KRISHNAMURTI
SELETA CONCEITOS PRELIMINARES 1ยบ PARTE UNIVERSALISMO
ÍNDICE
1.
FINALIDADE DA VIDA; DESAFIOS, PLENITUDE, ETERNIDADE
2.
EDUCAÇÃO; CONCEITO, POUCO CRIADORA, NÃO ESPIRITUAL
3.
APRENDER, DISCIPLINA; SENTIDO VULGAR E TRANSCENDENTE
4.
JOVENS, IDOSOS; DISTINÇÃO PSÍQUICA, FÍSICA IRRELEVANTE
5.
DEPENDÊNCIA, EMANCIPAÇÃO; PATERNALISMO, LIBERDADE
6.
MATURIDADE, SERIEDADE, VERDADEIRO, FALSO; CONCEITOS
7.
CONHECIMENTO, ESPECIALIZAÇÃO, EXCESSO PREJUDICIAL
8.
MENTE COMPUTADORA, MEMÓRIA, PROGRAMAÇÃO, REPETIÇÃO
9.
INTELECTO, ERUDIÇÃO, SAPIÊNCIA; MEDIOCRIDADE, TALENTO
10.
CLASSES, ISOLAMENTO, COMPLEXO, AUTO-IMAGEM DO EGO
11.
DISTINÇÕES, RESPEITABILIDADE, TÍTULOS, IGNORÂNCIA
12.
VERDADE, PROXIMIDADE, REALIDADE VIVA, SEM CAMINHOS
13.
BUSCA DA VERDADE; MEIOS DE FUGA, BUSCA SEM MOTIVO
14.
SABEDORIA, NÃO SE APRENDE DE OUTROS NEM DE LIVROS
15.
ORIGINALIDADE ESPIRITUAL; MENTE DE SEGUNDA MÃO
16.
DEUS, NOMES, ATRIBUTOS: ABSOLUTO, SUPREMO, INEFÁVEL
17.
IMENSURÁVEL, INCAUSADO, ALTÍSSIMO, VIDA, SER ÚNICO
18.
DESCONHECIDO, CONHECIDO, ATEMPORAL; REAL, ETERNO
1. FINALIDADE DA VIDA; DESAFIOS, PLENITUDE, ETERNIDADE
Sabem o que é a vida? (…). Vou então explicar-lhes. Já viram os aldeões, vestidos de farrapos, sujos, perpetuamente esfomeados, trabalhando sem parar? Esta é uma parte da vida. Adiante notarão um homem de carro, a mulher coberta de jóias, perfumada, com vários empregados. Este é outro aspecto da existência. Ali se acha aquele que voluntariamente abriu mão das riquezas, que vive com simplicidade, anonimamente, como um desconhecido, que não se considera um santo. Também aqui temos outra parte da vida (…). (Ensinar e Aprender, pág. 37) Depara-se alhures com o homem que deseja tornar-se eremita, e existe ainda o que se torna devoto, o qual não deseja pensar, mas apenas seguir cegamente alguma coisa. Existe, igualmente, aquele que pensa cuidadosamente, com lógica e sanidade, e que, ao descobrir que seus pensamentos são limitados, procura transcendê-los. Ele também compõe a vida. E a morte, a perda de tudo, do mesmo modo faz parte da vida. A crença em deuses e deusas, em salvadores, no paraíso, no inferno, são outros fragmentos da existência. E o amor, o ódio, o ciúme, a cobiça, tudo isso configura a vida (…). (Idem, pág. 37) O que desejo discutir (…) é o problema da mente que se aplica a este vasto e complexo problema da existência. A existência não se restringe à obtenção ou conservação de um emprego, mas encerra toda a esfera da existência psicológica, quase desconhecida para a maioria de nós (…). O problema da existência é este vasto complexo de guerras, classes, castas, divisão – a perpétua batalha do homem contra o homem, em competição (…). (O Problema da Revolução Total, pág. 38) (…) Pusemos este mundo em desordem, (…) porque não sabemos o que é viver. Viver não é essa coisa insípida, medíocre, disciplinada, que chamamos “nossa existência” (…). O viver é transbordante de riqueza, é eterna transformação e, enquanto não compreendermos esse movimento eterno, nossa vida será, de certo, muito pouco significativa. (A Cultura e o Problema Humano, pág. 97) A experiência é uma coisa, o viver é outra. A experiência é uma barreira ao viver; agradável ou desagradável, impede o florescimento dele. A experiência
já está encerrada na rede do tempo, (…) no passado; tornou-se memória, que só toma vida como reação ao presente. A vida é o presente; não é experiência (…). A mente é experiência, o conhecido, não pode pôr-se no “estado de viver”; (…). A mente só conhece a continuidade, e não pode receber o novo (…). A experiência tem de cessar para dar lugar ao viver. (Comentários sobre o Viver, 1ª ed., pág. 29-30) A vida é, e tem de ser, uma série de desafios e “respostas”. O desafio não acompanha nossos gostos e aversões, nem nossos desejos especiais, assumindo formas diferentes (…). E, se temos a capacidade de responder ao desafio de maneira adequada, completa, direta, desaparece, então, o problema. (O que te fará Feliz?, pág. 99) Mas, (…) o desafio da vida não é feito em nenhum nível determinado da existência. A vida não está num único nível, quer o econômico, quer o espiritual. A vida, (…) é um estado de relação, em níveis diferentes; ela está sempre fluindo, (…) a expressar-se de maneiras diferentes; e feliz é o homem que tem a capacidade de enfrentar a vida de maneira completa, em níveis diferentes e em todas as ocasiões. (Idem, pág. 99-100) Podemos ver (…) que, num nível, buscamos conforto, bem-estar físico: queremos uma situação folgada, ter dinheiro, amor, posses, viajar e ter a possibilidade de fazer certas coisas. (…) Noutro nível, um pouquinho mais profundo, queremos felicidade, liberdade, (…) ter a capacidade de fazer coisas espetaculares, grandiosas, magnificentes. (…) (Poder e Realizações, pág. 36) (…) E, se vemos um pouco mais profundamente, desejamos descobrir o que está além da morte, e o que é o amor, (…) trabalhar por um ideal, pelo estado perfeito. E, mais profundamente ainda, aspiramos a descobrir o que é a Realidade, o que é Deus, o que é essa coisa tão fecunda e sempre nova. (…) Andamos à deriva, impelidos pelas circunstâncias, até chegar a morte (…). (Idem, pág. 36). Assim, pois, nunca nos acalmamos um pouco para fazer um exame de nós mesmos e procurar discernir o que estamos buscando. (…) Pois, em geral, somos medíocres. Não há nada vital, nada novo, nada criador, em nós. Tudo o que criamos é tão vazio, tão vulgar e sem significação! Não cumpre, portanto, averiguarmos o que é que queremos? (Idem, pág. 36) Pergunta: Vivemos, mas não sabemos por quê. Para muitos de nós, a vida parece não ter significação. Podeis dizer-nos qual é o significado e a finalidade do nosso viver? Krishnamurti: (…) Que entendemos por “vida”? O viver não é, em si, a sua própria finalidade, a sua própria significação? (…) Por que estamos tão
insatisfeitos com a nossa vida, por que ela é tão vazia, tão frívola, tão monótona?. (…) Desejamos algo mais, algo superior àquilo que costumamos fazer. (…) (A Arte da Libertação, pág. 193-194) Positivamente, senhor, o homem que está vivendo com plenitude, (…) que vê as coisas como são, está satisfeito com o que tem, não está confuso; está lúcido e, por conseguinte, não pergunta qual é a finalidade da vida. Para ele, o próprio viver é o começo e o fim. Nossa dificuldade, pois, é que, sendo nossa vida vazia como é, queremos encontrar uma finalidade para a vida, e lutamos por alcançá-la. (Idem, pág. 194) Tal finalidade da vida não passa de produto intelectual, inteiramente irreal; quando a finalidade da vida é solicitada por uma mente estúpida e embotada, essa finalidade há de ser também vazia. O nosso problema, por conseguinte, consiste em como tornarmos rica a nossa vida, não de dinheiro, etc., mas interiormente rica (…). A realidade só pode ser compreendida no viver, e não no fugir. (…) A vida é relação, (…) é ação em relação; (…). (A Arte da Libertação, pág. 194-195) Vamos então discorrer sobre a finalidade da vida (…). Em primeiro lugar, quando discutimos um assunto dessa natureza, devemos por certo fazê-lo com muito empenho, e não com uma mentalidade acadêmica, erudita ou superficial, porque isso não nos leva a parte alguma. (…) (Novo Acesso à Vida, pág. 4849) (…) A vida, por certo, implica ação diária, pensamento diário, sentimento diário (…). Implica as lutas, as dores, as ânsias, os enganos, as tribulações, a rotina do escritório, dos negócios (…). Por “vida” entendemos não uma só esfera ou camada da consciência, mas o processo total da existência, que é a nossa relação com as coisas, com as pessoas, com as idéias. É isso o que entendemos por vida – e não uma coisa abstrata. (Idem, pág. 49) Cumpre-nos averiguar muito claramente o que entendemos por finalidade, se há finalidade. Podeis dizer que há uma finalidade: alcançar a realidade, Deus, ou o que quiserdes. Para alcançarmos esse alvo, porém, precisamos conhecêlo, (…) conhecer a extensão, a profundidade do mesmo. (…) Uma vez que a realidade é o desconhecido, a mente que busca o desconhecido deve primeiro libertar-se do conhecido (…). (Idem, pág. 50) (…) Para descobrir a finalidade da vida, a mente precisa estar livre de medida; (…). Que é mais importante: descobrir a finalidade da vida ou libertar a mente de seu próprio condicionamento, para depois investigar? Talvez, quando a mente estiver livre de condicionamento, essa liberdade, em si, seja a finalidade. (…) (Idem, pág. 51)
O requisito primordial, portanto, é a liberdade, e não a busca da finalidade da vida. Sem liberdade, é bem óbvio que não podemos encontrá-la; sem ficarmos livres de nossas pequeninas necessidades, nossos desígnios, ambições, de nossa inveja e malevolência, (…) como é possível investigar ou descobrir a finalidade da vida? (Idem, pág. 52) (…) Afinal, senhores, para descobrir a verdade, ou Deus, (…) preciso primeiro compreender a minha existência, (…) a vida em torno de mim e em mim, pois, de outro modo, a busca da realidade se transforma em mera fuga da ação de cada dia; e, como a maioria de nós não compreende a ação de cada dia, visto que para a maioria de nós a vida é servidão, dor, sofrimento, angústia, dizemos: “Pelo amor de Deus, dizei-nos como fugir disto”. É o que queremos, os mais de nós: um narcótico, para não sentirmos as dores e as penas da vida. (…) (Idem, pág. 53) (…) A verdadeira simplicidade da inteligência, isto é, o ajustamento profundo ao movimento da vida, só advém quando, mediante percebimento compreensivo e correto esforço, começamos a desfazer as múltiplas camadas de resistência autoprotetora. Somente então, teremos a possibilidade de viver espontânea e inteligentemente. (Palestras em Ojai, Califórnia, 1936, pág. 105) (…) Entretanto, é unicamente através da dúvida, (…) da crítica, que podeis preencher-vos; e a finalidade da vida é o preenchimento, não o acúmulo, não a consecução (…). A vida é um processo de busca, (…) não para um fim particular, mas para libertar a energia criadora, a inteligência criadora no homem; é um processo de movimento eterno, desimpedido de crenças, grupos de idéias, dogmas, (…) conhecimento. (Palestras em Adiar, Índia, 1933-1934, pág. 8-9) (…) O viver realmente exige abundância de amor, de sensibilidade ao silêncio, grande simplicidade, (…) experiência. Requer uma mente capaz de pensar com toda clareza, não tolhida pelo preconceito ou pela superstição, pela esperança ou pelo medo. Tudo isso é a vida, e, se não estais sendo educados para viver, vossa educação é (…) sem significação. (A Cultura e o Problema Humano, pág. 35) Como a nuvem perseguida pelos ventos através do vale, é o homem (…). O homem não tem alvo, está cego para a finalidade da vida; e nele – e portanto no mundo – domina o caos e a desintegração. (A Finalidade da Vida, pág. 3) E qual é a finalidade da vida? É a liberdade da vida, a libertação da vida de todas as coisas, (…) depois de havermos passado por todas as experiências (…). (Idem, pág. 3)
Desejo mostrar-vos que, para preencherdes a vida, como eu a preenchi, deveis acolher alegremente (…) toda experiência, quer agradável, quer desagradável (…) (Idem, pág. 3) Para o indivíduo autoconsciente, há sujeito e objeto (…). Mas a finalidade da existência, a plenitude do indivíduo, é realizar em si próprio – sem objeto ou sujeito – a Totalidade, que é a vida pura. Portanto, é na subjetividade do indivíduo que o objeto realmente existe. (…) (Experiência e Conduta, em Carta de Notícias de maio-junho de 1941, pág. 4) (…) Nele reside o começo e o fim, a origem e a meta. Em criar uma ponte entre o começo e o fim consiste o preenchimento do homem. (…) Enquanto não vos compreenderdes a vós mesmos, (…) não penetrardes em vossa própria plenitude, podeis ser dominados, presos à roda da luta contínua. (…) (Idem, pág. 4) Alcançar a Verdade é desdobrar a vida, é dar-lhe a mais ampla possibilidade de expressão. Para mim, a única meta, o único mundo que é eterno, (…) absoluto, é o mundo da verdade. (…) (A Finalidade da Vida, pág. 4) O homem a quem essa visão se manifestou, tem sempre diante de si, ainda que empenhado nas lutas do mundo, esse alvo eterno. Embora ele peregrine por entre as coisas transitórias, ainda que se perca nas sombras, sua vida será sempre guiada por esse alvo, que é a libertação de todos os desejos, (…) experiências, (…) tristezas, dores e lutas. (…) (Idem, pág. 4) Na sombra do presente, está preso o homem. Cavar uma passagem, através do presente, para o eterno, eis a finalidade do homem. Deve todo ser humano entregar-se à tarefa de perfurar esse túnel, que representa o caminho direto para se alcançar a vida. (Idem, pág. 8) E esse túnel, que é o único caminho que conduz ao preenchimento da vida, está dentro de vós mesmos. Nesse túnel não há regressar, porque lançais para trás o que removeis de vossa frente. Não podeis ir senão para diante, (…) pois, do contrário, cessará o progresso como tal. (…) (Idem, pág. 8) O propósito último da existência individual é realizar o ser puro, em que não há separação, que é a realização do Todo. O preenchimento do destino do homem é ser a totalidade. (…) A individualidade é apenas um fragmento da Totalidade (…). (Experiência e Conduta, em Carta de Notícias de maio-junho de 1941, pág. 3) (…) Mas a finalidade da existência, a plenitude do indivíduo, é realizar em si próprio – sem objetivo ou sujeito – a totalidade que é a vida pura. (…) No indivíduo estão o começo e o fim. Nele reside a totalidade de toda experiência,
de todo pensamento, de toda emoção. Nele está toda a potencialidade, e a sua tarefa é realizar essa objetividade no subjetivo. (Idem, pág. 4) (…) Em criar uma ponte entre o começo e o fim consiste o preenchimento do homem. (…) Na civilização atual, entretanto, a coletividade está se esforçando para dominar o indivíduo, sem respeitar o seu desenvolvimento, mas é o indivíduo que importa. (…) Então ele já não será dominado pela moralidade, pela estreiteza, pelas convenções e experiências de sociedades e grupos. (Idem, pág. 4) Fui procurar por mim mesmo o propósito da vida, e encontrei-o sem a autoridade de outrem. Penetrei nesse oceano de libertação e felicidade, onde não há limitação nem negação, porque ele é o preenchimento da vida. (Vida em Liberdade, IV, em Carta de Notícias de 1945, nº 1 a 6, pág. 23)
2. EDUCAÇÃO; CONCEITO, POUCO CRIADORA, NÃO ESPIRITUAL
Se a vida tem um significado mais alto e mais amplo, que valor tem nossa educação se nunca descobrirmos esse significado? Podemos ser superiormente cultos; se nos falta, porém, a profunda integração do pensamento e do sentimento, nossas vidas são incompletas, contraditórias (…). (A Educação e o Significado da Vida, 1ª ed., pág. 10) A educação não é um simples exercício da mente. O exercício leva à eficiência, mas não produz a integração. A mente que foi apenas exercitada é o prolongamento do passado, nunca pode descobrir o que é novo. Eis por que, para averiguarmos o que é educação correta, cumpre-nos investigar o total significado do viver. (Idem, pág. 12) Educação não significa, apenas, adquirir conhecimentos, nem coligir e correlacionar fatos; é compreender o significado da vida como um todo. Mas o todo não pode ser alcançado pela parte (…). (Idem, pág. 13) O objetivo da educação é criar entes humanos integrados e, por conseguinte, inteligentes. Podemos tirar diplomas e ser mecanicamente eficientes, sem ser inteligentes. A inteligência não é mera cultura intelectual; não provém dos livros, nem consiste em jeitosas reações defensivas e asserções arrogantes. (Idem, pág. 13) O homem que não estudou pode ser mais inteligente do que o erudito. Fizemos de exames e diplomas critério de inteligência, e desenvolvemos mentes muito sagazes, que evitam os problemas humanos vitais. Inteligência é a capacidade de perceber o essencial, o que é; despertar essa capacidade, em si próprio e nos outros: eis em que consiste a educação. (Idem, pág. 13-14) A educação deve ajudar-nos a descobrir valores perenes, para que não nos apeguemos a fórmulas ou à repetição de slogans; deve ajudar-nos a derrubar as barreiras nacionais e sociais, em lugar de as reforçar, porquanto essas barreiras geram antagonismo entre homem e homem. Infelizmente, o nosso atual sistema de educação nos torna servis, mecânicos e fundamentalmente incapazes de pensar; embora desperte nosso intelecto, deixa-nos interiormente incompletos (…). (Idem, pág. 14)
Sem uma integral compreensão da vida, os nossos problemas individuais e coletivos só tenderão a crescer, em profundidade e extensão. O objetivo da educação não é o de produzir simples letrados, técnicos e caçadores de empregos, mas homens e mulheres integrados, livres de todo temor; porque só entre tais entes humanos pode haver paz perene. (Idem, pág. 14) O que atualmente chamamos educação é um processo que consiste em acumular informações e conhecimentos, tirados dos livros, o que qualquer pessoa que saiba ler pode conseguir. Uma educação dessa espécie oferecenos uma forma sutil de fuga de nós mesmos e (…) cria, inevitavelmente, sofrimentos cada vez maiores. (…) (Idem, pág. 17-18) O progresso técnico resolve certos problemas para certas pessoas, num dado nível, mas ao mesmo tempo gera problemas mais vastos e profundos. Viver num só nível, desprezando o processo total da vida, é atrair desgraças e destruição. A maior necessidade e o problema mais urgente de todo indivíduo é adquirir uma compreensão integral da vida, que o habilite a enfrentar suas sempre crescentes complexidades. (Idem, pág. 19) O saber técnico, embora necessário, de modo algum resolverá as nossas premências interiores e conflitos psicológicos; e porque adquirimos saber técnico sem a compreensão do processo total da vida, a técnica se tornou meio de destruição. O homem que dividir o átomo mas se não tiver amor no coração, transforma-se em monstro. (Idem, pág. 19) Sem a compreensão de nós mesmos, a mera operosidade conduz à frustração, com suas inevitáveis fugas através de atividades maléficas de todo gênero. Técnica sem compreensão leva à inimizade e à crueldade, o que costumamos disfarçar com frases bem-soantes. De que serve encarecermos a importância da técnica e nos tornarmos entidades eficientes, se o resultado é a mútua destruição? (…) (Idem, pág. 20) Quando se atribui à função toda a importância, a vida resulta em estúpida e monótona, rotina mecânica e estéril (…). O acúmulo de fatos e o desenvolvimento de capacidades, a que chamamos educação, privou-nos da plenitude da vida de integração e ação. Porque não compreendemos o processo total da vida, apegamo-nos à capacidade e à eficiência, que por essa razão assumem importância tremenda. O todo, porém, não pode ser compreendido pela parte; (…). (Idem, pág. 21) A educação correta, não descurando do cultivo da técnica, deve realizar algo de importância muito maior, que consiste em levar o homem a experimentar o processo integral da vida. Tal experiência colocará a capacidade e a técnica nos seus devidos lugares. (…) (Idem, pág. 22)
A educação moderna, desenvolvendo o intelecto, fornece teorias e mais teorias, fatos e mais fatos, mas não nos faz compreender o processo total da existência humana. Somos altamente intelectuais; desenvolvemos mentes astutas e vivemos num emaranhado de explicações. O intelecto se satisfaz com teorias e explicações, a inteligência não; e, para a compreensão do processo total da existência, é necessária uma integração da mente e do coração na ação. A inteligência não está separada do amor. (Idem, pág. 76-77) Está claro, pois, que do simples cultivo do intelecto, isto é, do desenvolvimento das capacidades e conhecimentos, não resulta inteligência. Há distinção entre intelecto e inteligência. Intelecto é o pensamento funcionando independente da emoção (sentimento), e inteligência é a capacidade de sentir e raciocinar; (…). (Idem, pág. 77) Com nossa busca de saber, com nossos desejos gananciosos, estamos perdendo o amor, (…) embotando o sentimento do belo, a sensibilidade à crueldade; estamo-nos tornando cada vez mais especializados e cada vez menos integrados. (…) A erudição é necessária, a ciência tem o seu lugar próprio; mas, se a mente e o coração estão sufocados pela erudição, e se a causa do sofrimento é posta de parte com uma explicação, a vida se torna vazia e sem sentido. (…) Nossa educação nos está tornando cada vez mais superficiais; não nos ajuda a compreender as camadas profundas do nosso ser, e nossas vidas se estão tornando cada vez mais desarmônicas e vazias. (Idem, pág. 78-79) O saber, o conhecimento de fatos, embora em constante crescimento, é por sua própria natureza limitado. Já a sabedoria é infinita, abarcando tanto o saber como a esfera da ação. Se nos apoderamos de um ramo, pensamos que temos a árvore toda. O intelecto jamais nos levará ao todo, porque ele é apenas um segmento, uma parte. (Idem, pág. 79) Agora você pensa (…) o que você é? Vamos examinar juntos sem paixão. Você é o nome, a forma, o corpo. Você é o que pensa, o resultado da educação, se a teve. E a educação é tão desvirtuada que só lhe dá condição de se tornar engenheiro, escrevente, isto ou aquilo. Você não é educado para entender a beleza, a totalidade da vida. É dada a você grande quantidade de conhecimento, de forma que possa agir com ou sem destreza no mundo. Isso não é educação. É apenas uma pequena parte da educação. Educação é o cultivo do ser humano total, seu desabrochar, o florescer da mente humana, não mutilada pela especialização. Portanto, o que somos? Somos uma série de palavras, de idéias, uma memória repetitiva, a continuidade da convicção? Isso é tudo? (…) (Mind without Measure, pág. 62)
Naturalmente, a todos nós interessa a ação, o que é necessário fazer; e “o que é necessário fazer” é geralmente ditado pelo mundo que nos cerca. Isto é, sabemos que temos de ganhar o sustento em dada função, como engenheiro, cientista, advogado, funcionário de escritório (…); e a isso se restringe a nossa superficial cultura, nossa educação. (Da Solidão à Plenitude Humana, pág. 71) Nossa mente está ocupada, na maior parte do dia, com o meio de ganharmos o nosso sustento, o modo de nos ajustarmos ao padrão de nossa sociedade. Nossa educação limita-se ao cultivo de capacidades e à “memorização” de uma série de fatos (…) de acordo com as necessidades de certa sociedade, uma sociedade que se está preparando para a guerra. (Idem, pág. 71-72) A industrialização exige mais cientistas, mais físicos, mais engenheiros, e, por conseqüência, torna-se necessário cultivar essa camada da mente, pois é isso que interessa em primeiro lugar à sociedade. (Idem, pág. 72) (…) E surge, assim, em nossa vida, uma contradição entre esse nível mental, supostamente educado, e aquela atividade mental profunda, inconsciente, contradição de que bem poucos se dão conta. E, se dela nos damos conta, passamos simplesmente a buscar alguma espécie de satisfação (…). (Idem, pág. 72) (…) E, assim, cada um é educado para certa profissão, mas a totalidade do seu ser fica por descobrir, não revelada, e, por conseqüência, vê-se o homem num perene conflito interior. (…) (Idem, pág. 72) Quase todos fazemos, na vida diária, alguma coisa em franca contradição com o que sentimos ser a verdadeira coisa que desejamos fazer. Temos responsabilidades e deveres que nos escravizam e dos quais gostaríamos de livrar-nos, e a fuga que empreendemos assume aspecto de especulação, de teorias (…). Há inumeráveis formas de fuga, inclusive o beber, mas nenhuma delas resolve o nosso conflito interior. (…) (Idem, pág. 72-73) Temos técnicos de maravilhosa capacidade, e que acontece? A técnica está sendo empregada pelos especialistas como meio de mútua destruição. É isso que os governos querem. Querem técnicos, não querem entes humanos, por que os entes humanos se tornam perigosos (…). (O Que Te Fará Feliz?, pág. 66) Assim sendo, o novo critério não é o mero cultivo de uma técnica, o que não significa que devais rejeitar a técnica, senão que se ajude a criar um ente humano integral, o qual adquirirá a técnica pelo experimentar. (…) (Idem, pág. 66)
A educação é coisa muitíssimo diferente. Seu fim não é só o de ajudar-vos a obter empregos, mas também ensinar-vos a enfrentar o mundo. (…) No mundo há guerras e divisões de classe, e luta entre as classes. No mundo, cada um quer uma posição melhor, subir, subir sempre (…). Há, pois, uma luta constante, não só dentro de nós mesmos, mas também contra todos os nossos semelhantes. (…) (Debates sobre Educação, pág. 6-7) A educação, por conseguinte, deve ter a finalidade de habilitar-nos para resolver todos esses problemas. (…) Isto é que é educação – e não apenas passar nuns poucos exames, entregar-se a certos estudos (…). A educação apropriada é aquela que ajuda o estudante a enfrentar esta vida, a compreendê-la, não se deixando sucumbir, ser esmagado por ela (…). (Idem, pág. 7) (…) Vossa educação deve ajudar-vos a compreender essa pressão, para que não cedais a ela, e possais rompê-la, tornando-vos um indivíduo, um ente humano capaz de iniciativa própria e não apenas um seguidor do pensar tradicional. (…) (Idem, pág. 7) Infelizmente, a educação, hoje em dia, vos prepara para vos submeterdes, adaptardes, ajustardes e esta sociedade de aquisição. (…) E sois considerado um cidadão respeitável enquanto vos submeteis, (…) sois ambicioso, ávido, corrompendo e destruindo a outros em vossa busca de posição e poderio. Sois educado para vos adaptardes à sociedade; mas isso não é educação, é apenas um processo de condicionar-vos para vos ajustardes a um padrão. (…) (A Cultura e o Problema Humano, pág. 27). A verdadeira função da educação não é preparar-vos para serdes um funcionário, um juiz ou um primeiro-ministro, porém ajudar-vos a compreender toda a estrutura desta sociedade corrompida e permitir-vos crescer em liberdade, de modo que sejais capazes de quebrar todas as prisões e criar uma sociedade diferente, um mundo novo. (Idem, pág. 27-28) Há necessidade de indivíduos revoltados, não parcialmente, porém totalmente revoltados contra o “velho”, pois só tais indivíduos poderão criar um novo mundo, um mundo não baseado na aquisição, no poder e no prestígio. (Idem, pág. 28) (…) Assim, a verdadeira função da educação é não só ajudar-vos a “descondicionar-vos”, mas também ajudar-vos a compreender o inteiro processo do viver, dia a dia, para que possais crescer em liberdade e criar um mundo totalmente diferente do atual. (…) Eis por que a educação deve ser um processo de educar tanto o educador como o estudante. (Idem, pág. 28)
O educador não é mero transmissor de conhecimentos; é um homem que mostra o caminho da sabedoria, da verdade. (…) A busca da verdade é religião; (…) Sem a busca da verdade, a sociedade depressa decai. Para criarmos uma nova sociedade, cumpre a cada um de nós ser um verdadeiro mestre, o que significa que devemos ser, simultaneamente, discípulo e mestre, que temos de educar-nos a nós mesmos. (A Educação e o Significado da Vida, 1ª ed., pág. 120) Que implica a idéia de “exemplo”? Se a função do mestre é de ser um “exemplo”, não está ele então, consciente ou inconscientemente, impondo um padrão ao moço, ao estudante? O ajustamento a um padrão, por mais nobre que seja esse padrão, (…) pode libertar o indivíduo do temor? Porque, é bem de ver, o estudante é educado para fazer face à vida, para compreender a vida, e não para enfrentá-la como comunista, ou capitalista (…) diferentemente condicionado. (…) (O Problema da Revolução Total, 1ª ed., pág. 28-29) E se o próprio educador se torna o guia, o exemplo, o herói, não está ele então instilando o medo no espírito do jovem, do estudante? (…) É provável que, no fundo, isto vos enfade, porque supondes já terdes passado da idade de receber educação. Que tem a idade a ver com a educação? A educação é um “processo” que dura toda a vida, e não só na idade escolar. Nessas condições, se se quer um mundo novo (…), é necessário criar-se uma inteligência de nova ordem, (…) sem medo. (…) (Idem, pág. 29) Serão vãs estas perguntas? (…) O verdadeiro professor, perito em sua especialidade, poderá ter suas aulas gravadas em fitas distribuídas em larga escala, podendo um colega seu, de menor capacidade, utilizá-las para instruir os alunos. Assim, a responsabilidade pelo bom ensino pode ser tirada de mãos individuais, embora haja quase sempre necessidade de um instrutor. (…) (Ensinar e Aprender, pág. 116) A educação é o modo de se descobrir a nossa relação com todas essas coisas, (…) com os entes humanos e com a natureza. Mas a mente cria idéias (…) tão poderosas (…) que nos impedem de ver além. Enquanto existe temor, existe tradição (…) imitação. Uma mente que só imita, é mecânica (…). Poderá produzir certas ações, (…) resultados; mas nunca é criadora. (…) (Novos Roteiros em Educação, pág. 18) Enquanto sois jovem (…) sede descontentes, investigai, interrogai os vossos mestres – se eles são estúpidos, fá-los-eis inteligentes, interrogando-os – de maneira que, ao deixardes esta escola, (…) estejais progredindo em madureza, em inteligência; e continueis aprendendo, toda a vida, até morrerdes, como ente humano inteligente. (Idem, pág. 19)
Vejo, pois, e espero que estejais vendo, que a autoridade destrói a inteligência. A inteligência (…) só pode surgir quando há liberdade – liberdade de pensar, de sentir, de observar, de interrogar. Mas, se vos constranjo, faço-vos tão estúpidos como eu. Em geral, é isso o que acontece nas escolas; o mestre pensa que sabe tudo e que vós nada sabeis. Que sabe o mestre? Só matemática e geografia. Não (…) investigou as coisas mais importantes da vida, mas troveja (…) como um primeiro sargento. (Idem, pág. 27) Assim, pois, o que mais importância tem, numa escola como esta, é que, em vez de vos disciplinarem para fazerdes o que vos mandam, vos ajudem a compreender, a ser inteligentes e livres, para poderdes enfrentar todos os problemas da vida. Isso requer um mestre competente, (…) que sinta verdadeiro interesse por vós (…). E é dever dos estudantes, tanto quanto dos mestres, criar tal estado de coisas. Não obedeçais; descobri por vós mesmos a maneira de refletir sobre um problema. (…) (Idem, pág. 27) O que em geral acontece é que, quando começais a interrogá-lo, ele quer disciplinar-vos; ele não tem paciência, tem suas ocupações, falta-lhe amor para (…) conversar convosco sobre os enormes problemas da existência (…). Incumbe aos mestres, aos pais e a vós, o dever de cooperar para a formação dessa inteligência. (Idem, pág. 27-28) A maioria das pessoas, parece-me, reconhece que o atual sistema de educação falhou, uma vez que produziu guerras, decomposição moral, etc.; e também, com exceção de muito poucas pessoas, deixou de existir o pensar criador. (…) (Visão da Realidade, pág. 134) A questão, sem dúvida, é esta: (…) Vemos que, no mundo inteiro, a educação falhou, uma vez que se está produzindo, cada vez mais, destruição (…). A educação até agora tem servido para alimentar o industrialismo e a guerra; (…). (Nosso Único Problema, pág. 22) (…) É bem evidente, sem dúvida, que o próprio educador necessita de educação – e o educador sois vós; porque o ambiente doméstico é tão importante como o ambiente escolar. Tendes, pois, em primeiro lugar, de vos transformar a vós mesmos, a fim de proporcionardes ao vosso filho o ambiente adequado; porque o ambiente fará dele ou um bruto, um técnico insensível, ou um homem inteligente e cheio de sensibilidade. (…) (A Arte da Libertação, pág. 228) Pergunta: Um instrutor pode ajudar-nos a despertar a intuição? Krishnamurti: (…) Há diferentes espécies de instrutores; (…) o verdadeiro instrutor, num sistema educativo, não ensina, porém estimula o aluno a aprender. (…) (Uma Nova Maneira de Agir, 1ª ed., pág. 97)
Ora, (…) qual a verdadeira função do instrutor? (…) O que pode fazer é dizer: olhai nesta direção, e provavelmente vereis (…). O instrutor não pode forçarvos, não pode intimidar-vos; só pode dizer-vos: Olhai, amigo! Olhai na direção que estou indicando (…). (Idem, pág. 98) (…) A educação não vai só até à idade de vinte e um anos, mas dura até a morte. A vida é como um rio; nunca é estática, está sempre em movimento, cheia de atividade e de riquezas. (…) (Debates sobre Educação, pág. 9) A função primária da educação não é a de libertar a mente de suas próprias experiências, que são condicionadas, para que possa haver uma vida criadora e se conheça aquela coisa inexprimível, criadora, que chamamos Deus ou a Verdade? (Idem, pág. 109) É muito importante ter bom gosto, desde a infância, ter ensejo para apreciar a beleza, a boa música, a boa literatura, para que a mente se torne muito sensível, e não grosseira e pesada. (…) Asseguro-vos que a apreciação e o amor da beleza, é sumamente importante e sem ele nunca se poderá achar a “coisa real”. Passamos, porém, pela escola e pela vida, debaixo de coerção e disciplinas; e a isso chamamos educação, (…) viver. (Idem, pág. 146) O pleno desabrochar da mente só pode acontecer quando há percepção clara, objetiva, impessoal, livre de qualquer espécie de imposição. Não se trata de o que pensar, mas de como pensar lucidamente. (…) (Cartas às Escolas I, pág. 18-19) Quando a mente, o coração e o corpo estão, os três, em completa harmonia, então o desabrochar acontece naturalmente, de maneira fácil e em plenitude. É este o nosso trabalho como educadores, é esta a nossa responsabilidade, e a profissão de educar assume então na vida toda a sua grandeza. (Idem, pág. 19) Se compreendermos o verdadeiro sentido da palavra responsável e o que hoje se passa no mundo, vemos que a responsabilidade se tornou irresponsabilidade. (…) (Idem, pág. 34) Quando compreendemos que representamos toda a espécie humana, a nossa resposta é total e não parcial. A responsabilidade tem então um sentido inteiramente diferente. Temos de aprender a arte desta responsabilidade. Se compreendermos plenamente que cada um, psicologicamente, é o mundo, então a responsabilidade torna-se amor a que nada resiste. (…) (Idem, pág. 34)
3. APRENDER, DISCIPLINA; SENTIDO VULGAR E TRANSCENDENTE
Aprender não é acumular conhecimentos. Qualquer cérebro eletrônico é capaz de acumular conhecimentos. O conhecimento, por conseguinte, não é de grande relevância; tem certa utilidade, mas não aquela desmedida importância que os entes humanos lhe atribuem. Mas o ato de aprender requer uma mente muito ágil. (…) (A Suprema Realização, pág. 9) A mente que interpreta, que traduz, que tem uma tradição ou conhecimentos acumulados – essa mente é incapaz de aprender, por que está funcionando num estreito canal. Não é uma mente capaz de atuar, de aprender, cheia de energia e de vitalidade. (…) Porque só a mente que está aprendendo é nova; a mente nova pode ver as coisas de maneira nova, com clareza, rejeitar o que é falso e perseguir o verdadeiro. (Idem, pág. 10) O que compreendemos por aprender? Geralmente é entendido como memorização, acumulação, armazenamento para uso, especializado ou não, conhecimento de idioma, leitura, escrita, comunicação, etc. Os modernos computadores podem fazê-lo melhor. São extraordinariamente rápidos. Então qual a diferença entre nós e o computador? O computador deve ser programado. Também fomos programados de várias maneiras: tradição, a chamada cultura, conhecimento. E programados igualmente como hindus, budistas, cristãos, comunistas e tudo o mais. (…) (Last Talks at Saanen, 1985, pág. 146-147) Quando é que aprendemos? Não me refiro à acumulação de conhecimentos, que é uma coisa muito diferente. (…) Por “aprender” entendo um movimento não acumulador, um perene fluir, que é aprender, aprender, sem jamais acumular. O cérebro eletrônico acumula conhecimentos, possui conhecimentos; mas não pode aprender. (…) Só se aprende quando há um movimento, um movimento constante, de investigação, exploração ou compreensão, sem nenhuma atividade de acumulação. (A Suprema Realização, pág. 21-22) Não sou contra o conhecimento. Existe diferença entre o aprender e o adquirir conhecimentos. Cessa o aprender quando só há acúmulo de conhecimentos. O aprender independe de qualquer aquisição. Ao se dar demasiada importância ao conhecimento, deixa de haver o aprender. Quanto maior o número de
