Revista Portal da Ciencia 2013

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ISSN 2178-9090

Revista

Ano III | Número III | Outubro de 2013

RIO MARACU: conhecendo suas veias para saber de seu futuro

Livro de pesquisador da UFMA reúne conhecimento ribeirinho, estudos técnicos e imagens de satélite de um dos principais rios da baixada Maranhense

+ Dois novos tipos de orquídeas são identificados no Maranhão Cientistas selecionam espécies vegetais que aumentam a produtividade agrícola

ENTREVISTA

Professor fala sobre a relação entre a promoção de Políticas Públicas e a produção científica


Natalino Salgado Filho

Reitor da Universidade Federal do Maranhão

UMA UNIVERSIDADE VERDADEIRAMENTE INCLUSIVA O que antes era uma promessa com um fim imprevisível, agora já é uma realidade perceptível de compartilhar com todos. Temos uma instituição de ensino superior, com oito Campi (São Bernardo, Bacabal, Pinheiro, Imperatriz, Grajaú, Balsas, Chapadinha e Codó), presente em várias regiões do Maranhão, e que atende, ao mesmo tempo, estudantes de graduação e pós-graduação em regime regular e professores da rede de ensino municipal, por meio de projetos especiais de interiorização, e também alunos do ensino a distância, totalizando atualmente uma comunidade acadêmica de quase 50 mil participantes. A participação da UFMA, para o desenvolvimento socioeconômico do Maranhão, é, atualmente, inquestionável, não somente pela quantidade como pela qualidade das atividades que a instituição oferece. Esta revista, portanto, vem demonstrar o quanto estamos avançando e construindo uma memória institucional, a partir dos programas, projetos e ações. Cada projeto de pesquisa, aqui pensado, é o resultado do entrelaçamento das experiências da instituição com a Sociedade Civil; do intercâmbio de experiência entre os Campi e da troca simultânea da UFMA com outras instituições de ensino superior do país. Como resultado de todo esse processo, podemos já perceber alguns indicadores de qualidade. O mais importante deles, e que eu destaco nesta mensagem, é o volume de estudos, pesquisas (monografias, dissertações e teses) desenvolvidas, tendo como base as questões endógenas a cada região, isto é, o interesse dos pesquisadores em desenvolver estudos para resolver problemas locais, que envolvem os atores locais e metodologias apropriadas. Ao mesmo tempo em que isso identifica a autonomia dos Campi, em relação à Cidade Universitária, também demonstra a necessidade de pertencimento dos Campi, em relação às regiões em que estão localizados. Desta forma, indicamos esta leitura como possibilidade de interpretação de outra realidade que inclui aqui uma perspectiva para continuar avançando com qualidade e competência.

ESTRUTURA ORGANIZACIONAL PRESIDENTE DA REPÚBLICA Dilma Rousseff

PRÓ-REITOR DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO Fernando Carvalho Silva

MINISTRO DA EDUCAÇÃO Aloizio Mercadante

PRÓ-REITORA DE EXTENSÃO Marize Barros Rocha Aranha

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

PRÓ-REITORA DE RECURSOS HUMANOS Maria Elisa Lago Braga Borges

REITOR Natalino Salgado Filho VICE-REITOR Antônio José Silva Oliveira PRÓ-REITORA DE ENSINO Sônia Maria Corrêa Pereira Mugschl

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PRÓ-REITOR DE GESTÃO E FINANÇAS José Américo da Costa Barroqueiro CIDADE UNIVERSITÁRIA Av. dos Portugueses, Nº 1966 CEP 65085-580

Revista Portal da Ciência :: Edição Continente:: Ano III Número III :: Outubro de 2013


Foto: Carol Ribeiro

E dito rial

Uma Universidade feita por várias mãos Em um caminho

pouco conhecido, a vontade de fazer mais e a vontade de devolver à Sociedade Civil as suas apostas na educação, fazem muitos se arriscarem no difícil ramo da pesquisa científica. E, faz ver germinar a confiança na construção de um futuro melhor, tendo como base uma Universidade Federal pautada na integração da teoria com a prática, isto é, o ensino, a pesquisa e a extensão – pensada como uma verdadeira rede entrelaçada. Como mãos que se ajudam mutuamente na missão assumida pela Instituição, que, no mês em que comemora 47 anos, festeja por colecionar não uma história, mas várias. A terceira edição da Revista Portal da Ciência tem a alegria de apresentar aos seus leitores um trabalho que, de fato, sustenta a ideia de união e de entrelaçamento de anseios e perspectivas de uma sociedade melhor. Para definir melhor, apresentamos uma palavra que já vem sendo utilizada pela UFMA e que, nesta edição, reforça o seu valor: Continente. O antigo termo, “interior”, denominado para referenciar os municípios localizados fora das regiões metropolitanas, carrega consigo uma carga pejorativa e propõe um distanciamento espacial que se contrapõe à periferia. A UFMA vem buscando romper com qualquer paradigma que distancie seus públicos, ou que promova qualquer tipo de diferenciação ou de exclusão. Assim, passamos a utilizar o termo Continente nesta, e em outras publicações, para nos referirmos às práticas, às atividades e as ações que não acontecem na capital, onde está a sede da Instituição. Tal perspectiva busca aproximar os públicos que formam a UFMA como uma instituição única. Nesta nova perspectiva, apresentamos uma Universidade que assume a vocação de ser, verdadeiramente, de todo o Maranhão. Sem qualquer exclusivismo usual das atividades ligadas

à Instituição que são realizadas na capital, propomos aqui uma experiência diferente, ao longo de 52 páginas, que, certamente, será apreciada por todos, despertando as mesmas sensações como quem descobre o Outro e o novo. Trazemos mais do que as descobertas e estudos desenvolvidos pelo seu corpo científico. Cada uma das matérias carrega uma identidade própria, composta de particularidades que, ao mesmo tempo, gera uma pluralidade singular. Classificamos essa edição como um pequeno livro de verdadeiras histórias, de retratos traçados pelas várias mãos que hoje desenham o presente e o futuro da Universidade Federal do Maranhão. Na baixada maranhense, destacamos a falta de água, como condição alarmante para uma comunidade; o estudo da ineficiência de inseticidas; a ação de piolhos inofensivos (ou não) no desenvolvimento escolar de crianças; o melhoramento agrícola por meio da seleção genética; a capacitação de vendedores ambulantes de Imperatriz; em Codó, o tradicionalismo de uma cultura frente aos desafios de assumir sua própria identidade. Estas foram algumas pesquisas escolhidas entre outras tantas, pensadas para apresentar ao leitor uma realidade dos trabalhos desenvolvidos nas cidades do nosso continente. Este é o resultado de três meses de trabalho de uma equipe de repórteres, revisores, fotógrafos, designer responsável por todo o projeto gráfico desta terceira edição da RPC, e dos editores que hoje compõem a revista Portal da Ciência. Com as mãos entrelaçadas, compreendemos que a Universidade não é feita por um, ou por dois, mas pelas quase 50 mil pessoas que, juntas, tornam possível falar, de fato, numa instituição pública de ensino superior de todos e para todo o Maranhão.

Boa leitura!

EXPEDIENTE

Portal da Ciência Uma publicação da Universidade Federal do Maranhão www.ufma.br

PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Kleyton Kerlison

REPORTAGENS

Francisca Ester de Sá Marques Prof ª Adjunta do Departamento de Comunicação/UFMA

Anissa Ayala Cavalcante, Anna Caroline Guimarães, Carol Ribeiro, Daryanne Caldas, Edson Igor, Elen Silva, Érica Muniz, Josiane Mendes, Lígia Guimarães, Luan Lima, Luís Felix Rocha, Luciano dos Santos, Marcelo Oliveira, Roberth Meireles, Roseane Cardoso, Sansão Hortegal

EDIÇÃO

REVISÃO DE TEXTO

IDEALIZAÇÃO E PRODUÇÃO ASCOM ascom@ufma.br

ASSESSORA DE COMUNICAÇÃO E EDIÇÃO GERAL

Anissa Ayala Cavalcante, Roberth Meireles

FOTOS

Carol Ribeiro, Edson Igor, Josiane Mendes, Lanna Silva, Karllany Farias, Luciano dos Santos, Paulo Vale, Roberth Meireles, Sansão Hortegal

ILUSTRAÇÃO Kleyton Kelison

IMPRESSÃO

Motográfica/CE Tiragem 30 mil exemplares

Charles Martins, Patricia Santos, Késia Andrade Revista Portal da Ciência :: Edição Continente:: Ano III Número III :: Outubro de 2013

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Cotidiano

Alerta: Chapadinha pode ficar sem água para o consumo

O problema já está sendo enfrentado por parte da população da cidade e pesquisadores da UFMA orientam para que sejam tomadas medidas preventivas para evitar maiores estragos no futuro TEXTO: ROBERTH MEIRELES

de farmácias, na cidade de Chapadinha, multiplicam-se à medida em que, atualmente, são registrados nessa região, especificadamente, mais de 70 estabelecimentos especializados na oferta de remédios para as mais variadas doenças. Um volume expressivo se comparado ao número de pontos igualmente registrados e que fornecem produtos com o mesmo peso simbólico para a saúde, tais como alimentos comercializados nas padarias que, neste caso, beiram os 50 pontos de venda, no município. Avaliando a comparação entre os dois quadros é possível identificar uma situação eminentemente destoante, que reflete como vem ocorrendo a expansão acelerada e sem planejamento da cidade. Para quem acompanha a realidade de perto, especialmente os pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão, há uma explicação lógica para a situação, que estaria na carência de políticas públicas voltadas para a construção de um plano diretor de desenvolvimento. Mas afinal, o que significa a busca cada vez maior de remédios pela população de Chapadinha? A resposta para esta pergunta vem de dois professores da UFMA o Engenheiro Civil, Telmo José Mendes, e do ecologista, Regis Catarino da Hora. Eles afirmam que a cidade de Chapadinha está enfrentando problemas sanitários graves que estão exigindo uma atenção toda especial tanto por parte do poder público quanto por parte da Sociedade Civil. “São problemas resultantes da falta de um plano de desenvolvimento municipal. Dentre estes problemas, a contaminação da água que abastece a população aparece em destaque”, explicou o engenheiro Telmo Mendes. Na opinião dele, a cidade mais parece um “queijo suíço”, por conta da quantidade de poços, os quais possuem uma qualidade extremamente duvidosa. Destacou para dizer que, desde 2009, desenvolve análise laboratorial da água extraída dos poços da cidade, onde comprovou uma quantidade elevada de coliformes fecais, ainda que a água pu-

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Técnicas rudmentares são ultilizadas por moradores para extração de água em Chapadinha

Foto: Roberth Meireles

Os balcões

desse parecer cristalina. O professor, que reside na cidade de Chapadinha, desde 2006, afirmou que teve problemas de saúde relacionados à ingestão de água. Adquiriu um parasita chamado Giárdia, que lhe causou complicações no intestino e, que tem no consumo do líquido o seu principal modo de infecção. O docente faz parte de um quadro mais amplo de pessoas que apresentam sintomas de várias doenças ligadas à questão da qualidade da água, que vão desde as infecções intestinais e viroses até a irritação ocular e da pele, ambas provocadas pela ingestão de água contaminada.

Consumo racionado Os pesquisadores concordam que Chapadinha cresceu a partir de um projeto de desenvolvimento a todo custo, e agora cobra por medidas urgentes, para resolver os seus problemas mais graves. Eles afirmam que, devido à expansão em Chapadinha, é possível inferir, inclusive, que o município, localizado na região do Baixo Parnaíba, já ultrapassou uma vez e meia sua capacidade de abastecimento. No limite, a população sente os efeitos da falta de ações planejadas capazes de abraçar o desenvolvimento e, é na falta de água nas torneiras dos domicílios,

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cada vez mais comum, que o problema pode ser sentido de forma mais intensa. Carmem Silva Rodrigues, de 32 anos, nasceu em Chapadinha e diz que a falta de água, nas torneiras do município já virou rotina. “Nunca sabíamos quando íamos acordar e ter água na torneira. Tem dia que temos água, tem dia que não temos. Por isso eu mandei construir um poço e instalei uma bomba que puxa a água, para eu recolher em baldes a água que consumo”. Uma decisão que é compartilhada com vários moradores, que dividem a aflição gerada pela falta de água em casa. No poço, com cerca de 30 metros, a insegurança gerada pelo manuseio de um equipamento rudimentar é a única forma que muitos moradores da cidade encontram para conseguirem água. Carmem conta que todos os moradores de sua casa já sentiram dores abdominais após o consumo da água. Hoje não bebe mais da água diretamente retirada no poço localizado no quintal da residência, e reclama que precisa andar cerca de uma hora para apanhar água na casa da sogra, que julga ser de melhor qualidade para o seu consumo e da família.


O reservatório de água que abastece 70% da população de Chapadinha encontra-se com volume abaixo da média desde 2009

Sistema de abastecimento comprometido A insatisfação de Carmem, e de outros milhares de Chapadinhenses, é fruto de um sistema de abastecimento considerado antigo. Hoje a zona urbana da cidade é abastecida de duas fontes - de uma barragem sob a administração da Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão (CAEMA) e de poços comunitários que a prefeitura instalou para abastecimento da população. A água que sai da Itamacaoca, como é reconhecida a represa de água, abastece, atualmente, 70 por cento da população urbana. O trajeto que água leva até as residências é longo e, após ser extraído do aquífero, é conduzida até uma estação de tratamento localizada na própria cidade para, em seguida, ser distribuída aos oito mil e 700 domicílios contemplados com água encanada no município, isto segundo os dados da companhia de água, em Chapadinha. Entretanto, apesar da quantidade de residências que consegue atender, este sistema apresenta muitos problemas. “As ações do governo, na Itamacaoca, são de exploração dos recursos naturais, mas sem que haja qualquer cuidado, por exemplo, como as nascentes. Hoje nós temos uma área verde que deveria ser uma Área de Preservação Permanente (APP), e que está com um nível de água muito abaixo do esperado. Desta forma, do local de onde sai quase toda água encanada que chega aos lares de Chapadinha, além do problema da quantidade de água, temos problemas também quanto à preservação da região, que está sendo comprometida pela ação humana”, explicou o doutor em Ecologia da UFMA, Regis Catarino.

Itamacaoca no limite Regis Catarino estudou as matas ciliares por meio de uma pesquisa, com apoio de órgãos de fomentos públicos, e teve seus trabalhos finalizados na metade do último ano. Pesquisando sobre a região que compreende a Itamacaoca, ele registrou uma vegetação destruída pela ação da exploração e traçou, por meio desta, um diagnóstico da área, levantando uma previsão preocupante: se não forem tomadas medidas para reverter o quadro de desequilíbrio ambiental nas matas que circundam a barragem, em breve Chapadinha vai ficar sem água para o seu abastecimento. Para o professor, é necessário garantir que a região onde se encontra a Itamacaoca seja totalmente preservada e que novas formas de exploração de água para a distribuição sejam encontradas. Isto porque, com um maquinário ultrapassado, a represa conta com dois guardas que protegem o local noite e dia, e uma cerca com portão, que é a principal forma de acesso à área verde e ao reservatório que, apesar de passar a maior parte do tempo fechado, não impede o trânsito de pessoas e ações como queimadas e desmatamentos. Abusos que acontecem até mesmo à luz do dia e que são capazes de justificar a diminuição do nível de água no reservatório, pois quando a topografia do terreno é modificada – como é o caso da construção de residências ou o asfaltamento do terreno e até o desmatamento –, o solo passa a absorver uma quantidade cada vez menor de água que, somada às altas temperaturas da região, explicam o baixo nível de água que o reservatório vem apresentando nos últimos anos.

Para se ter uma noção da situação, o ecologista expõe que, em apenas cinco anos, a cerca que protege e dá acesso a Itamacaoca já avançou pelo menos cinco vezes adentro, por conta do crescimento de uma ocupação irregular, que está, atualmente, localizada a 500 metros do reservatório de abastecimento, como destacou o professor Regis Catarino. Segundo o gerente da CAEMA em Chapadinha, Jorge Guimarães, no início do ano a prefeitura da cidade teve um projeto aprovado por meio do Plano de Aceleração do Crescimento do Governo Federal (PAC II), do Governo Federal via Ministério das Cidades. Recursos da ordem de R$ 25 milhões de reais devem ser aplicados na ampliação da capacidade de armazenamento da Itamacaoca. Do mesmo modo, a preservação das matas, que compõem a flora do reservatório e, por conseguinte, das nascentes que alimentam a represa, necessitam de projetos específicos, com ações de médio e longo prazo, com capacidade para controlar o desmatamento como, por exemplo, a transformação da região em uma APP. “Itamacaoca já não suporta mais abastecer toda a população de Chapadinha. Com os recursos deste projeto aprovado no início deste ano, esperamos atender 100 por cento da zona urbana de Chapadinha, com água encanada, e isso vai acontecer com a ampliação da represa de Itamacaoca e com a construção de quatro poços com cerca de 300 metros de profundidade”, relatou o responsável pela CAEMA, ao reconhecer o problema que a cidade enfrenta e apontar que situações semelhantes podem ser encontradas em outros municípios do Estado.

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Professores da UFMA apresentam diagnóstico da água de Chapadinha.

Construir poços vai solucionar o problema? Maria Monteles é uma moradora da zona urbana e reside na região próxima à represa de Itamacaoca. Ela, por exemplo, apesar de viver a menos de um quilometro do reservatório não recebe água de abastecimento oferecido pela CAEMA. Na casa que divide com mais quatro pessoas, toda água de consumo vem de um poço que fica em um dos compartimentos de sua residência. Ela afirma nunca ter sentido quaisquer problemas com a digestão do líquido e que a instalação de água encanada é uma promessa antiga do governo local. de poços para o consumo é a saída encontrada pela população de Chapadinha e outros tantos municípios do Estado. É uma cultura antiga, e os poços construídos, algumas vezes com ajuda da prefeitura, contam com profundidades que causam problemas, pois atingem os lençóis freáticos impróprios para o consumo, daí a razão da contaminação da população ao ingerir água em Chapadinha que, de curto ou médio prazo, vai interferir na qualidade de vida dos moradores. Desta forma, o consumo por meio de poços e até das águas de torneiras, coexistem quase como questões emergenciais, cobrando soluções imediatas, isso falando apenas da zona urbana, uma vez que a região rural da cidade não recebe qualquer abastecimento de água pela CAEMA.

A abertura

Maria Monteles retira a água que consome de um poço de 30 metros de profundidade, que mantém dentro da sua residência

Resposta à sociedade O trabalho de alertar o poder público dos problemas que a cidade vem passando e intervir, muitas vezes apresentando soluções, tem sido realizado por professores da Universidade Federal do Maranhão, como Telmo José e Regis Catarino. “Nós divulgamos os dados e as pesquisas que desenvolvemos sobre os problemas da cidade. Na verdade, dados isolados são apenas números, mas ao fazermos os seus cruzamentos obtemos informações analisadas em nossos respectivos campos de atuação, e, a partir daí, podemos oferecer interpretações que devem ser levadas ao conhecimento público, como é o caso do alerta acerca da qualidade e do abastecimento hídrico em Chapadinha”, disse Regis Catarino, ao afirmar que o corpo docente em Chapadinha tem realizado um trabalho bastante produtivo quanto à produção de pesquisas e levantamento de dados na região. O pesquisador destacou, ainda, que há total interesse em desenvolver projetos com parcerias que visem solucionar o problema da água em Chapadinha, em especial no que se refere à preservação das matas que compõem o ecossistema onde está localizada a represa, realizando assim a manutenção dos mananciais de onde sai a maior parte da água que abastece a cidade.

Regis Catarino da Hora

Telmo José Mendes

É graduado em Engenharia Civil, pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Mestre em Geociências, pela Universidade Estadual de Campinas, com doutorado em andamento pela mesma instituição. Atualmente é professor Assistente II da Universidade Federal do Maranhão, atuando no campus de Chapadinha.

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Possui graduação em Ciências Biológicas, pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. É mestre e doutor em Ecologia e Recursos Naturais, pela Universidade Federal de São Carlos. Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Maranhão, com experiência na área de Ecologia, com ênfase em ecologia vegetal, atuando principalmente nas áreas de ecologia, fitossociologia e florística.


