesso o argumento de “legítima defesa da honra”. No entanto, naquele momento histórico o movimento feminista estava mais forte e organizado. Com tamanha visibilidade dada ao caso e com a pressão das ativistas feministas nas manifestações de rua e nos espaços midiáticos, o assassino de Eliane Grammont foi condenado em 1984 a 12 anos de prisão – dos quais cumpriria somente cinco, favorecido pela liberdade condicional oferecida em 1989. Desse modo, esses casos tornaram-se divisores de água no novo tratamento dado à questão da violência de gênero. Com a visibilidade dada a esses três bárbaros crimes em finais do século XX, mais mulheres passaram a denunciar as agressões sofridas dentro de casa, ocultada pelas paredes de suas residências e mantidas em silêncio em nome da “honra”. “Naquele final de século, as agressões de caráter doméstico passaram a ser tratadas como um problema de saúde pública, que requer atenção especializada”, diz a pesquisadora. As denúncias, as manifestações, a visibilidade dada contribuíram assim para que o Estado olhasse de verdade para a questão e elaborasse, de fato, políticas públicas específicas para a problemática da violência de gênero.
“O assassino de Ângela Diniz afirmou ter matado por amor, o que deu origem ao slogan feminista: Quem ama não mata”
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Foto: Arquivo
A professora do Departamento de Direito da Ufes, coordenadora do Laboratório de Pesquisas sobre Violência Contra Mulheres no Espírito Santo (Lapavim-ES) e presidente da Comissão Permanente de Direitos Humanos, Brunela Vieira de Vincenzi, conversou com a reportagem da revista Universidade sobre a Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/2006), instituída para coibir a violência e a discriminação, além de prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher; e a Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015) que altera o código penal para prever o feminicídio como um tipo de homicídio qualificado e incluí-lo no rol dos crimes hediondos. Na prática, isso quer dizer que casos de violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação contra a condição de mulher passam a ser vistos como qualificadores do crime. Confira a entrevista.
Revista Universidade: A Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio estão funcionando efetivamente? Brunela Vincenzi: A Lei Maria da Penha funciona mais do que a Lei do Feminicídio. Podemos dizer que a Lei Maria da Penha é uma lei que “pegou”, como dizemos no Brasil. A do feminicídio ainda encontra dificuldades na sua aplicação, pois vários aplicadores da lei – desde as delegacias de polícia até os tribunais – tendem a não enquadrar o crime contra a mulher como feminicídio. As duas leis citadas são aplicadas após a violência. Ou seja, não previnem, apenas punem. O que temos feito para prevenir a violência contra a mulher? A aplicação das leis em si tem o efeito de impedir a nova prática de violência de gênero. É o que chamamos de efeito educativo e pacificador do direito. Além desses efeitos, tenho a impressão também de que o estabelecimento de cotas para a participação paritária de mulheres na política, na administração pública, nas universidades, nas empresas vai contribuir para a maior inclusão das mulheres na sociedade, o aumento da sua autoestima, o reconhecimento de direitos e o seu empoderamento frente a casos de ameaça de violência. O caso do assassinato da médica Milena Gottardi, com a prisão de seus assassinos, foi bem rápido. Foi uma exceção? Por quê? Sim, infelizmente foi uma exceção. Mas esperamos que seja também o início de uma nova política de segurança pública no Estado. A exceção pode
Professora Brunela Vincenzi, coordenadora do Laboratório de Pesquisas sobre Violência Contra Mulheres no Espírito Santo (Lapavim-ES)
ter ocorrido porque é o momento de mudança na política de segurança no Estado ou pode ter sido uma resposta ao clamor público que se formou a partir da morte de uma mulher branca, médica e com representatividade na classe média capixaba. Infelizmente, a realidade é que a maioria dos casos de violência contra mulher reportados nas delegacias é contra mulheres negras e pobres. Quando uma mulher sofre violência e vai à delegacia denunciar, por quem ela é atendida? Temos profissionais preparados para o atendimento? A Lei Maria da Penha exige a formação dos profissionais e uma estrutura de delegacias e varas especializadas. Todavia, ouvimos relatos de que a formação profissional nessas instâncias ainda deixa a desejar quanto ao acolhimento da dor e do sofrimento da mulher que procura ajuda. A violência física, que pode levar inclusive à morte, geralmente é o último ato. O que antecede tudo isso e como ficar mais em alerta? Antes disso, acontece uma série de desrespeitos e humilhações. Nunca é possível antever a morte de alguém, todavia, em caso de repetidas formas de violência, é necessário procurar ajuda nos centros de referência dos municípios. Vizinhos, amigos e familiares podem fazer esse pedido de ajuda.
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Foto: Kilo-Degree Survey Collaboration/A. Tudorica & C. Heymans/ESO
Mistérios do
UNIVERSO: doutoranda quer ajudar a desvendá-los Ana Paula Vieira
Única representante feminina entre estudantes e professores do Programa de Pós-Graduação em Astrofísica, Cosmologia e Gravitação (PPGCosmo/Ufes), um programa internacional formado por cinco instituições brasileiras e quatro estrangeiras, a doutoranda Tássia Andrade Ferreira não se intimidou com as insinuações, ainda na graduação, de que era aprovada nas disciplinas pelo fato de ser mulher. Enquanto sua capacidade era questionada, Tássia terminou a graduação em Física no tempo previsto e se formou sozinha, antes de todos os colegas homens. Atualmente, o foco das pesquisas de Tássia está em desenvolver programas de computador para ter informações sobre o Universo.
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A
graduação e o mestrado de Tássia foram na Universidade Federal da Bahia (UFBA), mas o sotaque não revela a origem da estudante, que é baiana, mas já morou no Rio de Janeiro, no Ceará, no Maranhão, em Portugal, no Kwait e na Suíça. As andanças pelo mundo em decorrência do trabalho do pai não foram suficientes, ela queria mesmo era ajudar a descrever o Universo. De onde viemos? Para onde vamos? Do que o Universo é composto? De que são feitas as estrelas? Essas perguntas fundamentais que permeiam a curiosidade e as pesquisas de Tássia são abordadas na Cosmologia, um ramo da Astronomia que estuda a estrutura e a evolução do Universo, preocupando-se tanto com a origem quanto com a evolução dele. Tudo começou quando ela ainda nem compreendia bem o interesse pelo Universo e a área da Cosmologia. A menina que gostava muito de Física e Matemática no colégio se decidiu pela graduação em Física, mas visando à atuação na Astrofísica. “Pensei nessa área, mas aqui no Brasil é muito difícil”, analisa Tássia. Na graduação, a inspiração veio de um homem, já que ela afirma poder contar nos dedos as referências femininas na sua área. O professor Cássio Pigozzo, seu orientador na graduação e no mestrado, trabalhava com Cosmologia Observacional e foi responsável pelo primeiro contato de Tássia com a área. A partir daí, ela veio para a Ufes integrar o PPGCosmo, um programa internacional de doutorado em Astrofísica, Cosmologia e Gravitação que conta com instituições de cinco países. E não para por aí: ela está de malas prontas para passar um ano nos Estados Unidos, trabalhando com o orientador internacional Scott Dodelson, professor na Universidade de Carnegie Mellon, na Pensilvânia. O PPGCosmo trabalha com dois orientadores para cada estudante, um brasileiro e um estrangeiro. Aqui no Brasil, Tássia é orientada pelo professor Saulo Carneiro, que é da UFBA, uma das instituições que compõem o Programa. Na jornada pelos mistérios do Universo, ainda na graduação e no mestrado, Tássia utilizou as Supernovas como variáveis principais de estudo. Segundo ela, Supernova é o nome dado ao fenômeno da
explosão da estrela, um acontecimento claro, perceptível por meio de fotografias. A estudante explica que existem Supernovas dos tipos 1 e 2, e as do tipo 1 são classificadas em 1a, 1b e 1c. Ela se concentrou no estudo das Supernovas do tipo 1a, pois estas são encontradas em qualquer lugar do Universo e são padronizáveis. Tássia utiliza a Supernova como uma ferramenta para entender o Universo: “Como a Supernova é uma explosão que tem uma luz, isso demora um tempo para chegar até aqui. Então, quanto maior a distância até a estrela, mais antiga ela era, e são gerados dados de quando o Universo era mais jovem”. Conforme a estudante, a teoria entende que as Supernovas do tipo 1a brilham igualmente em qualquer lugar do Universo, então os cálculos são feitos por meio de uma equação que as descreve. Para obter os dados das Supernovas, Tássia utilizava as informações geradas pelo Supernova Legacy Survey, uma colaboração entre países por meio da qual um telescópio colocado no Havaí capturou
Foto: Ana Carolina Pagani
Tássia Andrade Ferreira
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imagens de Supernovas, gerando pacotes de dados a serem analisados. A participação de Tássia e de vários pesquisadores ao redor do mundo se dá na análise desses dados, que ficam disponíveis na internet após o fim da colaboração. De acordo com ela, o Supernova Legacy Survey reuniu 472 Supernovas em três anos de observações, no período entre 2003 e 2008. Esses dados ela analisou na graduação, enquanto no mestrado e no doutorado utiliza as informações do Joint Light-curve Analysis, que reúne 740 Supernovas, abrangendo dados do Legacy e de outras colaborações. “Quanto mais dados você tem, melhor é a sua análise”, ressalta a estudante. O foco das pesquisas de Tássia é desenvolver programas de computador onde ela insere esses dados para obter informações sobre o Universo. Energia escura Na temporada que vai passar nos Estados Unidos, Tássia terá acesso aos dados de outra cooperação, chamada Dark Energy Survey. “O que eu faço é no contexto cosmológico, ou seja, numa escala muito grande do Universo. A gente observa estrelas, galáxias, aglomerado de galáxias, mas eu não estudo essas coisas em particular, eu as uso para descrever o Universo como um todo. Eu pego uma Foto: RKilo-Degree Survey Collaboration/A. Tudorica & C. Heymans/ESO
equação para descrever o Universo, que é o que chamamos de modelo padrão”, revela a pesquisadora. Tássia ressalta que, nesse projeto, a ideia é investigar a natureza da energia escura. Mas o que é a energia escura? Tássia enfatiza que, de acordo com o modelo padrão, o Universo é formado por radiação, matéria, curvatura e energia escura. Dessa composição, os cientistas consideram que em torno de 5% do Universo é conhecido, formado pela chamada matéria bariônica, ou seja, o que é possível enxergar, e radiação. Os outros 95% são matéria escura e energia escura. Em 1998, fi cou provado também que o Universo está em expansão, por meio da teoria da expansão acelerada do Universo, ou a condição de universo acelerado, que rendeu o Prêmio Shaw de Astronomia de 2006 e o Nobel de Física de 2011 para Saul Perlmutter, Brian Schmidt e Adam Riess, que chegaram à descoberta da expansão acelerada do universo mediante observações de Supernovas do tipo 1a. Tássia explica: “Mas como o Universo está expandindo? Os cientistas entendem que deve ter alguma coisa, porque as forças que a gente conhece geralmente são atrativas. Por exemplo, a gravidade, a força magnética (se forem polos iguais, vai repelir). Mas a força magnética é fraca, então em grandes distâncias, não vai ter nada repelindo nem puxando. A força mais forte que a gente tem seria a gravidade. A Terra está girando em torno do Sol por causa da força da gravidade. Então, se a força mais forte que a gente tem é a da gravidade, como as coisas estão expandindo? Você esperaria que estaria tudo sendo puxado”. A partir daí, os cientistas entenderam que alguma outra variável está fazendo o Universo se expandir. “Tem uma força de repulsão aí. Como a gente não sabe o que é, a gente chama de energia escura”, conclui Tássia. Os estudos a partir dos dados da colaboração Dark Energy Survey seguirão nesse caminho, e a doutoranda fará parte da força-tarefa criada em torno da análise desses dados.
