ÁGORA
ÁGORA Chefes de Redação
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Redatores
Matheus Lopes Raíssa Sales Ugo Flores Marina Geiger Júlia Máximo Erick Volgo
Alexandre Leitão Ana Cordeiro de Mello Bárbara Zimetbaum Beatriz Moura Bruno Soares Caio Bersot Cecília Bittencourt Clarice Motta Daniel Salgado Fábio Marinho Gabriel Ferreira Gabriel Guimarães Gabriel Kupfer Guilherme Duarte Hugo Gusmão Isabela Oliveira Isabella Cardoso Júlia Sette Karoline Roza Letícia Moreira Larissa Minarini Luís Felipe Dal-Col Luisa Pinto Luiza Tavares Marina Geiger Natália Puga Natasha Bretas Nicollas Witzel Paloma Palácio Pedro Jorge Coutinho Roberto Maleosn Rubens Takamine Suelen Bastos Thiago Moreno Victor Terra Yuri Eiras
Essa revista é uma publicação fictícia produzida para a disciplina Língua Portuguesa II (LEV120), ministrada pela professora Amanda Heiderich na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro | Turma: EC5 2013.2
O miolo dessa publicação foi impresso em papel couché 115 g/m² e em papel reciclato 90 g/m² com o acabamento hotmelt; todavia, o projeto gráfico inicial prevê o uso de papel jornal ao invés do reciclato e o acabamento com brochura, com 3 cadernos de 28, 24 e 28 páginas, respectivamente. As capas foram impressas em papel couché 230 g/m²
“Icebergs” foi escrito por Rubens Takamine. Diversos poemas ao decorrer dessa publicação foram escritos por Rubens Takamine, Paloma Palácio, Larissa Minarini e Luís Felipe Dal-Col. A crônica da página 26 foi escrita por Gulherme de Almeida. “Prisioneiro de si”, “Pequenas doses”, “Do que não pode esperar”, “Surpresa” e as crônicas dss páginas 44 e 53 foram escritos por Raíssa Sales. “Café”, “Da espera” e a crônica da página 31 foram escritos por Marina Geiger. “Dormimos” foi escrito por Nicollas Witzel. A charge da página 49 foi feita por Yuri Eiras, Fábio Marinho, Hugo Gusmão e Nicollas Witzel.
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Ao Leitor Clarice Motta
Opinião: A Questão das Biografias Bruno Soares, Caio Bersot, Isabela Oliveira, Leticia Moreira
Capa: Lollapalooza 2013 Daniel Salgado, Matheus Lopes, Pedro Jorge Coutinho
Festival Internacional de Televisão Natasha Bretas
As Queridinhas do Mercado Editorial Natália Puga
Opinião: Os Dois Lados da Moeda Gabriel Ferreira
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Entrevista: Grupo Kineret Júlia Sette, Bárbara Zimetbaum, Ana Cordeiro, Luiza Tavares, Thiago Moreno
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Fotoclube do Morro do Alemão Suelen Bastos
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O Videogame Arte Daniel Salgado
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Pro Dia Nascer Feliz Beatriz Moura, Cecília Bittencourt, Gabriel Kupfer, Roberto Maleson, Victor Terra
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Círculo de Fogo Alexandre Leitão, Gabriel Guimarães, Guilherme Duarte, Karoline Roza
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Jogos Olímpicos - Esporte, Cultura e Arte Beatriz Moura, Cecília Bittencourt, Gabriel Kupfer, Roberto Maleson, Victor Terra
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Lapeando Isabella Cardoso, Luísa Pinto, Natasha Bretas
F
im de ano chegando, e a nossa equipe se despede de 2013 com uma edição de deixar saudade. Lollapalooza, debates sobre biografias e o novo sucesso nos teatros sobre a vida do Cazuza são alguns dos assuntos em alta que não poderíamos deixar fora dessa edição da Ágora. Após meses de especulação de possíveis line-ups do festival, finalmente saiu o oficial. Sendo assim, contamos pra vocês como surgiu e quem são as atrações do Lolla 2014. E polêmica não é exclusividade do festival, visto que a biografia de Roberto Carlos e a peça sobre Cazuza também têm dado o que falar. Essa edição traz algumas novidades, como as meninas que lançaram livros graças a seus blogs de sucesso, e o grupo de dança folclórica kineret, que já participou de festivais em Miami, Cidade do México e várias cidades brasileiras. E, por falar em sucesso, não deixem de ler a resenha sobre “Círculo de Fogo”, filme que tem arrancado elogios de todos os amantes do gênero de ação! Nossa equipe deseja boas festas e um ótimo 2014!
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da espera quela direção. Não seria difícil pular, de fato, seria só me inclinar um pouco mais. Eu imagino a reação das pessoas. Apatia, talvez? Não sei. Acho que não. Se bem que numa cidade como essa, nunca se sabe. Também não acredito no desespero. Talvez um olhar empático. Uma forma silenciosa de demonstrar uma compreensão. Às vezes me pergunto até que ponto não fariam mesmo. Muitas ofertas de ajuda, ou talvez algumas, de homens bons com coração de pedra, corações iguais à esse lugar. Alguns olhares indiferentes, de pessoas que além do coração, tem a alma dura. Sinto o vento no rosto. Seria tão fácil me deixar levar e cair na plataforma. A sensação do vôo é quase lúdica, meus olhos se fecham e de repente eu sinto uma mão nas minhas costas. Por um segundo, eu penso que é o sonho acontecendo. Um empurrão seria todo pretexto necessário para que essa curiosidade enfim morresse. Mas o impacto de ser puxado pra trás por um funcionário do metrô me traz de volta à realidade. O trem chegou. Preciso ir.
Eu ficava olhando pra baixo. Em algum lugar um dia eu tinha lido que os trilhos do metrô eram mortais ao toque. Isso porque era necessária uma grande quantidade de eletricidade para que a coisa toda funcionasse. Não sei, engenharia nunca foi o meu forte, mas gosto de entender como as coisas funcionam. Continuava olhando pra baixo, num misto de fascínio e medo. Pareciam inofensivos ao olhar, mas a maioria das coisas parece. Tomando cuidado para não ultrapassar a linha amarela, ia me aproximando devagar com o tronco, me curvando para observar melhor cada parafuso sujo e cara pedaço de ferro mal iluminado. Não sei se penso em suicídio todos os dias, mas me sinto prestes a me atirar ali. Será que conseguiria pular e sair ileso? Seria uma boa história pra contar, talvez. Porque se eu cair ali no meio, bastante dificilmente eu vou me machucar. Mas se eu errar por um milímetro que seja, não vou contar mais nenhuma história. Olhando pra baixo a vida de repente me pareceu muito frágil. Eu nunca pensei que pudesse me sentir encantado por um monte de ferro modelado, sujo e cheio de óleo, mas a simples visão daquilo me puxa na7
- Oi, é que preciso de carinho. Mas tem que ser único fronteiriço eriçado seu, também; anônimo.
siderado
no descampado do mundo onde as veias pulsam por costume de carne o medo não cala e muito se fala em seu nome: o Silêncio. consciência mais sublime. sublime.
mentira
Hoje saí de casa e vi as coisas como são. Como eram bonitas. Como eram lamentavelmente tristes também. Talvez, no fim da tarde, eu escreva dois ou três versos. Só pra me admirar de novo. Sempre me esqueço.
mente sã 8
Quando
a balança se
faz necessária Parece simples e óbvio tomar uma posição sobre a questão das biografias. Todo mundo diz que os que se opõem à livre publicação são censores, querem podar a liberdade da imprensa ou não sabem lidar com a fama. Essa, inclusive, é a opinião mais difundida pela mídia brasileira, que parece ignorar o cidadão por trás do músico, do ator ou do escritor de renome. Será mesmo que vale a pena abraçar totalmente a causa dos grupos editoriais e das redações jornalísticas? Da mesma forma, será um bom negócio entregar todo o poder de decisão nas mãos do biografado ou, ainda, dividir com ele os lucros de venda? A impressão que se tem é a de que as pessoas tendem a ver a vida das celebridades como domínio público. É só abrir a internet e pronto: mil notícias de famosos, fazendo coisas tão comuns quanto nós, surgem instantaneamente na tela, e, não tão raramente, nos vemos tentados a lê-las. Mas não deveríamos. Chega a ser doentia essa nossa obsessão pela vida do outro. Seria realmente bacana um mundo onde todos, famosos e anônimos, tivessem o artigo XII da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, que garante o direito à privacidade, como uma realidade plena em suas vidas. Além do mais, não somos e nem podemos ser, assim, tão ingênuos. Para os grupos editoriais, essa é uma questão financeira. E como muitas das emissoras de rádio, revistas, jornais e diversos outros meios de comunicação possuem uma ligação bem próxima com esses grupos, não é de se estranhar que os mesmos sejam protegidos pela grande mídia. Tudo bem, é verdade. Biografia não é tabloide. Além do mais, esse gênero literário tem lá sua importância. Não são poucas as boas biografias publicadas ao longo dos anos. Por isso, também não acho justo que o biografado possa decidir sobre a publicação dos livros. Afinal, uma biografia pode ser um ótimo auxílio na compreensão da cultura, da história e de acontecimentos importantes da nossa sociedade. Deixar que aquele de quem se fala decida o que será escrito pode significar ter de abrir mão de uma pesquisa bem feita e de um trabalho o mais próximo possível do confiável. Da mesma forma, também não quero ver os autores dividindo o seu
lucro com as personalidades sobre quem estão escrevendo. O dinheiro tem de ser de quem realizou a pesquisa e produziu a obra. Nada mais justo. Por isso, penso que, talvez, a melhor solução é que haja uma mediação, quem sabe jurídica, entre as editoras e o cidadão, de maneira que se pense na decisão mais justa sobre aquele trabalho. Afinal, não é uma boa ideia depositar total confiança em alguém que seja parte interessada. Certo nível de neutralidade se faz necessário num assunto tão controverso quanto este. Sendo assim, meu amigo, o que nos resta é colocar nossas convicções na balança. São dois pesos e duas medidas. Sem uma boa reflexão sobre cada aspecto da questão, não é possível chegar à conclusão mais justa. Por hora, deveríamos ter, bem clara, em nossas cabeças, a seguinte realidade: os interesses comerciais não podem estar acima dos direitos individuais; da mesma maneira, os interesses pessoais não podem significar a omissão da história.
Aprendi a erguer minha cabeça Quando, na rua, ando confiante Aprendi a amar o meu semblante Aprendi tudo que me enalteça Hoje é preciso que eu esqueça Não devo ser meu próprio amante Amante que em meu orgulho cante É preciso que eu me reconheça Tive orgulho de ser orgulhoso Sintoma de insegurança cega Procurar em si algo grandioso Encontrei na vida, minha colega O maior, e único real, gozo: A grande apaixonada entrega
soneto do orgulho
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sublimei amor só pra sentir o cheiro que amor tem mas amor não tem não virou rosa nos ventos e em mim, parte alguma
artifício
não tenho pés que me levem lá não tenho mãos que segurem o céu não tenho mente que abrace a curva não tenho umbigo nem bússola não tenho felicidade mas às vezes a brisa sopra a rosto e tem gosto, tem de verdade
meu domingo dia dois acabou assim que começou no dia três o trânsito era ensurdecedor.
despedida
mas ainda pude ouvir as asas ao léu era meu passado recente, au revoir que nem pressentimento ao revés. algo entre um suco de groselha e um beijo [molhado, fui toda cheinha de adjetivos colher minha segunda-feira como se fosse ontem e de comer. decidi ficar por lá.
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A ESPERA ACABOU Diversos rumores e falsos line-ups do Lollapalooza 2014 foram espalhados pela Internet nos últimos meses. Finalmente, detalhes oficiais sobre as atrações e venda de ingressos foram divulgados pelos produtores do festival. O maior festival de música de 2014 já está confirmado
CAPA
Os festivais de música têm tido uma franca ascensão nos últimos anos no Brasil. Megaeventos como o Rock in Rio e o SWU contaram com estrondoso sucesso de público e produções menores continuaram inovando, com festivais como Sonar, Novas Frequências e Planeta Terra na linha de frente. Um dos megaeventos e também um dos principais festivais do mundo, o Lollapalooza, volta ao Brasil em 2014 para mais dois dias de música. Criado em 1991 como uma turnê itinerante, por Perry Ferrel (vocalista da banda de grunge Jane's Addiction), para marcar a despedida de sua banda, o festival rodou os Estados Unidos com novas edições até 1997, quando entrou em hiato. Em 2003 o evento ressurge junto da banda, mantendo o caráter de tour pelo país. Contudo, em 2004 o modelo não deu certo, e a logística se transformou. Assim, desde 2005, a casa oficial da perna norte-americana do festival é o parque Grant, em Chicago. Com presença na América Latina desde 2011, onde aconteceu sua primeira versão internacional, no Chile, o festival desembarca para sua terceira edição no Autódromo de Interlagos, em São Paulo. Contando com uma grande mistura de ritmos, o evento reúne uma diversidade de artistas consagrados e em ascensão. Também não são raros os grupos que vêm pela primeira vez ao Brasil graças ao festival. Programado para acontecer entre os dias 05 e 06 de abril do ano que vem,
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o Lollapalooza Brasil pretende reunir um público de 70 mil pessoas em cada dia. Para isso, houve um investimento pesado nas atrações, que foram anunciadas no fim de outubro. As vendas do LollaPass, que garante entrada nos dois dias de festival, foram encerradas, mas ingressos individuais estão disponíveis desde o dia 21 de novembro. O primeiro lote sai por R$145 (meia-entrada) e R$290 (inteira). Já o segundo lote custará R$175 (meia -entrada) e R$350 (inteira). Separamos aqui os principais artistas a se apresentarem no ano que vem e também algumas das promessas do diversificado line-up.
