Jorge Adoum - Poderes ou o Livro que Diviniza

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JORGE ADOUM

PODERES OU O LIVRO QUE DIVINIZA UNIVERSALISMO


ÍNDICE

PRÓLOGO DA EDIÇÃO EQUATORIANA PRÓLOGO À EDIÇÃO PORTUGUESA 1.

DEUS-HOMEM

2.

NATUREZA-MULHER

3.

HUMANIDADE-AMOR

4.

O REI DA CRIAÇÃO

5.

A RELIGIÃO

6.

O BEM E O MAL

7.

TRIUNFO OU LIBERTAÇÃO

8.

A JUSTIÇA

9.

A SABEDORIA

10.

O MATRIMÓNIO OU O SEXO

11.

A FORÇA

12.

O SACRIFÍCIO

13.

A MORTE

14.

O MOVIMENTO OU A REALIZAÇÃO

15.

O DESTINO

16.

A QUEDA

17.

VERDADE E MENTIRA

18.

VOLUPTUOSIDADE E TEMPERANÇA

19.

A FELICIDADE

20.

RESSURREIÇÃO OU RENASCIMENTO

21.

O JULGAMENTO OU A VOZ DA CONSCIÊNCIA

22.

A PERFEIÇÃO


PRÓLOGO DA EDIÇÃO EQUATORIANA Que esta obra, querido leitor, se consuma como ínfimo holocausto no altar da humanidade e por amora Ela! A humanidade atual sofre sede abrasadora e, em vez de buscar as fontes vivas para acalmá-la, corre a saciar a ânsia no próprio sangue que, em lugar de aplacá-la, a aumenta. Todo homem busca a felicidade e, nas aras de sua ventura, sacrifica o irmão, o filho e a esposa; mas, uma vez feito o sacrifício, vê que a felicidade se desvaneceu como fumaça. Então, inventa religiões, escolas e partidos políticos, com a crença de que na união se fará a força; mas estas mesmas religiões, escolas e partidos se convertem em inimigos acérrimos do homem, porque estão baseados sobre o egoísmo e o amor pessoal desenfreado. O ser humano, porém, filho dos deuses, jamais se considerou vencido e aspirou eternamente a conquistar o tesouro perdido da felicidade; começou, pois, a desafiar os mesmos deuses com a arma mais poderosa, que é a ciência, mas também verificou que esta arma é muito mais perigosa mesmo nas mãos do seu próprio inventor e que milhões de inventores foram as primeiras vítimas da ciência por eles criada. Este é o estado da humanidade até hoje. Surgiram das massas alguns seres que quiseram reformar e regenerar o mundo com a doutrina do amor e traçaram um novo caminho para a felicidade; mas foram perseguidos: uns morreram loucos, outros, envenenados, e outros, crucificados. Sem dúvida, o mundo segue sua marcha em busca da felicidade e da verdade. Mas, que é felicidade e que coisa é a verdade? Muitas são as respostas, mas para nós, não há mais que uma só e é a seguinte: A felicidade é o cumprimento das Leis Fundamentais da Natureza e a verdade é o absoluto conhecimento dessas Leis.


O objetivo da religião, das escolas e da ciência é chegar ao conhecimento da verdade para gozar a felicidade; mas, desgraçadamente, os homens fabricaram várias roupagens para a religião e para a verdade e se converteram em admiradores e adoradores dos coloridos dessas roupagens sem prestar atenção alguma à verdade oculta nas suas vestes. Desde que o grande Mestre disse: “Buscai o reino de Deus e sua Justiça”, os homens trataram de materializar esse reino e limitá-lo em religiões, ciências e escolas filosóficas. A humanidade atual divide-se em três grupos, tal a diversidade de opiniões: a primeira crê cegamente no que disseram os antigos e se veste com o mesmo vestuário dos antecessores, sem parar, embora seja o vestido gasto pelo uso, e aceita, sem discussão, a letra morta. A segunda, que é diametralmente oposta à primeira, não crê em nada, senão no que possa ser medido, pesado e percebido pelos sentidos. A terceira, cujo número é muito limitado, trata de seguir o que disse Buda a seus discípulos: “Não creiais em nada que não esteja de conformidade com a razão, nem negueis nada sem examiná-lo bem, por mais contrário que vos pareça”. Para esta minoria está escrito este livro, mas não para os crentes fanáticos, nem para os cientistas que pretendem tudo saber; tampouco está dirigida àqueles falsos mestres de escolas e ordens intituladas herméticas que pretendem vender poderes a seus discípulos que os compram a dinheiro. A obra Poderes ou O Livro que Diviniza está editada para os irmãos que desejam alcançar a Verdade, despida de todo o véu, verdade que ilumina o homem desde o centro de seu ser, desde o Sol íntimo. Os poderes divinos não se compram nem são vendidos: são como a luz do sol que está sempre no espaço; depende somente de que o homem saia para recebê-los ou viva nas trevas da ignorância. Pode ser que o autor da obra Poderes não tenha dito tudo que deveria dizer, nem como se deve dizer, porém pelo pouco que tenha dito, disse o que disseram os poucos e verdadeiros Mestres, e à maneira do rouxinol, que canta porque sente necessidade de cantar. Na vida do homem há mistérios, mas há certos seres que são mistérios na própria vida.


Quando aos amigos da revista Eu Sou chegaram certos fragmentos da obra Poderes ou O Livro que Diviniza, escrita pelo irmão Doutor Jorge Adoum, conhecido como o Mago Jefa, houve desejo de editá-la, sob bons augúrios, porque encontraram nela grande interesse, muito embora com os seguintes tropeços: 1.º – O autor não crê que sua obra seja digna de sair à luz. 2.º – Que ele não deve contribuir para aglomerar mais cadáveres literários nas livrarias e bibliotecas. 3.º – Que ele não se considera um mestre para dar normas aos demais. 4.º – Está satisfeito em levar uma vida oculta e ignorada por todos e não quer que seu nome seja divulgado como autor e literato. Então, os mais chegados amigos seus (dentre eles, este que escreve este prólogo) trataram de convencê-lo, fazendo-lhe várias perguntas que, com as respostas, publicamos neste prólogo, porque têm interesse espiritual e manifestam o caráter do autor. Falamos: Permite-nos dirigir-lhe algumas perguntas? O Doutor Adoum respondeu: – Com muito gosto. – Por que escreveu esta obra se a julga indigna de ser publicada? – Eu também padeço da enfermidade das palavras – e acrescenta sorrindo – verborreia –; porém, em vez de falar, escrevo, de modo que cada maníaco tem seu tema. – Não lhe agradaria eternizar seu nome? – Somente quem crê no fim, na morte e na extinção de seu nome trata de eternizá-lo; mas Eu Sou eterno, abarco a eternidade em Mim e não necessito eternizar aquilo que não me poderá acompanhar na eternidade. – Então, publique-a para o bem de sua pátria.


– Minha pátria! O mundo é muito pequeno para ser dividido em nações. Eu não quero ter nação, nem bandeira, nem religião e nem partido. O mundo deve ser uma só pátria, cuja bandeira é o sol, cuja religião é o amor e cujo partido é o sacrifício; porque, enquanto a humanidade estiver dividida em nações, religiões e partidos, continuará escrava da desgraça até o dia de sua morte. – E o amigo pratica o que diz? – Está aí neste ponto minha desgraça, meu caro, e estriba-se em crer que pratico o que digo; por isso lhe disse, desde o princípio, que o único ser que pode e deve dar normas aos demais é o mestre que pratica seus próprios conselhos. – Que entende por Mestre? – O Mestre é aquele ser que vive o Amor e o Sacrifício, e seu exemplo cria uma religião e uma escola para os homens. – Onde se encontram e como se chamam esses seres? – Não posso responder porque não sei, mas posso dizer que todos os conhecidos que se dizem mestres não o são, porque o verdadeiro mestre está em toda a parte e seu nome é ainda desconhecido. – E as escolas, as ordens, as lojas e fraternidades? – Respeito-as, como respeito a todas as religiões, porque, todavia, são necessárias. – Onde aprendeu esta filosofia? – Agora, me cabe também fazer-lhe esta pergunta: Onde o rouxinol aprendeu a cantar? Outro amigo lhe dirige esta pergunta: – Acha o amigo que nesta obra não existam sequer dez frases que mereçam ser lidas? – A tanto não chega a minha humildade; sim, pode haver até mais. – Então, a obra nos pertence – disse o interpelador – porque o Senhor disse a Abraão “Não a destruirei por amor aos dez”.


E foi uma risada geral. Triunfou nossa insistência; o Mago Jefa dirigiu-se ao seu escritório, apanhou dois volumes e, entregando-nos, disse: – Aqui estão as duas obras. A primeira chama-se Poderes ou o Livro que Diviniza e a segunda é As Chaves do Reino Interno que é a parte prática das chaves do Poder que se encontram na primeira. Fazei delas o que bem vos pareça, mas lembrai-vos que haveis profanado a tumba do meu silêncio. – Gratíssimos, Doutor; mas lembre-se também que este é um dos poucos casos em que as palavras são mais úteis que o silêncio. Uma vez realizado o nosso anelo, toca a vós, queridos leitores, dar-nos a opinião que tivestes acerca da presente obra. Se Poderes contribui para encaminhar a humanidade na senda da perfeição, chegarão até vós as Chaves do Reino Interno, com o desejo de que constitua o complemento da primeira. Se, ao contrário, não vos agradou, desculpai-nos termos colocado nossas esperanças, ao publicá-lo, de que seria de utilidade, e lembrai-vos que se deve também julgar as obras pela intenção com que foram feitas. Agradecemos efusivamente aos amigos da revista Eu Sou, que demonstraram praticamente que seu interesse único é trabalhar para o progresso espiritual, em cujas aras sacrificam constantemente tudo que está ao seu alcance para consegui-lo. António J. Chedick Quito, outubro de 1940.


PRÓLOGO À EDIÇÃO PORTUGUESA A Fraternitas Rosicruciana Antiqua sente-se imensamente feliz ao reeditar Poderes ou O Livro que Diviniza, do Mestre Adoum (Mago Jefa), com a colaboração direta da FEEU. Sua primeira edição portuguesa, dada à luz há mais de 20 anos, época em que o Dr. Adoum ainda estava no plano físico e honrava nossa Fraternidade com suas instruções pessoais, desde longa data acha-se esgotada. Trata-se, pois, de uma necessidade a reedição, que só foi postergada por motivos alheios à nossa vontade. Aos leitores que travam contato com os ensinamentos do Mestre pela primeira vez, solicitamos muita meditação em suas palavras, pois encerram sempre verdades veladas que só o íntimo pode ajudar-nos a desvelar. Esta obra poder-se-ia classificar como uma introdução aos Ensinamentos Mágicos que o Mestre tão bem desenvolve em suas obras seguintes. Não façam, ó leitores, lhes pedimos, um julgamento da obra antes de completarem o seu estudo, pois evidentemente seu trabalho deve ser avaliado com auxílio da percepção do EU SOU e não somente com os olhos e a consciência materiais. Lembrem-se sempre que esta obra aponta o caminho que se descortina, principalmente, em seus outros trabalhos: As Chaves do Reino Interno, O Reino ou O Homem Desvendado, A Sarça de Horeb. Esta tetralogia encerra a síntese dos seus ensinamentos, que consistem em nos orientar na compreensão e na manipulação de uma das maiores forças do Universo: O PODER CRIADOR. Relatou-nos um discípulo muito chegado ao Mestre Adoum que ao inquirir-lhe qual seria a mais pujante das magias, este lhe respondeu: “A mais poderosa das Magias é o AMOR”. Portanto, leitores, aprendam e pratiquem a arte do Amor, que tão magistralmente o Mestre nos ensina em Poderes.


Caso, pelo menos, um trabalhador da Grande Obra possa melhor usar sua Retorta, seguindo as orientações do Mestre, a Fraternitas Rosicruciana Antiqua não terá feito um esforço em vão e sentir-se-á plenamente recompensada.

Fraternitas Rosicruciana Antiqua Rua Sabóia Lima, 77 – Tijuca 20521 – Rio de Janeiro (RJ)


DEUS-HOMEM Sou o homem entre Deus e a Natureza como um ponto de luz por sobre o abismo. Em mim mesmo me encontro e, enquanto cismo, de um Sol a luz radiante me embeleza. E, por detrás do véu, a singeleza da alma esfuma, com amor, todo o egoísmo. Minha verdade oculta, em simbolismo, em criador e criatura me empaveza. EU SOU ELE, ELE É EU; o que está em cima com o que debaixo está igual se rima; de matéria e de Deus eu sou formado. Deus-Homem e Homem-Deus sem divisório: Acima – sou Espírito incorpóreo; e, abaixo – sou Espírito encarnado.


CAPÍTULO 1

DEUS-HOMEM Hermes disse: “O que está em cima é como o que está embaixo e o está embaixo é como o que está em cima”. A Escritura afirma: “Vós sois deuses”. E eu digo: “Se acreditas em Deus, conhece-O. E, se não acreditas n’Ele, procura transformar-te n’Ele. Quem és tu? perguntou Moisés a Deus e Deus, longe de poder definir-se, responde: Eu Sou Ele. No idioma árabe o homem também não consegue definir-se a si mesmo. Para dizer Eu Sou, ele emprega estes dois pronomes: Eu Ele ou Ele Eu, o que significa Eu Sou Ele ou Ele é Eu e que equivale a dizer Eu e Ele Somos Um. Quando o Poder Divino quis derramar seu Amor sobre um ser amado, emanou uma substância de sua essência, fê-la adquirir uma forma, dessa forma fez brotar a vida, a vida engendrou a sensibilidade, a sensibilidade criou o coração e o coração formou o homem. Nesse ponto deteve-se o Poder porque sentiu que o coração o envolvia nas chamas do Amor. Sua língua, então, disse: Eu Sou Ele. Assim o Amor dilata o coração do homem até abarcai o Infinito. Deus é a circunferência, o homem seu eixo. Deus é a vida, o homem movimento. Assim como não pode existir movimento sem vida, tampouco pode haver vida sem movimento. Deus é o homem invisível e o homem é Deus visível. Deus é espírito incorpóreo, o homem é espírito encarnado.


Se o homem tivesse princípio, Deus deveria ter fim, como Deus não pode ter fim, o homem não pode ter tido princípio. Eu não posso existir sem Deus e Deus também não pode existir sem mim porque sem mim Ele seria incompleto, seria imperfeito, sendo imperfeito, não poderia ser Absoluto. Se Deus é perfeito, devo ser a sua perfeição. “No princípio Eu era o Verbo e o Verbo era Deus”. Isto equivale a dizer: “No princípio era Deus e Deus era com o Verbo”. Que Sou Eu? – Eu Sou Ele. Quem és Tu? – Eu Sou Ele. Não posso definir a mim mesmo. Ele tampouco pode fazê-lo. Portanto, somos ambos indefiníveis e como não podem existir dois Deuses indefiníveis, Eu devo ser Ele e Ele deve ser Eu. Ele, sem mim, não pode manifestar-se e Eu, sem Ele, não posso Ser. Ele é a semente que encerra em si a árvore e o fruto, Eu Sou o fruto que encerra, em latência, a semente e a árvore. Eu e Ele somos uma só Verdade e nos manifestamos pela aparência. É minha imaginação que criou todos os mundos visíveis que jaziam invisíveis na essência de Deus: Deus é a razão que determina aos mundos por meio de minha imaginação. Quando o Ser quis ver, infundiu o desejo em minha imaginação e esta criou olhos. Só existe uma Lei e ela é a seguinte: Toda forma visível é a expressão (de ex = fora e pressão = pressionar) do invisível. Em outras palavras: Eu Sou visível por Aquele invisível que está em Mim. Eu Sou Ele e Ele é Eu. São Paulo disse: “N’Ele nos movemos, vivemos e temos o nosso ser”. Por que não podemos dizer:


Em nós Ele se move, vive e tem o seu ser? Para chegar à Verdade é mister rasgar-se a falsa aparência; para atingir-se à Divindade é preciso fazer emudecer os sentidos mentirosos. Para conhecer a Deus é preciso conhecer-se a si mesmo e para conhecer-se a si mesmo é preciso separar-se dos sentidos porque os sentidos são os instrumentos da expressão interna e desde quando o instrumento pode compreender o seu inventor? Minha imaginação é a ponte entre Deus e os sentidos. Dirigida para fora cria, guiada para dentro sabe. Crer que Deus é algo sobrenatural a mim é ofender a Deus e investir contra a minha natureza. Como Deus pode ser sobrenatural, sendo Ele mesmo minha natureza? Quem não for capaz de adorar Deus em si mesmo não encontrará outro Deus para adorar. Deus é a Unidade em Mim. Eu Sou Ele e Ele é Eu. Deus é a Dualidade em Mim: Espírito e Matéria. Deus é a Trindade em Mim: o Pai é o poder em minha cabeça, o Filho é o Conhecimento em meu coração e o Espírito Santo é o movimento em meu sexo. Eu Sou o Verbo, Cristo crucificado na matéria. Deus é Espírito, mas minha imaginação O fez carne. Deus é a Realidade, mas minha imaginação o transforma em Atualidade. Deus é o Princípio Divino e minha imaginação é o Princípio da Criação. Deus é a Vontade e minha imaginação é a Natureza Criadora. Deus é a Causa e minha imaginação é a Força. Deus é o Poder e minha imaginação é a Atividade. Deus é o Sol e minha imaginação é o Calor. Deus é o Pai e minha imaginação é a Filha. Deus é o Filho e minha imaginação é a Mãe.


Deus é o Espírito Santo e minha imaginação é a Esposa. Deus é interno e invisível, mas minha imaginação O expressa e manifesta. Deus é substância (de “sub” = em baixo e “estare” = estar) e minha imaginação O individualiza. Deus não pede que O adorem mas exige cooperação. Rezar a Deus é negáLo, ao passo que trabalhar com Ele é conhecê-Lo. O objetivo das religiões não é rezar mas trabalhar para vencer a ilusão dos sentidos. Rezar significa ficar escravo de forças enquanto trabalhar equivale a dominá-las. Se uma religião me ensina a amar a Deus é uma religião falsa porque o Amor supõe a existência do amante e do amado e como Eu Sou Ele e Ele é Eu, como posso amar a mim mesmo? Deus, que é o próprio Amor, não precisa amar a si mesmo; exige docilidade para que Seu Amor seja expresso na Natureza. Admitir que Deus me criou é afirmar que eu criei Deus. Eu Sou Ele e Ele é Eu. Ele é a raiz e Eu Sou a árvore. Ele é o Sol e Eu Sou seus raios.

A CHAVE DO PODER Em estado de relaxamento, fechar os olhos e os ouvidos e repetir conscientemente esta frase: “Eu Sou Ele, Ele é Eu”. Se o pensamento obedecer à imaginação não tardará o êxtase que decifra as palavras de São Paulo: “Nenhum olho humano viu, nem ouvido humano escutou jamais o que Deus preparou para os Seus eleitos”. O que equivale a: Sentir-se Deus e dominar os espíritos invisíveis.


NATUREZA-MULHER Deus-Homem. Do uno veio o Nascimento da Natureza – esposa e companheira – e unido o Deus à Deusa, a vez primeira vibrou no espaço a vida em movimento. Foi bendito e fecundo o casamento; a Humanidade-Amor, qual a roseira, abriu-se em rosas na amplidão inteira e se povoou a terra e o firmamento. E a Unidade se fez então binário, sendo a mulher um como que santuário de Deus, do seu Poder, do seu Carinho: e assim, para atingi-lo, em clara senda de paz, fugindo da febril contenda, tem-se a mulher qual único caminho.