Essa imagem foi tirada pelo VLT Survey Telescope (VST), localizado no Observatório Paranal, no Chile. A área rosa é composta por matéria escura, e foi gerada através de simulações computacionais do projeto Kilo-Degree Survey (KiDS). A quantidade de matéria escura é em torno de 30 vezes maior que a de matéria visível
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Foto: Reidar Hahn/Fermilab
A imagem mostra a cúpula do telescópio Blanco, no Observatório Interamericano de Cerro Tololo, no Chile. Ele abriga a Dark Energy Camera, que é a ferramenta usada pela colaboração Dark Energy Survey para obtenção de dados do Universo. Essa câmera foi construída no Fermilab, EUA, e é um dos dispositivos de imagem digital mais poderosos até o momento
Modelo cosmológico Não significa, porém, que Tássia ficará observando fotos, grudada em um telescópio. O foco da pesquisa de doutorado da estudante é o desenvolvimento de um programa de computador que ela utiliza para testar alterações ao modelo cosmológico padrão. Conforme ela explica, o modelo e suas variações são feitos pelos teóricos da Cosmologia, e ela trabalha com os dados observacionais. “Eu tenho esse modelo padrão, que é descrito por uma certa equação. Eu rodo o modelo padrão no programa que eu construí e obtenho determinados resultados. Depois rodo para outro modelo, obtenho os resultados e comparo os dois. Assim vou vendo qual modelo melhor se aplica ao Universo, já que o fenômeno é um só, mas precisamos da comprovação matemática”, enfatiza Tássia.
Durante o período de estudos nos Estados Unidos, Tássia continuará testando os modelos. “O modelo padrão diz que a quantidade de energia escura é constante. O modelo alternativo, que é no que eu estou trabalhando, diz que há uma produção de matéria escura, que na verdade a energia escura se converte em matéria escura com o tempo. Como isso é observado? No começo do Universo, a matéria escura tinha um valor e hoje tem outro. Então eu vou pegar os dados que eles têm da atualidade e continuar os testes com os programas que eu tenho ou construindo novos”, afirma. Tássia conta com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pesssoal de Nível Superior (Capes), e a viagem aos Estados Unidos também será custeada pela agência de fomento.
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ARTIGO
Os benefícios da ciência para a
saúde da mulher Angelica Espinosa Miranda*
A saúde humana é influenciada por diversos fatores, entre eles, o fator genético, o sexo biológico (masculino ou feminino), a identidade de gênero (incluindo fatores sociais e culturais), a etnia racial, a influência cultural, o meio ambiente e o status socioeconômico são os principais. As pesquisas científicas na área de saúde da mulher são importantes para os avanços na medicina para ambos os sexos, pois existem diferenças marcantes de sexo e gênero em diversas doenças, como doenças autoimunes, câncer, doenças cardiovasculares, depressão, diabetes, algumas doenças infecciosas, obesidade e distúrbios relacionados ao abuso de substâncias. As pesquisas sobre saúde da mulher já fazem parte da agenda de pesquisa global. Essa área de interesse se expandiu muito além das suas raízes nos estudos da saúde reprodutiva e agora inclui também o estudo da saúde da mulher desde a infância até o climatério e não somente no ciclo gravídico puerperal. As pesquisas englobam desde pesquisas básicas e estudos laboratoriais até pesquisas moleculares, genética e ensaios clínicos. Nos estudos sobre a saúde da mulher também têm sido incluídos dados sobre estilos de vida e comportamento para uma vida saudável, redução de risco e prevenção de doenças, assim como a investigação das inovações para o diagnóstico e tratamento de doenças crônicas. A percepção de que os determinantes de saúde podem ser influenciados por fatores que vão desde a composição genética de uma mulher até seus
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comportamentos em relação ao contexto social, cultural e ambiental nos quais as vulnerabilidades genéticas e os comportamentos individuais têm sido colocados em evidência. Ao longo dos últimos 30 anos, muito tem sido aprendido sobre quais são os determinantes que influenciam na saúde da mulher e como podemos usá-los para a melhoria da qualidade de vida. Vários estudos descreveram que determinantes comportamentais (como tabagismo, hábitos alimentares e falta de atividade física) são fatores de risco para a saúde da mulher com uma maior repercussão na saúde durante o climatério. Em geral, esses fatores são moldados por contextos culturais e sociais, e diferenças marcantes na prevalência e mortalidade de várias condições em mulheres que sofrem desvantagem social por raça e etnia, baixa escolaridade e baixa renda já foram documentadas. Nesse contexto, um questionamento que precisamos fazer é se as pesquisas científicas na saúde da mulher estão focadas nas condições de saúde mais relevantes e se essas pesquisas já trouxeram avanços científicos, tecnológicos e sociais. O que podemos comprovar é que a situação é heterogênea, pois há muitos avanços em algumas doenças e um longo caminho a percorrer em outros grupos de doenças que afetam as mulheres. Doenças como o câncer de mama, doença cardiovascular (DCV) e câncer de colo do útero são as doenças em que os principais avanços foram feitos. A mortalidade por câncer de mama vem diminuindo nos últimos 30 anos. A demanda da sociedade e
dos profissionais de saúde, assim como o aumento do financiamento, estimularam a pesquisa de câncer de mama nos níveis molecular, celular, experimental, bem como em estudos observacionais e ensaios clínicos conduzidos em mulheres. Essas pesquisas levaram ao desenvolvimento de métodos de detecção mais sensíveis, biomarcadores de risco para tumores mais agressivos, identificação de fatores de risco e opções de tratamento que melhoram a qualidade de vida e a sobrevida após o tratamento. O resultado de um estudo realizado nos Estados Unidos – Women’s Health Initiative (WHI) – que mostrou mulheres em uso de terapia hormonal apresentavam um maior risco de câncer de mama, levou a mudanças na prática clínica. Em relação as DCV, que são a principal causa de morte de mulheres e homens no mundo, a mortalidade ajustada pela idade por doença cardíaca coronária foi reduzida em mulheres. Cerca de 50% da redução é atribuível a mudanças em fatores comportamentais, incluindo uma queda no tabagismo; a outra metade é atribuível a novos tratamentos clínicos que surgiram dos resultados de pesquisas. Estudos científicos levaram ao reconhecimento da importância das DCV em mulheres e, subsequentemente, à extensão do diagnóstico e tratamentos para a DCV às mulheres. A consciência da DCV entre as mulheres aumentou na população, em parte devido a campanhas educacionais. Já as reduções na incidência e na mortalidade por câncer de colo do útero começaram a ser evidenciadas na década de 1960 e continuaram ao longo dos
últimos 30 anos, com a melhoria de diagnóstico e rastreio nas últimas décadas. Além disso o desenvolvimento de uma vacina efetiva na prevenção da infecção pelo vírus do papiloma humano, o vírus que causa a maior parte do câncer cervical, tem sido muito eficaz. A vacina foi desenvolvida e trazida à prática clínica por meio de pesquisas sobre a biologia básica do vírus e sua relação com câncer cervical em células humanas e de animais de experimentação, além dos estudos epidemiológicos sobre a etiologia do câncer cervical. Em outros agravos de saúde, a pesquisa científica contribuiu para um progresso significante, mas ainda há lacunas, como por exemplo, a depressão, HIV/Aids e osteoporose. A incidência e as consequências da depressão são maiores em mulheres do que em homens, e avanços foram registrados no tratamento nos últimos 30 anos. Entretanto o impacto das pesquisas não foi maximizado, em parte pela condução inadequada dos casos. Quando abordamos a questão da infecção pelo vírus HIV, vemos que houve avanços rápidos e importantes no tratamento do HIV/Aids nos últimos 30 anos, principalmente por meio da pesquisa em homens. O desenvolvimento da terapia antirretroviral beneficiou também as mulheres; no entanto, a predominância de estudos focados em homens limitou alguns dos benefícios para as mulheres em um primeiro momento. Por exemplo, problemas com a toxicidade dos tratamentos de HIV/Aids em mulheres (como o aumento do risco de anemia e pancreatite aguda em relação
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aos homens) só estão agora sendo identificados em pesquisas com foco na situação das mulheres. Outro agravo onde houve avanços tecnológicos, mas ainda há necessidade de estudos, é a osteoporose. Ao longo dos últimos 30 anos, tem havido avanços no conhecimento da ciência básica e no diagnóstico e tratamento da osteoporose. Isso inclui a identificação de genes cuja expressão afeta o risco de osteoporose. Tendências recentes mostram uma diminuição na incidência de fraturas de quadril, mas a osteoporose permanece uma condição que afeta muito a qualidade de vida de um grande número de mulheres, particularmente à medida que envelhecem. Apesar de haver grupos de pesquisas em todas as áreas da saúde da mulher, ainda há muito a ser feito, pois há agravos onde não foi observada redução na incidência ou na mortalidade da doença e nem houve mudanças na prática clínica. Um exemplo disso é a abordagem da gravidez não intencional, incluindo os anticoncepcionais disponíveis, e das doenças autoimunes. O fato de que as gravidezes não intencionais continuam a ocorrer com frequência evidencia a necessidade de pesquisas sobre o esquema de uso e posologia dos contraceptivos, a necessidade de redução do custo e desenvolvimento de novos anticoncepcionais, incluindo anticoncepcionais não hormonais, que sejam mais aceitáveis para grupos de mulheres em que as gravidezes não intencionais ocorrem com maior frequência, além da necessidade de intervenções no âmbito social e comunitário. Nos casos das doenças autoimunes, que constituem cerca de 50 doenças, a maioria é mais comum em mulheres, e causa grande morbidade. Elas afetam muito a qualidade de vida e, apesar da sua prevalência e morbidade, pouco progresso tem sido feito para uma melhor compreensão dessas condições, identificação de fatores de risco ou
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desenvolvimento de uma cura. Quando se tem uma visão panorâmica dos benefícios da ciência para a saúde da mulher e onde esses benefícios mais ocorreram, os pesquisadores podem identificar características ou explicações para o menor ou maior avanço em alguns grupos de doenças. Também podem refletir sobre uma série de possíveis motivos para a ocorrência disso, incluindo o grau de interesse e subsequente financiamento pelas agências governamentais, a mobilização da sociedade civil; a disponibilidade de pesquisadores interessados e com treinamento adequado em um determinado campo de atuação; a compreensão adequada da fisiopatologia da doença; a disponibilidade de testes diagnósticos sensíveis e específicos e os programas de triagem para identificar pessoas em risco ou que tenham a doença; interesse na morbidade, em vez de mortalidade de uma doença; e barreiras associadas a preocupações políticas ou sociais. Além desses fatores, sabemos que os resultados de uma pesquisa podem levar de 15 a 20 anos para serem incorporados na prática clínica dos profissionais de saúde. Em conclusão, apesar de registrarmos progressos substanciais na expansão do investimento na pesquisa em saúde da mulher e da inclusão dos resultados delas para a mudança em recomendações clínicas, ainda precisamos de mais pesquisas sobre como os fatores físicos, sociais e culturais afetam a saúde da mulher. É necessário ampliar a compreensão de como esses fatores podem afetar a saúde em grupos de mulheres vulneráveis, pois os avanços na saúde da mulher dependem também do acesso dessas mulheres aos resultados das pesquisas e do acesso aos serviços de saúde.
