Desjudicialização brutal na acção de despejo via BNA!

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Raposo Subtil – OA 2013

Desjudicialização brutal na acção de despejo via BNA! As lutas corporativas no sector da justiça são conhecidas e, porventura, terá sido essa a razão que justifica a liderança da alteração do regime do arrendamento – agilização das acções de despejo – pela Ministra da Agricultura, que não podendo intervir na alteração da orgânica judiciária criou um BNA, só para a sua reformazinha, que dispensa Tribunais, Juízes e Advogados. Efectivamente, despois de um longo período de debate, tendo em vista resolver o problema das pendências judiciais ao nível das acções de despejo (em special com fundamento na falta de pagamento das rendas), a Ministra da Agricultura apresentou como solução a criação do Balcão Nacional dos Despejos (mais tarde sujeito designado por BN Arrendamento), para assegurar a tramitação extrajudicial das acções de despejo. Num ambiente de reforma do mapa judiciário, com as Autarquias a lutar pelo seu Tribunal, o contentamento foi geral: todos aplaudiram e gritaram "agora sim", com o BNA nacional, vamos ter um mercado de arrendamento forte e a garantia de que os contratos de arrendamento serão cumpridos -. sem juízes e advogados tudo se resolve em 3 meses (cfr. consta da nota justificativa do diploma)! Os representantes dos senhorios e dos arrendatários, assim como os restantes operadores do mercado imobiliário, preocupados com a actualização das rendas (regime transitório) e com os despejos para realização de obras de reabilitação, entenderam que a criação de um organismo administrativo (BNA), dirigido por um funcionário público, poderia constituir uma solução, reproduzindo o lamento: “os Tribunais não funcionam, nem nunca irão funcionar”. Por seu lado, todos os ditos intelectuais e pensadores que tinham defendido que a matéria e conflitualidade do arrendamento era da máxima relevância para o equilíbrio dos direitos constitucionais (direito à habitação versus direito à propriedade) e da estruturação do direito dos contratos tipificados, cujos condicionamentos à autonomia privada tinham sido objecto de profundos estudos doutrinários e fundamentadas decisões judiciais (para sustentar caduco vinculismo dos contratos), ficaram "mudos" ou dedicaram-se a combates de "corpo a corpo" como aconteceu com a Ordem de Advogados. Sem margem para dúvidas, a criação deste BNA, constitui a maior e mais grave desjudicialização (retirar do âmbito da organização judiciária, suprimir o controlo judicial e dispensar a intervenção obrigatória dos advogados) de uma componente das relações sociais com implicações económicas a diversos níveis, nomeadamente: no equilíbrio do funcionamento do mercado do arrendamento e na regulação efectiva de conflitos entre senhorios e arrendatários, com implicações ao nível da gestão dos condomínios (até apresente data, os contratos de arrendamento tinham de ser objecto de resolução via Tribunal). Em suma, o que antes era um acto judicial passa a ser uma decisão do BNA, o que antes era um pedido judicial de despejo passa a ser um requerimento tipo (cujo modelo será aprovado por Portaria) dirigido ao BNA directamente pelo senhorio (a intervenção do advogado não é obrigatória) e, por último, o que antes era uma decisão/sentença do Juiz passa a ser um selo digital aposto no BNA (no artigo 15E, número 2, consta "o título de desocupação do locado é autenticado com recurso 1


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Raposo Subtil – OA 2013

a assinatura electrónica"). Em síntese, os guardiões do templo da justiça, que ensinaram e proclamaram o direito à justiça dos Tribunais, certamente preocupados com as lutas corporativas, deixaram demolir um pilar da sua estrutura normativa e cultural, reconhecido por todos como inquestionável nos domínios do acesso ao direito e à justiça (após a promulgação da Lei passará a existir a justiça do BNA!). Para surpresa de muitos, nem mesmo este atrevimento de desjudicialização das Acções de Despejo via BNA será cumprido como foi anunciado, dado que foram introduzidas na Assembleia República alterações à Proposta de Lei nº 38/XII, pelo que, se o arrendatário pedir apoio judiciário não tem de depositar as rendas vencidas e não pagas e, nos restantes casos, deposita uma caução "até ao valor máximo correspondente a 6 rendas" (uma portaria do MJ irá aprovar os critérios, mas o valor máximo da caução já está fixado na Lei). Como por muitos foi alertado, o objectivo estratégico visado com a Proposta de Lei de "agilização do procedimento de despejo" não será alcançado, nem a dinamização do mercado do arrendamento, sendo que a intervenção do BNA, com competência em todo o território nacional, ao nível da tramitação do procedimento extrajudicial de despejo, será totalmente ineficaz, na medida em que, por regra e não existindo entrega livre e voluntária do imóvel pelo arrendatário, o requerimento (de despejo) não será convertido em título de desocupação, por ser imposta a sua remessa para Tribunal (para que não existissem dúvidas, no artigo 15º-T (Disposições finais) da citada Proposta de Lei, foi acrescentado que, também, estão sujeitos à distribuição em Tribunal "os demais actos que careçam de despacho judicial"). São conhecidas as razões das elevadas pendências judiciais que têm por base um pedido de despejo por falta de pagamento de rendas, assim como a forma como podem ser reduzidas sem que os processos sejam retirados dos Tribunais (desjudicialização via BNA), pelo que esta solução apresentada pelo legislador só pode significar que perdeu uma oportunidade de reformar o Código do Processo Civil introduzindo novas regras, como por exemplo: a dispensa de citação prévia e/ou a citação por iniciativa da secretaria judicial (sem que os autos fiquem à espera da douta decisão judicial "cite-se o arrendatário") e a emissão de mandados de despejo por decisão do secretário judicial e/ ou oficial de justiça (sem que os autos aguardem meses pela douta decisão do juiz "cumpra-se o despejo"). O medo de reformar o sistema de justiça, redistribuindo competências e reforçando as exigências sobre a actuação de todos os operadores judiciários, não pode legitimar uma desjudicialização contra os Tribunais, que é prejudicial aos interesses dos cidadãos menos esclarecidos, os quais serão tentados a dispensar o seu Advogado e a depositar a sua pretensão nas mãos de um “funcionário não sujeito a controlo deontológico”, que remeterá o processo para actuação extrajudicial a “um agente de execução e/ou notário” e, surgida a confusão, para distribuição ao Tribunal da Comarca!

António Raposo Subtil www.rapososubtil-oa2013.pt 2


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