informações acumuladas, mais segura, mais certa se torna a mente, cessando, portanto, o aprender. (…) (Ensinar e Aprender, pág. 72) Não há o “movimento de aprender” quando há aquisição de conhecimentos; as duas coisas são incompatíveis, contraditórias. O “movimento do aprender” implica um estado em que a mente não tem, guardada como conhecimento, nenhuma experiência. (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 166167) O conhecimento se adquire, ao passo que o aprender é um movimento constante, que não é um processo “aditivo” ou “aquisitivo”; por conseguinte, o “movimento do aprender” implica um estado em que a mente nenhuma autoridade tem. Todo conhecimento supõe alguma autoridade, e a mente que se fortificou na autoridade do conhecimento de modo nenhum pode aprender. (…) (Idem, pág. 167) (…) Ora, o que geralmente chamamos “aprender” é exatamente esse mesmo processo de adquirir novas informações e acrescentá-las ao “estoque” de conhecimentos que já possuímos. (…) Por “aprender” não entendo acrescentar ao que já se sabe. Só se pode aprender quando não há nenhum apego ao passado, como conhecimento, isto é, quando vedes uma coisa nova e não a traduzis em termos de “conhecido”. (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 167) (…) A mente que está aprendendo é uma mente “inocente”, ao passo que a mente que está apenas adquirindo conhecimentos é velha, estagnada, corrompida pelo passado. A mente “inocente” percebe instantaneamente, aprende a todas as horas, sem acumular, e só essa mente é amadurecida. (Idem, pág. 167) Falamos também sobre o aprendermos a respeito de nós mesmos. Aprender implica um movimento não acumulativo (…) Só há movimento quando há um constante fluir, a forte corrente. E é isso o que o aprender implica; aprender, não só acerca de coisas exteriores e de fatos científicos, mas também a respeito de nós mesmos, porque “o que somos” é uma coisa que está constantemente a mudar, uma coisa dinâmica, versátil. (A Questão do Impossível, pág. 101-102) Para aprendermos sobre o que somos, a experiência trazida do passado em nada pode ajudar-nos; pelo contrário, o passado põe fim ao aprender e, por conseguinte, à ação completa. Espero tenhais visto bem claramente este fato, ou seja, que estamos lidando com um movimento sempre vivo, da vida. Esse movimento é o “eu”. Para compreender esse “eu” tão sutil, é necessária intensa
curiosidade, persistente vigilância, compreensão não acumulativa. (…) (Idem, pág. 102) Penso existir um “processo” de aprender sem nenhuma relação com o desejo de ser ensinado. Vendo-nos confusos, não raro desejamos encontrar alguém que nos ajude a viver sem confusão e, por conseguinte, só estamos aprendendo e adquirindo conhecimentos com o fim de nos ajustar a um certo padrão; e, a meu ver, essas maneiras de aprender conduzirão, invariavelmente, não só a mais confusão, senão à deterioração da mente. (O Homem Livre, pág. 153) Julgo haver um aprender de espécie diferente, (…) que é investigação de nós mesmos e em que não há mestre nem discípulo, seguidor nem guru. Ao começarmos a investigar o funcionamento da própria mente, ao observarmos o próprio pensar, nossas atividades e sentimentos de cada dia, não podemos então ser ensinados, porque não há ninguém para nos ensinar. A investigação não pode então basear-se em autoridade alguma (…). (Idem, pág. 153) Antes disso, porém, temos de compreender o significado da palavra “aprender”. (…) Não ides aprender nada deste orador (…). Podemos, pois, rejeitar completamente a autoridade, para considerarmos a questão do aprender (…); aprender pela observação de sua própria psique, de seu “eu”. O aprender requer liberdade, requer grande curiosidade e, também, intensidade, paixão, espontaneidade. (…) (Fora da Violência, pág. 20-21) Não há aprender quando a mente espera ser ensinada e trata tão só de acumular conhecimento na forma de memória. No processo de ser ensinado, (…) há instrutor e discípulo, o que sabe e o que não sabe; (…). Recomendável seria tratarmos de compreender (…) a falsidade dessa distinção (…); para aprender, necessitamos de muita humildade. Quem diz “eu sei”, realmente não sabe. O que sabe é coisa passada, morta. (…) (O Homem Livre, pág. 121) Apega-se à autoridade, evidentemente, porque teme a incerteza, a insegurança; teme o desconhecido, o (…) amanhã. (…) Mas, penso que só nesse estado de humildade completa – que é o estado da mente que está sempre pronta a reconhecer que não sabe – só nesse estado há possibilidade de aprender. (…) (A Mente sem Medo, 1ª ed., pág. 13) Nós estamos aprendendo; por conseguinte, não pode haver julgamento e não pode haver avaliação. Quando se está aprendendo, a mente está sempre atenta e nunca acumulando; (…) não há acumulação em que nos basearmos para julgar, avaliar, condenar e comparar. (…) Porque a mente que está aprendendo está sempre nova; é sempre uma mente indagadora, (…) nunca disposta a aceitar a autoridade e avaliar segundo essa autoridade. É uma
mente jovem; e é inocente, nova, porque está sempre aprendendo. (…) (Uma Nova Maneira de Agir, 1ª ed., pág. 32) Assim, “aprender” tem dois significados: aprender para adquirir conhecimentos, a fim de que eu possa funcionar com o máximo de eficiência em certos campos; ou aprender acerca de mim mesmo, de modo que o passado – o pensamento – não possa em nenhum momento interferir. Dessa maneira, posso observar, e minha mente é sempre sensível. (Fora da Violência, pág. 5354) Não apenas a mente, mas também o corpo, têm de estar altamente sensíveis. Não se pode ter um corpo embotado, indolente, pesadamente alimentado de carne e de vinho e tentar meditar – não faz sentido. Portanto, (…) veremos que a mente tem de estar altamente desperta, sensível e inteligente, inteligência esta que não nasce do conhecimento. (O Mundo Somos Nós, pág. 33) (…) Expressemo-lo de outro modo: aprende-se algo de memória, de modo que isso se armazena como conhecimento no cérebro (…); quando se vai à faculdade ou à universidade, acumula-se uma grande quantidade de informação em forma de conhecimentos e, de acordo com esses conhecimentos, atua-se (…). A outra forma de aprender – à qual estamos muito pouco acostumados, por sermos tão escravos dos hábitos, da tradição e de toda classe de conformidade – é observar sem a companhia do conhecimento prévio, olhar algo como se fora novo e o olhássemos pela primeira vez. (…) (La Totalidad de la Vida, pág. 203) Nesta arte de aprender – na qual se acumulam os conhecimentos registrando somente as coisas que são indispensáveis a uma ação eficiente – não se registra nenhuma reação psicológica; o cérebro emprega os conhecimentos onde a função e a destreza são necessárias e, não obstante, o cérebro está livre para não registrar na área psicológica. É muito árduo achar-se tão totalmente alerta que se registre só o que é necessário (…). Alguém me insulta, (…) me adula, me chama disto (…) não há registro. (…) (Idem, pág. 215) Registrar e, ainda assim, não registrar, de modo que não haja desenvolvimento do “eu”, da estrutura egocêntrica. A estrutura do “eu” aparece somente quando há um registro de tudo aquilo que não é necessário; ou seja, o conceder importância ao nome, à própria experiência, (…) opiniões e conclusões; tudo isso significa a intensificação da energia do “eu”, o que é sempre um fator de distorção. (Idem, pág. 215) A arte de aprender dá esta clareza extraordinária, e uma grande destreza na ação; porém, sem essa claridade, a destreza gera o sentimento da própria importância, quer esse sentimento se identifique consigo mesmo, quer com um
grupo ou nação. O sentimento da própria importância nega a clareza. Sem claridade não pode haver compaixão, e porque não há compaixão, a destreza se tornou tão importante. Se não há um despertar da inteligência (…) Essa inteligência tem sua própria ação; essa ação não é mecânica e, portanto, é ação sem causa. (Idem, pág. 215) Alguns dos alunos desta escola já estão envelhecidos, pois sua única preocupação é obter conhecimento e não aprender. O aprender encontra-se fora do tempo. (…) Impende compreender a psique da pessoa em que se deu a mutação. Esta ocorreu quando ela negou o tempo. Vocês superaram o passado. Já não são hindus, nem cristãos. Assim transformados, (…) como agirão nesse novo estado? (…) Descubram-no vocês próprios. (Ensinar e Aprender, pág. 81) Para aprender, requer-se o escutar, e quando escutais há atenção. Estamos vendo, pois, que, para aprender, necessita-se de silêncio, atenção e observação. Esse processo, em seu todo, é o aprender – não é acumular – é ir aprendendo, aprender agindo, em vez de “ter aprendido” e agir. São dois processos completamente diversos. Nós estamos aprendendo quando estamos examinando, (…) observando – e isso não é o mesmo que ter aprendido e, depois, observar. Os dois movimentos são inteiramente diferentes. (Viagem por um Mar Desconhecido, pág. 106) O que agora estamos fazendo é “aprender agindo”, porque vós não estais sendo ensinados. Aqui não há instrutor nem discípulo. Não há guru de espécie alguma. Porque cada um tem de alumiar seu caminho com sua própria luz e não com a luz de outrem. Se caminhardes com a luz de outrem, ela vos levará à escuridão. (Idem, pág. 106) O aprender está no agir e não no ser ensinado (exceto tecnologicamente; tecnologicamente, tenho de ser ajudado a compreender o cérebro eletrônico, etc.). Ninguém pode ensinar-vos, e vós mesmos é que tendes de iniciar esse aprender. O que outro ensina não é a verdade. O seguidor destrói a verdade, tanto quanto o guru a destrói. Por conseguinte, vós tendes de aprender; e o aprender está no agir. Eis a beleza do aprender. Esse aprender torna-se uma alegria, um deleite (…). (Idem, pág. 107) Só aprendemos quando a mente está de todo quieta; (…) Se, por exemplo, estais escutando o que se está dizendo com idéias, opiniões, com conhecimentos anteriormente adquiridos, ou se estais comparando o que ouvis com o que outro disse, não há aprender. Só podeis aprender, escutando. Escutar é um ato silencioso; só a mente que está em silêncio, mas ao mesmo tempo em plena atividade, pode aprender. (A Suprema Realização, pág. 22)
(…) Pois estamos sempre satisfeitos com o conhecido; mas, se arranharmos a crosta do conhecido, não encontramos nada, depara-se-nos o vazio, o vácuo. E, por certo, é muito importante que saiba a mente viver de modo integral dentro desse vazio, desse silêncio (…). Eis por que devemos compreender o que significa “aprender”. Além de certo limite, nada mais podemos aprender, pois nada há que aprender, não há instrutor que possa ensinar-nos. E a esse ponto temos de chegar (…). (Visão da Realidade, pág. 204) Só quando a mente se acha nesse estado de vazio em que não há conhecimento, (…) não há mais o experimentador aprendendo, acumulando – só então existe aquele esforço criador, podendo expressar-se através de vários talentos e artes, sem causar mais sofrimentos. (Idem, pág. 204) (…) O que se entende por disciplina? Conheceis o significado comum dessa palavra: controlar, subjugar, forçar o pensamento, pelo exercício, pelo exercício da vontade, a ajustar-se a um padrão mais nobre. A disciplina supõe resistência, moldagem da mente, manter o pensamento numa certa direção, etc. (…). Na disciplina há divisão, ou seja, “aquele que disciplina” e “aquilo que é disciplinado” – e por isso existe conflito perene. (…) (O Homem Livre, pág. 97) A palavra “disciplina” significa aprender de um homem que sabe; supõe-se que vós não sabeis e tendes de aprender dele. (…) Mas, aqui, não a vamos empregar com o sentido de aprender de outro, mas, sim, com o significado de observar a si próprio. A observação de si próprio exige uma disciplina em que não haja repressão, imitação, obediência, (…) ajustamento; (…). O próprio ato de aprender é, em si, disciplina, já que requer muita atenção, grande energia e “intensidade”, e instantaneidade da ação. (Fora da Violência, pág. 21) A disciplina imposta pelos pais, pela sociedade, pelas organizações religiosas, é ajustamento. Contra esse ajustamento vem a revolta – o pai quer obrigar o filho a fazer certas coisas, este se rebela, etc. – tal é a vida baseada na obediência e no ajustamento; e há o contrário: rejeitar o ajustamento, para fazer o que se entende. (…) (A Questão do Impossível, pág. 24) Pergunta: É evidente que deve haver alguma espécie de disciplina nas escolas, mas como exercê-la? Krishnamurti: É fato, senhor, que fizeram experiências na Inglaterra e noutros países, nas quais as escolas não tinham disciplina de espécie alguma; permitia-se às crianças fazerem o que bem entendessem (…). Essas escolas não ignoram, naturalmente, que as crianças necessitam de alguma espécie de disciplina, no sentido de orientação; não com rigorosos deveres e proibições,
mas disciplina consistente de alguma espécie de advertência, sugestão ou alusão (…). (A Arte da Libertação, pág. 86-87) Quando se examina a (…) disciplina, quer se trate de disciplina imposta, quer de autodisciplina, percebe-se que ela é uma forma de ajustamento, interior ou exterior, a um dado padrão, memória, experiência. E nós nos rebelamos contra essa disciplina. (…) Entretanto, é fácil perceber que há necessidade de certa disciplina na vida – disciplina que não seja mero conformismo, ajustamento a um padrão, não baseada no medo, etc.; porque, se nenhuma disciplina existe, não se pode viver. (…) (O Descobrimento do Amor, pág. 122-123) A palavra disciplina, na sua raiz, significa aprender. E para aprender acerca de alguma coisa (…) é preciso disciplina; (…). O próprio ato de aprender é disciplina, o que liberta de toda repressão, de toda imitação. (…) (O Mundo Somos Nós, pág. 49-50) (…) Muito poucos no mundo somos disciplinados, (…) no sentido de estar aprendendo. A palavra “disciplina” deriva do vocábulo discípulo, (…) aquele cuja mente está aprendendo – não de uma pessoa particular, ou de um guru, de um mestre, de um predicador, ou por meio de livros, senão que aprende através da observação de sua própria mente, de seu próprio coração; aprende de suas próprias ações. E esse aprender requer certa disciplina. (…) Onde há amoldamento, obediência e imitação, nunca existe o ato de aprender – há apenas seguimento, (…). (La Llama de la Atención, pág. 23) Disciplina não significa reprimir e controlar, nem tampouco ajustamento a um padrão ou a uma ideologia; significa que a mente vê “o que é” e aprende de “o que é”. A mente é então sobremodo desperta, vigilante. (…) (A Questão do Impossível, pág. 24) Compreendendo-se a liberdade, compreende-se também o que é disciplina. (…) A liberdade e a disciplina se acompanham sempre, não são coisas separadas. (…) A mente que está aprendendo, observando, vendo realmente “o que é”, não está interpretando “o que é” em conformidade com os seus desejos, seu condicionamento, seus particulares prazeres. (Idem, pág. 24) Como sabem, liberdade é algo que a maior parte de nós não quer. Desejamos libertar-nos de determinada coisa, das necessidades ou das pressões imediatas (…). Liberdade não é licenciosidade, não é fazer o que apetece – a liberdade exige uma disciplina tremenda, que não é a disciplina do soldado, (…) da repressão e do conformismo. (O Mundo Somos Nós, pág. 49)
4. JOVENS, IDOSOS; DISTINÇÃO PSÍQUICA, FÍSICA IRRELEVANTE
Pergunta: Tendes uma mensagem especial para a juventude? Krishnamurti: Senhores, há muita diferença entre os jovens e os velhos? A juventude, os moços, se têm qualquer grau de vitalidade, estão cheios de idéias revolucionárias, cheios de descontentamento. (…) Têm de ser assim, pois do contrário seriam já velhos. (…) (Novo Acesso à Vida, pág. 80) Como dizia, se os jovens não têm aquele descontentamento revolucionário, são já velhos; e os velhos são aqueles que estiveram descontentes outrora, mas se estabilizaram. Querem segurança, (…) permanência, seja em seus empregos, seja em suas almas. Querem certeza nas idéias, nas relações ou na propriedade. (…) (Idem, pág. 80) Se em vós, que sois jovens, existe um espírito de indagação que vos faz desejar a verdade relativa a qualquer coisa, (…) e se não estais presos pela tradição, sereis então os regeneradores do mundo, os criadores de uma nova civilização, de uma nova cultura. Mas, à semelhança de nós outros, (…) da velha geração, os jovens também desejam segurança, certeza. (…) Por conseguinte, submetem-se e aceitam a autoridade dos mais velhos. (…) (Idem, p. 81) O descontentamento, que é a própria chama da indagação, da busca, da compreensão – esse descontentamento baixa de nível na mediocridade, tornando-se apenas desejo de um emprego melhor, de um casamento rico, de um diploma. (…) Sem dúvida, o que é essencial para os velhos e para os novos é que vivam integralmente, completamente. Para se viver integral e completamente é necessário liberdade (…); e só pode haver liberdade quando há virtude. A virtude não é imitação; a virtude é o viver criador. (…) (Idem, pág. 81) Não estou interessado em guiar-vos (…) para adotardes determinado padrão. Mas nós estamos muito interessados no problema da transformação. (…) Por exemplo, (…) quando jovens, somos muito insatisfeitos, descontentes; investigamos, tateamos, enveredamos por diferentes caminhos, buscando o saber, o esclarecimento; procuramos um guru, um Mestre que possa ajudar-
nos a sair do nosso descontentamento e pôr fim à nossa busca (…). (O Problema da Revolução Total, pág. 50) No momento em que encontramos alguém capaz de dar-nos o saber, um método de ação, (…) de vida, acaba a nossa insatisfação, e ficamos a seguir tal padrão de pensamento durante anos e anos. É o que acontece com a maioria de nós, não? (…) no momento em que me junto a um grupo, esperando que isso produzirá a transformação, acaba-se o descontentamento. (…)(Idem, pág. 51) (…) Para os jovens, o mundo é cruel demais; para eles, o que as gerações mais velhas fizeram do mundo é aterrador demais. Não há lugar para eles, (…) estão perdidos; então viciam-se em drogas e na bebida; todos os tipos de coisas estão acontecendo com os jovens no mundo: comunidades, orgias sexuais, fugas para a Índia, para gurus, para encontrar alguém que lhes diga o que fazer – alguém em que possam confiar. (Perguntas e Respostas, pág. 72) Eles vão lá, jovens, inocentes, sem saber; e os gurus lhes dão a sensação de que estão sendo protegidos e guiados – isso é tudo o que eles querem. Eles não conseguem isso de seus pais, dos padres (…), de seus psicólogos, porque (…) estão igualmente confusos (…). (Idem, pág. 72) De igual modo, a geração mais velha está na mesma posição, só que expressam isso com mais sofisticação. (…) Mas ninguém pode servir de guia, nem pode iluminar ninguém. Somente você mesmo pode fazer isso; mas você deve ficar completamente só. Isso é o que amedronta velhos e jovens. (…) Entenda isso de uma forma bem profunda (…). (Idem, pág.72) Vocês, jovens, da nova geração, só poderão criar um mundo totalmente diferente se forem educados para serem livres (…). Por isso, é muito importante, enquanto são jovens, serem verdadeiros revolucionários – o que significa não aceitar coisa alguma, mas inquirir sobre todas as coisas a fim de descobrir a verdade. Só então poderão criar um mundo novo. Caso contrário, ainda que os chamem por um nome diferente, vocês estarão perpetuando o mesmo velho mundo de miséria e destruição que sempre existiu até agora. (O Verdadeiro Objetivo da Vida, pág. 162) Pergunta: Muitos jovens já me têm dito: “Sentimo-nos frustrados; não sabemos o que fazer na crise atual (…)” Krishnamurti: Há muitas questões encerradas nessa pergunta. (…) Em primeiro lugar, sentimo-nos frustrados. Desejais uma coisa e não a obtendes; sentis-vos derrotados (…). Desejais um emprego, não o conseguis (…). Desejais desposar uma dama, não o podeis (…). Ambiciono poder e posição, sou
contrariado (…). Há, portanto, frustração constante. (Uma Nova Maneira de Viver, pág. 20-21) Porque há vácuo em vós mesmos, sentis-vos vazios – econômica, psicologicamente, e espiritualmente vazios. Julgais possível preencher o vosso vazio com a obtenção do que desejais. Mas, se atentardes bem, descobrireis que jamais podereis preencher esse vazio. (…) Isso é um fato psicológico. (Idem, pág. 21) Mas, que é esse vazio? (…) Para o compreenderdes, é preciso que abandoneis as tentativas de o preencher. Tentar enchê-lo equivale a querer encher um balde furado. O líquido estará sempre a vazar (…). (Idem, pág. 21) É no próprio problema que está contida a solução, e não fora dele. Assim sendo, se compreendêssemos a frustração e todas as suas conseqüências, todas essas questões poderiam ser resolvidas de modo relativamente simples. (Idem, pág. 21) Se considerarmos atentamente todos esses problemas (…) A única solução para o conflito e a confusão é, afinal, a Verdade, que liberta. Para fazerdes vir a vós a Realidade ou a Verdade, é necessário que estejais livres de todos os vínculos (…). Se trabalharmos com este empenho, faremos nascer a claridade dentro de nós. (Idem, pág. 22-23) Que entende por “envelhecer”? Envelhecendo por longa permanência no trabalho? Envelhecendo em termos de rotina, de tédio? Que quer dizer ao aludir à idade? O que o torna mais velho? O organismo vai-se desgastando? Por que motivo? Será em virtude de doença, ou por haver repetição no próprio viver, como uma máquina que trabalha sem cessar? A psique se mantém adormecida; funciona apenas pelo hábito. Desse modo, é rápido o envelhecimento do corpo. (Ensinar e Aprender, pág. 73-74) Por que envelhece a psique? Ela tem mesmo de envelhecer? Penso que não. Será a idade adiantada apenas um hábito? Já repararam em como os velhos comem, como falam? Será possível manter a psique extraordinariamente jovem, viva, ilesa? Poderá ela conservar essa vitalidade, sem jamais perdê-la em decorrência do hábito, da idéia de segurança, de exigências da família e de responsabilidades? Por certo, isso é possível, o que impõe a destruição de quanto construíram. (Idem, pág. 34) Pergunta: Um dia sucede ao outro, e a velhice e a morte se vão aproximando inexoravelmente. (…) Ensinai-me a enfrentar a velhice e a morte com serenidade.
Krishnamurti: Que se entende por velhice? (…) O organismo físico evidentemente se gasta pelo longo uso. Isso é velhice? Ou velhice é a deterioração da mente? Uma pessoa pode ser jovem, sadia, forte e, no entanto, ser velha, se sua mente já estiver encaminhada para a deterioração. (O Homem Livre, pág. 161) Que se entende, pois, por velhice? (…) Referimo-nos ao estado da mente que envelheceu por não ter “inocência”. (…) A mente está velha quando não é “fresca”, quando só pensa em termos de passado (…). Eis a mente que não é jovem. E pode a mente tornar-se nova, inocente, fresca? Pode renovar-se a cada momento, de modo que nunca envelheça? Ora, este é que é o nosso problema (…). (Idem, pág. 161) Quais são os fatores da deterioração? (…) Só a mente pura pode aprender, não aquela carregada de conhecimentos e, portanto, já velha. Assim, como pode a mente tornar-se nova, fresca, purificada? Compreendeis (…)? (Idem, pág. 162) Não importa se o organismo físico é novo ou velho, a mente se acha velha quando está fixada, moldada, funcionando numa rotina, num círculo de medo; e como pode ela tornar-se viçosa (…)? (O Homem Livre, pág. 162) (…) Ora, só se morrer para o passado, para tudo o que conhece. (…) Seria possível morrer para “minha casa”, (…) “meu deus”, “minha necessidade”, “minha crença”, “minha tradição”, para todas as impressões, compulsões, influências que me formaram, e ao mesmo tempo estar cônscio de minha família, da beleza de uma árvore, (…) de uma flor, (…) do céu? (Idem, pág. 162) Pergunta: Dizeis que as pessoas de idade estão sempre inquietas (…). Nunca vistes pessoas mais novas fazerem a mesma coisa? (…) Krishnamurti: Ora, sabe-se que os jovens são grandes imitadores (…). São o mesmo que macacos, para imitar. Vêem alguém fazer uma coisa, e imediatamente a fazem também. Já não notastes como as crianças gostam de vestir-se de modo igual? (…) É forte nos jovens o processo imitativo; e, por isso, quando observam os mais velhos, se põe a imitá-los; e, uma vez que tanto os mais velhos como os jovens não estão bem cônscios do que estão fazendo, o círculo vai-se dilatando cada vez mais. (Debates sobre Educação, pág. 86) Os mais velhos põem uma veste sagrada, e os jovens põem também uma veste sagrada. Uns velhos põem turbantes, e os jovens põem também turbantes. (…) Mas, o que é importante para vós é que observeis a vós
mesmos, que estejais cônscios de vós mesmos, de vossas ações. (…). Deixareis então de praticá-las. (…) (Idem, pág. 86-87) Assim, o mundo se encontra em tamanha desgraça porque não existe aquela capacidade de criar. Para vivermos criadoramente, não podemos ficar na simples imitação, seguir Marx, ou a Bíblia, ou o Bhagavad-Gita. (Novo Acesso à Vida, pág. 82) A atividade criadora é gerada pela liberdade, e só pode haver liberdade quando há virtude, e a virtude não é resultado do processo do tempo. A virtude vem quando começamos a compreender o que é, em nossa existência de cada dia. (Idem, pág. 82) Logo, para mim, a divisão entre velhos e moços é um tanto absurda. Senhores, a maturidade não é questão de idade. Embora, na maioria, sejamos mais velhos, nós somos infantis, temos medo (…). Os que são velhos buscam a permanência, (…) garantias confortadoras, e os moços querem também a segurança. (Idem, pág. 82) Não há, pois, diferença essencial entre velhos e moços. Como disse, a maturidade não reside na idade: vem com a compreensão (…). A preservação dessa energia para a investigação, para descobrir a realidade, requer muita educação – educação que não seja simples conformidade a um padrão (…). (Idem, pág. 82) Temos de aprofundar esta questão da seriedade, porque a vida é um movimento em ação. Não podemos ficar inertes (…). Estamos colhidos no movimento do que foi, e os moços dizem: “Nós somos a nova geração.” Não são. Para compreender tudo isso, temos de investigar o que é a ação em liberdade. (…) Pode a mente libertar-se de seu condicionamento, e podem também libertar-se as células cerebrais (…) que têm seus próprios padrões de reação? (A Importância da Transformação, pág. 38-39) O investigar requer paciência; os jovens são impacientes, querem resultados instantâneos, e isso significa que ainda não compreenderam o processo total do viver. Se se compreender a totalidade do viver, virá uma ação instantânea, inteiramente diferente da ação imediata da impaciência. (…) (A Questão do Impossível, pág. 18)
5. DEPENDÊNCIA, EMANCIPAÇÃO; PATERNALISMO, LIBERDADE
Quando somos muito novos, criancinhas, dependemos da mamãe para ganharmos nosso leite. Precisamos de proteção, vigilância, carinhos. À mesma lei então sujeitas as aves e todos os animais. É uma coisa natural. Mas, se, depois de crescermos, continuamos dependendo de alguém para nossa felicidade, (…) conforto, orientação, segurança, então, como resultado dessa dependência, surge o temor. (…) A dependência faz-nos embotados, insensíveis, medrosos. (…) A dependência a que me refiro é a dependência psicológica, a busca psicológica de proteção. (…) (Debates sobre Educação, pág. 165) Quando vocês dizem que amam alguém, não dependem interiormente dessa pessoa? Enquanto forem crianças, naturalmente dependerão de seus pais, de sua professora, de seus guardiães. Eles precisam cuidar de vocês, alimentálos, vesti-los e abrigá-los. Vocês precisam ter a sensação de segurança, (…) de que alguém está cuidando de vocês. (O Verdadeiro Objetivo da Vida, pág. 71) Mas o que acontece geralmente? À medida que vocês crescem, essa sensação de dependência continua a existir (…). Não observaram já em pessoas mais velhas, em seus pais e professores? Notaram como eles ainda dependem emocionalmente de suas esposas ou maridos, de seus filhos ou de seus próprios pais? (Idem, pág. 72) Quando cresce, a maioria das pessoas ainda continua apegada a alguém (…) a ser dependente. Se não tiverem alguém em quem se apoiarem, que lhes dê a sensação de conforto e segurança, as pessoas se sentem sós (…). Elas se sentem perdidas. Essa dependência que temos em relação aos outros é chamada de amor; mas se vocês observarem isso de perto, verão que dependência é medo, e não amor. (Idem, pág. 72) A maioria de nós tem medo de ficar só, (…) de pensar por si mesmo, medo de sentir profundamente, de explorar e descobrir todo o significado da vida. Por isso essas pessoas dizem que amam a Deus, e elas dependem daquilo a que chamam Deus; mas não é Deus, não é o desconhecido, é algo criado pela mente. (Idem, pág. 72)
Fazemos o mesmo com um ideal ou uma crença. Creio em alguma coisa, ou entrego-me a um ideal, e isso me dá grande conforto; mas removam o ideal, (…) a crença, e eu estarei perdido. Ocorre o mesmo com um guru. (…) É também isso o que ocorre quando vocês dependem dos pais ou dos professores. É natural, e é certo, que isso ocorra quando vocês são jovens; mas, se continuarem dependentes depois de maduros, isso os tornará incapazes de pensar, de ser livres. Onde há dependência, há medo, e, onde há medo, há autoridade, não amor. (…) (Idem, pág. 72) Há dependências físicas de que podemos tornar-nos cônscios (…), como a dependência do fumo, das drogas, da bebida e outros estimulantes físicos de que dependemos psicologicamente. Em seguida, as diversas formas de dependência psicológica. Estas têm de ser observadas mui atentamente, já que se interpenetram, estão mutuamente relacionadas; (…) dependência de uma pessoa, de uma crença, de uma relação, de um hábito psicológico de pensamento. (…) (A Questão do Impossível, pág. 115) Ora, para a maioria de nós, as relações com outrem estão baseadas na dependência econômica ou psicológica. Essa dependência cria temor, gera (…) possessividade, dá lugar a atritos, suspeitas, frustrações. (Palestras em Ojai e Sarobia, 1940, pág. 52) A dependência econômica de outrem pode talvez ser eliminada pela legislação e organização adequada, mas me refiro especialmente àquela dependência psicológica de outrem que é a manifestação da ânsia pela satisfação pessoal, pela felicidade, etc. (…) (Idem, pág. 52) Não sei se já notastes que quase todos nós desejamos certa espécie de segurança, (…) de alguém em quem possamos amparar-nos. Como a criança que se agarra à mão da mãe, precisamos de alguma coisa a que nos agarrarmos, (…) precisamos de quem nos ame. (…) (Novos Roteiros em Educação, pág. 50-51) Porque nos acostumamos a arrimar-nos a outros, a depender de outros para nos guiarem e ajudarem, quando nos vemos entregues a nós mesmos ficamos confusos, cheios de medo, sem saber que fazer, que pensar, como agir. Sentimo-nos inteiramente perdidos, inseguros, incertos. E daí surge o temor (…). (Idem, pág. 51) (…) Mas, posso em algum tempo estar em segurança, (…) protegido, por maiores que sejam as defesas que tenho, exterior e interiormente? Que segurança haverá, se meu banco falir amanhã, se meu pai ou minha mãe morrer amanhã (…)? E, interiormente, existe alguma segurança nas minhas idéias? (…) (Idem, pág. 53)
(…) Sempre que dependemos, temos medo; e onde há temor, não há amor. Onde existe amor, não estais sós. Só existe o sentimento de solidão quando sentimos medo, quando não sabemos que fazer. (…) e, quando existe temor, estais completamente cegos. (…) (Idem, pág. 55) Ao vos observardes interiormente, não descobris dois princípios ativos: o medo e o prazer? Não vedes que o prazer assume diferentes formas – ora é busca de Deus, ora desejo de ser pessoa importante (…)? Como dissemos, medo e prazer constituem nossos principais movimentos (…); e porque, inconscientemente, tendes medo, vos tornais apegado, dependente de alguma pessoa – vossa mulher, vosso marido ou vosso guru. (…) (O Novo Ente Humano, pág. 156) Eis, pois, o que a dependência implica. Ora, temos a possibilidade de libertarnos dessa dependência? Porque, em geral, gostamos de ser possuídos. (…) Gostamos de pertencer a alguém, (…) a um grupo (…) padrão de ação, para termos o sentimento de estar vivendo virtuosamente. Desse modo, observando bem a dependência, podeis ver, por vós mesmos, que na base dela está o medo. (…) (Idem, pág. 156-157) Um dos nossos numerosos problemas parece ser o da dependência – esta nossa dependência de pessoas, para nossa felicidade, dependência de capacidade (…). E a questão é: Pode a mente, em algum tempo, estar totalmente livre de toda dependência? (…) (Transformação Fundamental, pág. 69) Naturalmente, não estamos falando da dependência superficial; mas, no nível mais profundo, encontra-se aquela dependência psicológica, de certa segurança, de certo método que garanta à mente um estado de permanência; (…). (Idem, pág. 69) Por que é que dependemos? Psicologicamente, interiormente, dependemos de uma crença, um sistema, uma filosofia; pedimos a outrem uma norma de conduta; procuramos instrutores, em busca de uma maneira de vida (…). Tem a mente possibilidade de libertar-se dessa idéia de dependência? Com isso não quero dizer que a mente deva conquistar a independência – o que só seria uma reação à dependência. (…) (Idem, pág. 69) (…) Talvez, se pudermos examinar este problema de maneira verdadeiramente inteligente, com plena atenção, talvez então possamos descobrir que não é, em absoluto, a dependência que constitui o problema, que ela é apenas um modo de fugirmos a um fato mais profundo. (Transformação Fundamental, pág. 70) Como dizia, por que dependemos e fazemos da dependência um problema? (…) Qual é, pois, esse fator mais profundo? É a mente detestar e temer a idéia
de estar só? E será que a mente conhece esse estado que está evitando? (…) (Idem, pág. 71) Mas, se sou capaz de perceber o fator que é o meu depender de uma pessoa, de Deus, da oração, de certa capacidade, (…) fórmula ou conclusão que chamo “crença” – talvez então eu possa descobrir que tal dependência resulta de uma exigência interior a que nunca prestei atenção, nem levei em conta. (Idem, pág. 71) Considero, com efeito, essa questão sumamente importante. Porque, enquanto aquela solidão não for realmente compreendida, sentida, penetrada, dissolvida (…), enquanto persistir este sentimento de solidão, será inevitável a dependência, nunca seremos livres, nunca poderemos descobrir por nós mesmos o que é verdadeiro, o que é religião. (Idem, pág. 71-72) Enquanto estou dependendo, tem de haver alguma autoridade, tem de haver imitação, (…) compulsão, sob diferentes formas, (…) disciplinamento segundo dado padrão. Pode, pois, a mente descobrir o que é “estar na solidão”, e passar além – de modo que seja posta em liberdade e não dependa mais das crenças, dos deuses, dos sistemas, das orações, nem de coisa alguma? (Idem, pág. 72) Enquanto há apego, dependência, tem de haver “exclusão” (separação). Depender de nacionalidade, (…) grupo, (…) raça, (…) pessoa ou crença é evidentemente um fator de separação. Assim, é provável que a mente esteja sempre, como entidade separada, a buscar isolamento e a evitar um fator mais profundo, que realmente é separativo: o processo egocêntrico de seu próprio pensar, que gera solidão. (…) (Idem, pág. 72) A dependência não é a negação da liberdade? Tirem-se-lhe a casa, o marido, os filhos, as posses – que é um ente humano, se tudo isso lhe é retirado? Em si próprio, ele é insuficiente, vazio, sem rumo. Assim, por causa desse vazio, de que tem medo, ele depende (…). Assim, estais vendo que temos agora três questões: a sensibilidade, a dependência e o medo? Três coisas relacionadas entre si. (…) (A Luz que não se Apaga, pág. 23-24) (…) Se o indivíduo é suficientemente sensível, torna-se cônscio de sua medonha vacuidade – desse abismo sem fundo, que não se pode encher com o vulgar entretenimento das drogas, (…) das diversões sociais; (…). Sabendo disso, cresce o medo. (…) A questão, pois, agora, é de ultrapassarmos esse vazio, essa solidão, não de aprendermos a depender de nós mesmos, ou de disfarçarmos permanentemente o nosso vazio. (Idem, pág. 24-25) Pergunta: Como é possível libertarmo-nos da dependência psicológica de outros?