O site do evento (lollapaloozabr.com) tem uma detalhada linha do tempo para quem quiser saber mais sobre a história do Lolla e das bandas que já passaram por ele. Quem acessar também encontrará um mapa interativo, que permite conhecer o local onde o festival será sediado e como tudo vai funcionar, de maneira divertida.
Muse
Os ingleses do Museu já se tornaram estrelas no cenário do Rock mundial. Um sucesso de crítica desde seu primeiro disco, “Showbiz” (1999), a banda traz consigo mais de uma década de experiência. Aclamados por suas apresentações ao vivo - o que lhes garantiu a abertura da turnê mundial do U2 em sua passagem pelos Estados Unidos e na América do Sul - o Lolla será a sua quinta visita ao país e segunda da turnê mundial do seu álbum mais recente, “The 2nd Law” (2012). Hits como “Supermassive Black Hole” são presença certa no diverso setlist dos rapazes britânicos, que passeiam entre os diversos estilos para construir um rock de arena muito próprio.
Arcade Fire Talvez a banda mais aclamada dos últimos anos, os canadenses do Arcade Fire – encabeçado pelo casal Butler – se tornaram um dos maiores ícones
do mundo alternativo. E a crítica tem toda razão na sua aceitação do grupo de Indie Rock. Todos os 4 discos já lançados pelo conjunto demonstram uma maturidade sonora assustadora. “Funeral” (2004), “Neon Bible” (2007) e “The Suburbs” (2010) já seria motivo o suficiente para qualquer banda assentar sonoramente. Mas com “Reflektor” (2013), seu mais novo disco, o Arcade Fire aposta numa proposta conceitual. Seus shows, já famosos pela intensa interação banda-
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plateia, agora contam com legiões de fãs fantasiados a pedido da banda, em paridade com o conceito do novo disco. Fora do Brasil desde 2005 e no auge de sua carreira, o Arcade Fire é a nossa maior expectativa do festival nesta edição.
Soundgarden
Uma das bandas criadoras do movimento “grunge”, o Soundgarden é um dos headliners do Lollapalooza 2014. Os músicos se separaram em 1997 e só voltaram à ativa em 2009, superando o sucesso dos álbuns anteriores, “Superunknown” (1994) e “Down On The Upside” (1996), ambos admirados pela crítica. Atualmente, trabalhando em novo material, oSoundgarden promete trazer, ao Brasil, o som irreverente e desleixado do bom e velho grunge de Seattle.
Nine Inch Nails
Projeto do genial Trent Reznor, o Nine InchNails tem uma trajetória de mais de 20 anos de estrada. O grupo - que tem uma só certeza entre seus membros, o próprio Trent - vem ao Brasil após mais de uma década, prometendo trazer todo o experimentalismodo seu som. Associado ao movimento Industrial, NIN é uma mistura de todos os tipos de música alternativa, com seu maior sucesso sendo o espetacular “Downward Spiral” (1994). Com fama de fazer megashows atmosféricos, Reznor é um dos maiores performers da atualidade, já tendodivido o palco com grandes figuras como David Bowie. O show é imperdível para qualquer fã de música alternativa.
Pixies
Reis do rock alternativo, os Pixies vêm novamente ao Brasil, dessa vez trazendo seu primeiro material inédito em mais de dez
anos, mas sem a inconfundível Kim Deal no baixo.
Vampire Weekend Queridinhos da mídia alternativa, o Vampire Weekend volta ao Brasil, trazendo músicas do seu novo disco, “Modern Vampires Of The City” (2013), aliado a grandes sucessos de seus dois discos anteriores.
Phoenix
No show do grupo francês, sucesso mundial desde seu disco “Wolfgang Amadeus Phoenix” (2009),hits como “Lisztomania” e “1901” são presença garantida.
New Order Surgido das cinzas do eterno JoyDivision, o New Order não vive nas sombras de suas origens. Com diversos sucessos ao longo dos anos 80, a banda vem trazer experiência ao jovemline-up do festival. Ellie Goulding
A inglesa trará a turnê do seu mais recente álbum, “Halcyon Days” (2013), que conta com hits como “Lights”, “I Need Your Love” e “Burn”. As últimas duas recentemente atingiram o topo da parada britânica.
Savages
Um dos destaques musicaisde 2013, o post-punk dos britânicos do Savages teve uma ascensão meteórica na mídia especializada neste ano.
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Portugal. The Man Com uma forte discografia, a banda vinda diretamente do Alaska promete trazer toda sua psicodelia e sons atmosféricos para o Lolla 2014. Nação Zumbi Uma das maiores bandas do rock brasileiro, os criadores do Mangue-beat fazem um show imperdível para qualquer fã de música. Cafe Tacvba
Com mais de 20 anos de experiência, o grupo Mexicano traz uma mistura única de sons latinos com pop e rock.
musical há menos de 1 ano e já tem um single em primeiro lugar na parada americana, com mais de 300.000 cópias de seu primeiro álbum, “PureHeroine”, vendidas. A cantora vem sendo destaque na mídia não só por seu sucesso repentino, mas também pelas críticas a grandes nomes da música pop atual como David Guetta e Taylor Swift. Lorde avisa: “Quero provar que o pop pode ser levado a sério”.
Imagine Dragons
Ben McKee, Dan Reynolds, Wayne Sermon e Dan Platzman formam a nova sensação da música alternativa. Formada em 2007, na cidade de Las Vegas, a banda só alcançou o mercado mainstreamcinco anos depois, com as canções “It’s Time” e “Radioactive”. Desde então, o sucesso só cresceu, principalmente, entre os jovens. As letras simples das canções são o grande diferencial do indie rock desses americanos.
Illya Kuriaki & The Valderramas É a atração hermana da edição, incorporando ritmos argentinos ao hip-hop norte-americano.
Lorde
A neozelandesa de 17 anos surgiu no cenário
O Palco Perry é dedicado àqueles que querem curtir música eletrônica. No primeiro dia de shows de 2012, a área recebeu o DJ e cantor escocês Calvin Harris como atração principal. Harris defende o título de ser o único artista a ter levado 10 músicas de um mesmo disco ao topo das paradas britânicas. Foi com o álbum “18 Months”, lançado naquele mesmo ano, que
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Harris conquistou sucesso mundial com hits como “We Found Love”, em parceria com a cantora Rihanna, e “Feel So Close”. Certamente, foi com o fervor de suas mixagens que Harris consolidou o estilo EDM (electro dance music) no mainstream musical. No dia seguinte, Skrillex dominou o palco com seu visual emo e uma irreverente mistureba eletrônica entre reggae, pop, rock e dubstep. Apesar de seu atraso, o público foi compensado por mais de 1 hora de incríveis jogos de luz e psicodélico show nos grandes telões da tenda, que exibiam montagens do cinema bollywoodiano, animações de monstros e bundas gigantes durante o agito de seus ruidosos remixes e estonteantes músicas de própria autoria, como “Bangarang” e “First Of The Year (Equinox)”. Em sua segunda edição brasileira, as principais atrações do Palco Perry foram Knife Party, Steve Aoki e Kaskade. A sonoridade acabou se repetindo, já que todos os grandes produtores presentes no evento se esforçaram em tentar misturar diferentes ritmos e vertentes musicais e chamar a atenção do público com o impacto dos graves, exacerbados em sua mixagem. Foi notável a influência do electro house e do dubstep, que ganhou forças no mercado após os trabalhos de Skrillex no ano anterior. O brilhantismo do jovem pro-
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dutor Madeon foi um dos maiores destaques. Lotando a tenda eletrônica, na época com apenas 18 anos de idade, ele mostrou que sustentar a euforia de um evento de proporções tão grandes é uma questão de originalidade e talento, virtudes que não faltam na atração principal da próxima edição, no ano que vem. Rapper em ascensão, apadrinhado por ninguém menos que Kanye West, Kid Cudi já tem três discos no currículo. Dono de sucessos nas paradas do mundo inteiro, como “Day ‘n Nite” e “Pursuit of Happiness”, o Cleveland Boy carrega uma mistura de rap introspectivo e hinos para festas. Cudi é, junto de seu mentor, um dos principais nomes que visa juntar o rap ao pop, dois estilos que, embora possuam grandes diferenças, são complementares um ao outro. Outro diferencial do Lollapalooza é o palco especial para o público infantil. Durante o Lollapalooza de 2005, em Chicago, Tor Hyams apresentou a ideia de um festival musical feito para crianças ao lado do próprio Perry Farrell. Desde a chegada do evento ao Brasil, uma área chamada Kidzapalooza é dedicada às crianças, que participam de diferentes atividades enquanto assistem aos shows de artistas como Dis Moi e Disco Baby. Em edições anteriores,já rolou até oficina de bateria com Igor Cavalera, baterista da banda Sepultura.
Com o tintilar dos icebergs Chamas azuis em nu encanto Clamam por paz em vão espanto Maré morta, maremoto Correntes frias se arrastam Num afogar sem salva-vidas Só, enfrento o monstro Atlântico Rumo incerto, remo em santo Os piratas bem disseram: Nesse mar habita o inverno Alvura gélida sem limites Cai dos céus, toca o inferno Minha jangada em afã jornada Presa fácil em redemoinho Luta em luto por destino Brisa amiga, dê-me abrigo Xô, saudade! Xô, paixão! Sólido fico, intacto e restrito Gigante geleira Das águas um mito
Icebergs
Sobre o Lollapalooza
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audiovisual em
D
foco
epois da bem sucedida edição do ano passado, o Festival Internacional de Televisão volta ao Rio de Janeiro para uma semana onde serão exibidos no Oi Futuro de Ipanema mostras competitivas com exibição de 50 pilotos, workshops com assuntos atuais envolvendo televisão e palestras sobre assuntos recorrentes no mundo audiovisual brasileiro. Ele acontecerá de 11 a 14 de novembro e o melhor de tudo é que é totalmente gratuito. Quem está envolvido no meio televisivo sabe a carência de festivais relativos ao meio que possam reciclar o profissional e fazer com que o mesmo se informe sobre temas relevantes. São diversos os festivais destinados ao cinema, mas o FIT é o único festival brasileiro que trata especificamente de televisão. Iniciado em 2001, o evento vem, a cada ano, se tornando mais conhecido, respeitado e bem produzido. Neste ano, é possível contar com diversos nomes da esfera televisiva desde Denise Saraceni, diretora do remake da novela Saramandaia,
a Marcos Luporini, idealizador do sucesso infantil da Galinha Pintadinha. Entre eles, também estão presentes como convidados do evento Ex-Vjs da MTV que falarão sobre a linguagem experimental realizada no extinto canal; o elenco do filme Latitudes, que conta com nomes como Alice Braga e Daniel Oliveira, levantará a questão das estratégias necessárias para um conteúdo web atingir sucesso; Vera Zaverucha, produtora da ANCINE, falando sobre a nova Lei da TV Paga que promete aquecer o mercado audiovisual brasileiro, entre muitos outros. O primeiro dia de festival, depois das palestras sobre a tecnologia dos efeitos visuais na TV e coprodução na televisão a cabo brasileira, terá abertura na Praça General Osório, em frente ao espaço onde acontecerão as apresentações e workshops, e contará com um coquetel de abertura que terá como trilha sonora o show do Projeto Villa-Lobos in Jazz. Logo após, serão exibidos pilotos que estarão concorrendo nas categorias: documentário, ficção e júri popular.
A premiação, marcada para quinta-feira, são cinco mil reais para cada piloto em aluguel de equipamentos de filmagem, um estímulo para que a produção de conteúdo continue. Os responsáveis por julgar qual piloto mercê o prêmio são grandes profissionais da TV aberta e fechada que, mais do que ninguém, conhecem o que vale a pena receber investimento e o que ainda precisa ser lapidado para que o mereça. Para garantir sua presença nesse evento, basta se cadastrar no site do festival e selecionar as palestras que deseja ir. Não esquecendo que as salas são sujeitas a lotação, portanto é necessário chegar com 30 minutos de antecedência no local para pegar sua senha. E para votar nos pilotos da categoria voto popular, também é só entrar no site e escolher o seu favorito.
Rua Visconde de Pirajá, 54 – Ipanema festivalinternacionaldetelevisao.com.br
sentimento
Tudo o que tem nome, é nosso. O seu, escrevi com dedo [molhado na areia. Por mais que o mar o tenha levado de mim O seu nome, escrevi. Foi com peito suado, Cansaço. Foi molhado na luta hoje, esquecido no longe da lembrança Foi à mar. Porque nem tudo que [é nosso, tem nome.
O verbo no infinito Ser criado, gerar-se, [transformar O amor em carne e a carne em [amor; nascer Respirar, e chorar, e adormecer E se nutrir para poder chorar Para poder nutrir-se; e [despertar Um dia à luz e ver, ao mundo [e ouvir E começar a amar e então [sorrir E então sorrir para poder [chorar. E crescer, e saber, e ser, e haver E perder, e sofrer, e ter horror De ser e amar, e se sentir [maldito E esquecer de tudo ao vir um novo amor E viver esse amor até morrer E ir conjugar o verbo no [infinito...