CAPÍTULO 2

NATUREZA-MULHER DEUS-NATUREZA = HOMEM-MULHER Deus casou-se com a Natureza e deu nascimento ao homem. O homem casouse com a mulher e deu nascimento a Deus. A Natureza é o templo de Deus. A mulher é o sacrário que santifica esse templo. Quem adora Deus na mulher não precisa ir a nenhum templo. Para descobrir os mistérios da Divindade é preciso penetrar no coração da mulher porque quando Deus emanou de Si a Natureza habitou em seu coração. Quem não ama a mulher não sabe amar a Deus. Deus quer o que a mulher quer. Aquele que não mistura seu elemento com o da mulher nada pode criar de bom para si nem para os demais. O homem é mente que pensa; a mulher, intuição que inspira. Pensar é ter cérebro, intuir é ter coração; o cérebro trabalha, o coração adivinha. O homem-Deus lança seus raios à semelhança de Júpiter. Minerva-mulher derrama a sabedoria. Ele é a força e o poder, ela, o conselho e a previsão. A Força vence, a Sabedoria convence. Ele franze o cenho e desencadeia a tempestade; ela sorri bondosamente e apazigua a tormenta. Ele destrói com vingança, ela perdoa com clemência. O homem é o Fogo Divino, a mulher é quem mantém e manterá nele esse fogo sagrado. Os deuses falam pela boca da mulher e despertam no duro coração do homem os mais ternos sentimentos.


O império do homem é o despotismo, o da mulher é a doçura. O despotismo endurece o coração, a doçura abranda-o. Ele ordena, ela suplica. Ele é o tirano, ela o freio que lhe modera os impulsos. O erro do homem é suavizado pelo pranto da mulher. Não há furor que se não atenue ante a lágrima da mulher amada. As gotas de orvalho dão nova vida às pétalas murchas das rosas; as lágrimas da mulher ressuscitam as qualidades mortas no coração do homem. Sorri o sol e dissipam-se as trevas do mundo; sorri a mulher e dissipam-se os íntimos sofrimentos de seu amado. Se és homem deves divinizar-te por meio da mulher. Se és Deus deves humanizar-te por meio dela. Ela é o caminho de ida e volta. O homem diviniza-se na mulher; ela manifesta a divindade dele. Em meio às suas tribulações, o homem tende a procurar a mulher como confidente e esta, mercê de seu poder espiritual, converter-se-á em sua melhor conselheira e enfermeira. Suas palavras são fonte de alívio, suas mãos manancial de saúde e de seu encantador sorriso emana a coragem. A influência mental da mulher é invisível, porém necessária para a conservação da vida do homem, tal como o elemento feminino no reino vegetal, a fim de assegurar a reprodução das plantas. O homem é o Rei da Criação, a mulher o mais sublime dos ideais. Como cérebro, o homem, à semelhança de um dínamo, fabrica força; a mulher, como coração, produz Amor. A força mata, o Amor ressuscita. A palavra oriunda do cérebro fere; a do coração cura. O coração da mulher é a fonte da sabedoria e se tornará gênio aquele que beber de suas águas. O cérebro do homem pode dar origem ao gênio mas este não poderá voar, a não ser com as asas do anjo-mulher. A força física do homem oculta a sua debilidade interna, a debilidade física da mulher serve de véu para esconder sua força ingente e íntima.


Todas as dúvidas e sofrimentos fogem ante a presença da mulher amada. Estás aflito? Recorre à mulher, que é o consolo dos aflitos. Estás doente? A mulher é a saúde dos enfermos. És pecador? A mulher é o refúgio dos pecadores. És impuro? Lava-te nas lágrimas da mulher e te tornarás puro. A mulher é a divina arte que nada imita mas explica a Divindade com símbolos. A mulher representa a mais elevada beleza de Deus. O amor a manifesta, o desejo mata-a. A mulher é o mais formoso pensamento do Absoluto que deve ser captado pela inteligência e não pelos olhos. A mulher é a lei da Beleza e a lei deve ser obedecida, não infringida. A mulher é a religião da Natureza, cuja moral deve ser sentida e não murmurada. Deus é uma palavra misteriosa e a mulher Seu significado. Para conhecer a Deus é preciso conhecer-se a si mesmo Para estudar Sua Natureza é preciso estudar a mulher. O Absoluto só se manifesta através da Natureza. O homem só se manifesta através da mulher. O homem precisa da mulher para sua liberdade. A mulher é o ponto de apoio sobre o qual o homem pode levantar o mundo. O homem em Deus é a Justiça; a mulher n’Ele é a misericórdia. A mulher é a Árvore da Ciência do Bem e do Mal cujos frutos causam a morte ao libertino e vida aos parcimoniosos e prudentes. Ninguém se atreve a divulgar este segredo porque dele emana a morte. Muitas vezes, porém, a ignorância é pior que a morte. Pode ser que o conhecimento conduza à loucura, mas a loucura, na Sabedoria, produz o gênio.


Existem cores e sons, o Amor é o segredo que os combina. Quem não sabe combiná-los é um morto-vivo e quem os combina ignorantemente estoura sua retorta.

A CHAVE DO PODER A mulher é a árvore da ciência do Bem e do Mal cujos frutos encerram Morte e Vida. Até hoje o homem só provou os frutos letais e vive como morto. De hoje em diante deverá provar os frutos da Sabedoria, a fim de ressuscitar no Reino do Amor. É preciso buscar a esposa espiritual. Bem-aventurado é aquele que a encontra em sua própria mulher, pois, se assim não for, será preciso buscar esse ideal em outra, a ela unindo-se espiritualmente. Os imprudentes, no entanto, devem tomar cuidado! A união espiritual não comporta união sexual, que é cegueira e morte. Será preciso amá-la sem desejo e adorá-la sem profanação. Há excitação? Tanto melhor! Devidamente manejada por meio de chaves que daremos criará: felicidade, sabedoria, abundância, coragem e domínio sobre os sofrimentos.


HUMANIDADE-AMOR A vida é amor e o amor é, igualmente, vida, elixir vital, morte e veneno; é tapete de flores, fresco e ameno; é paul, céu e inferno concludente. E sendo vício, o amor é dom crescente; alívio no sofrer; na angústia, um treno; um filete de luz, de gozos pleno e um bálsamo à ferida que se sente. É, a um tempo, saber e ignorância. Luzbel dos jovens, anjo bom da infância, impotência e poder, débil e forte, é o fogo do amor, sagrado e puro, que abranda o coração mais torpe e duro, pois onde existe Amor não entra a Morte!


CAPÍTULO 3

HUMANIDADE-AMOR A plenitude ama o vazio. Deus ama a Natureza. O Poder ama a Sensibilidade. No princípio, o Poder desposou a Sensibilidade e engendraram as formas. Onde há Poder também há Sensibilidade, onde há Deus há matéria e onde há Pai há Mãe. O Poder Uno desdobrou-se em Sensibilidade, porém os dois continuam unidos em prol da geração: o laço do Amor. O Poder Uno converte-se em diversidade: a Sensibilidade Una converte-se em variedade, mas, apesar disso, o Poder continua habitando o coração da sensibilidade e esta continua sendo a periferia do Poder. Face à diversidade, o Poder converteu-se em muitos poderes. Face à variedade, a Sensibilidade transformou-se em muitas sensibilidades. Todo poder separado da Sensibilidade não representa coisa alguma. Toda sensibilidade separada do Poder transforma-se em morte. O Poder unido à Sensibilidade é a própria existência. A Sensibilidade unida ao Poder é a consciência. Na separação repousa a debilidade enquanto na união reside a força. Nenhum Poder existe sem Sensibilidade e nenhuma Sensibilidade existe sem Poder. Que há no espaço infinito? – Matéria sensível. Que há por trás dela? – Um Poder. Donde emana esse Poder? – De um coração.


Todo coração é depósito de força íntima para a manutenção do próprio sistema. No entanto, o que é o coração? – É o centro onde se unem o Poder e a Sensibilidade. Que é Poder? – É o Amor que vibra em todas as formas. Que é Sensibilidade? – É o Amor do Poder. Porém, que é Amor??? É o Mistério dos mistérios! É a força das forças! É a Sensibilidade das sensibilidades! E DEUS!! No Amor não cabe preferência e sem preferência não existe escolha. Na Sensibilidade, porém, há força e na força há liberdade. O Amor e a Força das forças são um só mistério. Um coração que ama irradia luz e suas irradiações iluminam. A vida sem amor é uma árvore sem flores e sem frutos. Não existe Amor sem beleza nem beleza sem Amor. O Amor sem beleza é desejo. A beleza sem amor é inércia. Vida, Beleza e Amor são as três pessoas do Deus-Homem. Amor é sacrifício. Amor sem sacrifício é egoísmo. Deus ama sem desejo e o homem deseja sem amor. Essa é a única diferença entre ambos. Deus, por amor, fez-se homem e o homem, por amor, faz-se Deus. O amor tem três fases: receber sem dar, dar e receber e, finalmente, dar sem receber. A primeira denomina-se paixão e é sexual; a segunda, desejo e é humana; a terceira é amor, sendo Divina. O amor sexual desenfreado embrutece o ser humano e apaga a luz divina em seu cérebro. No entanto, o amor sexual bem dirigido diviniza o homem e manifesta sua Divindade.


Aquele que ama em espírito pode fixar demoradamente o Sol. O amor sexual busca prazer. O amor humano é comercial: recebe para dar. O Amor Divino dá sempre e a recompensa o profana. O Amor é a sede de dar, a plenitude que se dilata no vazio. Viver amando é viver evoluindo. Quem irradia amor atrai amor. Quem irradia desejos colhe tribulações. O Amor é a chave de todos os mistérios e de todos os arcanos. O homem é o centro do amor equilibrante entre Deus e a Natureza. O Amor é a imortalidade entre a Vida e a Morte. Quem desobedece ao Amor, desobedece a Deus. O Amor abriga a alma com raios que emanam dos olhos e oferece a taça da verdade com a palavra que emana dos lábios. O coração triunfa pelo amor e seu ritmo dança com ele. A felicidade é a sombra do amor que desce com os raios do sol e entra nos pulmões com a canção das brisas, transportando o homem nas asas luminosas da felicidade. O amor é o poder existente entre a vontade e o desejo. O verdadeiro amor é a voluptuosidade do espírito. O desejo é a voluptuosidade dos sentidos. Quem ama obedece à Lei mas quem deseja obedece aos sentidos. O amor deve ser absoluto para que possa existir e o amor absoluto é a própria Eternidade experimentada pelo homem. O verdadeiro amor deve abarcar o Infinito. A maior das desgraças é não poder amar sem desejo pois quem não pode amar vive desejando e seu desejo será seu próprio inferno. Na aridez do despeito só pode medrar a raiz da paixão. Nem o próprio Deus pode aumentar algo à felicidade do amante porque o amor é o centro da ventura e a circunferência da plenitude.


O amor acende a coragem mas a paixão a apaga. O amor ressuscita mas a paixão mata. O amor enaltece mas o desejo envilece. O amor é beleza mas a paixão é a fealdade. Um é luz, o outro é fumaça. O homem ou a mulher que se alimenta com desejos apagam a chama sagrada do Amor. Todos os matrimônios convencionais são adultérios legalizados. Não existe amor sem sofrimento nem sofrimento sem amor. O amor é a foice que poda, sem compaixão, os galhos secos do desejo, a fim de cuidar da vida da árvore. O amor derrama o sangue do coração para com ele lavar as manchas que aderiram à carne. A chama do amor clama sempre por holocaustos e seu único alimento é o coração. Ó, Amor! Ó, Força das forças! Tu és criador! Enche, pois, os corações com o teu fogo sagrado e aceita-os como dignos holocaustos.

A CHAVE DO PODER Como se pode amar sem desejar? A pergunta comporta fácil resposta, mas difícil aplicação prática. Este livro, no entanto, foi escrito para os valentes e para os valentes tudo é possível. Todos os desejos têm de ser transformados em amor. Uma mulher formosa cativa-me com sua beleza e excita-me? Imagino-a, então, como minha mãe, como minha irmã ou minha filha! Nada mais! Meu desejo, assim, transformar-se-á em amor. Uma pedra preciosa no dedo de meu próximo fascina-me? Faço de conta que está no dedo de minha filha. Através do amor sem desejo o homem reina no Céu e domina o Inferno.


O REI DA CRIAÇÃO As garras do temor, com virulência, espinhos põe nos pés de peregrino; e este fica temendo ao que é divino e a força antiga em fraquejar convence-a. Mas a vontade do homem é a credência de Jasão, ao vencer o Velocino de ouro; e quem a possui muda o destino sem manchar nem a mão, nem a consciência. O valor da vontade! É um bem trazê-la em nosso coração, como uma estrela que afugenta o temor à luz divina. Não vale quem nações vence e conquista: é mais herói aquele que se enrista contra a matéria e espíritos domina.


CAPÍTULO 4

O REI DA CRIAÇÃO Tudo aquilo que gera o Espírito sai pelos sentidos. Toda criação sensorial é um reflexo da vontade criadora. A trindade do homem acha-se resumida na vontade e revela-se pela obra, a boa obra confere poder, o poder governa. O Espírito é a luz interna que difunde seus raios para o exterior por meio dos sentidos. Se os invólucros dos sentidos são grosseiros e densos, a luz interna não pode chegar com nitidez ao mundo, ainda que continue brilhando no interior. Há, no homem, poder e realização. Tudo aquilo em que o homem acredita pode ser realizado por meio da vontade. Os sentidos são o instrumento da vontade, sem ela não teriam razão de ser. A matéria se espiritualiza, o Espírito se materializa para e por meio dos sentidos; tal espiritualização e materialização são realizadas pela vontade: os efeitos são o prazer e a dor sentidos pela alma. No entanto, também pela vontade os sentidos podem tornar-se insensíveis ao prazer e à dor passando a viver acima de ambos. A vontade é a máquina que debulha a espiga dos sentidos até revelar a nudez do grão. A vontade é o marco que separa o prazer da dor. A vontade tritura os sentidos, mói-os, depura-os, amassa-os com lágrimas, submete-os ao fogo sagrado para, depois, oferecê-los como pão aos anjos. Que é a vontade? – É o Espírito que flutua sobre as águas da Gênese. É a força que domina o mundo. A flor é o hino da vontade da árvore. O filho é o fruto da vontade paterna.


A vontade é o “fiat lux” da Divindade. Existe uma lei: o homem obtém espiritualmente em razão inversa ou contrária do que injustamente desejou por meio dos sentidos. O coração anseia muitas coisas. As paixões empanam a poderosa luz do Espírito. A férrea garra do desejo sujeita, tenazmente, o Poder. O desejo vai sufocando, dia a dia, a vontade até chegar à razão, obrigando então o cérebro a cumprir seus objetivos. O cérebro, sob a influência do desejo, constrói ídolos de barro para, depois, adorá-los. O anelo do Eterno acende a chama da vontade para fundir o ferro que aprisiona o cérebro e libertar o verdadeiro Ser de seus grilhões. O homem é homem pela virtude de sua vontade e não pela virtude de sua inteligência. Segundo o desenvolvimento da vontade vê o homem as coisas. Conhece-te a ti mesmo, significa desenvolve tua vontade. A vontade do homem é, em essência, igual à de Deus e dispõe de sua onipotência. Como ELE pode criar, porque o que é de Deus é Deus e tudo que valha à pena criar deve ser bom. Tudo que se relaciona aos sentidos causa repulsão e dor; porém a dor que tortura a alma firma a vontade e a vontade ispira à extinção da dor. A vontade deve subjugar a vida para vencer a morte, sabendo que não há nascimento nem morte e que só se vive no eterno. As correntes do Poder buscam as profundezas da humildade. A desconsideração alastra-se na árvore do orgulho. O louvor é a fragrância da modéstia. A libertinagem é a putrefação do Prazer. A vontade é o pólo positivo do homem, o desejo é o pólo negativo.


A Vontade Criadora não é Vontade de viver nem veículo ou instrumento do Absoluto, porém é a emanação da mente do Absoluto Interno e Invisível. Todo poder é inerente à vontade, toda debilidade está ao lado do desejo. Omar Khayaan afirmou num de seus cantos: “Enviei minh’alma à região do invisível com u’a mensagem e ela voltou com a resposta, dizendo: Eu sou meu próprio céu e meu próprio inferno”. A vontade é a segunda concepção da Sabedoria, sempre benfeitora porque é forte, ensina a Cabala. A essência da Sabedoria é a vontade criadora. A vontade é o poder plasmante da plenitude. As três pessoas, em Deus, resumem-se na Unidade. As três pessoas, no homem, unem-se na vontade. A Vontade é o Poder Mágico que se revela nos quatro elementos do homem, de acordo com a ciência profana, e nos quatro corpos, segundo a ciência mística espiritual. Armado de tal Poder, o homem torna-se dono do mundo e o mundo o adorará como a um Deus. O mundo tridimensional é dominado pela quarta dimensão ignorada e invencível, que é a Vontade. A Vontade do homem é o Poder Absoluto que cria continuamente e transforma constantemente. A Vontade é a única possibilidade inesgotável em cujo seio repousa a origem de todos os seres. É a chama da vida, que, uma vez acesa, inflama tudo quanto caia dentro de sua circunferência. Assim como a vida é a chispa do Espírito, assim a Vontade é a chama da vida. Desde que a chispa do Espírito existiu passou a existir a chama ativa nas coisas e toda ação da vontade há de efetuar-se nas coisas e por meio delas.


A Vontade é o gérmen na semente, o vigor na árvore, o aroma na flor, o sabor no fruto e o todo no homem.

A CHAVE DO PODER Ter vontade é dominar os quatro corpos ou elementos. Domina-se o elemento fogo ou corpo vital, sobrepondo-se aos hábitos, inclinações e temperamentos: isto é praticar a religião do Espírito Santo, sem blasfemar contra Ele. Domina-se o elemento água ou corpo dos desejos com o estudo e a prática: equivale a professar a religião do Filho. Domina-se o elemento ar ou corpo mental pela respiração e concentração: equivale a praticar a religião do Pai. O corpo físico ou elemento terra é dominado pelo alimento puro e pelo jejum para manifestar a vontade da Trindade. O objetivo desta chave é obter a saúde e a vida; ter domínio sobre a saúde e vida dos demais. Praticar esta chave é compreender o mistério da cruz.


A RELIGIÃO Una e indivisa é a vida universal; o Cosmos todo com amor palpita. E está no coração, por Deus escrita, a religião, qual fonte divinal. Porém das mentes túrbidas, o mal vem torvar nossa fé e nos incita a decifrar a Deus, a Quem limita em teorias de cunho temporal. O coração é um como altar latente onde o Pai é mirado, frente a frente, de onde emana bondade e puro Amor. É religião do rouxinol o canto, a fragrância da flor, bem como o encanto do homem quando se torna em Criador.