Arena da paz:

C ot i d ian o

estabelecendo relações sociais no âmbito escolar A UFMA no combate à violência nas redes de ensino público da cidade de Bacabal TEXTO: LUIS FELIX ROCHA

Brigas

e discursões estão a cada dia tornando-se corriqueiras no ambiente escolar de todo o Brasil. A violência praticada dentro da escola teve seu primeiro registro enquanto objeto de estudo há mais de 60 anos, nos Estados Unidos. Com o passar dos anos, as práticas de violência física, verbal e até mesmo a intimidação dentro do ambiente escolar, transformoram-se em um fenômeno com traços nítidos e de difícil resolução. A prova disso é que este tipo de violência deixou de ser tratada meramente como uma questão disciplinar e agora aparece em pesquisas enquanto expressão da perda progressiva da escola de sua capacidade socializadora, ou seja, de inserir indivíduos numa determinada ordem social, como um reflexo da violência existente neste âmbito, e percebida de variadas formas.

Violência escolar: construção permanente de espaços de estudos e diálogos Com notícias constantes sobre a violência escolar em todo o Brasil, a Universidade Federal do Maranhão desenvolve um trabalho intitulado “Arena da paz: ressignificação dos sentidos atribuídos à violência no cotidiano escolar”, coordenado pela professora Maria José dos Santos e desenvolvido na cidade de Bacabal. O projeto surgiu a partir da ideia de desenvolver uma atividade com a temática voltada ao combate da violência, objetivando dar voz ao professor da rede de ensino municipal. Segundo a professora Maria José, houve uma boa aceitação do projeto pela comunidade discente, que se mostrou bas-

tante motivada diante da possibilidade de compreender melhor o fenômeno da violência, bem como de refletir e pensar coletivamente sobre possíveis formas de combatê-las no ambiente escolar. “O Arena da Paz realiza mapeamento do quadro da violência no cotidiano das escolas investigadas, por meio da aplicação de questionários com alunos e comunidade escolar. Além de envolver os atores da rede de ensino regular, a pesquisa envolve, também, bolsistas e voluntários que, quinzenalmente, realizam sessões de estudos para assimilar teoricamente o tema”, explicou a professora Maria José sobre o projeto que desenvolve em Bacabal. Desta forma, observando de perto o cotidiano da escola, a professora, junto aos alunos da UFMA, pensam as relações que são estabelecidas pelos sujeitos, nele inseridos. Essas relações são alternadas, algumas tensas, outras conflituosas e/ou harmoniosas, que devem ser refletidas no ato de seu surgimento. Assim, o projeto considera prematuro classificar como ressignificação qualquer reação positiva advinda de suas ações. “É preciso um amadurecimento e uma apropriação dos sentidos e seus significados a partir da realidade existente, o que a nosso ver exige a construção permanente de espaços de estudos e diálogos da temática em questão”, ressaltou a coordenadora. Com este trabalho, a professora espera desenvolver uma ação a longo prazo tanto pelos agentes, quanto pelas vítimas e até mesmo pela mídia, já que o trabalho da equipe da UFMA implica mudanças de posturas de todos diante das situações ocorridas no espaço escolar”.

Uma pesquisa, divulgada no início deste ano, intitulada “Violência nas escolas: o olhar dos professores”, realizada pelo Centro de Estudos e pesquisas Educacionais (CEPES), Sindicato dos professores do ensino oficial do estado de São Paulo (APEOESP), teve como perfil da amostra, professores da rede estadual, em 167 cidades do Estado de São Paulo. A pesquisa apontou:

75%

62%

35%

Já presenciaram brigas de alunos

Xingados

Foram ameaçados

24% Roubados ou furtados

Ainda de acordo com a pesquisa, a situação é pior em bairros de periferia, onde 63% dos profissionais consideram a escola um espaço violento. A insegurança no trabalho, de acordo com os coordenadores do estudo, é comum entre os docentes. No Maranhão, o Grupo Especial de Apoio às Escolas (Geape) registrou 69 casos de agressão física entre alunos no ambiente escolar em 2012, no período de janeiro a dezembro. Se comparado ao ano anterior os danos assustam e preocupam, principalmente por compreender mais que o dobro dos casos registrados em 2011, quando foram computados 32 casos de agressão física. Em relação às ameaças, foram 32 casos em 2012 e 29 ocorrências em 2011.

Maria José dos Santos Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Ciências e Letras de Juazeiro (FFCL J/UNEB). Mestre em Educação. Atualmente é professora da Universidade Federal do Maranhão em Bacabal.

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Educação

Uma experiência

criativa de aprendizagem Estudantes retiram das páginas dos livros modelos para a construção de estruturas que ajudam na compreensão do conteúdo didático TEXTO: SANSÃO HORTEGAL

Durante

os séculos XIX e XX, a prática obrigatória do ensino foi apresentada na maioria das regiões do mundo como um direito de inclusão para todos os cidadãos. As novas fisionomias geopolíticas mundiais do período demonstraram uma conjuntura que permitiu a institucionalização de um modelo de ensino, cuja missão era formar e desenvolver as capacidades cognitivas humanas. Desta maneira, a Escola na sua forma contemporânea passou a exercer a função de instruir e educar, a partir de um sistema metodológico específico, enfrentando desafios, num campo de disputas ideológicas, onde a Igreja, por exemplo, exerceu forte influencia sobre o campo educacional. A metodologia empregada foi transposta à instituição emergente, tendo como base a lógica de um sujeito que fala e um que ouve, tentando memorizar e assimilar a mensagem, como explicou uma das maiores autoridades em Ciência Cognitiva, o pesquisador norte-americano Roger Schanck. Schanck foi o fundador do Instituto de Ciências do Aprendizado, e autor de mais de 20 livros sobre a linguagem, sobre a inteligência artificial, sobre a educação, a memória e a leitura. Segundo ele, essa forma de “ensinar” não permite autonomia e originalidade na formulação do pensamento pelos sujeitos, pois estes só aprendem quando fazem questionamentos sobre os assuntos, como destacou o pesquisador norte-americano. Em entrevista à revista da Editora Abril Exame, Roger Schanck afirmou que os “Mecanismos inconscientes são aprimorados quando o sujeito erra, pois tem que descobrir um jeito de refazer o que escreveu”, explicou o cientista fazendo referência a uma metodologia que faz com que os estudantes trabalhem arduamente e pensem em algo que nunca viram antes, o que, para ele, é uma tarefa muito difícil. “Há muita teoria nas aulas porque os professores pensam que se aprende ouvindo. Muita teoria dá sono”, complementa o cientista em entrevista concedida ao periódico brasileiro. Para ele, então, a melhor forma do sujeito aprender é fazendo, colocando em prática os seus conhecimentos, transformando teorias em atividades práticas e concretas. O modelo defendido pelo teórico das Ciências Cognitivas é compartilhado por uma professora da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) do Campus de Bacabal, Maria Raimunda Santos, que utiliza uma matéria prima de acesso facilitado e de baixo custo. Na sua sala de aula, a professora universitária faz com que os seus alunos construam com as próprias mãos as mais variadas estruturas orgânicas dos seres vivos. Em duplas ou em grupos, eles discutem a sua criação, e retiram literalmente, o conhecimento das páginas dos livros.

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Estruturas de Biscuit Segundo a professora Maria Raimunda Santos, a metodologia empregada e que utiliza a massa de biscuit tem por objetivo explicar a construção e a aplicação de modelos didáticos, estimulando o uso desses objetos produzidos como ferramentas alternativas para um ensino mais criativo dentro da Biologia, além de discutir a necessidade da utilização de práticas pedagógicas que permitam aos estudantes expressarem a sua criatividade em sala de aula. A razão do uso da matéria prima biscuit, enquanto peça metodológica educacional, foi escolhida por apresentar maior resistência, durabilidade, propriedades que se assemelham à massa de modelar - a mesma utilizada comumente em escolas de ensino fundamental para a construção de peças que estimulam a imaginação, a liberdade e a experimentação das crianças. “Quando o conteúdo é construído desta forma, ele é assimilado, entendido e apreendido”, esclarece a professora Maria Raimunda Santos. O encontro entre o pensamento de Roger Schanck e Maria Raimunda Santos se dá nas opiniões compartilhadas. Eles concordam que não é fácil fazer com que os estudantes pensem em algo que nunca viram antes, ou seja, por exemplo, no campo da Biologia existem as células animais, vegetais, membranas plasmáticas, entre outras Es estruturas que nunca saem do tru tur quadro ou das páginas dos livros. as org âni Daí, a utilização do biscuit para que ca

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Foto: Sansão Hortegal

deste método, afim de que outras instituições de ensino adotem a metodologia e unam a teoria à prática, contribuindo para uma melhor assimilação do conteúdo ministrado. “Eles utilizam a criatividade. Não precisa ser necessariamente igual ao que está no papel ou no quadro, mas tem que ter uma visão, saber reconhecer as estruturas pelo seu desenvolvimento ou perfomance. O que eles estão produzindo concretamente é visto na teoria, e o que resta é aplicar, e perceber se o estudante assimilou o que foi ensinado. Quando colocamos a mão na massa jamais esquecemos. Pelo menos, tentamos fazer com que o aluno, além da criatividade, assimile melhor o conteúdo que foi aplicado. Essa é sem dúvida a metodologia da prática aliada à teoria”, finalizou a professora Maria Raimunda Santos.

os próprios alunos realizem as montagens dos seus objetos de aprendizagem, permitindo que façam imediatamente uma correlação entre a teoria e a prática, vivenciando o aprendizado literalmente nas palmas das mãos. Os modelos confeccionados pelas turmas da professora são selecionados de acordo com os temas escolhidos durante a disciplina que vão desde a confecção de tabuleiros de célula animal e vegetal até da membrana plasmática, também das organelas citoplasmáticas, núcleos, etapas da mitose e meiose, animais invertebrados e todas as etapas da embriologia. As novas formas de aprender e ensinar tornam a aula mais dinâmica e aumentam o rendimento dos estudantes, o que possibilita confeccionar modelos metodológicos ativos de boa qualidade para obter uma melhor compreensão das aulas de Biologia, permitindo a visualização e a interação com temas até então abstratos, o que contribui para uma boa compreensão teórica. “Através dessa metodologia, os estudantes deixam de ser meros espectadores e se tornam criadores de uma aprendizagem efetiva, criativa e significativa, sendo mais duradora que os métodos de ensinos tradicionais”, concluiu a professora dando ênfase de que o entendimento da Biologia é necessário a todos os seres humanos. Por isso, receber informações sobre como entendê-la é imprescindível para o crescimento e o desenvolvimento intelectual do estudante que, s em breve, pode vir a ser um proo r l iv os fessor, e contribuir para a difusão n m n os e os alu

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Professora orienta estudantes na hora da montagem das estruturas criativas em biscuit

Através dessa metodologia os estudantes deixam de ser meros espectadores e se tornam criadores de uma aprendizagem efetiva, criativa e significativa, sendo mais duradoura que os métodos de ensinos tradicionais. Maria Raimunda Santos Garcia

Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Maranhão. É especialista em Ecologia Tropical e mestre em Ciências Biológicas pela Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, e doutorado em Ciências Biológicas, na mesma Instituição. Atualmente é professora da Universidade Federal do Maranhão, com experiência de estudo e pesquisa na área de Genética, atuando com temas tais como abortamento espontâneo, trisomy 12p, trissomia parcial 13q, tetrassomia 18p e trissomia parcial 18q, Biologia celular e Embriologia.

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E mp re e n d e d o ri smo

Case de sucesso: novos modelos de gestão à serviço do cliente

O recém-formado em Administração da primeira turma EAD da UFMA, Divair Pires, trouxe por meio de um projeto de pesquisa uma nova visão sobre os modelos de logística em benefício dos clientes na cidade de Porto Franco

TEXTO: ROSEANE CARDOSO

Melhorar

o nível de satisfação e a imagem da empresa diante dos clientes não é tarefa fácil e rápida, requer um bom relacionamento entre os participantes e bons serviços prestados pela empresa, que devem suprir as expectativas da clientela, e para isso, o trabalho dentro da empresa precisa ir muito além da simples compra e venda. Para melhorar esse nível de satisfação é

importante que os gestores do negócio conheçam as necessidades dos seus clientes, e ofereçam qualidade ao seu público interno e externo, obedecendo ao princípio da responsabilidade social. Assim, para garantir um nível de competitividade satisfatório e um bom relacionamento entre os vários públicos envolvidos, o sistema de gerenciamento de uma empresa precisa se adequar constantemente em relação às mudanças no cenário econômico, e a adoção de novos modelos estratégicos que possibilitem a sua participação efetiva no topo de um mercado, cada dia mais acirrado. Observando as atuais estratégias de logística - área da gestão responsável por fomentar os recursos, equipamenServiço de logística dentro da empresa começou a ser tos e informações para a exepensado de forma diferente após análise monográfica do cução de todas as atividades e aluno de Administração serviços oferecidos, neste caso pela distribuidora de bebidas Disbel -, o estudante de Administração, Divair Pires da Silva, se propôs a investigar na sua pesquisa de conclusão de curso qual é a visão dos clientes sobre a prestação de serviços da empresa citada, o nível de fidelidade e como tais ferramentas podem ajudar a melhorar a imagem e aumentar a fidelidade dos consumidores. Localizada no centro da cidade de Porto Franco, a distribuidora de bebidas Disbel, atua no mercado há 11 anos, com um faturamento anual de aproximadamente R$ 13 milhões; conta com 45 empregados diretos e uma frota própria de 07 caminhões. As atividades da empresa são desempenhadas em uma área de 5 mil e 500 metros quadrados, onde funcionam setores como a direção da empresa, as vendas, o faturamento, o financeiro e a contabilidade, entre outras.

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Trajetória do sucesso Tudo começou quando Divair conheceu a empresa através de seu estágio curricular supervisionado do curso de Administração da UFMA, na cidade de Porto Franco. Natural do município de Itapuranga, em Goiás, ele foi morar aos 12 anos com o seu pai na cidade de Campestre, no Maranhão. Certo dia, em passagem pelo município Porto Franco viu as instalações do prédio de apoio ao pólo presencial da Universidade Aberta do Brasil (UAB) em parceria com a UFMA, e ficou sabendo da implantação do bacharelado em Administração, curso que ele passou a integrar desde dezembro de 2007. Antes de começar o estágio, ele não tinha nenhum contato com a empresa pesquisada, até a seleção e início dos trabalhos na distribuidora, o que aconteceu em 2012, quando passou a ter contato direto com todos os setores da empresa. Um fato, que permitiu com que iniciasse seu estudo de caso e apresentasse as soluções pertinentes aos problemas encontrados durante o diagnóstico realizado na empresa. O resultado da pesquisa realizada pelo estudante demonstrou sua competência em aplicar uma metodologia específica que permitiu um olhar diferenciado sobre o trabalho desenvolvido, com o rigor necessário que somente uma instituição de ensino superior proporciona. O proprietário da distribuidora de bebidas em Porto Franco, Luis Tavares, destacou que a parceria da UFMA com a sua empresa deu certo e contribuiu para melhorar o desenvolvimento da empresa junto aos seus vários públicos.


Foto: Lanna Silva

Divair Pires e o proprietário da Disbel implantaram novas práticas de gestão dentro da empresa, aliando por fim teoria e prática

Divair acredita que os resultados alcançados só foram possíveis graças à colaboração de Luis Tavares que, formado em Logística, soube reconhecer a importância das estratégias de fidelização com os clientes e do administrador para gerenciar esse relacionamento, permitindo o contato direto dele com o público dirigido, como os vendedores e outros setores que lidam com essas questões. Para ele, é importante essa relação en-

de processamento das vendas e até os critérios da pré-venda, onde os pedidos são coletados e faturados, até a entrega destes nos pontos de venda. “Tudo para observar como melhorar as estratégias de fidelização e comunicação com os clientes das empresas”, esclareceu. O administrador realizou a pesquisa, por meio de uma metodologia prática, que foi a aplicação de um questionário dirigido, por meio do qual buscou saber o perfil dos revendedoO Divair é muito inteligente, sabe trabalhar res donos das mercearias das cidades atene tem boas ideias. Eu o contratei após o esdidas pela distribuidora tágio por gostar do excelente trabalho que de Porto Franco. No ele desempenhou aqui e lhe dei total liberquestionário respondido, descobriu o nível de dade para melhorar a imagem da empresa escolaridade dos servie o relacionamento com os nossos clientes, dores; a frequência com que são feitas as visitas afirmou o empresário. dos vendedores e o nível de satisfação na distribuição das bebidas tre os alunos com o mercado, pois é o no tempo solicitado. momento em que os futuros administraUm trabalho que ele realizou pessoaldores colocam em prática os conceitos e mente em cada estabelecimento comeraprendizados teóricos adquiridos ao loncial que a Disbel atende. “Sempre tive go do curso. Para alcançar os seus objecontato direto com os clientes e outros tivos de pesquisa, o estudante precisou setores da distribuidora. A empresa tem conhecer de perto as principais atividaque manter essa relação próxima da gesdes desenvolvidas pela empresa como o tão com os clientes, pois assim ela tem desenvolvimento do setor de transporte uma noção de como a informação circula dos produtos da fábrica para o centro pelos vários setores. Depois, é perceber de distribuição da empresa; o armazenaquais estratégias de marketing podem ser mento adequado dos produtos, o modo

aplicadas para melhorar o relacionamento entre os públicos”, ressaltou. Contratado desde abril de 2012, logo após terminar o estágio, o administrador tem feito a diferença e mudado a dinâmica do comércio de bebidas na cidade e municípios vizinhos contemplados com a distribuição da empresa Disbel. Isso, graças à visão do proprietário que lhe permitiu aplicar os conhecimentos adquiridos no campo acadêmico, melhorando o sistema de gerenciamento e logística de atendimento ao cliente. “Pretendo continuar estudando e aplicando as teorias estudadas para sempre melhorar, uma vez que os clientes se mostraram satisfeitos com os serviços e perceberam o quanto a Disbel zela por essa fidelidade se adequando sempre às necessidades de cada cliente em potencial”, concluiu. Divair Pires da Silva É bacharel em Administração pela Universidade Federal do Maranhão que em parceria com a Universidade Aberta do Brasil (UAB) oferece o curso de Administração na cidade de Porto Franco desde 2007. Atualmente é coordenador administrativo comercial da distribuidora de bebidas, Disbel, localizada na cidade Porto Franco, Maranhão.

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Foto: Edson Igor

Economia

Tradicionalismo versus capacitação e tecnologia: desafios para estruturação da indústria pesqueira no Maranhão

Levantamento de pesquisadora da UFMA faz um panorama do perfil do pescador e aponta para as melhorias que o setor precisa receber TEXTO: EDSON IGOR

ILUSTRAÇÃO: KLEYTON KERLISON

A pesca

Escala em produção artesanal ainda é a modalidade de pesca mais praticada no Maranhão

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é uma das principais fontes de alimentos da sociedade e a sua prática no Maranhão compõe a renda de trabalhadores que vivem da retirada de pescados como mariscos e crustáceos. No Estado, a atividade pesqueira ganha ainda mais força em função deste, ser privilegiado como o segundo maior litoral do país, com 640 quilômetros de extensão e uma bacia hidrográfica composta de rios perenes, isto é, aqueles que não secam durante o ano. A partir destas características, a estudante de Ciências Biológicas, do Campus de Chapadinha, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Ariana Naiara, sob a orientação da professora Jane Mello Lopes, se propôs a investigar a conjuntura da atividade pesqueira artesanal realizada em pequenas embarcações, e em escala não industrial, para fazer uma avaliação acerca do impacto da atividade no âmbito social e econômico e, para isso, utilizou um recorte que partiu de um município, localizado na mesorregião Norte Maranhense. Os dados do estudo, que correspondem ao trabalho das pesquisadoras, foram colhidos no município de Tutóia, entre os anos de 2010 e 2012, na forma de questionários aplicados, com perguntas objetivas, fechadas, subjetivas, específicas e pessoais em localidades da cidade, tais como Porto de Areia, Arpoador e as redondezas do Porto Central, principais eixos da pesca artesanal na cidade. Com os dados tabulados, Jane Mello Lopes e Ariana Naiara apresentaram dados inéditos sobre a quantidade de pescadores, espécies de peixes capturadas, o preço, o nível de escolaridade, os métodos de conservação e os tipos de embarcações utilizadas na atividade pesqueira, e que ganhou o nome de Análise da Atividade Pesqueira e perfil socioeconômico dos produtores de pesca artesanal no município de Tutóia.