Krishnamurti: Por que dependemos psicologicamente de uma coisa? Evidentemente porque, interiormente, somos insuficientes, pobres, vazios, (…) nos vemos tão sós! E é essa solidão, esse vazio, essa extrema pobreza, esse enclausuramento em nosso “eu”, que nos faz depender de uma pessoa, de nosso saber, de nossa propriedade, de opiniões (…). (Verdade Libertadora, pág. 123) Ora, pode a mente tornar-se perfeitamente cônscia do fato de sua solidão, sua insuficiência, seu vazio? É muito difícil perceber esse fato (…) porque estamos sempre procurando fugir-lhe; (…) escutando o rádio e entretendo-nos de outras maneiras, (…) pelo depender de pessoas e de idéias. (Idem, pág. 123) Para conhecermos nosso próprio vazio, temos de olhá-lo diretamente; mas não podemos fazê-lo se nossa mente estiver sempre buscando distração (…). E essa distração assume a forma de apego a uma pessoa, à idéia de Deus, (…) dogma ou crença, etc. (Idem, pág. 123-124) Assim, ao compreender a futilidade, a total inutilidade de tentar preencher o vazio com a dependência, o saber, a crença, estará a mente capacitada a encará-lo sem temor. E pode a mente continuar a encarar esse vazio, abstendo-se de avaliação? (…) (Verdade Libertadora, pág. 124) Quando a mente se acha perfeitamente cônscia de que está a fugir de si mesma; quando compreende a futilidade dessa fuga e percebe que o próprio processo de fuga gera medo – (…) ela poderá encarar o que é. (…) (Idem, pág. 124) Mas, para descobrirmos isso por nós mesmos, temos de compreender o “processo” da fuga. Na própria compreensão da fuga, a fuga se detém e a mente se torna capaz de observar-se. Ao observar-se, não deve haver avaliação, nem julgamento. O fato, em si, se torna então importante (…); a mente, por conseguinte, já não está vazia. (…) (Idem, pág. 125) Podemos, pois, encarar, sem nenhuma avaliação, o fato de nosso vazio psicológico, nessa solidão, causador de tantos outros problemas? (…) Então, aquilo que temíamos, por ser solidão, vazio, já não é vazio. Já não há, então, dependência psicológica de coisa alguma; então, o amor já não é apego, porém coisa totalmente diferente, e as relações têm outra significação. (Idem, pág. 125) Naturalmente, a grande maioria das pessoas vivem a fugir de si mesmas. Mas, pelo fugirdes de vós mesmos, vos tornastes dependentes. A dependência se torna mais forte e as fugas mais essenciais, em proporção com o medo do que é. A esposa, o livro, o rádio, adquirem extraordinária importância; (…). Porque me sirvo de minha mulher como meio de fugir de mim mesmo, estou apegado a
ela. Tenho de possuí-la (…); e ela gosta de ser possuída, porque também se está servindo de mim. É uma necessidade comum de fuga (…). (Comentários sobre o Viver, 1ª ed. pág. 198) Isso está bastante claro. (…) Mas por que foge uma pessoa? De que foge? De sua própria solidão, seu próprio vazio, daquilo que é. Se fugirdes do que é, sem o verdes, é bem evidente que não o compreendereis; portanto, em primeiro lugar, deveis parar, deixar de fugir, pois, só então, podereis observar a vós mesmos, tal como sois. Mas não podeis observar o que é, se estais sempre a criticá-lo (…). Vós o chamais solidão e fugis dele; e a própria fuga ao que é, é medo. Tendes medo dessa solidão, desse vazio, e a dependência é o manto com que o cobris. (…) (Idem, pág. 198) Nada podeis fazer a esse respeito. Tudo o que fizerdes será sempre uma atividade de fuga. (…) Podereis ver, então, que não sois diferentes nem estais separados daquela vacuidade. Sois aquela insuficiência. O observador é o vazio observado. Depois, se fordes mais longe, não lhe dareis mais o nome de solidão; cessou a verbalização; e, se fordes mais além, (…) a coisa conhecida como solidão não existirá mais; ocorrerá o completo desaparecimento da solidão, do vazio, do pensador, do pensamento. Só isso põe fim ao temor. (Idem, pág. 198-199) Desejo examinar convosco o problema da liberdade. (…) Muito se fala da liberdade – liberdade religiosa e liberdade de o indivíduo fazer o que deseja. (…) Mas eu penso que podemos considerá-la de maneira muito simples e direta, e chegar, talvez, à solução verdadeira. (…) (A Cultura e o Problema Humano, pág. 16) E, para poderdes observar, (…) deve a vossa mente estar livre de preocupações (…). Não deve estar ocupada com problemas, com tribulações, com especulações. É só com a mente muito tranqüila que se pode observar realmente, porque, então, a mente é sensível à beleza extraordinária. E talvez tenhamos aqui a chave de nosso problema da liberdade. (Idem, pág. 16) Pois bem, que significa ser livre? Consiste a liberdade em poderdes fazer o que acaso vos convém, em irdes aonde vos aprouver, em pensar o que quiserdes? (…) A mera consciência de se ter independência, significa liberdade? Muita gente neste mundo é independente, mas pouquíssimos são livres. Liberdade implica grande soma de inteligência, não? (…) (Idem, pág. 16) Pode-se ver que exteriormente não somos livres. Em nossos empregos, (…) religiões, (…) pátrias, (…) relações, (…) idéias, crenças e atividades políticas, não somos livres. Interiormente, também, não somos livres, porque não conhecemos nossos “motivos” (…) impulsos, compulsões, exigências
inconscientes. Assim, não há liberdade, nem interior nem exteriormente (…). Mas, em primeiro lugar, cumpre-nos perceber esse fato, pois em geral recusamo-nos a percebê-lo; sofismamos a respeito dele, encobrimo-lo com palavras, com idéias, etc. O fato é que, tanto na esfera psicológica, como na exterior, desejamos segurança. (…) (O Passo Decisivo, pág. 203) Mas, se estais interessado na libertação total (…) de todas as dependências psicológicas; se isso vos interessa realmente, não pedireis então nenhum método, nenhuma “maneira”. Fazeis, nesse caso, uma pergunta muito diferente (…). Perguntais, então, se podeis ter a capacidade de vos libertardes da dependência (…) (Poder e Realização, pág. 62-63) Quando sei que posso ter aquela capacidade, então o problema deixa de existir. (…) Entretanto, porque não tenho a capacidade, quero ser ensinado. E crio, assim, (…) uma pessoa que irá libertar-me, salvar-me. E dessa pessoa fico dependente. (Idem, pág. 63-64) O simples desejo não resulta em liberdade. (…) Todos desejam ser livres e, por conseguinte, querem exprimir-se – falar de sua raiva, sua brutalidade, ambição, espírito de competição, e assim por diante (…). Liberdade não é fazer o que a pessoa quer, porque o homem não pode viver isolado. Até o monge, o sannyasi, não se sente livre para fazer o que bem entender; é obrigado a lutar pelo que deseja, a manter luta íntima, a questionar-se dentro de si mesmo. A liberdade interior requer imensa inteligência, sensibilidade, capacidade de compreensão. (…) (Ensinar e Aprender, pág. 27) (…) Ou a liberdade é algo inteiramente diferente da reação, algo de autônomo, livre de motivo, independente de qualquer inclinação, tendência e circunstância? (…) Ou a liberdade é um estado de espírito tão intensamente ativo e vigoroso, que lança para longe toda e qualquer forma de dependência, de servidão, de conformismo e aceitação? (…) Tal liberdade implica solidão completa (…). Liberdade dessa espécie significa, de certo, “estar só”. (…) (Como Viver neste Mundo, pág. 57) (…) Mas a liberdade não existe nem pode existir cercada de limitações. (…) Por exemplo: dizeis que vossos pais ou mestres sabem o que é certo e o que é errado; pelo menos pensais que eles sabem. (…) Sabeis (…) o que a religião disse, o que disse o sacerdote, (…) o que aprendestes na escola, o que diz a tradição. E viveis dentro desses limites, dessa clausura. (…) Pode ser livre um homem que vive numa prisão? (Novos Roteiros em Educação, pág. 31-32) Visto isso, pois, o que devemos fazer é arrasar as muralhas que nos cercam e descobrir por nós mesmos o que é real, o que é verdadeiro, benéfico. Cumprenos experimentar, investigar, e não apenas seguir alguém; (…). (Idem, pág. 32)
Não há liberdade intelectual; e liberdade significa energia, vitalidade, “intensidade”; a liberdade vos proporciona extraordinária energia. Mas, essa liberdade vós a rejeitais totalmente, aceitando a autoridade (…) do professor, (…) de vossos guias espirituais; e essas pessoas não são espirituais, pois se arvoram em guias dos outros. Não sois livres, intelectualmente; e, moralmente, sois sentimentais, devotados a certa divindade ou pessoa. Isso não produz energia, mas, sim, medo. Só há energia quando perdeis completamente de vista o vosso “eu”, quando há total ausência do “eu”. (…) (O novo Ente Humano, pág. 128) O homem livre, (…) que nada teme, que tem uma mente lúcida, cujo coração é vigoroso, forte, enérgico – nunca necessita de ajuda. E nós, vós e eu, temos de manter-nos de pé, completamente sós, sem ajuda de ninguém. (…) (O Despertar da Sensibilidade, pág. 176) Só quando se exige liberdade completa e se mantém essa liberdade, pode-se encontrar, pelas corretas vias de acesso, a realidade (…) que libertará o homem. Mas, uma das coisas mais difíceis é percebermos que precisamos estar completamente sós, inteiramente entregues a nós mesmos. (Idem, pág. 176) Só existe amor quando não há nenhuma forma de utilização e dependência. As exigências psicológicas, com sua inconstância e eterna busca, que levam à substituição de uma dependência por outra, de uma crença por outra, de um compromisso por outro, é a própria essência do “eu”. Adotar uma idéia, um método, ou um dogma, ou pertencer a alguma seita, é a origem e a essência do eu. (…) Ao libertar-se das exigências psicológicas, atinge o homem a maturidade. Dessa liberdade nasce uma paixão livre de motivo ou busca de recompensa (Diário de Krishnamurti, pág. 66) A dependência psicológica das coisas se manifesta por meio de miséria e conflito sociais. Por sermos pobres interna, espiritual e psicologicamente, pensamos que podemos enriquecer-nos por meio de posses (…). Sem resolver fundamentalmente a pobreza psicológica do ser, a mera legislação social ou o ascetismo não podem solucionar o problema da ganância, da ansiedade. (…) (Palestras em Ojai e Sarobia, 1940, pág. 25)
6. MATURIDADE, SERIEDADE, VERDADEIRO, FALSO; CONCEITOS
Assim, (…) percebemos a necessidade de uma revolução fundamental na própria estrutura do cérebro; “estrutura”, não no sentido biológico, porém estrutura de nosso pensar, o padrão de nossos pensamentos, impulsos, ânsias. Para promover a revolução fundamental, necessita-se de grande quantidade de energia: e essa energia só pode tornar-se existente quando há madureza – não a madureza que pensamos poder alcançar mediante o ajuntamento de muitos fragmentos. Mas, como suscitar essa madureza? (…) (Uma Nova Maneira de Agir, 1ª ed., pág. 95) Percebe-se a necessidade dessa revolução; (…). E como produzir essa madureza e essa energia? O indivíduo está amadurecido – não em relação ao tempo, à idade, etc. – amadurecido, rico, completo, quando é capaz de olhar, de observar, de viver sem amargor, sem medo, sem desejo de preenchimento, pois isso denota falta de madureza. (…) (Idem, pág. 95) Quando compreenderdes, quando perceberdes, realmente, que não há, fora de vós, ninguém que possa ajudar-vos – nem deuses, nem gurus, nem políticos, ninguém – já não vos achareis no estado de madureza? Estareis então livres do medo de errar, do medo de não fazer o que é certo. (…) (Idem, pág. 97) Mas, para mim, a madureza é algo completamente diferente. Acho possível tornarmo-nos amadurecidos sem passar por todas as pressões e tribulações do tempo. Estar completamente amadurecido, qualquer que seja a idade do indivíduo, significa ser capaz de enfrentar e resolver imediatamente qualquer problema que se apresente, em vez de “transportá-lo” para o dia seguinte. (…) (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed, pág. 168) Assim, pois, ser “amadurecido” é aprender; não é “adquirir conhecimento”. (…) Mas achar-se no estado de madureza a que me refiro, significa a pessoa ver a si própria tal como é realmente, momento a momento, sem acumular conhecimentos a respeito de si própria; porque essa madureza implica rompimento com o passado, e o passado é, essencialmente, um empilhamento de conhecimentos. (Idem, pág. 168-169) Mas, voltemos à nossa questão: como promover a madureza instantânea? A essa madureza está associada a energia; como produzi-la? Ou não existe
método algum e o necessário é apenas perceber a verdade, isto é, que depender de alguém, de (…) sistema ou filosofia, de um guru, é falta de madureza; perceber essa verdade instantaneamente. (Uma Nova Maneira de Agir, 1ª ed., pág. 102) Senhor, para descobrirdes se Deus existe, deveis estar livre da idéia de Deus. Para descobrir, é necessário investigar, perquirir, indagar, interrogar. Isso, por certo, faz parte da madureza. O fazer perguntas corretas, investigar corretamente, exige energia. (Idem, pág. 103) A maturidade não vem com o tempo nem com a idade. Não existe intervalo entre o presente e o amadurecimento; (…). A maturidade é aquele estado no qual cessou toda forma de escolha; só os imaturos escolhem e conhecem o conflito nascido da escolha. Na maturidade não existe direção qualquer, mas, sim, aquela que não vem da escolha. (…) Qualquer espécie de conflito revela imaturidade. Não existe amadurecimento psicológico, a não ser o inevitável processo orgânico de crescimento. Maturidade é a compreensão que transcende todo e qualquer conflito. (…) (Diário de Krishnamurti, pág. 63-64) (…) Senhores, a maturidade não é questão de idade. Embora, na maioria, sejamos mais velhos, nós somos infantis, temos medo do que pensa a sociedade. (…) Os que são velhos buscam a permanência, (…) e os moços querem também a segurança. Como disse, a maturidade não reside na idade: vem com a compreensão. (…) (Novo Acesso à Vida, pág. 82) Estávamos falando sobre madureza? (…) A madureza tem alguma relação com a idade da pessoa? Tem alguma relação com a experiência, o saber, a capacidade? Tem alguma relação com a competição e a acumulação de dinheiro? Se não, que é a madureza? Está ela em alguma relação com o tempo? (…) (A Mente sem Medo, 1ª ed., pág. 74) (…) Assim, só a mente inocente é madura, e não aquela que acumula conhecimentos milenares. O conhecimento é necessário e tem significado num certo nível; mas o conhecimento, o saber, não produz claridade, inocência. Só há inocência quando todo conflito terminou. Quando a mente já não está se movendo em nenhuma direção determinada, uma vez que todas as direções foram compreendidas; acha-se ela, então, nesse estado de originalidade, que é a inocência, e, daí, pode atingir a imensidade onde se encontra o Supremo; só então a mente é madura. (Idem, pág. 75) Essa “qualidade”, essa madureza – devemos fazê-la depender do tempo, das circunstâncias, das inclinações ou de uma dada tendência? É ela como um fruto que amadurece durante o verão e está prestes a cair no outono; que
necessita de tempo, de muitos dias de chuva, de sol (…)? (…) Acho que não há tempo a perder e que devemos amadurecer de pronto, não biológica ou fisiologicamente, porém interiormente tornar-nos total e completamente amadurecidos. (Como Viver neste Mundo, pág. 69) Desejaria (…) discutir convosco o problema da busca e o que significa ser “sério”. (…) As pessoas ditas religiosas estão supostamente em busca da verdade, de Deus. (…) (Da Solidão à Plenitude Humana, pág. 21) Uma pessoa pode buscar, mas, se lhe falta “seriedade”, sua busca será dispersa, esporádica, desconexa. A “seriedade” acompanha sempre a busca, e é bem evidente que vos achais aqui porque sois “sérios”. (…) (Idem, pág. 2122) Certamente, até os maiores cientistas têm de abandonar todo o seu saber, antes de poderem descobrir qualquer coisa nova; e se vós sois sérios, esse abandono do conhecimento, da crença, da experiência tem de efetuar-se realmente. Os mais de nós somos um tanto “sérios”, quando se trata de nossas próprias conclusões, mas eu acho que isso de modo nenhum é seriedade. (…) O homem sério, sem dúvida, é aquele que é capaz de abandonar as suas conclusões porque percebe que só assim está capacitado para investigar. (Idem, pág. 27) Todo homem deve ser sério, porque só os sérios são capazes de viver uma vida completa, total. Essa seriedade não exclui a alegria, a jovialidade; mas, enquanto existir medo, não haverá possibilidade de saber o que significa ter uma grande alegria. O medo parece ser uma das coisas mais comuns da vida (…). (Fora da Violência, pág. 57) Estive a considerar o que significa ser sério. Em geral, temos a impressão de que somos bastante sérios; entretanto, nunca indagamos qual deve ser o estado da mente que de fato é séria – de fato, e não apenas séria “em relação a alguma coisa”. (…) Tal é o caso do homem que toma “seriamente” uma bebida ou que “seriamente” se devota a uma idéia, (…) causa, (…) compromisso, e se esforça por levá-lo a bom termo. (Encontro com o Eterno, pág. 19) Consideramos “sérias” as pessoas que têm um conceito, idéia ou ideal a que se consagram lógica, brutal, impiedosamente, ou com certa simpatia humana. (…) É sério aquele que segue determinado plano de ação (…), vivendo de acordo com tal padrão e, portanto, condicionado? Tal pessoa, para mim, não é de modo algum séria (…). (Idem, pág. 20) Por “pessoa séria”, não entendo o indivíduo que está ligado a dado padrão de crença e que funciona em conformidade com essa crença; em geral, esse
indivíduo é tido como ente maravilhoso e sério; mas eu não o chamo “sério” (…). Também a pessoa que se devotou a determinado movimento, e dessa linha não se desvia, é considerada pessoa muito séria; mas eu não a chamo “séria”. (…) (A Suprema Realização, pág. 11) Assim, pela palavra “sério” entendemos coisa muito diferente. (…) Por “mente séria” entendo aquela que percebe o que é verdadeiro – não de acordo com um certo padrão de crença ou certa autoridade (…). (Idem, pág. 11-12) Pois bem, que é “estar sério, ser sério”? Podemos mostrar-nos sérios a respeito de coisas muito superficiais. Quando (…) uma jovem quer comprar um sari, poderá dispensar (…) toda a sua atenção (…). (A Cultura e o Problema Humano, pág. 103) Assim, pois, pode-se ser sério a respeito de coisas falsas. Mas, se começais realmente a investigar o que significa ser sério, vereis que há uma qualidade de seriedade que não se traduz em atividade em torno de coisas falsas, que não é moldada segundo um padrão. (Idem, pág. 103) (…) Somos muito sérios em relação a certas coisas que nos proporcionam grande prazer, satisfação; desejamos a todo custo cultivar esse prazer – seja o prazer do sexo, seja o do preenchimento de uma ambição – um prazer qualquer. Mas bem poucos de nós são sérios no tocante ao percebimento do problema da existência, dos conflitos, das guerras, das ânsias, dos desesperos, da solidão, do sofrimento. Ser sério em relação a essas coisas fundamentais significa aplicar a elas uma atenção contínua, e não um simples e esporádico interesse (…). Aquela seriedade deve constituir a base de nosso pensar, viver e agir; (…). Quanto mais sérios formos, interiormente, tanto mais madureza teremos. A madureza nada tem que ver com a idade (…). Não é questão de acumular incontáveis experiências ou um saber imenso. (…) Só é possível essa madureza com o conhecimento mais amplo e mais profundo de nós mesmos. (Como Viver neste Mundo, pág. 68-69) Que entendeis por “seriedade”? Ser sério, ardoroso, implica naturalmente a capacidade de descobrir o que é verdadeiro. (…) Se a mente está acorrentada pelo saber, pela crença, (…) à mercê das influências condicionadoras (…), pode ela descobrir alguma coisa nova? (…) (Visão da Realidade, pág. 42-43) (…) A mente dividida por desejos distintos, cada qual a arrastá-la numa direção diferente, é capaz (…) de descobrir o que é verdadeiro? Por conseguinte, não é muito importante possuirmos autoconhecimento, aplicar-nos seriamente à operação de compreender o “eu” com todas as suas contradições? (…) (Idem, pág. 43)
(…) Porque seriedade (…) supõe (…) aplicação ao aprender, quer dizer, aplicar toda a atenção a estudar não apenas determinada matéria, uma particularidade da vida, porém o todo da vida, que é um campo imenso. (…) Sério, ardoroso, apaixonado, “intenso”, é aquele que procura compreender o inteiro processo da consciência, ou seja, o todo da vida. (Viagem por um Mar Desconhecido, pág. 110) Por conseguinte, para o homem sério, que deseja aprender, o primeiro requisito é que esteja livre para investigar – isso significa não ter medo; que esteja livre para olhar, observar, criticar; que seja inteligentemente cético, não aceite opiniões. (…) Como antes dissemos, quando caminhamos com a luz de outrem, essa luz nos levará à escuridão – não importa quem seja o que nos oferece a luz. Mas, para podermos caminhar com a luz de nossa própria compreensão, é preciso atenção e silêncio e, por conseguinte, muita seriedade. (Idem, pág. 110) Pergunta: Que significa “ser sério”? Tenho a impressão de não ser “sério”. Krishnamurti: Investiguemos (…). Não vou definir o que é “ser sério”; não aceiteis definições de espécie alguma. Se um homem deseja descobrir uma nova maneira de vida – uma vida livre de violência, (…) de total liberdade interior, e a esse descobrimento devota seu tempo, sua energia, seus pensamentos, tudo – a essa pessoa eu chamaria de homem sério. Esse homem não se deixa facilmente desviar de seu intento; poderá buscar entretenimentos, mas sua rota está traçada. Isso não significa ser dogmático, obstinado, inadaptável. Ele está pronto a prestar ouvidos a outros, a considerar, examinar, observar. (A Questão do Impossível, pág. 19) Pode acontecer que, nessa seriedade, um homem se torne egocêntrico; esse egocentrismo, de certo, o impedirá de examinar; mas o “homem sério” tem de prestar ouvidos aos outros, examinar, indagar constantemente; isso significa que ele deve ser altamente sensível. (…) Esse homem, pois, está sempre a escutar, a buscar, a investigar, a descobrir – com um cérebro sensível, uma mente sensível, um coração sensível – que não são coisas separadas; está a investigar com esse todo (…). (Idem, pág. 19) A mente vulgar, superficial, pode também tornar-se mui “séria”; mas, quando se torna “séria”, torna-se também algo absurda. Não sei se já notastes como as pessoas de mente vazia se mostram, freqüentemente, muito sérias. São muito loquazes, tomam ares importantes (…); entretanto, continua a ser uma mente muito pouco profunda. (Experimente um Novo Caminho, pág. 9) E há, também, a mente muito lida, muito hábil no argumentar, no analisar, capaz de aduzir citações, extraídas de seu vasto reservatório de
conhecimentos. Como muito bem sabeis, esse tipo de mente é solerte, incisiva, hábil, mas eu não a chamaria de mente séria, nem tampouco à mente superficial que quer mostrar-se séria. (…) (Idem, pág. 9-10) Chamo séria à pessoa que está constantemente olhando, observando, atenta a si própria e a outros, observando seus próprios gestos, palavras, sua maneira de falar, (…) de andar; e que está também atenta às coisas que a cercam, às pressões, às tensões, à influência do ambiente, da “cultura” em que se criou, e à totalidade de seu próprio condicionamento. (…) Só essa mente é capaz de exame refletido, de dedicar sua energia a descobrir algo além das coisas construídas pelo homem – algo que se possa chamar Deus. (…) (Idem, pág. 10) (…) Para que possam ser resolvidos esses dois problemas fundamentais, a violência e o sofrimento, temos de ser sérios e possuir também certa capacidade de percebimento, de atenção, porquanto ninguém pode resolvê-los para nós. (…) Para o homem sério, as autoridades perderam toda a importância. É claro que não tem sentido dependermos de nenhuma autoridade (…). (A Essência da Maturidade, p. 10-11) Ao que parece, há muito pouca gente verdadeiramente séria. Pela palavra “sério”, entendo ter a capacidade de examinar um problema até o fim e resolvêlo. Resolvê-lo, não conforme as inclinações pessoais ou o temperamento de cada um, ou sob pressão do ambiente, porém deixando tudo isso de parte e investigando até o fim a verdade relativa a dada questão. Essa seriedade parece um tanto rara. (…) (A Essência da Maturidade, pág. 10) A maior parte de nós, em ficando graves, perde o senso de alegria. A seriedade sem alegria, (…) em muitos casos é artificial, e por isso deve ser evitada. (…) (O Reino da Felicidade, pág. 26) (…) Se cultivardes a seriedade com a alegria que decorre do fato de o terdes em vosso coração (o Eterno), como parte de vós mesmos, então essa seriedade se torna deleite em vez de se tornar morbidez e expressões rudes. (…) (Idem, pág. 26) Assim, pois, o descobrimento do que é verdadeiro no falso é a origem do descontentamento – não só naquilo que o orador diz, mas (…) no que dizem os políticos, (…) vossos gurus, (…) livros (…). Ver o que é falso, ver também a verdade no falso, e ver a verdade como verdadeira. (…) (Uma Nova Maneira de Agir, 1ª ed., pág. 81) Pensar negativamente é o começo da inteligência. E dessa inteligência tendes necessidade, para poderdes investigar o que é verdadeiro e o que é falso nas coisas que o homem aprendeu desde a infância, como religião, como dogma,
como crença (…). Dessa inteligência necessitais para questionar, (…) investigar, (…) descobrir o que é verdadeiro por vós mesmos e sem precisardes ser instruído por outra pessoa sobre o que é a verdade. (…) (Idem, pág. 81) Que é o falso? É falso tudo aquilo que o pensamento há acumulado – psicologicamente, não tecnologicamente. Noutras palavras, o pensamento há acumulado o “eu” e o “meu”, com suas recordações, sua agressão (…) separatividade, suas ambições, sua competência, (…) imitação, seu medo; (…). De modo que o pensamento, como o “eu”, que em essência carece por completo de realidade, é o falso. Quando a mente compreende o que é o falso, então aí está a verdade. (…) Uma mente que é ambiciosa, (…) que quer lograr algo, (…) que é agressiva, competitiva, imitativa, (…) não pode compreender o que é o amor. (El Despertar de la Inteligencia, II, pág. 157-158) O verdadeiro e o falso não dependem de vossa opinião, ou daquilo que já sabeis, ou de vossa experiência. Porque (…) é apenas a continuação do velho condicionamento, modificado de várias maneiras pela educação. Por conseguinte, vossa experiência não é o fator que indica o que é verdadeiro ou o que é falso. Tampouco o é o vosso conhecimento, porquanto o verdadeiro e o falso estão constantemente a alterar-se, a mover-se, constantemente ativos, dinâmicos, nunca estáticos. E se tentais discerni-los com vossas opiniões, juízos, experiência, tradição, nunca descobrireis por vós mesmos o que é verdadeiro, principalmente se estais sob o domínio da autoridade – se vossa mente está a obedecer. A mente, então, (…) é incapaz de explorar, de descobrir. E a verdade tem de ser descoberta a cada minuto, e nisso consiste sua beleza. Sua beleza é sua energia. (…) (A Suprema Realização, pág. 10) Percebendo o artifício com que enganastes a vós mesmos, podeis então ver o falso como falso. A luta, a perseguição de uma ilusão é o fator desintegrador. Todo conflito, (…) vir a ser, é desintegração. Quando há percepção do artifício com que a mente enganou a si própria, resta, então, só o que é. (…) Só nessa transformação há integração. (Comentários sobre o Viver, 1ª ed., pág. 194)
7. CONHECIMENTO, ESPECIALIZAÇÃO, EXCESSO PREJUDICIAL
Por que vivemos acumulando conhecimentos? Fazemo-lo para alcançar a segurança, que aliás é essencial em certo aspecto de nossa existência. Pensam alguns que o conhecimento é meio de descobrimento. (…) O conhecimento não impede o descobrimento? Como pode a mente descobrir coisas novas, se, na sua totalidade, ela está preparada para juntar conhecimentos, saber? (…) A mente que possui conhecimentos, (…) saber, deve ficar livre deles, para poder descobrir; (…) (Debates sobre Educação, pág. 227) Pergunta: Qual a diferença entre a acumulação da memória técnica ou dos afazeres do dia-a-dia, e a acumulação da memória emocional? Krishnamurti: Isso é muito simples, senhor. Por que o cérebro, como depósito da memória, dá tanta importância ao conhecimento – tecnológico, psicológico e relacionados? Por que o ser humano tem dado tão extraordinária importância ao conhecimento? Possuo um escritório, torno-me um importante burocrata, o que significa que tenho conhecimento de como realizar certas funções, e me torno pomposo, estúpido, grosseiro. (Exploration into Insight, pág. 53) Pergunta: É isso um desejo inato? Krishnamurti: Isso dá segurança, obviamente. Dá status. O ser humano adora o conhecimento identificado com o intelecto. O erudito, o estudioso, o filósofo, o inventor, o cientista, estão todos apegados ao conhecimento e têm criado coisas maravilhosas no mundo, como ir à Lua, construir novos tipos de submarinos, etc. Têm inventado as mais extraordinárias e admiráveis coisas, sendo irresistível a maravilha desse conhecimento, e nós o aceitamos. (…) (Idem, pág. 53) (…) Portanto, tem-se desenvolvido uma desordenada admiração, quase chegando à veneração, do intelecto. Isso se aplica a todos os livros sagrados e sua interpretação. (…) Precisamos, pois, descobrir uma harmonia natural em que o intelecto atue com perfeita lucidez, em que emoções e afeições, cuidado, amor e compaixão funcionem saudavelmente, e o corpo, que tem sido tão despojado, (…) mal usado, volte a sua condição própria. Como você consegue isso? (Idem, pág. 53-54)
Pergunta: Como se pode fazer a distinção entre o conhecimento e a descoberta do novo? Krishnamurti: É claro, senhor. Quando o conhecimento interfere, não há descoberta do novo. Deve haver um intervalo entre o conhecimento e o novo; do contrário você está apenas considerando como novo o velho. (…) Por que há divisão entre a mente, o coração e o corpo? Vê-se isso. Como pode essa divisão chegar a um fim naturalmente? Como você faz isso – através de esforço, (…) dos ideais que temos sobre harmonia? (Idem, pág. 54) Krishnamurti: Perguntávamos ontem por que o conhecimento se tem tornado tão importante como meio de iluminação. Aparentemente, todos os mestres religiosos têm insistido sobre o conhecimento, não só no Oriente senão também no Ocidente. E como a tradição é tão forte neste país, resulta realmente importante descobrir que papel representa todo esse pensar sistematizado na consecução da iluminação. (…) (Tradición y Revolución, pág. 143) Quando se tem desenvolvido destreza em algo, isso confere certo sentimento de bem-estar, de segurança. E tal destreza, nascida do conhecimento, tem que se tornar invariavelmente mecânica em sua ação. Destreza na ação é o que se tem buscado, porque ela nos dá certa posição na sociedade, certo prestígio. Vivendo nesse campo todo o tempo, (…) tal conhecimento e destreza se tornam não só aditivos, senão que terminam por constituir um processo mecânico e reiterativo que, pouco a pouco, adquire seus próprios incentivos, sua própria arrogância e poder. Nesse poder encontramos segurança. (La Totalidad de la Vida, pág. 214) Atualmente, a sociedade exige de nós mais e mais destreza – quer seja o indivíduo um engenheiro, um tecnólogo, um cientista, um psicoterapeuta, etc. – porém existe um grande perigo em buscar essa destreza que provém dos conhecimentos acumulados, porque nesse crescimento não há claridade. Quando a destreza se torna sumamente importante na vida, não só por ser o meio de ganhar a subsistência, senão porque o indivíduo é educado totalmente para esse propósito (…), então a destreza produz invariavelmente certo sentimento de poder, de arrogância e vaidade. (Idem, pág. 214) O orgulho, a arrogância e a inveja decorrentes da eficiência em determinada função, nos levam à competição, à desordem, à discórdia e à infelicidade. A plena compreensão da vida traz um novo significado à atividade humana. Reduzir a vida ao nível estreito e fragmentado da luta pelo pão, pelos prazeres do sexo, da riqueza, da ambição, é fomentar desespero e interminável sofrimento. O cérebro opera na área especializada do fragmento, nas atividades egocêntricas, dentro do estreito limite do tempo. Por ser um