CAPÍTULO 5

A RELIGIÃO Imaginar é ver, falar é criar. A Religião deve ser imaginação, a oração deve ser criação. Religião (de re-ligare) é tornar a unir-se a Deus, a juntar o que foi separado por meio da imaginação, assimiladora das imagens, que reflete o espírito no homem. A luz da Verdade, quando ilumina a imaginação, converte-se numa verdadeira Religião, porém, ao querer atravessar os sentidos, refrata-se neles como em água estagnada repleta de lodo e de escórias. O erro da Humanidade consiste em criar, por meio dos sentidos, uma religião para os próprios sentidos. Toda imaginação pode criar sua própria Religião e ser a sacerdotisa imaculada do Espírito, de modo a não lançar suas pérolas aos porcos, nem o divino aos sentidos. Ter Religião é possuir uma obsessão; sentir a Religião é sentir Deus em si mesmo. A Religião é a Verdade desnuda e aquele que a veste com cerimônias, a fim de não ferir sua moral, converte-se na toupeira que não pode contemplar a nudez do Sol. A Beleza é a Religião do sábio. O cientista que dita leis para a Beleza está querendo mudar o curso das estrelas. O canto do rouxinol é a expressão da Religião interna. O aroma da flor é sua religião íntima. A obra do homem é sua Religião. Quem pretende adorar longe de sua obra está tentando construir sua casa sem material e sem ferramentas. Viver a vida é a Religião da Verdade.


Deus não é um ser que dorme noite e dia num templo, esperando que um ou muitos cheguem para acordá-Lo. A Religião é a necessidade de trabalhar, de comer, de brincar, de descansar e de dormir. Nossa Mãe Natureza é a melhor obra da melhor Religião. O arado do lavrador é a oração mais digna da Religião natural. A fome, a sede, o pranto, o riso, a doença, a saúde, a felicidade, a desventura, o trabalho, o descanso, a liberdade, a escravidão, tudo isso são preces de Um ao Todo. A prece é a expansão do Coração para envolver o Ser. Deus fala um só idioma que é o Amor. Não pode entender outras palavras ocas e vazias diferentes do Amor. Ele tampouco pode escutar outros sons senão os do Amor. Que são, nesse caso, os ruídos e os pedidos pessoais? A Religião não deve ser a flor dos sentidos mas a raiz da liberdade. A Religião não é o fruto dos desejos mas o desejo de frutificação. Balbuciar muitas preces é ser escravo porém de ninguém. Quem suplica por meio do Verbo nada receberá porque a finalidade do Verbo não é implorar com humilhação, mas dirigir através do Poder. Quem suplica para si mesmo nada receberá, porém, a quem intercede tudo lhe será dado. Em verdade, em verdade vos digo: Quem não adora ao Supremo Ser dentro do próprio coração não O encontrará em nenhum outro templo. “Em verdade, em verdade vos digo: Chegarão tempos em que não se adorará o Pai nem nesta montanha, nem neste Templo de Jerusalém, mas em Espírito e Verdade”. A língua deve ser a harpa do Espírito, na qual entoe a Religião sua melodia. Não deve ser, porém, a Religião harpa da língua, de onde brote a confusão babilônica.


Em toda Religião há bons e maus, porque a Religião é, a um tempo, boa e má. A Religião da Verdade, porém, que é sinônimo de Lei, não tem bons, nem maus, mas apenas sacerdotes verdadeiros e sacerdotisas da Beleza e do Amor. A Religião da Verdade está na Natureza inteira: nos prados, desertos, mares, montanhas e bosques. Ela fala ao vento e as tempestades a obedecem. Seres há que, acreditando-se religiosos, adoram o demônio e ensinam que ele é o verdadeiro Deus. Toda religião que premia com Céus e castiga com Infernos é falsa e conduz à adoração do Nada, ainda que tenham sido necessárias até hoje. A Humanidade precisa de uma Religião. O sábio cria sua própria Religião. Muito gloriosa é a Religião de natureza externa, porém maior glória ainda apresenta a de natureza interna. A única Religião do homem deve ser o Amor. Toda religião que disputa não é uma Religião de Amor e, por conseguinte, é errônea. Todas as aves do bosque cantam e cada canto, ainda que diferente, é tão formoso como o outro. Assim deve ser a Religião do coração: cada ser, sem disputa, nem briga, deve entoar o melhor hino interno ao Amor que une. A religião é o alento animador do Ser no Ser. A Religião é a autoridade do Amor no coração; é a atração natural da vida universal. A Religião é a beleza da inteligência e a inteligência da beleza. Toda Religião deve ser bela; não sendo bela não pode ser amorosa, não sendo amorosa não pode ser verdadeira. Amor é Religião e Religião é Amor. A Religião é a fonte inesgotável da beleza e a beleza é a Religião mais digna dos deuses. A Religião é una como Deus é Uno. Ter várias Religiões é ter vários deuses em conflito.


Se eu fosse dono e senhor do mundo queimaria todos os livros religiosos e, no lugar deles, escreveria uma só frase: Amar e trabalhar.

A CHAVE DO PODER A melhor prática religiosa consiste no seguinte: Em estado de relaxamento e tranquilidade, fixar toda a atenção no próprio coração, que é altar e santuário da Divindade. Deus está no coração e não precisa da súplica de ninguém, assim como o sol não necessita que imploremos a sua luz para que nos ilumine. O sol ilumina porque essa é sua lei. Deus derrama toda a Sua bondade porque essa é a lei do Seu Ser. A única Religião do homem deveria ser esta: unir a vontade e os pensamentos à Divindade Interna e ficar quieto. Não é preciso pedir nada. Ela sabe, melhor do que ninguém, as necessidades do homem. Praticando isto, o homem será invulnerável e invencível em todos os momentos da vida e nem a pobreza, nem o infortúnio poderão atormentá-lo.


O BEM E O MAL Ao contemplar o abismo de meu peito encontro o mal e o bem numa contenda. Inimigos, trilhando a mesma senda, jungidos vão à trela do direito. O bem e o mal, senhores do proveito, história têm em seu favor, e lenda. E o proveito, servindo-os, referenda era a um, era a outro, o seu conceito. Não há mal que de um bem não nos provenha, nem bem algum que em outro mal se atenha, sendo entre os dois o Ser crucificado. O bem humano de seu mal, não dista: O bem é o prazer do homem egoísta; e o mal – o grande amor do torturado.


CAPÍTULO 6

O BEM E O MAL Não existe nem Bem nem Mal. Há somente a Lei dentro da qual, no entanto, podemos distinguir o Bem e o Mal. O Mal é tão necessário para a Lei como o Bem. Que realidade não possui a sua sombra? O Bem é a harmonia do ser consigo mesmo e com seus desejos. O Mal é a desordem. O sofrimento não é um mal mas um remédio um tanto repugnante que cura o mal e restaura a harmonia. Toda a consequência natural e inevitável é um bem disfarçado com as roupagens do mal. Deus em si não é nem bem nem mal, é a Lei Infinita. Só os homens Lhe atribuem o Bem e o Mal. O covarde inventa um Deus covarde e tirano. O fraco forja um Deus forte e vingativo e, desse modo, cada defeito do homem dá origem a um novo Deus e um novo santo; seus fiéis ensinaram-no a ser bom e mau à vontade: aspectos impossíveis de serem encontrados a não ser em deuses inventados. Aquele cujo espírito está livre da ilusão do Bem e do Mal permanecerá de pé durante a batalha da vida. Quem ama a Lei sem o temor do castigo, sem a ambição da recompensa não morrerá jamais porque bebeu a água da imortalidade. Todos os homens vivem encerrados na ignorância como num ovo. Praticam o Bem para serem recompensados e temem o Mal como castigo. O escravo da recompensa é tão escravo como aquele que teme o castigo do Mal. O Mal é, na verdade, o combustível que alimenta a chama do Bem. A dor do Mal esporeia o homem desapiedadamente mas o leva a vencer o erro e a seguir adiante.


O Mal é, na maioria das vezes, um Bem disfarçado e o Bem, inúmeras vezes, procura seu alimento até mesmo nos corações mais putrefatos. O Bem e o Mal são o verso e o reverso da mesma moeda. O homem é bom por natureza e se fez mal porque o privaram de suas necessidades. Deus é a Lei mas nessa Lei encontra-se o Bem e o Mal porque sendo Ele a Causa Suprema, assim deve ser; se em Deus não se sintetizassem, igualmente, o Bem e o Mal, deixaria de ser universal. O homem em si não pode fazer o Bem nem o Mal, ao passo que quem o faz é o espírito interno que opera o Bem ou o Mal mediante o organismo do Homem ou seus sentidos. O sol encerra em si o Bem e o Mal: seu calor vivifica e mata. Seus raios tanto derretem a neve quanto queimam. O Bem e o Mal encontram-se em Deus e cabe ao homem escolher um ou outro. No entanto, em que consiste o Bem e o Mal? Existem essas duas faces da Lei em Deus? De acordo com o Intelecto o Bem é o que agrada enquanto o Mal é o que repugna. Para o Espírito, no entanto, que prescinde do Intelecto, porque dele não precisa, não xiste nem Bem nem Mal mas apenas a Lei que paira acima de ambos. Usar a Lei é um Bem, abusar dela é um Mal. O Espírito subsiste no intelecto, transforma-o em pensamento e a razão o divide em bem e mal. O Espírito, no entanto, não é intelecto nem razão. Consequentemente, não é nem o bem nem o mal porque ambas as coisas são invenções do intelecto. Amar a Deus é o supremo ideal da vida, afirma o homem religioso, e é o supremo bem ao mesmo tempo. Ninguém, no entanto, soube amar a Deus até agora. Adaptar-se à Lei é um Bem; infringi-la é ferir-se a si mesmo. A árvore da ciência tem em seus frutos o bem e o mal juntos.


Quem vive desejando os frutos do bem vive alimentando-se dos frutos do mal. Todo bem é relativo e, sendo relativo, deve ter algo de mal. A mente humana forma ela mesma, a seu modo, o próprio paraíso ou o próprio inferno, embora esses dois estados não existam em realidade. Apesar de bem e mal serem inseparáveis, vivem sempre em conflito dentro da mente do homem. Ninguém consegue conhecer o bem a não ser através do mal. O mal é uma imperfeição individual, o bem é a harmonia universal. Enquanto o homem tiver medo do mal não poderá amar o bem. Sem a sombra a luz não se manifesta. Sem a mentira a verdade não se torna patente. O bem e o mal são as duas forças que mantêm em equilíbrio o universo: um atrai e o outro repele. Enquanto o coração sentir ódio pelo demônio não poderá sentir amor por Deus porque dentro do coração não podem caber ódio e amor ao mesmo tempo. A grande obra do homem é ver o bem no próprio mal, a fim de atingir a compreensão da Lei. Mata o medo do mal, mata o desejo do bem e te converterás na Lei. Quem governa a própria vida segundo a Lei não precisa saber do bem nem do mal. Todo mal conduz forçosamente ao bem. A experiência repleta de mal e de bem é verdadeiramente um sonho que parece apenas real enquanto dura. No entanto, como é sonho, desintegra-se ao despertarmos. O grande mal é o medo do mal. Quem eliminar o pensamento do mal produzirá obras boas. O desejo é o anjo da Divindade que semeia na vontade a árvore do bem e do mal.


Gostar do sofrimento do mal é saborear a doçura do bem, enquanto saciar-se com a doçura do bem pessoal é padecer pelo mal. Assimilando o fruto do mal, vivendo suas amarguras, descobre-se o gérmen do bem. Descobrir o gérmen do bem é chegar a conhecer que não há nem bem nem mal, mas apenas uma diferença de condições. O bem e o mal são fabricações da mente. O mal é a ignorância do bem. A Lei é o conhecimento de ambos. Não há perfeição enquanto existir medo do mal. Não há libertação enquanto persistir o desejo dos frutos do bem.

A CHAVE DO PODER É preciso encadear a Beleza ao Amor. Procurar sempre ver, ouvir, sentir a fragrância, saborear e apalpar tudo que for formoso, belo, seleto, bonito ou agradável. Em suma: que a Beleza seja o único guia. Depois, procurar sentir compaixão, pensar em caridade e falar com amor a todos os seres e a todas as coisas. Perseverando nesse trabalho, o homem chegará a conhecer a razão do passado, do presente e do futuro das coisas e seres, convertendo-se em Lei.


TRIUNFO OU LIBERTAÇÃO Com a espada flamígera e sagrada, na coluna dorsal, o homem, fremente, “tornou-se em um de Nós, Onipotente”, disse o Senhor ao Guardião da entrada. No sacro, a serpe espera enrodilhada; e o Querubim, nos pórticos, da mente, impede a entrada da letal serpente no paraíso, a interior morada. Irmãos do coração, vícios e danos, o umbral penetram, fundo, nos arcanos, dos anelos abrindo os densos véus. Não é triunfo matar como o assassino... É glória, sim, tornar a ser divino vencendo o mundo sem querer os céus.


CAPÍTULO 7

TRIUNFO OU LIBERTAÇÃO A vida do homem na Terra é uma embriaguez contínua. Poucos são os que dela conseguem sair antes da morte. Só os gênios desprendem-se da embriaguez da vida por curtos momentos e sua imaginação se liberta da rede dos princípios e dos fins, das causas e dos efeitos, do Bem e do Mal. O homem vive lambuzado no mel de seus dias ou amargurado com o fel de suas noites. A mente vive correndo de uma ideia para outra, do prazer para a dor, da saciedade para a fome, da elevação para a queda, de um sofrimento para outro e do triunfo para o fracasso. Os sentidos vivem entre uma embriaguez e outra, apurando taças anuais e pretendendo extrair, apenas, o mel para saboreá-lo, deixando o fel de lado. Para quem, no entanto, deixam esse fel? O coração jaz no mar tormentoso das visões pretendendo roubar aos deuses os segredos do porvir e apagar os sofrimentos do passado. Sua fantasia é sempre uma terra virgem: cada vez que recebe as primeiras chuvas do desejo, nela brota tudo que dormia em suas entranhas. No entanto, tão logo o que brotou vê o sol da verdade, fica reduzido a cinzas. Ele ama e seu amor vive entre as tempestades da carne e do sangue. Deseja, mas seu desejo acha-se associado à falsa honra. Deseja a libertação, mas sua mente, ao tentar escalar os raios solares, verifica que cada ato é o princípio de um outro e que o princípio de uma coisa é o fim de outra: nada tem princípio, nada tem fim. Não existe princípio nem fim para o homem que sabe equilibrar-se entre os dias e as noites. O que são, porém, os dias e as noites?


O dia é o músico e a noite o violão cujas cordas são as estrelas que entoam o cântico da vida e da morte. Porém, até quando isso? Até que haja libertação e triunfo. Mas... libertação de quê e triunfo sobre o quê? Libertação de si mesmo é triunfo sobre si mesmo. Libertação deste mundo e do outro em paralelo com o triunfo sobre os dois. Libertação dos sentimentos pertencentes ao mundo das sensações e triunfo sobre o mundo dos sentidos. Libertação da vida e triunfo sobre a morte. Libertação do pensamento e triunfo sobre o sentimento. Libertação do tempo é o triunfo sobre a eternidade. Libertação das medidas é o triunfo sobre a imensidade. Libertação da inocência é triunfo através do conhecimento. Libertação do prazer para poder triunfar sobre a dor. Libertação do leito matrimonial para triunfar sobre a cruz do matrimônio. Libertação da religião para que se efetue o triunfo da união. Mata o desejo de viver e triunfarás sobre a vida. Mata o medo de morrer e te livrarás da morte. Não existe libertação sem triunfo nem triunfo sem libertação. O triunfo do desejo é a derrota da libertação e a derrota no amor é o caminho da liberdade. O desejo que mora no coração escapole, gotejante, pelos olhos. Os corações vazios de desejos são o trono da libertação colocado sobre as grades do triunfo. Não existe libertação sem sofrimento e não existe triunfo sem morte.


Todos os seres sofrem para libertar-se. A rocha sofre para ser transformada nas pedras da futura construção, a árvore também sofre para dar frutos. A libertação é a vontade realizadora que transpõe para versos a prosa da vida e que compõe com o significado dos anos a sinfonia executada pelos dias e cantada pelas noites. A circunferência da vida não termina numa só idade. Quem busca a perfeição tem de saldar suas contas nesta vida. Que é libertação? Que é triunfo? Libertação é ver com os olhos sem perceber que há olhos. Libertação é ouvir sem parar diante daquilo em que os ouvidos estão colocados. Libertação é não pensar nem na vida nem na morte; triunfo é não desejar a terra nem os céus. Libertação é suportar o fogo do crisol da vida e o triunfo representa o ser derretido com suas próprias escórias, a fim de separar-se delas depois. Libertação é romper os sete selos da vida e triunfo é banhar-se com o sangue do próprio coração. Atingir a libertação é chegar à neutralidade dos contrários e à vida universal que se alimenta de si mesma e alimenta aos demais sem distinguir entre homem e animal, tal como a árvore que não se importa que seus frutos sejam comidos por um homem ou por um lobo. A libertação é a intuição do sábio quando este esquece o que sabe. A porta do mundo edênico encontra-se guardada por um Querubim que tem nas mãos a espada flamejante. Por meio desse Querubim e dessa espada encontra-se o mistério da libertação e o poder do triunfo. É preciso lutar contra esse anjo tal como fez Jacó a fim de vencê-lo e, em seguida, apoderar-se da espada flamejante. Antes da vitória sobre o anjo não existirá libertação e antes de obter a espada não haverá triunfo.


Todos os pensamentos devem manifestar-se em obras e toda a oposição deverá ser enfrentada pela força. Libertação é não desejar nada porque já se tem tudo. É também não fugir da dor porque esse é o caminho da salvação. Libertação é não julgar ninguém porque quando o fazemos julgamos a nós mesmos. Libertação é não pedir honrarias porque tudo isso é vaidade. Libertação é sede de morte saciada pelo amor à vida. Libertação é uma abertura que podemos produzir na própria alma através da qual possam passar os raios da Alma Universal que dissipam as trevas da personalidade fazendo com que o homem se torne igualmente universal e infinito. Em seu seio habitam a morte e a vida e, em sua consciência, a Eternidade.

A CHAVE DO PODER Com a espada flamejante existente na espinha dorsal é preciso romper os sete selos do livro apocalíptico e com ela degolar os mais queridos seres que repousam no coração: substituir o orgulho pela fé, a avareza pela esperança, a luxúria pela caridade, a cólera pela força, a pressa pela prudência, a gula pela temperança e a inveja pela justiça. É o único caminho para a libertação e o único poder que ressuscita os mortos e expande a vontade e os anos da própria existência. Tal é o Elixir da longa vida procurado e consumido pelos alquimistas e hermetistas. Pelo desenvolvimento desta chave o homem é capaz de ressuscitar os mortos e de possuir a chave da própria imortalidade.


A JUSTIÇA Na balança infiel do desumano os crânios são os pesos do perverso. E, numa concha – a do direito – inverso ao dever, vê-se o gume do tirano. Somente o livre é justo e soberano e nas mãos tem a força do Universo; da Natureza – Mãe é como um verso; de Divindade é mão, num gesto lhano. E, para redimir da atra injustiça o mundo, no madeiro da justiça, o justo deve ser crucificado: Pois sacrifício em prol do belo e puro é pôr do justo à fronte, uma outra Arcturo e ressaltar os crimes do malvado.