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Metas para o futuro da pesca

Um dos dados encontrados no trabalho de pesquisa corresponde à participação de homens e mulheres na produção da pesca artesanal no município, e até que No Maranhão, uma das principais instâncias públicas responponto o trabalho desses profissionais compõe a renda sáveis pela atividade pesqueira é a Secretaria de Pesca e Aquifamiliar. Segundo o levantamento, 91 por cento do púcultura (SEPAq), criada em 2012, com o objetivo de fomentar blico entrevistado é do sexo masculino e tem a média políticas para desenvolver o setor econômico. O secretário da de idade compreendida entre 20 e 40 anos. Deste gruSEPAq, Davyson Franklin de Souza, reconhece as dificuldades po, 46 por cento dos pescadores informaram que tem que envolvem a atividade pesqueira no estado, sobretudo na a pesca como a única fonte de renda para a família. produção artesanal. Entre estas dificuldades, o secretário estaEm relação ao nível de escolaridade, a estudante dual aponta que as tradições culturais dos pescadores também constatou que a realidade brasileira dos pescadores influenciam o Estado na proposição de ações para modernizar também tem características semelhantes às dos trabaa prática dos trabalhadores, deixando a produção destes à marlhadores do mesmo ramo, em Tutóia. No levantamengem de uma alta produtividade. “Um dos grandes entraves, no to, os dados revelam deficiências de políticas públicas Maranhão, ainda é cultural, por isso a meta da Secretaria não do Estado, tanto na parte escolar quanto no nível técnié gerar um impacto imediato. É um trabalho que deve ser feito co, que requer a boa utilização da atividade pesqueira. aos poucos, inserindo a capacitação com novas práticas, que vão Destes, cerca de 47 por cento disseram que concluíram tornar a pesca mais moderna, aumenapenas o ensino fundamentando a produtividade. Isso tudo ao lada tal, e em relação à profissão, da regulamentação da atividade pesa participação do Estado é queira como forma do Estado conhecer percebida de forma ausente, onde estão esses profissionais, tal como pois os pescadores afirmaa professora da UFMA fez, fornecendo ram que o conhecimento em seguida o suporte a eles”, afirmou. adquirido da pesca é oriundo O secretário afirma que pretende da tradição e da experiência levar profissionais especializados até as repassada de geração em geregiões onde a pesca artesanal é desenração. volvida, para oferecer ao público conheEssa falta de acesso ao cimentos para serem implementados conhecimento e ao uso de às suas práticas profissionais. “Tutóia é ferramentas tecnológicas, Secretário Estadual de Pesca e Aquicultura pondera acerca da situação da pesca no estado uma dessas cidades que vai ter cursos marcada pela ausência de ministrados para que os pescadores ações do governo, geram artesanais se tornem empreendedores com o nível competitivo problemas que dificultam o desenvolvimento da ativimelhor, visando que, nos próximos 15 anos, nós tenhamos um dade e reduzem o lucro dos trabalhadores que vivem mercado de pesca mais forte“, explicou o Secretário. da pesca. Nesta região, por exemplo, são encontrados Dentre as ações, que a Secretaria pretende oferecer aos poucos pescadores que utilizam apetrechos como a pescadores, estão projetos que envolvem a alfabetização, como malhadeira, zangaria e espinhéis – equipamentos moo Pescando Letras, além da implantação de unidades de atendernos que dinamizam o trabalho da pesca. Em geral, dimento médico aos trabalhadores, visando ofertar, sobretudo, eles optam pelo uso das tradicionais redes de pesca. consultas de visão e pele, devido à natureza do ofício. “Eles posDesta forma, a interpretação de todos os dados obtidos suem maior suscetibilidade de adquirir uma doença relacionada na pesquisa caracterizou a atividade como artesanal, com essas partes do corpo. Além disso, a Secretaria Estadual de por conta da simplicidade dos meios de produção, desPesca e Aquicultura está trabalhando para levar aos pescadores cartando a possibilidade de estruturação da atividade o conhecimento sobre o ‘Plano Safra’”, disse. para que haja algum vínculo com indústrias. Um programa que o responsável da SEPAq destacou como uma parceria entre Governo Federal e instituições financeiras do País, com a intenção de oferecer crédito para que os pescadores O que é o pescador artesanal? possam investir na produção de pescados. “Os pescadores que Para o Ministério de Pesca e Aquicultura, o Pescador tiverem acesso a estas ações vão aplicar conhecimento adquirido Artesanal é o profissional licenciado pelo órgão para exe recursos financeiros em meios para potencializar a sua produplorar a pesca, por meio de produção própria ou mesmo ção, o que deve tornar a atividade altamente lucrativa, como já pelo estabelecimento de contratos com terceiro, de forma demonstram experiências semelhantes a esta desenvolvida em autônoma ou em regime familiar, utilizando pequenas emoutros estados do Brasil”, explicou o secretario estadual. barcações nas atividades. Geralmente, esses profissionais têm acesso ao conhecimento a partir da instrução dada pela própria família, ou seja, as informações são passadas de geração em geração.

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Registro de espécies de maior ocorrência na mesorregião maranhense, especialmente em Tutóia

BAGRE JEREMIAS

Quantidade Mensal - 1000 Unidades Peso médio - 0,36 Kg Preço: R$ 3,50

CORVINA Quantidade Mensal - 65 unidades Peso médio - 0,40 Kg Preço: R$ 5,00

TAINHA

Quantidade Mensal - 91 Unidades Peso médio - 0,30 Kg Preço: R$ 6,00

CAMARÃO

Quantidade Mensal - 75 Unidades Peso médio - 0,04 Kg Preço: R$ 6,00

PACAMÃO Quantidade Mensal - 24 Un. Peso médio - 1,00 Kg Preço: R$ 3,00

ESPADA Quantidade Mensal - 30 Unidades Peso médio - 0,60 Kg Preço: R$ 2,50

ARRAIA Quantidade Mensal - 14 unidades Peso médio - 3,00 Kg Preço: R$ 4,00

CORÓ Quantidade Mensal - 20 unidades Peso médio - 0,32 Kg Preço: R$ 5,00

Janne Melo Lopes

Ariana Naiara de Sousa Almeida É graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Maranhão. Possui experiência na área de educação ambiental e estudos sobre piscicultura.

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É graduada em Zootecnia pela Universidade Federal de Santa Maria e mestre na mesma área. Tem doutorado em Ciências Fisiológicas pela Universidade Federal de São Carlos. É professora da Universidade Federal do Maranhão, na cidade de Chapadinha, onde atua na sua área de formação com linhas de pesquisa na área de piscicultura e tecnologias da comercialização de pescado.

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Meio Am b ie n te

Pesquisa identifica dois novos tipos de orquídeas, no Maranhão Durante dois anos, pesquisador da UFMA catalogou várias espécies da Flora Orquidológica local, e agora oferece uma base de dados para novas pesquisas científicas na área, assim como a preservação do bioma na região da Baixada Maranhense. ILUSTRAÇÃO: KLEYTON KERLISON

A Baixada

Maranhense é uma região surpreendente, com mais de 20 mil km², composta por municípios que, juntos, totalizam cerca de um milhão de habitantes. Neste ambiente, planícies e lagos fazem parte de um habitat considerado uma das 11 áreas úmidas do Brasil, apresentando particularidades, que fazem com que a região seja incluída na chamada Amazônia Legal - uma área que engloba nove estados brasileiros pertencentes à grande Bacia Amazônica e outras áreas de ocorrência das vegetações típicas desta região.

Apesar de toda a riqueza e diversidade de formas e de vegetação, o desenvolvimento de estudos científicos ainda é muito reduzido em todas as áreas do conhecimento. Por isso, o ato de reconhecimento do bioma das planícies baixas e alagadas do Maranhão ainda está por explorar. Para reverter este quadro, o mapeamento pode ser apontado como o primeiro passo para o trabalho de levantamento de espécies da fauna e da flora desta região. Catalogar espécies endêmicas ajudaria a compreender, por exemplo, como tem se dado o desenvolvimento do patrimônio natural, que a Baixada Maranhense possui, como afirma o pesquisador da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Alessandro Wagner Coelho Ferreira.

vantamento das espécies Orchidaceae, conhecidas como orquídeas, enfocando os aspectos de distribuição e as relações ecológicas que estas estabelecem com o meio ambiente, tais como o importante papel na disseminação de pólen para a reprodução e no suporte, em ambos os casos, para outras plantas, contribuindo ativamente para a conservação da biodiversidade local.

Galeandra baueri Lindl

Ele, que é Biólogo e professor da UFMA no campus da cidade de Pinheiro, iniciou, no ano de 2011, um projeto Ornithocephalus cujetifolia Barb. Rodr

de pesquisa para realizar o leRevista Portal da Ciência :: Edição Continente:: Ano III Número III :: Outubro de 2013

Foto: Arquivo pessoal

TEXTO: ÉRICA MUNIZ

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Para a realização desta pesquisa, foram coletados fragmentos florestais e estes materiais foram utilizados para a elaboração de exsicatas – amostras de plantas prensadas e secas em uma estufa fixada numa cartolina rotulada com as informações sobre o vegetal e o local de coleta, para fins de estudos botânicos. O trabalho desenvolvido pelo pesquisador identificou 29 espécies de orquídeas, sendo 27 consideradas epífitas, ou seja, que se desenvolvem em cima de outras plantas, e duas terrícolas, aquelas que brotam diretamente do solo, identificadas como Galeandra baueri Lindle e Ornithocephalus cujetifolia Barb. Rodr. “Essa descoberta mostra o quão válido é este trabalho e como ele tem potencial para inclusão de novas ocorrências na região”, disse. Para o pesquisador, a área de estudo está cada vez mais perturbada pelas atividades humanas e, por isso, é urgente a ampliação de trabalhos como este, sobretudo, quando pensamos na preservação dessas espécies, que estão seriamente ameaçadas de desaparecer dessa região. As amostras das novas orquídeas, encontram-se no herbário básico da UFMA, em Pinheiro, guardadas para futuros estudos, e está sendo construído um jardim experimental para plantar algumas mudas de árvores nativas que servirão para colocar orquídeas epífitas. “Com a coleção de orquídeas que já temos, e também com as espécies de árvores nativas reunidas, esperamos preservar um pouco do que restou da Flora Maranhense da Baixada e, com base nessa coleção, reproduzir em laboratório as orquídeas para reintroduzi-las em áreas preservadas, que já são bem raras na região”, ressaltou.

Alessandro Wagner Coelho Ferreira Possui bacharelado e licenciatura plena em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). É mestre e doutor em Ecologia e Recursos Naturais pela UFSCar. É professor da Universidade Federal do Maranhão, no campus de Pinheiro, e tem trabalhado com temas tais como Orchidaceae, cultivo, florística, taxonomia e propagação in vitro.

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C u ltu ra

Por trás dos

segredos e magias do Terecô

Particularidades da manifestação estão sendo o objeto de pesquisa de um grupo que vai mapear tradição, modernidade, identidade e gênero dentro dos terreiros e tendas

TEXTO: EDSON IGOR

de Codó, situada no Leste Maranhense, é reconhecida no Brasil, e também no mundo, como a terra de cultos e crenças influenciadas pelas religiões de matriz africana. Estima-se que existam no município mais de 300 terreiros e tendas, segundo a Associação de Umbanda, Candomblé e Religiões Afro de Codó e, dados da Secretaria Municipal de Igualdade Racial. Nestes lugares, as manifestações acontecem em um território simbólico onde as suas práticas tornaram-se parte da cultura local e que, com o passar dos anos, desenvolveram contornos próprios, como foi o caso do Terecô, Tambor da Mata ou ainda de Mina como passou a ser conhecida a manifestação religiosa que só é encontrada no Maranhão. Tanto conhecimento, sem qualquer registro científico e sem a identificação sistemática dos locais onde acontecem as manifestações religiosas, foi o que chamou atenção da professora do curso de Ciências Humanas da Universidade Federal do Maranhão, do campus de Codó, Ilka Cristina Pereira. No início do ano, a professora pesquisadora deu início a um grupo de trabalho denominado “Identidade, Gênero e Educação na Religião de Matriz Africana Terecô de Codó”, que está fazendo uma investigação acerca da religiosidade na área, partindo do ponto focal de onde esta se manifesta – nos terreiros, nos rituais e nos festejos – e que são realizados durante todo o ano na cidade, o que acabou se transformando em um estudo pontual sobre o Terecô, uma vertente religiosa que se diferencia das demais manifestações de matriz africana, como o da Umbanda, por não ter ritual de iniciação, além da simplicidade nas roupas e tendas utilizadas. A pesquisa desenvolvida em terreiros tem permitido com que os integrantes do grupo de pesquisa conheçam de perto as práticas e os atores que compõem os terreiros e casas de festa, paralelo ao levantamento bibliográfico de obras sobre a temática das manifestações religiosas afro-brasileiras. Tudo isso foi necessário para que eles pudessem compreender os fenômenos que envolvem o sincretismo religioso deste tipo.

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Foto: Paulo do Vale

A cidade

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Foto: Paulo do Vale

Uma manifestação

religiosa ímpar Historicamente, o Terecô, na forma como o conhecemos hoje, pode ter a explicação de sua origem na ocupação da região leste maranhense por escravos fugidos das fazendas de algodão que se estabeleceram na região onde hoje estão situados os municípios de Codó e Caxias. Nestes locais, os escravos criaram comunidades quilombolas e ainda absorveram traços culturais indígenas, povos que também habitavam aquela região. A professora Ilka Cristina Pereira explicou que o Terecô é, na verdade, uma mistura cultural entre os índios e os quilombolas que culminou numa manifestação singular que pode ser encontrada de forma mais marcante na cidade de Codó, embora existam outras manifestações religiosas na localidade. Desta forma, para dar conta da variedade de manifestações e nuances que as tornam diferentes umas das outras, a equipe de pesquisa da UFMA vem se valendo durante todo o desenvolvimento de seu trabalho de uma metodologia diferenciada. Divergente da maior parte dos trabalhos científicos, que precisam de um planejamento severo para que estes se tornem exequíveis, o estudo empreendido em Codó sobre o Terecô utiliza uma lógica bastante singular. Com ideias e objetivos claros sobre a investigação das dimensões do Terecô, os pesquisadores tem demonstrado que é possível fazer pesquisa cientifica afastando-se do que Ilka Cristina Pereira considera como “dogmas científicos”, lançando uma proposta inovadora a fim de captar o que muitas vezes foge aos olhos devido a sistematização e ao tratamento do objeto de pesquisa de forma genérica, como acontece muitas vezes no campo da pesquisa científica. Esta metodologia desenvolvida pelos pesquisadores ao estudar o Terecô em Codó é, de acordo com a professora, o grande diferencial deste projeto de pesquisa, que apesar de não acontecer dentro de um cronograma, acompanhado de muitos “rituais acadêmicos” como a mesma descreve, é uma prática científica que não isenta o estudo de sua legitimidade própria do discurso científico, já que afirma não abrir mão das referências teóricas que tem capacitado o grupo, para que eles materializem as atividades de pesquisa na cidade.

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Em uma proposta que se baseia em áudio e vídeo, os pesquisadores registram cenas e entrevistas únicas de uma das manifestações mais particulares do Brasil. Apesar do pouco tempo, a pesquisa já reúne algumas informações curiosas e inéditas sobre o Terecô coletadas na cidade a partir das visitas ao Terreiro Ilé Axé- Mãe Nilza de Odé e Mãe Ana Ruth (mãe pequena da casa); Tenda Espírita Rainha de Santa Bárbara – Mãe Maria dos Santos; Tenda Espírita de Umbanda Santo Antônio - Mãe de Santo Iracema (mais antiga de Codó- Terreiro da Dona Maria Piaui); Tenda Espírita Santa Filomena (Mãe Tereza); e a Tenda Espírita Santa Bárbara em Santo Antonio dos Pretos (Mães Suzana Vieira e Vanda Maria).

Mães de Santo: as zeladoras do Terecô Todos estes pontos de manifestação do Terecô apresentam uma figura em comum – a Mãe de Santo, que tem recebido destaque na pesquisa da professora Ilka Pereira. Considerada a liderança dentro das tendas e terreiros, esta mesma figura, chamada também de zeladora de santos, é quem organiza as manifestações do Terecô e, em geral, desenvolve uma relação caracterizada por uma devoção que ultrapassa até mesmo os limites do seu próprio domi cílio, já que as mães de santo residem no mesmo espaço onde acontecem as manifestações religiosas do Terecô. “Eu me interessei pelas histórias das mães de santo da cidade - ou zeladoras de santo- como a maioria prefere ser chamada. Entrevistei e captei imagens e histórias de seis ‘zeladoras’ entre os meses de maio, junho e julho deste ano. O que eu descobri foi uma riqueza tão grande de informações sem nenhum registro, pelo menos na perspectiva da pesquisa, o que fez com que após ouvir todos os relatos orais, eu tomasse um novo caminho na pesquisa”, esclareceu.

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Isso se deu pelo fato de que nesta região de muito sincretismo páira o imaginário coletivo de quem vê a manifestação do lado de fora. As surpresas apresentadas ao grupo de pesquisadores estão permitindo trocas e estimulado a afirmação da identidade de um povo que agora encontra na academia, a oportunidade de ver o seu trabalho registrado, por meio das histórias e experiências, mesmo que ainda exista, por parte da Ciência, alguma resistência e dificuldade em assumir, identificar e delimitar objetos tais como o Terecô, que só encontram explicação para si no campo metafísico, ou seja, aquele que foge a matéria simples e concreta.

Geração em geração Com relação à transmissão de como o Terecô é reproduzido ao longo do tempo entre os participantes, a docente identificou “uma circularidade de informações e práticas educativas”, perpetuadas principalmente no berço da própria família que é responsável por identificar os filhos que entram em transes, recebendo os encantados – entidades que tiveram outrora vida terrena e que são os responsáveis pela determinação da festa e orientação aos seus devotos. No entanto, a docente chama atenção para o que ela denomina como “mistério” por trás do Terecô, do qual os praticantes são resistentes na hora de falar com outras pessoas que não fazem parte da religião. “É tudo um mistério. Há coisas que não se comentam, não se falam, porque é própria da religião”, afirmou a pesquisadora. Ao final do trabalho, a pesquisadora pretende divulgar as informações colhidas por meio de fotografias, vídeos dos rituais e depoimentos dos religiosos em forma de publicação e, também, na produção de um documentário que deverá enfocar principalmente o papel das Mães de Santo no Terecô. “Estamos acompanhando os rituais no tempo próprio destas pessoas. Neste sentido, penso que a nossa capacidade criativa não tem ‘muros suspensos’, já que o tempo de execução do nosso projeto está comprometido com o tempo destas pessoas”, finaliza a pesquisadora da Universidade Federal do Maranhão, Ilka Cristina Pereira.

ariereP ziniD anitsirC aklI -adeP me oãçaudarg iussoP ,oãçacudE me odartsem e aigog laredeF edadisrevinU alep sobma -orp é etnemlautA .oãhnaraM od laredeF edadisrevinU ad arossef ed supmac on auta e ,oãhnaraM od -il ed osruc on anoicel edno ,ódoC .sanamuH saicnêiC me arutaicnec -acudE ed aerá an aicnêirepxe meT oãçacude ed aerá an son etnemlapicnirp odnauta ,oãç ,megazidnerpa onisne ,olucírruc ,lamrof oãn e lamrof an saidím ,ortaet ,arutiel ,etra ,edaditnedi ,airótsih ,sianoicidart serebas ,siaicos sotnemivom ,oãçacude .orenêg ed seõtseuq e adner ed oãçareg

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Cultura

Lá na baixa da égua? Vô nada, hoje eu tô

amuado

Pesquisa cataloga perfil linguístico da Baixada Maranhense, e já reúne mais de duas mil palavras e expressões.

