Raposo Subtil – OA 2013
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E os direitos dos cidadãos no anunciado “procedimento extrajudicial pré-executivo”?
O
procedimento
extrajudicial pré-executivo
(à
data objecto
de
anteprojecto do Ministério da Justiça) visa permitir que o credor, munido de um título executivo idóneo para o efeito, proceda, por via da contratação de um agente de execução, à consulta a várias bases de dados, a fim de averiguar se o devedor tem bens penhoráveis antes de ser instaurada a correspondente acção executiva. Munido dessa informação, poderá o agente de execução comunicá-la, sob a forma de um relatório, ao credor requerente, que pode optar entre convolar este procedimento em processo executivo ou, se assim o entender, notificar o requerido devedor para o pagamento da quantia em dívida, de uma só vez ou em prestações, celebrar acordo de pagamento, indicar bens penhoráveis ou opor-se ao procedimento. Como actos previstos em sede desse procedimento - actos esses que poderiam ser feitos no tribunal, com todas as vantagens para os direitos dos cidadãos - contam-se: a consulta, em sede extrajudicial, de bases de dados (nomeadamente a do Banco de Portugal); a notificação ao requerente do relatório baseado nessas consultas; a notificação do requerido, para que este proceda ao pagamento da quantia em dívida, apresente proposta de pagamento em prestações ou indicar bens penhoráveis ou ainda se oponha ao procedimento, tudo com a cominação de, na ausência de resposta, vir a ser incluído na lista de devedores pública. O Governo, no seu furor de “desjudicializar sem critério” relações sociais relevantes e, mais uma vez, dando um passo atrás na necessária e urgente reforma da organização judiciária, pretende atribuir a “agentes de execução” actos, e o seu respectivo controlo, que hoje são da competência do Juiz. 1
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Poder-se-á questionar se, nos novos tempos de austeridade e na incapacidade de fazer a reforma do judiciário, o poder executivo pode “chamar a si” a supervisão de actos materialmente de natureza jurisdicional, retirando dos tribunais o que designa por “procedimento extrajudicial pré-executivo”, sem que, por isso, ofenda o princípio constitucional da “tutela jurisdicional efectiva” e o princípio da “indispensabilidade do patrocínio forense para a boa administração da justiça”. Não aceitamos tal pretensa justificação, atendendo ao âmbito, efeitos e consequências do mencionado procedimento pré-executivo! Mencione-se, desde logo, a já referida inclusão automática de cidadãos na lista pública de devedores. Acresce que, o controlo do procedimento denominado de “préexecutivo” (o que não entendemos o que seja), é atribuído, por efeito do art. 27.º do referido anteprojecto, aos “órgãos de fiscalização e disciplina da actividade dos agentes de execução”, que, de acordo com um outro anteprojecto, também da iniciativa do Ministério da Justiça, corresponderão à Comissão para o Acompanhamento e Controlo dos Auxiliares da Justiça (CACAJ), a qual será criada sob a tutela do membro do Governo responsável pela área da Justiça. Por outro lado, como consta do parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados os actos em causa respeitam a dados relativos à situação patrimonial de pessoas singulares, os quais são protegidos pela reserva da intimidade da vida privada, caindo por isso no âmbito da protecção expressa dos artigos 26.º e 35.º da Constituição da República Portuguesa. Tal previsão constitucional, só por si, impediria a desjudicialização do procedimento designado como extrajudicial, cujos actos (inclusão dos devedores na lista pública de devedores) nem sequer constam de uma base de
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dados sujeita ao controlo jurisdicional. Como resulta do disposto do artigo 15.º do anteprojecto, decorrido o prazo de 20 dias sobre a data da já mencionada notificação do requerido sem que este actue (pagando ou opondo-se ao procedimento), o agente de execução procede (estando a isso legalmente obrigado) à inclusão do devedor na lista pública de devedores. E quanto a custos para os credores (taxas, despesas, honorários, etc), este procedimento é mais barato do que a apresentação de um requerimento executivo via tribunal, seguindo os subsequentes actos? Não. Na verdade, é necessário ter em consideração que, observando a actual tabela remuneratória fixada para a fase 1 do processo executivo, cabe ao agente de execução fixar livremente os respectivos custos (variando estes entre € 0,00 e os € 127,50), pelos actos que realizará, nomeadamente em processos sem citação prévia, de recepção e análise do processo e do(s) título(s), pesquisas do património do(s) executado(s) e notificação do exequente com o resultado das pesquisas. Dessa forma, poderá verificar-se a situação de a opção pelo novo procedimento ficar mais dispendiosa ao requerente/credor, visto que este implica, nos termos do anteprojecto, o pagamento do valor de € 76,50 ao agente de execução, fixando-se, a priori, um valor para este procedimento. Oferece então este procedimento vantagens face ao que hoje é possível em sede de processo executivo? A resposta surge clara e negativa. Nas execuções ditas “judiciais”, nomeadamente as que não estão sujeitas a despacho liminar e a citação prévia, não só encontramos prevista a consulta das bases de dados pelo agente de execução, como também, a possibilidade de o requerente/credor indicar que, perante o resultado da referida consulta, concluiu pela inexistência de bens susceptíveis de penhora do requerido. Sendo este notificado para praticar actos equivalentes aqueles que o novo procedimento vem consagrar.
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Assim, será de concluir que o regime em vigor, tal como previsto no Código de Processo Civil, já permite alcançar a generalidade dos objectivos pretendidos com este novo procedimento, denominado de “extrajudicial” e “pré-executivo”. Ademais, aquando da oposição pelo requerido, este será remetido para o tribunal competente, correndo neste de forma autónoma. Sem que com isso, se veja outra vantagem que não seja a da ilusória redução de pendências judiciais. Efectivamente, violando as garantias constitucionais, aquilo que se pretende alcançar por via da entrega pelo credor (pré-exequente) do título de crédito directamente (sem o patrocínio do advogado) ao agente de execução (escolhido e dirigido pelo credor), é a prática de actos jurisdicionais, sem controlo do Juiz, em especial as diligências que estão previstas no actual Código de Processo Civil e as que ora se acrescentam. Assim, em todo o novo procedimento dito de “extrajudicial”, o agente de execução assumirá o estatuto de um verdadeiro profissional liberal, situação agravada pelo facto de a sua actuação apenas poder ser objecto de reclamação para os “órgãos de fiscalização e disciplina da actividade dos agentes de execução”, conforme disposto no artigo 28.º, n.º 1 do anteprojecto, ficando fora da alçada de controlo por parte do tribunal competente para a execução. Nessa medida, o regime previsto no anteprojecto aparenta visar defender interesses alheios aos do credor, que não colhe vantagens de monta face ao estabelecido no regime do processo executivo em vigor. Não só representa uma potencial maior onerosidade, como não se antevê onde residirá a celeridade deste procedimento. Em suma, com a aprovação de um futuro “procedimento executivo” baseado no anteprojecto em apreço, estaria aberta “mais uma porta” à prática
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de actos jurisdicionais por entidades administrativas e por “agentes de execução” em exercício de funções como profissionais liberais e na dependência directa dos exequentes; limitação que tem servido para, no passado recente, reforçar os seus poderes processuais em sede da reforma do Código de Processo Civil!
Face a tal pretensão do legislador, cabe perguntar: E os direitos dos cidadãos?
António Raposo Subtil (www.rapososubtil-oa2013.pt)
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