CAPÍTULO 8

A JUSTIÇA Os homens são escravos de suas leis e causa-lhes encanto desrespeitar a Justiça. A Justiça é uma arte cuja finalidade é libertar o homem dos grilhões das leis. O homem, no entanto, é um mau artista que consegue traduzir o poder da Justiça mediante leis que o aprisionam. As crianças constroem castelos de cartas com muita paciência e cuidado, após os derrubam com um sopro seguido de estrepitosa gargalhada. A lei dos homens é um artesão que fabrica pesados grilhões para o pescoço dos fracos. A lei é a maior inimiga do faminto que rouba um pão mas é a melhor amiga do ladrão que rouba milhões. A lei é a espada do herói que mata milhões de pessoas e transforma-se no machado do verdugo para aquele que vai vingar a honra da filha enganada ou da esposa seduzida. A lei dos homens é a força do tirano e sua justiça é a obediência do fraco. Os crânios dos mortos são a tara da balança da justiça humana. A lei deveria ser a sombra da Justiça porém apenas quando o sol atinge o seu zênite. O homem não procura a sombra da lei senão quando o sol está no crepúsculo, quando ela é maior, para traçar a sua justiça sobre a Terra. Quem, com a própria mão, promulga uma lei injusta, fá-lo sobre o próprio coração e não poderá apagar essa marca a não ser quando a fogueira o reduza a cinzas. Quando se arranca a injustiça da mente humana não se pode transferi-la para o coração.


Há cinco justiças para os cinco sentidos do Homem: A justiça cega é a que golpeia o futuro com o chicote do passado e castiga o filho por culpa do pai. A justiça surda é a que quer transformar o tirano num eco do Poder e o rico ignorante numa cópia do sábio. A justiça muda é a que, sem falar, põe o polegar para baixo a fim de mandar matar os que caíram e extinguir os fracos. A justiça doentia segue a hipocrisia e a chama de diplomacia, à debilidade chama suavidade. Há, por último, a justiça sem tato que aprisiona o mundo moderno com as leis do mundo antigo. A justiça é filha do sofrimento: só pode administrá-la quem se banha, diariamente, no sangue do próprio coração. A justiça é o rio da vida: só pode contemplá-la aquele que toma assento às margens da Eternidade. Os legisladores não escutam o grito do miserável porque seus ouvidos ficaram ensurdecidos pelo ruído das leis. Só o que sofreu ou o que foi crucificado por culpa alheia é que pode transformar sua própria cruz numa balança justa e fiel. O homem que repousa na luz negra não pode enxergar a justiça sentada na escuridão luminosa. Aquele que não suspira junto com o aflito não poderá ouvir o grito de suas entranhas. Aquele que não chora junto com o infeliz não poderá lavar suas feridas com as próprias lágrimas. Aquele que não derrama as próprias lágrimas sobre o crime do malvado ou sobre o erro do traidor não poderá rir junto com a aurora nem alegrar-se com o nascimento de uma flor. Em quem não repercute a queixa do sofredor não encontrará remédio para suas próprias dores.


Quem acha graça do erro alheio aprisiona mais ainda sua alma à terra enquanto aquele que chora pelo erro do seu próximo aproxima-se, junto com ele, de Deus. A justiça não consiste em eliminar aquele que errou: sua função é apagar o nosso erro da mente da vítima. Os erros desprendidos de nosso ser tomam por alvo a mente de nosso EU. O malvado é uma criação das leis humanas. O ladrão rouba porque as leis o privaram de suas necessidades. A esposa atraiçoa porque o marido a privou do verdadeiro amor e a queimou com sua paixão brutal. O homem mente porque foi castigado quando disse a verdade. O homem se faz nacionalista porque o privaram do direito de ser universal. A humanidade é um rio cristalino que conduz o humano ao oceano do Absoluto. As leis, no entanto, fizeram com que as águas do rio formassem, em certos trechos, charcos putrefatos a que elas dão o nome de nações, raças e castas. O justo não é idólatra para degolar sua própria consciência diante de um ídolo a que ele chama Deus. O justo não é o vassalo que se ajoelha diante do tirano. O justo não é um delinquente para prostrar-se diante da lei. O justo não é o nacionalista que mata em nome de sua pátria. O justo não é ignorante para entregar-se ao sacerdote e chamá-lo sombra de Deus na Terra. O justo não é o usurário que, como sanguessuga, absorve o sangue dos demais, chamando de comércio a esse ofício. O justo é Deus, universal, sacerdote sábio e liberal a um só tempo.


Todo homem deve ser Lei em si mesmo e para assim ser deverá carregar consigo a culpa alheia. Mais ainda, deve ser como o sol que ilumina a flor e o esterco, brilhando sobre o rio e sobre o charco. Certo dia a águia das montanhas perguntou ao sol: – Por que motivo sujas teus raios dourados com as imun dícies da terra? E o sol respondeu: – Voa até mim. E a águia subiu a tamanha altura que já não via a Terra senão como um pequeno grão de lentilha e disse isso ao sol. Este respondeu: – Tola, ainda estás na atmosfera da Terra e dizes que não a vês. Que importam a mim as imundícies de que falas se me encontro tão longe delas?

A CHAVE DO PODER É necessário encontrar uma desculpa para cada um dos erros alheios e confessar o próprio erro sem utilizar nenhuma. O homem justo é a cruz da Alma Universal. Ser justo em todos os atos é ser reflexo de Deus na Terra e aqui realizar Sua autoridade. Aquele que procede com justiça em todos os seus atos tem o poder e o direito de dominar a Alma do Mundo por alguns chamada de Luz Astral e de Pedra Filosofal pelos alquimistas. Aquele que afirma em si a ideia da Justiça não terá nenhum inimigo nesta vida. Será um Hierofante e o que desatar na terra será desatado no céu e o que atar na terra será atado no céu. Por meio da Alma do Mundo ele unirá, à vontade, o céu à terra.


A SABEDORIA Dentro do coração, manso ribeiro, jaz o broto da Luz – farol brilhante. E, no mar do saber, a alma, triunfante, conduz o barco, como um bom barqueiro. A mente é o leme; é ela o timoneiro. E se a razão, num gesto extravagante, de lodo não lhe mancha a roupa aflante, demuda-lhe a coroa num braseiro. Se queres alcançar do Trismegisto a Lâmpada sagrada e ter do Cristo a força, busca-O em ti no coração. Pois do verbo é a raiz o pensamento; o poder – é a flor do sentimento. Saber – é o fruto da meditação.


CAPÍTULO 9

A SABEDORIA A sabedoria é a fome que devora o coração humano entre a doçura da vida e a amargura da morte. A sabedoria é a sede entre o queixume da decepção e a calma do conformismo. A sabedoria é a nostalgia que não pode ser aliviada pelas glórias humanas nem sufocada pela fama da vida. O objetivo da sabedoria é extirpar a dor pela própria dor. A sabedoria é a dor que movimenta o inerte no coração a fim de despertá-lo na memória. A sabedoria é o despertar da memória do sono do esquecimento para que, num minuto, ela possa contemplar as eternas visões dos séculos passados e futuros. A sabedoria é a namorada que busca o seu amante – o homem – nos prados, nas montanhas, sob árvores, perto dos rios e não encontra mais do que suas pegadas nas areias já que ele, o homem, prefere viver nas cidades barulhentas e infelizes. A sabedoria cujas raízes vivem no campo do silêncio e da meditação é transplantada pelo homem para o campo do ruído e da batalha. A sabedoria é o incenso queimado diante do altar da conformação mas o homem o utiliza diante das aras da ambição e da gula. Durante o dia, a sabedoria chama o homem com insistência, mas este não a ouve porque está empenhado em duplicar seus lucros. Durante a noite, ela grita aos ouvidos da alma, mas esta não o escuta porque está sonhando com o fruto do trabalho. A sabedoria é um silêncio eloquente no coração do homem e não o barulhento discurso da mente.


Qualquer mestre pode ensinar ciências mas nenhum é capaz de ensinar sabedoria. O verdadeiro mestre não ensina sabedoria. Ao invés disso, ele exterioriza o seu amor, a sua fé e a sua esperança nessa sabedoria. O sábio não arrasta ninguém à sabedoria, mas vive à luz do conhecimento para iluminar o caminhante. O sol não ensina sua luz; ele a vive. Ninguém pode emprestar os próprios olhos para que outro veja a luz do sol. Ninguém pode emprestar seus próprios ouvidos para que outros ouçam a música das esferas. Todo coração é o livro que encerra os mistérios dos dias e os arcanos das noites. Os olhos, porém, não podem nem sabem ler seus hieróglifos. Há palavras silenciosas e sentidas que não podem ser lidas pelos olhos vidrados que contemplam, deslumbrados, a luz solar. Procurar extrair do sol a sabedoria do coração é como tentar abrir os olhos da toupeira, a fim de que ela leia livros à luz solar. Procurar revelar os segredos da alma a um semelhante é como injetar-lhe a cocção de vários livros a fim de que este assimile seus conteúdos. Antes de adquirir a sabedoria de um mestre, adquire-se primeiro seus defeitos e vícios. Quando o sábio pratica a sabedoria ele se converte num exemplo e num caminho para os demais. O exemplo do sábio desperta no homem o desejo de sondar a si mesmo, a fim de tomar conhecimento das profundezas do seu próprio saber. Cada sábio busca um caminho que lhe é próprio para chegar à verdade, mas as crianças não podem seguir por esse caminho. O objetivo da religião não consiste em arrastar todas as criaturas pela mesma trilha e sim incitá-las a procurarem sua própria senda.


O sábio sabe e ousa fazer; o cientista duvida e não se atreve a prosseguir. O sábio é, às vezes, triste, porém sua tristeza confere felicidade aos demais, É pobre, mas ensina como se deve ganhar a vida. É solitário, mas do seio de sua solidão ele guia os homens. O sábio é silencioso e quando fala procede como a Natureza. O sábio é o iniciado porque a sabedoria é a iniciação. A sabedoria é uma jóia que precisa ser guardada na arca do silêncio e contemplada com os olhos da concentração e da meditação. A sabedoria é a luz do coração a iluminar o cérebro fazendo com que o homem seja amo e senhor dos demais porque o sábio é dono da lâmpada mágica de Trismegisto e, de posse dela, pode ver a todos, embora estes só vejam nele luz. A sabedoria é a prática da dor para que a verdade possa ser demonstrada pela razão e esta pela evidência. A sabedoria é a prática em querer o que se deve e fazer com razão o que é justo. A sabedoria é a dor que impõe silêncio aos apetites e faz sofrer privações do que é apetitoso. O sábio sofre a castidade para dominar os libertinos. O sábio sofre a pobreza para guiar os perdulários. O sábio sofre o jejum para manejar os glutões. O sábio sofre o menosprezo dos ignorantes para governar o mundo. O sábio sofre a tristeza para curar os tristes. O sábio se cala para decifrar os segredos do coração humano. Há, na vida, uma sábia força que une os adversários e une os corações com férrea ligadura. Por isso, vemos os grandes corações unidos aos menores. O santo que priva de alimentos seu corpo e o pecador que priva de alimentos sua alma devem unir-se: a causa dessa união é a própria fome.


Todo sábio deve estar ligado a um ambiente adverso e martirizado por ele. Todo profeta deve ser abatido em sua própria pátria e por seus compatriotas. Todo sábio é um santo e ninguém chega a santo se não for sábio. Infalivelmente, a sabedoria é a santidade perfeita – ninguém pode chegar a ser janto se for ignorante. Para ser sábio é preciso pôr em prática os impulsos do coração e esquecer os apelos do ventre. A ciência forma o discípulo mas a prática forma o mestre. A ciência é a aprendizagem; a sabedoria é o mestrado.

A CHAVE DO PODER Para adquirir a Sabedoria Universal é preciso absorver a Alma do Mundo. Tal coisa é obtida não cedendo às forças da natureza e transformando a vida numa escrava obediente. Resistir aos apetites é penetrar o mistério da vida e dominar a morte. Cada abstinência é um novo conhecimento e cada conhecimento é um novo poder. Tal é o mistério da Taumaturgia e das curas pelo poder espiritual. O praticante converte-se em manancial de saúde e, assim como cura na proximidade, também pode fazê-lo à distância.


O MATRIMÔNIO OU O SEXO No princípio era o sexo e, nele, a vida; estava o Verbo em Deus; nele jazia; e o sexo era, então, luz. Resplandecia do nada, na solidão desconhecida. E o átomo – semente uma ferida abriu na terra de vigor vazia, e disse ao sexo, ao vê-la estéril, fria: “Fiat lux”... E em luz foi convertida. E com o sexo, as coisas foram feitas. Não há, sem ele, germes, nem colheitas; irmão é do viver, igual, conexo... É certa a frase antiga que avassala: “O matrimônio ao divinal se iguala, porque Deus é Amor e Amor é sexo!”


CAPÍTULO 10

O MATRIMÔNIO OU O SEXO “Reconheço e confesso que no momento de unir-me à minha mulher devo, em coração e espírito, manter-me diante de Deus como diante d’Ele me mantenho durante o Ofício Divino, quando me encontro ao pé do altar do Senhor”, escreveu o Padre Ustinsky, antigo sacerdote russo, ortodoxo, verdadeiro cristão, no qual não existe nenhuma malícia e que foi o único pensador que, casualmente, em dois mil anos de Cristianismo, não lamentou a questão religiosa do sexo. Quando o homem ora ele invoca a Deus, porém, ao unir-se sexualmente à mulher, ele se converte em Deus. Blasfêmia! Assim pode parecer aos hipócritas e fabricantes de dogmas. Esta, porém, é luz na santidade. O fogo do sexo é o fogo da santidade. A origem do sexo tem suas próprias raízes na Divindade. “Os dois não serão senão uma só carne”, afirmou-se antes do Pecado Original. É o sexo o que está em Deus, assim como o Filho está no Pai. Sexo e santidade são duas linhas paralelas que se encontram em Deus. Os olhos dos libertinos, no entanto, assim como a visão dos fanáticos, não conseguem ver esse encontro. É possível a santidade no sexo? Não, respondem as religiões exotéricas. Sim, afirmam as religiões esotéricas. Na dinâmica religiosa, o sexo e o anti-sexo combatem-se mutuamente e, depois, se aniquilam. Ao diabo com todas as religiões, já que, sem dúvida alguma, é do diabo que elas vêm!


A união carnal é a obra luminosa da liberdade. Aquele que se une nada mais faz senão criar, porque o mal não se encontra no ato em si, mas nos pensamentos que o procedem e o acompanham. Afirmou o padre Ustinsky: “Devo, durante o ato sexual, manter-me diante de Deus.”. Talvez ele não se tenha atrevido a dizer toda a verdade. Nós, porém, a diremos: Devo, durante o ato sexual, sentir-me Deus Criador Onipotente. O sexo é o fruto da árvore da vida que está “no meio” do Jardim do Éden. Ao comê-lo, o homem se faz Deus. “E o homem se fez como um de nós”, afirma a Bíblia. No entanto, apesar de o fruto pertencer à árvore da vida, o homem morreu. A árvore da vida não pode causar a morte. O homem, no entanto, ao comer do seu fruto criou e foi morto por suas próprias criações. O ato sexual é o caminho da iluminação, mas até que se chegue a esse caminho é preciso atravessar muitas estradas tenebrosas. A paixão sexual é, justamente, o Querubim portador da espada flamejante que impede a entrada do homem no Éden. O sexo, em si, é o próprio Éden. Cada vez que um homem e uma mulher se unem algo se cria e esse algo criado não pode ser destruído, continuará evoluindo até atingir seus fins. Portanto, a união sexual é ato de criação e tudo que valha a pena ser criado deve ser útil e bom. Não tem valor algum praticar a castidade afastado do sexo. A verdadeira castidade deve estar na pureza e na santidade do sexo. O homem verdadeiramente casto é aquele que conduz sua virilidade até a Divindade. Aquele que se distancia do sexo para buscar a pureza perfeita é como quem busca a luz do dia no seio da noite. Quem ama a pureza deve buscá-la em si mesmo, em seu próprio sexo. Como pode encontrar pureza quem foge do sexo ou quem procura Deus temendo Suas manifestações? Em que ajuda à Natureza, que é obra de Deus, o que extingue a força criadora em si mesmo? A Natureza é sexo e, por meio dessa força, ela procura perpetuar a raça. Que objetivo teria o homem que foge do sexo ou o que busca o prazer nele?


O prazer sexual é incompleto quando longe da pureza sexual. A pureza sexual não pode existir, igualmente distante do prazer natural. Ambos se completam pela união e ambos se extinguem pela separação. Sentir o impulso sexual é sentir a Divindade em si mesmo que tende a criar, ainda que a criação se divida em visível e invisível. No entanto, para que a criação seja visível, ela deve encontrar sua raiz no invisível. Se a origem invisível é limpa, pura e santa, o visível será igualmente limpo, puro e santo. “Devo, durante o ato sexual, converter-me em Deus”. Quem é Jeová, o Deus dos judeus e dos cristãos? É o lod ou falo unido a Eva e ambos formam o Poder Criador das antigas religiões. O homem sem a mulher e a mulher sem o homem são Deus pela metade. Na união das duas metades forma-se Jeová, o Deus da Bíblia. A união sexual é a união de duas divindades para criar uma terceira. É a combinação de duas cores complementares para que se obtenha uma terceira. O sexo é a união do céu com a terra. O homem e a mulher representam as colunas do templo e elas precisam estar separadas, porém, nem muito perto nem muito distante. Deve, assim, existir no casamento um espaço, tal como existe entre duas árvores. O sexo precisa ser amor, mas o amor não precisa necessariamente ser sexual. Porque há sexualidade carnal e sexualidade espiritual. A carnal é o nascimento e a morte, enquanto a espiritual é a ressurreição eterna. O sexo espiritual já não é sexo... Ele passa a ser o número imortal e transcende no homem “Aquele que é”, “Eu sou Ele”, Jeová, “assim me chamarás”, disse o Senhor. O fogo devorador de Jeová na sarça nada mais é do que o fogo do sexo... na sarça do sistema nervoso. “Não te aproximes daqui: tira tuas sandálias porque o local em que estás é Terra Santa”!


A CHAVE DO PODER Existem duas sexualidades: a carnal e a espiritual. A carnal cria para a morte, a espiritual cria para a Eternidade. Antes de empreenderes uma obra transcendental, aproxima-te bastante de tua esposa. Deves, no entanto, deixar que a luz passe através de ambos. É preciso embriagar-se com o aroma da flor sem colhê-la. É preciso contemplar a árvore cujo fruto é bom para comer, belo à vista e formoso para os olhos, sem comê-lo. Nesse dia, teus olhos serão abertos. Esta é a sexualidade espiritual, cujo objetivo é encontrar o elixir da longa vida e a realização perfeita de toda a obra. É a Gênese Universal de toda obra invisível e perfeita. É o conhecimento do movimento perpétuo. A castidade acrescenta energia espiritual e confere o domínio sobre os seres.


A FORÇA Nasce a força da fé que não aceita a dúvida dos sábios mercadores da ciência, que vendem seus valores para vencer a tentação suspeita. Entretanto, é ela a chama que sujeita e depura os detritos dos fatores; ao ignaro, queima em vãos amores, mas, para o douto a força é uma colheita. Do sábio, a tentação é qual cadinho; sua mente, retorta de mau vinho, e o fogo é a razão ao senso aliada. Não é forte quem goza o que possui; sim, o que pode e se abstém, não frui: – duplo Poder – a tentação domada!