“Vindo de uma cidadezinha qualquer, esperava encontrar mulheres entre laranjeiras, casas entre bananeiras, pomar, amor, cantar. Deparou-se com uma multidão qualquer, e com cara de burro olhando

desimbestou a gritar como se estivesse brisado . Sendo um homem lá da baixa da égua , como era possível deixar de ser corda rasta em cidade grande como aquela? Escabriado , o jovem apatachado tinha lá seus segredos, e para palácio, amuou-se com a situação, e

demais para as

moças de regra da cidade de Taboão.”

TEXTO: DARYANNE CALDAS

ILUSTRAÇÃO: KLEYTON KERLISON

O texto acima

demonstra a dinâmica que a língua pode adquirir ao carregar consigo palavras, vocábulos e expressões sob uma nova roupagem, ou até mesmo quando são criadas, relacionando os seus sentidos com as práticas sociais do cotidiano. Analisando desta forma, é perceptível o quão cheio de particularidades o universo linguístico pode se apresentar. No fragmento textual, alguns casos nos levam a pensar de que forma a palavra ‘escabriado’, por exemplo, passou a ser a qualidade de uma pessoa desconfiada. A linguagem tem suas particularidades, e por carregar consigo o fato de ser um objeto do campo social, encontramos expressões que ganham variabilidade de sentido ao sabor de fatores históricos, regionais e sociais. Uma pesquisa realizada na Baixada maranhense está catalogando o vocabulário próprio da região, em especial das comunidades tradicionais. Até agora, a pesquisa já conseguiu reunir cerca de 2 mil e 500 palavras, entre vocábulos e expressões linguísticas encontradas especialmente nesta região do Maranhão. Esse montante inclui desde as expressões mais antigas, que já se encontram em desuso, como as mais recentes que ainda permanecem no cotidiano da cultura popular. O responsável por este projeto é o professor e pesquisador da Universidade Federal do Maranhão, Campus de Pinheiro, José Raimundo Campelo Franco. A ideia, de colecionar os ditos e os dialetos populares das comunidades da região da Baixada, é tanto de reconhecimento quanto de preservação da cultura, resultante de um trabalho de oito anos, após o início do projeto. O estudo reafirmou a sua importância ao traçar o perfil linguístico da região da Baixada e, entre os achados, o estudo da variabilidade linguística proporcionou ao pesquisador colecionar vocábulos curiosos.

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Foto: Luciano dos Santos

assim tentou escondê-los. Em vão, colecionou inimigos, como o seu João, o prefeito que achava Sebastião


Capturando os dados ‘Da baixa da égua’, ‘amuar’ e ‘moças de regra’ são algumas expressões encontradas pelo professor durante a pesquisa. Elas se referem a lugar distante, ao ato de zangar-se e às moças jovens, respectivamente. Para colher os dados que compuseram o arcabouço de sua pesquisa, o professor José Raimundo Campelo Franco utilizou o método de observação para a coleta de dados, sobretudo de pessoas idosas, que moram nos Pólos de Pinheiro, São Bento, Viana e Monção e as análises destes dados envolveram conhecimentos de Geografia, Linguística e Antropologia. O trabalho final vai envolver várias áreas, e apresentar também conhecimentos de Geografia, pois a obra discutiu a identidade da Baixada Maranhense, baseando-se nos pilares naturais, históricos e religiosos, principalmente do saber popular, estruturado nestes três aspectos. “Eu percebo que a base cultural mais forte da população da Baixada é a sua relação com a natureza. Os ditos deles remontam muito à ideia de que a interação deles com a natureza, é muito forte”, constatou José Raimundo Campelo Franco. Nas cidades onde está sendo realizado o mapeamento, uma das conclusões, que ele obteve, foi a de que muitas expressões estão deixando de ser utilizadas pelos públicos mais jovens, fato esse que se deve, sobretudo, ao deslocamento do homem da zona rural para a zona urbana, num processo de desaculturação permanente, em especial nas regiões mais distante das capitais, o que provocou também uma mudança na linguagem destes. O pesquisador destaca que muitas palavras e expressões remontam a um passado bem distante, enquanto outras estão sendo recuperadas no seu sentido etimológico. São expressões que, outrora, já fizeram parte da norma culta, mas que ao longo do tempo sofreram variações em função dos mais variados vícios de linguagem. “É como se, de tanto errar, as comunidades acabassem convencionando a expressão como certa, resultando muitas vezes num novo vocábulo, ou expressão da linguagem local”, afirmou o professor. “Alguns vocábulos causam estranheza por conterem elementos silábicos desconexos e serem vazios de uma resposta imediata para os ouvidos do interlocutor. Porém, em boa parte das construções linguísticas, é percebida uma relação peculiar, a onde algumas mostram proximidade com a história das gerações antigas que povoaram o lugar; outras com o modelo local de natureza que se faz irradiante ou com os preceitos religiosos, que são bem pontuais nas comunidades. Às vezes, as cons-

truções se mostram simplesmente mescladas nas relações sociais que estão em constante dinamismo”, explicou. Este ensaio, que ainda está em construção, leva o nome de Inventário do Etnoconhecimento Linguístico da Baixada Maranhense. Agora, no estágio de definição de significados, o pesquisador da UFMA pretende, em médio prazo, transformar o inventário em um dicionário regional e, em longo prazo, depois de concluir sua tese de doutorado, submeter o dicionário ao reconhecimento da cultura como patrimônio imaterial do Maranhão.

Estudos convergentes Um dos primeiros projetos realizados no Maranhão, com o objetivo de descrever a realidade do português falado no Estado maranhense, é desenvolvido pelo Projeto Atlas Linguístico do Maranhão (ALIMA). O projeto, que já foi premiado internacionalmente, visa identificar os fenômenos fonéticos, prosódicos, morfossintáticos, lexicais e semânticos que caracterizam diferenciações ou definem a unidade linguística do Maranhão. A pesquisa e a coleta de dados do ALIMA são realizadas em localidades de regiões representativas das falas, como nas cidades de São João dos Patos, Balsas, Carolina, Alto Parnaíba, Tuntum, Caxias, Codó, Bacabal, Santa Luzia, Brejo, Araioses, São Luís, Raposa, Carutapera e Turiaçu. Assim como a pesquisa do professor José Raimundo Campelo Franco, o Atlas está fazendo um retrato falado da língua portuguesa no Maranhão, mas o foco da pesquisa está mais voltado para as questões linguísticas do Estado, especialmente o léxico (conjunto de palavras organizadas em uma língua), as diversidades fonéticas e a sonoridade especifica de cada região.

José Raimundo Campelo Franco É graduado em Geografia.Mestre em Sustentabilidade de Ecossistemas pela Universidade Federal do Maranhão, e especialista em Metodologia do Ensino da geografia Aplicada à Questão Ambiental pela Universidade Estadual do Maranhão. Atualmente é professor de Geografia da Universidade Federal do Maranhão, e membro da Academia Vianense de Letras. Realiza pesquisas sobre a Baixada Maranhense, Recursos Hídricos, Cultura e Identidades, sendo o coordenador do grupo de pesquisa : Estudos Socioambientais das regiões úmidas da Baixada Maranhense.

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S aú d e

Sob investigação, pesquisadores apontam que o uso de inseticidas pode não ser tão eficaz quanto pensamos

Pesquisa desenvolveu ações e estudos biológicos acerca do vetor da dengue em Chapadinha, contribuindo para a diminuição dos casos da doença na cidade TEXTO: JOSIANE MENDES

Uma

ILUSTRAÇÃO: KLEYTON KERLISON

equipe formada por pesquisadores, profissionais da Secretaria Municipal de Saúde e da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), resolveu enfrentar um desafio antigo: combater os vetores do vírus que causa a dengue, especificadamente, no município de Chapadinha. A cidade, localizada a 247 quilômetros da capital maranhense, teve, em 2011, um sinal de alerta devido ao elevado número de casos registrados da doença à época. Por isso, o professor da Universidade Federal do Maranhão, Cláudio Gonçalves, do Centro de Ciências Agrárias e Ambientais, assumiu o compromisso de propor estudos sobre a ocorrência da doença na cidade. Considerada um problema de saúde pública, a dengue teve seus primeiros casos registrados no Brasil em 1846, e 135 anos depois, mais precisamente no verão de 1981, a doença foi documentada clinicamente, já como uma epidemia, em vários estados do País. Desde então, de norte a sul, as políticas públicas na área de saúde coletiva, voltadas para combater a doença, se alastraram do mesmo modo que a doença passou a fazer um número cada vez maior de vítimas. Centenas de campanhas foram levadas às ruas, e o principal objetivo era a contínua conscientização da população, sobre os cuidados para não permitir a proliferação dos vetores da doença. Hoje, apesar dos resultados emitidos anualmente em forma de relatórios pelo Ministério da Saúde, que apontam para um declínio do número de registro de casos da doença – sobretudo nas capitais do Brasil –, são nos municípios que o problema persiste e precisa de ações que vão além da conscientização, apesar da

diminuição da incidência da doença em alguns pontos. Pesquisar e identificar as condições e a vida biológica dos vetores da dengue, para melhor agir contra a doença, é uma destas ações. Em Chapadinha, o pesquisador, Cláudio Gonçalves, que integra o corpo docente da Instituição desde 2006, junto com alguns estudantes e com o apoio dos setores governamentais, interessados em solucionar o problema, articulou um projeto realizado em várias etapas, visando, além da oferta de palestras, uma avaliação sistemática do comportamento do Aedes Aegypti – principal ser vivo capaz de transmitir o vírus causador da dengue. O professor conta que ao chegar à cidade de Chapadinha, para trabalhar na docência do ensino superior no curso de Ciências Biológicas, encontrou uma série de problemas vividos pela população e boa parte deles era resultante da falta de planejamento urbano no local. “Apesar da ação da prefeitura, junto aos moradores, para conscientizá-los sobre a doença, nada estava sendo resolvido, ou melhor, havia ações que se mostravam ineficazes para a resolução do problema de saúde, que se instaurou no município maranhense”, disse. Desta forma, bastou o convite do então secretário municipal de saúde de Chapadinha, para que uma forte parceria fosse firmada, e a doença se transformou no objeto de pesquisa de um grupo de pesquisadores da UFMA, tornando-se o primeiro grande projeto realizado na cidade para diminuir a epidemia do vírus. Como primeira ação do projeto, a equipe se reuniu para ministrar palestras aos moradores. Paralelo a isso, buscaram

Reservatórios e lixo acumulam água parada, e podem ser encontrados tanto na rua quanto dentro das casas como focos para o mosquito da dengue

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levar informação às comunidades e bairros da cidade sobre a doença e os cuidados necessários para evitá-la. De 2007 a 2009, a equipe procurou conhecer a diversidade dos vetores da dengue, assim como a sua distribuição dentro do território de Chapadinha, realizando estudos na região de cerrado e na zona urbana da cidade, uma etapa onde a análise de material científico foi o foco central dos pesquisadores. O professor afirmou não descartar as campanhas de conscientização, mas o controle e a prevenção de uma epidemia provocada pelo vírus causador da dengue precisava prever também uma sistematização das particularidades da região e dos vetores que transmitem a doença no espaço pesquisado.

Clima, relevo e desenvolvimento urbano: condições propícias para a ocorrência dos casos de dengue

Chapadinha é, de acordo com sua descrição de relevo, uma chapada baixa com vegetação composta de campos e cerrados. O clima, que é caracterizado como tropical úmido, possui temperatura média de 29° à 37º graus Celsius. Considerando estas condições, o grupo de pesquisadores descobriu que a cidade está localizada num território propício ao desenvolvimento dos vetores do vírus da dengue. Embora não haja necessidade de um conhecimento profundo para chegar a esta conclusão, ela foi fundamental para a equipe delimitar o espaço pesquisado. O grupo da UFMA passou a estudar locais de prevalência dos vetores da dengue, e, entre esses, o espaço urbano de Chapadinha e a sua região de cerrado. A partir de então, uma segunda observação saltou aos olhos: a relação estabelecida entre os dois

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espaços – o urbano e o cerrado – cada um com um conjunto de características próprias para o desenvolvimento humano. A cidade e boa parte da região do Baixo Parnaíba, de onde Chapadinha faz parte, estão experimentando, nas últimas três décadas, um crescimento desordenado, o que levou os pesquisadores a identificar a grande presença do Aedes Aegypti numa zona habitada por 74 mil e 400 habitantes, que compõem a população total da cidade, segundo o censo realizado em 2011, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na zona urbana, a doença se desenvolve, mas os cuidados básicos para frear a proliferação do mosquito não são realizados pela população, inclusive em relação ao abastecimento de água. De acordo com Cláudio Gonçalves, o armazenamento de água, para consumo, em depósitos sem proteção, é a maior causa da incidência da doença, em Chapadinha. Por não possuírem oferta de água encanada, a população costuma construir poços e, da água extraída dali, realizar o seu armazenamento em caixas d’água, cisternas ou em outros recipientes. Esta água é guardada na maioria das vezes de forma imprópria, sem qualquer cobertura no local de depósito – condição que pode resultar num ambiente propício para o desenvolvimento do Aedes Aegypti, aumentando a prevalência dos casos da doença, uma vez que o mosquito da dengue precisa de água limpa e parada para se reproduzir.

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Enquanto isso, na outra área focal da pesquisa – região de cerrado –, foi observado, pelos estudiosos, que os vetores da dengue se reproduzem em ambiente natural. Nesta área, o problema de saúde ganha proporções ainda maiores por conta do desenvolvimento urbano que avança em direção ao cerrado. Instalados em espaço limítrofe do cerrado, os bairros da zona urbana de Chapadinha desmatam a vegetação nativa e fazem com que o mosquito, que deveria limitar sua sobrevivência àquele ambiente, avance em sentido rumo aos bairros e demais regiões urbanas chapadinhenses. “Hoje, a região do cerrado de Chapadinha fica a cerca de 600 metros de distância de alguns bairros do município”, explicou. Esta proximidade, resultante do crescimento urbano, acelera a proliferação cada vez que a área é desmatada, ou seja, os insetos devem migrar para a zona urbana, em busca de alimento, aumentando a incidência da doença, já que na região de cerrado é onde se encontra o maior foco dos vetores que podem carregar consigo o vírus que causa a dengue, destacou o professor.

Um alerta sobre o uso dos inseticidas Do exercício científico dos alunos e do professor, questionamentos estiveram presentes durante a produção de toda a pesquisa. Em cada resposta encontrada, o desdobramento para outros questionamentos iam surgindo ao ponto do grupo colocar em cheque a eficácia das substâncias químicas utilizadas no combate ao vetor. A pesquisa, com este tema sobre a resistência dos vetores da dengue aos inseticidas, se transformou em trabalho monográfico para conclusão do curso do aluno de Ciências Biológicas, Layo Araújo Almeida. Na pesquisa, “Suscetibilidade do Aedes aegypti e Aedes albopictus aos Inseticidas em Chapadinha – Maranhão”, Layo Almeida realizou uma análise das larvas e das pupas – estágio mais avançado do desenvolvimento imaturo do Aedes aegypti e do Aedes albopictus, as duas espécies mais comuns de vetores da dengue encontrados na cidade de Chapadinha. Ele coletou amostras imaturas do mosquito em oito bairros da cidade, numa pesquisa que durou cerca de três meses comprovando que, expostas aos inseticidas comumente utilizados pelos programas de combate à dengue no Brasil, as larvas se mostraram suscetíveis. Isto é, quando a aplicação do inseticida na fase intermediária do inseto foi realizada, as duas espécies de Aedes não apresentaram qualquer resistência. Entretanto, nas demais situações as larvas e as pupas mostraram-se resistentes aos produtos químicos utilizados, já que continuaram a se desenvolver mesmo após a exposição às substâncias químicas. O resultado dessa pesquisa confirmou a hipótese de que, além de conscientização, os estudos sobre os vetores da doença podem ajudar a combater, de forma ativa, uma possível epidemia da doença na cidade, e soa o alerta de que o uso de inseticidas não é completamente

Você sabia? Aedes aegypti possui um inimigo natural, trata-se do Toxorhynchites, também conhecido como mosquito elefante, que se alimenta da fase larval do Aedes, fazendo a regulação populacional em condições naturais, sem a utilização de produtos químicos, podendo se alimentar de até 30 larvas do mosquito da dengue por dia. Os estudos realizados sobre o Toxorhynchites visam conhecer a biologia do inseto, a duração de cada fase larval e sua viabilidade, para que, futuramente, seja desenvolvido um projeto de criação do vetor a ser distribuído nos bairros com maior índice de casos de dengue, sendo estudada em campo, sua efetividade quanto ao controle da doença, reduzindo em condições naturais o vetor Aedes aegypti.

eficaz no combate à doença. “O que a maioria das pessoas pensa é que basta a pulverização do veneno, que combate o inseto, ou a sua aplicação para exterminar o mosquito. Na realidade não funciona assim, pois como o estudo que desenvolvi aponta, em determinado estágio de vida do mosquito, os produtos químicos não são capazes de exterminá-los. Estes resultados devem ser levados em conta, pois em outras regiões do país, já foram encontrados até mesmo tipos de larvas que se mostraram resistentes aos inseticidas”, destacou o biólogo. Este grande projeto de pesquisa, que abraçou diferentes estudos ao longo de sua realização, foi finalizado em 2013. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde e a FUNASA, houve uma diminuição de casos de dengue após os projetos e atividades realizadas, constatando a eficiência do trabalho desenvolvido na cidade. Para Cláudio Gonçalves, estas pesquisas tornaram possíveis à equipe a reorganização das palestras, com explicações mais concretas e eficazes; o desenvolvimento de atividades e oficinas para conscientização, principalmente em escolas da rede pública municipal. “O principal objetivo desse trabalho é conscientizar a sociedade que a proliferação do vírus só pode ser controlada no ‘dia D’ – Projeto Nacional contra a Dengue – mas por meio de uma conscientização de práticas que devem virar rotina entre as pessoas em suas áreas domiciliares”.

Cerrado e vegetação nativa

Dengue se combate todos os dias de nossas vidas, concluiu.

Cláudio Gonçalves da Silva

Professor Adjunto do Curso de Ciências Biológicas do Centro de Ciências Agrárias e Ambientais da Universidade Federal do Maranhão. Coordena o Laboratório de Entomologia Básica e Aplicada – LEBA. Possui Mestrado em Entomologia Agrícola, pela Universidade Federal de Lavras, e Doutorado em Entomologia Agrícola, pela Universidade Federal de Lavras. É pesquisador do Grupo Entomologia Básica e Aplicada, e possui experiência na área de Entomologia Forense, Controle Biológico, Insetos vetores, Taxonomia e Entomologia Agrícola.

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Piolho: Inofensivo ou Vilão? Saúde

Estudo realizado apresenta a percepção de escolas acerca da doença ILUSTRAÇÃO: KLEYTON KERLISON

Coceira,

feridas e irritação capilar são alguns dos sintomas de quem sofre com o Pediculus humanus capitis – nome científico que se refere à doença caracterizada pela presença do piolho no couro cabeludo, uma parasitose que atinge, por falta de higiene, qualquer pessoa, mas principalmente as crianças em fase escolar. A doença, bastante popular em todas as camadas da Sociedade, pode ocasionar desde lesões e infecções secundárias na pele até complicações mais graves, como as miíases – provocadas pela presença de larvas de moscas no local da picada, causando feridas no couro cabeludo. Pensando nisso, o professor do Campus da Universidade Federal do Maranhão, em Chapadinha, Cláudio Gonçalves, desenvolveu uma pesquisa que verificou o grau de infestação de piolhos entre meninos e meninas, e o seu conhecimento sobre a doença. Para desenvolver a pesquisa, o professor selecionou três escolas da rede urbana de Chapadinha e trabalhou com uma amostra composta por 370 alunos, sendo 183

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do sexo masculino e 187 do sexo feminino. Durante o desenvolvimento do projeto de pesquisa, as crianças eram deslocadas até uma sala reservada dentro dos próprios complexos escolares em que estudavam e, em seguida, a equipe examinava criança por criança, para classificá-las de acordo com o grau de infestação da parasitose. Claúdio Gonçalves explica que a pediculose pode gerar desde problemas de concentração nas crianças, portadoras de piolho, até um quadro anêmico agudo, já que o parasita se alimenta por meio da sucção de sangue, destacou o professor, afirmando que a doença não recebe a devida atenção, por falta de conhecimento das crianças e dos seus responsáveis sobre a gravidade dela na saúde das crianças.