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. Incenso fosse música isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além
Carol “Eu queria esclarecer para aqueles que ainda não perceberam uma coisa – eu não sou a professora Carol. (hahaha) Meu nome é Guilherme e a professora de vocês pediu pra eu substituíla hoje. Vocês devem estar pensando “como diabos a porra desse colégio acha que eu vou aprender alguma coisa com esse mancebo que não deve nem ter terminado a faculdade de letras?” e eu queria interromper-vos logo aí para corrigir: eu não faço letras. Faço comunicação. “Ora porra, o cara é mais novo do que eu, não fez letras, e acha que vai me dar aula de português? Onde é que esse colégio acha essa gente?”. Eu também não sei. Eu juro que eu queria saber, mas não sei. A questão é que ele acha. E, por algum motivo, acreditaram que eu era apto o suficiente para estar aqui, recebendo dinheiro
de vocês em troca de conhecimentos que posso prover sobre gramática. Se sou de fato apto? Aí eu não julgo dizer. Mas a primeira coisa que vocês podem aprender nessa aula é que muitas das pessoas que vocês verão na vida não são, de fato, aptas à posição em que estão. Elas, no entanto, souberam fingir com maestria o serem, e isso foi bom o suficiente para elas. Posso não ser apto a ensinarvos gramática, mas, olhando daqui do tablado, nenhum de vocês está me convencendo de ser lá muito inteligente. Eu, por outro lado, se escrever algumas frases aqui nesse quadro e analisálas sintaticamente posso convencêlos de que sou. Posso usar palavras difíceis, exemplos de filmes cultos, citar textos antigos, e outras milhões de artimanhas para
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convencer vocês de que sou inteligente. Vocês, por outro lado, tem duas opções – ou me observam embasbacados, com a boca aberta e a cabeça levemente caída para a esquerda, ou tentam fazer perguntas capciosas para testar se o tal do professor substituto é realmente inteligente. Nesse caso vocês seriam um tanto quanto babacas, porque alunos que tentam ser espertos demais acabam sendo uns babacas, mas eu as responderia com a maior naturalidade e cumplicidade possível – ainda que estivesse falando qualquer merda. Se responderia certo ou não, você só saberia se você fosse, de fato, inteligente, e não estivesse só fingindo. Nesse caso, eu o respeitaria, pois há de se respeitar pessoas que são realmente inteligentes nesses tempos de ignorância consciente e burrice justificada. Obrigado.”
A vez das Meninas Elas são blogueiras e escrevem livros para jovens. As novasqueridinhas do mundo editorial mostram que não estão de brincadeira quando o assunto é internet e literatura.
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a última Bienal do Livro do Rio de Janeiro, que ocorreu em setembro, um fato curioso chamou a atenção de quem passava pelo estande da Editora Gutenberg: as longas filas lotadas de adolescentes em busca de um autógrafo das suas autoras favoritas. Nada anormal, na era de Thalita Rebouças e Paula Pimenta, se não fosse um detalhe. Todas eram brasileiras, jovens e blogueiras. Bárbara Morais, brasiliense de 23 anos, era a estreante. Ela estava lá para lançar “A Ilha dos Dissidentes” (Gutenberg, 303 páginas, R$29,90), o primeiro volume da trilogia “Anômalos”. A história, uma distopia protagonizada por Sybil Varuna, fala de um grupo de pessoas que possui poderes especiais – os tais anômalos – e são obrigados a treinar em uma escola especial. Seu livro foi um dos mais vendidos do estande e ela distribuiu autógrafos nos dois finais de semana do evento. Um feito raro para uma desconhecido do grande público lançando o primeiro livro.
Na mesma bancada, outro título vendia como água e era reposto o tempo todo pelos vendedores do estande. Era “De volta aos Quinze” (Gutenberg, 220 páginas, R$34,90), o primeiro romance da blogueira mineira Bruna Vieira, que, no ano anterior, já havia lançado o livro de crônicas e poesias “Depois dos Quinze” (Gutenberg, 200 páginas, R$34,90), que leva o mesmo nome do seu blog. Blog, esse, que é o maior do segmento jovem no país, com milhões de acessos. Bruna tem 19 anos, e com tão pouca idade, já conquistou viagens, uma coluna na revista Capricho, o posto de garota propaganda d’O Boticário e, agora, uma carreira literária. Seu público é composto principalmente, por meninas bem novas, que vão de 12 a 15 anos, e tratam-na como uma celebridade. Enquanto esperam na fila por sua chance de ganharem um autógrafo de Bruna, elas tiram fotos da sua musa e dão gritinhos quando conseguem chamar sua atenção. Comportamento que antes era reservado apenas para estrelas de
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cinema e bandas de sucesso. Tudo graças ao blog. Bárbara, também deve muito ao mundo virtual, principalmente sua divulgação. Ajuda muito ela já ter um público fiel no Nem Um Pouco Épico, blog que escreve há alguns anos com a irmã, voltado para literatura jovem. Em ambos os casos, a internet, o contato com outros leitores e o próprio blog foram essenciais para o sucesso. Babi Dewet é outra das que lançavam um novo título nessa bienal. Ela é autora da trilogia Sábado à Noite, romance adolescente que conta a história de meninos e meninas que vivem em uma pequena cidade fictícia do interior. O segundo volume da série, “Dos Bailes Para a Fama” (Évora, 324 páginas, R$35,90) esgotou no primeiro final de semana, depois de Babi passar quatro horas autografando sem parar. Com 27 anos, e mais experiência no meio literário, Babi cresceu junto da internet e foi uma das pioneiras em usá-la para seu próprio benefício. No começo da década de 2000, começou a escrever com amigas fanfics – termo do inglês para “ficção de fãs” – histórias em que os autores – os fãs - usam seus personagens favoritos como protagonistas. Na época, para Babi, isso significava Harry Potter. Mais tarde, surgiram as fanfics interativas, em era possível, por meio de um simples código, fazer com que o leitor se tornasse um dos personagens e fizesse parte da história.
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Foi de uma dessas fanfics, baseada nos integrantes da banda inglesa Mcfly, que surgiu Sábado à Noite. Vendo o sucesso que fazia entre as leitoras do gênero, Babi resolveu ousar, transformou a fanfic em livro, criou um blog com seu nome, e, usando todo o dinheiro que tinha e o apoio dos amigos, lançou uma versão independente em 2011. Dos 1.000 exemplares encomendados, nenhum sobrou. Seu sucesso chamou a atenção de várias editoras, pequenas e grandes, e Babi se deu ao luxo de poder escolher para onde iria. A escolhida foi a paulistana Évora que ofereceu a Babi a liberdade de fazer as coisas do seu jeito – liberdade essa que ela sabia que iria perder se fosse para uma grande editora. Aparentemente, a decisão foi acertada: de lá para cá, Babi relançou o primeiro volume da trilogia, pelo selo Generale, gravou uma trilha sonora para os livros, viajou o Brasil todo divulgando seu trabalho e, agora, depois de esgotar a continuação de Sábado à Noite na Bienal, se prepara para escrever o terceiro e último volume da série, além de trabalhar em uma nova história “É um livro sobre adolescentes em uma universidade de artes e música” ela diz, e completa: “Mas a prioridade para 2014 é viajar para outras cidades, divulgar mais meu trabalho e conhecer ainda mais leitores”. Muito desse sucesso se deve à divulgação em seu blog e em blogs amigos – como o da brasiliense Bárbara Morais.
Aliás, além de blogs e do nome, Babi e Bárbara possuem outra coisa em comum: a mesma agente literária. Novidade no Brasil, mas muito comum no exterior, o papel do agente ainda é encoberto por uma cera aura de dúvida e desconfiança no país. O que faz? É realmente necessário? Dá certo? A julgar pelas conquistas de Babi e Bárbara, sim. É a própria agente, Gui Liaga, quem explica. Formada jornalista, mas com especialização em Publishing pela FGV, ela é uma das pioneiras no cenário nacional, principalmente no que diz respeito a jovens escritoras. “Vejo nos adolescentes o futuro de uma nova forma de lidar com livros, por isso trabalho com autores que escrevem para eles.” diz Gui. Mas, afinal, qual o papel do agente literário? “Quem escreve nem sempre está familiarizado com os métodos de produção e edição, de como funciona todo o esquema de comercialização e distribuição. O agente assume esse papel, dando as orientações adequadas ao autor.” Parece que as previsões de Gui estão certas a julgar pelo mercado aquecido da literatura nacional. Outras duas agenciadas dela também estão com novidades para esse mês e prometem estourar no próximo ano. A começar pela goianense – da Terra do Tomate, como costuma brincar - Dayse Dantas. Estudante de Letras da UFG, sua
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estréia no mundo da literatura vai acontecer no final de novembro com “Nada Dramática” (Gutenberg, 320 páginas, R$34,90). A história se passa durante o ano de vestibular de Camilla Pinheiro, que como o título já diz, não entende o porquê de tantos dramas durante o ensino médio, e tentar ficar longe deles, apesar de, é claro, acabar se envolvendo em um. Outra novidade vem da carioca Iris Figueiredo, 20 anos, que lança seu segundo livro, “Confissões On-line” (Évora, 260 páginas, R$29,90), primeiro volume da trilogia “Bastidores da Minha Vida On-line”. O primeiro, “Dividindo Mel”, saiu em 2011 pela Editora Draco. Estudante de Produção Editoral na UFRJ, ela costuma brincar que bloga, estuda e trabalha com livros. Além da faculdade, ela é assistente editorial na Editora Objetiva e ainda mantém o blog Literalmente Falando desde 2010. Assim como o Nem um Pouco Épico, o foco é totalmente nos livros, com resenhas, entrevistas com autores, parcerias com editoras e muitos textos sobre o assunto. Definitivamente, Iris respira e vive o mundo literário e parece levar bem a sério a máxima “faça o que ame, ame o que faça”. Bárbara, Babi, Iris e Dayse. Autoras, amigas, viciadas em redes sociais – sim, todas se conheceram pela internet – e blogueiras. Elas estão prontas para dominar o mundo. E a sua estante.
Prisioneiro de si Vontade de ir embora. Para onde? Para um local em que tivesse a sensação de pertencimento. Mas você não pertence a lugar algum. Nada faz sentido, as coisas pelas quais você luta, os objetivos que possui… Pra quê? Uma pessoa incapaz de lidar consigo, é uma pessoa imersa no fracasso, não há alternativa, não há saída. Você não é mais sensível, nem passa por dificuldades mais profundas. Suas dores não são maiores do que as do mundo. Você não é mais especial. Seu sofrimento não se tornará música, ele é apenas silêncio, e ninguém perceberá o seu emudecer. Não em um mundo envolto por buzinas, sirenes, gritos, sons. A sua verdade não será ouvida, você é só mais um.
Tudo está errado. As pessoas, os ambientes, as músicas, os hábitos. Você passa a condenar aquilo que não é seu, acreditando estupidamente ser superior em suas diferenças. Já não suporta mais conviver com o que parece medíocre, menor. Você não pertence a esse lugar, a essa realidade que te enoja. E então, se dá conta: o problema não está no mundo lá fora, está dentro de você. É insuportável viver consigo mesmo, com as suas cobranças, loucuras, falhas, e lágrimas não choradas. Nada te parecia correto, e realmente não estava, não no âmago do seu ser. As pessoas continuariam existindo, em todos os lugares, e por mais diferentes que elas fossem, a sua mudança interior não iria acontecer. A vida permaneceria igual.
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Não adianta se vitimizar, afinal, quando está sozinho, sabe que é tão vilão quanto os demais, e é isso o que importa. A liberdade que tanto almeja, nunca terá. Você não está livre de si. É prisioneiro dos seus pensamentos, e de tudo aquilo que sente. Pede à sociedade que te deixe em paz, mas você não se deixa. Não consegue expandir seus horizontes, não é capaz de descansar.
Sua criatividade foi tolhida. Suas críticas são ferozes e desnecessárias. Mas guarda tudo, e de tanto guardar, acabará implodindo. Sim, isso está acontecendo. Não será eficaz essa fuga de si, não por muito mais tempo. Você nunca soube o que era sentir raiva, mas agora entende, não há ódio mais sincero do que o de um ser humano por sua própria natureza.
shows: os dois lados da moeda Vários artistas têm vindo ao Rio recentemente. Mas será que vale a pena se não podemos pagar pelos ingressos? O Rock in Rio, maior festival brasileiro, não está sozinho. Causada pelo crescimento econômico do país, a expansão do mercado de shows no Brasil é ainda mais evidente no Rio de Janeiro. A cidade que se prepara para sediar a final da Copa do Mundo, as Olimpíadas e consideráveis e diversos outros eventos – como foi a JMJ no meio de 2013 – vive um momento favorável para os fãs da música ao vivo. Ou parte deles, já que os altos preços dos ingressos impossibilitam um púbico em potencial de ver o seu artista favorito. Sem dúvidas, quem está vivendo um ótimo momento são as produtoras. Shows internacionais lotados, turnês de artistas brasileiros bemsucedidas e festivais com ingressos esgotados. Se a maior parte das pessoas não tem acesso a esses eventos, há um público menor pagando caro para ver essas apresentações. Ainda assim, mesmo essas pessoas que podem cobrir o preço dos ingressos têm dificuldade de ver tudo o que querem, o que fez tornar-se muito comum ouvir coisas como “Fui assistir A e não pude ver B por causa do preço.” ou “Nesse mês, gastei tanto com shows que vou ter que
ficar um bom tempo sem ir aos próximos eventos.” O público está cada vez mais diversificado e, ao mesmo tempo, eclético. Prova disso é a grande diversidade de atrações no Rock in Rio, por exemplo, e o grande número de pessoas que comparecem a vários dias do festival. Outra boa forma de se perceber isso é olhando as atrações recentes de alguma casa de show. Tome o Circo Voador como exemplo. Em uma semana de novembro, temos: show da cantora de R&B/irmã da Beyoncé, Solange (show internacional, por 90 reais, meia-entrada, em plena terça-feira; isso diz muito sobre o próspero momento do mercado), Caetano e Marisa Monte em show beneficente esgotado. No fim de semana, o rapper Marcelo D2 ocupando a sexta-feira e o sábado; e, no domingo, Metal Jam 8, um festival de Heavy Metal. Pode-se perceber que o bom momento não se restringe a shows internacionais. Os shows das mais recentes turnês de consagrados artistas brasileiros, como Chico Buarque e Caetano Veloso, tiveram ingressos com preço de show internacional.