* Pró-reitora de Extensão/Ufes Médica ginecologista obstetra Doutora em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz
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Superintendência de Cultura e Comunicação - Revista da Ufes - Junho 2018 UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITOUNIVERSIDADE SANTO
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Foto: Arquivo Laefa
Por uma sociedade
mais humana NÁBILA CORRÊA
A professora Maria das Graças Carvalho destaca que o processo de humanização ocorre por meio das interações sociais e pelo nível de acesso à produção cultural. No caso de pessoas com deficiência, esse processo acaba muitas vezes comprometido pela limitação das interações que elas conseguem estabelecer e dos espaços sociais que lhe são destinados. O trabalho realizado pela professora e pelos outros coordenadores do Laboratório de Educação Física Adaptado (Laefa), os professores José Francisco Chicon e Erineusa Maria da Silva, oferece a esse público-alvo oportunidades para a troca de experiências sociais e a busca do autoconhecimento e da autonomia, que muitos deles não obteriam de outra maneira. 52
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“
Lugar de gente é na sociedade”. É o que defende a professora Maria das Graças Carvalho, do Centro de Educação Física e Desportos da Ufes (CEFD), principalmente quanto à necessidade de inserção social das pessoas com deficiências. Entretanto, a professora declara que essa mesma sociedade ainda tem muita dificuldade em aceitar as diferenças e especificidades de cada indivíduo e conviver com elas. Além disso, o Estado, que deveria desenvolver políticas para garantir os direitos de todos os cidadãos, vem se mostrando ineficiente nessa tarefa. “Desde a década de 1950, o Estado negligencia a sua responsabilidade no que se refere aos direitos sociais de todos, principalmente dos mais necessitados”, afirma a professora. Dessa forma, o trabalho desenvolvido no Laefa, por meio do projeto de extensão Práticas Pedagógicas de Educação Física Adaptada para Pessoas com Deficiência e seus Familiares, surge como uma alternativa de enfrentamento ao preconceito, ao isolamento e às rotulações vivenciados por eles no cotidiano, e também em virtude da falta de opções de espaços de cultura, de esporte e de lazer para esses indivíduos. Iniciado em 1995, o projeto atende cerca de 120 pessoas, em cinco ações, cada uma voltada para um segmento específico. Com as crianças, são desenvolvidas atividades de Ginástica Infantil, além das realizadas na Brinquedoteca. Para o grupo com deficiência intelectual e autismo, são oferecidas práticas corporais relacionadas à cultura jovem, que favorecem o desenvolvimento da autonomia e dos processos de emancipação, como a capacidade de fazer as próprias escolhas. Já para o segmento com baixa visão e cegueira, público mais idoso, são oferecidas atividades que visam minimizar as perdas funcionais ocasionadas pela idade e pela condição visual, tendo sempre foco na autonomia e qualidade de vida. Além das pessoas com deficiências, no Laefa também são atendidos os cuidadores e acompanhantes com a ação “Cuidadores que dançam”. Segundo a professora Maria das Graças, o projeto só é possível devido ao envolvimento de uma equipe de cerca de 60 pessoas, entre professores, bolsistas e voluntários – estudantes do bacharelado, da licenciatura e da pós-graduação e egressos, tanto do CEFD, quanto de áreas afins – que têm nas ações do Laefa um campo de prática para atividades de ensino, pesquisa e extensão. Para o professor José Francisco Chicon,
coordenador do projeto desde 2000, essa experiência vem permitindo aos envolvidos o desenvolvimento de valores como respeito, autoconfiança, cuidado de si e cooperação, constituindo-se, assim, num instrumento de empoderamento social. Brincando de conviver com as diferenças No projeto de extensão “Brinquedoteca: aprender brincando”, são realizadas duas atividades: “Brincando e aprendendo” e “Brincando e aprendendo com a ginástica”, desenvolvidas com crianças de quatro e cinco anos de idade, com autismo e síndrome de Down. Elas participam das atividades dividindo o espaço com as crianças com desenvolvimento típico, da mesma faixa etária, do Centro de Educação Infantil da Ufes (Criarte). Segundo o professor José Francisco Chicon, coordenador das duas atividades, desenvolver esse trabalho em um ambiente interativo traz benefícios para todos os participantes. O coordenador explica que os traços de desenvolvimento mais avançados das crianças com desenvolvimento típico – como a linguagem verbal, a criatividade, a imaginação, a sociabilidade, a relação com a brincadeira, o entendimento de regras de conduta e a dinâmica dos movimentos corporais – podem tornar mais fácil o desenvolvimento desses aspectos nas crianças com autismo. “Por outro lado, as crianças não deficientes, ao se relacionarem com essas crianças especiais, aprendem que existem outros modos de ser e estar no mundo, ficando mais sensibilizadas para acolher e respeitar a diversidade. Elas aprendem valores relacionados à solidariedade, respeito ao próximo e colaboração, compartilhando experiências de dificuldade e superação”, acrescenta o professor. No entanto, o professor Chicon enfatiza que, para que seja possível essa integração, devem ser respeitadas as necessidades de cada participante. “Essa troca só se torna positiva se for organizada em um ambiente esclarecedor, rico em estímulos, mediados por professores que se preocupam em acolher a diferença e a diversidade em seus modos de ser e estar no mundo. Caso contrário o ambiente pode ser até desumanizador”. No Laefa, as 40 crianças encaminhadas pelo Centro de Educação Infantil Criarte-Ufes e as 20 com autismo e síndrome de Down são divididas em grupos de dez participantes não deficientes e cinco com deficiência, de ambos os sexos, para participarem das duas atividades citadas.
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As ações são desenvolvidas com os grupos na sala da brinquedoteca e na sala de ginástica olímpica. “Os jogos, brinquedos e brincadeiras infantis são o ponto central da proposta de trabalho, são conteúdo que encerra o processo de ensino e de aprendizagem”, explica o coordenador. Nessas atividades, as crianças são acompanhadas por acadêmicos do curso de Educação Física que atuam como brinquedistas, isto é, aqueles que têm a atribuição de estimular a brincadeira infantil, de brincar junto, enriquecendo o repertório lúdico das crianças. Cultura Jovem Os jovens e adultos com deficiência intelectual e autismo atendidos no Laefa encontram na proposta do projeto instrumentos para lutar contra as rotulações de serem pessoas infantilizadas, dependentes e socialmente limitadas. “A sociedade olha com certa compaixão para a criança com deficiência, mas o jovem e o adulto com deficiência sofrem uma maior rejeição”, afirma a professora Maria das Graças Carvalho. Coordenadora das ações voltadas para esse público, ela explica que a primeira barreira a ser rompida é interna, já que os estudantes do curso de Educação Física, ao escolherem os subprojetos para
exercerem suas atividades acadêmicas, preferem às ligadas ao público infantil, por anteverem dificuldades de relacionamento com os adultos, preocupações que se demonstram insubsistentes quando passam a conviver com eles. “Os estudantes querem trabalhar com o público infantil, porque acham que os alunos adultos vão bater, vão babar... É preciso todo um trabalho de convencimento sobre quem são estes sujeitos, entretanto depois que os conhecem, eles acabam se encantando.” Maria das Graças explica que, com esse público, buscando a superação da infantilização com que muitos deles são tratados, optou-se por trabalhar com práticas corporais que estejam vinculadas ao conceito de juventude. “Neste ano fizemos uma opção pelo hip hop, porque ele traz no seu bojo a cultura juvenil. Isso porque muitos dos nossos alunos até hoje são infantilizados, vistos como pessoas sem capacidade de escolha”. Ela explica ainda que o hip hop tem diferentes dimensões de linguagem com as quais se pode trabalhar, como a música, a dança, o grafite, o skate e o basquete de rua e, dessa forma, os participantes têm mais opções para se expressar de acordo com suas possibilidades e condições para que haja assim um desenvolvimento pessoal.