TEXTO: CAROL RIBEIRO

Existe a possibilidade de a criança passar a apresentar um quadro de anemia e, além disso, a presença do parasita pode ocasionar o aparecimento de bicheiras, isto é, feridas que se abrem proporcionando as condições para o desenvolvimento de larvas e insetos.

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Um inimigo

antigo

A história explica que o aparecimento dos piolhos data de, pelo menos, três mil anos antes de Cristo, ou seja, quando foram identificados ovos em múmias egípcias, o que leva a concluir que a pediculose não se trata de uma novidade para o ser humano, o que justifica a sua manifestação em pessoas de qualquer idade, raça ou classe social. Cláudio aponta que, por se tratar de uma doença conhecida popularmente, a maior parte das pessoas trata o inseto transmissor como inofensivo. A falta de conhecimento, sobre os danos que podem ser causados, leva os pais a utilizarem, até mesmo, mecanismos não recomendados para conter a pediculose. “Muitas vezes o inseto é tratado como algo inofensivo e que não poderá gerar nenhum tipo de problema. E quando aparecem são utilizadas metodologias de controle culturalmente apreendidas e muitas delas inadequadas como, por exemplo, o uso de querosene, venenos do tipo ‘remédios para matar pernilongo’, álcool, gasolina, dentre outros, que podem ocasionar danos à saúde do indivíduo, pois não são recomendados para esse fim”, ressaltou o pesquisador.

A percepção sobre a doença Desta forma, a pesquisa constatou que, quando questionados a respeito da conceitualização sobre o ectoparasita, 42 por cento, das crianças, desconheciam a verdadeira denominação do transmissor, classificando-o como “um bichinho”, enquanto 40 por cento identificaram o parasita como inseto; e 10 por cento não souberam responder a esta questão. O estudo também apontou que a prevalência de infestação por pediculose é maior nas meninas, com 65 por cento, enquanto 27 por cento dos meninos apresentaram o ectoparasita. Segundo a pesquisa, essa diferença pode estar relacionada ao comprimento do cabelo das crianças, já que a transmissão se dá pelo contato direto de uns com os outros, e também pela transferência dos piolhos imaturos ou lêndeas. Por isso, Cláudio aponta que o melhor remédio ainda é a prevenção. “Um bom monitoramento por parte dos pais, visando impedir a presença e o aumento da densidade populacional do inseto, na cabeça do indivíduo, ainda é o melhor remédio. Porém, caso seja necessário, deve-se utilizar corretamente um produto químico específico e recomendado por um profissional da área de saúde para o controle de piolho. Deve-se evitar também o ato de raspar a cabeça, no caso dos meninos, porque além de gerar vergonha ao aluno, que pode ser apelidado de ‘piolhento’, pode ocasionar, inclusive em alguns casos, desistência ou ausência do ambiente escolar”, recomenda.

Cláudio Gonçalves da Silva É graduado em Ciências Licenciatura Plena, com habilitação em Biologia pelo Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara.Possui doutorado em Agronomia/Entomologia Agrícola pela Universidade Federal de Lavras. Atualmente é professor da Universidade Federal do Maranhão, e atua no Centro de Ciências Agrárias e Ambientais, na cidade de Chapadinha. Tem experiência na área de Zoologia com ênfase em Entomologia Agrícola, Médica e Veterinária; e Forense.

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Foto: Karllany Farias

E x t e n sã o

Vendedores ambulantes de Imperatriz aprendem sobre boas práticas alimentares Projeto de extensão do curso de Engenharia de Alimentos melhora a qualidade dos produtos oferecidos em um dos pontos mais agitados da cidade

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Vendedores ambulantes se distribuem ao longo de toda avenida Beira Rio de Imperatriz TEXTO: ELEN SILVA/LÍGIA GUIMARÃES

Observando

a intensa movimentação na Avenida Beira Rio de Imperatriz, principal ponto de lazer e turístico da cidade, é fácil perceber que esta decorre da grande quantidade de comerciantes informais e transeuntes que circulam pela área. Atraídos pela chance de comercialização de seus produtos neste ponto, eles se instalam diariamente e manipulam os alimentos ali mesmo, ao longo da avenida, nas calçadas e sem os devidos cuidados com a higiene. Uma oportunidade captada pela equipe da professora da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Adriana Crispim, que observando esta realidade propôs, em julho de 2012, a criação do projeto de extensão Práticas Alimentares na Beira Rio. Desde então, por meio do projeto, os vendedores ambulantes de Imperatriz aprendem e aprimoram as práticas de higienização e manipulação, para reduzir os riscos de contaminação dos produtos comercializados por eles. A ação extensionista de ofertar palestras, debates e oficinas, para os vendedores de comidas e bebidas da Beira Rio, se transformou em um trabalho social que conta com três bolsistas estudantes do curso de Engenharia de Alimentos da UFMA. “O contingente de pessoas que visitam a Beira Rio é muito grande. Pessoas de outras cidades e crianças vão passear, conhecer e comer. Então é importante essa iniciativa tanto para os vendedores quanto para a imagem da cidade”, comenta a bolsista do projeto, Erivania Patrocínio.

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Conhecendo o projeto Na primeira etapa do trabalho foi necessário mapear os ambulantes, apresentar a eles o projeto e convidá-los a participar das atividades. Depois, com os vendedores que aceitaram a proposta, foi feito um “check list” – uma lista de verificação de itens, para entender as necessidades de cada um, encontrar as falhas mais comuns, verificar os problemas mais graves na hora do manuseio e da higiene dos alimentos para, posteriormente, passarem à fase de qualificação. O estudo mostrou que a manipulação dos alimentos era a principal carência dos vendedores e era justamente isso que aumentava os riscos de contaminação. De acordo com a orientadora Adriana Crispim, dos 71 ambulantes convidados, 43 aceitaram participar das atividades, depois da execução de um planejamento de 15 dias de visitas em dias e horários alternados. “A dificuldade desse primeiro contato foi conseguir mapear todos eles. Por não ter um local físico próprio, o vendedor ambulante podia estar aqui hoje e amanhã em outro lugar. Além disso, foi difícil eles entenderem que nós não estávamos querendo receber dinheiro deles”, relatou Adriana. Segundo observações do estudo, os comerciantes não recebiam nenhum apoio institucional, nem possuíam outras oportunidades, além de serem mal vistos por exercerem um trabalho informal e não possuírem alvará de funcionamento. Neste processo, foi fácil perceber que todos tinham o sonho de ter um estabelecimento dentro das normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

Negócio de Sucesso Nesta perspectiva, eles estão estabelecendo uma parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) que, desde o início, já apoia e abre suas portas para a realização das palestras e das demais atividades do projeto. Mas, o que são denominadas de Boas práticas Alimentares? As recomendações do manual começam com a aquisição dos alimentos no mercado, em que a qualidade dos produtos comprados influencia diretamente no resultado do prato vendido nas barracas. O comportamento do comerciante em relação ao cliente na hora da venda também é um ponto avaliado. “A maneira como você se comporta na hora de vender algo para o cliente diz muito sobre você. Assim, certos procedimentos ou comportamentos como estar com as unhas cortadas, cabelo preso, barba feita, roupas adequadas e sempre com as mãos lavadas, deixam o cliente satisfeito e fiel a sua barraca”, aconselha a orientadora, acrescentando ainda que a propaganda feita de uma pessoa para outra é de fundamental importância para o sucesso do negócio. A realização das oficinas é outro momento importante do projeto porque é nessa etapa que os comerciantes possuem um contato maior com o projeto, expondo suas ideias e dúvidas, estreitando a relação entre eles. “Proporcionar um trabalho de qualidade para os meus clientes, evitar qualquer problema de saúde e mostrar a eles que estou buscando me especializar, é a motivação que me faz participar”, declarou o vendedor ambulante Frankson dos Santos. Na etapa final das atividades, um membro da ANVISA será convidado para ministrar uma palestra e tirar dúvidas. Um certificado, emitido pela Pró-Reitoria de Extensão da UFMA, será entregue a todos os participantes. Esta é uma forma de incentivar e mostrar que os ambulantes são capazes de se tornar empreendedores no futuro. “Só perde quem não participa”, finalizou o vendedor Frankson dos Santos. Adriana Crispim de Freitas

Os alunos Erivânia dos Santos, Iago Hudson e Herlane Miranda sensibilizam vendedores ambulantes para integrarem o projeto, e recolhem informações quantitativas para a pesquisa

Possui graduação em Engenharia de Alimentos pela Universidade Federal do Ceará (2006), mestrado em Engenharia Química pela Universidade Federal do Ceará (2009) e doutorado em Engenharia Química pela Universidade Federal do Ceará (2013). Atualmente é professora auxiliar da Universidade Federal do Maranhão. Tem experiência na área de Ciência e Tecnologia de Alimentos, com ênfase em Ciência e Tecnologia de Alimentos, atuando principalmente nas áreas de fermentação semi-sólida, protease, aspergillus oryzae, torta de canola e bio reator instrumentado.

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E x t e n sã o

Enfrentando o

problema de frente

Grupo de pesquisa e extensão realiza ações em prol do enfrentamento da violência e da saúde entre mulheres quebradeiras de coco no município de Bacabal TEXTO: CAROL RIBEIRO

Toda mulher goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhes asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar a sua saúde física e mental, e o seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

ILUSTRAÇÁO: KLEYTON KERLISON

Esta citação faz parte da Lei nº 11.340, conhecida como a Lei Maria da Penha, que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Criada em 2006, a Lei alterou o Código Penal Brasileiro, estabelecendo um maior rigor na punição aos agressores de mulheres no País. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a taxa média de homicídios entre mulheres por ano é de 5 mil e 664 vítimas, o que corresponde a 15,52 mortes por dia. Ainda segundo a pesquisa, o Nordeste é a região com maior ocorrência de óbitos decorrentes da violência doméstica. Pensando em diminuir esses índices, diversas políticas de proteção, prevenção e acolhimento às mulheres vítimas de violência doméstica, têm combatido essa prática em todo o Brasil. No Maranhão, o projeto de extensão da Universidade Federal do Maranhão, intitulado “Violência e saúde: questões de enfrentamento entre mulheres rurais maranhenses” tem verificado e prestado atendimento às mulheres quebradeiras de coco do município de Bacabal e das comunidades do Médio Mearim em situação de violência doméstica. O projeto, coordenado pela professora Viviane Barbosa, é articulado em três fases: mapeamento dos principais casos de violência e dos problemas de saúde que acometem as quebradeiras de coco; realização de oficinas nas comunidades, para exposição e discussão dos dados encontrados; e a elaboração de uma cartilha informativa para auxiliar as mulheres, reforçando as discussões levantadas durante as oficinas.

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O trabalho de mapeamento, que levou cerca de quatro a cinco meses, foi realizado com a participação de três monitoras do Projeto, que entrevistaram 40 mulheres das comunidades de São José dos Mouras e Monte Alegre, como explicou a monitora Aldina da Silva Melo. “As entrevistas serviram para mapearmos os principais problemas de violência e de saúde, porque a ideia do Projeto é analisar a violência a partir da perspectiva das mulheres, sem trazer conceitos prontos. Por isso, pegamos o conceito que essas mulheres têm sobre isso, e, a partir deste, construímos uma nova perspectiva de pensamento”, disse. Aldina explicou que as oficinas eram realizadas a partir do resultado das análises. “Na oficina de Saúde, levamos dois enfermeiros de São Luís para as comunidades. Munidos de equipamentos, eles realizaram aferição de pressão arterial, exames de colesterol, glicemia e outros procedimentos. Pretendemos voltar a essas comunidades com a oficina, para realizar o exame preventivo”, declarou a estudante. Sobre a oficina que abordou a questão da Violência Doméstica, a estudante contou que uma funcionária da Delegacia da Mulher, do município de Bacabal, explicou para as quebradeiras de coco sobre a Lei Maria da Penha e as várias formas de denúncia em casos de violência doméstica. “As oficinas eram pensadas como rodas de conversa. As mulheres falavam sobre suas experiências na questão da violência doméstica e os principais problemas de saúde que acometem as quebradeiras de coco. O que mais nos chamou a atenção, durante o levantamento que realizamos, foi a percepção acerca da opressão simbólica sofrida por essas mulheres, essa violência que não deixa a marca física no corpo, mas sim no psicológico, que agride tal qual a própria violência física”.

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Violência dentro e fora de casa Segundo os dados resultantes do mapeamento, a opressão simbólica e a violência doméstica são constantes entre as mulheres quebradeiras de coco, como relata a quebradeira de coco da comunidade de São José dos Mouras, Antônia Gomes de Sousa, “A gente sabe que a violência doméstica existe em todos os setores, principalmente nas comunidades rurais, e que acontece de várias formas. Este projeto da UFMA nos fez perceber, por meio dos seminários e das oficinas, que a violência vai muito além da agressão física. Muitas das vezes até um olhar diferente, uma humilhação, é uma forma de violência. Nós percebemos o quanto somos violentadas constantemente”, relatou a quebradeira de coco. Dona Antônia, que já trabalhava com a temática da violência doméstica em sua comunidade, por meio da Associação em Áreas de Assentamento do Estado do Maranhão (ASSEMA), contou ainda que, apesar do grande número de casos de violência doméstica, as mulheres já começam a se impor e não permitir esse tipo de comportamento. “Eu acredito que, na maioria das comunidades, as mulheres já não se permitem mais sofrer esse tipo de violência. Embora os companheiros ainda tentem, nós já conseguimos um grande avanço. Nas comunidades em que a ASSEMA articula ações mais permanentes, nós já conseguimos muitas mudanças”, pontuou. Ela relembra, ainda, que os casos de violência contra as mulheres quebradeiras de coco vêm desde os conflitos por espaços territoriais. “Durante os conflitos territoriais, as mulheres foram proibidas pelos fazendeiros de coletar os frutos do babaçu, e então elas começaram uma luta para defender e preservar os babaçuais. Até porque para nós, na verdade, para a maioria das mulheres, o babaçu é mais do que uma fonte de renda, é uma fonte de vida”, orgulha-se. As primeiras ações do projeto visavam mapear as situações vividas pelas participantes para conhecer o cenário e oferecer orientação às mulheres rurais. A orientação foi tão bem aceita que as ações aos poucos foram expandidas para as comunidades dos municípios de Lago do Junco, Lima Campos e São Luís Gonzaga do Maranhão, como explicou a coordenadora, Viviane Barbosa. Sobre os resultados, Viviane relatou que o projeto percebeu que as formas de violência e os problemas

de saúde são variados. “Verificamos que as formas de violência são diversas, envolvendo desde a violência física, passando pela simbólica, chegando até mesmo àquela de cunho patrimonial. Em relação à saúde, as trabalhadoras rurais se queixaram principalmente da falta de acesso ao atendimento básico, à necessidade de deslocamento para a sede de seus municípios em busca de algum tipo de atendimento, e à falta de médicos e pessoas qualificadas para um atendimento que fosse coerente e humanitário”. No que diz respeito à saúde, segundo o diagnóstico levantado pela equipe do projeto, os principais problemas que acometeram as quebradeiras de coco são a diabetes, a hipertensão arterial, os problemas gastrointestinais, as dores nas articulações e complicações na coluna, e as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST’s). “Para melhorar as condições dessas mulheres, temos buscado parcerias, e envolvido profissionais específicos da área da Saúde, para realizar as atividades que incluem essa temática. A perspectiva é a de trabalhar com a prevenção e com esclarecimentos a respeito do tipo de tratamento de algumas doenças encontradas”, explicou a pesquisadora, Viviane Barbosa. Atualmente, o projeto de extensão já está em fase de conclusão, nas comunidades São José dos Mouras e Monte Alegre. O próximo passo é a elaboração de uma Cartilha Informativa, que irá auxiliar as mulheres quebradeiras de coco, reforçando as discussões realizadas durante as oficinas. Para a coordenadora, Viviane Barbosa, projetos de extensão como esse são cada vez mais necessários, interferindo positivamente nos problemas sociais. “Projetos, especialmente os de extensão, possibilitam uma interação importante com comunidades da microrregião do Médio Mearim e tem sido um canal necessário para a ampliação do conhecimento que é produzido dentro dos muros da Universidade”, esclareceu a professora.

Viviane de Oliveira Barbosa É graduada em História, pela Universidade Federal do Maranhão. Tem mestrado em Estudos Étnicos e Africanos (Pós Afro), pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente é doutoranda em História na Universidade Federal Fluminense e professora da Universidade Federal do Maranhão, onde leciona no curso de Ciências Humanas, atuando em projetos de pesquisa e extensão na área de mobilização rural, identidades e relações de gênero, movimento de mulheres e questões agrárias.

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C e n ár i o

RIO MARACU conhecendo suas veias para saber de seu futuro

Livro de pesquisador da UFMA reúne conhecimento ribeirinho, estudos técnicos e imagens de satélite de um dos principais rios da Baixada Maranhense TEXTO: LUCIANO DOS SANTOS

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As primeiras

Foto: Luciano dos Santos

impressões geográficas da história do Brasil foram feitas pelo escrivão Pedro Vaz de Caminha e pelo navegador, cosmógrafo, mercador e geógrafo Américo Vespúcio. Enquanto o primeiro era encarregado de realizar o diário de bordo da esquadra de Pedro Álvares Cabral, no ano de 1.500, Vespúcio foi enviado um ano depois na expedição de Gaspar Lemos para identificar as potencialidades comerciais da terra recém-descoberta. Mais de 500 anos depois, ainda não há registros geográficos fiéis de boa parte do planeta, o que torna necessária a ação de pesquisadores locais para identificar as características destas diversas regiões e auxiliar as sociedades a criar condições de desenvolvimento sustentável sem agredir os recursos naturais que as sustentam. Em uma de suas visitas às escolas da rede básica de Viana, cidade localizada a 217 quilômetros da capital maranhense, o professor da Universidade Federal do Maranhão, do Campus de Pinheiro, José Raimundo Campelo Franco, perguntou aos alunos de várias idades do ensino fundamental e do ensino médio, o que eram terras úmidas. Na época, todos se encontravam na Baixada Maranhense, uma região cercada por rios e lagos e, por isso, a questão deveria ser respondida facilmente ou ter uma indicação por aproximação. Mas, a resposta que poderia parecer fácil acabou por se tornar um problema de difícil resolução. O embaraço do professor e dos alunos é o embaraço da grande parte da sociedade brasileira que desconhece o local e as características geográficas e sociais de sua própria região e cultura. Crianças, jovens, adultos e idosos, desde os alunos até os gestores públicos, ficam à mercê da falta de informações sobre o local em que residem. E, para completar, existe o receio do mau emprego de verbas públicas e particulares para a execução de projetos e políticas públicas voltadas para as questões que envolvem essa área.