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Los Hermanos e Planet Hemp, duas bandas com grande base de fãs, recentemente retornaram aos palcos para alguns shows e lotaram as casas por onde passaram. Os ingressos? Custavam 60 reais (valor da meia-entrada). É claro que aí entra o fator fanatismo e as produtoras e artistas o aproveitam muito bem. O valor dos ingressos triplicou em relação à época em que estavam em atividade. Nem só de ingressos caros, porém, vivem as casas de shows cariocas. O ingresso para cada dia do Back2Black, festival com grandes atrações da música negra nacional e internacional, como Tony Allen, Bobby Womack e Criolo, custava 35 reais; valor mais em conta do que grande parte dos shows nacionais que acontecem hoje. O festival Novas Frequências, que acontecerá em dezembro, focado na música eletrônica de vanguarda, tem ingressos custando apenas 10 reais por dia.
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Além disso, em algumas casas de shows como o Teatro Odisseia e a Audiorebel, costumam acontecer shows mais baratos do que o padrão carioca. Essas exceções comprovam um superfaturamento em cima dos ingressos cobrados de uma maneira geral. Gostamos muito de ver nossos artistas mais amados vindo com grande frequência ao Rio de Janeiro. Mas, com o aumento do número de shows, veio também o aumento vertiginoso no valor dos ingressos. É um fato que os preços estão altos, mas seria essa apenas uma das consequências do crescimento econômico visto pelo Brasil nesse início de século? Será uma bolha do mercado? Provavelmente só descobriremos depois que a poeira desses grandes eventos - Copa, Olimpíadas – baixar. Enquanto isso, com o custo do ingresso muitos vivem um grande paradoxo: quanto mais shows, mais shows perdidos.
foi tudo muito rápido. eu peguei a faca mais afiada que encontrei e cortei, do esterno até o quadril. o corte foi profundo e não vai cicatrizar. pude ouvir o sangue caindo, o cheiro metálico e o gosto de ferro. eu havia começado a morrer. pude ver antes de ouvir meu próprio coração querendo saltar do peito. ele queria poder te querer por inteiro mas naquele momento era imperativo apenas continuar batendo. no entanto as batidas eram cada vez mais fracas e espaçadas. sístole, diástole, sístole, diástole, sístole, diástole, pausa, sístole, pausa, diástole, pausa, sístole, pausa. tirei a faca do quadril, pousando minha mão que ainda a segurava na mesa de madeira ao meu lado. rapidamente (minha vista escurecia levemente agora), levantei a mão livre e tirei o coração da caixa torácica, erguendo novamente a outra mão com a faca, cortando com a ponta até atingir o endocárdio. uma dor aguda e me senti de repente fraca. soltando o coração ainda pulsante, preso por algumas artérias e deixando órfãs algumas veias, caí e fechei meus olhos, apreciando o escuro que me rodeava, imperador dos meus sentidos. acordei e o paraíso eram seus olhos.
Intervenções urbanas A artista francesa Sandrine Estrade Boulet vê arte nos espaços e objetos urbanos mais inesperados. Misturando fotografia e ilustração, Sandrine procura incentivar as pessoas a ver o mundo de forma mais positiva.
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pequenas doses Só pra você saber, o Rio também vai sentir sua falta. Eu vou. Não é que tenha me apaixonado em alguns dias, a verdade é que, nesses dias, nessas horas, eu quis a possibilidade – tão óbvia, se vivêssemos em outro contexto – de me apaixonar por você. Desejei “a sorte de um amor tranquilo”, talvez o mesmo de que Cazuza falava, e tive a sensação de que alguém seria capaz de me dar. Fugi de onde você veio, achando que lá nada mais me interessaria (pequeno engano). Não, ninguém me faria voltar atrás ou arrepender da fuga, porém, que o universo teve o prazer de me tornar piada, não há como negar.
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Mas, se quiser aparecer, me fazer sorrir com seu humor inteligentemente encantador, concordar em discordar, brincar de férias e de viver, me proporcionando a ilusão de que o que há em mim é calma, vou estar aqui, às vezes aí, e, de certa forma, em todo lugar. Vez por outra, sou premiada com rompantes de uma felicidade leve, e depois a vida mostra que “não é bem assim”. Por enquanto, vou me satisfazendo com essas pequenas doses de plenitude, com esse “veneno anti-monotonia”, e como em uma despedida, deixo quem quiser saber: a minha última e melhor dose, eu tomei com você.
Grupo Kineret usa dança para transmitir costumes da vida judaica 140 dançarinos. Bailarinos dos 9 aos 50 anos. Esse é o grupo de alunos do Instituto Kineret de dança israeli, que contará no espetáculo “Chai” (vida, em hebraico) como a memória, cultura e vida judaicas são cultivados ao redor do mundo. Fundado em 2008, o grupo carioca já participou de festivais em Miami, Cidade do México e várias cidades brasileiras. Voltado para a formação complementar de jovens da comunidade judaica do Rio de Janeiro, o Instituto foca no fortalecimento de raízes, cultura e laços de amizade. O número desta temporada, “Chai”, ocorrerá em apresentação única às 20h em 5 de dezembro, no Teatro João Caetano, no centro do Rio de Janeiro. Com um repertório que mostra vários estilos de danças, de orientais e iemenitas à tradicional Hoira, o espetáculo dispõe, ainda, de música ao vivo durante toda a apresentação. Haverá, também, a participação especial do grupo de dança “Misgav”, vindos diretamente de Israel. Convidamos a coreógrafa e dançarina de destaque do grupo, Bru-
na Amitay, para falar um pouco sobre o grupo e sobre a arte da dança folclórica em si, com todas as suas particularidades. Quando sua paixão pela dança folclórica israeli começou? Desde pequena dancei ballet, jazz, contemporâneo; mas a dança israeli surgiu na minha vida aos 10 anos, quando comecei a participar do Festival HavaNetzeBemachol (festival de dança israeli do Rio de Janeiro), onde me apresentava pela escola, e futuramente pelos movimentos juvenis judaicos e grupos independentes. Como se deu sua entrada no grupo? Antes de dançar no Kineret, participava de outros grupos de folclore. No seu ano de criação (2008), estava passando 6 meses em Israel em um curso de capacitação de coreógrafos de dança israeli e artes em geral. Como retornei ao Brasil no início de Agosto e os fundadores já tinham sido meus coreógrafos no passado e me convidaram para participar do grupo, onde danço desde então. Como é a rotina de ensaios? Os ensaios acontecem 1 vez na semana, aos domingos a noite. O domingo é o dia da dança! Quase todos os grupos do Instituto ensaiam nesse dia, com exceção das crianças menores e o grupo de mães. Chego na sala, situada no clube AABB às 16:00 para dar ensaio aos meus
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alunos entre 13 e 14 anos e emendo direto no ensaio do meu grupo até as 21:30. É uma delícia! Você considera o ensino de uma tradição tão antiga como a dança, importante nos dias de hoje? De que forma? Com certeza! A dança é um meio de expressão e transmissão da cultura incrível! No caso da dança israeli, ao montar as coreografias, sempre temos que estudar o tema a ser trabalhado, o que nos aproxima mais ainda da cultura. É possível trazer temas antiquíssimos bem como os mais atuais através da dança. Um exemplo foi um grupo de São Paulo que no último festival apresentou uma dança sobre o soldado israelense GuiladShalit, sequestrado, e que após 5 anos de cativeiro, foi trocado por 1027 terroristas
e retornou a Israel no ano passado. Além disso, já é comprovado como a dança pode ser utilizada como terapia e na reabilitação de pessoas que sofreram algum acidente ou passaram por cirurgias que as comprometeu fisicamente. Da onde veio a inspiração para o tema do espetáculo?
Esse ano foi muito especial para 3 dos 4 fundadores do Instituto. Dois deles, se conheceram na dança ainda quando pequenos e em Janeiro se casaram. O terceiro, meu coreógrafo e diretor do Kineret, também se casou, há um mês, com uma das dançarinas que também conheceu ainda quando jovem em um movimento juvenil e se reaproximaram quando a convidou a dançar no grupo em 2008. Hoje, ela é uma das diretoras do Instituto. Nada mais justo do que unir esse ano de “amor” ao espetáculo “vida”. Como surgiu a parceria com o grupo de dança israelense “Misgav”? Na realidade essa conexão entre o Kineret e Misgav aconteceu por intermédio meu, quando estive em 2008 em Israel onde tive a oportunidade de dançar com o grupo e criei uma relação maravilhosa com os coreógrafos e dançarinos de lá. Desde então, venho mantendo contato com eles e transmiti aos meu coreógrafos que mantiveram essa relação. Essa já é a segunda vez que fazemos a integração com o grupo que esteve aqui em 2010. Continua na pg. 51
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Tu queres sono: despe-te dos ruídos, e dos restos do dia, tira da tua boca o punhal e o trânsito, sombras de teus gritos, e roupas, choros, cordas e também as faces que assomam sobre a tua sonora forma de dar, e os outros corpos que se deitam e se pisam, e as moscas que sobrevoam o cadáver do teu pai, e a dor (não ouças) que se prepara para carpir tua vigília, e os cantos que esqueceram teus braços e tantos movimentos que perdem teus silêncios, o os ventos altos que não dormem, que te olham da janela e em tua porta penetram como loucos pois nada te abandona nem tu ao sono.
Tu Queres Sono: Despe-te dos Ruídos
quanto suporta o camelo/ através do deserto
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A pedra pensa como pesa o pensamento, como ela feita completa de pedra O pensamento pesa sobre a pedra sem ninguém, latente consente o poente se estende à beleza de ser toda ela o pesamento de pedra Enquanto a gente repleta, inteira dela pensa contrafeita pensa o tempo todo mas não engole o tempo O pesar esmorece na boca pesa a pedra dentro dele, dela
Não esperava mais nada do dia, e eram apenas 15h, aproximadamente. Estava com sono, como o de costume, e queria ir embora para casa, tendo a consciência de que, se fosse, provavelmente, não faria nada, nem mesmo, dormir. Então, decidiu assistir à próxima aula, comprou uma coca, alguns chocolates, e ficou, por motivos que ela mesma desconhece, mas sabe que valeu a pena. Assistiu “Os incompreendidos” e, por razões que sua mente não pôde associar de imediato, ficou extasiada. Mais do que o normal, mais do que em situações de simples identificação, mais do que o imaginável. Aquilo despertou nela o que precisava: despertar! Como mágica, a menina se transformou de alguém cansado e sem motivação para uma jovem dotada de uma enorme vontade de viver, correr riscos, ser livre... Enxergou a liberdade de uma forma bem diferente do que tinha o costume de enxergar, agora era uma questão puramente espiritual. Ah, como ela queria ter conhecido Doinel, o personagem-garoto, de 14 anos, por quem, em pouco mais de uma hora, se apaixonou. Saiu da sala não frustrada pelo filme ter acabado ou por Doinel ter ficado para trás. Foi justamente aquilo que a impulsionou. Um impulso que foi crescendo aos poucos, até que, em um momento raro de ímpeto generalizado (passando por cada entranha do seu ser), decidiu que não faria o trajeto normal para casa.
do que não pode esperar
Desceu do ônibus logo que entrou, e não precisou pensar muito, apenas soube: queria ir à praia, andar ou até correr por tempo indeterminado, ouvir o som relaxante do mar em contraposição às músicas que explodiam em seus ouvidos e, de alguma maneira, também lhe davam a sensação de existir: naquele instante, naquele lugar! Todo o universo estava ali, nada mais era preciso. Angústias esquecidas, conflitos internos desaparecidos, e a voz que sempre reprimiu dentro de si saía sem pudor algum. A areia, o mar, a chuva - sim, estava chovendo - e o céu do Rio de Janeiro (com toda a sua beleza, provando serem desnecessários os clichês solares): tudo aquilo pertencia a ela, e era recíproco, ela também era pertencente. Finalmente, se deixou pertencer! Foi uma das poucas vezes em sua vida que não precisou levantar inúmeras questões, apenas seguiu seu instinto e foi adquirindo uma certeza cada vez mais intensa de que dava os passos certos. Tirou os óculos molhados, se permitiu ignorar os detalhes, enxergar apenas o todo: era o que importava. Caminhou em contato com a água do mar. Enchar-
cou os tênis, as meias, os pés, e não sentiu nisso um incômodo, mas uma forma de preenchimento dos vazios que lhe dominavam. Sua experiência foi prazerosamente sensorial. Cada toque era sinônimo de uma emoção peculiar. Havia o vento, a água, a areia molhada, as imagens naturais e urbanas completando-se, causando um frenesi de sentidos. As coisas eram perfeitas, o tempo era perfeito, a vida passava diante de todo o seu corpo, e, se existia significado para o existir, só podia ser aquele instante, aquele eterno. Ela estava feliz, nada podia lhe perturbar: nem os olhares das poucas pessoas que passavam (até porque, não se dava conta deles), nem o que falavam (a música a impedia de ouvir). Era como se estivesse em companhia apenas da solidão, e como precisava estar só! Às vezes, sentia que havia se abandonado, mas agora estava de volta. Aquele era o abraço de que tanto sentia falta, o grito que guardava há tempos, e, principalmente, o lar que lhe proporcionava um aconchego esquecido, e, por isso mesmo, urgente: o de estar consigo.