Foto: Karla Silveira
Professores e estudantes de graduação e pós-graduação participam do projeto que atendem pessoas com deficiência e seus familiares
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Além das iniciativas realizadas no espaço da Universidade, a professora Maria das Graças destaca que são organizadas atividades externas para ampliar o repertório cultural dos jovens, partindo da premissa de que o indivíduo se humaniza a partir das experiências culturais que vai internalizando ao longo de sua vida: “Se você tiver uma experiência restrita em relação à produção cultural, seu processo de humanização vai sofrer consequências disso, então partimos do pressuposto que ninguém deve ser segregado a um determinado tipo de convívio, devemos ter oportunidade de ter acesso às mais variadas experiências”. Para a coordenadora, boa parte do déficit intelectual e de aprendizagem que esses indivíduos apresentam é resultado mais da falta de acesso à cultura e não necessariamente de suas reais condições orgânicas. “Então, a nossa compreensão é de que, quanto mais eles puderem interagir com outras realidades, outras histórias de vidas, outras culturas, mais humanos eles se tornam, assim como todo indivíduo”. Práticas Holísticas O outro grupo atendido pela professora Maria das Graças, o dos adultos com baixa visão e cegueira, precisa de atenção especial por duas razões. A primeira por causa das próprias limitações físicas e de mobilidade ocasionadas e, a segunda, por causa da faixa etária desse público, constituído por pessoas, em sua maioria, idosas. Para eles, a professora explica que foram pensadas propostas pedagógicas diferentes, mais “holísticas”: “Trabalhamos com atividades como ioga, tai chi chuan, aqua zumba e pilates, porque percebíamos que eles estavam tendo perdas funcionais, então precisamos trabalhar mais o conhecimento e reconhecimento da sua corporeidade”. Outro problema enfrentado por esse grupo é a condição depressiva vivida por muitos deles, em virtude da reclusão, por causa da perda da visão ou da idade avançada. “Uma participante, por exemplo, nos contou que, antes de fazer parte do projeto, ela estava muito deprimida, por causa da morte de sua mãe. O projeto é o espaço de interação, de trocas, de convívio com outros participantes e, também, com os estudantes e professores do Laefa”.
Quem cuida dos cuidadores?
A situação dos acompanhantes das crianças, adolescentes, jovens e adultos com deficiência inquietava a professora Maria das Graças Carvalho desde que iniciou seus trabalhos de pesquisa, acompanhando instituições especializadas. “Fazendo visitas às instituições como Apae e Pestalozzi, eu percebia que, enquanto os filhos eram atendidos nas mais variadas práticas, as mães ficavam lá fora sem ter o que fazer. Isso sempre me incomodou, porque sabemos da luta delas, que passam o tempo inteiro vivendo a condição do filho”, afirma a professora. Então, em 2012, com a chegada da professora Erineusa Maria da Silva, que já desenvolvia um trabalho representativo na área de dança, teve início o subprojeto “Cuidadores que dançam”, pensado para valorizar essas pessoas que zelam pelo bem-estar do próximo, a ponto de deixarem em segundo plano as próprias necessidades. Segundo a professora Erineusa, que coordena as atividade para esse público, ao se pensar em uma sociedade solidária, o cuidado com o outro é fundamental. Porém, no caso das mães e familiares que acompanhavam os participantes do Laefa, esse cuidado era mais exercido que o cuidado de si. “Nessa linha, a dança, com seu forte potencial para ampliar a expressão e a cultura corporal, pareceu-nos um conhecimento importante e mobilizador naquele momento”, explica a coordenadora, acrescentando que a dança possibilita experiências estéticas que contribuem para uma ressignificação de si, sendo uma rica experiência para os sentidos do corpo, influenciando na percepção das coisas do mundo e da vida. Segundo a professora Maria das Graças, o objetivo desse trabalho é resgatar a autoestima dos cuidadores, principalmente das mães, para que elas vejam a necessidade de cuidarem delas mesmas: “Era necessário que elas tivessem um espaço de escuta, e a dança é uma ferramenta que, vista de uma perspectiva criativa, liberta, ao permitir que a pessoa descubra seu corpo, e a própria gestualidade”.
Quem cuida dos cuidadores? A situação dos acompanhantes das crianças,
Quem cuida dos cuidadores?
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ENTREVISTA – ARLENE BATISTA
‘A literatura de sinais produz sentidos a partir das vivências’ LUIZ VITAL
Criado em 2014, o curso de Letras Libras da Ufes, mesmo com a curta trajetória, amplia a sua produção acadêmica no ensino, na pesquisa e na extensão, atuando na formação de educadores, tradutores e intérpretes na língua de sinais. A temática ganha força na Universidade, inclusive com estudos em níveis de mestrado e doutorado. A professora Arlene Batista da Silva desenvolve pesquisas na pós-graduação, em que trabalha o uso da literatura na língua de sinais na formação de crianças surdas e o seu desenvolvimento na escola e na vida. Nesta entrevista, a pesquisadora aborda diferentes áreas relacionadas à comunidade surda: a escola básica, a universidade, o mercado de trabalho, as novas ferramentas tecnológicas direcionadas ao sujeito surdo, a literatura e o lugar que a pessoa sem audição e fala ocupa na sociedade. 56
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De que forma a literatura contribui para a educação da pessoa surda? É importante pontuar, primeiramente, que existem pessoas surdas que não se identificam com a língua e a literatura de sinais. Já aqueles que participam da comunidade surda que se identificam com a surdez e com essa forma visual de se expressar valorizam a literatura, pois ela permite o uso da língua, com criatividade, e para o surdo dizer sobre si e sobre o mundo. Em muitas produções literárias, o surdo fala de si e desse lugar que ele ocupa na sociedade – majoritariamente ouvinte – e de como ele se relaciona com as pessoas, lançando mão do corpo como forma de expressão.
Qual a explicação para o surdo não se identificar com a língua de sinais?
A literatura é vista pelo livro físico no idioma português. Como é o acesso a ela na língua de sinais? Hoje temos algumas produções que são impressas, como é o caso de “Cinderela Surda”, “Rapunzel Surda” e que são traduzidas para a língua de sinais em DVD. É uma produção sinalizada por surdos ou intérpretes. Há outras disponíveis apenas em DVD como as produções da coleção “Educação de Surdos”, produzidas pela TV Ines. E há também as produções da Editora Arara Azul, em CD-ROM, em versão bilíngue.
São produtos que existem e são adaptados para o surdo?
Sim. Existem diferentes formas de realizar a adaptação. Geralmente, as produções voltadas De acordo com a pesquisadora surda Gladis para o público infantil, que ainda está aprendendo Perlin, as identidades surdas são múltiplas e coma língua de sinais, são adaptadas com uma linguaplexas. Cada surdo tem uma história, uma expegem mais expressiva, gestual, com uso de incorriência de vida que irá marcar sua identidade. Há, poração dos personagens e ilustrações em plano por exemplo, muitas crianças surde fundo para que a criança com“O mercado está das que nascem em famílias ouvinpreenda melhor a narrativa. Em tes que não conhecem a língua de outros casos, há ainda a adaptação muito promissor sinais. Assim, o surdo será educom inserção de elementos próe carente de cado a partir da cultura ouvinte, prios da cultura surda. intérpretes sendo incentivado a falar em vez de sinalizar. Quando o surdo, jovem e tradutores surdos” O conteúdo dos vídeos anaou adulto, entra em contato com lisa ou narra as histórias? a comunidade surda, começam os embates, os O mais comum é um tradutor no centro do vídeo encontros e desencontros culturais que resultam sinalizar a narrativa e incorporar os discursos, em na identificação com a cultura surda e rejeição da primeira pessoa, de cada personagem. cultura ouvinte. Resultam também na identificação com a cultura ouvinte e a rejeição da cultura Por exemplo? surda, e a identificação com as duas culturas, consNo caso do clássico infantil “Cinderela”, há vertituindo uma identidade híbrida. sões com diferentes adaptações. Numa versão, o tradutor sinaliza a narrativa, de acordo com o livro, Como é operacionalizada a literatura incorporando as personagens. Em outra versão, o tradutor reconstrói a história, em que as personacomo atividade pedagógica na escola? Atualmente, no Brasil, há uma produção cresgens possuem identidade surda. Então, diferentecente de vídeos com traduções de obras literárias mente do texto original, ela não perde o sapato, do português para a língua de sinais. Na Ufes, o mas a luva, estabelecendo uma relação com as grupo de Estudos de Língua de Sinais, Interpretamãos e com a forma de comunicação dos surdos. ção e Tradução (Lisit), que coordeno, investiga as produções literárias em línguas de sinais, e se perÉ significativa a produção desse material cebe que existe muito material para ser traduzido audiovisual? e documentado. É o caso das manifestações artísAinda não se tem uma produção ampla, pois ticas das comunidades surdas em associações, por os profissionais com formação técnica nessa área exemplo, que precisam ser estudadas. são insuficientes. Além disso, há um alto custo de
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ENTREVISTA – ARLENE BATISTA
produção para as editoras. No Brasil, as editoras mais conhecidas nesse ramo são a Arara Azul e a LSB Vídeo, que se dedicam à tradução de obras literárias e outros produtos para surdos.
Existem traduções de obras literárias direcionadas ao público adulto? Sim. Existem produções de gênero lírico, épico e dramático. No Brasil, a poeta Fernanda Machado e os atores Rimar Romano e Nelson Pimenta são apenas alguns nomes de autores surdos que atuam com produções voltadas ao público adulto.
uma apresentação na língua de sinais, porque ela envolve o corpo e o corpo fala em um ato totalmente performático. Quanto à literatura impressa, da forma como a conhecemos, é, sim, acessada por surdos. Porém, a acessibilidade e a expressividade presentes na literatura visual não estão na literatura impressa, com isso não há o mesmo impacto, a mesma identificação.
Qual a condição do surdo hoje nas escolas do Espírito Santo?