CAPÍTULO 11

A FORÇA A força é o fruto da tentação e a tentação é a fonte de toda força. Aquele que foge da tentação é um covarde, enquanto o que se entrega a ela é um tolo. Saber apoderar-se da tentação e aprisioná-la é ser depositário do próprio poder de Deus. A tentação é o poder mágico, a força oculta, a chave de todos os impérios e de todos os poderes. A tentação é a serpente do Éden, o mais formoso e prudente dos animais do Paraíso, detentora de todo poder e de toda sabedoria. Para apoderar-se de sua sabedoria é preciso procurá-la e para ser dono de seu poder é preciso cativála. O Criador deu à serpente tentadora toda a força e sábio é o que rouba a força de sua tentação. Toda força que opera no mundo moral e físico é produto da tentação criadora. A tentação é o acúmulo de forças da Natureza: obedecê-la é ser escravo dessas forças, ao passo que dominá-la é tornar-se seu senhor. A força consiste, para a mente, na fé em dominar a tentação; para o coração, no inflamar-se por ela e para os sentidos na continência completa. Todo ser que se converte em joguete de suas tentações é fraco e escravo dos outros. A força é a independência até chegar a hora do martírio; é a sobriedade até chegar a hora da miséria, porque para ser forte não é preciso ser joguete do desejo nem da salvação, nem do anelo de libertação. A ação da tentação é a encruzilhada de dois caminhos: um arrasta às profundezas da ignorância, o outro exalta ao pináculo da força.


“Que Deus me livre das tentações”! “Não nos deixeis cair em tentação”. Assim ora a humanidade e nós perguntamos: Que força se pode conseguir sem tentação? Muitas vezes o medo da tentação é uma força que cria o que se teme. O desejo e o temor comunicam à imaginação os seus resultados. Em que consiste o poder do sábio? – No domínio de suas tentações. A força do mártir consiste em rebelar-se contra seus desejos e morrer sorrindo de seus apetites. A morte, porém, não é um símbolo de dor mas o emblema da verdade e da liberdade. A força é uma parábola nos olhos velados, nos ouvidos perscrutadores e nos dedos inflamados pelo fogo da ânsia imortal. Do gérmen do pranto ela extrai a alegria, da inércia da morte faz pulsar a vida perpétua. A força sobrepõe-se à Natureza. A tentação é da Natureza. Forte é aquele que transcende a natureza da tentação pela tentação da Natureza. Quem consegue remover o fogo da tentação, à vontade, também pode apagálo. O homem é o produto de seus pensamentos e ações. Se pensa bem, suas obras serão boas. No entanto, para agir ele precisa saber e para saber necessita praticar e para praticar é mister que possua o desejo deliberado de fazer uma coisa. Se esse desejo é bom, chama-se intenção, se é mau, é tentação. Quem pode, no entanto, separar a tentação da intenção? O raio da vontade que atinge as ondas da tentação extrai os vapores que se condensam em virtude da abstinência e cai sobre a fé humana a fim de dar-lhe vida e força. A força é o gérmen latente na semente que jaz enterrada na camada do solo. É a tentação que a faz sair da escuridão terrestre para erguer-se ante o sol. A força é a abelha que voa de flor em flor sorvendo o pólen de todas. A tentação da abelha é a flor em si, embora a abelha não fique prisioneira nas pétalas de nenhuma flor. Quem desejar a força tem de conhecer suas leis. É preciso experimentá-la para gozar dela. F. preciso desfrutá-la para amá-la. É preciso amá-la para obtê-la.


Nem a dedução nem a indução podem dar-nos a força mas sim a tentação dominada. Tanto nos homens quanto nos planetas vigora a lei de atração a que chamamos de bom e de repulsão a que chamamos de mau. Nem toda atração, no entanto, é boa e nem toda repulsão é má. Assim como toda atração é movimentada por uma repulsão, assim também a atração da força é a repulsão dos efeitos do desejo. Cumprir tarefas ingratas é poder; violentar apetites é força. Gozar quando se tem é debilidade; dominar-se quando se pode deleitar é força. Reprimir as paixões pelo temor de suas consequências é covardia, pois estamos nos abstendo de um prazer para conseguir outro maior. Reprimir a tentação para o cumprimento do dever consiste na verdadeira força. Fazer o bem para ganhar o céu é o mesmo que evitar o mal a fim de não ir para o inferno. A força não pode ser encontrada na virtude egoísta nem no temor covarde das consequências do vício. A força repousa na luta e cada vez que a vontade sai vitoriosa de uma tentação, um desejo fica estendido e morto no campo de batalha, vítima da desintegração. O fogo purifica os metais, ao passo que a tentação purifica o homem. Quando após a luta reina a paz, o homem assombra-se com sua força. A força é experimentada na calma que sucede à tempestade. A tentação é a medida da força e a força é a balança em cujos pratos se pesam o desejo e o domínio. A tentação é o ritmo que move o coração. A força consiste em saber o que existe além do ritmo. A tentação é a água que corre precipitadamente e com fúria; a força é a ponte sob a qual corre essa água. O amor e a sabedoria engendram a força. O desejo e a ignorância engendram a tentação. O amor, porém, começa pelo desejo e a força pela tentação.


A tentação invade o coração com as chamas do prazer, mas a dor das chamas transforma o desejo em inteligência e transmuta a inteligência em sabedoria, e a sabedoria é a força. Quando a tentação atinge o pensamento, este tem de expressar-se em atos e registrar-se no livro da vida. Se o ato é mau degenera o caráter; se é bom confere força, vontade e vida.

A CHAVE DO PODER Tentação, consciência e sabedoria são sinônimos de força. A tentação elabora a consciência, a consciência iluminada converte-se em sabedoria e a sabedoria é força. Em todas as circunstâncias da vida é preciso procurar a tentação a fim de dominá-la e convertê-la em força. Quem não pode fazer isto deve seguir orando com os demais: “Não nos deixeis cair em tentação” e continuará escravo da tentação. Aquele que conseguir vencer, transmutará em ouro os metais contidos no corpo, através do pensamento dominará o destino do mundo e os homens traduzirão seus desejos em atos.


O SACRIFÍCIO Veio do grande amor, em luz, o altruísmo; e este se desdobrou no sacrifício; dar esperando, em troca, um benefício, é comércio inconteste do egoísmo. Dar de si próprio é praticar o heroísmo; é dar amor, saber, sem artifício; é como o Cristo-Sol no seu solstício que, ao morrer, lega à terra o magnetismo. Doce, no bosque, a murta é uma fragrância. Não por virtude, menos por jactância: – é a lei, dá o perfume que ela encerra. Deus, pelas mãos do ser assim procede: à criação o seu amor concede e, pelos olhos seus, sorri à terra.


CAPÍTULO 12

O SACRIFÍCIO O sacrifício é o amor realizado. É o fruto elaborado pelo amor da árvore. É a fragrância emanada do amor da rosa. É a água que brota do amor da fonte. É o calor que se desprende do carinho do sol. É a vida que redime o culpado com a própria inocência da vida. O sacrifício é o beijo do sol, do ar, das chuvas e do justo posto à frente do traidor que usurpou a felicidade dos demais. O sacrifício não consiste em dar o que se tem, mas dar-se a si mesmo. O sacrifício é a porta que dá acesso à Divindade porque a Divindade é sacrifício e tudo passará por essa porta. O sacrifício deve começar pelos pensamentos e terminar no coração. Ainda que seja uno, todo uno se manifesta na diversidade. As forças elementais da Natureza obedecem cegamente ao pensamento do sacrifício porque a Mente Universal pensa por meio da mente individual do cérebro humano. Dar do que é nosso para obter um bem maior é sofrer uma perda pessoal. Dar de si mesmo é estender o Poder Divino sobre a família, uma cidade ou a terra inteira. Dar do que é nosso é ganhar as mentes dos homens; dar-se é ganhar seus corações. O homem é um recipiente: enquanto está cheio de egoísmo não cabe dentro dele nenhum átomo de Poder, porém, quando se esvazia dos apetites


pessoais, fica repleto das águas da vida, a fim de poder aplacar a sede abrasadora dos mortais. O amor limitado pede a posse mas o sacrifício não pede mais do que a si mesmo. O amor bebe o oceano da vida ao passo que o sacrifício se banha nele. Tudo se sacrifica pelo homem mas este sacrifica ao Todo para si. O aroma da rosa não existe para narizes entupidos nem a luz do sol pode ser percebida pelos olhos do cego. Da mesma forma, Deus não existe para quem não percebe Sua existência por meio do sacrifício. O elixir da vida nasce da Eterna Fonte e a Eterna Fonte é oriunda do oceano do sacrifício. A alma recebe a influência vitalizadora do Supremo Sol e o Supremo Sol é o Supremo Sacrifício. Aquele que não saboreia a amargura do sacrifício não pode apreciar a doçura da vida. O amor proporciona a felicidade pessoal e a caridade a felicidade alheia. No sacrifício, porém, repousa a felicidade de ambos. O amor é o caminho para o céu, a caridade é a porta, mas o sacrifício é o próprio céu. O amor pode ser um fantasma movido pelas ondas do desejo no mar das ambições; o sacrifício é a única fortuna que não pede para ser aumentada e que prescinde do supérfluo. O sacrifício nasce da dor, assim como a aurora nasce da noite. Aquele que se sacrifica por um dia será dono do tempo e dominará todos os animais que habitam em si mesmo. Aquele que se sacrifica, ama, mas o que ama sacrifica. O amor-desejo é a treva da mente, mas o sacrifício é a luz do coração. Quem não abandonar o sepulcro escuro da mente não poderá banhar-se na luz do coração. “Eu sou a Luz do mundo” – diz o sacrifício pela boca de Jesus.


“Quem me segue não caminhará nas trevas mas terá a luz da vida”. O sacrifício derrama a luz nas mentes tenebrosas. A mão deve traçar os ditames do coração até que chegue o dia em que a massa cerebral seja amalgamada com o sangue luminoso do coração, pois as aspirações do coração são idênticas às de Deus. O amor no homem busca a satisfação, a caridade busca a recompensa. O sacrifício, porém, é a própria satisfação e recompensa, busca a Divindade na dor. O amor procura a agradável primavera, enquanto a caridade persegue o verão que nutre. O sacrifício, porém, permanece como o campo que aceita todas as fases e mudanças das estações que por ele passam. O amor contempla as maravilhas do prazer e a caridade a satisfação da recompensa. Ao sacrifício, porém, correm a dor do prazer e a amargura da recompensa, tal como os rios turvos para o mar, a fim de serem clareados por ele. No silêncio da noite, quando o sono cerra hermeticamente as pálpebras do homem, a fé exclama: Eu Sou a força que desce nos raios do sol para nascer no coração do homem! O sacrifício permanece silencioso pensando em seu coração: A fé é minha. A esperança diz: Eu Sou a raiz que se enterra no coração e abro caminho rumo à seiva, em busca de alimento. O sacrifício permanece silencioso e diz em seu coração: A Esperança é minha. Diz a caridade: Eu Sou o tronco que une o céu à terra; Eu Sou a escada da Divindade que sobe e da Divindade que desce. O sacrifício permanece silencioso e diz para si mesmo: Eu Sou a Caridade. Diz a ciência: Eu Sou os ramos que carregam as folhas, as flores e os frutos celestiais que nutrem os famintos e saciam os sedentos. O sacrifício permanece calado e pensa: A Ciência é minha.


Diz a religião: Eu Sou as folhas que cobrem com carinho o manto de flores e frutos, defendendo-os do rigor do tempo. O sacrifício silencioso medita: A Religião é minha. Diz a Arte: Eu Sou a flor que aromatiza e embriaga o mundo com minha fragrância, Eu Sou o futuro fruto. O sacrifício permanece calado e repete mentalmente: A Arte é minha. Por fim, Deus diz: Eu Sou o fruto, Eu Sou a flor, Eu Sou a folha, Eu Sou o ramo, Eu Sou o tronco, Eu Sou a raiz e Eu Sou a semente. Então, o Sacrifício exclama, com todas as suas forças: EU SOU DEUS!

A CHAVE DO PODER É preciso aprender a sacrificar algo de si mesmo pelo bem-estar dos outros; sacrificar o orgulho ante a ofensa; a comodidade ante a necessidade do próximo; a tranquilidade ante o incômodo alheio. É bom dar do que se tem, mas é melhor dar do próprio ser. O melhor Mestre é o melhor servidor e o melhor servidor é o melhor Mestre. Esta chave outorga ao homem o Poder do Verbo. Sua palavra dominará os vícios e defeitos alheios. Terá poder sobre os animais mais ferozes e daninhos e nenhum deles se atreverá a atacá-lo.


A MORTE O raio cheio do fulgor da vida ferindo, fundo, o tenebroso nada, fez, um dia, brotar a alma encadeada ao seu corpo – prisão – dessa ferida. Sonha, na primavera entretecida, a semente que dorme sepultada; e sonha a alma; no corpo enclausurada, na morte, que é o caminho para a vida. É a morte da vida o grande custo! Busca-a o fraco; é do covarde o susto, pois ambos são os infiéis da sorte. À vida não se foge e nem se almeja, assim como da morte que negreja: – O fim da vida é sobrepor-se à morte!...


CAPÍTULO 13

A MORTE A vida é nossa mãe e a morte nossa irmã. Quem aborrecer a irmã será aborrecido pela mãe. Aquele que ama a morte será o predileto da vida; esta repudia quem tem medo da morte. Sábio é aquele que sabe que, algum dia, há de morrer, mas não acredita na morte. Para saborear o prazer de estar vivo é preciso morrer em vida e para gozar da doçura da morte é preciso senti-la e vivê-la. Quando o Espírito se embriaga pelo amor o corpo morre e sua morte nada mais é do que a própria embriaguez pela vida. A morte é a saciedade espiritual do vinho dos dias e do néctar das noites. Viver é afastar-se da Mãe: morrer é aproximar-se Dela e dormir em seu seio. A vida é a flor, a morte, o fruto. A flor embeleza, o fruto alimenta. Viver é cumprir um dever, morrer é receber um salário. Ninguém, porém, recebe o salário se não cumprir seu dever. Viver é começar uma obra e morrer é terminá-la. Só o tolo começa pelo fim ou não pensa em terminá-la como o covarde e o ocioso. A semente adormecida no seio da terra sonha com a primavera. A alma sepultada no corpo sonha com a ressurreição e com a liberdade na grande primavera. Através da morte a alma brota forçosa e obrigatoriamente do corpo, caminhando erguida e orgulhosa sobre a própria sepultura. Para conhecer o segredo da morte é preciso descobrir, antes, o mistério da vida porque vida e morte são dualidades da Unidade.


Temer a morte é ter medo da própria sombra. O Útero da Natureza é a Porta Universal: sair por essa Porta é vir para a limitação do tempo; entrar por ela é voltar à Eternidade. A criança malcriada tem medo da mãe. O homem malcriado tem medo da morte. Morrer é despir-se dos impedimentos e livrar-se da jaula para elevar-se no ar e ser uno com a Liberdade. Assim como a primeira claridade para a cotovia e a aurora para o rouxinol, a morte chega para o espírito adormecido na noite da vida. Ainda que ilumine, não deslumbra; embora escura, não estorva; embora doce, não enjoa. Matar o desejo de viver e viver o desejo da vida é aproximar-se do pináculo da sabedoria. Nenhum tesouro se compara a um minuto de vida; só a morte é o digno preço da vida completa: é preciso viver a vida para merecer a morte. Para nos livrarmos da foice da morte não é preciso crescer na simplicidade da vida, mas a semente tem necessidade do campo para brotar e da foice para oferecer os seus frutos. Quem não mata o desejo de viver vive no desejo de matar e quem não mata o medo da morte vive temendo a vida. Para chegar à planície da morte é preciso atravessar o tortuoso caminho da vida. Eu não viveria se pudesse crer que iria perecer junto com meu corpo. Isto me demonstra que vivi e que hei de viver outras vezes mais. Para morrer o homem precisa ter nascido e para nascer é preciso ter existido, assim como para existir é preciso ter sido transformado muitas vezes pela morte; para transformar-se é preciso ter vivido muitas vidas. É preciso haver vivido de uma forma nobre para que se morra nobremente. Uma morte nobre é muito melhor do que uma vida indigna.


Quem não está pronto para morrer pelos demais não é digno de viver com eles. Quem se queixa da brevidade da vida não pode aninhar a Eternidade em seu coração. Que seria do mundo se a vida terrena do homem fosse eterna? O inferno não seria um paraíso em comparação com ela? O néscio teme a morte como mortal e aferra-se à vida como imortal. O sábio ama a morte porque sente que é imortal e continua trilhando o caminho reto da vida até o fim, como mortal. A vida é um dom, a morte é uma bênção. O dom é gratuito, a bênção tem de ser merecida. A vida é a sombra de um sonho, a morte é a realidade do despertar. O raio brota do sol e a ele deve voltar. A árvore brota da terra e à terra regressará. O Espírito brota do Espírito e a Ele retornará. Nascer é florescer, morrer é frutificar. Pela manhã, a flor nasce ao receber o beijo do sol, à noite abraça a morte para ressuscitar no fruto. Ao nascer, a vida separa-se da vida, ao morrer volta à vida. Nascimento é separação, morte é união. Sem a separação não há libertação e sem a união não há identificação. O homem é inimigo daquilo que ignora e tem medo do desconhecido. O objetivo da vida é aniquilar a ignorância e o que a morte objetiva é familiarizá-lo com o desconhecido. O sábio resolve estes problemas em vida; não espera a morte para conhecê-la, pois para ele a morte não existe. O sábio pode morrer à vontade a fim de banhar-se nas águas da morte e delas sair rejuvenescido. Ele pratica, na vida, a morte voluntária e, então, sabe que a morte não é o fim da vida nem o começo da imortalidade, mas o movimento perpétuo da Eternidade. Quando o homem morre à vontade para suas paixões pode ressuscitar os mortos porque a morte voluntária é a conquista da morte. Para vencer a morte é preciso conhecê-la e para conhecê-la é preciso senti-la. O verdadeiro Ser é eterno e rebela-se contra a ideia da morte e do aniquilamento.


A CHAVE DO PODER Há vários métodos para sentir a morte em vida ou para morrer à vontade; porém, o mais simples e menos perigoso é o seguinte: Depois de um dia de jejum, reclinar-se comodamente num quarto escuro e concentrar a mente nesta palavra: Eu. É preciso sentir o que está sendo dito e evitar o sono. Se a concentração for completa, o corpo entra em suave torpor e o espírito fica desligado, conscientemente, do corpo. Chegar a tal resultado é compreender o mistério da morte, aprender a Ciência Universal e funcionar como intermediário entre o mundo visível e o invisível. Em semelhante estado, o homem pode conversar com os espíritos e adquirir o poder de ressuscitar os mortos e dizer, como Jesus: “Esta jovem não está morta, dorme”. Também neste estado o homem pode conhecer os segredos da Natureza e receber os ensinamentos que não podem ser escritos nos livros. Morrer à vontade é rasgar o véu dos mistérios; ressuscitar à vontade é não esquecê-los.


O MOVIMENTO OU A REALIZAÇÃO O raio todo em luz do grande Alento invade o coração; nele transmuta a flor do senso em saborosa fruta e o fruto do saber em alimento. Abrasada da morte e nascimento a alma traça também a rota, e luta! E até a perfeição, vai resoluta, procurando na dor o valimento. A Eternidade, viva na memória, converte em ouro puro mesmo a escória, no gozo inconfessável dos prazeres. Mas, quando na matéria se procura, e encontra das paixões toda a amargura, essas paixões transforma-as em poderes...