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Olhos que já não distinguem o arder das lágrimas e do sono. Mas eles sabem que poderiam ficar abertos a noite toda, enxergando aquilo que dói muito para ser visto durante o dia. Esses olhos são jovens, mas não sorriem, estão cansados. São, como todos os outros, a janela de uma alma. Ela já não lembra bem o que é esperança, esta ficou em um tempo pretérito, que os olhos têm como dever resgatar. Eles não conseguem entender a fé, mas sentem que conseguiriam descansar se ainda a possuíssem. Entretanto, não lutam, os olhos sentem que a fé tem de vir, não adianta se forçar a uma procura vazia: se frustrarão por nada enxergar. Olhos novos a serviço de uma alma velha, cheia de feridas e marcas que não se podem entender. Quanta solidão para estes dois pequenos. Eles saíram para ver o mundo, encontraram a felicidade, tocaram nela algumas vezes, mas ela nunca se permite ser vista por muito tempo, não por estes dois, que acabam por se sentir rejeitados a maior parte do tempo, e, de fato, são. Por isso, sempre que os olhos saem, inevitavelmente, voltam para casa solitários. A cada dia, estão mais nus. Em contrapartida, não têm medo da nudez. Realmente acre-
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ditam que ela vai lhes ensinar algo precioso, e ensina. A alma diz para eles confiarem: seu destino é o infinito, maior que a felicidade, maior que o sofrimento, o infinito simplesmente é. E, ainda que nele sempre estejamos sozinhos, vale a pena… valerá, um dia. Então, os olhos se apressam por se despir, na ilusão de que determinam seu próprio tempo. A alma ri: são jovens demais para entender. Seu tempo é a eternidade, e a nudez é vagarosa, repleta de perigos. Eles simplesmente não querem descansar, precisam ver tudo! Mas à medida em que se intensificam as verdades, como raios que os atingem, mais lágrimas são derramadas, e meu Deus, como elas doem, como deixam mais velha a alma! O que não é fácil presumir, nem mesmo aceitar, é que ela não está triste. A dor que magoa os olhos fortalece o espírito. A alma fica mais sábia devido ao sofrimento acarretado pelas verdades e pelo mundo, por mais que seus pequenos ainda não possam compreender. Ela não quer ser uma qualquer, não quer que seus olhos riam por motivos vazios ou se conformem em ver o universo de forma reduzida: ela quer muito mais! É que o espírito tem planos que os olhos não veem, e só a eternidade revelará.
Isso é favela Quando você faz uma coisa legal com pessoas legais, dá certo!
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or um longo período, a realidade das comunidades carentes foi abafada dentro da sociedade. Em parte, por certo desinteresse da população, também por um pouco de preconceito dos próprios moradores que, por vezes, ficavam envergonhados de mostrar suas vidas menos luxuosas do que eram vistas fora do morro, mas, principalmente, por faltarem meios adequados que fizessem a ponte entre a favela e o chamado “asfalto”. Hoje não são poucos os casos que vemos de pessoas saídas de dentro das favelas se tornarem exemplos de superação, conquistarem lugares requisitados e de grande reconhecimento. Entretanto, há pouquíssimo tempo, não era difícil encontrar moradores de lugares como o Morro do Alemão – zona norte do Rio – que desacreditavam do potencial da sua comunidade. Essa realidade, no en-
tanto, começou a mudar a partir de 16 de março de 2011, quando justamente alguém de fora amou e acreditou que o lugar era uma concentração de talentos inerentes. O Recifense Bruno Itan e seu professor de fotografia Dhani Borges criaram o Foto clube do Alemão (FCA), cujo principal objetivo era quebrar o paradigma imposto pela histórica imagem depreciativa relacionada à comunidade. Antes do FCA, por exemplo, o que se tinha do Morro do Alemão eram notícias e imagens do tráfico, da pobreza e da escassez. Muita gente tinha medo até de passar por perto do lugar, mesmo depois da implementação da Unidade de Polícia Pacificadora. Hoje, quando se digita Foto Clube do Alemão no Google, o cenário que se vê é outro: um lindo pôr do sol, caindo por trás da estação de teleférico das Palmeiras; um grande espaço verde, com vegeta-
ção tão pura que nem parece estar tão perto de qualquer urbanização; e festas: a divertida Festa do Triangulo, que acontece durante toda a época do carnaval, a tradicional Via Sacra e muito mais de uma cultura antes despercebida. Segundo Dhani, a ideia surgiu logo após o curso Memórias do PAC organizado pela Secretaria do Estado, cujo Bruno foi aluno. Em cada comunidade onde havia o projeto, era estabelecida uma parceria com alguma ONG local para a realização das aulas, no Alemão contou com a coordenação de Maycon Brum, da ONG Raízes sem Fronteiras. Quando ultrapassado o período de 10 meses de curso, os equipamentos foram recolhidos pelos organizadores. Dhany e Maycon tentaram, então, a criação de um novo projeto para que dessem continuidade às aulas de fotografia. Sem condições de arcar financeiramente com um projeto de ensino, Dhany teve a ideia de formar um foto clube. Sem necessidade de patrocínio, com entrada franca, e de caráter absolutamente comunitário. Só precisavam de alguém para tomar a frente: Bruno. Eles aprimoraram a ideia e utilizando as redes sociais propagaram o projeto. Fundaram o primeiro grupo fotográfico especializado em favela no Rio. Atualmente o Foto Clube vive com várias pessoas e alcançou os seus objetivos, um deles é “mostrar o morro com o olhar do morro”, afirma Dhany que deixa claro
que o projeto não salvou a vida de ninguém, cada um se salvou por seu esforço e força de vontade. Mas se diz “realizado por fazer parte de histórias como a do Bruno, da Michelle, do Babá”; pessoas que começaram no FCA e hoje trabalham profissionalmente com a fotografia. Na primeira saída fotográfica, apenas três convidados participaram; na segunda, 10 pessoas estavam presentes e, em menos de um mês, o grupo já reunia cerca de 50 visitantes dispostos a conhecer a cultura local. Ainda hoje, todo sábado, às 15h, um grupo de fotógrafos profissionais ou amadores se reúne no pé do Morro para realizar um tour pela comunidade. Nisso, outros fotógrafos, profissionais ou não e, pessoas de qualquer lugar do mundo, que estejam interessadas em conhecer o interior do morro, podem ter um contato mais intenso com a cultura local e, assim, tirar suas próprias conclusões, sem terceiros, sem matéria no jornal, apenas as suas opiniões se formando a cada barraco visto, a cada criança sorridente, a cada futebol improvisado. O Foto Clube ainda um grupo de organização independente sem interesse lucrativo. Hoje, com grande representação do fotógrafo profissional – já consagrado – Bruno Itan. Com ele a favela ganha ainda mais reconhecimento, pois tem um feeling fotográfico especial. Consegue transformar o cotidiano numa arte valiosa.
Como você vê o interesse dos jovens pela dança como manifestação cultural? A dança de um modo geral está muito presente ainda no cotidiano das crianças. Infelizmente ainda existe muito preconceito com homens dançando, o que considero um absurdo! No mundo da dança israeli, o número de dançarinos vem caindo cada vez mais. O Rio de Janeiro já foi a potência desse folclore no Brasil, que decaiu no últimos anos, mas que o Instituto Kineretvem se esforçando e fazendo um lindo trabalho há 6 anos. Começamos com 25 dançarinos
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em 2 turmas e hoje já somos cerca de 140 dançarinos, divididos em 7 turmas, 4 delas com homens. Quais são os planos do instituto para o futuro? Para o futuro pretendemos crescer mais. Ampliar o número de dançarinos, continuar a fazer espetáculos lindos, mas principalmente, transmitir a cultura judaica que é tão rica, para as pessoas. Para adquirir ingressos para o espetáculo “CHAI” entrar em contato com Daniel: 8796-8788 ou Diana: 7964-8660.
sem lenço, sem documento em mim o que havia de mais desesperador: eu precisava começar a viver! Precisava urgentemente da poesia daquela cidade, do encanto, e até mesmo das contradições, com as quais cada vez mais me identifiquei. “Eu esperei por essa noite uma semana”, escutava isso e pensava que a minha “noite” era o resto da vida, e de fato, está sendo. Após um ano de Rio de Janeiro, olho para trás e reflito: eu não poderia ter imaginado que viveria experiências tão significativas e momentos tão bons. Provavelmente, os melhores da minha existência, até então. Não poderia sequer cogitar o quanto aquelas pessoas e lugares mudariam minha forma de ver o mundo. Não fazia ideia do quanto aprenderia, do quanto ia crescer e, principalmente: o quanto poderia ser feliz. E sou. Agora eu conhecia a liberdade. E ela muito pouco tinha a ver com o fato de estar só. Eu era livre porque me permitia, não me censurava. Eu finalmente era eu. Desde o andar de chinela em qualquer lugar da cidade até as caminhadas solitárias pisando na deliciosa areia da praia, sorrindo para o mundo, ouvindo as músicas que me despertavam as mais intensas sensações, e me deixando seguir, sem amarras, “sem lenço, sem documento”. Não queria nem precisava me importar com os olhares alheios. Descobri um lugar em que ser eu mesma não representava nenhum escândalo, mas uma questão de princípios. E ao mesmo tempo em que poucos são os
Sentei no quiosque, e, como alguém que está de frente para o desconhecido, simplesmente me extasiei. Eu estava no Rio de Janeiro. Olhei encantada para aqueles prédios enormes, que pareciam ser um complemento ao que havia de realmente fundamental: o mar, a areia e as pessoas. Tudo me pareceu uma combinação minuciosamente perfeita. Meus olhos não estavam acostumados àquela beleza, e foram eles os primeiros a dizer: você descobriu o seu lugar. Não havia dúvida: eu estava apaixonada. Nada fazia tanto sentido quanto estar ali. Nada podia ser tão belo quanto apreciar a vida que havia em cada parte daquela cidade, e, bem, tudo que eu tinha visto era a praia de Copacabana. Era suficiente, entretanto, para encher o meu peito de algo que eu jamais havia sentido: pertencimento. Não é preciso contar a história do ano que passei idealizando minha mudança, cheia de expectativas e medos. Ele passou, e em seu lugar surgiu a realidade com que tanto sonhei. Cada mês que se passava era, então, uma comemoração: eu comemorava o início do que finalmente podia chamar de plenitude. Os medos – os meus e os dos outros, que pareciam querer me fazer desistir daquela aventura, da qual eu não “daria conta” – se foram, não havia motivo para tê-los. Na verdade, eu sempre soube que não estava enganada. Ouvia “Sábado em Copacabana” e meus olhos ficavam marejados, a canção despertava
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“olhares tortos”, muito grande é a receptividade do povo. Aqui tudo me pareceu mais fácil, de uma forma positiva. As pessoas não precisam te conhecer para lhe oferecer um sorriso, e, especialmente: sempre há espaço para mais um. Que mistura freneticamente contagiante! Roda de samba, rock, MPB. Cinema, praia, futebol, cerveja e livros. Geração saúde e uma imensidão de fumantes. A favela está nas ruas, as ruas estão nas favelas. A cultura erudita é cultura popular. O mundo, eu descobri, vai muito além dos nossos umbigos. O carioca é um povo universal e, portanto, me fez “universalizar”. Mas com “carioca”, preciso deixar claro: o clichê se confirma. Acredito que seja possível ter nascido no Rio e não ser carioca, como também é possível não ter nascido aqui e sê -lo. Sim, carioca não é simplesmente alguém que nasce em determinado lugar, é uma forma de se encarar a vida, uma questão de identificação e de sentimento. Em minha experiência como universitária, afirmo sem pestanejar: tive o prazer de conhecer cariocas de todos os cantos desse país, e talvez do mundo. Este é um sonho realizado, um sonho que me inspira inclusive a sonhar. Porém, como tudo que é essencialmente real, fui “obrigada” a ver e sentir as pessoas jogadas pelas ruas, os assaltos imperdoáveis – não da
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parte de quem rouba, mas de quem faz roubar, pois estes sim parecem estar acima de qualquer justiça – e como já disse antes, há ainda as contradições: desta vez, não somente inspiradoras, mas dolorosas de constatar. Como, por exemplo, os meninos e meninas que vivem um eterno Rio 40º, e ainda assim, são responsáveis por fazer desta cidade um lugar dotado de certa magia, um cenário dos mais fortes e belos filmes. De qualquer maneira, não há nada que defina o carioca, além dele mesmo. A alma é o elemento mais importante desse povo. Alma esta que se envolve, se agita, chora, gargalha e grita: tudo isso em uma fração de segundos, que poderia facilmente ser denominada eternidade. As emoções são latentes e tomam conta também do corpo, excitado e excitante. E por isso mesmo, não se deixa essa cidade sem um aperto no peito, sem sentir que parte de você estará faltando, será deixada para trás. Mas, se em algum momento partimos (nós que somos apaixonados pela beleza incomum e delirante desse patrimônio mundial), é na certeza de que iremos voltar. O Rio, tão acolhedor, diria até que “maternal”, me fez sentir pertencente sem estar presa, e, ao mesmo tempo, com o desejo completamente voluntário de permanecer. Pois a vida nunca fez mais sentido. A vida nunca foi mais “sentida”.