Alguns pesquisadores, como Ana Dorziat e Neiva de Aquino Albres, no Brasil, e Lucyenne Humor e a poesia são ferramentas pedaMatos da Costa Vieira Macho e Kelly Simões Xavier, particularmente no Espírito Santo, têm investigado gógicas interessantes? Sim. Nesse contexto, vale destacar a web TV esse tema. Um dos aspectos preocupantes apontaInes – parceria do Instituto Nacional de Educados pelas pesquisadoras é a forma como a política ção de Surdos (Ines) e da Associação de Comunide educação bilíngue para surdos é implementada cação Educativa Roquette Pinto, nas escolas. É um equívoco pensar que viabiliza web TV em Libras com que a inserção do intérprete na sala “Os surdos têm legendas e locução. Possui elevada de aula resolve todos os problemas muita produção, produção cultural, com abrangêne dá acessibilidade ao surdo. Para mas não existe cia em diferentes áreas, como eduo surdo se apropriar do conhecia visibilidade cação, entretenimento, especiais, mento é necessário que haja uma filmes, documentários, humor, ampla transformação nos currícunecessária” infantil e jornalismo. los, nas metodologias de ensino, na formação de professores, no processo de avaliação. Portanto, muito ainda precisa ser feito para que o Como funciona o conceito de alteridade surdo consiga efetivamente aprender na escola. no ambiente escolar? Na visão clínica da surdez, o surdo é percebido como um deficiente. Ele não se enquadra no chaHá uma simplificação conveniente? mado padrão de normalidade estabelecido, pois Exatamente. Para se ter uma ideia, muitas lhe falta a audição. Na perspectiva antropológica vezes, o intérprete chega à escola, começa a sinada surdez, o surdo é visto como um sujeito que conlizar e o surdo simplesmente não sabe Libras. Porcebe o mundo pela experiência visual. Nessa linha, que veio de uma família de ouvintes, os pais não o surdo se percebe como um sujeito cultural, que sabem Libras e o estudante surdo vai para a escola se constitui a partir da diferença. Portanto, a escola habituado tão somente a fazer comunicação por que acolhe o surdo deve oferecer um ensino que gestos que aprendeu em casa, e não entende o que contemple essa alteridade. o intérprete quer dizer.
A literatura, no formato que se conhece, atrai o surdo, mesmo quando apresenta conteúdos distantes da sua realidade e da sua memória? É por isso que a literatura na língua de sinais é muito mais impactante para o surdo do que a literatura impressa. O surdo é muito visual e não fica na condição de passividade quando vê
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Tem de haver um movimento que envolva toda a escola? Esse é o meu entendimento. É importante uma política pública para que esse sujeito realmente alcance dignidade, cidadania, acesso ao conhecimento. Os resultados de pesquisas na área da educação tem evidenciado que apenas a inserção do intérprete em sala de aula não garante isso.
Foto: Ana Cristina Oggioni
Quais as limitações para o acesso aos bens culturais? Eu conheço surdos que vão ao cinema todos os fins de semana, porque muitos filmes são legendados e, conhecendo o português, associado às imagens, é possível compreender o sentido. Em outros espaços, como no teatro, os intérpretes sinalizam todos os diálogos das peças e os surdos vão acompanhando. É importante destacar que os intérpretes em contextos artísticos são fundamentais para a apropriação desses bens culturais.
A formação bilíngue é a ideal? É a proposta que tem sido mais aceita por pesquisadores desse campo. Contudo, há alguns pontos que precisam ser problematizados. O surdo é bilíngue, precisa se apropriar das libras e do português na modalidade escrita. A língua do surdo é aceita, mas ele continua tendo que se esforçar para aprender o português, enquanto o Estado pouco faz para oferecer objetos culturais na língua do surdo. O surdo vai para a faculdade e não há conteúdos acadêmicos traduzidos para libras. O surdo vai ao médico, à delegacia de Polícia e não há qualquer material em libras para que ele possa acessar os conhecimentos em sua língua. Ao final, qual é a língua que valida a apropriação do conhecimento de mundo?
Como é o aprendizado da língua portuguesa? Na perspectiva bilíngue, Ronice Muller Quadros e Sueli de Fátima Fernandes, entre outras pesquisadoras, enfatizam que é muito importante que, primeiramente, a criança se aproprie da libras. Se tiver fluência em língua de sinais, o surdo poderá se apropriar da língua portuguesa como uma segunda língua. O português será para ele como uma língua estrangeira. Se tiver o domínio das libras, aprenderá a ler e escrever textos em língua portuguesa com mais facilidade, fazendo uma relação entre as duas línguas.
O que representa o curso de Libras na graduação da Universidade e a inserção da temática do surdo na pós-graduação? A criação do curso na Ufes é uma conquista muito grande para a comunidade surda do Espírito
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Santo. O curso começou em 2014, e a primeira turma de bacharelado presencial se formou no ano passado. Mas, antes, em 2008, se iniciou o bacharelado e a licenciatura na modalidade a distância, em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e muitos alunos se formaram. Aquela experiência representou um estímulo para a criação do curso presencial, que possui três turmas com 20 alunos, cada uma, aproximadamente.
E a pós-graduação?
Foi muito positivo. No ano passado, também realizamos um evento no campus de Goiabeiras, com a apresentação de literatura infantil em libras e, em 2018, estamos planejando realizar outro evento. No ano passado, promovemos o curso de expressão corporal para os graduandos do curso Letras-Libras. Uma próxima etapa, muito importante, será direcionada a documentar as experiências das associações e grupos de surdos, porque isso não está sendo feito com efetividade. Os surdos produzem muita coisa que não é registrada.
Existe um trabalho intenso sendo desenvolvido pela professora Lucyenne de Matos na pós-graduaExiste intercâmbio da Ufes com outras ção do Centro de Educação, que já formou vários instituições? mestres surdos, como Daniel Junqueira, Ademar Sim, e isso é muito importante. No ano passado, Muller Junior e Eliane Telles Bruim. Atualmente, por exemplo, promovemos o primeiro congresso de estou no Programa de Pós-Graduação em Letras libras aqui no Departamento de Línguas e Letras da (PPGL), desenvolvendo pesquisas Universidade, organizado em parceno campo da literatura em língua ria com a pós-graduação em Letras, “É importante de sinais, e tudo isso é uma contriquando recebemos pesquisadores e uma política buição muito grande que a Univerespecialistas para palestras e surpública para que sidade oferece à comunidade surda dos de diferentes regiões do Brasil. e à sociedade. O professor Ademar o surdo realmente Miller Junior, do curso de Libras, Como está o mercado de traalcance dignidade, trabalha com a escrita de sinais, balho para o surdo, consideque é algo novo aqui no Estado. É cidadania e acesso rando as diferentes demandas ao conhecimento” surgidas com a legislação? uma forma de registro escrito da língua de sinais por meio de recurO mercado está muito promissos tecnológicos e mesmo de modo manual. Algusor e carente de intérpretes e tradutores surdos e mas produções literárias já são traduzidas para a ouvintes, com elevada demanda. escrita de sinais, que representa a sinalização por meio de imagens ou símbolos. De que forma você adquiriu o especial
Existem projetos de extensão universitária sendo desenvolvidos nessa área? Quando concluí o doutorado, passei a atuar com produções culturais ea que o surdo tivesse acesso. Montamos cursos de extensão de literatura nas escolas, porque identificamos que, na comunidade surda capixaba, quem mais precisa de acessibilidade aos bens culturais são as crianças. Fizemos eventos de literatura nas escolas da rede municipal de Vitória e, em 2017, promovemos curso de contação de histórias em libras, numa escola municipal, em São Pedro. Em 2016 fizemos um sarau de literatura em libras muito proveitoso, porque a equipe de educadores da Prefeitura de Vitória que atua na área de surdez se mobilizou totalmente e levou todos os alunos surdos da rede para assistir.
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interesse por essa área?
O meu interesse surgiu da indignação. Quando fui professora da educação básica, tive uma aluna surda na sala de aula, mas eu não conseguia me comunicar com ela. Era impraticável e inaceitável que eu tivesse uma aluna com a qual eu não podia me comunicar e ensinar o português. Tudo aquilo me causou indignação. Procurei a coordenação da escola e disse que precisava de ajuda. Nesse movimento de angústia para buscar ajuda, comecei a me preparar para o mestrado na área de Linguística, e coincidiu de encontrar a área de ensino de português para surdos. Me interessei imediatamente. Como tornar isso possível? Como fazer funcionar? Então, consequentemente, passei a ter contato com a comunidade surda e a aprender a língua de sinais. E desde então não parei mais.
5 de maio 1954 - 2018
anos
de formação superior pública, gratuita e de qualidade
Desde 1954, a Universidade Federal do Espírito Santo vem ampliando sua relação com a sociedade por meio de processos educativos, culturais e científicos. Atualmente, a Ufes possui 23.019 estudantes matriculados em 102 cursos de graduação presencial e 107 cursos de pós–graduação, entre mestrados, doutorados e especializações. Na educação a distância são 1.268 alunos em oito cursos ministrados em 27 polos distribuídos em todo o Espírito Santo. O Hospital Universitário realiza 18 mil consultas e 1.100 cirurgias por mês, com atendimento integral pelo SUS. O Sistema Integrado de Bibliotecas disponibiliza mais de 150 mil títulos e o Núcleo de Línguas oferece cursos de diversos idiomas. É o desenvolvimento do ensino, da pesquisa e da extensão nos campi de Alegre, Goiabeiras, Maruípe e de São Mateus.
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Foto: DIvulgação
O nascimento de uma
galeria de arte LORRAINE PAIXÃO
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Foto: Marcos de Alarcão
Há 40 anos, o Espírito Santo tornava-se pai da mais nova casa de fomento de arte: A Galeria de Arte Espaço Universitário, a Gaeu. Era 1978, período de transição da ditadura para a democracia. Por aqueles dias, os jovens brasileiros que moravam pelos grandes centros urbanos caminhavam pelas ruas com menos medo e mais resistência.
N
aquele ano, caía por terra o Ato Institucional número 5, o mais duro de todos os 17 decretos emitidos durante a ditadura militar. Com sua queda e a esperança de uma abertura política, o movimento estudantil e dos trabalhadores operários ganhavam corpo e organizavam passeatas por todos os cantos pedindo a volta dos exilados políticos, a volta da democracia e o fim dos anos de chumbo. No mesmo ano nascia também o Movimento Negro Unificado (MNU), liderado por grandes ícones da luta antirracista, como Abdias do Nascimento, Lélia Gonzáles e Hélio Santos. Os últimos anos da década de 1970 são narrados como um período esperançoso para os brasileiros. Foi um momento decisivo na linha do tempo da história do Brasil. Além do despertar político que vivia o país naquele período, também acontecia um despertar cultural. Uma abertura para a circulação de produtos culturais, tanto estrangeiros, quanto nacionais. Aquela década ficou marcada pela disco music. John Travolta era o grande astro hollywoodiano da época. Causou alvoroço estrelando os filmes “Nos Embalos de Sábado à Noite” (1977) e “Greese: Nos Tempos da Brilhantina” (1978). Inspirou dramaturgos brasileiros e desenhou a moda daqueles anos, como as famosas meias de lurex. Pelas ondas sonoras, era possível escutar o samba rock de Jorge Ben, sendo “Amante Amado” um dos grandes destaques do álbum “A banda do Zé Pretinho” (1978). Aproveitando a música disco, que tomava conta das rádios e televisões na época, Tim Maia pedia sossego e um quilo do bom em seu álbum lançado também em 1978, “Tim Maia Disco Club”. O ano de 1978 é lembrado como um período de abertura e foi exatamente naquele ano que começavam os primeiros passos que iriam instaurar um dos mais importantes polos culturais da Ufes e do Espírito Santo – a Galeria de Arte Espaço Universitário (Gaeu).