CAPÍTULO 14

O MOVIMENTO OU A REALIZAÇÃO O segredo oculto dos dias e das noites dentro do coração humano precisa brotar e correr no rumo do Oceano da Atualidade e da Realização. Qual o supremo desejo do homem? – A Perfeição. Como se chega à Perfeição? – Pela Realização. Quando a tristeza oprime e os desejos excitam, o coração sangra e, então, a Consciência procura a força e o arbítrio. O sofrimento arranca a consciência de seu letargo e esta, ao olhar o mundo pelas janelas dos sentidos, vê a origem da dor, transmutando-a em prazer. Tudo se move, todo movimento conduz à realização e toda realização leva à plenitude da perfeição. O homem existe porque tem um ideal que deve realizar. Um ser sem ideal é inconcebível. A matéria é a porta que conduz à realização e a vida é a da perfeição. Tudo na vida é realização e perfeição invisíveis. Ninguém jamais viu como a rosa fabrica o seu perfume e transforma sua cor. Vemos, no entanto, sua cor e sentimos seu aroma. O mesmo ocorre com o homem: ninguém vê sua santidade, porém, ao transformar seus desejos e anelos consegue descobrir o verdadeiro sentido da vida e converter-se em santo sem ser notado. Toda realização é experiência e toda experiência é perfeição. Chegada a aurora, a flor abre seus lábios para beijar a luz. Vem a noite e a flor recolhe suas pétalas e dorme beijando seu ideal: a vida da flor é experiência e realização. O espírito nasce num invólucro e viaja, qual nuvem, por sobre as montanhas do desejo e os vales de lágrimas até terminar sua ronda, voltando, então, ao ponto


de partida, que é o Oceano do Espírito Universal. A vida do Espírito é realização e perfeição. A espiga da vida é debulhada pelos pés dos séculos. O passado frutifica no presente, o presente semeia para o futuro e o futuro é o filho esperado pela mãe. Tudo o que o homem realiza permanece escrito com letras de fogo na imensidão do firmamento. Assim como o jasmim absorve sua vida e fragrância do solo, a alma absorve da matéria a força realizadora e a sabedoria criadora. Todo desejo é realização que cria formas, cuja luta pela existência as obriga a arraigar-se à vitalidade do Criador. Todo pensamento é vibração e a vibração é o princípio da realização. Toda palavra cria sua forma e a forma, para nós, é o que nossa intenção faz ser. Ninguém pode ver a beleza se ela não existe em sua alma. Acreditar-se feliz é ser feliz. Acreditar-se infeliz é ser infeliz. Desgraça, felicidade, formosura e fealdade não nos chegam de fora, mas brotam de dentro. O objetivo da realização é espargir a luz interna no mundo das trevas. O objetivo da realização é modificar a natureza das coisas opacas, fazendo-as luminosas; é transmutar o metal bruto em ouro, a dor em prazer e a amargura em doçura. O homem que sabe e não realiza é semelhante ao tesouro do avaro que não é útil a seu dono nem aos demais. O homem que realiza é um degrau entre o céu e a terra; é uma árvore cujas raízes estão presas à Divindade e cujos frutos estão à disposição dos corações famintos. É a nuvem carregada de água que sacia a sede das flores no campo seco da vida. É o canal que conduz a água da vida aos mortais. É o lavrador que lança as sementes do seu espírito nas almas férteis e sensíveis para alimentá-las. A Força semeia em seu coração e os necessitados colhem os brotos.


A Ciência amadurece seus frutos dentro do coração e os famintos os colhem. A sabedoria enche suas entranhas de azeite e o homem acende o próprio cérebro para iluminar os que jazem nas trevas. O homem é Deus pela realização das obras de Deus. O Filho deve realizar a vontade do Pai e a vontade do Pai vivifica o amor pela dor, semeando espinhos nos caminhos da vida. O Filho amado padece pelo amor a seus irmãos e prepara o caminho tortuoso para os que seguem Seus passos. O Filho que realiza as obras do Pai não olha senão para a luz da obra, não se detendo para contemplar sua sombra. Espera com paciência, como Deus, o fruto da realização, mas não lhe apetece saboreá-lo. O sol gira em torno de um eixo e o sistema gira em torno do sol. O Espírito gira em torno do Eixo-Deus e o sistema corporal gira em torno do Espírito. Cada qual realiza sua obra pelo amor à obra. Todo órgão, no corpo, trabalha para o Todo e o Todo trabalha para os órgãos. Esta é a verdadeira sabedoria que a mente humana não pôde compreender até hoje. O movimento é o esforço da vida para a realização, a realização é a reação proporcional ao movimento. Uma realização amorosa produz seu correspondente em equilíbrio. A vibração do Espírito gera a força nos átomos. A vida é luta contra a inação. Toda mente inativa morre na noite da fraqueza e não pode gozar da aurora do vigor. A inação é a morte e o movimento é a lei da vida. Trabalhar é realizar e realizar é aperfeiçoar-se.


A CHAVE DO PODER Todo saber se manifesta na obra e toda obra se imortaliza pelo amor à obra. Todo saber que não se manifesta por atos é um saber egoísta. A ação é a manifestação da vida e a realização da vontade. A realização consiste em concentrar toda a vontade e todos os sentidos na obra, a fim de aperfeiçoá-la e de imortalizá-la. Amar a obra é santificá-la porque a realização de um trabalho é a cristalização de um sentimento da alma. Ser fiel ao próprio trabalho é chegar à compreensão espiritual que induz à realização da presença do Poder Infinito e Central em si mesmo. E, por acréscimo, adquire-se o conhecimento de todas as coisas porque cada trabalho é um elo na cadeia infinita de outros.


O DESTINO O filtro capitoso do Destino mais amargo que o mal, curar pretende. A sorte não se compra, nem se vende: – está gravada em ti, ó peregrino! Em tua sorte. Deus, com alto tino, não intervém; tampouco, como duende, o Fado te persegue, mas atende: – do teu futuro és tu o paladino! E quando o lavrador, na sementeira, atira os grãos à terra hospitaleira, sonha, feliz, na messe que há de vir. Assim também, qual lavrador prudente, semeia o bem nos atos teus, contente, preparando a colheita do porvir.


CAPÍTULO 15

O DESTINO Existe destino? O que é destino? Duas coisas existem que, além de fantásticas e imaginárias, são, no entanto, as mais caluniadas e vilipendiadas: o demônio e o destino. Já se disse: imaginar é ver. Assim, o homem imaginou o demônio e viu-o, assim como imaginou o destino e sentiu sua presença. O destino é a reunião de todos os fatos, bons ou maus, personificados; o demônio é a reunião de todas as perversi-dades realizadas. Por conseguinte, o homem é o fabricante de seu destino e de seu demônio. O Espírito vibra e cria enquanto o pensamento amolda a forma e a fé insufla o alento da vida na forma. A existência de uma coisa depende da vibração do Espírito, sua forma depende do pensamento e sua realidade, dos sentidos. Aquilo que o homem sente forma o mundo em que ele vive. Sua atualidade é realidade. O homem hipnotiza-se por meio de seus pensamentos e acredita em suas ilusões. Pensa que está separado do Espírito Criador e vive num mundo influenciado por um demônio que maneja o seu destino em oposição à Vontade Divina. Quando crê em tudo isto, isto será para ele como crê. Não existe causa sem efeito, nem efeito sem causa. Nenhuma existência é isolada. O futuro é o fruto do presente e o presente é a flor do passado. Portanto, não há sorte nem destino. O destino é a semente que encerra em si a causa que antecedeu e o efeito consequente.


Admitir o acaso é admitir efeito sem causa. “Não vos enganeis. Ninguém consegue enganar a Deus pois o que quer que o homem semeie, isso ele colherá” (Gálatas, VI, 7). “Não se pode colher figo do abrolho”. Cada força opera em seu próprio plano e reage segundo a proporção de sua intensidade, sobretudo no que cai sob seu domínio. Não há destino nem sorte. O destino é a continuação do passado, a sorte é o efeito no futuro. O destino é a ação de uma causa, sorte a reação de um efeito. O destino é a perfeita justiça da Lei e a sorte é sua perfeita capacidade. O prémio da sorte é a fragrância da boa ação e o castigo do destino é espinho do mal. O destino é o duro juiz que não pode ser subornado e a sorte é carinhosa companheira que elabora as roupas com que nos enfeitaremos no futuro. O erro do passado aferra-se ao presente até cansar o homem. O presente agarra-se ao futuro e desgasta o coração. A dor do destino é o princípio da cura. O amargo gosto da sorte é o melhor remédio. O destino é o pai que aplica o castigo merecido pela falta. A sorte é a mãe que recompensa pelo acerto. O destino é o conhecimento arrancado da árvore do sofrimento. A sorte é a sabedoria colhida da árvore da experiência. Quem maldiz o destino será amaldiçoado pela sorte e quem bendiz o pai será abençoado pela mãe. Somos o que somos por força da resultante de todos os nossos pensamentos, palavras, ações e experiências passadas. O que ainda seremos depende das mesmas causas. Todo homem é o que é em virtude do seu passado e será o que será em virtude do seu presente. O destino é a melhor escola. De bom grado ou à força é preciso aprender as lições e cada lição deixa sua marca na memória. O homem colhe o que semeia e quem não semeia não colhe.


Todo pensamento tem o seu resultado, toda palavra tem o seu efeito e toda obra produz reações mediatas ou imediatas no futuro. O pensamento é a semente: uma vez semeada na mente ela deseja brotar, crescer, florescer e frutificar. Por esse fruto se conhecerá a árvore! O destino esteriliza a semente do desejo com o fogo da espiritualidade. Assim se tornará comestível, mas não germinará mais. O destino é o estímulo do Espírito Interno que trabalha para libertar o homem dos invólucros que o aprisionam. O destino é herança do passado e um companheiro inseparável da vida presente. Nem Deus intervém no destino do homem nem o demônio fatal arma ciladas em seu caminho. Ninguém, tampouco, pode subornar a Deus com orações que visem a aliviar os efeitos do destino. Tudo o que Deus pode outorgar é Seu amor através do destino, a fim de que o homem O imite e procure a libertação em si e de si mesmo. Daquilo que ele foi deriva o que ele é e o que será, sendo que aquilo que ele agora é poderá apagar o que ele foi ou viria a ser. Um dos Upanishads afirma: “O homem é um ser de reflexos: o que ele reflete nesta vida atinge a seguinte”. Um antigo provérbio ensina: “Hoje o destino é o dono. O homem o foi ontem”. Assim, todo o homem pode ser dono de seu futuro apesar dos obstáculos que tem de enfrentar no presente como consequência do passado. O homem nasce de acordo com seus desejos e morre de acordo com suas ações. O destino é o ourives que aplica no homem o fogo do sofrimento, a fim de darlhe uma nova forma. O homem forjou em sua mente os grilhões do destino que o aprisionam mas dentro dessa prisão poderá quebrá-los.


Todo mal é fruto da ignorância. Toda ignorância é dor e toda dor é fruto amargo caído da árvore do destino. Todo desapego é sabedoria; toda sabedoria é um bem, todo bem é fruto doce pendente da árvore da sorte. O homem é o caminho e o viajante no rumo da perfeição. Quando o viajante não prepara o caminho, o destino não retirará a pedra que o obstrui. O Grande Tecelão Interno uniu os fios do destino com a urdidura do desejo. Para libertar-se desses fios e dessa urdidura é preciso despir-se diante da vida.

A CHAVE DO PODER Para não sentir o gosto amargo do destino é preciso abandonar os alimentos do desejo egoísta e, até, da virtude egoísta. Para ser dono do destino é preciso aprender as causas do sofrimento, pois elas são a árvore da ambição enraizada no coração. Aquele que sabe arrancá-la pode morrer porque já não necessita da vida. A chave consiste em trabalhar pelo amor à obra e não pelo desejo de ver nascer. E preciso semear, no seio da Mãe-Natureza, as sementes, deixando a Ela o resto da obra. Tal prática dota o homem de vista interna, bem como da possibilidade de ler no coração e na mente dos demais, adquirindo a recordação das vidas passadas e a premonição das futuras.


A QUEDA O pranto é o alimento bom do riso, sendo o êxito o filho do fracasso; toda a queda é prenúncio do cansaço de um dia cujos erros analiso. E são irmãos a lágrima e o sorriso! Juntos se aninham dentro do meu regaço, e juntos me perseguem, passo a passo: – uma me inspira e noutro tenho o aviso... Na minha queda, com amor, bendigo a pedra, que a mão vil de um inimigo colocou, sem que eu visse, em minha estrada... Meu fracasso, chamo-o – “a luz em meu caminho” pois os passos me guia, com carinho e me ensina a subir a grande escada!


CAPÍTULO 16

A QUEDA Para cair é preciso haver subido e para subir é preciso haver-se erguido de uma queda. A queda é um triunfo mascarado. O pranto é o manjar da alegria. A dor é o princípio da saúde. O pão que alimenta o homem é filho do forno do padeiro. A água que sacia a sede é o conjunto das lágrimas choradas pelo céu. A própria vida é a queda de Deus na matéria e seu objetivo é vencer e superar os fracassos pela multiplicação dos êxitos. Não existe nem fracasso nem triunfo, assim como não há nem bem nem mal. A dor do fracasso é a saída natural da flor de seu capulho e o prazer do triunfo é a queda natural das pétalas ao formar-se o fruto. No entanto, a dor do fracasso e o prazer do triunfo não residem na obra mas na mente que a dirige. O triunfo não se compra nem se vende, o preço do fracasso é o triunfo. O homem busca o êxito por vários caminhos e bate em muitas portas durante essa busca; o único caminho e a única porta que conduzem ao êxito é o fracasso. Os homens são irmãos na queda e inimigos na sorte. Quando estão felizes têm muitos deuses e quando dois se reúnem em nome do fracasso a compreensão é imediata e o Deus verdadeiro está com eles. No fracasso o rei compartilha o alimento do pastor, o nobre o leito ao lado do lavrador e o sacerdote a taça da prostituta. O êxito alimenta os corações com desejos, enche os seus dias com hipócritas virtudes e suas noites com vícios desnudos. Na infelicidade, eles se libertam de seus vícios e oferecem suas virtudes sem qualquer preço. No êxito, os homens dividem a terra em nações e levantam barreiras alfandegárias ou marcos divisórios que defendem com o próprio sangue e a própria carne mas, no fracasso, eles se mesclam e confundem-se como filhos


de um só Pai e de uma só Mãe, chamando, então, ao Universo inteiro de Pátria-Mãe. O fracasso é o milagre dos milagres porque funde os homens num só cadinho, transformando raças e nações numa só realidade, já que todos estão sendo alimentados pelo mesmo alimento, saciados com a mesma bebida e vestidos com a mesma roupa. O êxito injeta no homem o soro da ambição perpétua que o obriga a trabalhar noite e dia e a cada momento tem motivos para pensar e sofrer. Ele será o escravo do dinheiro e sombra de seus lucros. Seus pés serão alimento de seu cérebro, seu cérebro alimento de seus pés; come-se a si mesmo sem sentir, como aquele gato que lambia uma lima e absorvia o sangue de sua própria língua, crendo que se alimentava do aço da lima. O fracasso é o idioma universal que pode decifrar o significado das lágrimas e o sentido do riso. O êxito é o idioma nacional, cujo sentido só uns poucos compreendem. Caindo, o homem compreende-se a si mesmo. No êxito, crê compreender-se mas nada compreende. O êxito é a espuma na superfície do mar da vida; o fracasso é o silêncio das profundezas. O vinho da vitória é servido na taça da derrota. Cada queda nos incita a tirar do caminho a pedra de tropeço, a fim de preparar o caminho para os demais. Os espinhos existentes no caminho da vitória só derramam o sangue mau das veias dos pés, a fim de lhes dar mais agilidade ao caminhar. O triunfo contínuo envenena com a preguiça. O progresso debilita a força com suas facilidades. O fracasso, no entanto, produz o amor, a caridade e a justiça. O orgulho do triunfo adormece; a humildade do fracasso desperta. O triunfo atraí as falsas amizades, enquanto o fracasso as filtra, separando a falsa da verdadeira. O êxito ofusca a mente, o fracasso ilumina o coração. Ofuscados, não podemos ouvir o grito do precipício mas, com a iluminação, podemos ver o cume da glória. A dor é mensageira da vitalidade que ensina ao homem os


erros do seu comportamento. O fracasso é o mensageiro do êxito que indica ao homem o melhor caminho. A vontade se fortalece com as dificuldades e na dor busca o remédio. As derrotas nada mais são do que as tortuosidades do caminho; o sábio é aquele que vai em frente vencendo-as, sem parar para apreciar seus triunfos. O ouro da alma não se purifica a não ser pelo fogo das vicissitudes. O fogo terrestre converte a hulha em diamante. Tal é o brado do êxito: “Primeiro eu e, depois de mim, o dilúvio!” O clamor do fracasso é a voz do capitão do barco: Primeiro as mulheres, as crianças, demais tripulantes e por último eu! O cálice do triunfo conserva no fundo a amargura da dor. A dor do fracasso abre nossos olhos para que eles possam ver melhor o erro causador do tropeço. Toda vontade se confirma com a dor do fracasso. A simpatia nasce entre os que caíram e o amor reina entre os infelizes. A compaixão é a mensageira da infelicidade. Não fosse pela infelicidade não haveria neste mundo um só coração compassivo. O filantropo é filho da pobreza. O reformador é filho da tirania. O justo é aquele que sofreu injustiças. Só é capaz de aliviar a tristeza aquele que a padeceu. O sábio deve ser uma balança entre o fracasso e o êxito. Quando os pratos de sua balança se encontram cheios de ambos, estabelece-se o equilíbrio. E quando um infeliz se aproxima dessa balança para pesar suas desgraças, o sábio coloca no prato oposto todos os frutos de sua própria felicidade e todos os resultados de seus carinhosos conselhos, obrigando que este prato desça ao ser preenchido para sua própria alegria.

A CHAVE DO PODER O objetivo da dor é sentir o sofrimento alheio e o objetivo do fracasso é saborear sua amargura, a fim de poder descobrir uma forma de aliviar a dor e de achar um remédio para a doença.


Com a dor do fracasso chega-se a ser Mestre de Compaixão, que é a meta de todos os santos e iniciados no Caminho da Perfeição. Cada fracasso deve ser um motivo para rendermos graças porque ele é uma lição do Mestre que, embora dura, é proveitosa. O Espírito Divino aceitou a queda na matéria e a queda simbólica de Adão tem por objetivo o desenvolvimento da consciência e a aquisição da sabedoria por meio da experiência pessoal, pois a sabedoria sempre é filha da experiência. Aquele que sabe beber do cálice de seu próprio fracasso com conformismo, estudando detidamente os motivos dele, será Mestre nos Mistérios da Natureza e esta levantará, obedientemente, o seu véu diante dele.


VERDADE E MENTIRA Mentem os homens na maior cegueira; formam do mundo a multidão crescente; sem fé nem luz buscam a fonte alente da esperança com ideia interesseira. A Palavra – Poder é uma videira aberta em flor em língua que não mente. Falam às obras sobre a alma que sente e oculta-se a emoção na voz brejeira. Fortuna, paz, amor... A douta lira da língua da verdade, doce, inspira e tudo dá àquele que a bendiz. Quem sente fundo tem pensar brilhante, e seu verbo na dor é vigilante... – pois fugir da mentira é ser feliz!