Homo Ludens Filas intermináveis circundaram quarteirões de diversas grandes metrópoles do mundo nessa semana. O que, para muitos, poderia significar o lançamento da nova sequencia do filme ou livro de sucesso do momento, foi na verdade o lançamento de um dos novos consoles de video-game. Há quase duas décadas sedimentando seu lugar na cultura pop mundial, os video-games já são parte integral no imaginário das grandes populações urbanas. Desde o Atari e os Fliperamas até os novos Playstations e Xboxs, os consoles - portáteis ou não - já venderam mais de um bilhão de unidades. Um fenômeno comercial, sem dúvida. Mas também centro de uma polêmica; seriam os jogos digitais a mais nova ‘grande’ forma de arte? A questão é delicada. A academia, em setores mais tradicionais, nem cogita a possibilidade, assim como não cogitou o cinema em seus primórdios. Os canais de discussão menos conservadores, porém, são o centro nevrálgico do debate. O surgimento de uma espécie de arte totalmente interativa tem tirado o sono de muitos críticos. Os jogos são, afinal de contas, experiências exclusivamente lúdicas, ou também contém uma experiência estética em si? Nós da revista Ágora vamos expor algumas das particularidades dessa ‘nova’ mídia, para que o debate não seja tão obscuro.
Autoria individual x Autoria compartilhada Esse é o primeiro grande centro de discussão:
Tradicionalmente, a arte é de uma autoria individual. A experiência da obra é universalizada, mas não as conclusões dela absorvidas. Mas o conteúdo é sempre o mesmo, para todos os que com ela entraram em contato. No mundo dos jogos, isso não existe. A interatividade é essencial e molda a própria experiência do jogador. Exemplifiquemos: Uma pessoa vai ao cinema assistir algum filme com outros 2 amigos. Ao fim da sessão, os três terão opiniões diferentes sobre o que viram, mas não irão negar terem assistido exatamente a mesma sequencia de imagens/sons/diálogos. A polêmica em torno da autoria estava no processo de produção do cinema; com dezenas de pessoas envolvidas, a autoria seria compartilhada? Nos anos 60, convencionou-se atribuir a autoria ‘central’ da obra ao diretor da película, o que até certo ponto chegou ao mundo dos jogos. Há uma equipe de dezenas, mas o criador costuma ser o diretor criativo. A questão nos video-games é outra: Se cada um dos três amigos jogar o mesmo jogo, nenhum terá compartilhado da mesma experiência. Um deles poderá ter terminado a narrativa principal horas antes dos colegas, outro poderá ter se forçado
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a completar o jogo em todas as suas possibilidades. Além disso, é na própria dinâmica do jogo em que isso se explicita, não só nas ações em larga escala. Se o jogador 1 percorrer o caminho X até chegar no final da fase, e o jogador 2 seguir o X’, a experiência já terá sido diferente. Esses pequenos detalhes, elevados a enésima potência de horas e horas de duração de cada jogo, acabam transformando cada sessão de jogo em uma experiência completamente única, ainda que restrita pelas opções oferecidas pela programação e narrativa.
Inspiração
Não é raro deparar-se com uma definição da arte que envolva a inspiração do artista. A obra só existe pelo desejo profundo de expressão de um indivíduo e deve surgir somente desse ímpeto. Qualquer tentativa de mercantilizar ou mudar o foco do processo descaracteriza a arte. Para muitos, os video-games esbarram nesse ponto. Ao criar-se, antes de tudo, uma experiência lúdica que visa entreter o jogador, os jogos não poderiam ser arte. São frutos de outra motivação. Os defensores dos jogos contra -argumentam. Para eles, o jogo tanto visa entreter na sua concepção quanto um filme ou livro, na nossa era, visam ganhar dinheiro. E isso não os impediu de reter o status de arte. O jogo, como toda forma de expressão artística, tem suas particularidades paralelas ao puro espírito artístico e isso não o dimi-
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nuiria. O aspecto lúdico, então, não impediria o florescimento da experiência artística.
Dissonância ludonarrativa Há aproximadamente 7 anos, Clict Honting, um designer de jogos, cunhou um termo que entrou com força nas discussões sobre a narrativa nos jogos: A dissonância ludonarrativa. Como visto na questão da experiência, os jogos não são idênticos na sua utilização. Cada jogador acaba, por meio de suas ações - em pequena ou larga escala - criando suas narrativas em paralelo a narrativa da estória da obra. São as ludonarrativas. Um jogador pode fazer com que seu personagem apenas subjugue os inimigos com os punhos; ou com que ele só utilize carros azuis; ou que nunca enfrente nenhum tipo de ameaça diretamente. Essas ludonarrativas, então, compõe o desenvolvimento das ações do jogador dentro do ‘gameplay’ - o tempo em que o jogador controla diretamente o jogo - em contrapartida a narrativa estabelecida nas cutscenes - as inserções cinematográficas entre as seções de gameplay - ou pelo diálogo entre os personagens. Muitas vezes, as duas narrativas se complementam. Mas não são raras as ocasiões em que as duas entram em conflito, quebrando a sensação de imersão tão cara a arte. Segue um exemplo com o jogo mais vendido de todos os tempos, Grand Theft Auto V. Por se tratar
de um mundo aberto, Los Santos, a cidade de GTA V, oferece possibilidades em massa para o jogador entre as missões, que seguem um roteiro fixo. Ao mesmo tempo em que se vê perante um universo de possibilidades, o mesmo jogador controla personagens com narrativas explicitadas no jogo e suas próprias construções de caráter. Nem tudo que o jogador decide fazer tem alguma verossimilhança com a narrativa expandida obrigatoriamente pelo jogo. Essa ‘dissonância’ entre as ações do jogador e as motivações das personagens acaba quebrando a ponte narrativa entre os dois espectros da experiência. Por conta das escolhas da linguagem lúdica dos jogos até hoje, essa dissonância se dá com muita frequencia, sendo o caso de Bioshock o mais famoso. Os críticos, portanto, vêm nisso um impedimento a ‘artisticidade’ dos jogos, já que não haveria uma consistência interna na obra e nem uma construção de sentido e estética completa por parte do autor. Os defensores da mídia, por sua vez, se defendem em dois grupos; os apologistas, que buscam estabelecer uma nova linguagem narrativa, própria aos video-games e que evitam esse tipo de questão, representados principalmente no mundo dos jogos indie; e os mais radicais, que argumentam na existência da dissonância ludonarrativa uma particularidade da mídia que deve ser respeitada, assim como há o narrador não con-
fiável na literatura ou a subjetividade de quadros no cinema e assim por diante. O problema, então, se tornaria ponto-forte.
Resoluções Mas se todos esses problemas surgem, de onde surge a discussão? A primeira vista, a nova mídia parece repleta de barreiras intransponíveis. O que levou um museu como o MOMA em Nova Iorque a adicionar jogos ao seu catálogo? É a criatividade, mãe da arte. Muitos desenvolvedores estão completamente cientes dessas limitações e não pouparam esforços para suprimi -las ou torná-las em vantagens. Dentre as centenas de ótimos jogos já produzidos, falaremos sobre um que conseguiu alcançar um alto patamar artístico a sua própria maneira. Ico. ICO Já considerado um clássico ‘cult’ entre os jogadores, Ico foi o segundo jogo lançado por Fumito Ueda, designer de jogos japonês, e sua equipe Team Ico. O ano era 2001 e o Playstation 2 acabara de começar sua longa história como uma das plataformas mais bem sucedidas de todos os tempos. E Ico surgiu mais do que para sedimentar o catálogo do console, mas para trazer uma brisa de ar-fresco a toda a indústria. A delicada narrativa do jogo une dois personagens; um jovem rapaz, que foi mandado a sacrifício para os confins de um castelo abandonado, Ico; e uma princesa dócil que estava presa em sua própria casa e que não fala a mesma língua do garoto, Yor-
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da. O que parece apenas mais uma história da donzela em perigo, reserva mais nuances do que se imagina a primeira vista. Ico e Yorda não interagem em uma dinâmica de força e fraqueza ou num estereótipo de salvador e resgatada. Os dois personagens precisam um do outro. É uma relação de carinho, em que ambos os jovens, assustados, perdidos e em fuga, vêm um no outro um porto seguro. E esse desenvolvimento não é visto por meio de cutscenes, apenas, mas é fruto da própria narrativa lúdica do jogador. Ao navegar pelo enorme e desolador castelo, as crianças desenvolvem uma relação de cumplicidade. Nunca de mãos separadas - com exceção dos momentos em manter as mãos dadas significaria perigo iminente ou incapacidade de resolver um problema - os dois aprofundam sua relação. Não há linguagem compartilhada, ou tempo de estabelecer uma. Os laços são formados pela própria ação e não em cenas de narrativa. Após as dezenas de horas de jogo, Ico e Yorda estão íntimos justamente pelas ações dos jogadores. Se o garoto é quem ‘protege’ no sentido mais estrito da palavra, já que é quem luta diretamente contra as sombras e a antagonista principal, Yorda serve de porto-seguro de maturidade emocional. Sua aparência angelical não é frágil; é sinal de luz na escuridão gótica. A jornada dos dois infantes pelo castelo é um dos maiores exemplos
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da autoria compartilhada bem sucedida. E é dessa visão do autor, da dinâmica concebida entre Ico e Yorda, que surge a narrativa do jogador. As peças para que o elo entre os dois personagens seja estabelecido estão ali mas cabe a nós, receptores, a dar sentido e significar a memória daquele episódio. O relacionamento dos dois e de nós com a obra é construída através dos pequenos momentos de jogo; de observarmos as paisagens de uma das áreas externas da construção; de subirmos, apressados, as escadas milenares do castelo; de explorarmos a nossa colossal cela. O design baseado na subtração de elementos mostrou sua força. A mentalidade de design inaugurada com Ico se espalhou por toda a indústria, mas nem sempre com a mesma polidez ou aptitude. O que se tem é uma obra única, que demonstra a força do meio para contar histórias por meio das ações compartilhadas, da troca de significações. Ainda assim, a resposta da questão que circunda os video-games não é completamente clara. O que não dá margem para dúvidas, porém, é que se os jogos são uma experiência a parte da arte ou não, são de fato experiências humanas. Em cada jogo, em cada obra, existem mais do que milhares de linhas de códigos ou pixels; em cada um deles existe um desejo humano de expressão e emoção, existe um pedaço do homo ludens.
O trabalho do artista brit芒nico
Nick Gentry mistura negativos de filme, raio-x, disquete de computador, madeira e pintura a 贸leo
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City
por Erik Jones Aquarela, lápis, pastel, tinta acrílica e a óleo/ 2013
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Pro Dia Nascer Feliz:
um espetรกculo inspirador
“Não quero que me imitem. Não quero ninguém atrás de mim. Tenho muito medo de ser porta-voz de qualquer coisa”. Nesta declaração de 1988, Cazuza já mostrava porque seria uma das principais vozes da juventude dos anos 80. Com palavras, ora explosivas e libertárias, ora doces e românticas, Cazuza foi considerado por muitos o grande cronista da juventude brasileira da década de 80. Inspirado nessa história de vida emocionante, chega aos palcos ‘Cazuza Pro Dia Nascer Feliz, o Musical’, de Aloisio de Abreu, com direção de João Fonseca. Pela primeira vez, Cazuza tem os oito anos de sua precoce, porém brilhante carreira cantada no teatro, em pouco mais duas horas e meia de espetáculo, dividido em dois atos. O espetáculo reúne alguns dos maiores clássicos de Cazuza em carreira solo ou no Barão Vermelho, como “Pro Dia Nascer Feliz”
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e “Codinome Beija Flor”. Canções como ‘Bete Balanço’, ‘Ideologia’, ‘O Tempo não para’, ‘Exagerado’, ‘Brasil’, ‘Preciso dizer que te amo’, ‘Faz parte do meu show’ estão presentes no roteiro, que reserva espaço também para composições de Cazuza que ele nunca chegou a gravar, como ‘Malandragem’, ‘Poema’ e ‘Mais Feliz’. O elenco é encabeçado pelo músico e ator Emílio Dantas, de 30 anos, que faz sua segunda incursão em musicais. Lucinha e João Araújo – pais de Cazuza, Bebel Gilberto e Caetano Veloso são algumas das personalidades que ganham vida no espetáculo. Diferente do filme ‘Cazuza, O Tempo Não Para’, de Sandra Werneck e Walter Carvalho, com Daniel Oliveira no papel-título, o musical foi mais além, dando destaque a figuras imprescindíveis na vida de Cazuza, como Frejat, o produtor musical Ezequiel Neves,
Dias e horários: quinta e sexta às 21:00; sábado às 18:00 e às 21:30; domingo às 19:00. Local: Theatro Net Rio – Rua Siqueira Campos, 143, Copacabana Preço: de R$ 100,00 a R$ 150,00 Duração: 150 minutos. Classificação etária: 14 anos. Texto: Aloisio de Abreu Direção Geral: João Fonseca Produção Geral: Sandro Chaim Direção Musical: Daniel Rocha Elenco: Emílio Dantas, Susana Ribeiro , Marcelo Várzea , André Dias , Fabiano Medeiros , Yasmin Gomlevsky, Thiago Machado , Bruno Fraga, Bruno Narchi, Bruno Sigrist, Saulo Segreto, Dezo Mota, Juliane Bodini, Oscar Fabião, Osmar Silveira e Sheila Matos.
além de retratar os romances com Serginho Maciel e com o cantor Ney Matogrosso. Na busca por uma construção próxima da realidade, Aloisio de Abreu partiu das conversas com pessoas próximas a Cazuza e fez uma ampla pesquisa para a criação da estrutura dramática do espetáculo. “Apesar de frequentar os mesmos lugares, eu não conhecia o Cazuza. Entretanto, sempre tive uma profunda identificação com a obra dele, que tem um quê de crônica da nossa época, revelando de forma rasgada comportamentos típicos dos jovens que todos éramos nos anos oitenta”, explica Aloisio. A cenografia traz elementos marcantes do universo de Cazuza. Sua vida ao mesmo tempo, conturbada e poética é traduzida num cenário simples e limpo, sem muitos elementos. O espaço cênico é for-
mado por seis praticáveis que representam palafitas. Como único elemento fixo, aparece uma mesa, que se transforma para compor vários ambientes: o quarto, o bar, o hospital, entre outros. No chão, areia: uma referência ao Arpoador, um dos lugares preferidos do personagem. Três telas completam a composição cenográfica. Nelas são projetadas imagens abstratas, que, segundo o cenógrafo Nello Marrese, remetem a cenas e canções dos anos 80 e dialogam com a estética da época. Compondo um grande clipe, os painéis retratam de maneira simbólica, toda a trajetória de Cazuza. O cenário se mostra fundamental na construção poética e no jogo teatral proposto pelo musical. Longe de uma imitação, o que o público encontra sobre o palco é uma recriação, absolutamente sensível e inspiradora de Cazuza.