Nasce uma galeria Localizada ao lado da Pró-Reitoria de Graduação da Universidade Federal do Espírito Santo, a Gaeu nasce de uma demanda da Universidade: abrigar, em outubro de 1978, o III Salão Nacional Universitário de Artes Plásticas, evento anual de difusão das produções artísticas dos estudantes de artes. Diante da demanda, e do fato de na época, a Galeria de Arte e Pesquisa (GAP), anterior à Gaeu, estar localizada no Centro de Vitória, foi criado, a partir das parcerias entre a Sub-Reitoria Comunitária da Ufes, o que seria hoje a Pró-Reitoria de Extensão, e a Fundação Nacional de Arte (Funarte), o Espaço Universitário para receber o Salão Nacional. “A Gaeu foi criada para abranger um salão de arte que iria ocorrer dentro da Universidade e precisava de um espaço maior. Naquela época, a GAP funcionava no centro da cidade e o evento precisava acontecer
Foto: Lorraine Paixão
Professora Moema Rebouças pesquisa a história da Gaeu UNIVERSIDADE - Revista da Ufes - Junho 2018
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dentro da Ufes”, relembra a professora do Departamento de Linguagens, Cultura e Educação e coordenadora do Grupo de Pesquisa de Processos Educativos em Arte (Gepel/CNPq), Moema Martins Rebouças, que na época era estudante do curso de Licenciatura em Desenho e Plástica da Ufes e artista plástica. “A Gaeu nasce dentro da Sub-Reitoria Comunitária, e por isso já tinha um perfil de falar com a comunidade interna e externa da Universidade. Já veio com a missão de expandir, de estabelecer um diálogo”, acrescenta a artista plástica, pesquisadora e atual coordenadora da Galeria de Arte Espaço Universitário, Neusa Mendes, que no ano de nascimento da galeria era também uma estudante. Segundo as artistas e pesquisadoras entrevistadas pela revista, naquela época, os capixabas viviam um período de efervescência cultural, devido à reabertura política. “Eu era estudante do curso de Licenciatura em Desenho e Plástica. Naquela época, embora fosse um período de ditadura, era um período de transição e nós tínhamos na Universidade uma abertura muito boa”, conta Moema. “No Centro de Artes, conseguimos fazer eleição direta para o diretor do centro e elegemos Freda Cavalcanti Jardim. Havia um movimento dos próprios diretórios estudantis, que se organizavam e que nos motivava, e uma iniciativa que nos unia, que era o Movimento Bolsa Arte”. O Movimento Bolsa Arte era uma proposta nacional do Governo Federal para estudantes de artes que recebiam subsídios para a produção e desenvolvimento de projetos artísticos. Muitos desses universitários conseguiram concretizar seus projetos, que viraram posteriormente grandes obras. “Isso abriu espaço para uma produção muito grande de estudantes artistas naquela época, como Neusa Mendes, Nelma Pezim, César Cola e tantos outros. Temos um número expressivo de estudantes da época que eram bolsistas e depois vieram a integrar o corpo de servidores da própria Universidade, ou como professor ou como técnico-administrativo. As lembranças que temos daquela época são de efervescência cultural e artística dentro da Ufes”, acrescenta Moema. “A Universidade sempre foi o propulsor, o fomento. As principais linguagens eram nas áreas de teatro. Existiam muitos festivais de teatro, de música. Era um momento muito ativo da Instituição”, recorda Neusa Mendes. O dia que se transformou em 40 anos Após a acolhida e realização do III Salão Nacional Universitário de Artes Plásticas no Espaço
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Universitário, o que seria temporário, já dura há quatro décadas. A partir do evento, foi constatada a necessidade de um espaço, um lugar de arte para atender os estudantes e jovens artistas que emergiam na maré cultural decorrente da reabertura política do país. Mesmo com a existência da Galeria de Arte e Pesquisa, viu-se que era importante ter outro espaço de promoção de artes dentro da Universidade. Como relata Neusa: “Após o Salão, a Gaeu consolidou-se como espaço de exposições temporárias, promovendo a produção de artistas locais, nacionais e internacionais, mantendo intercâmbio para exposições com museus e entidades do gênero por meio de parcerias para a circulação de acervos.” A primeira exposição a ser acolhida pela Gaeu, após o Salão, aconteceu em 20 de novembro de 1978. Com o nome “Exposição Programa Bolsa Arte”, a exibição contou com os trabalhos das estudantes e artistas Beatriz Hees, Tereza Bressan, Denise Pimenta, Fernanda Modenesi, Kátia Persiano, Maria Menezes, Maria Mattos, Maria Baião Seba, Simone Guimarães, Sônia Ramos e Neusa Mendes. “A GAP era um espaço que oportunizava ao Centro de Artes ter acesso a uma arte nacional com o convite de artistas nacionais para cá. A ênfase na época era de trazer artistas de fora”, destaca Moema. “A criação da Galeria de Arte Espaço Universitário foi motivo de comemoração para os estudantes da época. Sua criação significava, para nós, ter um espaço mais democrático. Na Gaeu, tínhamos uma possibilidade maior de expor. Com isso, muita gente teve mais motivos para dar início aos seus trabalhos artísticos, já que haveria um espaço onde esses trabalhos poderiam tornar-se visíveis”, arremata. Com a institucionalização da Galeria de Arte Espaço Universitário, surgia outra demanda: um gestor. A primeira gestora a administrar o espaço foi Estela de Nader, que a coordenou até 1979. Em seguida, a administração foi para as mãos da artista e pesquisadora Neusa Mendes, que desde então tornou-se parte da história da Galeria. Neusa a administrou de 1979 a 2001, retomando as atividades em 2012 até os dias de hoje. De 2001 a 2011, a administração ficou nas mãos de Rosana Paste. Com o retorno de Neusa Mendes à galeria, novas decisões foram tomadas e alguns desafios surgiram. “Trouxemos os professores e alunos que passaram por aqui e já se aposentaram e que continuam sua produção, se mantêm em ateliês produzindo, mas que as pessoas não conhecem. Em 2012, tomamos a
política de voltarmos nosso olhar para o espaço da galeria e fizemos uma revisita ao acervo”, diz Neusa. Com a nova política de gestão, algumas medidas emergenciais foram adotadas, como a reorganização do acervo mantido desde 1976. “Organizamos o acervo que data de 1976, com obras vindas da GAP. Junto com um museólogo, que é do quadro técnico-administrativo da Ufes, readequamos o acervo, criamos um inventário, reorganizamos, catalogamos. A história da galeria é a história do acervo”, completa. As obras do acervo são doações dos próprios artistas que passaram pela galeria. A cada nova exposição, uma nova obra entra para a história do acervo. Atualmente, o acervo da Gaeu é composto por documentos textuais, iconográficos, sonoros e audiovisuais. Ao todo, conta com 1.718 obras. A partir de 2012, alguns artistas revisitaram o espaço e complementaram sua trajetória artística com mais doações. Houve, então, um crescimento enorme no número de obras de acervo; só naquele ano foram mais de 600 doações”, destaca. Espaço para pesquisas Com mais de mil obras acolhidas, a galeria começa a ficar pequena. “O número de doações cresceu muito, o espaço físico não comporta mais todas as obras de forma ideal. Se houver essa ampliação,
o acervo poderá ser maior e mais visível”, observa o museólogo responsável por organizar e manter as obras do acervo, Pedro Ibsen. O propósito da galeria hoje é tornar públicas as obras em seu acervo. Segundo a coordenadora da Gaeu, há uma demanda de pesquisadores que procuram o pequeno altar das obras para realizarem suas investigações e estudos. “Estamos em um período de amadurecimento, trabalhando na formatação tanto do acervo, do banco de dados das obras, quanto dos arquivos para disponibilizarmos para pesquisa. O acervo da galeria deve ser ferramenta voltada para a formação de pessoas, para o uso de suas obras por críticos, curadores, pesquisadores. Ela é espaço de fomento e revelação da produção artística contemporânea”, diz. Além das exposições promovidas e da preservação, valorização e manutenção do acervo artístico, a Gaeu mantém alguns projetos educativos, como a visita monitorada voltada para a formação de público apreciador de arte. Vinculada à Secretaria de Cultura, a Gaeu tem uma média anual de 10 mil visitantes. O papel da galeria é ser espaço de fomento e revelação da produção artística contemporânea. Essa missão abarca dois lados: dentro e fora da Universidade, em diálogo com as comunidades interna e externa”, enfatiza Neusa.