fragmento, é incapaz de ver o todo da vida. Por mais hábil e refinado que seja, o cérebro desenvolve uma ação limitada, parcial. É a mente que contém o cérebro e não o contrário, e só ela poderá compreender o todo. (Diário de Krishnamurti, pág. 102-103) Tecnologicamente, os cientistas têm ajudado a reduzir as enfermidades, a melhorar os meios de comunicação, porém também têm incrementado o poder devastador das armas bélicas – o poder de assassinar de uma só vez um número imenso de pessoas. Os homens de ciência não vão salvar a humanidade; nem o farão os políticos. (…) Os políticos buscam poder, posição e empregam todos os estratagemas (…). E exatamente o mesmo ocorre no chamado mundo religioso – a autoridade hierárquica, (…) em nome de alguma imagem criada pelo pensamento. (La Llama de la Atención, pág. 100-101) A quem chamamos cientistas? Aos que trabalham em laboratórios e que, fora de tal atividade, são seres humanos como nós, com preconceitos (…), com igual cupidez, ambição e crueldade. Salvarão eles o mundo? Estão salvando o mundo? Não se estão utilizando do conhecimento técnico mais para destruir do que para curar? Em seus laboratórios podem estar buscando conhecimento e compreensão, mas não o fazem movidos pelo “eu”, pelo espírito de competição, pelas paixões (…)? (Autoconhecimento, Correto Pensar – Felicidade, pág. 166) (…) Atuando como cientista, artista, padre, advogado, técnico ou fazendeiro, o cérebro é essencialmente produto da especialização. Incapaz de transcender os próprios limites, de sua atividade emanam o status social, os privilégios, o poder e o prestígio, que ele, o cérebro, cria para proteger-se. Incapaz de ver o todo, a mente especializada, com seu desejo de fama e poder, é a origem de todo conflito social. (Diário de Krishnamurti, pág. 102) O especialista é incapaz de conceber o todo; vive para a sua especialidade, ocupação mesquinha do cérebro condicionado para ser religioso ou técnico. O talento e a aptidão do homem tendem a fortalecer o egocentrismo e sua ação é sempre fragmentada e conflitante. A capacidade humana só tem significado quando a mente atinge a compreensão global da vida. Caso contrário, a eficiência, um dos subprodutos da aptidão individual, torna seu portador implacável e indiferente à totalidade da vida (…) (Idem, pág. 102) (…) O cientista utiliza o seu saber para alimentar a vaidade, assim também o professor, (…) os pais, (…) os gurus – todos querem ser alguém no mundo. (…) Que sabem eles? Só sabem o que está nos livros (…) ou o que experimentaram, sendo que suas experiências dependem do seu fundo de condicionamento. Os mais de nós, pois, estamos cheios de palavras, de conhecimentos, a que damos o nome de saber; e sem esse saber vemo-nos
perdidos. O que existe, pois, é o temor, oculto logo atrás da cortina das palavras e dos conhecimentos; (…). (Novos Roteiros em Educação, pág. 114) Assim, onde há temor, não há amor; e o saber sem o amor é destrutivo. É o que está acontecendo no mundo, atualmente. Por exemplo, sabe-se como é possível alimentar todos os seres humanos do mundo, mas não se começa a pôr isso em prática. (…) Se se desejasse realmente pôr fim à guerra, haveria possibilidade de fazê-lo, mas nada se faz, pelas mesmas razões. Assim, pois, o saber sem o amor não tem significação alguma. (…) (Idem, pág. 114) Os problemas que se apresentam a cada um de nós e, portanto, ao mundo, não podem ser resolvidos pelos políticos nem pelos especialistas. Esses problemas não resultam de causas superficiais, (…). Os especialistas podem oferecer-nos planos de ação cuidadosamente elaborados, mas não são as ações planejadas que irão trazer-nos a salvação, mas tão somente a compreensão do processo total do homem, isto é, de vós mesmos. Os especialistas só têm capacidade para tratar de problemas num nível exclusivo, com o que aumentam os nossos conflitos e a nossa confusão. (O Caminho da Vida, pág. 25) (…) Ora, para vos tornardes alguma coisa, precisais especializar-vos, (…) e tudo que se especializa logo morre, declina, porque a especialização implica sempre falta de adaptabilidade. Só o que é capaz de adaptação, de flexibilidade, pode subsistir. (…) (A Arte da Libertação, pág. 134) (…) Está visto, pois, que a especialização é prejudicial à compreensão do processo do “eu”, que é autoconhecimento, uma vez que a especialização não permite a pronta adaptabilidade; e tudo o que se especializa não tarda a morrer, a definhar. (Idem, pág. 135) Assim, para se compreender a si mesmo, o indivíduo precisa de extraordinária flexibilidade, e essa flexibilidade lhe é negada, se ele se especializa – na devoção, na ação, no saber. (…) (Idem, pág. 135) Ora, será que a compreensão de nós mesmos requer especialização? O especialista conhece só a sua especialidade (…). Mas o conhecimento de nós mesmos requer especialização? Acho que não, pelo contrário. A especialização implica a restrição do processo total de nosso ser (…). Uma vez que precisamos compreender a nós mesmos como processo total, não podemos especializar-nos. Porque especialização significa exclusão (…). (Solução para os nossos Conflitos, pág. 74) Pois bem (…) Atribuímos importância à feitura do instrumento, e esperamos, assim, por meio do instrumento, conhecer a vida; eis a razão por que a educação moderna é um verdadeiro fracasso; porque só tendes técnica, (…)
cientistas maravilhosos, portentosos físicos, matemáticos, construtores de pontes, conquistadores do espaço – e daí? Estais vivendo? Somente como especialistas; mas, pode um especialista conhecer a vida? Só deixando de ser especialista. (O Que te fará Feliz?, pág. 63) Requer então a inteligência especialização, a inteligência que é a percepção integral do nosso processo? E pode essa inteligência ser cultivada mediante qualquer forma de especialização? Pois é isso que está acontecendo (…). O sacerdote, o médico, o engenheiro, o industrial, o homem de negócios, o professor – temos a mentalidade da especialização. E julgamos que, para alcançar a forma suprema da inteligência – que é a verdade, (…) Deus, que não se pode descrever – julgamos que para alcançá-la precisamos tornar-nos especialistas. (…) (El Despertar de la Inteligencia, pág. 77) (…) Você não pode dividir a vida em vida tecnológica e vida não tecnológica. É o que vocês têm feito, e é por isso que levam uma dupla vida. Então nos perguntamos: “É possível viver tão plenamente que a parte esteja incluída no todo? (…) Atualmente levamos uma dupla vida; (…). É assim que vocês dividem a vida e, portanto, ela é um conflito entre as partes. E nós nos referimos a algo por completo diferente, a um modo de viver no qual não haja divisão nenhuma. (…) (Idem, pág. 79) Vede, em primeiro lugar, como a mente acumula saber e por que o faz; vede onde o saber é necessário, e onde ele se torna um empecilho à liberdade. É óbvio que, para fazermos qualquer coisa – conduzir um carro, falar uma língua, executar um trabalho técnico – precisamos do saber. Precisamos de grande abundância de saber; quanto mais eficaz, (…) mais objetivo, (…) mais impessoal, melhor; mas nós nos estamos referindo àquele saber que condiciona psicologicamente. (Fora da Violência, pág. 133) O “observador” é o reservatório do saber. O “observador”, por conseguinte, pertence ao passado, ele é o censor, a entidade que julga com base no saber acumulado. O mesmo ele faz com respeito a si próprio. Tendo adquirido dos psicólogos conhecimentos sobre o “eu”, acredita o observador que conhece a si próprio. Ele se olha com esses conhecimentos e, por conseguinte, não se olha com olhos novos. (…) (Idem, pág. 133) É possível libertar a mente do passado, por inteiro, e, se o é, como poderemos esvaziá-la? Em certos setores, o conhecimento trazido do passado é essencial. (…) Não podemos esquecer, pôr à margem, todos os conhecimentos técnicos que o homem adquiriu através de séculos; mas eu estou falando a respeito da psique, que tem acumulado tantos conceitos, idéias e experiências e se acha aprisionada nessa consciência que tem por centro o observador. (A Importância da Transformação, pág. 14)
Cabe-nos descobrir por nós mesmos (…). O conhecimento, com efeito, tem muita importância e significação. Se desejais ir à Lua, necessitais de extraordinários conhecimentos tecnológicos; (…). Mas, esse próprio saber se torna sério empecilho quando queremos descobrir uma maneira de viver totalmente harmoniosa (…). O saber é o passado, e, se vivemos de acordo com o passado, então, é óbvio, surge uma contradição: o passado em conflito com o presente. (…) (O Novo Ente Humano, pág. 24) Agora, ao perceberdes que o pensamento perpetua o prazer e o medo (…) – qual o estado de vossa mente ao perceberdes essa verdade? E qual o estado da mente que sabe quando o pensamento é necessário, quando deve ser empregado, logicamente, objetivamente, equilibradamente, e sabe também que o pensamento, que é reação do conhecimento, ou seja, do passado, se torna um obstáculo a uma maneira de viver isenta de contradição? (…) (Idem, pág. 27) Há, pois, uma ação que vem quando a mente está vazia de todo movimento de pensamento, exceto aquele movimento que é necessário quando o pensamento deve funcionar. A mente é então capaz de dar atenção aos fatos da vida diária. Mas, é ela capaz de funcionar dessa maneira se sois muçulmano, budista, hinduísta, e estais condicionado por esse fundo? Não o é, evidentemente. (…) Porque, se a psique não for transformada, continuareis a fazer, exteriormente, as mesmas coisas – modificadas, talvez, mas sempre segundo o velho padrão. (Idem, pág. 27) Que lugar tem o conhecimento na transformação do homem? (…) O conhecimento é necessário na vida diária, quando vamos ao trabalho, (…) exercemos diversas habilidades, etc.; é necessário no mundo tecnológico, (…) científico. Porém, na transformação da psique, do que somos, tem o conhecimento algum lugar? (La Llama de la Atención, pág. 80) (…) Perguntamo-nos se esse conhecimento psicológico pode alguma vez transformar radicalmente o homem, para convertê-lo em um ser humano totalmente descondicionado. Porque se há qualquer forma de condicionamento no psíquico, no interno, é impossível encontrar a verdade. A verdade é uma terra sem caminhos, e chega a nós quando nos livramos de todos os condicionamentos. (Idem, pág. 81) Ora, o conhecimento é evidentemente essencial, pois, do contrário, não poderíamos funcionar de maneira nenhuma. (…) Mas o conhecimento impede também a clareza de percepção. O que quer que sejais, cientista, músico, artista, escritor – é só nos intervalos em que vossa mente está livre de seus conhecimentos, que há movimento criador. (…) (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 177)
A criação, pois, é algo que, não estando sujeito às limitações da mente ordinária, não é continuo. (…) Mas uma mente que seja capaz de ficar silenciosa conhecerá aquele estado que é eternamente criador; e essa é a função da mente (…). A função da mente não consiste apenas em sua parte mecânica, (…) de coordenar as coisas, (…) de destruir e tornar a coordenar. Tudo isso constitui a nossa mente ordinária, a mente comum, que recebe sugestões (…) do inconsciente, mas (…) na rede do tempo. (…) (Poder e Realização, pág. 85) (…) Essa mente é produto da técnica; e quanto mais se cultivar a técnica, o “como”, o método, o sistema, tanto menos se conhecerá “a outra coisa”, o estado criador. Entretanto, temos necessidade da técnica (…). Mas quando essa mente mecânica, a mente que está ligada à memória, à experiência, ao conhecimento, quando essa mente existe só e funciona sozinha, sem a outra parte, é óbvio que ela só pode conduzir à destruição. (…) (Idem, pág. 85-86) (…) A técnica pode trazer-nos essa liberdade em que está ausente o “eu”? Só quando o “eu” está ausente, há o poder de criar; a técnica, pelo contrário, dá apenas mais força ao “eu”, ou o distrai, modificando-o ou expandindo-o – e isso por certo não nos dá o poder criador. (Por que não te Satisfaz a Vida, pág. 131) O saber é uma outra forma de propriedade, e o homem que possui saber está satisfeito com ele; para ele, o saber é um fim em si. Tem ele a convicção (…) de que o saber resolverá (…) os problemas (…). É muito mais difícil, para o homem de saber, livrar-se de suas posses, do que para o homem de dinheiro. É extraordinária a facilidade com que o saber toma o lugar da compreensão e da sabedoria. (…) (Comentários sobre o Viver, 1ª ed., pág. 227-228) O aumento da prosperidade e dos conhecimentos científicos, no mundo, não trará felicidade maior. Poderá atender, em maior escala, às nossas necessidades físicas (…). Poderá proporcionar mais confortos e comodidades – mais banheiros, melhores roupas, mais geladeiras, (…) carros. Mas essas coisas não resolvem nossos problemas fundamentais, que são muito mais profundos e prementes, e estão dentro de nós. (…) (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 111) Pergunta: Do que dizeis, concluo claramente que a cultura e o saber são empecilhos. Empecilhos a quê? Krishnamurti: É óbvio que o saber e a cultura constituem um empecilho à compreensão do novo, do atemporal, do eterno. O desenvolvimento de uma técnica perfeita não vos torna criador. Podeis saber pintar maravilhosamente, possuir a técnica, mas podeis não ser um pintor criador. Podeis saber escrever poemas tecnicamente perfeitíssimos, mas podeis, no entanto, não ser poeta.
Ser poeta implica (…) a capacidade de receber o novo, sensibilidade para reagir às coisas novas. (…) (A Primeira e Última Liberdade, 1ª ed., pág. 151) Como mecânico, cientista, engenheiro, etc., necessitais da continuidade da memória, pois do contrário não podereis exercer vossas funções. Mas a continuidade do pensamento como feixe de lembranças relativas ao “eu” e ao “meu”, e as reações desse pensamento condicionado, tudo isso é tempo psicológico, medo. (…) Assim, para que o medo termine, é necessário que o pensamento termine. (…) (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 24) (…) A humildade é importante, porque a mente sem humildade não pode aprender. Poderá acumular conhecimentos, reunir mais e mais informações, mas (…) são coisas superficiais. Não sei por que tanto nos orgulhamos do nosso saber. Tudo se encontra em qualquer enciclopédia, e é tolice acumular conhecimentos para satisfação do orgulho e da arrogância pessoal. (Idem, 1ª ed., pág. 213) (…) A mente que está abarrotada de fatos, de conhecimentos, será capaz de receber qualquer coisa nova, inesperada, espontânea? Se a vossa mente está repleta do conhecido, haverá espaço para receber alguma coisa procedente do desconhecido? Não há dúvida de que o saber se refere sempre ao conhecido e com o conhecido tentamos compreender o desconhecido, essa coisa que ultrapassa todas as medidas. (A Primeira e Última Liberdade, 1ª ed., pág. 151) (…) O que é eterno não pode ser procurado; (…). Ele se apresenta quando a mente está tranquila; e a mente só pode estar tranquila quando é simples, quando já não está armazenando, condenando, julgando, pensando. Apenas a mente simples pode compreender o Real, e não a mente repleta de palavras, de conhecimentos, de ilustração. A mente que analisa, que calcula, não é uma mente simples. (Percepção Criadora, pág. 106-107)
8. MENTE COMPUTADORA, MEMÓRIA, PROGRAMAÇÃO, REPETIÇÃO
Como já sabemos, a maioria de nós traz o passado para o presente, e o presente se torna mecânico. Se observardes vossa própria vida, vereis quanto é mecânica! Funcionais qual uma máquina, como imitação perfeita do cérebro eletrônico. (…) (O Despertar da Sensibilidade, pág. 151) (…) É preciso, pois, examinar a questão da memória. Memória, conhecimento, experiência, todo o acúmulo de dados científicos e técnicos, são da maior importância quando se trata de executar um trabalho material. (Idem, pág. 151) Nas coisas de que necessitamos para viver, a memória deve funcionar com o máximo de eficiência, qual um cérebro eletrônico. Este é capaz de coisas as mais extraordinárias: pintar, escrever poemas, traduzir, e até dirigir uma orquestra. Mas esse cérebro eletrônico só pode funcionar com os dados que lhe são fornecidos, por associação, etc. (Idem, pág. 151) E, quando se faz uma pergunta ao cérebro eletrônico, devem-se usar termos precisos; senão, ele não responderá. Por isso mesmo, há hoje todo um conjunto de cientistas empenhados em investigar a questão da ação na linguagem; mas não é este o assunto que nos interessa no momento. (Idem, pág. 152) Ora, há máquinas que pensam: os cérebros eletrônicos, os computadores. Nosso pensar se processa de maneira semelhante? É ele reação da memória, que são as experiências armazenadas, individuais e coletivas, reação à qual se junta a reação nervosa? (…) O desafio constituído pela pergunta põe em ação o mecanismo do pensamento e vem então a reação. (…) Ora, de que fundo (background) procede a vossa resposta? ( O Passo Decisivo, pág. 19) Pode-se ver (…) que nossa mente, nosso intelecto, se tornou mecânico. Somos influenciados em todos os sentidos. Tudo o que lemos deixa-nos sua impressão, e toda propaganda, sua marca. O pensamento é sempre convencional e, assim, o intelecto e a mente se tornaram mecânicos, como uma máquina. Exercemos mecanicamente nossas ocupações, mecânicas são nossas mútuas relações, e nossos valores são simplesmente tradicionais. (…) (O Passo Decisivo, pág. 201)
É então muito importante que lancemos uma olhada em nossas relações; não só nas relações íntimas, senão também na relação que estabelecemos com o resto do mundo. (…) Eu posso ser um muçulmano e você (…) um hindu. Minha tradição diz: “Eu sou muçulmano” – tenho sido programado como um computador para repetir “Eu sou muçulmano” – e você repete “Eu sou hindu”. (…) (La Llama de la Atención, pág. 18) O pensamento inventou o computador. Vocês precisam entender a complexidade e o futuro do computador; ele vai superar o homem em seu pensamento, ele vai mudar a estrutura da sociedade e (…) do governo. (…) O computador possui uma inteligência mecânica; ele pode aprender e inventar. O computador vai tornar o trabalho humano praticamente desnecessário – talvez duas horas de trabalho por dia. Essas são as mudanças que estão chegando. (…) (A Rede do Pensamento, pág. 17-18) Quando consideramos a capacidade do computador, então temos de nos perguntar: o que deve fazer o ser humano? O computador vai assumir o comando das atividades do cérebro. E o que, então, acontecerá no cérebro? Quando as ocupações de um ser humano forem assumidas pelo computador, pelos robôs, qual será o destino do ser humano? (Idem, pág. 18) Nós, seres humanos, fomos “programados” biologicamente, intelectualmente, emocionalmente, psicologicamente, durante milhares de anos, e vivemos a repetir o padrão do programa. Nós paramos de aprender e devemos indagar se o cérebro humano (…) será capaz de aprender e transformar-se imediatamente numa dimensão totalmente diferente. (Idem, pág. 18) Se não formos capazes disso, o computador, que é muito mais capaz, rápido e exato, irá assumir o comando das atividades do cérebro. Isso não é uma coisa casual; este é um assunto por demais sério, desesperadamente sério. O computador pode inventar uma nova religião. Ele poderia ser programado por um douto especialista (…). E nós, se não estivermos cônscios do que está acontecendo, seguiremos essa nova estrutura produzida pelo computador. (…) (Idem, pág. 18) (…) Os computadores eletrônicos são muito semelhantes à mente humana, só que nós somos um pouco mais engenhosos – pois somos seus criadores; mas eles funcionam exatamente como nós (…), por meio de reação, repetição, memória. (…) Por conseguinte, o problema urgente é este: Como libertar o intelecto e a mente? Porque, se não há liberdade, não pode haver ação criadora. (…) E isso exige capacidade de raciocinar, de sentir, para quebrarmos a tradição e destroçarmos todas as muralhas que erguemos para nossa segurança. (…) (O Passo Decisivo, pág. 201)
Se penetrardes mais na questão do pensar, alcançareis um estado mental em que dizeis: “Não sei”. (…) Aí é que está a diferença entre o computador eletrônico e a mente humana. (…) “Não sei” representa um extraordinário estado mental, quando realmente o compreendemos. (…) E não é necessário dizermos “Não sei”, para que a mente esteja sempre a aprender, (…) fresca, inocente, jovem? Só a mente jovem diz “Não sei”. (…) (A Suprema Realização, pág. 47) O nosso ego, (…) personalidade (…) é inteiramente formada pela memória (…) Não há nenhum lugar ou espaço onde haja claridade (…). Vocês podem investigar isto: se estiverem indagando seriamente, verão que o “eu”, o ego, é todo memória, lembranças. (…) Nós funcionamos, (…) vivemos da memória. E, para nós, a morte é o fim dessa memória. (A Rede do Pensamento, pág. 104) Qual a função da memória? (…) Esse aprendizado desenvolve a memória, porque precisais dessa memória para poderdes desempenhar satisfatoriamente uma função qualquer. (…) Mas eu temo a memória psicológica: as coisas que me dissestes, as ofensas, as lisonjas, os insultos que me dirigistes. (…) Há, por conseguinte, as imagens que eu formei acerca de vós e as imagens que a meu respeito formastes. Essas memórias se conservam e se acrescentam continuamente. Essas memórias é que irão reagir. Por conseguinte, o pensamento, sendo resultado da memória, é sempre velho; nunca é novo e, portanto, nunca é livre. (…) (Viagem por um Mar Desconhecido, pág. 176) A memória, na forma de conhecimento, de acumulação de experiências, de coisas que o homem vem juntando há milhões de anos – a memória é o passado, consciente ou inconsciente; nela estão depositadas todas as tradições. E com tudo isso vindes para o presente, para o agora e, por conseguinte, não estais realmente vivendo. Estais “vivendo” com as lembranças, as cinzas frias de ontem. Observai a vós mesmos (…). (O Despertar da Sensibilidade, pág. 151 -152) Será bem formada a mente que repete, como um gramofone, tudo o que lhe foi dito? Nisto tem consistido a nossa educação. Conhecer fatos, datas, citá-los uma vez por ano, na ocasião dos exames. Podemos chamar isso de cultivo de uma mentalidade criadora? (…) Mas o simples acúmulo de conhecimentos, sinônimo de desenvolvimento da memória, é apenas um processo aditivo. Ele não forma um espírito lúcido, criterioso (…). (Ensinar e Aprender, pág. 111) Entretanto, uma boa memória tem o seu valor, não só para a lembrança de certas coisas, mas para o preparo técnico ou especializado. Então, em que
ponto a memória interfere com uma mente sã, apta a explanar, investigar, descobrir? Que relação existe entre a memória e a autêntica liberdade? (Idem, pág. 111) Consideremos o problema de outra maneira. A memória, sem dúvida, é tempo (…). Isto é, (…) cria o ontem, o hoje, o amanhã. A memória de ontem condiciona o hoje e, portanto, molda o amanhã. Isto é, o passado, através do presente, cria o futuro. (…) Assim, através do tempo, esperamos alcançar o atemporal, (…) o eterno. (…) Pode-se captar o eterno na rede do tempo, por meio da memória, que pertence ao tempo? (A Arte da Libertação, pág. 114) O atemporal só pode ter existência quando cessa a memória, que é o “eu” e o “meu”. Se percebeis a verdade aí contida – isto é, que através do tempo não se pode compreender ou captar o atemporal – podemos então entrar no problema da memória. A memória de coisas técnicas é essencial; mas a memória psicológica, a que mantém o “eu” e o “meu”, a que dá identificação e continuidade pessoal, essa é de todo prejudicial à vida e à realidade. (…) (Idem, pág. 114) São sutis as atividades de acumulação; a acumulação é a afirmação do “eu”, tal como o é a imitação. Chegar a uma conclusão é erguer uma muralha ao redor de si mesmo, uma proteção segura, que impede a compreensão. (…) (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 249) Quando não há acumulação, não existe o “eu”. Uma mente oprimida pela acumulação é incapaz de acompanhar o célere movimento da vida, (…) de uma vigilância profunda e flexível. (Idem, pág. 249-250) A função do cérebro é registrar, como o faz um computador. Ele registra o prazer, e o pensamento o provê de energia e de impulso para perseguir o prazer. (…) Então o pensamento diz que tem de haver mais, e persegue esse “mais”. (…) É possível registrar só aquilo que é absolutamente necessário e nenhuma outra coisa? Nós registramos continuamente tantas coisas desnecessárias, e desse modo erigimos a estrutura do “eu”, do “mim” mesmo – “eu” me sinto ofendido; “eu” não sou o que deveria ser (…). A totalidade desse registrar é uma ação que outorga importância ao “eu”. (…) (La Totalidad de la Vida, pág. 201) A atividade de acumular, adicionar, é obstáculo à compreensão do Real. Onde há acumulação, há vir-a-ser do “ego”, que causa conflito e dor. O desejo acumulador, que busca o prazer e evita o sofrimento, é um vir-a-ser. A vigilância não é atividade de acumulação, porquanto está sempre descobrindo a verdade, e a verdade só pode existir onde não houver acumulação, (…) imitação. Um esforço da parte do “ego” não pode nunca trazer-nos liberdade,
uma vez que todo esforço implica resistência, e só é possível dissolver a resistência se houver vigilância imparcial, discernimento livre de esforço. (…) A percepção da verdade é libertadora (…). (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 268-269) A meditação é a purificação da mente de todas as suas acumulações; é expurgá-la da capacidade de adquirir, de identificar, de vir a ser; expurgá-la da expansão do “eu”, do preenchimento do “eu”. A meditação é o libertar a mente da memória, do tempo. O pensamento é produto do passado (…). O pensamento é a continuidade dessa atividade acumuladora que é o vir-a-ser, e nenhum resultado é capaz de compreender ou sentir aquilo que não tem causa. O que se pode formular não é o Real, e a palavra não é a “experiência”. A memória, a criadora do tempo, é um obstáculo entre nós e o Atemporal. (Idem, pág. 269) A memória, como processo identificador, empresta continuidade ao ego. A memória, pois, é uma atividade circunscrita e estorvante. Sobre ela está edificada toda a estrutura do ego. Estamos considerando a memória psicológica, não a memória relativa à linguagem, aos fatos, ao desenvolvimento de uma técnica, etc. Toda a atividade do ego é um obstáculo no caminho da verdade; (…). (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 269-270) O conhecimento condicionado é um empecilho a que conheçamos a Realidade. Vem-nos a compreensão depois de cessarem todas as atividades da mente – quando ela estiver de todo livre, silenciosa, tranquila. O ansiar é sempre atividade acumuladora e dependente do tempo; o desejo de um objetivo, (…) de saber, de experiência, desenvolvimento, preenchimento, até mesmo o desejo de Deus ou da Verdade, é um empecilho. Deve a mente expurgar-se de todos os empecilhos por ela criados, para que surja a suprema sabedoria. (Idem, pág. 270) Desse modo, você está cônscio da extensão em que seu cérebro está sendo programado? (…) Se está ciente de que está programado, condicionado, você pergunta: “Foi o conhecimento que me condicionou?” Aparentemente foi. Então por que é que a estrutura da psique é essencialmente baseada no conhecimento? Você entende? A psique, o “mim”, o “eu”, é essencialmente um movimento do conhecimento, (…) que é uma série de memórias. (The World of Peace, pág. 20-22) O que é necessário registrar e o que não é necessário registrar? O cérebro está ocupado todo tempo registrando e, portanto, não há tranqüilidade, (…) quietude; ao passo que, se há claridade com relação ao que se deve e ao que não se deve registrar, então o cérebro está mais quieto – e isso é parte da meditação. (La Totalidad de la Vida, pág. 201)
Registrar só o que é absolutamente indispensável (…). É algo maravilhoso (…), porque então há verdadeira liberdade – liberdade com relação a todo o conhecimento acumulado, à tradição, à superstição e à experiência, coisas que têm edificado esta enorme estrutura à qual o pensamento se aferra em sua condição de “eu”. Quando o “eu” está ausente, surge a compaixão, e essa compaixão traz consigo claridade. Com essa claridade, há entendimento. (Idem, pág. 202) Onde há registro desnecessário, não há amor. Se se quer compreender a natureza da compaixão, há de se investigar o problema do que é o amor, e descobrir se existe amor sem nenhuma forma de apego, com todas as complicações, (…) prazeres e temores associados ao apego. (Idem, pág. 202)
9. INTELECTO, ERUDIÇÃO, SAPIÊNCIA; MEDIOCRIDADE, TALENTO
Acho necessário compreender todo o mecanismo do pensamento porque, se não o compreendermos, haverá inevitavelmente irracionalidade, pensar desequilibrado, e isso, naturalmente, não é uma maneira saudável de pensar. Precisamos de uma razão clara, de pensamento lógico, preciso. (…) (A Mutação Interior, pág. 72) Porque a mente, o cérebro é incapaz de – verdadeira, desapaixonada e objetivamente – olhar, observar, sentir, perceber, com perfeito equilíbrio, de maneira sã, não pode evidentemente ir muito longe. Assim, cumpre-nos descobrir o que é pensar e, ao mesmo tempo, descobrir a contradição existente entre o pensador e o pensamento. Enquanto existir essa contradição, é inevitável o esforço e, por conseguinte, o conflito. (Idem, pág. 72-73) O pensamento é sempre particular, limitado, dividido; em si mesmo, ele é incompleto e não pode jamais tornar-se completo. (…) O que (…) o pensamento crie, filosófica ou religiosamente, é ainda parcial, limitado, fragmentário, e é parte da ignorância. (…) (Perguntas e Respostas, pág. 66) A experiência que se acumula no cérebro como memória é o conhecimento, e a reação a essa memória é o pensar. O pensamento é um processo material – nada há de sagrado nele. A imagem que adoramos como algo sagrado continua sendo parte do pensamento. O pensamento é sempre dividido, separativo, fragmentário, (…) jamais é completo acerca de nada. (…) (La Llama de la Atención, pág. 85) Todas as nossas ações se baseiam no pensamento; portanto, toda essa ação é limitada, fragmentária, dividida, incompleta – jamais pode ser holística. O pensamento, quer seja do maior dos gênios – pintores, músicos, cientistas – ou o insignificante pensamento de nossa atividade cotidiana, é sempre limitado, fragmentário, dividido. Qualquer ação que nasça desse pensamento tem de originar conflito. (…) (Idem, pág. 85) O intelecto tem o poder de raciocinar, de reunir dados, qual um computador, para funcionar de forma objetiva e sã. (…) Ele examina, explora. Mas, se o intelecto está condicionado por exigências e preconceitos pessoais, (…) por seu meio cultural, ele é incapaz de explorar, (…) de compreender. O intelecto