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incorpora a energia do cantor e se entrega em uma relação de simbiose emocionante entre ator e personagem. Emílio conta como fez para entrar na onda de Cazuza. “Vi muito vídeo, os bastidores, assisti a várias entrevistas, antes e depois da doença, doidão, sóbrio, prestei atenção na questão das gírias. Fui para São Paulo e voltei de carro ouvindo e cantando Cazuza, captando o jeito dele cantar, o ‘carioquês’, a língua presa…”. O ator precisou emagrecer cinco quilos para o personagem: “Estava predisposto até a perder mais, mas chegamos ao consenso de que não seria necessário, porque há toda a fase dele saudável. Então, para representar a doença, vamos usar uma energia física mais baixa, maquiagem, luz e figurino”, finaliza. Um dos momentos mais emocionantes do espetáculo acontece no
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trecho em que a canção “Down em mim” é interpretada por Emílio, sozinho no palco. Apesar de fisicamente não lembrar muito Cazuza, Emílio tem timbre e linguagem que lembram muito os do cantor. A catarse do público nesse ponto é absoluta. Apesar de ser um musical, Aloisio de Abreu consegue contrapor às canções, falas e diálogos bem estruturados, que permitem alternâncias entre momentos descontraídos e cômicos, como os encontros com os amigos e festas, a cenas e passagens trágicas, como quando Cazuza descobre a AIDS. E assim, a trajetória de Cazuza é recriada pela primeira vez nos palcos. Aliás, nada mais oportuno, num momento em que se reascende no país, como poucas vezes se viu, articulações e movimentos em torno da ética, de transparência públi-
ca, de honestidade em diversos planos, de dignidade. “Não sei quem foi o ufanista que jogou essa bandeira. É uma pessoa louca, porque o Brasil não está em condições de receber manifestações como essa. Inflação de 900%, um monte de denúncias de irregularidades, fora o assassinato do Chico Mendes. Eu estou é triste! Desiludido!”, disse Cazuza para mãe, após cuspir na bandeira pátria durante um show em 88. Hoje, 15 anos depois, as palavras de Cazuza estão mais vivas do
que nunca: “eu vejo o futuro repetir o passado”, mostram que nunca foram à toa e revelam o lado profético do poeta: “O teu futuro é duvidoso, eu vejo grana, eu vejo dor num paraíso perigoso”. A contribuição de Cazuza é essa. Seus versos delicados e cheios de vigor, românticos e motivadores devem ser tomados como incentivo por essa juventude, no intuito de mudar a realidade em que vivemos. Afinal somos nós os jovens. Queremos, devemos e podemos transformar o Brasil.
Com os dois pés no
Japão
Efeitos visuais elaborados e elementos similares aos dos mangás japoneses são traduzidos para a linguagem cinematográfica em uma nostálgica obra
O
sonho de todo amante da cultura japonesa se fez real: os monstros gigantes saíram das páginas dos mangás e foram às tela do cinema. E com uma qualidade impecável.
Esse é o resultado apresentado pelo recente Círculo de Fogo, que chega às lojas, em DVD e Blu-Ray, neste final de ano. O filme é dirigido por, nada menos, que o mexicano Guillermo del Toro. O diretor ficou conhecido pelo trabalho no filme Blade II e pela sequência de filmes do herói Hellboy, tendo sido aclamado pelo fantástico O Labirinto do Fauno. Nessa nova empreitada, del Toro abandona temporariamente as estórias sobrenaturais para fazer uma homenagem a todos os filmes de monstros japoneses – chamados tokusatsus. Gênero fundado pelo cineasta Ishirô Honda em 1954, com o lançamento de Godzilla, os tokusatsu são os filmes de monstros e robôs gigantes produzidos no Japão, que, por décadas, iriam assustar e divertir crianças do mundo todo, mostran-
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do suas intermináveis batalhas entre titãs. O diretor, entretanto, chegou a afirmar que não realizaria nenhuma pesquisa, desenvolvendo o filme de acordo com sua memória, atentando para as influências e os programas que assistia quando jovem. Como o fluxo de programas televisivos dos anos 1970 e 1980, no México, foi bem parecido com os das trasmissões brasileiras, as influências de Guillermo são as mesmas que as nossas, o que aproxima o público brasileiro ainda mais do filme. Isso faz com que o longa se torne uma grande volta no tempo, trazendo à tona programas que assistíamos quando mais jovens, como Power Rangers, Jiraiya, Ultraman e Godzilla. Essas influências são percebidas na própria história do filme. Em sua trama, alienígenas de pro-
porções incalculáveis (kaiju) invadem a Terra, através de uma fenda no oceano Pacífico, sendo combatidos por robôs gigantes (jaeger) criados pelos humanos – tema esse recorrente nos tokusatsus. Dos animes e mangás vem a fortíssima influência de Neon Genesis Evangelion, detectável nos trajes dos pilotos, na forma de conexão entre eles e o jaeger, e no fato dos kaijus virem pelo mar, além de inúmeros outros detalhes. Da série norte-americana Power Rangers (adaptada de um tokusatsu), percebe-se o modo de ataques dos robôs (os mísseis e armas, até a forma de abertura do peito para atacar) e o detalhe mais divertido do filme: quando a personagem Mako, para matar um kaiju voador, ativa uma espada automática pelo painel de controle, exatamente como fazia a super-equipe tokusatsu americana, quando lutava a bordo de seus Megazords. Vamos nos restringir apenas a essas duas influências, que são algumas das mais perceptíveis, porque para citar todas as homenagens feitas por del Toro, seria necessário um livro. Outro ponto que chama muito atenção de todos os apaixonados pela cultura nipônica é a personagem Mako (Rinko Kikuchi). Ela acaba se tornando um piloto de jaeger e parceira do protagonista do filme, Raleigh (Charlie Hunnam). Em todos os sentidos, ela é a representação da figura feminina de um mangá. Desde o fato de
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a personagem ser japonesa (com traços físicos bem característicos), passando pelo seu lado psicológico e chegando às expressões faciais. Ela é tímida, com um ar inocente, puro, aparentemente frágil, mas, ao mesmo tempo, muito forte e destemida, em um retrato perfeitamente construído pela atriz Rinko Kikuchi. Porém, o trunfo da obra não reside necessariamente em sua estória de fundo, ou nos personagens centrais de Raleigh Beckett e Mako Mori, mas no fato de apresentar ao espectador uma trama de teor clássico, que, muitas vezes, se remete à simplicidade eficiente do Guerra nas Estrelas de 1977. Somado a isso, encontram-se os primorosos efeitos visuais. Estes beiram a perfeição, utilizando com primor os mais avançados recursos na arte da computação gráfica, misturados a efeitos convencionais – como sets realmente construídos – estando bem distante das brigas intermináveis e visualmente cansativas de Transformers. Círculo de Fogo não deve ser assistido com preocupações críticas referentes à narrativa ou à profundidade dos personagens, mas, sim, com os olhos de sua criança interior (de uns onze anos de idade), que vai vibrar com os combates entre os monstros gigantes e se encantar com os efeitos visuais. E também não se esqueça de assisti -lo com os seus amigos, nós garantimos que a experiência será muito mais divertida.
Surpresa.
Ele me acompanhou durante toda a noite. Esperou-me sabiamente. Soube o que era preciso para me ter, soube qual era o meu tempo, e com isso, minha resposta jamais poderia ser “não”. Eu já o desejava. Mexeu comigo. Mexeu completamente comigo. Depois de tantas palavras trocadas, de tanto sorriso no canto da boca, de tanto medo da entrega, o meu sorriso estava em seus lábios, os meus lábios em seu sorriso: ele quase debochava do mundo que esquecemos fora das paredes que nos pertenciam. Como tudo que ficou de fora era medíocre! Dança de corpos. Eu ardia com o seu ardor. Ele me aqueceu, me desejou, me possuiu. Nunca, nunca tinha acontecido daquela forma. Ele foi o primeiro depois dos primeiros. Fui violentamente amada, e violentamente amei. Nada era premeditado. E à medida que as coisas avançavam, mais eu amava, mais o queria dentro, fora, perto de mim. O suor refletia a paixão. A paixão era o momento. Nem o antes, nem o depois: vivíamos o “agora”. E o agora
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era um delírio, era o contato da pele, dos olhos, das mãos. Nada escapou: o prazer era da carne, mas não deixava de ser do espírito. Menino bobo. Ninguém “dá nada” por ele. Eu dei. É o que posso chamar de entrega, de comunhão. E depois do calor, veio a água para nos aliviar e purificar o que já era puro. Ela era igualmente prazerosa. Um banho. Molhados um para o outro. Molhados sempre. E depois do cansaço, do frenesi, estávamos renovados, mas poderíamos nos manter naquele ciclo a vida inteira. Brasa, calmaria, brasa... Chamas. Cabelos emaranhados, carícias que se revelavam, pernas e braços entrelaçados, suspiros involuntários e incessantes, a pele se arrepiava pelo mínimo toque. Falávamos a mesma língua, mordíamos o mesmo dialeto. Ele também era meu. E os dois, claramente, transmutaram-se em um. Não foi preciso pensar. Os desejos mais primitivos e espontâneos substituíram qualquer tipo de raciocínio lógico. Éramos homem e mulher: isso bastava. Fazíamos amor e revolução, em todos os seus sentidos, sempre nobres.
Dormimos Nada além disso.
dando qualquer sinal de desejar-te ali. Incomodam-se de que mais alguém se faça presente em seu teatro abandonado. Feliz a época em que, antes da morte, podia-se apreciar sua imagem refletida em desconhecidos olhos desejosos. A manhã é um palco de luzes apagadas, não há mágica ali. Desviamos nossos olhares, mas na boca trazemos o mesmo gosto amargo de quem foi arrancado da vida. De volta à realidade. A rotina é uma sanguessuga colossal, e está sempre faminta. O dia passa lento como um barco à vela, majestoso em toda a sua vaziez. Raramente reinvertemos as coisas, sonhando de dia. São os dias “sim”, acontecem de vez em quando, quebrando a normalidade do mais do mesmo, sempre notáveis, deixando a falsa esperança de que, um dia, todos os dias possam ser “sim”. A consciência de estar dormindo não nos salva de dormir, porém a noção do acordar configura uma referência importante. O que seria da vida sem alguns acordares? Sem sonhos diurnos, tudo seria noite. Sonhos diurnos são acordares inesperados. Sem eles, o ciclo do anseio por inconsciência temporária giraria como uma engrenagem enfurecida, e nós, como bons parafusos, seguraríamos a força G rangendo o mais baixo possível. O óleo de nossas vidas são os acordares inesperados. À eles, todo valor. O resto me dá sono.