CAPÍTULO 17

VERDADE E MENTIRA O homem é uma lâmpada cujo azeite é a verdade. Aquele que alimentar essa lâmpada com a mentira não poderá dissipar as trevas do mal. O gelo da covardia esfria o calor da palavra persuasiva, a imundície que cobre a rosa elimina sua deliciosa fragrância. A flor de lótus brota do seio das águas em direção ao sol sem importar-se com as dificuldades. A língua do homem deveria ser como a espada que atravessa os véus da mentira. A língua veraz é a espada da justiça, a luz da sabedoria, o bálsamo das feridas, o orvalho do consolo, o vigor dos fracos e a arma da mente. Todo mentiroso é covarde e todo covarde é mentiroso. A palavra veraz é o guia no deserto da vida, a luz na senda do caminhante, o fruto dos pensamentos puros e filha da paz interna. A mentira é a semente da inquietude e a mãe de todos os males. Se ela salva o homem de um dano efêmero, fá-lo apenas para precipitá-lo nas trevas da morte. A doçura da verdade é amarga na boca do mentiroso. Sua luz fere seus olhos enfermos. Sua sinfonia torna-se um ruído espantoso para ele e seu delicioso aroma mortifica o olfato infectado pelos germens da mentira. A palavra é a ação mental: se a mente é tenebrosa, a ação da palavra gera caos e confusão; se a mente é iluminada, a palavra é ordem e luz. Se a mentira subjugar a língua, todos os vícios subjugarão a personalidade. É preciso adormecer nos braços da verdade, a fim de despertar no seio da sabedoria. Aquele que confia na verdade não se extravia ainda que não veja o caminho pelo qual está sendo conduzido.


O mentiroso não pode ser iniciado em qualquer ciência ou em qualquer arte porque a verdadeira ciência e a verdadeira arte são filhas da verdade. O homem veraz é soberano rei e pontífice da criação. O covarde teme o grito da solidão e, então, canta para dissipar seu medo. O mentiroso teme a discórdia silenciosa de seu coração e fala. Os pensamentos irrequietos temem as imensas solidões do silêncio e manifestam-se em palavras para aniquilar o Pensador Interno e Silente. Quem conserva a verdade no coração não pode revelá-la apenas com uma palavra, antes grava-a com seu olhar no coração dos demais. Uma alma negra cobre-se com o véu da palavra, enquanto a alma luminosa despoja-se de todos os véus para mostrar sua nudez. Quando a língua liberta-se do jugo da mentira ela se torna onipotente: alivia a dor, domina a enfermidade e vence a morte; porque a imortalidade tem de chegar aos mortais. A verdade nunca fere e estará mentindo quem disser o contrário. O que fere é o dardo venenoso da língua mentirosa que se esconde sob o manto da verdade, tal como a víbora sob as folhas. A língua mentirosa, ao arremedar a verdade, veste-se de sarcasmo e suas palavras atravessam o coração como setas. A verdade é nua, porém bela. Ela não pode gerar repugnância. Ela é doce e suave, nunca pode ferir. A mentira, quando nua como a verdade, é repugnante. Quantas vezes não podemos suportar o conselho de nosso pai, irmão ou parente, enquanto nos inclinamos ante os mesmos conselhos dados por um estranho, ainda que, às vezes, sejam grosseiros? Não será porque os primeiros mentem até quando dão conselhos, enquanto este último diz a verdade? A língua mentirosa é como a víbora: ao lamber o pé fere o calcanhar porque nenhuma palavra pode perecer uma vez proferida. Quando a palavra sai da boca faz vibrar a atmosfera até o infinito e faz estremecer os próprios deuses, de forma que o impulso da palavra vocalizada impressiona a todos os seres e coisas que existem no Universo.


– Por que o homem mentiu? – Porque o castigaram quando disse a verdade e, por medo ao castigo, continuou mentido. – Por que o homem perdeu o poder da palavra? – Porque mentiu e continua mentindo. A língua mente quando a fonte da fé esgota-se no coração e no deserto de um coração privado das águas da fé só medram abrolhos. Do sublime consórcio do Pensamento com a Voz nasce o Verbo Divino. Pela cópula os dois elementos divinos – o Pensamento e a Voz – fecundam a Palavra sentida pelo saber, e consentida pela vontade, faz-se carne e manifesta-se em toda ação. O sentir e o consentir, o saber e a vontade, beijam-se, fundem-se no alento, donde emana a Palavra-Vida, filha do amor e da felicidade. O coração do homem qual chama, faísca na mente e a língua de fogo sai pela boca luminosa e cálida, e descendo sobre o homem, como aconteceu durante o Pentecostes, outorgando-lhe o dom das línguas. Profanar a palavra pronunciada com o pensamento da mentira e o sentimento do engano é ultrajara Deus de quem emana todo verbo; fazer isso é matar a vida da palavra. Ao falar, o homem converte-se em Deus Criador. No entanto, quem fala o que não sente, renega o amor, a vida, o poder e Deus. É bom criar, mas é preciso criar o bom. É bom falar, mas é preciso viver a palavra falada. Viver a palavra proferida é fazer viver a felicidade própria e alheia. “Dou minha palavra” é uma afirmação que equivale a dizer “Dou a meu Deus como refém”. “Homem de Palavra” significa Deus Criador, Deus em ação.


A CHAVE DO PODER O homem é capaz de criar mediante a palavra mas, infelizmente, sua palavra criadora acha-se perdida. Quem já não ouviu falar ou leu sobre a Palavra Perdida, aquela Palavra Chave de todo Poder, que somente o Mestre, na hora de morrer, revela ao mais amado de seus discípulos? O discípulo, muitas vezes, consagra uma vida inteira para tornar-se digno de aprender a Palavra Perdida. Nós, no entanto, a daremos a cada aspirante, a fim de praticá-la por toda a vida. Ei-la: DESEJAR É PODER, PENSAR É SABER, FALAR É CRIAR. Quem meditar e praticar durante vinte e um meses, com o objetivo de desejar a verdade, descobrirá, por si mesmo, a Palavra Perdida. Bastará dizer ao doente: fique bom, ele ficará curado; ao desgraçado: fique feliz, ele ficará; ao viciado: fique perfeito, ele ficará perfeito; ao morto ou à morta: kumi ou kum e despertarão. Seus lábios estarão purificados pelo fogo da verdade e sua Palavra se converterá em Lei. Este é o único caminho para a profecia e para o conhecimento do futuro.


VOLUPTUOSIDADE E TEMPERANÇA Campos d’alma são campos de batalha, de apetites vorazes e obsessões. A voluptuosidade das paixões tanto a reis como a povos atassalha. Uma paixão desenfreada atalha qual tempestade, as dúlcidas canções do rouxinol e as fortes intenções na areia do prazer, todas encalha. O corpo é barco sobre um mar trevoso; leva, no leme, o espírito curioso e tanto voga que no mar se abisma! Mas é lei dos chamados, dos eleitos: o domar os sentidos e defeitos para mudar da Vida o escuso prisma!


CAPÍTULO 18

VOLUPTUOSIDADE E TEMPERANÇA A voluptuosidade é o florescimento de um desejo bastante perfumado, porém embriagador. A voluptuosidade é o vinho delicioso do espírito, porém debilitante para os nervos. O espírito é o monarca do corpo e dos sentidos. A voluptuosidade é a rebelião dos súditos contra o monarca. A voluptuosidade é a videira cujos cachos são alimento, mas no suco fermentado há alegria e dor. Tomar pouco é alegrar-se e inspirar-se; tomar muito é embriagar-se e aniquilar-se. A temperança é a taça cheia de prazer; a voluptuosidade é a mesma taça, porém duas vezes cheia: o amadurecido a toma de uma só vez, a juventude repete o brinde. O prazer da temperança acompanha o homem até o fim da vida, o da voluptuosidade o abandona em plena juventude. A voluptuosidade é uma rainha que coleciona escravos, a temperança é a mãe que vela por seus filhos. Na primavera da vida, a voluptuosidade é a mão da velhice, ao passo que o gozo da juventude é o manancial de energia na idade avançada. O gozo é o esplendor das estrelas no céu; a voluptuosidade é a nuvem que oculta o sol nos dias frios. A sombra da voluptuosidade é o remorso, a luz do gozo é a satisfação. A colheita do prazer incontido é a degeneração, o fruto do prazer bem dirigido é o deleite.


Não somos partidários das privações porque elas armazenam desejos e, ao mesmo tempo, nos aumentam a temperatura até atingirmos a ebulição, mas quando o vapor não encontra uma saída pode estalar o recipiente. O corpo pede o que precisa, a mente aglomera o supérfluo. O sábio não busca o gozo porque sabe que este o espera no caminho. O ignorante busca a voluptuosidade como guia no caminho do viver. O gozo caminha entre os homens, a voluptuosidade os arrasta. A voluptuosidade é o furacão que enfurece as ondas do mar, a temperança é o sorriso da calma e da bonança. O gozo é a herança que Deus outorga a Seus filhos, a voluptuosidade é o prazer que muito promete, embora suas promessas sejam miragens do deserto. A voluptuosidade estraga os apetites de suas vítimas, que já não desejam senão pútridos manjares. Quem é aquela formosa virgem cujo frescor excede ao do lírio do campo e de sorriso mais deleitoso do que uma rosa recém desabrochada, de beijos mais doces do que a esperança, cujos lábios emanam um alento mais fragrante do que os aromas da Arábia, de quem a rosa inveja a cor das faces, de quem a brisa inveja o perfume do alento, cujo júbilo dança em seus olhos e seus passos seguem o ritmo alegre de seu coração? Ela é a saúde, filha do gozo e da temperança. O vigor mora em suas entranhas, o poder em seu cérebro e a felicidade em todo seu ser. O jejum abre seu apetite, a moderação alimenta-lhe a felicidade e a parcimônia perpetua seus prazeres. Se os olhos são as sentinelas do homem, por que razão ele não sabe distinguir entre o bom e o mau, entre o normal e anormal? Se o estômago é a medida exata para um peso limitado, por que o homem deseja devorar tudo que sua vista alcança? Se o juízo e a razão encontram-se no cérebro do homem, por que este consulta o estômago e os sentidos?


De que serve ao homem o ter olhos de águia se ele só busca cadáveres putrefatos para alimentar-se? Este é o Homem Microcósmico, semelhante a uma cidade simetricamente construída, com bases bem cimentadas, com muros bem nivelados, com ruas bem traçadas, com casas repletas de habitantes, com canalizações perfeitas, com seus comerciantes, industriais e operários em trabalho alternado, dia e noite. Tal cidade tem um rei que é seu dirigente, o rei tem seu ministro, administrador de correios, jornalistas, caixeiros, intérpretes e escreventes. Nessa cidade vivem bons e maus. Sete são operários: a atração, a adesão, a digestão, a repulsão, o crescimento, o alimento e a memória. O rei é a Lei natural e seu trono encontra-se no coração. O ministro é a razão e reside no cérebro. O administrador de correios é o poder visualizador e reside no cérebro frontal. Os jornalistas são os cinco sentidos. O caixeiro é a memória. O intérprete é a língua e os escreventes são as mãos. Se o rei é bom e justo converter-se-á na sombra de Deus na terra, pois quando a razão é correta ela obedece a todos os poderes da alma. Assim como no mundo há bons e maus, assim também, no homem, encontram-se forças boas e más como a paixão, a ambição, a inveja, o egoísmo etc, as quais se rebelam contra a razão e contra a lei do coração. O rei, então, precisa impor sua vontade e dominar os rebeldes. O ministro é a razão que deve obedecer ao rei, a fim de combater os inimigos passionais e anelos exagerados, a fim de pacificá-los e, em seguida, transformá-los num exército útil à nação, embora nunca deva fiar-se neles e, caso voltem a se rebelar, precisará eliminá-los ou exilá-los. As más forças no homem são ídolos e, por isso, ele sempre tende a adorá-los. Assim como o rei precisa ordenar a limpeza da cidade, corrigir os defeitos, dominar os maus, ilustrar os ignorantes e administrar a justiça entre seus súditos, assim também o homem precisa limpar a sua cidade-corpo, corrigir seus defeitos, domar seus maus instintos, ilustrar suas células ignorantes e administrar uma justiça perfeita entre suas necessidades e ambições. O jejum é a melhor escova para tal limpeza. A privação é a melhor correção de nossos defeitos. A abstenção domina os maus instintos. O silêncio e a meditação ilustram e, por último, a temperança é a mais perfeita justiça que existe para satisfazer anelos e desejos.


A CHAVE DO PODER O homem é dual: espírito e matéria ou alma e corpo. As religiões ensinam como o homem pode salvar sua alma. A Religião da Verdade ensina como deve manejar o corpo. Todo desejo voluptuoso que encontra satisfação debilita o domínio do espírito sobre o corpo e a privação voluntária é a chave que abre a porta ao espírito interno para manifestar sua luz. É bom comer, porém é melhor assimilar. É bom possuir coisas boas, porém é melhor conhecer sua utilidade. Poder deleitar-se e reprimir-se é entrar no Reino do Poder. Castidade não significa abstinência, jejum não é morrer de fome. A temperança é o equilíbrio entre os dois contrários. O homem que pratica a chave da temperança será fonte de consolo para os aflitos e o melhor conselheiro dos confusos.


A FELICIDADE Ó dita pessoal, falsa alegria que mascaras a face da tristeza, da nossa dor és túrbida represa ventura vã, que do sofrer és guia. Para a felicidade o amor é via mas, quando o amor é isento de impureza: na oferta de si próprio põe grandeza e aquece nos seus raios a alma fria... Na colmeia, acha ventura a abelha quando ao favo se achega, qual centelha, dando tudo sem nada receber... Feliz a flor, que é toda uma fragrância, feliz o trigo em onda de abundância: mãos que semeiam para não colher...


CAPÍTULO 19

A FELICIDADE O altruísmo é o único solo onde a felicidade pode germinar e florescer. A felicidade é a aurora da Divindade; é o despertar do amor não-egoísta. A flor da felicidade é a simpatia pela dor alheia e seu fruto é o serviço desinteressado. A felicidade é o altíssimo dom de trabalhar como Deus e servir em Sua Obra. Nem o prazer satisfeito, nem os gozos colimados, nem a completa comodidade são felicidade. Obedecer à Lei e servir são as duas asas mediante as quais o ser se eleva. Cada homem é um canal por onde a felicidade se expressa; assim como o canal não deve reter a água que por ele corre, também o ser humano não deve reter para si a felicidade, pois se o fizer, o canal pode romper-se. Enquanto o homem sentir a felicidade deve sentir dor. A verdadeira felicidade não pode ser sentida em si mesma, assim como o olho não pode ver-se a si mesmo, ainda que possa ver seu reflexo na água ou no espelho. O homem feliz é a manifestação de Deus. Resiste à dor e ao prazer, à luxúria e à paixão, assim como o grão resiste aos ventos do outono e às chuvas do inverno. A humanidade crê que a felicidade consiste no privilégio de possuir tudo para nada fazer. Acredita que Deus é a perfeita tranquilidade e que Seu céu é um lugar de indolências, ao passo que a verdadeira felicidade é não possuir nada para si mesmo e servir sempre porque Deus é movimento contínuo e seu céu é trabalho perpétuo, sem descanso. Quem busca a felicidade para gozá-la tropeça na dor para que a sofra porque é mais difícil gozar a felicidade do que viver sem ela.


A maior felicidade consiste em não procurá-la porque com ela o homem tem dez deveres a cumprir de uma só vez e o mais formoso desses deveres é mais doloroso do que dez infelicidades juntas, ao passo que sem ela não necessitará de outra coisa senão de conformação. Ninguém quer aceitar que a felicidade é uma flor que cresce entre espinhos. Para colhê-la, no entanto, é preciso rasgar as vestes, a pele e sangrar. A felicidade é uma abelha que defende seu mel com um ferrão envenenado, embora o mel da felicidade também seja o remédio universal para toda a dor. A plenitude da felicidade repousa no derramamento de todas as lágrimas dos olhos. O homem não deve pedir nada à felicidade porque ela nada tem para dar. A verdadeira felicidade se entrega sem condições porque só o nãocondicionado pode ser feliz. Um poderoso rei da antiguidade procurava, com afã, a felicidade e oferecia fabulosas somas para encontrá-la; suas tentativas, no entanto, foram inúteis. Um sábio aconselhou-o a usar a camisa de um ser feliz para adquirir felicidade. Acompanhado de seu primeiro-ministro, o rei abandonou seu reino em busca dessa camisa. Visitaram reis e súditos, palácios e choças, pobres e ricos e não encontraram a feliz criatura de quem pudessem comprar a camisa. Chegaram, por fim, a um lavrador que arava seu campo e cantava ao fim de cada sulco feito. O rei aproximou-se, incógnito, e perguntou-lhe: – És feliz, bom homem? – Que me falta, senhor, para que não seja? Semeio agora e Deus amanhã me dará a colheita. Termino meu trabalho hoje e, à noite, minha mulher e meus filhos me esperam, a fim de lavar-me os pés e dar-me de comer. Não será esta a verda deira felicidade? O rei pulou de satisfação por ter encontrado o homem que procurava. Juntou, então, as mãos em atitude de súplica e, com a voz entrecortada de ânsias, pediu: – Vende-me tua camisa! Comovido com aquele pedido, o lavrador desabotoou o abrigo, descobriu o peito e disse:


– Senhor, não tenho camisa. Buscar a felicidade é afugentá-la. Ela é nossa sombra. Se a seguirmos, foge, se a ignoramos nos segue. É uma felicidade ser homem para depositar a própria força aos pés de uma mulher. É uma felicidade ser mulher para adornar o homem com a ternura da própria sensibilidade. É uma felicidade ser rico pra repartir o pão com os pobres. É uma felicidade ser pobre para recompensar com a bênção a mão que ofereceu o alimento. É felicidade ser pai, responsável pela família e ascender rumo à realização. É felicidade ser filho e derramar uma lágrima de ternura filial que recompense o sofrimento do pai. É felicidade ser jovem e árvore da vida carregada com frutos de esperança, É felicidade ser velho para alimentar com os frutos da experiência os inexperientes. É felicidade amar e ser amado porque as rosas do amor perfumam o mundo, É felicidade ser ferido pelo amor porque o espinho do sofrimento, ao tocar o coração, transforma-o num manancial de piedade. Qual é a finalidade da vida? – A felicidade. Que é felicidade? – A própria vida. Por que o homem é infeliz? – Porque vive no passado ou tem medo do futuro, descuidando-se do presente. A vida é a felicidade em si: onde quer que exista um rouxinol a cantar, onde quer que exista uma flor a desprender perfume, onde quer que exista uma árvore que frutifique a felicidade existe. No entanto, o homem aprisiona o rouxinol para ouvir seu canto, colhe a flor para cheirar e depois a joga fora e colhe o fruto para comê-lo; é o rei de todos, mas vive infeliz. E vive infeliz porque não aprendeu a dar mas só a colher. A felicidade nada pode dar porque nada tem para dar ou não pode separar-se de seus dons. A felicidade se entrega por completo à criatura que nada lhe pede. A felicidade é avara e, como tal, não pode distanciar-se de seus tesouros.


A felicidade é uma semente adormecida no coração: não pode brotar durante o inverno frio do amor mas apenas na primavera do altruísmo que é quando rompe sua concha para elevar-se sem temor ao vento e erguer-se com majestade em direção ao sol. Não se deve procurar sentir a felicidade e sim transmiti-la. A flor não perfuma a si mesma, espalha seu aroma para deleitar as narinas sãs.