jamais descobrirá a solução desses problemas. (O Novo Ente Humano, pág. 94) O intelecto, a mente, como tal, só é capaz de repetir, de recordar-se, e está sempre fabricando palavras novas e reajustando palavras velhas; (…) vivemos apenas de palavras e repetições mecânicas. Isso, evidentemente, não é criação (…). (A Educação e o Significado da Vida, pág. 146) (…) Porque a intelectualidade, sem aquela força criadora da realidade, não tem significação alguma; só leva à guerra, a mais misérias e sofrimentos. É possível, pois, a existência daquele estado criador, ao mesmo tempo em que está funcionando a mente mecânica, a mente técnica? Uma coisa exclui a outra? (Poder e Realização, pág. 86) Só há exclusão do Real, sem dúvida, quando o intelecto, que é a parte mecânica, assume a máxima importância; quando as idéias, as crenças, os dogmas, as teorias, as invenções do intelecto se tornam sumamente importantes. Mas, quando a mente se acha em silêncio e a realidade criadora se manifesta, então a mente ordinária tem significação de todo diferente. (…) (Idem, pág. 86) (…) A mente ordinária, então, estará também numa revolta contínua contra a técnica, o “como”. Consequentemente, ela não mais pedirá o “como” e não mais se preocupará com a virtude. A mente silenciosa, (…) que se acha num estado de completa tranquilidade, (…) que é o desconhecido, a força criadora do real, essa mente não necessita de virtude. Porque, nesse estado, nunca há luta. Só a mente que luta para “vir a ser” necessita de virtude. (Idem, pág. 86) Assim, pois, enquanto atribuirmos exagerada importância ao intelecto, à mente que adquire saber, ilustração, experiência e lembranças, não existirá a “outra coisa”. Pode-se, em certas ocasiões, ter rápidas visões da “outra coisa”; mas essas visões são reduzidas imediatamente às medidas do tempo, resultando daí o desejo da repetição das experiências e o fortalecimento da memória. (…) (Idem, pág. 86-87) (…) Ser apenas prendado ou talentoso em alguma área, isso, evidentemente, não indica capacidade de criar. Acho que a ação criadora nasce da capacidade de ver a vida como uma totalidade e não fragmentariamente, de pensar e sentir como um ente humano completamente integrado. (…) (Visão da Realidade, pág. 74) A paz não é uma idéia oposta à guerra. A paz é um modo de vida; (…) porque só haverá paz quando compreendermos o viver de cada dia. (…) O culto do intelecto, em oposição à vida, conduziu-nos à atual frustração, com suas inumeráveis vias de fuga. Essas vias de fuga se tornaram muito mais
importantes do que a compreensão do próprio problema. (A Arte da Libertação, pág. 248) A presente crise nasceu do culto do intelecto, e foi o intelecto que dividiu a vida numa série de ações opostas e contraditórias; foi o intelecto que negou o fator de unificação que é o amor. (Idem, pág. 248) O intelecto encheu o nosso coração, que estava vazio, com as coisas da mente; e só quando a mente está cônscia do seu próprio raciocinar, é capaz de se transcender a si mesma; só então haverá o enriquecimento do coração. Só o incorruptível enriquecimento do coração pode trazer paz a este mundo louco e cheio de lutas. (Idem, pág. 248) Pergunta: É verdade que não podemos servir-nos da razão para descobrir o que é verdadeiro? Krishnamurti: Senhor, que se entende por razão? A razão é pensamento organizado, como a lógica são idéias organizadas (…). E o pensamento, por mais inteligente, (…) vasto, (…) erudito que seja, é limitado. (…) O pensamento nunca pode ser livre. O pensamento é reação, reação da memória; é “processo” mecânico. Ele poderá ser razoável, (…) ser são, (…) ser lógico, mas é limitado. (O Passo Decisivo, pág. 197) É como os computadores. E o planejamento nunca pode descobrir o que é novo. O intelecto adquiriu, acumulou (…) experiências, reações, lembranças; e quando essa coisa pensa, está condicionada e, portanto, não pode descobrir o novo. Quando, porém, esse intelecto compreendeu todo o processo da razão, da lógica, do investigar, do pensar – não rejeitou, mas compreendeu – então ele se torna quieto. (…) E então esse estado de quietude pode descobrir o que é verdadeiro. (Idem, pág. 197) A compreensão provém do saber? Ou o saber impede a compreensão criadora? Parecemos pensar que, se acumulamos fatos e conhecimentos, se possuímos um saber enciclopédico, ficaremos livres dos grilhões que nos prendem. Isso simplesmente não é verdadeiro. O antagonismo, o ódio e a guerra não deixaram de existir (…). O saber não é necessariamente um preventivo contra essas coisas; pelo contrário, pode estimulá-las e favorecêlas. (…) (Reflexões sobre a Vida, pág. 226-227) Embora haja atualmente tanto saber, em tão variados campos, isso não fez cessar a brutalidade do homem para com o homem, mesmo entre membros do mesmo grupo, nação ou religião. É possível que o saber nos esteja tornando cegos para um outro fator, que bem pode representar a solução real de toda esta confusão e miséria. (Idem, pág. 227)
A paixão pelo saber é como outra paixão qualquer; oferece uma fuga aos terrores do vazio, da solidão, da frustração, do ser nada. A luz do saber é um manto suntuoso, debaixo do qual está a escuridão (…). A mente tem pavor a esse desconhecido e, por essa razão, foge para o saber, (…) as teorias, as esperanças, a imaginação; e justamente esse saber constitui obstáculo à compreensão do desconhecido. (…) A compreensão do “eu” é a libertação das prisões do saber. (Comentários sobre o Viver, pág. 24) Sempre nos aplicamos a uma coisa armados de saber, (…) de conclusões já formadas, e com esses padrões de pensamento atravessamos a existência; o saber, por conseguinte, se torna um obstáculo ao descobrimento da Verdade. Se desejo conhecer a verdade a respeito de mim mesmo, tenho de descobrir a mim mesmo, a cada minuto, exatamente como sou, e não como fui ou como desejo ser. (Viver sem Temor, pág. 15) Assim, pois, a mente que quer descobrir o que é verdadeiro, tem de estar livre do saber. Se observardes, porém, vereis que vossa mente está sempre a acumular conhecimentos, a armazenar conhecimentos (…) Nossas mentes nunca estão livres para serem tranquilas, porque estão repletas de conhecimentos, de saber. Sabemos demais, mas na verdade nada sabemos sobre coisa alguma, e com essa imensa carga às costas queremos ser livres. (Idem, pág. 15-16) Mas o fato é que não estamos cônscios disso; e (…) resistimos, por acharmos que o saber é essencial à libertação. Ora, por certo, o saber é um empecilho, um obstáculo ao descobrimento do que é verdadeiro. A Verdade tem de ser uma coisa viva, totalmente nova a cada segundo; e como pode a mente que acumula saber, conhecimento, compreender o que é desconhecido? Chamai-o Deus, (…) Verdade (…). (Idem, pág. 16) (…) Também, para fugir de nós mesmos, a instrução se torna extraordinariamente importante; mas o saber, evidentemente, não é o caminho da realidade. A mente precisa estar de todo vazia e tranquila, para que a realidade possa despontar. Mas uma mente que vive alardeando o seu saber, uma mente afeiçoada a idéias e crenças, e sempre a tagarelar, essa mente é incapaz de receber “o que é”. (…) (Nós Somos o Problema, pág. 66-67) É bem claro que a erudição e o saber representam um empecilho à compreensão do que é novo, do infinito, do eterno. Positivamente, a aquisição de uma técnica perfeita não nos faz criadores. Podeis saber pintar maravilhosamente, dominar a técnica, mas talvez não sejais um pintor criador. Podeis saber escrever poemas, com a máxima perfeição técnica, mas é possível que não sejais poeta. (Solução para os nossos Conflitos, pág. 25)
Ser poeta implica a capacidade de receber coisas novas, ter sensibilidade para o que é novo, original. Mas, para a maioria de nós, o saber, a erudição, se tornou devoção, e julgamos que com o saber seremos criadores. Uma mente abarrotada de fatos e saber é capaz de receber o que é novo, súbito, espontâneo? Se vossa mente está repleta do conhecido, haverá nela espaço para receber o que vem do desconhecido? Certo, o saber vem-nos sempre do conhecido; e com o conhecido queremos compreender o desconhecido, o imensurável. (Idem, pág. 25) Positivamente (…) é preciso que haja a eliminação, pelo entendimento, do processo do conhecido. (…) A sua natureza mesma está fixada no conhecido, no tempo; e como pode uma mente em tais condições, cujos alicerces se assentam no passado, no tempo, ter a experiência do atemporal? (…) Só pode vir à existência o desconhecido quando o conhecido é compreendido, dissolvido, posto de parte. (…) (Idem, pág. 26) Quando dizemos que a erudição ou o saber é um empecilho, não nos referimos ao conhecimento técnico – saber dirigir um automóvel, manejar uma máquina – ou à eficiência proporcionada por tal conhecimento. Temos em mente coisa muito diversa: aquele sentimento de felicidade criadora que nenhuma soma de saber ou erudição nos pode dar. (…) (Idem, pág. 27) Era um homem instruído, versado em literatura clássica, e que costumava fazer citações dos antigos em abono dos seus próprios pensamentos. Seria mesmo de admirar que ele tivesse pensamentos independentes dos livros. Naturalmente, não há pensamento independente; todo pensamento é dependente, condicionado. (…) Pensar é ser dependente; o pensamento não pode, nunca, ser livre. (…) (Comentários sobre o Viver, pág. 166) (…) Mas aquele homem dava muita importância à erudição; estava carregado de saber, e o erguia bem alto. Começou logo falando em sânscrito e ficou muito surpreso e até um pouco chocado, ao ver que o sânscrito não era entendido. (…) (Idem, pág. 166) É singular a importância que damos à palavra impressa, aos chamados livros sagrados. Os letrados, assim como os leigos, são gramofones; repetem sempre as mesmas coisas, embora se mudem os discos; importa-lhes o saber, e não o viver, o experimentar. O saber é um empecilho ao experimentar. (…) O saber é um apego, como a bebida; o saber não traz compreensão. O saber pode ser ensinado, a sabedoria não; precisa-se estar livre do saber, para que venha a sabedoria. (…) (Idem, pág. 167) Aquele homem se considerava vastamente erudito e, para ele, o saber era a própria essência da vida. A vida sem o saber era pior do que a morte. Seu
saber não se cingia a uma ou duas matérias, mas abarcava muitos aspectos da vida; (…). Tinha um orgulho extraordinário de seu saber e, como bom exibicionista, usava-o para impressionar; diante dele, os outros se calavam, respeitosos. Como nos espanta o saber, e que reverente respeito tributamos ao homem que sabe! (…) (Comentários sobre o Viver, 1ª ed., pág. 203-204). O saber condiciona. O saber não dá liberdade. (…) O saber não é fator criador, pois o saber é contínuo, e o que tem continuidade nunca pode levar ao implícito, ao imponderável, ao desconhecido. O saber é um empecilho ao manifesto, ao desconhecido. O desconhecido não pode ser vestido com o conhecido. (…) (Idem, pág. 204) Há descobrimento, não quando a mente está repleta de saber, mas quando o saber está ausente; só então há quietude e espaço, e nesse estado é que se realiza a compreensão, o descobrimento. Não há dúvida de que o saber é útil, no seu nível próprio; noutro nível, porém, ele é positivamente nocivo. Quando o saber é utilizado como meio de autoglorificação, para nos encher de vento, ele é então danoso, gerando divisão e inimizade. A expansão do “eu” (…) é desintegração. (…) (Idem, pág. 204) Pergunta: Por que será que quase todos os seres humanos, salvo seus talentos e capacidades, são medíocres? Eu sei que sou medíocre (…) Krishnamurti: Você está cônscio de que é medíocre? (…) Os grandes pintores, (…) músicos, (…) arquitetos, têm capacidade e talentos extraordinários, mas em sua vida quotidiana são como você e eu, como qualquer outra pessoa. (…) (Perguntas e Respostas, pág. 118) (…) Se você está cônscio de que é medíocre, o que isso significa? Você pode ter grande talento como escritor, escultor, músico, professor, mas isso tudo é um adorno exterior, uma aparência exterior, que esconde uma pobreza interior. Sendo pobres interiormente, estamos sempre nos esforçando por ser algo mais nobre. (Idem, pág. 118) (…) As tentativas de preencher essa insuficiência (…), tudo isso é um ato de mediocridade. A sensação de mediocridade aparece como respeitabilidade exterior. E existe outro tipo de revolta contra a mediocridade: os hippies, os cabeludos, os barbudos, os últimos marginais. O mecanismo é o mesmo. (…) (Perguntas e Respostas, pág. 118) (…) Ou você se integra numa comunidade, pois interiormente não há nada em você; integrando-se, você se torna importante, e há ação. Quando você está cônscio dessa mediocridade, dessa total sensação de insuficiência, dessa sensação de frustrante solidão profunda, você percebe que ela está oculta em todo tipo de atividades. (…) (Idem, pág. 118-119)
Essa mediocridade, que todos nós parecemos ter, pode ser rompida quando não há sensação de comparação, de mensuração. Isso lhe dá uma liberdade imensa. Quando há liberdade psicológica completa, não há sensação de mediocridade. Você está inteiramente fora dessa classe – existe então um estado mental totalmente diferente. (Perguntas e respostas, pág. 119) Em geral, vivemos num ambiente de agressão, violência, brutalidade e, como os que nos rodeiam, somos impelidos pela ambição, pelo impulso de preencher-nos. Qualquer talento que tenhamos – qualquer insignificante capacidade para pintar quadros, escrever poemas, etc. – exige “expressão”, e disso fazemos uma coisa de enorme importância, por meio da qual esperamos conquistar glória ou renome. Em graus diferentes, tal é a vida de todos nós, com todas as suas satisfações, frustrações e desesperos. (Experimente um Novo Caminho, pág. 51) O talento pode tornar-se uma maldição. O “eu” pode servir-se de nossas capacidades para sua proteção própria, e o talento se torna então o meio de glorificação do “eu”. O homem bem dotado poderá oferecer os seus dotes a Deus, conhecendo o perigo que eles representam; mas esse homem está cônscio dos seus dotes, pois do contrário não iria oferecê-los, e é essa consciência de ser ou de ter alguma coisa que precisa ser compreendida. A oferenda do que uma pessoa é ou tem, com o propósito de ser humilde, é vaidade. (Reflexões sobre a Vida, pág. 224) Pergunta: Sou inventor, e acontece que inventei várias coisas que foram utilizadas nesta guerra. Considero-me infenso ao assassínio, mas que fazer de minha capacidade? (…) O espírito inventivo me impulsiona. Krishnamurti: Qual dos dois problemas – segundo o vosso pensar-sentir – é mais importante (…): o poder de matar ou a capacidade inventiva? (…) (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 88-89) (…) Se só vos interessa o inventar, a mera expressão do vosso talento, deveis então descobrir por que lhe atribuís tanta importância. A vossa capacidade não vos proporciona uma via de fuga da vida, da realidade? Não é então o vosso talento uma barreira às relações com os semelhantes? (Idem, pág. 89) Ser é estar em relação, e nada pode existir no isolamento. Assim, pois, sem autoconhecimento, a vossa capacidade inventiva torna-se perigosa para o próximo e para vós mesmo. (Idem, pág. 89) Vossa profissão contribui para o extermínio de vosso semelhante? (…) Se o resultado final da presente civilização é o assassínio em massa, que significação tem o vosso talento? (…) (Idem, pág. 89)
Precatai-vos do mero talento. Com autoconhecimento, o anseio de preenchimento pessoal se transforma. O anseio de preenchimento traz a sua própria frustração e desilusão, porquanto o desejo de preenchimento pessoal resulta da ignorância. (Idem, pág. 89-90) O fato é que existe essa complexidade, e pretendemos alterar o fato em termos de tempo, e não em termos de existência. Isto é o que se chama mediocridade. Não estou empregando essa palavra comparativamente, isto é, entendendo que um homem deve ser inteligente, mais brilhante, mais genial, mais apto para criar. (…) Entretanto, se a traduzis em termos de mais e de menos (…) ficareis extraviados (…). (O Problema da Revolução Total, pág. 39) (…) A mente medíocre é incompleta. Não falo agora da mente que quer ser mais; mais inteligente(…); da mente que não é criadora e por isso luta para ser criadora: escrever poemas (…). Estou falando da mente que é medíocre. Agora, vereis (…) que a mente pede logo uma definição: “que é medíocre”? De posse da definição, refletireis de acordo com ela e a aceitais ou rejeitais. (…) (Idem, pág. 39-40) Cumpre-nos, por conseguinte, investigar o que é “mediocridade” – não a definição, não “como tornar a mente que é medíocre (…) diferente do que é”. Temos realmente de descobrir por nós mesmos o que é mediocridade, e não como nos tornarmos menos ou mais medíocres; (…). E a mente que não está procurando tornar-se algo seria essa mente medíocre, estacionária? (…) (Idem, pág. 40) Da investigação sobre o que é mediocridade, resulta a pergunta: “Que é criação?” Se um homem pinta um quadro, escreve poemas, profere uma conferência, ou utiliza seus poderes como meio de compelir outros, a fim de tornar mais importante a sua pessoa – isso é criação? Ou criação é coisa totalmente diversa? (…) (O Problema da Revolução Total, pág. 41) Quando a mente compara – porque, em razão do seu temor ou seu desejo de certeza, ou de mais segurança econômica, ela deseja “vir a ser” – não está aí a mente medíocre, vale dizer, a mente medrosa? Enquanto houver temor, tem de haver comparação, (…) o processo de “vir a ser”, da imitação, do ajustamento. Não é, pois, a mediocridade o estado próprio da mente que (…) encontra aí um modo fácil de apaziguar o seu descontentamento? (Idem, pág. 42-43) Não é, pois, medíocre a mente que sempre se está esforçando por “vir a ser”, não só neste mundo aquisitivo, mas também no chamado mundo espiritual, que subentende o princípio hierárquico? – “Vós sabeis e eu não sei; vós sois o guru que me guia (…)”. Todo esse processo mental denota um espírito medíocre. O “vir a ser”, fora do que é – “Sou pequeno; sou ignorante; sou isto e
quero tornar-me aquilo, (…) o mais excelente” (…); esse perene vir-a-ser, no desejo de mais, (…) não é a causa de todo descontentamento? (…) (Idem, pág. 43) (…) Vosso próprio desejo de transformar a vossa mente medíocre numa coisa superior, vos está impedindo de ser criador – não a criação que consiste em escrever poemas, por mais geniais e mais maravilhosos que sejam. Aquela criação que é atemporal, não ligada a nenhum (…) grupo, (…) religião; que é a Verdade, (…) Deus, (…) aquela criação não pode ser alcançada pela mente medíocre. A criação, porém, só vem quando a mente está frente a frente com o fato, e quieta. (Idem, pág. 44) O fato da mediocridade, e a mente em presença desse fato, sem ter o desejo de alterá-lo, constitui o “estado de ser” em que se dissolve a mediocridade. Mas isso requer grande vigilância por parte da mente, e não se pode estar vigilante quando há medo (…). O medo nos torna embotados, priva-nos da inteligência. (…) (Idem, pág. 44-45) Pergunta: Como posso deixar de ser medíocre? Krishnamurti: Em primeiro lugar, precisais saber o que é mediocridade (…). Os homens medíocres podem possuir carros luxuosos, residências suntuosas, ou podem viver num cortiço. Podem ter certa pujança mental, e em geral a têm. (…) (Visão da Realidade, pág. 223) (…) Se reconheço que sou medíocre, estúpido, obtuso, e quero tornar-me menos medíocre, mais inteligente, mais instruído, essa própria exigência de mais, esse esforço para tornar-me mais, não denota um estado mental medíocre? (..) (Idem, pág. 223) A mente que tem um motivo, que persegue o ideal, a coisa que ela acha deveria ser, a mente que se está disciplinando, controlando, moldando, que está lutando para ser diferente do que é – essa mente não é medíocre? (…) Reconhecendo-se medíocre, estúpida, obtusa, ávida, invejosa, ambiciosa, cruel, etc., a mente diz: “Preciso tornar-me não medíocre”; e esse esforço (…) não é a essência mesma da mediocridade? (Idem, p. 223) (…) No esforço para se tornar alguma coisa, a mente foge do fato real para o ideal (…). Estais a perseguir, a adorar o ideal que “projetastes”. Por essa razão, nunca há (…) riqueza criadora, (…) vossa energia está sendo dissipada constantemente na luta para vos preencherdes, chegardes a ser alguma coisa. (Idem, pág. 223-224) (…) Mas se, ao contrário, puderdes viver com isso que percebeis que é estúpido, e compreendê-lo, penetrá-lo completamente, sem o julgardes nem
condenardes, vereis, então, que há de surgir um estado completamente diferente; isso, porém, exige atenção total, e não a distração que é o esforço de “vir a ser alguma coisa”. (Idem, pág. 225) Quando a mente está livre do “conhecido”, ela é uma mente nova, uma mente “inocente”. Acha-se num estado de criação, imensurável, inominável, fora do tempo. (…) Ele não pode ser “chamado”, porque uma mente medíocre não pode chamar a si a imensidade. Toda mediocridade deve acabar, e existirá então “outro estado”. A mente não pode imaginar aquele estado de imensidade. (…) (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 229-230) (…) Para mim o gênio é a pessoa que distingue a sua meta, cujo entusiasmo está sempre vivo, que marcha firmemente para o seu alvo, que luta incessantemente para conservar clara a Visão, que nunca se deixa abater pelas coisas insignificantes da vida, por perturbações mundanas ou familiares, mas que durante todo o tempo está empurrando essas coisas para o lado e tentando conservar a Visão sempre diante de si clara e pura. Ao passo que o homem ordinário, burguês, é asfixiado pelo mundo; ele não vê a Visão, mas, ao contrário, sucumbe à influência do meio (…). (O Reino da Felicidade, pág. 15)
10. CLASSES, ISOLAMENTO, COMPLEXO, AUTO-IMAGEM DO EGO
Agora, se atentardes bem, vereis que esta sociedade está baseada no espírito de classe, que é, ainda, espírito de segurança. (…) Assim como as crenças separam as pessoas, limitam-nas, conservando-as divididas, assim também a possessividade, expressando-se sob a forma de espírito de classe e transformando-se em nacionalismo, separa as pessoas. (…) (Palestras em Auckland, 1934, pág.20) Para compreender a violência, cumpre haver percepção clara da violência (…). O nacionalismo, o antagonismo de classe, o espírito de aquisição, a desenfreada ambição de poder, as inumeráveis crenças (…) eis os fatores da violência. (O Caminho da Vida, pág. 19) O apetite de ganho, que é a base de nossa atual civilização, dividiu o homem contra o homem. Em nosso desejo de possuir, de dominar as idéias, os sentimentos e o trabalho alheios, fizemos uma separação de nós mesmos em classes, governos de classe, lutas de classe, guerras de classe, (…). (Idem, pág. 19) E há também a luta de classes – não emprego a expressão “luta de classes” no sentido comunista, mas tão somente para constatar um fato, sem interpretá-lo seja de que maneira for. Vê-se a divisão das religiões (…). (Da Solidão à Plenitude Humana, pág. 50) (…) Ao verdes que a distinção de classe é coisa falsa, que ela cria conflito, sofrimento, divisão entre pessoas – ao perceberdes essa verdade, ela própria vos liberta. A percepção mesma dessa verdade é transformação (…). (O que te fará Feliz?, pág. 128) Por conseguinte, a compreensão da natureza do conflito exige, não a compreensão de vosso conflito individual, porém a compreensão do conflito total, (…) esse conflito total que inclui o nacionalismo, as diferenças de classe, a ambição, a avidez, a inveja, o desejo de posição e prestígio, o desejo de poder, de domínio, o sentimento de medo, de culpa, de ansiedade (…) – a totalidade da vida. (…) Uma de nossas dificuldades é que funcionamos fragmentariamente, cada um numa só seção ou parte – como engenheiro, artista, cientista, negociante, advogado, físico – como entidade dividida,
fragmentária. E cada fragmento está em guerra com outro fragmento, desprezando-o ou sentindo-se superior a ele. (Viagem por um Mar Desconhecido, pág. 25) Ora, se examinarmos a nossa vida, as nossas relações com os outros, veremos que são um processo de isolamento. (…) Vivemos em relação com alguém só enquanto essa relação nos satisfaz, (…). Mas, no momento em que ocorre em nossas relações uma perturbação que gera desconforto em nós, abandonamos essas relações. (Novo Acesso à Vida, pág. 143) (…) Assim, se examinarmos as nossas vidas e observarmos as nossas relações, vemos que elas constituem um processo em que levantamos resistência uns contra os outros, em que erguemos uma muralha, por cima da qual olhamos e observamos os outros; mas conservamos sempre a muralha e permanecemos atrás dela, quer seja uma muralha psicológica, quer seja uma muralha material, uma muralha econômica, uma muralha nacional. (Idem, pág. 144) Se prestais atenção ao que estou dizendo e o seguis sem esforço, encontrareis a solução correta; e o descobrimento da solução correta é a revolução no centro. (…) Para a maioria de nós existe um centro, que é o “eu”, o “ego” (…). E o fazer cessar completamente esse centro é a única revolução verdadeira; (…). (Percepção Criadora, pág. 27) Devemos tomar o conteúdo de nossa consciência e olhá-lo. A quase todos nós nos recalcam desde a infância (…). E quando o indivíduo se sente ferido, constrói um muro ao redor de si mesmo. E a conseqüência disso é que nos isolamos mais e mais (…). As ações que procedem desse trauma psicológico são obviamente neuróticas. (…) Quando digo: “Estou ferido” – não fisicamente, senão internamente, psicologicamente, na psique – que é que se sente magoado? Não é por acaso a imagem, a representação (conceito) que o indivíduo tem de si mesmo? (…) (La Llama de la Atención, pág. 16) (…) Todos temos uma imagem de nós mesmos: um vê-se como grande homem, ou como homem muito humilde; outro acha-se um grande político, com todo o orgulho, a vaidade, o poder, a posição; e isso cria a imagem (…) de si mesmo. Se possuímos um título de doutor ou somos dona-de-casa, temos a correspondente imagem de nós mesmos. Cada um tem uma imagem de si mesmo (…). O pensamento criou essa imagem e é ela que fica magoada. É possível, então, não ter nenhuma imagem de si mesmo? (Idem, pág. 16) Por conseguinte, muito depende de considerar o problema (…). Cada um de nós tem uma imagem de si mesmo, em geral uma imagem algo lisonjeira, e
dessa base é que olhamos a coisa que nos causa dor ou prazer. (O Descobrimento do Amor, pág. 94) Tendes, pois, uma imagem de vós mesmos – como sois, ou como deveríeis ser ou deveis ser – e dessa imagem olhais a coisa que se chama “problema”. Há, pois, a imagem e o problema, e procurais então “aproximar” a imagem ao problema, ou interpretais o problema de conformidade com o padrão estabelecido por essa imagem. (…) (Idem, pág. 94-95) Pois bem. O problema nunca será resolvido enquanto a imagem existir – a imagem do que deveríeis ser, ou a imagem de si própria que a mente criou, graças a seu saber, à história, à tradição de família, a todas as formas de experiência. Estais cônscio, não da imagem, porém do problema, enquanto o que aqui estamos tentando fazer não é resolver o problema, porém, sim, (…) a estrutura da imagem; porque, se nenhuma imagem tivermos de nós mesmos, podemos resolver o problema. (Idem, pág. 95) O indivíduo, em geral, tem de si próprio a imagem de que é um ser humano extraordinário, ou um homem mal sucedido na vida, um infeliz que precisa preencher-se, ou um homem vaidoso, ambicioso – bem sabeis que imagens a maioria das pessoas têm de si próprias. (…) Ora, se eu tenho uma imagem de mim mesmo, essa imagem terá de contradizer os fatos da existência diária, e só sou capaz de olhar os fatos diários com os olhos dessa imagem. Por conseguinte, o problema é criado pela imagem e não pelo próprio fato. (Idem, pág. 95) Quando somos inferiores, temos o impulso de sentir-nos superiores; (…). Quer dizer: por mim mesmo, sou insignificante, vazio, superficial, e por isso desejo máscaras: (…) a máscara da superioridade e da nobreza, (…) da seriedade, (…) a máscara com a qual afirmamos procurar a Deus. (…) (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 209-210) (…) Um homem que é feliz, que ama, não ambiciona posses, não se entusiasma pelo bom êxito, pelo poder, pela posição ou pela autoridade. Os infelizes, os aflitos, é que buscam o poder e o bom êxito como refúgios de sua própria insuficiência. (…) (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 131) Como é estranho o desejo de se exibir ou de ser alguém. Invejar é odiar, e a vaidade corrompe. Como é difícil a simplicidade e a autenticidade! A autenticidade é, em si, uma tarefa das mais árduas, ao passo que o desejo de se tornar alguém oferece pouca dificuldade. É muito fácil fingir ou representar, mas é extremamente complexo sermos aquilo que somos; (…). Portanto, se formos inteligentes, abriremos mão da pretensão de sermos alguém ou alguma coisa. (Diário de Krishnamurti, pág. 165)
Portanto, é extremamente difícil sermos o que somos. (…) Mas, para que procedamos assim, para que deixemos de ser alguém, é preciso desvendar a nossa face oculta, expô-la sem medo, a fim de a compreendermos. A compreensão de nossas ânsias e desejos ocultos vem da plena consciência deles (…); dessa forma, o puro ato de ver destrói aquela estrutura psicológica, libertando-nos do sofrimento e do desejo de ser alguém. (…) (Idem, pág. 166) Agora, o interrogante deseja saber (…). Servimo-nos das coisas, das posses, não como meras necessidades, mas como meios de satisfazer uma necessidade psicológica (…). Isto é, a propriedade se torna um meio de engrandecimento próprio. A maioria de nós aspira a títulos, posição, posses, terras, virtudes, fama; e tudo isso implica (…) uma necessidade psicológica (…) (Que estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 128) Vemos, pois, que baseamos as nossas relações no auto-engrandecimento. E enquanto nos servirmos de pessoas, de idéias, de coisas, para nosso engrandecimento próprio, tem de haver violência. (…) No mundo dos negócios ou no mundo social, na política, como escritor, (…) poeta, queremos que reconheçam nossos méritos, (…) bom êxito; o problema, pois, é, com efeito, muito mais interior e psicológico, do que exterior e objetivo. (…) (Idem, pág. 129-130) Enquanto nos servirmos dos conhecimentos técnicos para promoção e glorificação do indivíduo ou do grupo, as necessidades do homem não serão organizadas. É o desejo de segurança psicológica, por meio do progresso técnico, que está destruindo a segurança física do homem. Há conhecimentos científicos suficientes para alimentar, vestir e dar casa ao homem; mas o uso apropriado desses conhecimentos é negado enquanto houver nacionalidades separativas, com governos e fronteiras soberanos, que, por sua vez, suscitam as lutas de classe e de raça. (…) (Arte da Libertação, pág. 247) Como dizia, o saber é essencial em certos níveis da vida, para podermos viver. Mas, afora isso, qual é a natureza do saber? Que queremos dizer quando afirmamos que o saber é necessário para acharmos a Deus, ou que o saber é necessário para nos conhecermos a nós mesmos (…)? Aqui, entendemos o saber como “experiência”. (…). Esse saber não é utilizado pelo “ego”, pelo “eu” para se fortalecer a si próprio? (…) (Novos Roteiros em Educação, pág. 113) Utilizamos, pois, o conhecimento como meio de fortalecer o “ego”, o “eu”. Já não observastes os Pundits, ou vosso pai, (…) ou vosso mestre – já observastes como todos eles estão “inchados” de saber? Já observastes como o saber dá o sentimento de expansão do “eu”, o “eu sei e tu não sabes” (…). Assim, gradualmente, o saber, que é meramente informação, é usado por