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O livro Veias do Rio Maracu é a segunda publicação do professor Raimundo Campelo Franco e será concluído no final do ano quando se tornará o mais preciso e completo levantamento sobre o Rio Maracu - referência fluviométrica em Viana, localizado entre a região do Pindaré e os Lagos - e suas ligações. A obra surgiu justamente da curiosidade do pesquisador em obter mais dados sobre o rio e a região de terras úmidas que alimentam sua cidade natal. Franco queria saber mais sobre a geografia do lugar, a partir de relatos e histórias sobre a entrada dos jesuítas na Baixada, recontadas pelos pescadores locais há centenas de anos. Queria conhecimento, além do que, os geógrafos Raimundo Lopes e Ozimo de Carvalho registraram, nos períodos de 1920 a 1940 e na década de 50 do século XX, respectivamente. “Há 58 anos que informações sobre a geografia local não eram atualizadas” destacou, sobre a falta de atualização nos dados, problema comum em várias partes do país. O ponto de partida para a produção do livro foi a dissertação defendida em 2008 para obtenção do grau de mestre em Sustentabilidade de Ecossistemas, cujo tema Sistema Lacustre Vianense: ensaios de modelos conceituais para os lagos do município de Viana, parecia ousado demais na época, mas que atualmente serve de base para a sua pesquisa. Foi preciso escrever o livro Segredos do Rio Maracu: sistema de lagos e mitos, para aprofundar a pesquisa e adequá-la à linguagem mais coloquial, apesar do conteúdo trabalhar com o uso de termos técnicos. Ainda nessa época, ele detectou falhas entre as informações repassadas pelo satélite e o diagnóstico feito no local, tendo como base a sua experiência. E, assim, embora tivesse dados suficientes para desenvolver a sua pesquisa, ele não conseguia atingir a excelência. Faltava a peça chave.

do pescador sistematizada dentro de Teoria dos Geossistemas na Planilha de Análise de Inundação, que vai explicar como a água chega e como sai na região. Consegui mapear todos os principais recursos que compõem o Sistema Lacustre, graças à ajuda de Augusto. Ele foi fundamental e, sem ele, a pesquisa não poderia ser concluída”, ressalta o professor. O microempresário, por sua vez, lembra que há muito tempo, o deslocamento de Viana para qualquer local era feito quase que exclusivamente por embarcações. De família ribeirinha, César conta que os “corgos”, rios e lagos são seu habitat natural desde a infância. O seu conhecimento foi adquirido a partir da troca de experiência entre as gerações. “Quando há uma nascente, a terra fica bem fria e, normalmente, existe sempre uma lagoa próxima que não seca e, mesmo na época de estiagem, a terra ainda fica molhada”, disse.

A simplicidade de um filho de pescador revelou ao professor as respostas de que precisava. O homem que o ajudou foi o microempresário de 42 anos, César Augusto Costa, que acompanhava seu pai desde os cinco anos na pesca pelos “corgos” (termo popular regional para “córregos”), experiência que o tornou um dos maiores conhecedores das terras úmidas dos arredores de Viana. O conhecimento construído pelo tempo nas pescarias virou o elemento mais valioso da pesquisa do professor Franco. “O etnoconhecimento é a informação A falta de dados precisos sobre o rio Maracu foi a motivação para o desenvolvimento da pesquisa pelo professor da UFMA

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Proteção

ambiental A união entre o conhecimento coloquial, os estudos científicos e as imagens de satélite, tem colaborado para que o professor Franco termine o livro Veias do Rio Maracu, onde mostrará com mais precisão as ligações do rio e seus subsistemas com o Rio Pindaré e a região dos Lagos, que formam os componentes hidrográficos das terras úmidas da Baixada Maranhense.

Segundo o professor, o livro e os estudos têm a finalidade de servir como referência para o desenvolvimento da cidade de Viana com sustentabilidade e proteção ambiental. Franco quer evitar o que ocorreu na década de 60, no município. Nessa altura, o poder público distribuiu cabeças de búfalo para famílias de baixa renda para colaborar no combate à desnutrição, fazendo com que vários lagos fossem contaminados, prejudicando o crescimento de peixes e de plantas utilizadas no sustento local. Na época, não havia possibilidade de realização de um estudo adequado para antever o impacto da política no meio ambiente vianense, situação que tem reflexos até os dias atuais. “Na estiagem, os búfalos contaminam as poções, que são faixas de água que se desprendem de um lago e que antigamente alimentavam as famílias carentes. Hoje, estas poções não servem mais como fonte de alimentação”, lamentou o pesquisador. Com o conhecimento preciso dos recursos hídricos do sistema Lacustre, sua origem e a movimentação hídrica, o livro poderá ser a principal referência para o conhecimento da região, aplicação de políticas públicas e planejamento urbano e ambiental para Viana, assim como poderá colaborar para um crescimento ordenado e sustentável do município, melhoramento da situação de bairros não planejados, criação de parques e reservas ambientais, planejamento e fiscalização de áreas protegidas e auxílio no desenvolvimento do pólo turístico local, uma vez que a Baixada Maranhense é considerada como a região de Lagos e Campos Floridos no turismo.

José Raimundo Campelo Franco

Para desenvolver a pesquisa foi preciso ouvir também os ribeirinhos da Baixada Maranhense

Bases Curriculares para a Baixada A educação é uma dimensão fundamental para um programa de estruturação ambiental e econômica da região na visão de Franco. Para ele, é preciso criar o que chama de Bases Curriculares Regionais para a Baixada Maranhense. Na sua perspectiva, o plano educacional promoveria a conscientização de jovens da rede educacional dos municípios da Baixada para a preservação ambiental, além de inserir disciplinas sobre o local na grade curricular, criando a noção de pertencimento regional entre os estudantes. O professor acrescentou que o plano seria uma ação que teria reflexos num prazo mínimo de 10 a 15 anos, quando as gerações

Professor da Universidade Federal do Maranhão. Obteve graduação em Geografia Licenciatura e mestrado em Sustentabilidade de Ecossistemas pela UFMA. É membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e integrante da Academia Vianense de Letras, com pesquisas relacionadas à Baixada Maranhense, Recursos Hídricos, Cultura e Identidades. É Coordenador do grupo de pesquisa “Estudos Socioambientais das Regiões Úmidas da Baixada Maranhense GES-BM” e integrante do grupo de pesquisa “Cultura, Memória e Identidades na região da Baixada Maranhense”, ambos aprovados por Colegiado do Curso de Ciências Humanas do Campus de Pinheiro da UFMA.

de Viana, em que pretende esclarecer o Sistema Lacustre de Viana, e, ao mesmo tempo, ressaltar a importância da preservação ambiental. O pensamento coletivo viria como outro fator essencial para a proteção ambiental da Baixada Maranhense, uma vez que o sistema hídrico funciona com interligações entre os rios, os lagos e os subsistemas, tornando necessário o mapeamento não somente da região do torno de Viana, mas de toda a região. De acordo com Franco, será preciso conscientizar populações de vários municípios para que a conservação dos recursos naturais, que as abastecem, seja eficaz. Na época do descobrimento, o mapeamento do território

instruídas estivessem à frente das ações públicas da região. Num

brasileiro serviu, principalmente, para a exploração econômica das

curto prazo, a preservação ambiental seria estimulada na população

riquezas naturais. Na atualidade, a elucidação geográfica é feita

com programas de conscientização e uma fiscalização rígida da

pelas instituições de ensino superior, por meio de seus professores,

área. “A educação tem que ser feita dentro e fora da sala de aula.

muitos deles com trabalhos voltados para o desenvolvimento da

As políticas de conscientização não darão certo se não houver

região e a sociedade de origem. A questão, no caso é: o poder público

rigor”, afirmou. Ele acrescentou que, após o término do livro, irá se

do século XXI irá explorar o conhecimento para conservar as riquezas

concentrar na produção de uma cartilha pedagógica para os jovens

que sobreviveram? Em relação a Viana, é esperar para ver.

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Tec n o l o g i a

Produção científica sobre a Baixada Maranhense em acervo digital Projeto já possui mais de cem monografias, dissertações e teses que ajudam a compreender a região da Baixada Maranhense de forma interdisciplinar

Um grande

TEXTO: DARYANNE CALDAS

potencial em recursos naturais, além de uma cultura rica em identidades. Estamos falando da Baixada Maranhense, uma região do estado modificada ao longo dos últimos anos por meio de políticas públicas de desenvolvimento que impactam e promovem transformações no modo de vida das populações que compõe o que conhecemos como a Macrorregião da Baixada Maranhense. O trânsito de culturas na região, que acontece desde o seu povoamento, foi se acentuando nos últimos 40 anos por conta de mudanças socioeconômicas, o que tornou o terreno fértil para o desenvolvimento de estudos endógenos. De forma transversal, pesquisas de todos os campos utilizaram essa região alagada do Maranhão como referência para produção e atualização de conhecimentos. E, foi justamente o grande interesse de pesquisadores pelo desenvolvimento de estudos sobre a região que chamou a atenção de estudiosos da Universidade Federal do Maranhão, que resolveram criar uma biblioteca científica com pesquisas inéditas e interdisciplinares sobre os vários temas de interesse das populações. Se nos cursos de graduação e pós-graduação as pesquisas sobre a Baixada saltam aos olhos, o principal questionamento era para onde iam tantos registros preciosos em forma de trabalhos científicos. Pensando dessa forma foi possível lançar pela primeira vez uma iniciativa que promete reunir, em uma mesma plataforma digital, as pesquisas na área das Ciências Humanas sobre a Macrorregião. Um trabalho que começou em 2010 e congrega, hoje, uma equipe multidisciplinar em que professores e alunos promovem a recuperação de pesquisas realizadas desde a década de 90 do século XX. Com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico do Maranhão (FAPEMA), os pesquisadores têm encontrado em suas buscas, imagens oficiais em acervos particulares, além de documentos e depoimentos de representantes das múltiplas territorialidades que compõem o espaço físico e cultural dessa região.

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Segundo o professor Raimundo Inácio Souza Araújo, o projeto está em fase de identificação das obras que serão disponibilizadas em uma biblioteca virtual já em construção, tendo hoje 110 obras entre monografias, teses, dissertações de autores de diferentes áreas do conhecimento.

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Oportunidade de iniciação

Foto: Edson Igor

Alunos do Colun aproximam-se de uma das regiões mais importantes do Maranhão por meio de projeto, onde eles estão reunindo todas as informações científicas sobre a Baixada em um repositório digital

ciêntifica

Para que seja possível o trabalho de campo nos municípios, cerca de 20 bolsistas de Iniciação Cientifica – estudantes de Colégio Aplicação da UFMA -, dois bolsistas de graduação, seis professores do COLUN, dois professores de História e três professores de Ciências Sociais estão identificando de perto uma realidade que, muitas vezes, só é possível ver nas páginas de livros. “Foi à primeira vez que fui à Baixada. Eu já tinha estudado a região nos livros, mas foi uma experiência completamente nova e que serviu pra agregar valor ao que é estudado em sala de aula. Fomos às cidades de Viana, São Bento e Pinheiro e tivemos contato com a população. Pude perceber a questão da seca que está se manifestando lá” afirmou a aluna do 9º ano do Colégio Universitário, Alécia Costa. Já a aluna Bianca dos Santos, também do 9º ano, destacou as belezas do local. “Foi um trabalho muito proveitoso para todos nós, porque precisávamos conhecer esse espaço, que é uma região tão rica, principalmente em recursos hídricos, e tão próxima de nós, mas que ninguém valoriza. Existem pessoas que viajam para outros países para admirar as belezas naturais, enquanto que aqui no Maranhão possuímos paisagens belas e que não recebem o merecido valor”, considerou a estudante. Por outro lado, a aluna Willaine da Silva Rodrigues observou que a viagem foi a etapa do projeto que possibilitou a ela um aprendizado diferenciado. “Temos que adquirir conhecimento sobre tudo o que acontece na vida. Nós tivemos a oportunidade de vivenciar um dos nossos objetos de estudos na escola. Houve a aproximação e uma troca de ideias com a população da Região”, disse ela. Ela ressaltou ainda que, além de conhecimento científico, aprendeu como respeitar mais outras culturas. “Quando vamos para outro lugar, com uma cultura diferente, aprendemos a respeitar as diferenças, e isso eu vou levar para o meu dia a dia. Como é o meu primeiro projeto de pesquisa, tudo o que eu aprender vai colaborar para a minha formação científica e também para a minha experiência cotidiana”, afirmou.

A Biblioteca Digital, integrada à Rede de Pesquisas da Baixada Maranhense (REBAX), pretende também contribuir como facilitadora das pesquisas sobre a região, disponibilizando informações atualizadas sobre essa localidade e possibilitando uma interdisciplinaridade entre os estudos de diferentes áreas como a História, as Ciências Sociais e a Geografia. “Esse trabalho interliga dados referentes que até então estavam isolados, como por exemplo, dados geográficos que não são conhecidos em outras áreas do conhecimento e que são importantes, inclusive para que sejam propostas políticas públicas. Por isso, o site é uma biblioteca temática, mas que não considera fronteiras tradicionais nas áreas do conhecimento”, explicou o professor Raimundo Inácio Souza Araújo sobre o projeto de pesquisa.

Raimundo Inácio Souza Araújo É doutorando em História da Universidade Federal de Pernambuco. Possui graduação em História e mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Maranhão. Atualmente é professor de ensino básico, técnico e tecnológico no Colégio de Aplicação da UFMA. Tem experiência na área de Antropologia, atuando principalmente nos seguintes temas: História do Maranhão, Maranhão colonial, Igreja Católica e Cultura Popular.

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E x p a n sã o

A UFMA em Pinheiro O Centro Universitário de Pinheiro foi instituído, através da Resolução em 1981, como parte do Programa de Interiorização implementado pela Universidade Federal do Maranhão, com o propósito de viabilizar sua atuação no continente. Em parceria com a prefeitura desenvolveu ações em forma de seminários, e passou a oferecer cursos de extensão, ou seja, cursos de curta duração, até por fim, em 1991, implantar o curso de Letras Licenciatura Plena, a fim de atender às necessidades de professores nessa região. Uma turma que foi concluída em 1997. Entre 1997 e 2007, após a oferta do curso de Letras Licenciatura Plena, apenas cursos de extensão funcionaram no Campus V da UFMA de Pinheiro. Dez anos depois, em 2008, teve início um novo cenário para este Campus, pois, através de um convênio com a Universidade de Brasília foi possível a instalação de dois cursos de graduação, voltados para a formação de professores da área de Artes Visuais e Teatro, ambos de especialização. Neste sentido, compreendendo as diversidades de composição populacional da região, em 2009 a Universidade instalou no Campus de Pinheiro o Curso de Especialização em Saúde da Mulher Negra, iniciativa pioneira no Estado brasileiro. No ano seguinte, em 2010, a UFMA em Pinheiro deu a largada aos maiores investimentos na área de sua consolidação na cidade, começando pela construção do prédio para abrigar os novos cursos de graduação, em seguida a construção do muro em volta de todo o Campus, além de outras obras que permitem, hoje, com que a vivência universitária aconteça de forma plena como parte das atividades que permitem a inclusão social na cidade de Pinheiro, por meio da Instituição de Ensino Superior.

“Hoje, a Universidade Federal em Pinheiro atende a 255 alunos nos cursos de Ciências Naturais e Humanas. Para 2014, garantimos a instalação de um curso de Medicina, e estamos pleiteando um curso de mestrado em Estudos Ambientais”.

Investindo para crescer

Em Imperatriz, uma universidade em expansão Imperatriz, localizada a 639 km da capital São Luís, é a segunda maior cidade do estado do Maranhão, com cerca de 250 mil habitantes. Recebe constantemente pessoas de diversas partes do Brasil, atraídas pela força da economia, que é impulsionada pelos setores de agricultura, pecuária, extrativismo vegetal, comércio, indústria e serviços. E é dentro deste desenvolvimento, que a dimensão educacional desponta em Imperatriz.

Na década de 80, época em que foram implantados os primeiros cursos da UFMA do continente, Imperatriz recebeu, as suas primeiras instalações da Universidade, passando a funcionar ainda em uma escola da cidade. O curso de Direito foi o primeiro deles, e em seguida o curso de Pedagogia. Mais tarde, em 1993, chega a Imperatriz o curso de Ciências Contábeis, o terceiro curso da UFMA, na cidade do sul do Maranhão. Já instalado em prédio no centro de Imperatriz, em 2005, o campus da UFMA se tornou uma unidade acadêmica e passou a ser denominado como Centro de Ciências Sociais, Saúde e Tecnologia (CCSST). Isso

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O processo de interiorização da Universidade Federal do Maranhão no município de Codó teve início em 1972, com a instalação do Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária – CRUTAC. Com uma estrutura simples, as ações desenvolvidas nas três primeiras décadas na UFMA de Codó foram basicamente nas linhas de estágio rural, assessoramento à administração pública municipal e apoio às entidades comunitárias. Somente desde 2007, é que chegam até o Campus de Codó os avanços como a conclusão da construção do prédio sede da Instituição, aquisição de equipamentos, laboratório de informática, sistema de vídeo conferência e acervo bibliográfico. Hoje o Campus de Codó oferece o curso de licenciatura em Ciências da Natureza, e Licenciatura em Ciências Humanas. José Carlos Aragão Diretor do Campus de Codó

Rickley Leandro Marques Diretor do Campus de Pinheiro

Interiorização da UFMA em Imperatriz

A Universidade também está em Codó

permitiu de 2006 à 2010, a nova unidade implementasse os cursos de Comunicação Social, Enfermagem e Engenharia de Alimentos e mais dois cursos, sendo estes de licenciatura em Ciências Humanas e Ciências Naturais, além da oferta de cursos na modalidade ensino a distância em Artes Visuais e Teatro. Em 2013, a fim de atender a demanda social, refletida por meio do déficit de profissionais de saúde no continente, anunciou a instalação de um curso de Medicina no seu mais novo prédio em funcionamento, com mais conforto e espaço para o desenvolvimento do que é a proposta da Universidade, desenvolver-se tanto no ensino, na pesquisa e na extensão.

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Visando aprimorar o ensino e as pesquisas científicas nas áreas das Ciências da Saúde e Tecnológica, no primeiro semestre de 2013, foi entregue a Unidade Avançada da UFMA na cidade. A estrutura do novo campus inclui: 22 laboratórios; 17 salas de aula; cinco salas de professores; dois laboratórios de informática; uma biblioteca; um auditório; um ginásio poliesportivo e o prédio de Unidade de Preparação e Caracterização de Materiais e Bicombustíveis. Estes novos antigos e novos espaços, são ocupados pelos 3 mil alunos matriculados na modalidade de ensino presencial e a distância, e pelos 135 professores que atuam na UFMA de Imperatriz.

“A instituição, em Imperatriz, busca consolidar a missão de continuar crescendo com inovação e inclusão social. Com os pés na história e os olhos voltados para futuro, a Universidade busca, cada vez mais, desenvolver a região, formando profissionais éticos e qualificados, e contribuir para o desenvolvimento científico, social e tecnológico do Maranhão”. Marcos Fábio Belo Matos Diretor do Centro de Ciências Sociais, Saúde e Tecnologia da UFMA


Uma Universidade Federal em Grajaú O município de Grajaú, seguindo a marcha da revolução educacional, em que se encontra nosso país, rumo a uma educação de qualidade, coroou a comemoração de seu bicentenário com a implementação e construção do campus da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que atende áreas do centro-sul do Estado do Maranhão. O Campus da UFMA em Grajaú, em funcionamento desde 2010, ocupa atualmente uma área de dois hectares. Conta com um prédio próprio composto por oito salas de aulas, biblioteca, laboratório de informática, laboratório de física, química e biologia, auditório e salas administrativas. Tudo concebido sobre um projeto arquitetônico dentro dos padrões de acessibilidade. Atualmente, seu quadro docente é composto por 18 professores entre mestres e doutores, que lecionam em dois cursos regulares, Licenciatura Interdisciplinar em Ciências

Humanas e Licenciatura Interdisciplinar em Ciências Naturais. O Campus também é sede de três Cursos do Programa de Formação de Professores da Educação Básica – PROFEBPAR. Desta forma, atende a 426 alunos por meio da oferta de cursos regulares e do programa de especial de interiorização. Em Grajaú, a Universidade Federal desenvolve projetos de pesquisa e extensão, que envolvem diversos alunos entre voluntários e bolsistas. Destes, metodologias para o desenvolvimento de pesquisas interdisciplinares voltadas, sobre tudo, para o meio ambiente, permitem aos alunos práticas de estudos sob a proposta de contribuir diretamente para o desenvolvimento da cidade e região. “Grajaú é cantada por seus poetas e consagrada em seu hino como sendo uma ‘rica pérola do Maranhão. Não há título mais justo e verdadeiro a esse local de incontáveis riquezas e contrastes. O município é detentor de importantes bacias hidrográficas, isso somado a suas riquezas econômicas, históricas e culturais’. Entretanto apresenta também adversidades, onde a Universidade Federal do Maranhão encontrou o convite, em forma de um enorme desafio que está justamente na possibilidade de se trabalhar em todos os setores da Sociedade Civil, exercendo o papel primordial de uma Instituição de ensino, que é de desenvolver pesquisas, dialogar com a sociedade, aprendendo tudo o que for possível com esse lugar”. Sandra Maria Barros Alves Melo Diretora do Campus de Grajaú

Chapadinha: Contribuindo para o desenvolvimento regional sustentável, a qualidade de vida ambiental e a inclusão social A criação do Campus da Universidade Federal do Maranhão em Chapadinha tem início na década de 80, quando a Instituição instalou a primeira turma de um curso de ensino superior na cidade. 20 anos depois, o processo de interiorização da UFMA encontra-se consolidado com a oferta dos cursos de Agronomia, Biologia e Zootecnia e um mestrado na área de Ciência Animal. Hoje, a Universidade Federal do Maranhão atende a toda a mesorregião do Leste Maranhense. Conta com o maior prédio público da região, com mais de 20 laboratórios, dois prédios exclusivos para laboratórios, entre eles, o espaço onde está localizado o Museu de História Natural, além do prédio do Programa de Pós-graduação em Ciência Animal. Isso tudo, junto a 18 salas de aulas, salas de multimídia, e um auditório.