Foto: Arquivo
Neusa Mendes recebe, na Gaeu, estudantes do curso de Terapia Ocupacional, do Centro de Ciências da Saúde – Ufes
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ARTIGO
Pesca artesanal e desafios para a gestão costeira no Espírito Santo O Espírito Santo, quando se trata da pesca, pode ser dividido nas regiões Norte e Sul. O Norte se caracteriza por apresentar praias longas e pelas barras de grandes rios, como o Doce e o Cricaré, associados às falésias da Formação Barreiras. As comunidades pesqueiras são distantes umas das outras e das sedes dos municípios. As comunidades do Sul são servidas de boas estradas, infraestrutura mais adequada, frota maior e mais tecnológica e estão mais próximas aos mercados consumidores (Vitória e Rio de Janeiro). O litoral do Estado apresenta grande potencialidade para atividade da pesca artesanal, mas pode-se apontar diversos problemas estruturais e socioeconômicos que merecem ser discutidos. Muitas das comunidades que dependem da produção e comercialização dos produtos da pesca marítima, como meio fundamental de renda e alimentação, estão submetidas a situações de pobreza, riscos sociais e ambientais que tendem, a longo prazo, a comprometer o desempenho integral da cadeia produtiva. O primeiro problema a ser ressaltado é a falta de estatística da atividade pesqueira marítima, que vem se mostrando extremamente falha em razão da inexistência de uma sistematização da coleta e processamento de dados em séries temporais, além da pequena abrangência das comunidades controladas, sendo este aspecto mais acentuado para a pesca em pequena escala. A pesca depende da integridade ambiental dos locais onde é praticada e compete com outras atividades econômicas que também se apropriam do mesmo espaço muitas vezes de forma antagônica. Entre elas: turismo, complexos portuários e atividades da cadeia de petróleo e gás. Apesar das atividades turísticas possibilitarem a geração de emprego e renda, elas não ocorrem de forma ordenada e têm causado problemas ambientais nos espaços costeiros por interferir nas dinâmicas das áreas estuarinas, praias e arrecifes. Entre estes problemas pode-se citar: o aterro de manguezais para construção de empreendimentos, desmatamentos de diversas ordens, construções irregulares na beira-mar, lançamentos de efluentes e perturbações nos cursos d’água. As atividades portuárias e aquelas da cadeia do petróleo são responsáveis pelos maiores conflitos
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Marielce de Cássia Ribeiro Tosta¹ Mônica Maria Pereira Tognella² com os pescadores e estão associados, entre eles, à proibição da atividade próximo ao empreendimento; à falta de incentivo e acompanhamento de representantes dos empreendimentos junto aos pescadores; à falta de sinalização; ao aumento do custo e do tempo da pesca; ao vazamento de contaminantes que podem prejudicar a pesca e inviabilizar o consumo dos peixes devido à presença de metais pesados biocumulativos; aos resíduos que podem reduzir o teor de oxigênio na água possibilitando aparecimento de odor característico e destruir a vegetação das margens e, ainda, reduzir a penetração da luz solar, dificultando a fotossíntese; à iluminação das plataformas e embarcações petrolíferas que atrapalham a migração dos peixes na costa; aos ruídos e vibrações que afugentam e atordoam espécies aquáticas sensíveis; e à introdução de organismos marinhos exóticos por meio das águas de lastro. A administração desses conflitos é possível por meio de processos de diálogo e negociação entre as partes. A gestão ambiental compartilhada dessas áreas poderia contribuir para a melhoria da qualidade ambiental e expandir os potenciais de desenvolvimento sustentável atingindo todos os setores envolvidos. No entanto, no Espírito Santo falta organização da classe de pescadores, e esta desestruturação impede que a comunidade desenvolva plenamente programas e projetos adequados, o que torna enfraquecido o poder de reivindicação e de participação nas decisões de uso do espaço costeiro. Além das questões ambientais, o setor esbarra em questões de infraestrutura e de tecnologia. Quanto aos locais de desembarque e armazenamento, há consenso entre as regiões Sul e Norte de ausência de infraestrutura, sendo este problema maior nas comunidades da região Norte. Na opinião dos pescadores, a falta de infraestrutura dos barcos, o mau condicionamento a bordo e ainda o tempo decorrido entre a captura e o momento do
desembarque podem interferir no aspecto e odor do mesmo influenciando na qualidade do produto capturado. Quanto à fabricação das embarcações, pode-se dizer que os artesãos navais do Estado possuem grande gama de conhecimentos tácitos, técnicas e habilidades transmitidas em gerações. Os mestres em carpintaria naval são respeitados nas comunidades pesqueiras e expressam orgulho pela profissão, pelos feitos individuais de cada artesão e pelas próprias capacidades. Em entrevistas e observações junto aos artesãos da região Norte, pode-se notar: • Dificuldade em manter ou aumentar a rentabilidade econômica da atividade, pelo aumento de custos da matéria-prima e equipamentos e pela redução da rentabilidade da atividade pesqueira e consequente redução do valor da embarcação; • Dificuldade de aquisição de madeira na qualidade e custos desejados, pela dependência de poucos fornecedores locais; • Tempo elevado em operações excessivamente trabalhosas pela ausência de máquinas estacionárias de porte adequado; • Baixa disponibilidade de fornecedores de peças, componentes e serviços especializados em aplicações marítimas, sendo comum o uso de fornecedores de outros setores, como mecânicas de caminhões, por exemplo; • Ausência de procedimentos de dimensionamento de subsistemas pelos artesãos, sendo comum a indicação pelo fornecedor do equipamento sem análises pormenorizadas.
Para finalizar, cabe ressaltar que as comunidades têm na figura feminina fonte de referência e liderança, entretanto, as mulheres ainda ficam confinadas às atividades pesqueiras de menor esforço físico ou que possuam menor dependência do ciclo de maré. No Estado, as mulheres são em menor número e poucas realizam atividades de gestão e liderança junto às organizações políticas. Participam da atividade por tradição familiar. Muitas são filhas de pescadores, casaram com pescadores e atuam na pesca como uma forma de ampliar os recursos financeiros da família. Sob o ponto de vista da regularidade profissional, nem todas possuem carteira de trabalho vinculada à pesca, ou sequer registro em carteira, o que dificulta o acesso às questões trabalhistas e sociais. Elas também têm baixa escolaridade ou nenhuma, dificultando a execução de outras atividades para complementar a renda. Assim sendo, deve-se estimular a regulamentação da mulher na atividade pesqueira para que esta atividade não seja vista só como uma fonte complementar de renda, mas também de trabalho que deve ser valorizado junto com as atividades domésticas exercidas pelas mulheres. Incentivos governamentais para cursos que possam agregar valor ao produto pesqueiro são necessários e dariam maior visibilidade ao papel feminino na pesca. 1 - Tutora do Grupo PET ProdBio, curso de Engenharia de Produção, Programa de Pós-Graduação em Energia. 2 - Colaboradora do Grupo PET ProdBio, curso de Ciências Biológicas, Programa de Pós-Graduação em Oceanografia Ambiental, bolsista Fapes Pesquisador Capixaba.
Foto: Acervo pessoal
Integrantes do Grupo PET ProdBio com pescadores artesanais em Conceição da Barra
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IDEIA PREMIADA Foto: Secom/ES
Pesquisa sobre utilização de resíduos de vidros em concreto recebe prêmio O estudante Guilherme Cunha Guignone, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (PPGEC/Centro Tecnológico) foi o ganhador do Prêmio Ecologia 2017 – Soluções e Inovações Ambientais, na categoria “Pesquisa de Pós-Graduação”. O Prêmio Ecologia é uma iniciativa do Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), com a participação do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) e da Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh). Guilherme recebeu o prêmio pela pesquisa intitulada “Desempenho de concretos com a utilização de resíduos da lapidação de vidros como substitutos parciais ao cimento”, desenvolvida durante o seu curso de mestrado, sob a orientação da professora Geilma Lima Vieira (PPGEC). Os estudos têm por objetivo promover utilidade ao resíduo gerado no processo de lapidação e polimento de vidros planos, proveniente de um sistema de reaproveitamento de água adotado nesse processo. O resíduo foi, então, utilizado em concretos estruturais como substituto parcial ao cimento. Esse material final deveria apresentar benefícios em sua utilização. “Assim, a pesquisa concluiu que esse resíduo, com sua posterior secagem e moagem (em torno de 2 horas), possibilita a substituição de até 20% do cimento, conservando a resistência à compressão. Possibilita também a elevação da resistência à corrosão das armaduras do concreto, por ataque de íons cloretos, em até oito vezes, além de reduzir a ocorrência de outros mecanismos deletérios ao
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O estudante Guilherme Guignone (ao centro) recebe o prêmio pela pesquisa a respeito da utilização de resíduos da lapidação de vidros como substitutos parciais ao cimento
concreto como a reação álcali-agregado”, explica Guilherme. A utilização de resíduos da lapidação do vidro em estruturas de concreto como substitutos parciais ao cimento, além de promover benefícios tecnológicos, promove benefícios ambientais, pois grande parte desse resíduo seria descartada no meio ambiente. Com isso, sua incorporação em concretos proporcionaria redução de aterros e passivos provenientes da fabricação do cimento. Guilherme acrescenta ainda que essa ação contribui para a redução da utilização de recursos naturais, da emissão de CO2 e do consumo energético. “Tem-se ainda a elevação da vida útil de concretos, minimizando a degradação prematura das construções, elevando o tempo de utilização da edificação, evitando demolições, reparos e outras construções para o mesmo fim. Logo, o aproveitamento do resíduo oriundo do processo de lapidação de vidros tende a favorecer a execução de concretos de alto desempenho e a oferecer destinação ao resíduo”, diz. Não há somente benefícios para o meio ambiente. “Há também impactos econômicos e sociais positivos. O primeiro é por causa do menor custo na deposição do resíduo, da elevação de vida útil das construções e da redução de reparos e manutenções prematuras. Já os sociais estão relacionados às edificações em concreto armado mais seguras e duráveis”, conclui Guilherme.
Pesquisas desenvolvidas no campus de Alegre são premiadas em encontro latino-americano Dez pesquisas desenvolvidas por professores e estudantes do Centro de Ciências Exatas, Naturais e da Saúde (CCENS) e do Centro de Ciências Agrárias e Engenharias (CCAE), no campus de Alegre, receberam o prêmio de melhores pesquisas e de Melhor Trabalho na sua área de conhecimento, durante o XXI Encontro Latino-Americano de Iniciação Científica, realizado em outubro de 2017, na Universidade do Vale do Paraíba, em São José dos Campos (SP). O evento premia os cinco melhores trabalhos por área de conhecimento e, entre esses, aquele que será considerado o Melhor Trabalho de sua área. Ao todo são nove áreas. A Ufes teve quatro pesquisas premiadas na categoria Melhores Trabalhos. São elas:
Ciências Biológicas – Timol e ácido timoxiacético: uma análise do potencial fitotóxico em monocotiledônea e eudicotiledône, orientada pelas professoras Milene Miranda Praça-Fontes e Taís Cristina Bastos Soares. Ciências da Saúde – Viabilidade de utilização da palha de cana-de-açúcar na produção de etanol, orientada pela professora Jussara Moreira Coelho; Engenharia Agronômica - Diversidade de feijão carioca por composição mineral e marcadores microssatélites, orientada pelos professores Adésio Ferreira e Marcia Flores da Silva Ferreira; INID (PIBID) - Construindo cores da terra: uma proposta do Pibid de Biologia para difundir a Educação Ambiental, orientada pelas professoras Monique Moreira Moulin e Larissa Viana Bruneli.