Mergulhados na temporalidade que nos rege, cambaleamos pela vida sonolentos, calculando quanto tempo até a próxima soneca. Caindo na ilusão de controle, dormimos em pé, de olhos abertos, num sono diferente do que sugere “dormir” em si. Durante esse, condicionamo-nos a fazer coisas que não queremos a horários estupidamente errados. Tudo errado. Durante o sono-em-pé ansiamos profundamente o sono literal, onde finalmente poderemos perder a consciência por algumas horas. Parece um sonho. Aí, então, sonhamos, dando continuidade à uma vida retalhada. O ideal é se viver 8 horas por dia. No sonho não há limites temporais, pode-se sonhar um ano em 10 horas. Não há o tic tac do relógio contando quanto tempo de sonho você ainda tem, até que ele desperte. O fim é súbito, indolor. Não há retorno pra um mesmo sonho. Vive-se uma vida a cada noite. Tudo troca de lugar, um restart diário, não existe problema que sobreviva a um acordar. Era só um sonho. O tempo de sofrimento por um erro é tão curto quanto o tempo que você teve para pensar em não cometê-lo, e nenhum deles parece tão ruim quanto abrir os olhos. Realidade flexível. Não define a perfeição? A manhã de segunda-feira é o Coliseu social em que todos gladiamos. Os leões acompanham sua entrada nos lugares, sequer
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A
mostra “Jogos Olímpicos – esporte, cultura e arte”, que ocorre no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro, foi aberta ao público no dia 13 de setembro e ficará exposta até o dia 1 de dezembro, com entrada gratuita. A exposição, que conta com o acervo da coleção do Museu Olímpico de Lausanne, na Suíça, tem como objetivo principal incitar e ativar o espírito olímpico nos visitantes, gerando um clima nostálgico pela grandiosidade e importância deste evento internacional. É uma grande oportunidade de visita para quem gosta ou possui algum interesse por esportes e pela história de eventos esportivos. O visitante, ao chegar à mostra, é levado a conhecer a trajetória histórica dos jogos, desde o seu princípio, na Antiguidade, até o seu retorno após um longo período, na Era Moderna, no formato como é conhecido atualmente. A figura do Barão Pierre de Coubertin possui grande destaque na exposição devido à sua importância para com os Jogos Olímpicos, já que ele foi o responsável pelo renascimento da competição. Tamanha é sua
importância que há uma medalha Pierre de Coubertin concedida pelo Comitê Olímpico Internacional aos atletas que demonstrarem alto grau de esportividade e espírito olímpico durante a disputa dos Jogos, como foi o caso de Vanderlei de Lima, que recebeu esta honraria nas Olimpíadas de Atenas, em 2004. Para dar um panorama geral dos Jogos Olímpicos, a exposição reúne as tochas olímpicas, que simbolizam a paz e amizade entre as nações, cativando a atenção do visitante para as diferenças de formato e design, fruto não só da cultura do país sede, mas também da evolução cronológica e tecnológica das mesmas. O caráter simbólico da tocha olímpica traz para a mostra parte dos momentos únicos que passaram no percurso com seus condutores através de imagens e informações sobre as rotas das tochas pelo mundo. Ainda nessa parte da mostra, a tocha olímpica dos jogos de 2012, em Londres, ganha destaque junto com um vídeo que mostra o momento da cerimônia no qual a pira é acesa. Outras cerimônias também são relembradas, assim como a apresentação do Rio de Janeiro como próxima sede dos Jogos no encerramento de
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Londres 2012. Alguns figurinos são expostos e momentos marcantes podem ser revistos em televisores. Os Jogos Olímpicos são realizados para a celebração dos esportes e também estão representados na mostra. Estandes representam cada esporte olímpico e exibem vídeos sobre várias modalidades, elementos que as representam e objetos de esportistas conhecidos. É possível ver uma bola autografada por Pelé, o uniforme de Roger Federer, a sapatilha de Adhemar Ferreira da Silva, o tênis de Michael Jordan, o traje de Cesar Cielo e outros demais objetos de personagens que marcaram a história dos Jogos Olímpicos. O objeto de triunfo e reconhecimento dos atletas, a medalha olímpica, também está exposto e com apresentação de todas as medalhas desde o início dos jogos na modernidade, em 1896 em Atenas, onde, curiosamente, o primeiro lugar não recebia medalha de ouro, mas de prata. A evolução do formato, do tamanho, do desenho, do aspecto simbólico da mesma é fundamental para a percepção e integração do visitante ao espírito olímpico. Afinal, as medalhas estão ali expostas tão próximas como um símbolo de toda relevância e esforço dos atletas que já receberamnas e gozaram a vitória. A exposição continua essa viagem pelos símbolos olímpicos e revela pelúcias de todas os mascotes dos Jogos desde 1900. Essa parte possui vídeos com momentos marcantes que envolveram esses sím-
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bolos. Em grande tamanho para interagir com os visitantes e para ser fotografado, o destaque é para o mascote mais celebrado da história, Misha, dos Jogos Olímpicos de 1980, em Moscou. Outros símbolos também são explorados através de souvenires que cada sede e sua respectiva marca elaboraram, essa parte da mostra foi nomeada “Memorabília”. Uma exposição sobre os Jogos Olímpicos, no futuro país que receberá o evento não poderia deixar de apresentar a trajetória brasileira durante as edições em que esteve presente: quantidade de medalhas, importante momentos, e, principalmente, um balanço sobre o desempenho do Brasil em Londres 2012 retratado por vídeos e gráficos. Após isto, dando continuidade na mostra, os Jogos Olímpicos de 2016 no Rio são apresentados ao público, com informações sobre a escolha do cidade maravilhosa como sede, as instalações e um vídeo que explica a criação da marca que simboliza tais Jogos. Em uma parte exterior da exposição, a interatividade mostra-se ainda maior com propostas e brincadeiras que incentivam a participação de crianças. Curiosidades sobre os Jogos são exploradas e os pequeninos se rendem à diversão e aprendem mais sobre a história dos Jogos Olímpicos. Essa parte possui fundamental importância, por conseguir prender a atenção e instigar a curiosidade até mesmo dos visitantes mais jovens.
Café Ele chega na casa dela bem na hora. O cheiro de café é sentido do elevador, junto com o cheiro dos pães. Ele anda devagar até a porta, procura a chave dentro da bolsa e gira, abrindo a porta e respirando muito fundo. Diz um olá baixinho, quase tímido. Mesmo depois de alguns meses, ainda não se acostumou a ela, ainda não acredita muito que o cheiro seja tão real e que ela, justo ela, o queira também. Ela sorri quando o vê. Ele é tão tímido que às vezes ela se surpreende que ele tenha tido a coragem de dizer algo além do tímido olá, sua marca registrada. Servindo-se de uma xícara de café, ela vai até a mesa bebendo devagar. Senta-se e aproveita o calor que sobe nos óculos, formando uma névoa e embaçando sua vista. Fecha os olhos e sorri, dessa vez pelo gosto. Ele deixa suas coisas no lugar de sempre. Pendura a bolsa com textos e livros, tira a chave do bolso e a pendura também, deixando seu
casaco no braço do sofá. Vai até a cozinha desabotoando a camisa e serve-se de uma xícara. Enquanto o café esfria um pouco, ele olha a boca dela e se deixa hipnotizar. Os lábios de açaí ficam ainda mais escuros e ela umedece a boca a cada pequeno gole. Ele se encosta no balcão e toma um gole, depois outro, depois outro. A boca dela envolve os olhos dele como visgos. Ela sorri e umedece a boca de novo. Afasta os óculos para que a névoa saia. Ele se senta ao lado dela e continua bebendo. A bebida colore a pele da boca e ela para pra olhar cada vez que ele apaga o colorido daquele jeito, sempre contido. Ela pergunta do dia dele, estabelece a conversa. No meio da conversa de repente ele para e descansa a cabeça no ombro dela. Ela beija o topo da cabeça dele e ele se levanta, sorrindo do jeito que faz os olhos se iluminarem. Se aproxima. O beijo tem gosto de café.
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bicho subjetivo quando foi que me tornei esse bicho subjetivo: ontem hoje ou eu?
vago o olho desatento segue o caminho agridoce do tempo no tempo, assim.
o causo do garfo e outras sinas um peixe que tenta nadar no sert達o morre frito e bem servido bem no prato do pe達o
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Lapeando
O que fazer na Lapa antes do sol se p么r
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uando se fala em Rio de Janeiro, um dos primeiros lugares a se lembrar é a Lapa. Ela é a queridinha dos cariocas e dos não cariocas também.
Entender porque as pessoas gostam tanto de lá não é difícil. A região, que antes era apenas um sub-bairro do Centro da cidade e teve sua classificação elevada em 2012, tem uma grande variedade de opções de lazer para todos os gostos. O local é famoso por ser um dos mais ecléticos da cidade, reunindo num só lugar diversas tribos. A Lapa foi reduto de restaurantes e casas de café que reuniam artistas, sambistas e intelectuais. Após a década de 40, o bairro sofreu um processo de decadência e de falta de investimentos com relação à infra-estrutura, que se manteve até o final dos anos 90. Atualmente, o
lugar é conhecido por características que vão além do conteúdo histórico presente na região Central do Rio de Janeiro; ele se tornou um reduto boêmio. Os bares e casas noturnas abertos recentemente têm atraído a atenção não só de antigos frequentadores, como também dos jovens adultos que procuram por diversão na noite carioca. Com isso, a Lapa vem recuperando o status que, há tempos, havia perdido. Durante a noite, a Rua Mem de Sá fervilha com as mais distintas atrações, para os mais diferentes públicos, mas, durante o dia, também há muita coisa interessante para se fazer por lá.
Arcos da Lapa
O Aqueduto da Carioca, popularmente chamado como Arcos da Lapa, é um dos principais símbolos da cidade. Ele foi construído em 1723 e tinha como objetivo conduzir a água do Rio Carioca, que fica no bairro de Santa Teresa, para o Morro de Santo Antônio. O aqueduto foi considerado a maior obra arquitetônica da época do Brasil Colônia. A foto no ponto turístico já é clássica e não há quem visite a cidade e não dê uma passadinha nos belos – mas nem tão bem conservados – Arcos da Lapa. Há dois anos, antes do acidente que deixou seis mortos e 48 feridos, ainda era possível se maravilhar com a vista de todo do Centro do Rio pelo Bondinho de Santa Tereza. A boa notícia é a previsão de sua volta, segundo a Casa Civil do estado, para junho de 2014. Até lá, os turistas terão de se contentar apenas com o passeio por entre os Arcos.
Escadaria Selarón Outro lugar que não se pode deixar de visitar na Lapa diurna é a escadaria do Convento de Santa Teresa, mais conhecida como Escadaria Selarón. A escadaria é obra do artista chileno Jorge Selarón – que começou a azulejar a escada de sua moradia, até então abandonada. Com a inclusão da escadaria em roteiros turísticos, e, portanto agregando maior visibilidade à arte urbana confeccionada inicialmente por Selarón, ele começou a se ocupar da estilização e ornamentação das calçadas laterais
da mesma. O artista contou com azulejos de fãs do mundo inteiro para concluir a segunda parte da escadaria, e isso apenas ajudou a obra a se tornar cada vez mais diversa e plural. A Escadaria Selarón é sempre assunto de diversas revistas, jornais e inclusive já serviu de locação para clipes de músicas de artistas internacionais.
Igreja Nossa Senhora da Lapa do Desterro A Igreja foi a primeira construção feita no local, sendo apenas uma capela até 1751 quando a Lapa ainda era apenas uma praia conhecida como Areias da Espanha e foi responsável pelo nascimento do bairro a sua volta. Os carmelitas, com a chegada de D. João VI, transformaram a capela em igreja em 1810. A igreja é de tamanha importância que foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico (IPHAN). O templo tem arquitetura barroca e possui diversas peças e imagens valiosas.
Passeio Público
O Passeio Público do Rio de Janeiro fica entre a Lapa e a Cinelândia e foi o primeiro parque público do país, inaugurado no século XVIII. No lugar que atualmente é o Passeio Público ficava a Lagoa do Boqueirão que foi aterrada, dando origem ao parque. A criação dele valorizou a região e, em pouco tempo, o parque tornou-se o grande ponto de encontro da população carioca entre os séculos XVIII e XIX. O Passeio Público possui mais
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de 90 espécies de árvores de grande porte e conta com a presença de diversas aves e pássaros em sua extensão. Aos domingos de manhã, é sede de uma feira de colecionadores de selos e cartões postais antigos. O parque está aberto para visitação diariamente das 9h às 17h.
Feira do Lavradio A Feira do Rio Antigo, conhecida como Feira do Lavradio, acontece todo primeiro sábado do mês das 10h às 19h, há 17 anos. As casas de época ainda de pé dão um toque especial ao passeio, tornando a arquitetura local um dos principais atrativos. A criação da feira foi uma tentativa de revitalizar um canto que se encontrava esquecido na região central da cidade. No local há mais de 400 expositores que vendem diversos artigos como antiguidades, roupas, objetos de decoração e artesanato e há um toque de exclusividade já que as peças são produzidas em pequena escala. “Gosto daqui porque encontro coisas diferentes e únicas”, diz a intercambista canadense Briana Anderson, e esse é um pensamento constante de quem costuma frequentar a feira. Para quem se interessa por itens decorativas, objetos retrô ou vinis raros, a Feira do Lavradio é o local perfeito para encontrá-los. Para completar o clima vintage, nos dias de feira, é possível assistir a shows gratuitos de samba e chorinho e também artistas de rua.
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Restaurantes Depois de mergulhar no universo das antiguidades da Feira do Rio Antigo, nada melhor do que uma parada nos restaurantes das redondezas que ainda mantém o clima saudosista da feira. Ainda na Rua do Lavradio, o antiquário Rio Scenarium oferece não apenas deliciosos pratos, como também shows de jazz, chorinho e bossa nova. O tradicional restaurante Capella tem como especialidade da casa um delicioso cabrito assado. Outra opção na Lapa, para o almoço, é o Bar Brasil. “Sempre que vou ao Bar Brasil, depois de dar uma volta pela Feira do Lavradio, peço a costela defumada. É uma delícia e o preço vale muito a pena.”, Bruna Miranda, moradora da rua Gomes Freire, confessa. Cursos A Lapa conta também com uma variedade de cursos ligados à música e ao circo. Durante a semana, a Escola Livre de Artes (ELA), localizada no Circo Voador – um tradicional espaço cultural da cidade onde, à noite, acontecem shows intimistas de bandas independentes a atrações internacionais – oferece cursos livres que englobam dança, percussão, acrobacias aéreas e teatro. A Fundição Progresso, outro espaço cultural localizado bem ao lado do Circo Voador, também oferece cursos de acrobacia, circo, cinema e percussão com o conhecido bloco de carnaval Bangalafumenga.