“O Centro de Ciências Agrárias e Ambientais da Universidade Federal do Maranhão é um campus universitário que vem se consolidando como uma instituição de inclusão social, permitindo a sociedade maranhense o acesso ao ensino superior, ao mesmo tempo servindo como polo de desenvolvimento científico e tecnológico que contribui para melhorar os indicadores educacionais da mesorregião do leste maranhense”. Jocélio Santos Araújo Diretor do Centro de Ciências Agrárias e Ambientais da UFMA

Por dentro do Campus de São Bernardo

A história do Campus de São Bernardo, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), iniciou em 2008, e teve suas primeiras atividades de acordo com o seguimento do processo de interiorização da UFMA em 2010, quando as suas atividades acadêmicas tiveram início por meio da oferta de 180 vagas divididas em três cursos: Licenciatura em Ciências Naturais, Licenciatura em Ciências Humanas e Licenciatura em Linguagens e Códigos. Três anos e meio depois, e em pleno funcionamento de atividades, é evidente o progresso alcançado por este Campus, que hoje conta com 30 professores, sendo 24 efetivos e 6 substitutos. Infraestrutura O Campus da UFMA, em São Bernardo, possui 31 hectares, próximo à zona urbana da cidade. Atualmente conta com uma estrutura de treze salas de aulas, biblioteca, quadra poliesportiva, laboratórios, auditório, além de obras em processo de licitação, como a do Centro de Música de São Bernardo e de um Restaurante Universitário.

“Desde 2011, o Campus de São Bernardo participa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência. Aliado a isto, na extensão sempre de forma articulada com o ensino e a pesquisa, desenvolvemos um conjunto de ações de caráter educativo, social, cultural, científico e tecnológico. Uma relação bilateral com a comunidade externa, e que tem permitido a troca de saberes e aplicação de metodologias participativas da comunidade na atuação da Instituição. Lorena Carvalho Martiniano de Azevedo Diretora do Campus de São Bernardo

Em Bacabal mais um Campus Avançado

A Universidade Federal do Maranhão mantém em Bacabal um campus onde desenvolve a experiências das novas licenciaturas por meio da oferta dos cursos de Ciências Humanas e Ciências da Natureza. Em funcionamento desde 2010 a Instituição de Ensino Superior tem contribuído para o desenvolvimento da região, e sobre tudo da cidade de Bacabal por meio da formação que tem oferecido aos estudantes beneficiados pelo projeto de expansão da Universidade. Antonio Evaldo Almeida Barros Diretor do Campus de Bacabal

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A c essi b i l i d a d e

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Educação que inclui, inclusão que educa Prática de “contação de histórias” estimula e incentiva jovens e adolescentes com deficiência, na cidade de Codó TEXTO: JOSIANE MENDES

Já não é

nenhuma novidade que o papel da inclusão é o de fazer com que todas as pessoas, independentemente de suas limitações, sejam atuantes na sociedade como produtores de conhecimento. O que poderia ser novo, de fato, seria a materialização, tanto física quanto humana, desta inclusão. Mas, para que isso aconteça, se faz necessário estabelecer uma relação da Educação Inclusiva com a Educação Especial, uma vez que, através desta última, todos serão assistidos e terão uma educação de qualidade, com respeito e responsabilidade. No Maranhão, assim como em todo o país, são poucas as escolas de ensino regular preparadas para atender as necessidades dos alunos com deficiência, que em geral são associações ou escolas voltadas para esse público e, enquanto isso acontece, a

inclusão não é realizada, em sua totalidade, e o direito dessas crianças não é respeitado. O processo complica ainda mais em pequenas cidades, que raramente possuem aplicação de verbas voltadas para constituir e manter uma estrutura que dê suporte à esse trabalho de educação. Neste caso, a situação consegue ser revestida com a preocupação das universidades em formar docentes capacitados e prepará-los para lidar com todas as especificidades dos alunos, assim como desenvolver projetos específicos. A Universidade Federal do Maranhão tem sido condutora de vários projetos realizados pelo seu corpo docente e discente. Com base em discussões pautadas sobre problemas sociais, a Universidade visa contribuir com a formação dos estudantes em teoria e prática e auxiliar no desenvolvimento social. Entre tantos, destaca-se o projeto desenvolvido na cidade de Codó, intitulado “Alfabetização e Letramento na Educação Especial, na escola de educação especial Associação Pestalozzi”, coordenado pela professora Cristiane Dias Martins da Costa, com participação de bolsistas e voluntários. Desde 2011, o projeto vem realizando atividades com alunos da Pestalozzi no intuito de melhorar suas competências de leitura e escrita, defendendo que o domínio dessas capacidades é uma condição para que esses alunos possam partir para vivências que garantam, cada vez mais, a sua inclusão na comunidade em que vivem.

Contribuindo para a inclusão na educação em Codó i que Pestalozz alunas da UFMA s da da o a et um proj ina Silva é idas pelo na ov Ja om ia pr ar M ades das ativid participa

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A Associação Pestalozzi é uma unidade que, há 35 anos, vem desenvolvendo um trabalho de ensino-apredizagem e socialização para crianças e jovens deficientes e carentes na cidade de Codó. Sob a direção da peda-

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C ot i d ian o goga, Diana Maria Rabêlo de Almeida – diretora há quase 10 anos – a unidade busca contribuir com educação e saúde para pessoas que não possuem condições ou oportunidades para estarem em escolas de ensino regular, além de inseri-los na sociedade como indivíduos críticos, participantes e atuantes. O projeto, coordenado pela professora Cristiane Dias Martins da Costa, é desenvolvido semanalmente na Associação Pestalozzi – atendendo atualmente 180 alunos – com a proposta de contar histórias literárias incentivando o hábito de ler e compreender, sempre prezando as limitações de cada aluno. Para isso, utilizam-se a caracterização dos personagens de cada história contada e o uso de recursos audiovisuais, como filmes e vídeos didáticos, que auxiliam na melhor fixação das atividades desenvolvidas. Todas as histórias contadas são preparadas no início da semana para que os bolsistas selecionem os personagens e produzam todos os materiais necessários. Em acordo com os professores da Pestalozzi, as histórias contadas devem acompanhar as atividades da escola. Os intervalos de todas as quintas-feiras já é um momento esperado pelos estudantes, que aproveitam seu momento de lazer de uma forma bem interessante, como relatou a adolescente de 14 anos, Maria Janaína Silva (deficiente visual), que só este ano já leu mais de 30 livros. “O projeto acrescentou bastante para nosso aprendizado na Pestalozzi e eu, que já gostava de ler, ganhei um incentivo muito maior. Todas as quintas-feiras ficamos ansiosos esperando e tentando imaginar qual será a história da semana, que sempre é contada com muita criatividade”. Durante as atividades, os bolsistas buscam estimular a participação dos alunos fazendo perguntas e levantando algumas hipóteses em relação à narrativa contada. O trabalho com os jovens e adolescentes da Associação Pestallozi tem permitido aos discentes da UFMA perceber que as pessoas, as famílias e os espaços sociais não são homogêneos e que as diferenças são enriquecedoras para o ser humano. Assim, a perspectiva da indissoCrianças recebem acompanh da leitura amen

to e são estimulad

as à prát ica

ciabilidade ensino-pesquisa-extensão, tem sido de extrema relevância para a formação do futuro profissional, que vai construir o conhecimento a partir de sua própria prática, pautando-se na reflexividade e devendo retornar à sociedade o saber construído de forma estruturada, mobilizando conhecimentos para uma ação direcionada e contextualizada.

Associação Pestalozzi: uma força tarefa para incluir sem excluir Atualmente, a escola conta com profissionais distribuídos nas áreas de educação e saúde, sendo 19 professores, dois fonoaudiólogos, um odontólogo, um fisioterapeuta, um enfermeiro, uma auxiliar de enfermagem e uma assistente social. A Pestalozzi possui parceria com o Governo do Estado do Maranhão e com a Secretária de Educação do Município de Codó. Entre os alunos, estão deficientes intelectuais, visuais, auditivos e cadeirantes. Todos assistidos de acordo com suas necessidades e especificidades, garantidos com uma boa educação e assistência médica. A diretora da escola, professora Diana Rabêlo, comentou que todos os alunos são preparados para frequentar a escola de ensino regular, mas que, “a dificuldade que encontram é muito grande, por isso fazemos o acompanhamento dos nossos alunos em outras escolas, não os abandonamos, estamos sempre em contato com a escola, avaliando o desempenho dos estudantes e assistindo-os no que for necessário, pois as escolas daqui não são preparadas e por isso precisamos auxiliá-los. Inclusive, já aconteceu de alguns alunos, ao chegarem às escolas regulares, desistirem dos estudos, e nós não podemos permitir que isto aconteça”. Segundo a professora Cristiane Dias Martins da Costa, a Associação Pestalozzi foi escolhida por trabalhar com alunos deficientes, tanto físico quanto intelectual. “O projeto tem contribuído de forma significativa Foto Josi tanto para os alunos da ane Men des Pestalozzi quanto para os acadêmicos envolvidos, possibilitando o processo de desenvolvimento, aquisição de conhecimentos e interpretação da leitura a partir da literatura”, destacou a pesquisadora. Dessa forma, entende-se que a aprendizagem não consiste apenas na exposição de conteúdos, mas sim, na promoção de momentos dentro do ambiente escolar que sejam enriquecedores e que dê prazer. “Este projeto faz com que todos os envolvidos percebam o valor da leitura como um instrumento

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Educação es especializ pecial é enfrentada ados no atendimen por profissionais de polític to as para um a educação e na promoção inclusiva

chave para alcançar as competências necessárias para uma vida produtiva com realização e conhecimento. Certificamos que as práticas de leitura são importantes e que devem estar incluídos no ensino para a formação de leitores competentes e de um indivíduo crítico e atuante na sociedade”, completou a professora Cristiane Dias. Todos os profissionais da Associação são preparados e estão sempre buscando se aprimorar, fazendo cursos e participando de eventos relacionados à educação inclusiva para pessoas com deficiência. “Essa deveria ser a atitude tomada pelos profissionais da escola regular, que costumam colocar a culpa no governo e não procuram se estruturar, esquecendo que eles são tão responsáveis quanto”, destaca o presidente da Associação Pestalozzi de Codó, Eliel dos Santos Lima.

Uma questão antiga O conceito de Educação Inclusiva surge com maior evidência no Brasil, em 1994. A ideia de incluir pessoas com necessidades especiais em escolas de ensino regular transformou antigos paradigmas por meio de uma luta com um objetivo bastante claro: assegurar direitos a estas pessoas. Mas para isso, uma longa jornada precisou ser percorrida, e ao longo de quase 20 anos, o país tem buscado implementar leis, decretos e resoluções, a fim de permitir um tratamento mais respeitoso, à luz, pelo menos na teoria, de uma sociedade que, em primeiro lugar, reconhece e, em seguida, busca respeitar as pessoas com deficiência. Dentre os direitos sociais que todo cidadão tem salvaguardado universalmente, o direito a Educação é um deles. E sendo considerada enquanto base para todo o indivíduo, esta aparece com um adjetivo sobreposto para se referir a um ramo que se ocupa exclusivamente ao atendimento de pessoas com deficiências, a Educação Especial. Entretanto hoje, mesmo com o crescimento de instituições especializadas na oferta de educação especial para crianças e adolescentes, a demanda ainda não consegue ser completamente atendida. Sem conseguir contemplar a totalidade de público, o quadro de educação especial no Brasil enfrenta de um lado, o despreparo de professores por conta de falhas no próprio sistema educacional brasileiro e, do outro, a falta de uma orientação e conhecimento de pais e responsáveis. Um quadro que tem inviabilizado um projeto de tornar a educação brasileira inclusiva.

Associação Pestalozzi dá exemplo de Educação Inclusiva no município de Codó

Cristiane Dias Martins da Costa Doutora e mestre em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, onde também realizou sua graduação em Pedagogia (2006). Atua como pesquisadora do CEALE Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da FaE/UFMG. Atualmente é Professora Assistente do Curso de Licenciatura em Ciências Naturais do Campus VII de Codó da Universidade Federal do Maranhão. Tem experiência nos níveis da Educação Básica, Ensino Superior e Educação a Distância (EAD), atuando principalmente nas seguintes áreas: Alfabetização e Letramento, Literatura Infantil e Fundamentos da Educação.

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A função da Ciência é criar instrumentos de transformação na sociedade

Em grande parte das matérias publicadas nesta edição da Revista Portal da Ciência, pode-se observar que as ideias e propostas compartilham um denominador comum: são pesquisas científicas que auxiliam a posição de Políticas Públicas. Estas, caracterizam-se como informações e diagnósticos capazes de esclarecer e retratar, aos gestores públicos, os problemas enfrentados que precisam ser sanados nos municípios. Para entender melhor como funciona na prática, a promoção de Políticas Públicas em âmbito geral e local, sempre em consonância com a produção de pesquisas científicas, a Revista Portal da Ciência (RPC) convidou o professor doutor em Políticas Públicas, José de Ribamar Sá Silva, para um bate papo a respeito deste cenário. Confira:

Foto: Roberth Meireles

RPC: As Políticas Públicas correspondem a direitos assegurados constitucionalmente. No entanto, diante do contexto das matérias que a Portal da Ciência traz, o que se observa é a falta, ou redução, desse dever, por quem de fato deveria propor isto, que é o próprio Estado. Você acredita que esta situação se dá pela falta de recursos ou conhecimento das necessidades da própria realidade? JRS: Na verdade, isso reflete no que eu chamo de estágio civilizatório da gestão pública. Com a constituição de 88, nós tivemos um esforço de dar mais poder aos municípios, para que as pessoas, estando mais próximas da unidade administrativa, pudessem administrar melhor esses recursos. Apesar de ter um aspecto positivo, em determinado contexto isto é ruim, pois precisaríamos ter gestores públicos comprometidos com a gestão pública, ou seja, gestores que exerçam seu papel de equipar municípios e cidades com tudo que é necessário para uma comunidade existir. Lamentavelmente, o que nós assistimos no estado do MA, e em grande parte do país, foi uma busca por criar novos municípios, desmembrando os municípios de 144 para 217. É como se algumas pessoas estivessem interessadas em acessar o recurso que vai para os município e, a partir disso, você pode observar que, em embora os recursos sejam destinados aos municípios, pouco de fato tem apresentado evolução, mesmo em um índice mais convencional, como Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM). No caso do Maranhão temos grande parte dos municípios ocupando as piores posições neste índice, nos seus três aspectos: renda, conhecimento e o padrão de vida.

E nt revis ta

RPC: As PPs voltadas para Saúde, Educação e Meio Ambiente precisam ser ainda frequentemente revistas a fim de garantir sua melhor aplicabilidade na sociedade. O papel das universidades, por meio do desenvolvimento de pesquisas científicas gerando novos conhecimentos, consegue reverter a carência da falta dessas ações, no que diz respeito ao reconhecimento e enfrentamento dos problemas dos municípios? JRS: Existem duas frentes. Uma das funções de qualquer programa de PP é formar pessoal para atuar na gestão pública. Se você tem uma gestão pública qualificada, para entender as demandas da sociedade e viabilizá-las, você tem chances que esses problemas sejam sanados. A outra frente nas PPs seria a da produção de conhecimento sobre essa realidade. Os gestores vão precisar saber quais as causas do problema, quais as possibilidades de resolução e quais os sujeitos envolvidos. Quando isso acontece você junta a obrigação que tem o Estado de resolver o problema, com aquilo que há de aspiração nos indivíduos e isto vale para todos os cursos de nível superior, não é apenas conhecer para descrever a realidade. A função da ciência é criar instrumentos de transformação na sociedade.

RPC: A formulação das PPs parte, principalmente, por iniciativa dos poderes executivo ou legislativo, separado ou conjunto, a partir de demandas e propostas da sociedade, em seus diversos segmentos. Como fica a participação da sociedade na formulação, acompanhamento e avaliação dessas políticas públicas?

JRS: Existem vários modelos de participação, mesmo numa sociedade democrática formal como é a sociedade dominante hoje no mundo. Você poderia ter, por exemplo, um modelo de participação na elaboração das prioridades, para isso é preciso entender que, para ter uma ação é preciso ter um recurso e toda ação pública precisa de uma previsão orçamentária. Para que esta ação entre na previsão orçamentária é preciso ter havido um movimento de mobilização e para isso os mecanismos de participação precisam ser bem ativos. Hoje nós temos diferentes mecanismos já previstos pelo governo, que são os diferentes conselhos de área (Assistência Social, Saúde, Segurança Alimentar, entre outros) que devem ser constituídos pelos municípios para que estes, possam receber recursos do governo federal. Havendo um respeito do interesse de diferentes segmentos da sociedade, um determinado conselho vai estar representado pelos diferentes interesses, elegendo quais os problemas daquele município é prioridade para se resolver e isso você poderia ter através do orçamento participativo, das audiências públicas, conferências, entre as diferentes formas de debates que são levantadas.

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JRS: Todo o ordenamento jurídico que é feito para cuidar de uma PP, tanto de recursos hídricos quanto a outros, depende muito de como os sujeitos interessados tem o poder de implementação. Chapadinha é um caso típico, porque é uma área de expansão de monocultivo de soja e de “florestas plantadas” do plantio de eucalipto e essas lavouras precisam de agrotóxicos. Daí você tem de um lado, as pessoas que estão discutindo a política de recursos hídricos ou a política de recursos naturais de um modo geral e, de outro lado, o interesse econômico de quem está plantando soja ou eucalipto. O próprio governo fica dividido entre a produção econômica e a proteção dos recursos naturais e nesta quebra de braço no Maranhão, quem está ganhando são os interesses econômicos.

RPC: Pesquisadores da UFMA, em parceria com o governo do Estado e com a Secretaria de Educação do município de Codó, desenvolvem atividades com alunos de uma Associação, voltada para atender crianças e adolescentes com deficiências. No entanto, os funcionários afirmam que se preocupam quando o aluno parte para escolas públicas, visto que estas não estão preparadas para lidar com esse público. A Educação Inclusiva reflete uma realidade ainda distante?

RPC: Os planos, programas, ações e as atividades, são instrumentos que compõem as Políticas Públicas e que asseguram o bem-estar comum . O que precisa ser feito para reverter o quadro de aparente descaso com as condições básicas para um desenvolvimento socioeconômico e sustentável? JRS: O que nós queremos ser daqui a 20 anos? Daqui a 20 anos eu vou ter uma geração inteira que nem nasceu e hoje, eu tenho que criar as condições e os programas que melhor atendam a essa sociedade. Se eu considero que a educação é fundamental, visto que o pleno desenvolvimento da condição humana depende de uma capacidade de abstração e, se o homem não tem uma boa educação ele não consegue desenvolver essa capacidade criativa, eu tenho que ter bons professores para essa nova geração e fazer da escola um ambiente atraente para os alunos. Para que isso aconteça, a escola tem que ser boa e os professores têm que ser humanos. Hoje podemos ter isto? Não, pois não temos educadores com formação humana suficiente para trabalhar numa educação humanizadora. Se achamos que saúde é importante, mais do que construir hospitais, temos que construir ações de qualidade de vida entre as famílias para que elas não precisem tanto recorrer aos hospitais e sobrecarregar o sistema de atendimento básico.