Outros quatro trabalhos do CCENS e do CCAE também foram premiados em suas áreas por terem ficado entre os cinco melhores nas nove áreas do conhecimento:
Ciências Biológicas – Histologia das gônadas de characidium alipioi (teleostei, crenuchidae), coletados no Parque Estadual do Forno Grande (PEFG/ES), orientado pela professora Tatiana da Silva Souza; e também o Estudo da atividade antimicrobiana dos óleos essenciais de alfavaca (ocimumgratissimuml.) e hortelã (mentha x villosa), orientado pelo professor Luciano Menini. Ciências Exatas e da Terra – Geoestatística aplicada ao estudo da variação de cores do quartzo da região de Antônio Dias (MG), orientado pelos professores Fabricia Benda de Oliveira e Rodson de Abreu Marques; e Uso de VANT para fotointerpretação de lineamentos, orientado pelos professores Fabricia Benda de Oliveira e Carlos Henrique Rodrigues de Oliveira; Engenharia Agronômica – Progresso da ferrugem do cafeeiro (hemileia vastatrix) em diferentes níveis de sombreamento no cultivo de clones de cafeeiro conilon, orientado pelos professores Willian Bucker Moraes e José Francisco Teixeira do Amaral; Técnico – Reciclagem artesanal na EEEFM Aristeu Aguiar, orientado pela professora Simone Aparecida Fernandes.
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Foto: Arquivo Pessoal
IDEIA PREMIADA
Pesquisa sobre simulação na área de saúde é destaque internacional O primeiro projeto de pesquisa da Ufes a ser apresentado no Congresso Internacional de Simulação na Área de Saúde, em janeiro deste ano, em Los Angeles, Califórnia (EUA), foi o da professora Raquel Baroni de Carvalho, do Centro de Ciências da Saúde (CCS). A conferência científica recebeu o pôster contendo parte da pesquisa realizada durante o Estágio Pós-Doutoral da pesquisadora do Departamento de Medicina Social, com o título “A avaliação objetiva estruturada para debriefing (eOSAD) como ferramenta virtual”. A professora Raquel Baroni atuou, nos últimos dois anos, em todas as fases da pesquisa para a elaboração da ferramenta eOSAD, na Universidade Estadual da Louisiana (EUA). Segundo ela, os pesquisadores receberam convite para publicar artigo científico na revista Journal of American Medical Informatics Association. O congresso é realizado anualmente pela Sociedade para Simulação na Área de Saúde, e oferece aos participantes – educadores, pesquisadores, estudantes e profissionais de saúde – as ferramentas necessárias para a atualização e qualificação de habilidades, com o objetivo de melhorar o atendimento final a pacientes. A professora Raquel Baroni, que também integra o Programa de Pós-Graduação em Clínica Odontológica do CCS, ressalta que outra parte da
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Pesquisa da professora Raquel Baroni (CCS) foi a primeira a ser apresentada no Congresso Internacional de Simulação na Área de Saúde
pesquisa do Estágio Pós-Doutoral será apresentada em Chicago (EUA), no congresso do Colégio Americano de Cirurgiões (ACS Conference). De acordo com o editorial publicado na Revista Brasileira de Pesquisa em Saúde (RBPS), em 2017, a simulação na área da saúde tem quatro objetivos principais: educação, avaliação, pesquisa e integração com o sistema de saúde, buscando atendimento com segurança aos pacientes. De acordo com a pesquisadora, a simulação na área de saúde agrega conceitos de inovação, e procura se diferenciar de formas tradicionais de aprendizagem, não se limitando ao conhecimento teórico. A simulação busca novas ferramentas de ensino, e compreende não apenas habilidades técnicas, mas inclui gerenciamento de crises, trabalho em equipe, uso de novas tecnologias e raciocínio clínico em situações críticas que provocam danos aos pacientes. A Sociedade para Simulação na Área de Saúde é uma das principais organizações mundiais de simulação, envolvendo diferentes profissionais do setor.
Pesquisa mostra como economizar até 36% de energia elétrica e ganha prêmio nacional A pesquisa de iniciação científica de Filipe Galina Costalonga, intitulada “A influência da janela no consumo de energia em edificações residênciais multifamiliares”, foi uma das vencedoras do Prêmio Odebrecht para o Desenvolvimento Sustentável 2016. Filipe é recém-formado no curso de Arquitetura e Urbanismo da Ufes. Sua pesquisa concorreu com outras 263, ficando entre as cinco melhores. A investigação analisou o desempenho térmico de um ambiente ventilado naturalmente, com modelos de janelas diferentes, considerando o quantitativo de frequência de desconforto térmico (FDT), em relação ao consumo de quilowatt-hora (kWh) para resfriamento. OFDT é uma percentagem de tempo que a temperatura operativa está acima ou abaixo do intervalo de conforto. O resultado indicou que um modelo de janela permite reduzir em até 36% o consumo de energia pelo uso da ventilação natural com sombreadores. “As janelas utilizadas tiveram como referência o modelo mais utilizado nessas edificações e com as características descritas nas diretrizes da norma de desempenho. A utilização de componentes que permitiam a ventilação constante e o sombreamento da janela foram fatores importantes na melhoria do desempenho térmico da edificação, diminuindo em até 36,44% o consumo de kWh para a refrigeração”, enfatiza Costalonga. A partir dos resultados obtidos, pode-se afirmar que a janela mais usual nos edifícios residenciais multifamiliares não é adequada e demostra um desempenho ruim para o conforto térmico, indicando ambientes com a necessidade de maior uso de refrigeração mecânica, elevando, assim, o consumo de energia. A pesquisa foi realizada durante o verão em residências multifamiliares no município de Vitória e é um desdobramento da tese da professora Edna Nico Rodrigues que analisou duas mil residências. Edna Rodrigues foi a orientadora de Filipe durante a pesquisa de iniciação científica. “Acredito que essa premiação é um reconhecimento nacional e internacional dos nossos alunos e da nossa instituição como formadores de profissionais, pois é a primeira vez que a Ufes foi premiada
Foto: Jorge Medina
Filipe Costalonga e sua orientadora, a professora Edna Rodrigues, do curso de Arquitetura e Urbanismo
nesta área e é o único trabalho de arquitetura selecionado”, destaca a professora Edna. Por sua vez, o estudante premiado ressaltaa a importância da premiação para a sua vida profissional. “É um reconhecimento acadêmico e profissional. Temos de ter consciência da importância do desenvolvimento social e do meio ambiente com a sustentabilidade”, destaca. A pesquisa também enfatizou a importância da economia de energia, devido à crescente urbanização mundial. “Projeções mostram que a urbanização, associada ao crescimento populacional mundial, poderá trazer mais de 2,5 bilhões de pessoas para as áreas urbanas até 2050. Além disso, mostra que o consumo de energia está aumentando, em média, 3% ao ano, sendo os aparelhos de ar condicionado os responsáveis por 20% do consumo de eletricidade no setor residencial; a geladeira por 22% e o chuveiro, 24%. Esses são os principais desafios para o desenvolvimento sustentável”, garante Costalonga. Apesar de recém-formado, Filipe não perdeu seu vínculo com a Ufes. Ele participa de projetos do Laboratório de Planejamento e Projetos (Centro de Artes), que atua no desenvolvimento de pesquisas e projetos baseados nos conceitos da sustentabilidade do ambiente natural e construído. O laboratório tem a coordenação da professora Cristina Engel de Alvarez.
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Patentes A Ufes possui, atualmente, 80 pedidos de patentes depositados no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), sendo que seis foram solicitados por grupos formados apenas por pesquisadoras da Ufes. Só não há mulheres em 16 grupos de pesquisa, ou seja, 58 deles são formados por ambos os sexos. Ao todo, 200 pesquisadores, entre docentes da Ufes e seus parceiros de outras instituições, têm pedidos de patentes registrados no INPI, sendo 115 homens e 85 mulheres. As áreas de conhecimento com o maior número de solicitações são Biotecnologia, com 30; Química, 12; e Química/Petróleo/Ceunes, 8.
De acordo com o professor Antônio Alberto Fernandes, diretor do Instituto de Inovação Tecnológica da Ufes (Init), órgão responsável pela gestão da propriedade intelectual gerada na Universidade e quem encaminha os pedidos de patentes ao INPI, algumas solicitações são tramitadas em sigilo. No Brasil, o registro de patentes é um processo lento, que demora de 10 a 14 anos. Segundo Fernandes, isso se deve ao fato de o examinador brasileiro ter um grande número de pedidos para serem analisados. Conheça os seis pedidos só de grupos de inventoras encaminhados ao INPI.
Floculação de leveduras Trata-se de um processo de floculação de leveduras não-floculantes em cultura usando canavalia ensiformis. Relaciona-se, entre outros, com o setor industrial de produção de bebidas alcoólicas, tais como alambiques, vinícolas, cervejarias e indústrias de produção de etanol, além do setor de energia em geral. Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia (CCS)
Tratamento de águas residuais A invenção consiste num processo para tratamentos de águas residuais da indústria têxtil. A tecnologia também pode ser aplicada por qualquer empresa do segmento de tratamento de efluentes ou chorume. Departamento de Química (CCE)
Esponja polimérica Processo de imobilização de levedura Saccharomyces Cerevisiae pela utilização de biopolímeros de quitosana, carboximeticelulose e alginato de sódio. Compreende, ainda, a esponja polimérica obtida a partir desse processo. Relaciona-se com o setor industrial de produção de etanol e bebidas alcoólicas, além do setor de energia em geral. Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia (CCS) Jogos de educação para idosos Aplicação de uma tecnologia para a promoção do envelhecimento saudável visando a todas as necessidades do idoso e não apenas a doença. Os jogos podem ser também aplicados na população em geral com a finalidade de educação precoce para o envelhecimento saudável. Departamento de Enfermagem (CCS)
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Jogo para fixação dos estudos Trata-se de um processo estudantil que, por intermédio do jogo de tabuleiro humano, será utilizado como ferramenta fundamental de fixação e ampliação de conhecimentos de diferentes temáticas teóricas, possibilitando que o usuário/aluno consiga, através de um jogo, desenvolver o conhecimento frente ao conteúdo da disciplina proposta com maior facilidade e de forma descontraída. Departamento de Enfermagem (CCS) Remoção de metais Trata-se de uma nova rota de remoção de metais em água empregando um processo de extração assistido por ondas ultrassônicas (US) de baixa frequência, na faixa de 25 a 130 kHz, 20% a 100% de amplitude, associadas ao uso de um adsorvente (cerâmica porosa) visando à redução da concentração dos metais na água e, consequentemente, à redução de impactos ambientais. Departamento de Ciências Exatas, Naturais e da Saúde/Ceunes
Neusa Mendes – Sem título – 1978, pintura dimensões: A 46,5 x L 66,7 cm; A 49,5 x L 70,0 x P 2,3 cm (com moldura) Acervo da Universidade Federal do Espírito Santo, Galeria de Arte Espaço Universitário