vaidade e se torna o sustento, a nutrição do “ego”, do “eu”. (…) (Idem, pág. 113-114) (…) O cientista utiliza o saber para alimentar a vaidade; assim também o professor; (…) os pais, (…) os gurus – todos querem ser alguém no mundo. (…) (Novos Roteiros em Educação, pág. 114) Que sabem eles? Só sabem o que está nos livros; ou (…) o que experimentaram, sendo que suas experiências dependem do seu fundo de condicionamento. Os mais de nós, pois, estamos cheios de palavras, de conhecimentos, a que damos o nome de saber; e, sem esse saber, vemo-nos perdidos. (…) (Idem, pág. 114) Desse modo, onde há temor, não há amor; e o saber sem amor é destrutivo. É o que está acontecendo no mundo atualmente. (…) (Idem, pág. 114) Se quisermos criar uma sociedade sã e feliz, precisamos principiar por nós (…). Em lugar de conferirmos importância a nomes, rótulos e termos, geradores de confusão, devemos desembaraçar a mente de tudo isso e observar-nos sem paixão. (…) Vemos, em torno de nós e em nós próprios, desejos e ações exclusivistas a redundarem no empobrecimento das relações. (Autoconhecimento, Correto Pensar, Felicidade, pág. 19) Por conseguinte, cumpre descobrir, não se há algo maior do que o conhecido, que nos impele para o desconhecido e, sim, perceber o que existe em nós que está criando confusão, guerras, diferenças de classe, esnobismo, desejo de fugir, através da música, da arte, e de muitos outros modos. Importa, sem dúvida, que as coisas sejam vistas como são (…) para nos vermos exatamente como somos. (…) (A Primeira e Última Liberdade, 1ª ed., pág. 251)
11. DISTINÇÕES, RESPEITABILIDADE, TÍTULOS, IGNORÂNCIA
A maioria de nós aspira à satisfação de ocupar certa posição na sociedade, porque temos medo de ser ninguém. A sociedade é formada de tal modo que o cidadão que ocupe posição respeitável é tratado com toda cortesia (…) Esse anseio de posição, de prestígio, de poder, de ser reconhecido pela sociedade como pessoa de destaque, representa desejo de dominar os outros, e esse desejo de domínio é uma forma de agressão. (…) E qual é a causa dessa agressividade? O medo, não? (Liberte-se do Passado, pág. 37) O marajá gosta de mostrar que é algo, ostentando seus carros, seus títulos, sua posição, suas riquezas. O professor, o pundit convenceu-se de que é alguma coisa, em virtude do seu saber. Desejais também mostrar que sois “alguma coisa” entre vossos colegas de classe. (…) (Debates sobre Educação, pág. 126) Se sois interiormente rico, não sentis nenhuma necessidade de ostentar-vos, porque essa riqueza é bela em si mesma. Mas visto temermos a nossa pobreza interior, assumimos ares importantes. Assim faz o “sannyasi”, assim fazem os primeiros-ministros e os ricos. Tirem-se-lhes o poder, o dinheiro, a posição, e vede como ficam sem brilho, estúpidos, vazios! (…) (Idem, pág. 126127) Todos nós, velhos e jovens, desejamos ser altamente respeitáveis (…) Respeitabilidade implica reconhecimento por parte da sociedade; e a sociedade só reconhece o que teve êxito, o que se tornou importante, famoso, e despreza o resto. Por isso, adoramos o êxito e a respeitabilidade. E quando pouco vos importa se a sociedade vos considera respeitável ou não, quando não buscais êxito, não desejais tornar-vos alguém, existe então intensidade – e isso significa que não existe medo, nem conflito, nem contradição, interiormente; por conseguinte, dispondes de abundante energia para acompanhardes o fato “até o fim”. (O Passo Decisivo, pág. 171) Sabem o que a palavra “respeitabilidade” significa? Vocês são respeitáveis quando são considerados (…) pela maioria (…) E o que a maioria das pessoas respeita (…)? Respeitam as coisas que elas mesmas desejam e que projetaram como meta ou ideal; (…). Se você é rico e poderoso, ou tem grande
reputação política, ou escreveu livros de sucesso, você é respeitado pela maioria. (…) (O Verdadeiro Objetivo da Vida, pág. 117) (…) O que você diz pode até ser um completo disparate, mas, quando você fala, as pessoas ouvem porque o consideram um grande homem. E quando você, dessa forma, conquistou o respeito da maioria, o fato de a multidão o seguir, dá-lhe uma sensação de respeitabilidade, (…). Mas o chamado pecador está mais próximo de Deus do que o homem respeitável, porquanto o respeitável está coberto de hipocrisia. (Idem, pág. 117) Um dos empecilhos ao viver criador é o medo, e a respeitabilidade constitui manifestação desse medo. Os indivíduos respeitáveis, moralmente agrilhoados, não conhecem o integral e verdadeiro significado da vida. Estão encerrados dentro dos muros da sua virtude, nada podem enxergar além deles. (A Educação e o Significado da Vida, 1ª ed., pág. 147) Sua “moralidade de vidraças coloridas”, com base em ideais e crenças religiosas, nada tem em comum com a realidade; e, quando atrás delas se abrigam, estão vivendo no mundo das próprias ilusões. A despeito da moral pessoalmente imposta, e com que se comprazem, as pessoas respeitáveis acham-se também em confusão, sofrimento e conflito. (Idem, pág. 147-148) A respeitabilidade é um flagelo, um mal que corrói a mente e o coração. Insinua-se furtivamente; destrói o amor. Ser respeitável é sentir-se vitorioso, é talhar para si mesmo uma posição no mundo, construir em torno de si uma muralha de segurança, daquela segurança que vem com o dinheiro, o poder, o sucesso, e a capacidade ou a virtude. Este isolamento arrogante gera ódios e antagonismos nas relações humanas que constituem a sociedade. Os homens respeitáveis são sempre a nata da sociedade, e, como tais, causadores de conflitos e sofrimentos. (…) Estão sempre na defensiva, cheios de medo e de suspeitas. O medo habita-lhes os corações, e por isso a indignação é sua virtude. A virtude e a piedade são suas defesas. (…) Os homens respeitáveis nunca podem estar abertos para a Realidade, (…). A felicidade lhes é negada porque evitam a Verdade. (Comentários sobre o Viver, 1ª ed., pág. 25-26) Se quisermos criar uma sociedade sã e feliz, precisamos principiar por nós, (…). Em lugar de conferirmos importâncias a nomes, rótulos e termos, geradores de confusão, devemos desembaraçar a mente de tudo isso (…). (Autoconhecimento, Correto Pensar, Felicidade, pág. 19) Senhores, os títulos, sejam títulos espirituais, sejam títulos mundanos, são meios de explorar os outros. (…) É só isso que fazeis; não percebeis que sois, vós mesmos, explorados e que portanto criais o explorador (…). Vivemos sob a
influência de títulos, de palavras, de frases, destituídos de significação; eis porque interiormente estamos vazios e sofremos. (…) (Novo Acesso à Vida, pág. 45) (…) Divisão é ilusão. A divisão em grupos, raças, nacionalidades, é fictícia. Somos entes humanos, não separados por nomes e rótulos. Quando os rótulos se tornam mais importantes do que tudo o mais, ocorre a divisão, e lá vêm as guerras e outros choques. (A Luz que não se Apaga, pág. 121) Os rótulos parecem dar satisfação. Aceitamos a categoria a que supostamente pertencemos, como uma explicação satisfatória da vida. Somos adoradores de palavras e de etiquetas; parecemos nunca ultrapassar o símbolo, (…). Intitulando-nos isto ou aquilo, seguramo-nos contra futuras perturbações, e quedamo-nos satisfeitos. (…) (Comentários sobre o Viver, pág. 172) (…) Aquele que busca a verdade é um homem religioso e não tem necessidade de etiquetas, tais como “hinduísta”, “muçulmano”, “cristão”. (…) Se tivéssemos amor, (…) caridade em nossos corações, não faríamos o menor caso de títulos (…). Porque os nossos corações estão vazios, enchem-se de coisas pueris (…). Francamente, isso é falta de maturidade. (…) (A Arte da Libertação, pág. 19-20) (…) Um homem sensato não pertence a grupo algum, não ambiciona posição na sociedade, pois isso só produz guerra. Se fôsseis realmente sensatos, pouco vos importaria o nome que vos dessem; não veneraríeis os rótulos. Mas rótulos, palavras, se tornam coisas importantes quando o coração está vazio. (…) (Idem, pág. 20) (…) Para sermos entes humanos amadurecidos, precisamos desfazer-nos desses brinquedos absurdos, que são o nacionalismo, a religião organizada, o seguir alguém, política ou religiosamente. Se tendes verdadeiro interesse nisso, então, naturalmente, vos libertareis de todos os atos infantis, de adotardes determinados rótulos: nacionais, políticos ou religiosos; e só então teremos um mundo pacífico. (…) (Idem, pág. 21) (…) Afinal de contas, os títulos, as posições, os diplomas, as riquezas, são utilizados como meios (…) de sobrevivência psicológica, de certeza, de segurança psicológica. E enquanto estivermos à procura de segurança psicológica, através das coisas, tem de haver disputa em torno das coisas. ( Nós Somos o Problema, pág. 31) (…) Não há compreensão no culto das personalidades. Os rótulos que adorais carecem de significação. Bem sei que (…) a verdade nada tem que ver com as personalidades mesquinhas e tirânicas que adorais, (…). A verdade transcende
todas as graduações, porquanto essas graduações só existem por causa das limitações humanas. (Que o Entendimento seja Lei, pág. 5) Esta é a opinião (…). Todos quereis ser alguém no Estado, ou ter o título de “Sir” ou de “Lord” ou algo semelhante, e isto se baseia no espírito de posse, nas possessões; e isto se tornou moral, verdadeiro, (…) (Palestras em Auck1and, 1934, pág. 18) (…) Afinal de contas, se tirardes o nome, o título, a propriedade, os vossos diplomas de B.As e M.As, que resta de vós? Perdeis toda a importância, (…). Sem vossa propriedade, sem vossas medalhas, etc., nada sois. (…) (Da Insatisfação à Felicidade, pág. 36-37) Reflitamos juntos. Por que desejam as pessoas ser famosas? Em primeiro lugar, porque é vantajoso (…); e, também, porque proporciona muito prazer, (…). Se sois conhecido em todo o mundo, vos sentis importante, (…) imortalizado. Desejais ser famoso, conhecido e falado no mundo inteiro, porque interiormente não sois ninguém. (…) (A Cultura e o Problema Humano, pág. 48) (…) Interiormente, nenhuma riqueza tendes, (…) e, por isso, desejais ser conhecido no mundo exterior. Mas, se sois rico interiormente, então pouco vos importa serdes conhecido ou desconhecido. (Idem, pág. 48) (…) Minha mente, percebendo a sua própria insuficiência, sua pobreza, põe-se a adquirir posses, diplomas, títulos (…); e desse modo se fortalece no “eu”. Sendo o centro do “eu”, a mente diz: “Preciso transformar-me” – e põe-se a criar incentivos para si. (…) (Claridade na Ação, pág. 107) Podeis ter todos os graus acadêmicos do mundo, mas, se não conheceis a vós mesmos, sois extremamente estúpido. (…) Sem autoconhecimento, o cuidar meramente de colecionar fatos (…) é uma maneira muito estúpida de existir. (…) (A Cultura e o Problema Humano, pág. 117) (…) Podeis ser capaz de citar o Bhagavad Gita, o Upanishads, o Alcorão e a Bíblia, mas, se não conheceis a vós mesmo, sois tal qual um papagaio a repetir palavras. (…) (Idem, pág. 117) Psicologicamente, terminar o conflito é “ser nada”; e a maioria de nós tem medo de enfrentar o “ser nada” (…). Mas, afinal de contas, que sois vós? Que são todos os VIPs (very important people) – a gente muito importante? (…) (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 40) (…) Tirem-se-lhes os títulos, as posições, as decorações, todas essas bugigangas, e eles ficam reduzidos a nada. E quer-me parecer que nós, a
gente comum, também estamos tentando, de várias maneiras, tornar-nos algo; mas, interiormente, não somos absolutamente nada. E por que não ser nada? Sede nada (…). (Idem, pág. 40-41) Vós sois nada. Podeis ter vosso nome e vosso título, propriedades e depósitos nos bancos, podeis ter poder e fama; todavia, apesar de todas estas defesas, sois o mesmo que nada. Podeis não estar perfeitamente cônscio deste vazio, deste nada, ou podeis simplesmente não desejar estar cônscio dele; ele existe, entretanto, não importa o que façais para evitá-lo. (…) (Comentários sobre o Viver, pág.89) Uma das camadas ou seções deste fundo é a ignorância. A ignorância não deve ser confundida com a mera falta de informação. A ignorância é a falta de compreensão de si próprio. (…) A ignorância existirá enquanto a mente não desvendar o processo mediante o qual cria suas próprias limitações, e bem assim o processo da ação auto-induzida. (…) (Palestras em Ojai, Califórnia, 1936, pág. 26) Ignorância é uma coisa, e o “estado de não saber” outra coisa muito diferente; as duas nenhuma relação têm entre si. Uma pessoa pode ser muito ilustrada, muito hábil, muito eficiente e talentosa e, apesar disso, ser ignorante. Há ignorância quando não existe autoconhecimento. O homem ignorante é aquele que não se conhece, que não conhece suas próprias ilusões, vaidades, invejas, etc. (…) (Diálogos sobre a Vida, 1ª ed., pág. 182) A paixão pelo saber é como outra paixão qualquer; oferece uma fuga aos terrores do vazio, da solidão, da frustração do ser nada. A luz do saber é um manto suntuoso, debaixo do qual está uma escuridão que a mente não pode penetrar. A mente tem pavor a este desconhecido e por esta razão foge para o saber, para as teorias, as esperanças, a imaginação; e justamente este saber constitui um obstáculo à compreensão do desconhecido. (Comentários sobre o Viver, 1ª ed., pág. 24) (…) Mas, não é fácil pôr de parte o saber. Ser ignorante não é ser destituído de saber. A ignorância é falta de autopercebimento; e o saber é ignorância quando não há compreensão das atividades do “eu”. A compreensão do “eu” é a libertação das prisões do saber. (Idem, pág. 24) Só se está liberto do saber, quando se compreende o processo da acumulação, a base do impulso para a acumulação. O desejo de acumular é o desejo de segurança e de certeza. Esse desejo (…) é a causa do temor, o qual destrói toda comunhão. (…) A acumulação é resistência egocêntrica, e o saber torna mais forte esta resistência. A adoração do saber é uma forma de idolatria, e nunca dissolverá o conflito e o sofrimento (…) (Idem, pág. 24-25)
(…) Ignorância não significa a falta de conhecimentos técnicos, (…) de leitura de muitos livros filosóficos: ignorância é a falta de conhecimento próprio. Ainda que uma pessoa tenha lido muitos livros filosóficos e sagrados e seja capaz de citá-los, essas citações, que representam uma acumulação de palavras e experiências alheias, não libertam a mente da ignorância. (…) (A Arte da Libertação, pág. 24) Tenho procurado explicar que a ignorância, a malevolência e a luxúria causam aflição e que, se não eliminarmos esses obstáculos, originaremos inevitavelmente o conflito, a confusão e a miséria exteriores. A ignorância – a falta de conhecimento de nós mesmos – é o maior dos males. Impede o correto pensar e dá importância primária às coisas secundárias, (…) a vida se torna vazia, pesada e rotineira. (…) (Autoconhecimento, Correto Pensar, Felicidade, pág. 106) É bem perceptível o processo do sofrimento, (…). E faltando-nos o amor, o prazer assume toda a importância. Não só existe essa espécie de sofrimento, mas há também (…) o sofrimento causado pela ignorância. Há ignorância, mesmo quando somos bem ilustrados, dotados de vasta cultura e experiência, das aptidões com que se ganha fama, notoriedade, dinheiro. (…) (Palestras com Estudantes Americanos, pág. 138) (…) A ignorância não se dissipa com o acumular fatos e informações; isso o computador pode fazer muito melhor do que a mente humana. Ignorância é a total ausência de autoconhecimento. Em maioria, somos superficiais e vulgares, (…). Essa ignorância engendra toda espécie de superstição, perpetua o medo, gera a esperança e o desespero e todas as invenções e teorias da mente astuciosa. (…) (Idem, pág. 138-139)
12. VERDADE, PROXIMIDADE, REALIDADE VIVA, SEM CAMINHOS
Não precisamos procurar a verdade. A verdade não é uma coisa que está muito longe de nós. Ela é a verdade da mente, a verdade das suas atividades, momento a momento. Se estamos cônscios dessa verdade, (…) tal percebimento liberta a consciência ou a energia que é inteligência, amor. Enquanto a mente se servir da consciência como atividade do “eu”, o tempo tem de existir, com todas as suas tribulações, (…) conflitos, (…) malefícios e (…) ilusões (…); só quando a mente, compreendendo esse processo total, cessa de existir, pode haver o amor. (…) (A Primeira e Última Liberdade, 1ª ed., pág. 127) O que é conhecido não é o Real. Nosso pensamento está ocupado numa constante busca de segurança, de certeza. A inteligência que promove a expansão do “ego” busca, por força de sua própria natureza, um refúgio, seja pela negação seja pela afirmação. (…) Podeis ler sobre o Real, o que é de lamentar, podeis palrar a seu respeito, o que é desperdício de tempo, mas não é isso o Real. Quando dizeis que, pensando na verdade, estais mais capacitados para solucionar vossos problemas e sofrimentos, significa isso que vos estais servindo de uma suposta verdade, (…); como (…) qualquer entorpecente, não tarda a resultar, daí, o sono e a insensibilidade. (…) (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 264-265) O importante, pois, é que se compreenda por que razão a mente está sujeita a ser perturbada. Que é esta perturbação? (…) Sem começarmos com o que está perto, queremos chegar longe; mas só podemos ir longe, se começarmos com o que está muito perto de nós. E começar com o que está perto significa estar livre da ambição, do desejo de ser algo, do desejo de ser bem sucedido na vida, célebre, famoso (…), tudo isso denunciando o “eu”, o “ego”. (Viver sem Temor, pág. 58) A compreensão do conflito, pois, na vida de relação, é de importância primacial, (…). Como podemos conhecer o que está perto de nós, quando desconhecemos nossa própria esposa? Positivamente, precisamos começar com o que está perto, para alcançar o que está longe; (…). (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 51-52)
Nessas condições, para compreendermos aquilo que representa o mais alto, o supremo, o real, precisamos começar muito de baixo, muito perto de nós; isto é, precisamos averiguar o valor das coisas, das relações e das idéias com que nos ocupamos cada dia. (Novo Acesso à Vida, pág. 14) E sem compreendê-las, como pode a mente buscar a realidade? Pode inventar a “realidade”, pode copiar, pode imitar; tendo lido muitos livros, pode repetir a experiência alheia. Mas isso, por certo, não é o real. Para experimentar o real, a mente deve deixar de criar; porque tudo o que ela criar (…), estará sempre subordinado ao tempo, (…). (Idem, pág. 14) (…) Para chegar longe, precisamos começar com o que está perto. Isso não requer nenhuma renúncia extraordinária, mas um estado de elevada sensibilidade; (…) e só nesse estado de sensibilidade pode-se receber a verdade – a qual não é para os insensíveis, os indolentes, os desatentos. (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 28-29) Mas o homem que começa com o que está perto, que está cônscio dos seus gestos, sua fala, sua maneira de comer, de falar, sua conduta – para este há a sensibilidade de penetrar muito extensamente, muito amplamente nas causas do conflito. (Idem, pág. 29) Não podeis subir muito se não começais por baixo: não quereis ser simples, não quereis ser humildes. (…) Assim, um homem que realmente desejasse achar, conhecer a verdade, (…) estar aberto para a verdade, teria de começar muito perto de si, deveria avivar a própria sensibilidade, mediante vigilância, tornando sua mente apurada, clara e simples. Uma mente assim não anda em busca dos seus próprios desejos. (…). Só assim é possível a paz; porque essa mente descobre o imensurável. (Idem, pág. 29) A verdade não pode ser acumulada. O que se acumula é sempre destruído, (…). A verdade nunca fenece, porque só pode ser encontrada de momento a momento, em cada pensamento, cada relação, cada palavra, cada gesto, num sorriso, numa lágrima. E se vós e eu pudermos achá-la, e vivê-la – o próprio viver é o descobrimento dela – não seremos então propagandistas, mas entes humanos criadores; (…). (Poder e Realização, pág. 42) (…) A verdade não é acumulativa. Ela está presente momento a momento. O que é acumulativo (…) é a memória, e pela memória nunca se pode achar a verdade; porque a memória é produto do tempo (…). O que tem duração não é eterno. A eternidade está no agora. (…) (O que te fará Feliz? pág. 129) A mente desejosa de transformação futura (…) nunca poderá achar a verdade. Porque a verdade é uma coisa que deve vir momento a momento; que precisa ser descoberta de novo; (…). Como é possível descobrirdes o que é novo, com
a carga do velho? É só pelo desaparecimento dessa carga que se descobre o novo. (…) (Idem, pág. 129) (…) A verdade não é abstrata. Ela nos vem súbita, às escuras, e por isso a mente não a pode reter. Como um ladrão, nas sombras da noite, ela vem às escuras, e não quando nos preparamos para recebê-la. (…) Assim, pois, uma mente que está presa na rede de palavras, não pode compreender a verdade. (Idem, pág. 108) (…) Não vos choqueis, não vos sintais desapontados – a verdade nem sempre é aprazível. A verdade é rude para aqueles que não compreendem, mas a verdade é amável, delicada, generosa e encantadora para aqueles que compreendem. (…) (Que o Entendimento seja Lei, pág. 4) A verdade só pode vir a vós quando vossa mente e coração são simples e claros, e existe amor no vosso coração, e não se vosso coração está cheio das coisas da mente. (…) E ela só pode vir quando a mente está vazia, quando a mente desiste de criar. Ela virá, então, sem a chamardes. Virá veloz como o vento, sem ser pressentida. A verdade vem no escuro e não quando estamos à sua espreita, desejando-a. Ela surge súbita como a luz do sol, pura como a noite, mas, para a receber, deve o coração estar cheio e a mente, vazia. (…) (O que te fará Feliz?, pág. 79) A verdade não tem continuidade, porque está além do tempo; e o que tem continuidade não é a Verdade. A Verdade é para ser percebida instantaneamente, e esquecida – “esquecida”, no sentido de que não a levamos conosco como lembrança da Verdade que foi percebida. E porque vossa mente está livre da memória, a qualquer instante (…) a Verdade reaparecerá. (Experimente um Novo Caminho, pág. 107) (…) Só existe a verdade quando estais livres da dor, da ansiedade, da agressividade que ora vos enchem a mente e o coração. Ao perceberdes tudo isso e alcançardes aquela bênção chamada amor, conhecereis então a verdade do que se está dizendo. (A Outra Margem do Caminho, pág. 13) Ora, a verdade tem um lugar permanente? A verdade ocupa um ponto fixo? A verdade tem morada, ou é uma coisa dinâmica, viva, e portanto sem pouso certo? A verdade está em movimento constante; mas se dizeis que ela é um ponto fixo, tereis então de achar um guru que vos leve a esse ponto, e o guru se tornará necessário para vos apontar o caminho. (…) (A Arte da Libertação, pág. 121) (…) Por outras palavras, quando procurais o guru não estais em busca a verdade, buscais segurança num nível diferente, (…). Mas é a verdade permanência? Não sabeis, (…). Mas não ousais declarar que não sabeis,
porque o reconhecer que não sabemos é uma experiência verdadeiramente devastadora. (Idem, pág. 123) Mas, sem dúvida, tendes de sofrer uma devastação antes de descobrirdes a verdade; precisais achar-vos naquele estado de incerteza, de total frustração, sem possibilidade de fuga; tendes de ser posto frente a frente com o vácuo, o vazio, sem nenhuma passagem por onde fugir. Só então achareis o que é verdade. Mas especular sobre a verdade, pensar na verdade, é negar a verdade. (Idem, p. 123) Vossos pensamentos e especulações a respeito da verdade não têm validade. Toda idéia é produto do pensamento, e o pensamento é memória (…) Assim, para o homem que busca a verdade, o guru é inteiramente desnecessário. A verdade não está longe, a verdade está muito perto, naquilo que pensais e sentis, em vossas relações com vossa família, vosso vizinho, com a propriedade e as idéias. (Idem, pág. 123) Procurar a verdade em alguma esfera abstrata é pura ideação, e a maioria de nós procura a verdade por essa maneira, como um meio de fugir à vida. A vida nos esmaga, é sobremodo exigente e dolorosa, (…). Conseqüentemente, procuramos um guru para nos ajudar a fugir; (…) a ele nos apegamos. (Idem, pág. 123) A realidade não é algo abstrato ou teórico, (…) a realidade está na compreensão da vida de relação, no estarmos cônscios, a todos os momentos, do nosso falar, da nossa conduta, da maneira como tratamos as pessoas, (…) como consideramos os outros; porque a conduta correta significa virtude, e aí se encontra a realidade. (…) (Por que não te Satisfaz a Vida, pág. 150-151) (…) A verdade é uma coisa viva, e para uma coisa viva não há nenhum caminho – só para as coisas mortas pode haver um caminho. Porque a verdade não tem caminho, para a descobrirdes tendes de ser aventuroso, estar pronto para o perigo; e pensais que um guru vos ajudará a ser aventuroso, a viver no perigo? Se procurais um guru, é porque não sois aventuroso, estais apenas à procura (…) de segurança. (…) (A Arte da Libertação, pág. 123-124) (…) Essa realidade é um ser eterno no presente, e não no futuro; ela está no agora imediato, não no futuro remoto. Para compreender esse agora, essa eternidade, a mente deve estar livre do tempo, o pensamento deve cessar. Todavia, tudo que estais fazendo atualmente só serve para cultivar o pensamento, condicionar a mente, e por isso nunca há para vós o novo, (…). (Idem, pág. 124) Enquanto existe o processo de pensamento, não pode existir a verdade (…). Não podeis criar tranqüilidade à força, (…) tornar a mente serena, (…) forçar o
pensamento a parar. Cumpre-nos compreender o processo do pensamento e transcender o pensamento; só então a verdade libertará o pensamento de seu próprio processo. (Idem, pág. 124) Nasce a verdade quando a mente está de todo tranqüila, numa tranqüilidade não artificial, não “feita”; surge essa tranqüilidade só quando há compreensão; e essa compreensão não é difícil, mas exige toda a vossa atenção. É negada a atenção quando viveis apenas no cérebro, e não com todo o vosso ser. (Idem, pág. 125) A verdade, portanto, não é para as pessoas respeitáveis, nem para os que desejam a expansão, o preenchimento do seu próprio “eu”. A verdade não é para os que buscam segurança e permanência; porque a permanência que buscam é meramente o oposto da impermanência. Presos que estão na rede do tempo, buscam aquilo que é permanente; (…) Por conseguinte, o homem que deseja descobrir a realidade tem de sustar a busca – o que não significa que deva contentar-se com o que é. (Idem, pág. 214) Pelo contrário, um homem que está todo empenhado no descobrimento da verdade deve ser, interiormente, um revolucionário completo. Não pode pertencer a nenhuma classe, nação, grupo ou ideologia, (…); (…) a verdade não pode ser encontrada nas coisas feitas pela mão ou pela mente. (…) (Idem, pág. 125) A verdade vem a todo aquele que está livre do tempo, que não se está servindo do tempo como meio de auto-expansão. O tempo significa memória, (…). Enquanto existe o “ego”, o “eu”, o “meu”, em qualquer nível (…), ele está sempre dentro da esfera do pensamento. Onde está o pensamento está o oposto, porque o pensamento cria o oposto; e enquanto existe o oposto não pode existir a verdade. (…) (Idem, pág. 125) Existe um caminho que leva ao desconhecido? Há sempre caminho para o conhecido, mas nunca para o desconhecido. (…) (Poder e Realização, pág. 93) Se a Realidade é o conhecido – assim como nossa casa, cujo caminho conhecemos – então a coisa é muito simples: podeis abrir um caminho para lá. Podeis ter então uma disciplina, (…) várias formas de yoga, (…), a fim de não vos desviardes do alvo. (…) (Idem, pág. 93) (…) Mas a Realidade é algo que se conhece? E se a conhecemos, isso é o Real? Por certo, a Realidade é algo que se manifesta momento a momento, e que só se pode encontrar no silêncio da mente. Não há caminho para a verdade (…), porque a Realidade é o incognoscível, o inominável, o impensável. (…) (Poder e Realização, pág. 93)
(…) O que podeis pensar a respeito da verdade é produto de vosso fundo mental, vossa tradição, vosso saber. Mas a verdade nada tem em comum com o saber, (…) a memória, (…) a experiência. Se a mente pode criar um Deus – como de fato cria – isso por certo não é Deus, (…). (Idem, pág. 93-94) Não há caminho para a Verdade. A Verdade tem de ser descoberta, mas nenhuma fórmula existe para o seu descobrimento. O que é formulado não é verdadeiro. Tendes de lançar-vos ao mar desconhecido, e este mar desconhecido sois vós mesmos. Tendes de pôr-vos a caminho, para o descobrimento de vós mesmos, mas não de acordo com algum plano ou padrão, (…). O descobrimento traz alegria – não a alegria que é lembrada, que é comparada, mas a alegria que é sempre nova. O autoconhecimento é o começo da sabedoria, em cuja tranqüilidade e silêncio se encontra o Imensurável. (Comentários sobre o Viver, pág. 95) (…) A mente limitada, ainda a mais instruída e apta a discutir eruditamente, é incapaz de buscar algo totalmente novo. O que pode fazer é apenas “projetar” suas próprias idéias ou provocar um estado “devocional” ou estático. Estamos, portanto, entrando num mar desconhecido, e cada um tem de ser seu próprio capitão, piloto e marujo. (…) Não há guia, e esta é a beleza da existência. (…) Essa viagem é um “processo” de autoconhecimento (…) (O Homem Livre, pág. 95) Para descobrir a verdade, não há caminho algum. Tendes de entrar no mar desconhecido – o que não é desanimador nem empresa aventurosa. Quando desejais achar algo de novo, quando estais investigando (…), vossa mente tem de estar muito tranqüila (…). Se a mente está repleta de fatos, de saber, eles atuam como empecilhos ao que é novo. A dificuldade está em que, para a maioria de nós, o saber se tornou tão importante, de significação tão preeminente, que está sempre intervindo em tudo o que é novo, (…). Assim, o saber e a cultura são empecilhos, para aqueles que desejam investigar, (…) compreender o que é atemporal. (A Primeira e Última Liberdade, 1ª ed., pág. 153) Mas a verdade é uma realidade que não pode ser compreendida seguindo-se um caminho. A verdade não é um condicionamento, uma modelagem da mente e do coração, mas um preenchimento constante, (…) na ação. O inquirirdes sobre a verdade implica que acreditais em um caminho para a verdade, e esta é a primeira ilusão a que estais presos. Nisso há imitação, deformação. (…) Digo que cada um deve descobrir por si próprio o que é a verdade, mas isso não significa que cada um deva delinear um caminho para si próprio, (…) (Palestras em Adyar, Índia, 1933-1934, pág. 111-112)