A CHAVE DO PODER Altruísmo e felicidade são sinônimos porque o primeiro é parte integrante da segunda. A felicidade é a própria Lei Natural: consiste em dar aos outros mais do que a si mesmo. A felicidade é irmã gêmea do sacrifício e, por isso, nunca se encontram separados. É preciso consagrar, todos os dias, um pouco de tempo para fazer com que outros sintam a felicidade. Os métodos para isso são inumeráveis. Uma só caridade equivale a um ano de orações. O homem que trabalha pela felicidade dos outros é dono de si mesmo, dono dos homens, dono da natureza e de seus espíritos. Não existe outro caminho nem outro método e mentirá quem disser o contrário. Ninguém pode comprar ou adquirir felicidade. A felicidade se dá e ela é como todas as coisas, gira ciclicamente.


RESSURREIÇÃO OU RENASCIMENTO Dorme a carne e retorna o caminhante ao ponto de partida, nas alturas, pois dos corpos, nas frias sepulturas, a alma renasce como o sol radiante. Mas, ao surgir, de novo, no Levante, não conta o sol passadas nem futuras vidas; seus raios são flamígeras molduras que, ocaso ou aurora, abraçam num instante. E, quando o corpo desce para a morte, a alma se apossa então de sua sorte, qual piloto da roda do timão... A morte é a asa em vôo para a vida; e viver é brotar da carne ardida como ao sol brota o Loto em floração.


CAPÍTULO 20

RESSURREIÇÃO OU RENASCIMENTO A tenaz árvore, após dar seus frutos, entrega suas folhas amarelecidas ao vento, para que este as disperse. O homem verdadeiro, que existe por si mesmo, quando termina sua tarefa diária entrega a roupa à mãe para lavá-la. Nascer é vestir-se com roupas limpas, viver é trabalhar e suar; morrer é despirse, ressuscitar é banhar-se na fonte cristalina da pureza. As roupas ocultam o corpo, a morte oculta o homem. O corpo tem necessidade de muitas roupas durante a vida, assim como o homem precisa de muitos corpos. O corpo é a flor presa no solo, sua fragrância eleva-se no espaço mesmo depois de murcha. A ressurreição é a imersão do homem na Divindade, como o aroma se difunde no espaço. O grão de ouro coberto de pó volta a brilhar quando é lavado. Há duas mortes e duas ressurreições. A morte física não supõe ganância alguma, É a árvore que morre antes de poder dar o que possui. A morte mística é o procedimento que elimina o inútil. Na primeira, o homem ressuscita para voltar a morrer, enquanto, na segunda, ressuscita para converter-se numa coluna no templo do Pai. Hermes Trismegisto disse: “Bem-aventurados aqueles cujos vícios morrem antes deles”. O verdadeiro ser do homem não morre para ressuscitar. Ele apenas joga fora sua veste imperfeita para usar outra que seja limpa e nova.


Essa é a verdade sobre a morte e a ressurreição. Morre o imperfeito para dar lugar ao perfeito. Rompe-se a casca da semente e esta brota em direção ao infinito. Semeia-se um corpo terreno e ressuscita um corpo luminoso. A ressurreição dos mortos é um fato da Natureza: o homem por força ou pela razão está atado à roda cíclica dessa Lei, sendo Lei é uma verdade eterna, sem princípio nem fim estabelecida na constituição do homem. Como, no entanto, nosso objetivo não é decifrar a morte depois da vida, mas a morte mística, tampouco trataremos aqui da ressurreição dos mortos mas da ressurreição mística, que é o alvo de nossa mira. A ressurreição mística é o renascimento espiritual. Para dominar a morte é preciso morrer em vida, para convencer-se da ressurreição dos mortos é preciso ressuscitar dessa morte. A ressurreição não é a imortalidade. Somos todos imortais, porém poucos sabem ressuscitar na imortalidade. A imortalidade da alma é uma ideia abstrata, sua ressurreição é uma EXPERIÊNCIA REAL. A ressurreição da alma acontece durante a vida e é a mais experimental de todas as vivências. O homem não deve procurar a metafísica da imortalidade mas a física da ressurreição, É na própria carne que se deve aprender o que é ressurreição da carne. O sol se põe, a lua diminui de tamanho, a maré baixa; a ressurreição é o sol nascente, a lua cheia é a maré alta. Por isso o corpo de Cristo morreu na cruz para ressuscitar no terceiro dia. O Senhor da vida está crucificado no homem; “quando semeamos o corpo animal, o corpo espiritual ressuscita”. O que é possível para o grão é possível para o corpo. O homem, na morte mística, acende ele mesmo sua luz. O homem deve ajudar a ressurreição de Deus porque Deus expira e o homem aspira. A morte do Filho de Deus tem por objeto a ressurreição de Deus no Filho.


Quem é que morre para ressuscitar: o Homem-Deus ou o Deus-Homem? Nem um nem outro, mas um e outro. Morre a semente, a planta ressuscita. Morre a planta e ressuscita-se na semente. Uma perpétua troca de força ressuscitadora produz-se entre elas, semelhante a uma corrente ininterrupta de fagulhas entre dois pólos elétricos. Deus expira sobre a cruz-corpo e o homem aspira e ressuscita. Quando expirará o homem para que ressuscite Deus da tumba? O homem, porém, não pode ressuscitar sozinho: só ressuscita com a humanidade, com todo o Universo e com todas as criaturas. Cada homem que ressuscita da carne-sepulcro se converte em Deus e Deus necessita desses deuses para ressuscitar toda a humanidade, todas as criaturas e o Universo inteiro. Ante o homem, assim ressuscitado, todos os deuses caem de joelhos para beijar o pó de seus pés. A ressurreição do homem, em sua própria carne, no mundo, é o começo da Eternidade. Quem não pratica a morte e a ressurreição em vida, à vontade, nunca poderá convencer-se da imortalidade da alma. Quanto mais se ama o mundo através do corpo mortal mais se odeia a ressurreição eterna. A Personalidade Absoluta não reside no corpo nem no espírito. Ela é o princípio vital que une a ambos e não está sujeita à morte; só ressuscita quando o corpo morre. Para que a ressurreição seja perfeita na carne, no exterior, deve começar no interior do coração, ou seja, “em espírito e verdade”. O coração do mundo é o sol. O sol do homem é seu coração. O mistério do coração é o Amor e o mistério do amor é a ressurreição. “Aquele que crê em Mim jamais verá a morte”. Aquele que segue os impulsos do coração jamais morrerá.


Cada vez que o corpo animal morre ressuscita o corpo espiritual, toda vez que um vício morre naquele, neste ressuscita uma virtude. Morrer para a ilusão dos sentidos é ressuscitar à Luz da Verdade. “Quem não nascer outra vez não poderá ver o Reino de Deus”, disse Jesus. Morre o homem velho para seus erros, paixões e vícios e ressuscita o homem novo no reino do saber e da virtude.

A CHAVE DO PODER O objetivo da ressurreição mística é ajudar os irmãos que se encontram além do véu. Aqueles que morrem para o próprio egoísmo durante a vida, à noite ressuscitam conscientemente e se dedicam a ajudar os que abandonaram a roupagem material. Boas são as orações e as oferendas, porém o conselho pessoal é mais eficaz. Existe outro método para os que, apesar de tudo, não podem morrer nem ressuscitar à vontade, é o seguinte: Antes de dormir, visualizar o que é chamado morto. Tratar de convencê-lo, como se estivesse presente, sobre uma verdade universal que ele desconhece, a fim de que, ao adormecer, ambos espíritos se encontrem e o encarnado cumpra sua missão, inconscientemente, com o irmão desencarnado.


O JULGAMENTO OU A VOZ DA CONSCIÊNCIA O julgamento é a voz da consciência qual inferno do ser, cujo suplício devora, com seu fogo, todo o vício, e condena e executa, sem clemência. Mente quem diz que há sempre uma indulgência e que Deus testemunha o sacrifício. Toda a dor do saber é benefício, quando serve de luz para a inocência. Como vestal, a voz interna apura o fogo, que, na trípode, depura o vil metal para torná-lo em ouro. A voz interna é um misto de harmonia: – é dos deuses a etérea sinfonia e dos anjos, os cânticos, em coro!


CAPÍTULO 21

O JULGAMENTO OU A VOZ DA CONSCIÊNCIA Os instintos são os legisladores das leis, ao passo que as leis são os administradores dos instintos. A alma é o campo de batalha onde o instinto luta contra a razão, porém, nem um nem outro são donos do campo porque ambos são intrusos. São duas nuvens de polaridades opostas no céu que, ao se chocarem, produzem o relâmpago, o trovão e o raio. O raio, porém, não é nem o relâmpago, nem o trovão, mas a voz silenciosa que ilumina e queima. Os dois pólos do homem são a mente e o ventre que lutam encarniçadamente no coração, enquanto este vigia e espera que se cansem de suas mesquinharias, debilidadese loucuras para julgá-los. Quando o raciocínio e os apetites se aniquilam ouve-se a Voz Íntima do Juiz Interno e tem início o julgamento final. A doutrina do coração é a quintessência da beleza. O objetivo da evolução é a plenitude da perfeição. A voz íntima do coração é a Voz de Deus. A luz do coração flameja na verdade que afirma o mandamento. Sua chama é mais resplandecente que a vida e seu fogo é mais ardente que o dos apetites. Toda criação está permeada dos chamamentos do coração. Do Seio do Silêncio procede a voz espiritual silenciosa que invadirá o campo da consciência. Seu clamor será mais forte do que o fragor de mil trovões juntos e esta voz dirá: “TU ÉS EU E EU SOU ELE presente em teu interior”. “Não busques em teu passado nem esquadrinhes em teu futuro porque o passado te condenará e o futuro te castigará”. “As cadeias do passado, unidas às do futuro, prendem-te ao presente e crucificam-te com os cravos da inação”.


“Eu me movo e aquele que não se move comigo será castigado por ter ficado em repouso”. “Deves conciliar teu demônio com teu Deus e atar ambos ao teu próprio veículo: sê firme apenas no modo de manter as rédeas”. “Se um espinho tirar sangue de teus pés durante o caminho, rega-o com teu próprio sangue e ele se converterá numa rosa. Se a baleia da morte te devora, depois de três dias ela te lançará na orla da vida”. “Derrama o fogo do Amor sobre a cabeça do teu demônio e ele te guiará rumo ao Centro”. “Faz com que o teu mal seja um bem e teu bem se envergonhará diante de teu mal”. “Mata o amor à criatura mortal e ama o imortal que liberta as criaturas”. “Não peças nada a ninguém, Eu Sou a fonte do Dar”. “Quando teu corpo for perseguido pelas ondas da paixão, afirma: já estou perto da margem, preciso ancorar para não encalhar”. “E quando a tempestade rugir e pretender arrastar consigo a âncora de teu barco não procures o salva-vidas porque o capitão que abandona o próprio barco por medo da morte morrerá esfacelado contra as rochas da costa”. “Quando o desejo de teu ventre bater à porta de tua mente, ordena ao coração que abra a porta”. “Quando a flecha da dor atravessar o teu coração, afirma: eu mesmo me feri mas devo curar a ferida e conservar a flecha como relíquia”. “Brinca com o teu desejo assim como o pai brinca com o filho, porém não te deixes montar pelo desejo como o filho faz nos ombros do pai”. “Arranca de teu coração a planta das idades porque suas raízes absorvem toda a seiva”. “Apaga de teu coração os sinais do combate entre a mente e o ventre ou sai da briga se não quiseres que ambos te tirem o juízo”. “Sê louco prudente entre os ajuizados loucos”.


“Despe a vida do bem e do mal; tais roupas foram tecidas pela fraqueza”. “Queima as histórias dos heróis sanguinários e lança suas cinzas nos olhos dos historiadores”. “Sê livre de todas as religiões e amarás a verdade de todas elas”. “Eleva-te sobre o bem e o mal, sobre o triunfo e o fracasso, sobre o amor e o ódio e serás uma escada no rumo da imensidade”. “Faze do que é teu uma escada para Tl que conduza a Tl MESMO”. “Aquele que tem o poder de matar também tem o poder de ressuscitar. Ontem mataste o teu DEUS, ressuscita-O agora”. “Quando orares, repete as preces ditadas pelo Íntimo mas não balbucies aquelas que os preguiçosos usam para distrair-se”. “Tua oração deverá ser um desdobramento de teu coração”. “Quando quiseres falar, que o sangue de teu coração matize tuas palavras”. “Ontem, quando procuravas Deus, O mataste; hoje, ao ressuscitá-Lo, deixa-O vir a ti”. “Recupera tua vontade e despe-te da resignação porque o Homem supera o homem”. “Foge da virtude que converte o homem em anão e segue o desejo que agiganta”. “Sê o precursor de ti mesmo e dos demais e espera que tu mesmo e os outros te alcancem”. “Que tua palavra seja um raio destruidor e que aquele que temer a destruição guarneça o próprio crânio com pára-raios”. “Monta nas asas das tempestades diurnas, a fim de que possas romper as asas das tempestades noturnas”. “Faze do sangue de teu coração uma tinta luminosa, de tua língua uma espada e grava teu ideal em tua testa”.


“Toda palavra não escrita com a tinta do sangue é apenas um traço na areia do mar”. “Antes, porém, de falar escuta o fragor da voz das sete forças que jazem na consciência do Universo”. “Antes de contemplar a série de pensamentos que se refletem na superfície de tua mente, assegura-te primeiro de que secaste a fonte das lágrimas de teus olhos”. “E antes de que tua língua lance a bala mortífera, certifica-te de que não és o alvo”. “Se não te condenares, ninguém te condenará. Se não te julgares, ninguém te julgará”. “Teu coração é o juiz, tua mente a executora da sentença e teu desejo é o que vai ser executado”.

A CHAVE DO PODER Todo ser é guiado pela voz interna. Esta voz é chamada instinto, impulso natural, sentimento interior, nos animais, e intuição no homem. Essa voz silenciosa é muito perceptível no coração e não espera que a consultem porque sempre antecipa os fatos e, se não é ouvida, muitas vezes é porque a voz do desejo do homem a suplanta. Procurar ouvir a voz e viver os seus conselhos é elevar-se sobre o ritmo; é iludir a enfermidade, a dor, a pobreza, a morte e ver o céu aberto diante de si a cada momento.


A PERFEIÇÃO E quando recontei minha colheita e reparti meus frutos justamente, vi o infinito abrir-se à minha frente e nele vi meus dons em terna espreita. Ao contemplá-lo, perco a ideia estreita; e, se me apago, eis que me exsurge o Ente! Perfeição é viver uniconsciente na Real Unidade, assaz perfeita! A perfeição de ser é essa grandeza que, no todo se vê, com tal beleza, que a alheia do passado e do seu modo... Eu Sou Ele, Ele É Eu... fomos um dia... mas hoje, não há mais tal fantasia, pois não há Eu nem Ele... e sim um Todo!...


CAPÍTULO 22

A PERFEIÇÃO No Princípio, Deus se fez homem. No Princípio foi a Unidade sem atributos. O primeiro atributo manifestado foi a vida. As vibrações da vida são as figuras geométricas da forma. A forma nasceu da energia vibratória da vida, tal como o alento nasce dos pulmões do ser e a ideia da mente. A Unidade desdobrou-se em duas para poder manifestar-se, formando-se a polaridade. O sexo dividiu-se em masculino e feminino. Hermes separa de si Afrodite. Adão separa de si Eva. Andros (o varão) tira de si Gyne (a mulher). Hermes e Afrodite voltam a ser Hermafrodito. Adão e Eva transformam-se em Jeová. Andros e Gyne fazem-se Andrógino pelo amor. Copulados esses dois elementos divinos pela força do amor, nasceu a vontade que a ambos equilibra. A vontade aspira retornar ao seu poder antigo e a novamente unir-se ao Infinito; então, para religar-se, inventou a religião. Uma vez materializada a religião, empenhou-se em separar o bem do mal, mas acabou perdendo esse objetivo, crucificando o homem entre ambos. Esta prova de crucificação entre o bem e o mal tem por objetivo o triunfo. O triunfo é obtido por meio da justiça e do equilíbrio da Lei. O cumprimento da Lei Universal outorga a sabedoria.


A sabedoria guia o Poder Criador, ou Sexo, à Divindade, que é a fonte da Força. A Força impõe silêncio às fraquezas da personalidade e conduz o homem ao cumprimento do dever. O dever do homem é o sacrifício pelo bem de todos. O sacrifício voluntário supõe a morte da personalidade. A morte da personalidade é a passagem à vida de realização por meio da vontade. O destino é a mais perfeita escola que ensina ao homem através do fracasso e dos golpes da queda. A dor do fracasso é o único caminho da Verdade. “A verdade vos tornará livres”, afirmou o Mestre, da voluptuosidade das paixões. Ser livre das paixões e dos erros é ser feliz. A felicidade única consiste em ver a Luz Interna e trabalhar de acordo com a Lei pela felicidade alheia. Trabalhar de acordo com a Lei é ressurgir da ilusão da matéria e conhecer a Vida Real. Ressurgir consiste em sentir-se Deus na consciência dos vivos e dos mortos. Isto é Perfeição e, uma vez fechado o círculo, já não se admite dilatação. No princípio, Deus se fez homem, hoje o homem se faz Deus. A vida é uma onda do Grande Oceano, do Infinito sai e à Eternidade volta. O Grande Sol evapora o homem do Oceano Eterno e o frio da morte o devolve ao mesmo Oceano. Da terra nasce a flor e à terra volta. Desaparece a individualidade para integrar-se na Unidade. Quando a matéria se eclipsa, revela-se a Divindade.


Quando o homem perde a personalidade do seu Ser ele encontra seu Ser no Ser. Ao despir-se de sua roupagem pessoal, abriga a todos impessoalmente, domina seus sentimentos através de um imenso amor, controla os pensamentos por meio da doçura da verdade, amolda suas vidas no molde da virtude e encaminha seus atos pelo caminho da perfeição. A perfeição é o domínio de si mesmo para destacar-se sobre os demais, porém sem dominá-los. A corrente não pode retornar além de sua nascente nem os efeitos podem ser maiores do que suas causas; portanto, não há outra causa externa à perfeição. “Há tanto tempo estou convosco e não me haveis reconhecido?” A perfeição é a beleza da vida despida de todos os véus. Não há razão na perfeição, não há tempo nem espaço no Infinito e na Eternidade não há princípio nem fim.

A CHAVE DO PODER Não sou eu quem a confere, senão aquele que disse “Sede perfeitos como vosso Pai é Perfeito”. Seguir o exemplo de quem ensinou isto é chegar à estatura Dele. Chegar à estatura Dele é “comer da Árvore da Vida que se encontra no meio do Paraíso de meu Deus”. “Não sofrerá qualquer dano na segunda morte”. “Receberá uma pedrinha branca e, na pedrinha, um novo nome escrito, que não será conhecido por ninguém, senão por aquele que a receber”. “Receberá o poder sobre as pessoas e ser-lhe-á dada a estrela da manhã”. “Vestir-se-á com roupas brancas e seu nome será declarado diante do Pai e de seus anjos”. Por fim, os dois serão UM.


CONCLUSÃO Adeus, querido leitor, pois já é hora de partir. Dou-te graças pela benévola atenção. Se esta obra te agradar ou te for útil, eu sentirei o teu amor, assim como terás sentido o meu. Portanto, nos tornaremos a encontrar no crepúsculo da mente e cantaremos juntos um hino ao Sol e o Pai-Sol nos dará com sua Luz Divina, as Chaves do Reino Interno.



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