JRS: Sim. Tudo o que é novo vai levar algum tempo até ser superado. O problema maior é o que está na cabeça de cada pessoa, ou seja, os preconceitos tanto de quem está lidando diretamente com pessoas que tem deficiência, quanto das que terão de viver com elas esporadicamente. Sempre corremos o risco de achar que a pessoa com deficiência precisa de uma superproteção, assim como achar que estamos fazendo um favor de incluir aquela pessoa nas atividades. De modo geral, as nossas aulas são preparadas para pessoas que não tem deficiência e precisamos aprender a lidar com as diferenças. De certo modo, achamos que o mundo é nosso e não observamos que temos a pior das deficiências que

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é a incompreensão da necessidade do outro. A falta de conhecimento gera o preconceito. Nós passamos por um sério problema de valores da sociedade e se demora muito para discutir essa questão. Apesar de ser uma necessidade, hoje, não temos condições de capacitar educadores para lidar com pessoas com deficiência, do mesmo modo que também não temos condições de ofertar a educação do campo, do modo como deve ser. Tudo isso porque, simplesmente, não temos o acúmulo de informação e nem a quantidade suficiente de educadores para exercer essa tarefa, atualmente.

RPC: Se ainda estamos em processo de humanização qual é a direção dessa evolução? JRS: Costumamos pensar que a direção correta é a de se tornar um país mais rico nos padrões dos países desenvolvidos. Daí você tem que olhar para estes países e saber se realmente lhe interessa. Será que desejamos daqui a 20 anos ser uma réplica, por exemplo, dos Estados Unidos da América? Pesquisas mostram que, quanto maior a riqueza na sociedade americana maior é a infelicidade. Será que eu quero uma população infeliz? São esses tipos de questionamento que devem embasar a decisão de Políticas Públicas. Essa avaliação precisa ser feita e o governo precisa tomar uma decisão, caso contrário, as pessoas tomarão a decisão nas ruas. Se você observar, as escolas priorizam a história de outros países e esquecem de que precisam repassar a própria memória da sua região. Isso nos torna mais vulneráveis à influência de fora. Por exemplo, se optar entre um modelo de produção econômica, que produz alimentos para as pessoas, ou um modelo empresarial que produz mercadorias, esta última pode ser vista como a mais importante, moderna e evoluída. As atividades que são desenvolvidas pelas pessoas passam a ser vistas como coisas menores e estas passam a imitar um padrão de consumo vinculado a uma realidade exterior. É muito importante que os saberes locais sejam discutidos e compreendidos pela população porque, conhecer suas próprias lutas e cultura, sabendo o quanto isto é importante para construção da sua própria história, fortalece essa população na luta por melhores condições de vida.

RPC: Nesta edição da RPC, a cidade de Chapadinha foi alvo de muitas pesquisas que abordaram, quase como maioria, questões ambientais. Por exemplo, a contaminação da água, oriunda de poços está acarretando problemas que agora já afetam a saúde da população. Políticas de ações como a Política Nacional de Recursos Hídrico (Lei Federal nº 9.433) não funcionam para o Maranhão?

Nós somos uma espécie que ainda está se humanizando.

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José de Ribamar Sá Silva É economista. Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão e possui mestrado na área de Economia rural pela Universidade Federal da Paraíba. Em seu currículo, coleciona experiência com ensino, pesquisa e gestão. Estuda a área de Economia, Políticas Públicas e Educação do Campo com interesse principalmente nos seguintes temas: segurança alimentar e nutricional, desenvolvimento socioeconômico, economia maranhense, assentamentos de reforma agrária e formação da sociedade brasileira.


Foto: Arquivo pessoal

Mapeam e n to

Estabelecendo trocas e redescobrindo um paraíso Estudantes e professores realizam mapeamento e ações sociais em vila de pescadores na Ilha dos Lençóis

Na Ilha dos Lençóis a equipe da UFMA desenvolve trabalho multidisciplinar

TEXTO: LUAN LIMA E LÍGIA GUIMARÃES

A Ilha dos Lençóis

é localizada nas reentrâncias maranhenses, no litoral norte do Estado, e faz parte do município de Cururupu, que fica a, aproximadamente, 170 quilômetros de São Luis. É um lugar conhecido por suas lendas, como a do rei São Sebastião, e por sua bela paisagem de dunas que se assemelham aos Lençóis Maranhenses. Um local que ainda não faz parte do mapa turístico do Estado e que preserva uma pacata rotina, essencialmente caracterizado como uma vila de pescadores. Essa ilha paradisíaca, e habitada por algumas famílias muito carentes, foi escolhida por alunos e professores, do Campus de Imperatriz da Universidade Federal do Maranhão, para a realização de um projeto interdisciplinar de pesquisa e extensão. Durante dois anos alunos e professores pretendem pesquisar sobre o local e desenvolver atividades ligadas às áreas de pesquisa como Antropologia, Ciências Sociais e Psicologia, acompanhados por serviços como orientações sobre prevenção da saúde e hábitos saudáveis à população local. Um trabalho que vai culminar em um mapeamento sobre o perfil e identidade de aproximadamente 400 famílias que lá vivem. “Estender as ações da Universidade para a comunidade é também abrir um leque para novas linhas de pesquisa na região. Trata-se de um projeto interdisciplinar que reúne vários cursos, e que tem o intuito de prestar assistência para as carências que existem no local”, explicou o coordenador do projeto, o sociólogo e professor do curso de Comunicação Social da UFMA, Carlos Claudino. No primeiro semestre de 2013 foram feitas duas viagens ao arquipélago, uma no mês de março e outra no mês de junho. O grupo pretende fazer visita ao local a cada dois meses para realizar o mapeamento e, após o término da pesquisa, lançar um livro relatando as ações feitas na comunidade, juntamente com a produção de um vídeo documentário que vai retratar o exercício de imersão na realidade da comunidade que a equipe da UFMA escolheu para desenvolver o projeto.

Diário de bordo Na primeira viagem à Ilha, os 30 alunos dos cursos de Direito, Enfermagem, Engenharia de Alimentos, Comunicação Social e mais três professores da UFMA saíram de Imperatriz por volta das três da madrugada e viajaram de ônibus por cerca de 510 quilômetros até o primeiro ponto de parada, que foi a cidade de Apicum-Açu, onde ficaram instalados em casas de famílias da localidade. Às cinco horas da manhã seguinte, quando o sol já começava a nascer o grupo utilizou barcos de pesca para chegar até a Ilha, onde os moradores já esperavam ansiosos pelo grupo. À primeira vista, os olhares curiosos se cruzaram, dos alunos para os moradores e destes para os alunos e professores, confirmando um longo caminho do que viria pela frente. Nas horas que se seguiram, a equipe da UFMA ofereceu, para a comunidade, várias atividades nas áreas da saúde, recreação com as crianças e palestras de conscientização num processo de aproximação sistemática para os dois lados.

Memorial do Rei Dom Sebastião. O projeto tem sido oportunidade de trocas de conhecimentos e cultura entre a população local e os pesquisadores

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Uma das intervenções que o grupo realizou foi a distribuição de brinquedos, que foram arrecadados meses antes em campanha, na Universidade Federal, em Imperatriz, juntamente com atividades de recreação como brincadeiras de roda, produção de desenho e pinturas. Os demais moradores receberam roupas, preservativos e hipoclorito de sódio, recomendado para a purificação da água e uso humano. “O uso do hipoclorito é de extrema necessidade já que a comunidade não possui uma rede de tratamento de água nas residências e o hipoclorito é uma substância líquida que elimina os vermes e purifica a água”, explicou o estudante do quinto período de Enfermagem e integrante do Projeto, Marcelo Vilarinho de Morais.

Alunos realizam ação social com moradores da Ilha dos Lençóis

Dando prosseguimento aos trabalhos, como a comunidade não possui uma rede que faça o recolhimento do lixo, os alunos também ministraram uma palestra sobre como incinerar o lixo corretamente, e também como separar os resíduos sólidos e líquidos, que podem ser reciclados, cujo resultado seria um adicional na renda da população. O estudante do quarto período de Enfermagem, Vitor Pachelle, contou que se sente bem em poder ajudar de alguma forma os moradores da Ilha dos Lençóis. “Essas ações são importantes porque alguns serviços básicos, que a comunidade precisa, não são oferecidos e os moradores precisam ir a locais distantes para buscar estes serviços”, contou.

Estudantes da UFMA levam informação por meio do projeto à comunidade distante da ilha dos lençois

Durante os primeiros cinco dias em que os integrantes estiveram na Ilha dos Lençóis, além da satisfação de missão cumprida, os alunos destacaram a grande valia da troca de experiência com os moradores. “São pessoas que vivem em uma realidade completamente diferente da nossa e o choque cultural foi muito grande. Nós aprendemos muito com essa experiência”, destacou o estudante, Marcelo Vilarinho. Cansados e bronzeados pelo forte sol da região, os pesquisadores retornaram para casa, com a sensação de missão cumprida, já que a partir de agora tendo este primeiro contato e aproximação com a comunidade será mais fácil realizar o mapeamento, conhecer, orientar e, principalmente, aprender com as famílias deste paraíso chamado Ilha dos Lençóis.

Carlos Claudino Silva Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Maranhão e mestre em Políticas Públicas pela mesma instituição. Atualmente é professor da Universidade Federal do Maranhão em Imperatriz, e atua no curso de Comunicação Social. Tem experiência nas áreas de Sociologia, Ciência Política e Antropologia.

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Maria Neyrian Fernandes Fabio Cardias Gomes É graduado em Psicologia, pela Universidade Federal do Pará. Mestre em Saúde e Ciências do Esporte e Atividade Física, pela Universidade Nacional de Tsukuba. Doutor em Educação, pela Faculdade de Educação da USP. É professor da Universidade Federal do Maranhão e também atua na área de psicologia educacional na mesma instituição. Coordena o projeto Laboratório Experimental em Psicologia e Cultura (LIBER-ARTE).

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Enfermeira graduada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Especializada em Enfermagem do Trabalho pela Universidade Potiguar. Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós Graduação de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. É professora do departamento de Enfermagem da UFMA. Durante a graduação desenvolveu pesquisas na área clínica como aluna de iniciação científica. Tem experiência na atenção básica com atuação em áreas indígenas e ensino.


I novaç ão

Aumentando a produtividade agrícola por meio da seleção vegetal

Projeto realiza experimentos com diferentes espécies cultivadas e seleciona aquelas que produzem cada vez mais e com características agronômicas desejáveis no Maranhão TEXTO: ANNA CAROLINE GUIMARÃES

Há três anos

um grupo de pesquisadores do Centro de Ciências Agrárias e Ambientais, da Universidade Federal do Maranhão (CCAA/UFMA), vem descobrindo que a seleção de espécies para o plantio com base na sua variabilidade produtiva, de acordo com as propriedades de solo e clima, entre outras características, pode ser a melhor forma de aumentar o desenvolvimento agrícola do Maranhão. Por meio do Programa de Seleção e Melhoramento de Espécies Vegetais, cientistas de Chapadinha estão contribuindo para que o conhecimento obtido por meio de ensaios e experimentos com vegetais, depois de verificado sua veracidade, chegue especialmente até os agricultores maranhenses, que recebem nas conclusões dos estudos desenvolvidos pelo grupo, o conhecimento necessário, permitindo produzir cada vez mais e melhor, já que passam a conhecer a variedade e o sistema de cultivo mais adequado para as condições locais. Coordenado pela professora da UFMA em Chapadinha, Maria Moura Cruz, o Programa, que conta com a participação de estudantes de agronomia, e já realizou parceria com a Universidade Estadual Norte Fluminense (UENF), localizada no Campo dos Goytacazes, estado do Rio de Janeiro, que desenvolveu junto a UFMA um projeto de pesquisa para o melhoramento do mamão. Neste projeto, o grupo selecionou cinco tipos de mamão, dentre eles, uma espécie conhecida como “Tainung 1” obteve maior desempenho produtivo ao apresentar frutos com maior espessura de polpa e mais pesados. Portanto, com características agronômicas e de qualidade do fruto que atendem ao produtor, ao consumidor e ao mercado nacional e internacional. “Os resultados foram exitosos, uma vez que indicaram a Calimosa, como a variedade mais produtiva e também, importante no combate de certas doenças. O principal reflexo desse resultado de pesquisa é que, a partir desses dados, o Brasil não importará mais sementes de mamão da China que, por exemplo, gasta 3 mil reais com a compra de 300g de semente”, ressaltou a professora que coordena o projeto de pesquisa, Maria da Cruz Moura.

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Para desenvolver estudos desta natureza o Programa de Melhoramento de Vegetais, trabalha com diferentes linhas de pesquisa, dentre elas está o grupo que trata da seleção de grãos, tais como soja, milho, feijão-caupi e também raízes, como é caso da macaxeira para consumo in natura, ou seja, do mesmo modo que é encontrada na natureza. Há também o grupo que estuda uma espécie de planta que, em seus frutos e condimentos, proporciona um sabor picante; trata-se do Programa de Melhoramento de pimenta, onde os pesquisadores, durante o desenvolvimento da pesquisa, selecionaram dez genótipos da espécie, ou seja, dez espécies apresentando variações nos seus genes, que constituem suas características biológicas. O experimento com a pimenta foi realizado na comunidade rural da Vila União, em Chapadinha, a cerca de 9 km da sede do município, onde as espécies de pimentas foram cultivadas e estudadas, cada uma com quatro repetições experimentais recebendo dez tratamentos. Os tipos de pimentas que estiveram no estudo são da espécie Luna, Cumari-do-Pará, Biquinho, Ardilosa, Roxa, Coração, De cheiro, Balão, Esporão de Galo, e Bicuda. Durante a pesquisa, foram observadas as características da flor da pimenta quanto a cor da corola – parte formada pelas pétalas, caracterizada como uma espécie de coroa com função de atrair os chamados agentes polinizadores –; cor das anteras – estrutura da flor que forma uma espécie de “saco”, onde o pólen para reprodução é armazenado –; número de flores por nó;

Cultivo de uma das espécies de pimenta do Programa de Melhoramento de Espécies Vegetais

Foto: Arquivo pessoal

O programa de melhoramento

e a posição da flor. Constatou-se que, nas mesmas condições de plantio, as espécies apresentaram, quanto a altura da planta até o comprimento do fruto, peso médio e número de frutos satisfatórios, com destaque para o cultivo das espécies Ardilosa, Roxa, Bicuda e Coração. A partir da análise e interpretação dos dados coletados durante o cultivo do experimento com pimentas, os pesquisadores agrônomos da UFMA chegaram a conclusão de que, das dez espécies de pimentas estudadas, três tipos de pimenta são indicados para uso ornamental, sete para produção comercial, sendo indicada a Pimenta de Cheiro para consumo in natura, a Bicuda para produção de páprica e a Luna para uso em conservas e molho.

Impulsionando a produção de grãos: Pesquisadores comprovam potencial da região para este tipo de produção Cada vez mais diversificada, a indústria da produção de grãos encontra na competitividade o seu diferencial. No Brasil, país considerado um dos maiores produtores de alimentos do mundo, a corrida cada vez maior pelo cultivo de cereais acontece na busca por novas regiões que ofereçam condições para o desenvolvimento de culturas deste tipo. Entre estas culturas agrícolas, a soja e o milho são antigos conhecidos que a cidade de Chapadinha, apesar de não ser a maior produtora do estado, já conhece de perto. Agora, os pesquisadores da UFMA descobriram que a região do Baixo Parnaíba, onde o município de Chapadinha se inclui, tem sim potencial para a produção dos valiosos grãos, desta vez, comprovado cientificamente. No caso do milho, por exemplo, a equipe do projeto de pesquisa estudou o desempenho produtivo de 17 genótipos de milho, sob três sistemas de cultivo para a região leste maranhense. Foram realizados dois experimentos, um no município de Chapadinha e outro no município de Brejo. Durante a pesquisa, foi avaliada a altura de plantas, a altura de inserção da primeira espiga, o peso de números de plantas, o número de fileiras de grãos, assim como o índice de colheita e produtividade. Desta maneira, o sistema de cultivo com cobertura do solo proporcionou ganho de produtividade superior a 11% em relação aos demais. O rendimento médio foi de 8.180 quilogramas por hectare em Chapadinha e 7.490 quilograma por hectare no experimento realizado no município de Brejo, o que confirmou de uma vez por todas o potencial regional para cultivo dos grãos. “Hoje, vivemos em um cenário em que importamos tudo o que consumimos. Com os resultados que temos obtido, é possível afirmar que essa importação irá diminuir e, consequentemente, baratear, de forma considerável, os custos para a sociedade não só maranhense, mas também brasileira”, ponderou a pesquisadora, Maria da Cruz Moura, sobre os resultados que têm sido obtidos com a seleção de vegetal visando a produção agrícola.

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“É válido frisar que os estudos e pesquisas são realizados em aulas práticas, e desenvolvidos juntamente com os produtores da região, o que facilita a condução dos experimentos e, por conseguinte, faz com que o projeto vá da pesquisa à extensão. Normalmente, para divulgar os resultados obtidos, ou então verificar algum processo dos experimentos empregados nos estudos, o Programa realiza ações, como o “Dia de Campo”, visitas técnicas, palestras e oficinas que, geralmente, são apresentadas em importantes eventos de cunho tecnológico e ambiental”, explica a professora coordenadora do projeto, professora Maria da Cruz Moura.

Falando nisso...

A agência da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estima que a produção mundial de trigo para 2013 será de 704 milhões de toneladas, o que corresponde a um aumento de 6,8 %, com relação ao ano anterior.

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Maria da Cruz Lima Moura É graduada em Agronomia pela Universidade Estadual do Maranhão. Possui Mestrado em Agronomia (Horticultura) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Doutorado em Agronomia pela Universidade Federal de Viçosa, Pós-doutorado em melhoramento genético vegetal pela Universidade Estadual Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Campos dos Goytacazes/RJ. Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em biometria e melhoramento plantas e recursos genéticos vegetais. É editora técnica, autora e coautora de sete livros. Atualmente é professora da Universidade Federal do Maranhão, e atua no curso de Agronomia na cidade de Chapadinha.


E xp an s ão

A instalação da Universidade vai solucionar problemas antigos e impulsionar a economia do Estado TEXTO: MARCELO OLIVEIRA

Pouco mais

de 80 mil habitantes com traços distintos, em um município maranhense caracterizado por sua acelerada e volumosa produção agrícola e mecanizada. Tudo isso, junto a uma diversidade cultural que pode ser experimentada devido às origens do povoamento da região do centro sul do Maranhão. Está é Balsas, localizada a 810 km da capital do estado. Agora, para desenvolver e elevar os seus índices educacionais, a cidade conta com a mais nova unidade da Universidade Federal do Maranhão. A concretização de um projeto pensado há mais de 30 anos e que agora vira realidade.

Ciência e Tecnologia na formação de engenharias Em Balsas, a Universidade conta com duas turmas do Bacharelado em Ciência e Tecnologia, totalizando 80 alunos. A infraestrutura para as atividades acadêmicas foram viabilizadas por meio de parceria entre a UFMA, governo municipal e iniciativa privada, permitindo que o curso pudesse funcionar ainda este ano. Desta forma, uma escola no centro do município foi equipada com laboratórios específicos de química e física, sala de informática e auditório, onde as atividades da Instituição devem acontecer pelo menos nos próximos dois anos. Isto por que, depois deste período, será entregue um novo campus para Balsas, que já está em fase de construção na cidade em um terreno de 120 mil hectares. Revista Portal da Ciência :: Edição Continente:: Ano III Número III :: Outubro de 2013

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