A verdade se encontra no mar – do qual não existe mapa – do autoconhecimento. (…) Ansiamos a segurança e esse anseio é um obstáculo à nossa libertação pelo conhecimento da verdade. Os que se aprofundaram no autoconhecimento são flexíveis. Sabemos que uma das causas da resistência é a especialização; e outra causa é a imitação. (…) (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 221) É só quando o pensamento está libertado dos valores materiais criados pela mão ou pela mente, que nos é dada a visão da verdade. Não há senda conducente à Verdade. Tendes de navegar por mares sem roteiros para a encontrardes. A realidade não pode ser comunicada a outro; porquanto, o que se comunica é o que já se sabe, e o que é sabido não é o Real. (…) (O Caminho da Vida, pág. 10) Sinto que ninguém pode guiar outrem à verdade, porque a verdade é infinita; é uma terra sem caminhos, e ninguém pode dizer-vos como encontrá-la. Ninguém pode ensinar-vos a ser artista; alguém poderá apenas dar-vos os pincéis e a tela e mostrar-vos as cores a usar. (…) Só quando estais absolutamente desnudo, livre de todas as técnicas, livre de todos os instrutores, é que descobris. (Palestras na Itália e Noruega, 1933, pág. 42) (…) Precisais buscar a verdade por vós mesmos, como indivíduos, visto que ela mora em vós, não no exterior. Quando o indivíduo se houver compreendido a si mesmo, viverá num ambiente de perfeita harmonia e não contribuirá para a desordem do mundo. (Coletânea de Palestras, 1930-1934, pág. 22) Pergunta: Vós alcançastes a Realidade. Podeis dizer-nos o que é Deus? Krishnamurti: Senhores, como sabeis que alcancei a Realidade? Para o saberdes seria necessário que tivésseis também alcançado a Realidade. (…) E que importância tem compreender a Realidade alcançada por outro homem, (…) conhecer esse homem? (Uma Nova Maneira de Viver, pág. 114) Ora bem, quereis que eu vos diga o que é a Realidade. Mas pode o indescritível ser expresso em palavras? Pode-se medir o imensurável? Pode-se aprisionar o vento numa mão fechada? (…) No momento em que traduzis o incognoscível no que conheceis, não é mais o incognoscível o que traduzistes (…) (Idem, pág. 116) (…) Conseqüentemente, em vez de procurardes aquele homem que alcançou a Realidade, ou perguntardes o que é Deus, por que não aplicais toda a vossa atenção à percepção do “que é”? Encontrareis, então, o desconhecido, ou, antes, o desconhecido virá ao vosso encontro. (…) (Idem, pág. 117)
(…) Não pode a realidade manifestar-se àquele que quer “vir a ser”, àquele que luta; ela só pode manifestar-se àquele em que há o “ser” (…) que compreende o “que é”. Assim como a solução de um problema está contida no próprio problema, assim também a realidade está contida no “que é”, e se formos capazes de compreender o “que é”, compreenderemos a Verdade. (…) (Idem, pág. 117) (…) Assim, pois, não está longe de nós a Realidade, mas nós a distanciamos, (…). A Realidade está presente aqui, neste momento, (…) ao nosso alcance. O eterno, o atemporal existe agora, e não pode o agora ser compreendido por aquele que está preso na rede o tempo. (…) Essa libertação só é possível mediante meditação correta, que significa ação completa. (…) (Idem, pág. 117)
13. BUSCA DA VERDADE; MEIOS DE FUGA, BUSCA SEM MOTIVO
Vejamos, pois, se nos é possível examinar juntos este problema real da busca, (…). Pela busca, é possível achar algo novo? Por que buscamos, e que é que buscamos? Qual o motivo, o processo psicológico que nos impele a buscar? (…). Sem a compreensão desse estímulo, a mera busca será muito pouco significativa, (…). Mas, se pudermos descobrir todo o mecanismo desse processo de busca, então é bem possível que cheguemos a um ponto em que não há mais busca – e talvez seja esse o estado necessário para o aparecimento de algo novo. (Da Solidão à Plenitude Humana, pág. 21-22) (…) Por certo, aquilo que é novo não pode ser reconhecido. O reconhecimento só ocorre através da memória, da experiência acumulada a que denominamos saber. Se reconhecemos uma coisa, essa coisa não é nova, (…) tudo o que achamos é coisa já experimentada, procedendo portanto do “fundo”, da memória. (…) Deus, a verdade, (…) não é reconhecível, deve ser algo totalmente novo; (…). (Idem, pág. 23) Não vos parece importante investigarmos o que é que estamos buscando, e por que buscamos alguma coisa? Por que existe em nós esta extraordinária ânsia de procurar e achar, e por que desperdiçamos tanta energia nesta luta? (…). É bem provável que a mente só possa descobrir o que se acha além das medidas do tempo, quando não está mais a buscar – mas isso não significa deva ela estar contentada, satisfeita. (…) (Visão da Realidade, pág. 215) (…) E por que é que buscamos? É por nos sentirmos muito perturbados, muito descontentes com o que somos? Se somos feios, queremos ser belos; se somos ambiciosos, queremos preencher a nossa ambição; se temos talento, queremos tornar esse talento mais vigoroso; (…) se somos medíocres, queremos brilhar; se somos intelectuais, queremos dar significação à vida; se somos religiosos, queremos achar o que reside além da mente, indagando, rogando, rezando, sacrificando, cultivando, disciplinando, etc. (…). (Idem, pág. 218) Esse esforço intenso, esse processo de ajustamento é a nossa vida, (…). Nossa vida é um perpétuo campo de batalha, de manhã à noite, e, ignorando a significação dessa luta, recorremos a outra pessoa, (…). Entregamo-nos às crenças, aos livros, aos guias (…). (Visão da Realidade, pág. 218-219)
Assim, pois, que é que desejamos? Vendo-nos atribulados, queremos paz, vendo-nos em conflito, queremos acabar com o conflito. (…) Lutamos para obter uma coisa, e, depois de obtê-la, seguimos avante, querendo mais. Nossa vida é uma série de exigências de conforto, de segurança, posição, preenchimento, felicidade, reconhecimento, e temos também raros momentos em que desejamos descobrir o que é a verdade, o que é Deus. (…) (Idem, pág. 219) (…) Andamos de um padrão para outro, de uma gaiola para outra, de uma filosofia ou sociedade para outra, esperando encontrar a felicidade, (…) nas relações com pessoas, (…) de um retiro tranquilo (…). E achamos que, se não buscarmos, iremos deteriorar-nos, estagnar-nos (…). (Idem, pág. 219-220) Ora, não vos parece de todo fútil essa busca? Estar cativo na gaiola de dada disciplina, o ser impelido de uma gaiola, de um sistema, de uma disciplina para outra, isso, evidentemente, não tem significação alguma. Assim sendo, devemos investigar (…) por que buscamos. (…) (Idem, pág. 220) Ora, pode-se perceber e compreender imediatamente que é vã toda busca em que há “motivo”? (…) A verdade não se acha no futuro, e se (…) descobrirdes a inutilidade da vossa busca, então esse próprio ato de escutar é o experimentar da verdade, e a busca cessará então. Vossa mente já não estará subordinada a “motivos”, intenções. (Idem, pág. 221-222) Nessas condições, a questão não é de como libertar a mente do “motivo”. A mente não pode (…) libertar-se do “motivo” porque a mente, em si, é causa e efeito, é resultado do tempo. (…) Mas se puderdes escutar e ver a verdade de que, enquanto houver “motivo” na busca, essa busca é toda vã, sem significação, conduzindo apenas a mais aflições e sofrimentos, (…) vereis que a vossa mente susta a busca, porque já não tem “motivo” algum. (…) (Idem, pág. 222) Percebestes, por vós mesmos, a futilidade desta eterna busca com um “motivo” e, por conseguinte, a vossa mente está silenciosa, quieta, não há movimento algum de busca; e essa total tranqüilidade da mente pode ser o estado em que se torna existente o atemporal. (Idem, pág. 222) Comecemos pelo que está perto, para irmos longe. Que entendeis por “busca”? Estais em busca da Verdade? E ela pode ser achada pela busca? (…) Busca implica conhecimento prévio, implica algo que já se sentiu e conheceu. (…) A verdade é algo que podemos conhecer, apanhar e guardar? O conhecimento que dela temos, não é uma “projeção” do passado e portanto (…) simples lembrança? (…) E a mente não deve estar tranquila para que a Realidade possa existir? A busca é esforço para ganhar o mais ou o menos (…); e
enquanto a mente for o ponto de concentração, o foco do esforço, do conflito, pode ela estar tranquila alguma vez? Pode a mente tornar-se tranquila por meio de esforço? (…) (Reflexões sobre a Vida, pág. 76-77) Veremos. Investiguemos a verdade, em relação à busca. Para o buscar, necessita-se da entidade que busca, separada da coisa buscada; e existe essa entidade separada? O pensador, o experimentador, é diferente ou distinto de seus pensamentos e experiências? (…) Temos, pois, de compreender a mente, o processo do “eu”. Que é essa mente que busca, que escolhe, que tem medo, que nega e justifica? Que é o pensamento? (Idem, pág. 77) A palavra “buscar” – tentar alcançar, descobrir – implica que já conhecemos mais ou menos o que desejamos achar. Ao dizermos que estamos buscando a verdade, ou Deus, (…) já devemos ter na mente a respectiva imagem ou idéia. (…) Na meditação, a primeira coisa que se percebe é a inutilidade do buscar; porque a coisa buscada é predeterminada pelo nosso desejo; (…). (Fora da Violência, pág. 77-78) A verdade não é uma coisa que se possa experimentar. A verdade não pode ser buscada e achada. Está fora do tempo. E o pensamento, que é tempo, nenhuma possibilidade tem de buscá-la e “pegá-la”. (…) Quando a mente está a buscar uma experiência, por mais maravilhosa que seja, isso significa que o “eu” a está buscando – o “eu”, que é o passado, com todas as suas frustrações, aflições, esperanças. (A Questão do Impossível, pág. 72) (…) Esse estado psicológico que cessa de buscar a experiência não significa paralisia mental; ao contrário, é a mente aditiva, acumulativa, que começa a definhar. Acumular é um ato mecânico, repetitivo; tanto a renúncia quanto a mera aquisição são atos mecânicos de imitação. Torna-se livre a mente que destrói este mecanismo de acumulação e defesa; dessa maneira ela se torna indiferente ao ato de experimentar. (Diário de Krishnamurti, pág. 51) Enquanto existir uma entidade a buscar e uma coisa a ser buscada, tem de existir o experimentador, aquele que reconhece e que constitui o núcleo (…) egocêntrico. Desse centro se originam todas as atividades, nobres e ignóbeis: desejo de riquezas e poder, (…) impulso de buscar a Deus, (…). (Diálogos sobre a Vida, 1ª ed., pág. 46) Quando a mente detém a busca por ter compreendido o total significado da busca, não cairão por si mesmas as limitações que ela a si própria impôs? E ela não se torna então o Imensurável, o Desconhecido? (Idem, pág. 47) Vós sois simples e ignorante? Se realmente o fôsseis, encontraríeis um grande deleite no iniciar a verdadeira busca; (…) A sabedoria e a verdade vêm ao homem que diz, verdadeiramente: “Sou ignorante, não sei”. São os simples, os
inocentes, e não os que estão repletos de saber, que verão a luz, porque eles são humildes. (Reflexões Sobre a Vida, pág. 140)
14. SABEDORIA, NÃO SE APRENDE DE OUTROS NEM DE LIVROS
Pergunta: Que é sabedoria? É diferente do saber? Krishnamurti: – Que é saber? Por certo, o saber é o princípio acumulador que existe em todos nós, e que é a memória. (…) Saber é um processo de verbalização; e tudo aquilo que foi acumulado, e que é experiência, memória, ou saber, nunca trará verdade. (…) (Por que não te Satisfaz a Vida, pág. 79) (…) A experiência, pois, é um processo de reação da mente condicionada; e onde há o saber ou o acúmulo de experiências, lembranças, palavras, símbolos, imagens, não pode haver compreensão. Só pode surgir a compreensão quando estamos livres do saber. (…) (Idem, pág.80) Assim, pois, a compreensão não é o resultado de acumulação, e sabedoria não é saber. A sabedoria é independente do saber. (…) A sabedoria tem existência momento a momento, ao passo que o saber nunca pode livrar-se do passado, do tempo. A sabedoria é livre do tempo, (…). O homem que sabe pode não ser sábio, porque o seu próprio conhecimento nega a sabedoria. (…) (Idem, pág. 80) A memória é experiência acumulada e o que está acumulado é o que se sabe, e o que se sabe é sempre coisa passada. Com essa carga de lembrança é possível descobrir-se (…) o Atemporal? Não é necessário estarmos libertos do passado para que possamos conhecer o Imensurável? (…) A sabedoria não é memória acumulada, porém, antes, suprema receptividade para o Real. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 178-179) (…) Se tenho um problema e desejo realmente compreendê-lo, não devo aplicar-me a ele com a mente cheia de preocupação e agitação. Tenho de fazê-lo com a mente livre; porque só a mente passível, a mente vigilante, é capaz de compreensão. A mente que é capaz de estar silenciosa está apta a receber a verdade. (…) A verdade é totalmente nova, livre. A ela não podemos chegar-nos com idéias preconcebidas, não é ela a experiência alheia. (…) (Nosso Único Problema, pág. 74) (…) Sabedoria não é acumulação de conhecimentos e experiência; a sabedoria não se adquire nos livros, (…). Nasce a sabedoria só quando há liberdade da
mente; e a mente que está tranquila encontrará o Atemporal, que é Imensurável, surgido na existência. (…) (Idem, pág. 77) (…) Sabedoria não é algo que se experimente ou se encontre em algum livro. A sabedoria não é coisa que se possa experimentar, (…) captar, acumular. Pelo contrário, a sabedoria é um “estado de ser” em que não há acumulação de espécie alguma; não se pode acumular sabedoria. (Que Estamos Buscando?, 1ª Ed, pág. 217) Digo que a sabedoria não pode ser comprada. A sabedoria não se encontra no processo de, acumulação; não é o resultado de inúmeras experiências; nem é adquirida pelo estudo. A sabedoria, a vida mesma, só pode ser entendida quando a mente estiver livre desse senso de busca, dessa procura de conforto, dessa imitação, pois estes são apenas meios de fuga (…). (Palestras na Itália e Noruega, 1933, pág. 163-164) (…) A sabedoria não é uma coisa que venha por meio de orientação, do seguir, por meio da leitura de livros. Não podeis aprender a sabedoria de segunda mão; entretanto, é isto o que estais tentando fazer. Assim, dizeis: “guiai-me, auxiliai-me, libertai-me”. (…) (Idem, 1933, pág.194) (…) O conhecimento nada tem que ver com a sabedoria. A sabedoria não pode ser comprada; é natural, espontânea, livre. Não é mercadoria que possais comprar de vosso guru, instrutor, ao preço de disciplinas. (…) (Palestras em Adyar, Índia, 1933-1934, pág. 101-102) Ora, confiamos demais no saber. O homem que escreve um livro sobre a mente ou que disserta a respeito da mente, aceitamo-lo como autoridade. Damos um nome ao seu pensamento, e o esposamos. Nunca nos pomos a investigar o inteiro processo do nosso pensar, para descobrirmos por nós mesmos. E é por isso que temos tantos líderes, cada um fazendo valer a sua autoridade, e nos dominando. E pode alguém lançar fora tudo isso e descobrir as coisas por si mesmo? Porque (…) o saber é um obstáculo à compreensão. (Viver sem Temor, pág. 14) Se um homem deseja construir uma ponte, para isso ele necessita, naturalmente, de saber, (…) de uma certa capacidade técnica. Mas, pode-se ter de antemão o conhecimento, isto é, a compreensão, de uma coisa viva? O que chamais “eu” é uma coisa viva, da qual não se pode ter conhecimento prévio. Pode-se ter experiências a ele relativas, ou conhecer o que outros disseram a seu respeito, mas se um de nós se põe a examinar a si mesmo, com um conhecimento prévio, nunca descobrirá o que é realmente. (…) (Idem, pág.14)
Com nossa busca de saber, com nossos desejos gananciosos, estamos perdendo o amor, estamos embotando o sentimento do belo, a sensibilidade à crueldade; estamo-nos tornando cada vez mais especializados e cada vez menos integrados. A sabedoria não pode ser substituída pela erudição, (…). (A Educação e o Significado da Vida, 1ª ed, pág. 78) (…) A erudição é necessária, a ciência tem o seu lugar próprio; mas se a mente e o coração estão sufocados pela erudição, e se a causa do sofrimento é posta de parte com uma explicação, a vida se torna vazia e sem sentido. (…) (Idem, pág. 78) O saber, o conhecimento de fatos, embora em constante crescimento, é por sua própria natureza limitado. A sabedoria é infinita, abarcando o saber bem como a esfera da ação; se nos apoderarmos de um ramo, pensamos que temos a árvore toda. O intelecto jamais nos levará ao todo, porque ele é apenas um segmento, uma parte. (Idem, pág. 79) Não é válida a experiência de outro para a compreensão da realidade. Entretanto, as religiões organizadas, no mundo inteiro, baseiam-se na experiência de outro, e, por conseguinte, elas não estão libertando o homem, porém, ao contrário, prendendo-o a um determinado padrão e instigando os homens uns contra os outros. (…) (O Caminho da Vida, pág. 27) (…) Sabeis, a maioria de nós deseja adquirir sabedoria ou verdade por meio de outrem, mediante algo vindo do exterior. Ninguém vos poderá transformar num artista; só vós próprios podereis fazê-lo. É isto que desejo dizer: posso dar-vos tinta, pinceis e tela, mas vós próprios tendes de vos tornar o artista, o pintor. (…) (Palestras na Itália e Noruega, 1933, pág. 40-41) Imaginais que qualquer sociedade ou livro vos pode dar sabedoria? Livros e sociedades podem fornecer-vos noções; (…). Se a sabedoria pudesse ser adquirida por meio de uma seita ou sociedade religiosa, todos seríamos sábios, (…). A sabedoria, porém, não se adquire por essa forma. A sabedoria é a compreensão do fluxo contínuo da vida ou da realidade, e somente é aprendida quando a mente está aberta e vulnerável, isto é, quando a mente não está mais embaraçada pelos seus próprios desejos de auto-proteção, reações e ilusões. (…) (Palestras no Brasil, pág. 48) Vamos averiguar o que entendeis por sabedoria, (…). Podeis conhecer, ou adquirir a sabedoria, ou só é possível conhecer fatos, e adquirir sapiência? Por certo, sapiência e sabedoria são duas coisas diferentes. Podeis saber tudo a respeito de uma coisa; mas será isso sabedoria? (…) (Que Estamos Buscando?, 1ª ed, pág. 84-85)
A sabedoria terá de ser adquirida aos poucos, em vidas consecutivas? Sabedoria será acumulação de experiência? Aquisição implica acumulação; experiência implica resíduo. (…) Esse processo de acumulação será sabedoria (…) Pode o homem que sabe ser sábio? O homem que sabe não é sábio, e o que não sabe é sábio. (Idem, pág. 85) A acumulação, pois, nunca é sabedoria, porquanto só pode haver acumulação daquilo que se conhece; e o que se conhece não pode, nunca, ser o desconhecido. (…) (Idem, pág. 86) A verdade não pode ser acumulada. Ela não é experiência. Ela é “experimentar” – em que não há experimentador nem experiência. Conhecimento implica alguém que acumula, que junta; (…) A sabedoria é como o amor; e, privados desse amor, queremos cultivar a sabedoria, (…) (Idem, pág. 86) A sabedoria é sempre vigorosa, sempre nova. Como se pode conhecer o novo, quando há continuidade? (…) Só quando há findar, há o novo, que é criador. Mas queremos continuar (…) e a mente em tais condições nunca pode conhecer a sabedoria. Pode conhecer, apenas, a sua própria projeção, suas próprias criações. (…) A verdade não pode ser procurada. A verdade só surge quando a mente está vazia de todo conhecimento, todo pensamento, toda experiência; e isso é sabedoria. (Idem, pág. 86-87) Assim, perceber o processo integral de nós mesmos é o começo da sabedoria. A sabedoria não é algo que se possa comprar nos livros, (…) aprender de outras pessoas, # (…) acumular pela experiência. (…) (Viver sem Confusão, pág. 70) A experiência é simples memória; e a acumulação de lembranças ou de conhecimentos não é sabedoria. A sabedoria, sem dúvida, é o experimentar a cada momento, sem condenação nem justificação; é a compreensão (…) de cada reação, de modo que a mente vá ao encontro de cada problema por maneira nova. (…) (Idem, pág. 71) A erudição não é comparável com a inteligência, erudição não é sabedoria. A sabedoria não é comerciável, não é artigo que se possa comprar pelo preço de estudo e da disciplina. Não se encontra sabedoria nos livros; não pode ser acumulada, guardada ou armazenada na memória. A sabedoria vem pela negação do “eu”. Ter a mente aberta é mais importante do que aprender (…). A sabedoria não pode ser adquirida pelo temor e pela opressão, mas só pelo exame e pela compreensão dos incidentes de cada dia, nas relações humanas. (A Educação e o Significado da Vida, 1ª ed, pág. 78)
Uma vida primitiva não é uma vida espiritual. O primitivo tem tanto medo como o chamado civilizado, e a diferença é só que seus temores são mais rudimentares, mais superficiais. Mas, em certo sentido, é necessário que o indivíduo “sofisticado”, eminentemente culto, muito sabedor se torne primitivo. Precisa tornar-se novo, “inocente”, morrer para todo o saber que acumulou. (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed, pág. 59) (…) A compreensão do “eu” é o começo da sabedoria, e sabedoria não é reação. Só quando compreendo todo o processo da reação, que é condicionamento, só então existe um centro sem ponto, que é a sabedoria. (Que Estamos Buscando?, lª ed, pág. 215) (…) Por conseguinte, o autoconhecimento é o começo da sabedoria. A sabedoria não se compra nos livros; (…) não é experiência; (…) não é a acumulação de nenhuma espécie de virtude, nem o evitar o mal. A sabedoria só vem pelo autoconhecimento, pela compreensão de toda a estrutura, de todo o processo do “eu”. (Viver sem Confusão, pág. 52) Assim, pois, o autoconhecimento é o começo da sabedoria, e sem a sabedoria não pode haver tranqüilidade. Sabedoria não é sapiência. A sapiência é um obstáculo à sabedoria, à revelação do “ego”, momento a momento. (…) (O que te fará Feliz?, pág. 97) (…) A sabedoria não tem autoridade; ela vem à existência quando a mente começa a compreender as profundezas e amplidões da sua própria natureza, sobre as quais não é possível especular. (…) (Claridade na Ação, pág. 147) (…) Para descobrirmos o que é criador, precisamos proceder de maneira nova. A mente deve estar vazia, livre de todo saber, livre da memória. Só então existe a possibilidade de relações de uma nova espécie, de um mundo novo. (Idem, pág. 147) Não há caminho para a sabedoria. Se algum caminho existe, então a sabedoria é coisa formulada de antemão, já imaginada, conhecida. (…). A experiência e o saber, uma vez que são contínuos, abrem um caminho para suas próprias projeções, e por isso são sempre entraves. A sabedoria é a compreensão do que é, momento a momento, sem acumulação de experiência e conhecimento. O que se acumula não dá liberdade para compreender, e sem liberdade não há possibilidade de descobrimento; (…). A sabedoria é sempre nova, sempre fresca, e não há nenhum meio de a acumularmos. O meio destrói o que é novo, (…) espontâneo. (Comentários sobre o Viver, pág. 94) Vede, (…). Não interpreteis “sem conhecimento” como um estado de ignorância. Ser “sem conhecimento” é possuir a sabedoria; porque o
conhecimento tem continuidade, e a sabedoria não tem. (…) (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed, pág. 29) (…) A mente silenciosa – mas não silenciada – só ela pode perceber o Imensurável. A solução do problema (…) está na compreensão das relações; por conseguinte a meditação é o começo do autoconhecimento e o autoconhecimento é o começo da sabedoria. (…) Nasce a sabedoria só quando há liberdade da mente; e a mente que está tranquila encontrará o Atemporal, que é o Imensurável, surgido na existência. (…) A mente tem de ser induzida a recebê-lo de maneira nova, de cada vez; e a mente que acumula saber, virtude, é incapaz de receber o eterno (Nosso Único Problema, pág. 77)
15. ORIGINALIDADE ESPIRITUAL; MENTE DE SEGUNDA MÃO
Quer-me parecer que muito raramente fazemos a nós mesmos uma pergunta fundamental; e, quando a fazemos, em geral a ela respondemos em conformidade com nosso gosto particular, nossa fantasia ou crença, e, consequentemente, a pergunta original – a pergunta essencial, fundamental – fica sem resposta. (…) E eu penso que não só devemos fazer perguntas fundamentais, mas também procurar descobrir as respostas verdadeiras, originais. (O Descobrimento do Amor, pág. 139) Nesta manhã desejo falar sobre o processo de ajustamento; isto é, desejo averiguar se existe alguma coisa de original, (…) completamente isenta de ajustamento e que não seja mera abstração, uma simples idéia, porém fato tão real como qualquer fato da vida diária. Assim sendo, a pergunta fundamental que fazemos a nós mesmos é esta: até onde é possível eliminar o ajustamento? É possível eliminar inteiramente o ajustamento e, desse modo, permitir a existência do original? (…) (Idem, pág. 139) Por certo, só livres do ajustamento poderemos descobrir por nós mesmos o que é original, essencial, verdadeiro; e, a menos que nós próprios o descubramos, viveremos sempre uma vida “falsificada”, (…) de “segunda mão”, de imitação. (…) (Idem, pág. 140) Por “ajustamento” entendo o processo no qual o “pensamento” e o “pensador” estão sempre a moldar-se por um padrão, sempre a imitar, a repetir, a sujeitarse a um determinado padrão ou ideal, em suas relações. Esse ajustar-se é a norma de nossa vida, o padrão diário de nossa existência; e estamos agora a interrogar-nos se esse ajustamento pode terminar. (Idem, pág. 140) E devemos também perguntar-nos se a terminação do ajustamento causa desordem e por essa razão somos obrigados a ajustar-nos; ou se, terminando o ajustamento, ocorre o descobrimento de algo totalmente original, não “falsificado” ou de “segunda mão”. (Idem, pág. 140) Em geral, nossa vida é sem originalidade. Não sabemos, por nós mesmos, o que é original, nem mesmo se existe algo que se possa chamar “original”. A meu ver, a palavra “original” é de ordinário mal empregada. Falamos, muitas vezes, sobre literatura “original”, um quadro “original”, uma maneira “original”
de pensar ou de expressar-nos; (…). Não me parece adequado o emprego da palavra “original” em tais casos. Há certa coisa original que as religiões de todo o mundo (…) sempre andaram buscando. (…) (Idem, pág. 140) Agora, antes de tudo mais, estamos totalmente cônscios desse processo de ajustamento que se verifica em cada um de nós. (…) É bem evidente que, quanto mais esforços fazemos, tanto maiores se tornam o conflito e a confusão e, por conseguinte, (…) nossa aflição e dor. Cabe-nos, pois, averiguar se é possível vivermos sem esforços, isto é, vivermos originalmente e, por conseguinte, livres de todo ajustamento. (Idem, pág. 141) Ora, para se alcançar esse ponto, devemos primeiramente estar cônscios (…) da natureza da mente que se ajusta. (…) Todo ajustamento implica esforço, não? E quando há esforço (…) não há verdadeiras relações. Se me esforço para ser bondoso, afetuoso ou cortês para convosco, isso nada significa. A bondade, a delicadeza, a afeição emanam de um estado mental em que não existe esforço algum; (…) (Idem, pág. 141 142) Em relação a certas coisas externas, superficiais, há uma natural necessidade de ajustamento, (…). Aqui, eu me “ajusto” vestindo esta espécie de traje; na índia, me “ajusto” de outra maneira, vestindo trajes diferentes. (…) (Idem, pág. 142) Mas, tenho necessidade de “ajustar-me” ao veneno do nacionalismo? (…) a um dado padrão de existência, uma certa maneira de pensar que a sociedade procura impor-me e, em virtude da qual, minha mente é moldada pela religião organizada, pelas influências econômicas e sociais? (…) (Idem, pág. 142) Superficialmente, o ajustamento, a adaptabilidade, são necessários; porém, interiormente, profundamente, o ajustamento acarreta esforço e, por conseguinte, imitação. Enquanto está a imitar, a esforçar-se por ajustar-se, a mente está a isolar-se; por conseguinte, não há para ela relações, e o que faz é apenas aumentar o medo. (Idem, pág. 147) Assim, para a mente que leva essa carga constituída pelo medo, o ajustamento, o pensador, não é possível a compreensão daquilo que se pode chamar o original. (…) Quando a mente humana está livre de todo temor, não está então – em seu desejo de saber o que é original – em busca de prazer para si própria, nem de nenhuma via de fuga e, por conseguinte, em sua investigação já não existe autoridade alguma. (…) (Idem, pág. 148) É possível a mente achar-se sempre em ação, diretamente, espontânea e livremente, de modo que nunca tenha um momento de tempo? Porque o tempo é pensamento periférico. (…) O pensamento jamais pode ser original. Podeis usar palavras, que pertencem ao passado, expressar o original, mas o original
não pertence ao tempo. Por conseguinte, para descobrir o original deve a mente estar inteiramente livre do tempo do tempo – do tempo psicológico; (…). (O Despertar da Sensibilidade, pág. 150) (…) Só então a mente tem a possibilidade de descobrir, por si própria, o que é original – descobri-lo não como mente individual, porém como ente humano. Não existe mente “individual”, absolutamente. Somos totalmente relacionados. Compreendei isso, (…). A mente não é uma coisa separada; é uma totalidade. Todos vivemos a ajustar-nos, todos temos medo, todos estamos a fugir. E, para compreendermos, cada um de nós – não como indivíduo, porém como ente humano total – o que é o original, precisamos compreender a totalidade do sofrimento humano. (…) (O Descobrimento do Amor, pág. 148) (…) Do contrário, somos entes humanos “de segunda mão”; e porque somos imitações, entes humanos falsificados, o sofrimento nunca tem fim. Assim, pois, o findar do sofrimento é, em essência, o começo do original. (…) (Idem, pág. 148) Estamos, pois, aprendendo, e esse aprender nunca é ajustamento a nenhum padrão; (…) Quer se trate de padrão estabelecido por Buda, por Cristo, por Sankara, quer do padrão de vosso guru favorito, o aprender nenhuma relação tem com ele. Por que no ajustamento cessa todo aprender e, por conseguinte, nunca há originalidade. E nós estamos descobrindo por meio do aprender, com originalidade. (Uma Nova Maneira de Agir, 1ª ed., pág. 34) Conforme o dicionário, a palavra “autoridade” deriva de “autor”: “aquele que lança uma idéia original, que cria alguma coisa inteiramente nova”. Esse homem estabelece um padrão, um sistema baseado em suas idéias; (…). O seguidor aceita a “autoridade”, a fim de alcançar o que promete o seu sistema de filosofia ou de idéias; a esse sistema se apega, dele fica dependente (…). O seguidor, pois, é um ente humano sem originalidade; assim é a maioria das pessoas. (…) (A Questão do Impossível, pág. 22) Poderão pensar que têm idéias originais, na pintura, na literatura, etc., mas, essencialmente, já que estão condicionados para seguir, imitar, ajustar-se, tornaram-se entes humanos de “segunda mão, (…). Esse é um dos aspectos da natureza destrutiva da autoridade. (Idem, pág. 22) (…) Afinal de contas, por individualidade entendemos a qualidade que encerra originalidade, força criadora, a qualidade de singularidade criadora. (…) Se examinarmos a nossa conduta de cada dia, nossa cotidiana maneira de pensar, veremos que o processo de nossa ação é imitação contínua, mero copiar. (…) E porque vivemos imitando, copiando, não somos, absolutamente, indivíduos.
Citamos o que disse fulano de tal, o que disse Sankaracharia, Buda ou Cristo, porque se tornou nosso padrão de existência; nunca procuramos descobrir, achar a verdade por nós mesmos, mas repetir o que outras pessoas descobriram, (…). Quando tomamos a experiência alheia, (…) para padrão de nossa ação, ela (…) é uma mentira. (…) (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 140) Ao compreendermos a total estrutura do sofrimento, pondo, portanto, fim ao sofrimento, teremos então a possibilidade de encontrar (…) aquela coisa extraordinária que é a origem de toda a vida, aquela fantástica energia, que está sempre a “explodir”. Essa energia não é um movimento em direção alguma e, por conseguinte, “explode”. (O Descobrimento do Amor, pág. 149) Senhores, (…). Já experimentastes alguma vez reunir toda a vossa energia – física, emocional, mental, visual, (…) e “com ela ficar”, completamente, tranquilamente? (…) Se a energia tem algum movimento em qualquer direção (…) está sendo dissipada. Mas, quando toda a nossa energia fica completamente imóvel, inicia-se um movimento que é original e, por consequência, “explosivo”. (…) (Idem, pág. 149) Experimentai o, uma ocasião, e vede se sois capaz disso. Mas, para tanto, requer-se uma grande soma de inteligência, extraordinária vigilância; (…). Se puderdes reunir toda a vossa energia, sem esforço, vossa mente estará então transbordante de energia, sem atrito de espécie alguma. Verifica se, então, uma “explosão” – e, dessa explosão, surge o original. (Idem, pág. 149) Vós não estais habituados a investigar, (…) a observar-vos; costumais ler o que outras pessoas dizem, a citar Sankara, Buda (…). Bom seria que nunca dissésseis uma palavra que não represente um descobrimento feito por vós mesmos, (…) que vós mesmos não conheçais. Isso significa lançar para o lado todos os gurus, todos os livros sagrados ou religiosos, todas as teorias, tudo o que disseram os filósofos – embora tenhais de conservar os vossos livros técnicos e científicos. (O Novo Ente Humano, pág. 63) Nunca digais nada que não compreendais, que vós mesmos não tenhais descoberto. Vereis, então, como a atividade da mente sofrerá uma extraordinária transformação. Ora, nós, entes humanos “de segunda mão”, queremos descobrir uma maneira de viver realmente livre do tempo, porque o pensamento é tempo, e o tempo forma as coisas gradualmente. Gradualidade implica tempo. (Idem, pág. 63-64) (…) O pensamento funciona no tempo; penso na vida como movimento de um ponto para outro e, agora, estamos inquirindo se existe uma maneira de viver em que o tempo não exista absolutamente. O que nos interessa é a mudança,
a revolução, a total mutação da estrutura mesma das células cerebrais; de outro modo, não será possível criar-se uma nova cultura, uma nova maneira de viver – um viver numa dimensão inteiramente diferente. (…) (Idem, pág. 64) (…) Sois capazes de citar uma dúzia de livros, mas não conheceis a vós mesmos. Sois entes humanos “de segunda mão”, e os problemas exigem uma mente de “primeira mão”, que esteja diretamente em contacto com o problema, não uma mente (…) embotada. (…) (Uma Nova Maneira de Agir, 1ª ed., pág. 24) Para esse homem que total e completamente rejeita a palavra, o símbolo e sua influência condicionadora, a Verdade não é uma coisa de segunda mão. Se o tivésseis escutado realmente, senhor, saberíeis (…) que a aceitação da autoridade é a negação mesma da Verdade, (…) que devemos ficar fora de toda cultura, tradição e moralidade social. (…) Ele rejeita totalmente o passado, seus instrutores, seus intérpretes, suas teorias e fórmulas. (A Outra Margem do Caminho, pág. 12) Vede, senhor, (…). Cada um tem de descobrir a Verdade por si próprio. A Verdade não é uma coisa “de segunda mão”. Não podeis adquiri-la por intermédio de um guru, de um livro. Para conhecê-la, tendes de aprender; (…). E a beleza do aprender é o “não saber”. (…) A Verdade não é uma coisa “de segunda mão”; para descobrirdes, precisais de paixão, de “intensidade”. Inteligente, pois, é a mente que está aprendendo, e não aquela que repete o que aprendeu. (…) (O Novo Ente Humano, pág. 160) (…) Compreendemos a vida, se temos a mente cheia de coisas ditas por outras pessoas, se seguimos a experiência, o saber alheio? Ou só vem a compreensão quando a mente está quieta? – mas não quando foi aquietada, (…). Com o indagar, procurar, perscrutar, a mente se torna, inevitavelmente, tranquila, e então o problema revela todo o seu significado; (…). (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 190) (…) Positivamente, senhor, o homem de saber, o letrado, nunca pode conhecer a verdade; pelo contrário, o saber e a erudição devem cessar. A mente precisa ser simples, para compreender a verdade, e não estar cheia do saber de outras pessoas (…). (Idem, pág. 190) Temos vivido em conflito por milhares e milhares de anos, submetendo-nos, obedecendo, imitando, repetindo (…); temo nos convertido em pessoas de segunda mão, sempre citando a algum outro, o que o outro disse (…). Temos perdido a capacidade, a energia para aprender de nossas próprias ações. Somos os responsáveis por nossas próprias ações (…) – não a sociedade ou o meio, (…). Em um semelhante aprender descobrimos muitíssimo (…). Se
vocês sabem como ler esse livro, então não têm de ler nenhum outro livro – exceto, por exemplo, livros técnicos. (…) (La Llama de la Atención, pág. 24) (…) Em outras palavras, percebe a mente o problema do controle, da disciplina, da autoridade e das correspondentes reações – estão vocês (…) alertas a toda essa estrutura? (…). Se vocês percebem todo esse problema (…) – que implica ajuste a um modelo – porque o hão observado, (…) vivido, (…) vigiado atentamente, então isso é original e próprio de vocês; o outro é de segunda mão. (…) (El Despertar de la Inteligencia, II, pág. 109) Para a maioria de nós, isso é de segunda mão, porque somos gente de segunda mão (…). Todo nosso conhecimento é de segunda mão, como o são nossas tradições, (…). Vemos então que se trata de nossa própria percepção direta e não um conhecimento de segunda mão, aprendido de outro? Se foi aprendido de outro, então deve ser descartado em sua totalidade, (…). Se desprezaram o que outros – incluindo o que lhes fala – hão dito, então realmente estão aprendendo, não é verdade? (Idem, pág. 109-110) Que é para vocês o pensar? (…) Quase todos nós temos nos tornado pessoas de segunda mão; lemos muitíssimo, vamos a uma universidade e acumulamos uma grande quantidade de conhecimentos, de informação que se deriva do que outras pessoas pensam ou do que outros têm feito. E nós citamos esse conhecimento que temos adquirido e o comparamos com o que se está dizendo. Não há nada original, só repetimos, repetimos, repetimos. (…) (La Llama de la Atención, pág. 14) (…) Quando tendes esse desejo, essa capacidade de vos encher com o Seu gênio, com a Sua força, com a Sua nobreza, então vós próprios vos enobreceis e aprendeis a refletir a Sua divina originalidade, todas as fontes de beleza, todas as fontes de criação; e as tentativas de ser original, belo, criador, são de pouco proveito se não tivermos a compreensão e a capacidade de alcançar a fonte das coisas. (…) (O Reino da Felicidade, pág. 28)
16. DEUS, NOMES, ATRIBUTOS: ABSOLUTO, SUPREMO, INEFÁVEL
Pergunta: Que é Deus? Krishnamurti: Conheceis o aldeão, o simples; para ele Deus é aquela pequena imagem, diante da qual deposita flores. Povos primitivos chamam o trovão seu Deus. (…) Há gente na Índia, atualmente, que adora árvores. (Debates sobre Educação, pág. 137) Ides a um templo. Lá vedes uma imagem suave, enfeitada de flores, e fazeis puja diante dela. Podeis ir mais além e criar uma imagem na vossa mente, uma idéia nascida da vossa tradição, do vosso fundo; e a essa imagem chamais vosso Deus. (…) Isso é Deus? Ou Deus é algo inimaginável, imensurável pela mente? (Idem, pág. 137) Deus é algo completa e totalmente insondável por nós, e Ele se manifesta quando está quieta a nossa mente, sem projetar, sem lutar. Quando a mente está tranquila, tem-se então a possibilidade de saber o que é Deus. (Idem, pág. 137-138) O Deus por vós inventado não é Deus. A coisa feita pela mão, a imagem do templo, não é Deus, e também a coisa “feita” por vosso pensamento não é Deus. E é disso que viveis: da imagem feita pela mão ou pela mente. (O Novo Ente Humano, pág. 151) Mas, se realmente desejais investigar se existe ou não uma realidade atemporal, fora do campo do pensamento, cumpre-vos, então, compreender a natureza do pensamento. Mas, se meramente perguntais: “posso achar Deus?”, podeis achá-lo, (…) mas não será a Verdade, (…) o Real. (Idem, pág. 151) Minha doutrina difere (…). Eu nunca disse que não há Deus. O que eu disse é que só existe Deus conforme se manifesta em cada um de nós, e que, quando houverdes purificado aquilo que está dentro de vós mesmos, achareis a Verdade. É claro que Deus existe; mas não vou empregar a palavra Deus, porquanto ela assumiu um significado muito especial e estreito.
Para uns ela sugere um punho possante (…); para outros, um ser de longas barbas; para outros, uma Inteligência Onipotente, Onisciente e Suprema. Isso eu prefiro chamar Vida, porque nos aproxima mais da Verdade. (…) (Que o Entendimento seja Lei, pág. 11) Pergunta: Que pretendeis ao dizer que não há Deus? Krishnamurti: Eu nunca disse que não há Deus. Tenho dito muito claramente. Para descobrir se há ou não há Deus, é necessário abolir, apagar da mente todo e qualquer conceito relativo a Deus. (…) precisais apagar da mente todas as “informações” que tendes a respeito de Deus. (A Mutação Interior, pág. 69) As pessoas que vos deram tais “informações” podem estar muito enganadas; tendes de descobrir tudo por vós mesmo. E, para o descobrirdes por vós mesmo, deveis livrar-vos de todas as autoridades, compreender a estrutura total (…) (Idem, pág. 69) Se não há compreensão de tudo isso, a mera busca daquilo que chamais Deus nada significa. Deus é algo extraordinário, não imaginável por nenhuma espécie de crença. Vós tendes de descobri-lo. (…) Para descobrirdes, deveis primeiramente estar livre (Idem, pág. 69-70) Pergunta: Pode explicar o que é Deus? Krishnamurti: Que entende você por Deus? Eu jamais emprego a palavra “Deus” para indicar algo que não seja Deus. O que o pensamento tem inventado não é Deus. Se isso tem sido inventado pelo pensamento, segue dentro do campo do tempo, (…) do material. (Tradición y Revolución, pág. 291) Krishnamurti: Porém ele pode inventar Deus devido a que não poder ir mais longe. O pensamento conhece suas limitações, por isso trata de inventar o ilimitado a que chama Deus. Essa é a situação. (Idem, pág. 291) A vida é muito complexa, e a mente, mais complexa ainda e dotada de extraordinárias capacidades; (…). O centro que acumula é o “eu”, o “ego”, e, portanto, toda ação procedente desse centro poderá, apenas, aumentar o problema. A Realidade, Deus (…) deve ser algo totalmente novo, nunca dantes experimentado, completamente original; (…). (Percepção Criadora, pág. 42) Entretanto, toda igreja, toda organização religiosa, toda seita está sempre a falar de Deus; e os que crêem em Deus têm visões que fortalecem a sua crença. Ora, o que podemos reconhecer é sempre coisa já conhecida e, portanto, não pode ser o verdadeiro. O que é verdadeiro nunca foi anteriormente conhecido e, por conseguinte, a mente deve compreendê-lo de maneira nova, como coisa nova; (…) (Idem, pág. 42-43)
(…) Afinal, o atemporal, a eternidade, o inefável é isto: quando a própria mente é o desconhecido. Por ora, a mente é o conhecido, resultado do tempo, de ontem, do saber, de experiências e crenças acumuladas, e, nesse estado, a mente jamais chegará a conhecer o desconhecido. (…) (Idem, pág. 44) (…) Para o encontro com a vida, necessita se de vulnerabilidade e não da muralha respeitável da virtude, onde o “eu” se isola. O Supremo não pode ser atingido; não há caminho, (…) aperfeiçoamento (…) progressivo, para chegar se lá. A Verdade tem de vir, ninguém pode ir a ela, e a virtude cultivada não leva ninguém aonde ela está. O que se pode atingir não é a Verdade, mas o nosso próprio desejo, projetado; e é só na Verdade que se encontra a felicidade. (Comentários sobre o Viver, 1ª ed., pág. 31) Senhores, Deus não é uma coisa que se pode adquirir como se adquire (…) uma virtude. É algo incomparável, atemporal, inimaginável, inefável: não podeis ir a Ele. Ele deve vir a vós, e tão somente quando o vosso espírito não mais está buscando. (…) Quando a mente já não compara, não adquire – só a essa mente que está tranquila pode a Realidade manifestar-se; (…). Tereis (…) a mente que já não compara, já não adquire, a mente que ingressou num “estado de ser” – e nesse ser a Realidade penetra. (O Problema da Revolução Total, pág. 48) Pergunta: Vós atingistes o real. Podeis dizer o que é Deus? Krishnamurti: Como sabeis que atingi o real? Para sabê-lo, seria necessário que vós também o tivésseis alcançado. (…) Ora, por certo, meu atingimento da realidade nada tem que ver com o que estou dizendo, e o homem que venera outro homem, por ter esse outro alcançado a realidade, está, em verdade, rendendo culto à autoridade e, por conseguinte, nunca encontrará a verdade. (…) (A Primeira e Última Liberdade, pág. 257) Desejais que eu vos diga o que é a realidade. Pode o indescritível ser posto em palavras? Pode-se medir o imensurável? (…) Se o formulais, é o real? Naturalmente que não, (…). No momento em que traduzis o incognoscível no conhecido, ele deixa de ser o incognoscível. Entretanto, é isso o que buscamos, (…) (Idem, pág. 258) Consequentemente, em vez de perguntar quem atingiu o real ou o que é Deus, por que não aplicais toda a vossa atenção e vigilância ao que é? Encontrareis então o desconhecido, ou, melhor, ele virá ao vosso encontro. Se compreenderdes o que é conhecido, experimentareis aquele silêncio extraordinário, não provocado, não forçado, aquele vazio criador, no qual, e só nele, a realidade pode surgir. (…)
Vereis, pois, que a realidade não está longe; o desconhecido não está longe de nós; ele se acha em o que é. Assim como a solução de um problema se encontra no problema, assim também a realidade se encontra em o que é; se podemos compreendê-lo, conheceremos então a verdade. (Idem, pág. 259) O que importa é que o indivíduo compreenda a si mesmo, e se ponha frente a frente consigo mesmo, com aquela pobreza que sempre evitamos, com aquele vazio a que todos nos furtamos. E quando compreendermos isso, quando o experimentarmos (…) – só então haverá uma possibilidade de passarmos além e de descobrirmos o que é a verdade, ou o que é Deus. (Nós Somos o Problema, pág. 34) Procurando compreender o mundo exterior, chegaremos ao interior, e este, corretamente seguido e verdadeiramente compreendido, conduzirá ao Supremo. Essa realização não deriva da fuga e só ela proporcionará paz e ordem universal (Autoconhecimento, Correto Pensar, Felicidade, pág. 106-107) A Realidade, ou Deus, (…) não se alcança por meio de conflito. Pelo contrário, é imprescindível a extinção do “eu”, do centro de acumulação de conhecimentos, de virtude, de experiência (…). Só então, sem dúvida, é possível surgir aquele estado de Realidade. (A Renovação da Mente, pág. 2526) (…) Esta é a nossa vida: um vão processo de mentir, enganar, tentar tornarnos algo importante, lutar para dominar, reprimir. E pensais que essa vida tem alguma relação com a Realidade, a Bondade, a Beleza, Deus, com algo que não é de procedência humana? Entretanto (…) queremos trazer para ela aquela Realidade e tratamos de frequentar o templo, de ler livros sagrados, (…). Queremos trazer aquela imensidão, aquela imensurabilidade para dentro do “mensurável”. E tal coisa é possível? (O Homem Livre, pág. 182) Vedes como a mente engana a si própria? Podeis trazer o desconhecido, aquilo que não pode ser experimentado, para dentro do “condicionado”, para o reino do conhecido? Claro que não. (…) O mais que podeis fazer é observar o funcionamento de vossa própria mente, que é o campo do conflito, da angústia, do sofrimento, da ambição, do preenchimento, da frustração. Isso vós podeis compreender, e suas estreitas fronteiras podem ser derrubadas. (…) Quereis “capturar” Deus e prendê-lo na gaiola do “conhecido” – a gaiola que chamais “o templo”, “o livro”, “o guru”, “o sistema”, e com isso vos satisfazeis. Assim agindo pensais que vos estais tornando muito religiosos. (…) (Idem, pág. 182) Pode-se, pois, descobrir o que é criação, ou Deus (…)? (…) A criação liberta a mente da mediocridade e da deterioração. E se é este o estado que procuro, necessito de visão muito clara, a fim de não criar ilusão e de libertar a mente
para o verdadeiro descobrir; o que significa que ela, a mente, deve achar-se totalmente tranquila, para descobrir. Porque o estado criador não pode ser chamado; ele tem de vir por si. Deus não pode ser chamado: ele deve vir. Mas não virá se a mente não for livre. (…) (Poder e Realização, pág. 39-40) Para mim há Deus, uma vivente, eterna realidade. Mas essa realidade não pode ser descrita; cada um precisa realizá-la por si. Quem quer que procure imaginar o que é Deus, (…) a verdade, apenas está procurando uma fuga, um abrigo da rotina diária do conflito. (Palestras na Itália e Noruega, 1933, pág. 96) Muitos dentre nós sentem que há uma vida verdadeira, algo de eterno, mas são tão raros os momentos em que sentimos isso, que esse algo de eterno se vai retraindo mais e mais e nos parecendo menos real. (Coletânea de Palestras, pág. 43-44) Mas, para mim, há realidade; há uma realidade eterna e vivente à qual podeis chamar Deus, imortalidade, eternidade (…). Há alguma coisa viva, criadora, que não pode ser descrita, porque a realidade frustra toda descrição. (…) Não podeis saber o que seja amor pela descrição de outrem; para conhecerdes o amor é preciso que vós mesmos o experimenteis. (…) (Idem, pág. 44) Digo-vos que não posso descrever, não posso exprimir em palavras essa vivente realidade que está além de toda idéia de progresso, (…) de crescimento. Cuidado com o homem que tenta descrever essa vivente realidade; ela não pode ser descrita, tem de ser experimentada, vivida. (Idem, pág. 44) Para mim, existe uma realidade, uma verdade viva e imensa; e para compreendê-la é necessária absoluta simplicidade do pensamento. O que é simples é infinitamente sutil, o que é simples é extremamente delicado. (…) (A Luta do Homem, pág. 136) Afirmo que existe essa realidade viva, chamai-a Deus, ou como quiserdes, e que ela não pode ser encontrada nem sentida pela busca. Tudo que implica busca, implica contraste e dualidade. (…) (Idem, pág. 137) (…) Digo que existe uma realidade viva; chamai-a Deus, Verdade ou o que quiserdes, (…) – mas, para compreender isto, é preciso haver suprema inteligência e, portanto, não pode haver conformidade, (…) mas sim o exame ou a dúvida de todas as coisas, falsas e verdadeiras, nas quais a mente está presa. (…) (Palestras em Auckland, 1934, pág. 15) David Bohm: Contudo, penso que as pessoas achavam que Deus era uma base que não era indiferente à humanidade. Veja, elas podem tê-la inventado, mas era nisso que elas acreditavam (…)
Krishnamurti: (…) uma tremenda energia, possivelmente. (A Eliminação do Tempo Psicológico, pág. 58) Se uma vez houverdes entrado, houverdes respirado a frescura, a serenidade, a tranquilidade desse Reino, então aquelas coisas que são reais, (…) o fôlego da vida (…) nunca poderão ser esquecidas. (…) Somente então é que podeis saber que não estais seguindo cegamente as pegadas de outrem; somente então é que estais seguindo o Absoluto, o Eterno. Somente então sereis uno com Aquele que tem o seu ser em todas as coisas. (…) (O Reino da Felicidade, pág. 83)
17. IMENSURÁVEL, INCAUSADO, ALTÍSSIMO, VIDA, SER ÚNICO
É possível pensar a respeito do Real? (…) Podemos pensar a respeito do Incognoscível? Podemos pensar, meditar no Atemporal, quando nosso pensamento é o resultado do passado, do tempo? (…) O pensamento que resulta de uma causa não será jamais capaz de formular o Incausado. Ele só pode ocupar-se do conhecido, (…). (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 263-264) (…) Nessa liberdade, nessa solidão, há uma compreensão que transcende todas as criações da mente. Não indaguemos se a mente pode jamais ficar livre do condicionamento, da influência; averiguaremos isso à medida que formos avançando no autoconhecimento e na compreensão. O pensamento, que é um resultado, não é capaz de compreender o Incausado. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 249) Várias vezes tenho explicado (…). Para compreender o incriado, o não artificial, o pensamento-sentimento deve transcender aquilo que foi criado, o resultado do “eu”; (…). E só com essa libertação, só quando o observador e o observado desaparecem, há o Imensurável. (Autoconhecimento, Correto Pensar, Felicidade, pág. 127) O que foi criado não pode pensar no Incriado. Pode pensar somente nas próprias criações, que não são o Real. (…) Podeis especular acerca do incognoscível, mas não podeis pensar a seu respeito. (…) (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 251) (…) A realidade não é o Incriado? Não deve, pois, a mente desistir de criar, de formular, para que possa compreender o Incriado? Não deve a mente-coração ficar absolutamente quieta e silenciosa para conhecer o Real? (Idem, pág. 54) No fim de tudo, para compreender a Vida, Deus, o Desconhecido, (…) têm a mente e o coração de estar não preparados, inseguros. Na vitalidade da insegurança reside o Eterno. (Palestras em New York City, 1935, pág. 39) Só pode haver verdadeiramente entendimento, alegria real de viver, quando houver completa unidade, ou quando não mais existir o ponto fixo, isto é,
quando a mente e o coração puderem acompanhar livres e rápidas as ondulações da Vida, da Verdade. (Idem, pág. 43) Compreender a imortalidade, a Vida, é coisa que exige grande inteligência (…). Isso exige um incessante discernimento que só pode existir quando houver constante penetração, o demolir das paredes da tradição, da aquisitividade e das reações autoprotetoras. Podeis fugir para alguma ilusão a que chamais paz, imortalidade, Deus, porém isso não terá realidade. (…) (Idem, 1935, pág. 44) O que, porém, há de libertar a mente e o coração da tristeza e das ilusões é o pleno apercebimento do eterno movimento da Vida. Este só é discernido quando a mente está livre do centro, daquele centro de consciência que é limitado. (Idem, pág. 45) Assim, aquela realidade imensurável, inominável, que nenhuma palavra tem, aquela realidade só se manifesta quando a mente está toda livre e silenciosa, num estado de criação. O estado de criação não é um simples estado alcoólico, estimulado; mas quando uma pessoa compreendeu e passou por esse processo de autoconhecimento, e se acha livre de todas as reações de inveja, ambição e avidez, ver-se-á, então, que a criação é sempre nova e, por conseguinte, sempre destrutiva. (O Passo Decisivo, pág. 178) E a criação nunca pode existir dentro da estrutura da sociedade, (…) de uma individualidade limitada. (…) E, quando há aquela criação, dá-se a total destruição de todas as coisas que um homem acumulou, e, por conseguinte, existe sempre o novo. E o novo é sempre verdadeiro, imensurável. (Idem, pág. 178) (…) Essa ação criadora pode ser a Realidade, o Altíssimo, o Sublime, e enquanto a mente não tiver conhecimento desse estado criador, todo o seu pensar só haverá de produzir novos sofrimentos. (Palestras na Austrália e Holanda, 1955, pág. 19) No silêncio, na tranquilidade suprema, detida a incansável atividade da memória, está o Imensurável, o Eterno. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 272) É possível pensar a respeito do Real? Podemos ser capazes de formular, de imaginar e especular sobre o que pensamos ser o Real, mas é isso o Real? Pode se pensar a respeito do incognoscível? Podemos pensar, meditar no Atemporal, quando nosso pensamento é o resultado do passado, do tempo? O passado é sempre o conhecido e o pensamento que está baseado no passado só pode criar o conhecido. Por conseguinte, pensar na verdade é estar preso
nas redes da ignorância. (…) O pensamento que resulta de uma causa não será jamais capaz de formular o Incausado. (…) (Idem, pág. 263-264) Digo que a Vida é uma só, embora as expressões da Vida sejam múltiplas. (…) (Que o Entendimento seja Lei, pág. 9) (…) A Verdade, tal como a Vida, é como o raio do sol; se sois sensato, abrirlhe-eis as janelas; se não (…) descereis as cortinas. Se estivésseis enamorados da Verdade, essas imagens não teriam mais valor (…). (Idem, pág. 11) Quando estiverdes enamorados da Vida e puserdes esse amor acima de todas as coisas, (…) desaparecerá então esta estagnação que chamais moral; o que ocupará vosso pensamento será, então, o quanto estais enamorados da vida (…). E para julgar segundo a Verdade, é preciso que estejais apaixonados pela Vida; mas, então, nunca julgareis, em circunstância alguma. (…) (Idem, pág. 12) (…) A Verdade, que é a vida, nada tem com pessoa alguma nem com organização alguma. (…) Não me interessam sociedades, religiões, dogmas; o que me interessa é a Vida, porque eu sou a Vida. Não almejais a Vida e o preenchimento da Vida, que é a Verdade; (…). (Idem, pág. 14) A vida está a todo momento em um estado de nascença, de surgir, de vir a ser. Nesse surgir,(…) vir a ser por si mesmo, não há continuidade, nada que se possa identificar como sendo permanente. A vida está em constante movimento, em ação; cada momento dessa ação jamais existiu anteriormente e jamais existirá de novo. Cada novo momento, porém, forma uma continuidade de movimento. (Palestras em Ojai, Califórnia, 1936, pág. 89-90) O movimento da vida não tem continuidade. Está a cada momento surgindo, vindo à existência, estando, portanto, num estado de ação, de fluxo perpétuo. (…) (Idem, pág. 90) Afinal, que é a vida? É uma coisa sempre nova, (…). Uma coisa que se está sempre transformando, sempre criando um sentimento novo. Hoje jamais é igual a ontem, e esta é a beleza da vida. Podemos, vós e eu, enfrentar cada problema de maneira nova? (…) Nunca podereis, se estais carregado das lembranças de ontem. (…) (A Primeira e Última Liberdade, 1ª ed., pág. 262) A plenitude da vida só é possível quando a mente-coração estiver integralmente vulnerável ao movimento da vida, sem nenhum obstáculo artificial e autocriado. A riqueza da vida advém quando a carência, com suas
ilusões e valores, tiver cessado. (Palestras em Ommen, Holanda, 1936, pág. 61) Uni-vos com a vida, e vos unireis com todas as coisas. (…) Se estais enamorado da Vida, então vós vos unireis com a Vida, quer a chameis Buda ou Cristo, (…). (Que o Entendimento seja Lei, pág. 19) Existe um movimento, um processo de vida, sem fim, que pode ser chamado infinito. Pela autoridade e imitação, nascidas do medo, cria a mente para si própria múltiplas falsas reações, e por meio delas limita-se a si própria. (Palestras em Ojai, Califórnia, 1936, pág. 19-20) A Vida é livre, incondicionada, ilimitável e, para atingi-la, é preciso não trilhar um caminho qualquer (…), limitado, restrito. Pois a Verdade é o todo e não a parte. A ela não podereis chegar com mentes não adestradas, apenas meio evoluídas, e com semi-evoluídas emoções, pois ela é a perfeita harmonia, o perfeito equilíbrio da mente e do coração, que é a Vida. (…) (Boletim Internacional da Estrela, set. de 1929, pág. 22) (…) Quando já houverdes reconhecido essa Lei, que é universal, a Vida una em todas as coisas, então vivereis em verdadeira amizade e afeição a todos. (O Reino da Felicidade, pág. 69) Mas, primeiramente, (…) tendes de tornar esse templo, que é o corpo físico, perfeito, forte e realmente belo. Cada gesto, cada movimento, cada ação (…) deve ser apurado e belo, e deve representar o templo em que habita a Eternidade (…). (O Reino da Felicidade, pág. 25) (…) É só na essência criadora da Realidade que se verifica o término do conflito e da aflição. (…) Esse anseio de vir a ser nasce da ignorância, pois o presente é que é o Eterno. É só na solidão da Realidade que se encontra a plenitude; na chama da criação não há “outro”; só há o Ser único. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 139-140) (…) Mas, para que compreendam o eterno, precisam eles saber que a Verdade é uma só, que a Vida é uma só, embora essa Vida se expresse de muitas maneiras. (A Finalidade da Vida, pág. 5) Livre é o homem que vive no Eterno/ Porque a Vida é. (A Canção da Vida, 4ª ed., 1982 VI, 11, pág.13) Ali está a unidade de toda a Vida/ Ali está a silenciosa Fonte/ que nutre os vertiginosos mundos. (Idem, X, 2, pág. 20)
Dessa Vida, imortal e livre/ Eu sou a eterna fonte/ Eis a Vida que eu canto. (Idem, VII, 8, pรกg. 17)
18. DESCONHECIDO, CONHECIDO, ATEMPORAL; REAL, ETERNO
Tenho sustentado, (…) que a mente precisa ser livre do conhecido para achar algo que pode ser chamado “o desconhecido”. (…) Ora, pode a mente ser libertada de todas as suas suposições, crenças, dogmas, hábitos de pensamento? Expressando-o diferentemente: Pode a mente tornar se simples, para ser capaz de uma experiência completamente nova – e não uma experiência baseada em coisas velhas, (…) projetada? Pode a mente estar aberta para o Desconhecido (…), e estar cônscia ao mesmo tempo do conhecido, como fato presente? (…) (Palestras na Austrália e Holanda, 1955, pág. 59) (…) Poderá a mente transcender o pensamento, que é resultado do conhecido? Não pode, evidentemente; porque, quando o pensamento procura passar além, o que ele segue é sua própria “projeção”. O pensamento não pode experimentar o desconhecido, só pode experimentar o que ele próprio “projetou”, que é o conhecido. (…) Assim, a mente precisa findar – o que significa que deve estar quieta, meditativa. (…) É só quando a mente está tranquila, não tendo sido obrigada a ficar tranquila, que existe a possibilidade de experimentar o desconhecido. (Que Estamos Buscando?, pág. 135-136) Temos de estar livres de toda crença, o que quer dizer de todo medo, para sabermos se existe uma Realidade, um estado Atemporal. Para descobrir é preciso estar liberto – liberto do medo, da avidez, da ambição, da inveja, da competição, da desumanidade; só então a mente estará lúcida, sem obstáculos, sem conflito nenhum. Só uma mente assim é serena e apenas a mente serena pode descobrir se existe o eterno, o inominável. (O Mundo Somos Nós, pág. 50) O Eterno é sempre o desconhecido para a mente que acumula. O que se acumula são lembranças – e a memória é sempre o passado, sempre presa ao tempo. O que resultou do tempo não pode compreender o Atemporal, o Desconhecido. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 222) (…) Só no desconhecido há renovação; é no desconhecido que há criação, e não na continuidade. Assim, precisais sondar o desconhecido, mas, para tanto, não podeis ficar apegado à continuidade do conhecido; porque o “eu” e a constante repetição do “eu” recaem no campo do tempo, com suas lutas, (…)
realizações, (…) lembranças. (…) Para investigar o desconhecido, a mente precisa tornar-se o desconhecido. (…) (A Arte da Libertação, pág. 129-130) Quando a mente coração é ampla, profunda e tranquila, acontece o Real. Se a mente busca um resultado, por nobre e digno que seja, se está interessada em vir a ser, já não é ampla e infinitamente flexível. Ela deve ser tal como o Desconhecido, para receber o Incognoscível. Deve estar inteiramente tranquila, para que o Eterno seja. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 121) Para estarmos cônscios de algo que não seja parte da projeção do conhecido, torna-se necessária a eliminação, por meio da compreensão, do processo do conhecido. Por que a mente está sempre apegada ao conhecido? Não é porque a mente está sempre em busca da certeza, da segurança? Sua natureza intrínseca é o conhecido, o tempo. Como pode esta mente, que está alicerçada justamente no tempo, no passado, conhecer o atemporal? Ela pode conceber, formular, imaginar o desconhecido, mas tudo isso é absurdo. O desconhecido só pode se manifestar quando o conhecido é compreendido, dissolvido, abandonado. (A Primeira e Ultima Liberdade, 1ª ed., pág. 152) Ora, a única liberdade verdadeira é a que consiste em estar livre do “conhecido”. (…) O conhecido tem seu lugar próprio, (…). Preciso conhecer certas coisas para que possa “funcionar” na vida de cada dia. Se eu não soubesse onde resido, perder-me-ia. E há o saber acumulado das ciências, da medicina e de várias tecnologias, o qual se vai acrescentando constantemente. (Experimente um Novo Caminho, pág. 39-40) Tudo isso está contido no campo do “conhecido”, e tem seu lugar próprio. Mas o “conhecido” é sempre mecânico. Toda experiência que tivestes, seja do passado remoto, seja apenas de ontem, está no campo do “conhecido”, e daí, desse fundo, reconheceis toda experiência ulterior. No campo do conhecido, há sempre apego, com os concomitantes temores e desesperos; e a mente aprisionada nesse campo, por mais extenso e amplo que seja, não é livre. Poderá escrever livros (…) saber como se vai à lua (…) – mas essa mente está ainda aprisionada na esfera do conhecido. (Idem, pág. 40) (…) Dentro desse campo, pode-se produzir, (…) inventar, (…) pintar quadros, fazer as coisas mais extraordinárias (…); nada disso, porém, é criação. Essa perene busca de grandes feitos e de expressão pessoal é de todo em todo pueril, pelo menos para mim. (Idem, pág. 41)
Ora, estar livre de tudo isso é estar livre do “conhecido”; é o estado da mente que diz: “Não sei” – e que não está procurando resposta. Essa mente se acha, toda ela, num estado de “não procura”, de “não expectativa”; e só nesse estado pode-se dizer “compreendo”. É o único estado em que a mente é livre, e desse estado podeis olhar as coisas conhecidas (…). Do conhecido não tendes possibilidade de ver o desconhecido; (…). (Idem, pág. 41) A Realidade está presente aqui, neste momento, (…) ao nosso alcance. O eterno, o atemporal existe agora, e não pode o agora ser compreendido por aquele que está preso na rede do tempo. (…) (Uma Nova Maneira de Viver, pág. 117) Ora, o que continua não tem renovação. (…) Mas é esse findar que nos apavora, não percebendo que só no findar pode haver renovação, criação, o desconhecido (…). É só quando morremos em cada dia para tudo o que é velho, é que pode haver o novo. Não pode existir o novo onde existe a continuidade – pois o novo, o criador, o desconhecido, o eterno, Deus, (…). (Viver sem Confusão, pág. 31) Mas é possível à mente pôr de lado todo o seu saber, (…) experiências, (…) lembranças, (…) achar-se naquele estado de desconhecimento? Esse é o mistério (…). Não pode a mente tornar-se, ela própria, o desconhecido, ser o desconhecido? (…) (Poder e Realização, pág. 77) Isso requer (…) uma liberdade extraordinária das prisões do conhecido. A mente está sempre tentando, com a carga do conhecido, apoderar-se do desconhecido. Mas quando a mente está liberta do passado (…) – da experiência, (…) memória , (…) conhecimento – ela é então o desconhecido, e para essa mente não existe a morte. (Idem, pág. 77) Para conhecer o desconhecido, deve a mente ser, ela própria, o desconhecido. A mente tem sido até agora o resultado do conhecido. Que sois vós senão uma acumulação de coisas conhecidas: vossas tribulações, (…) vaidades, (…) ambições, dores, realizações e frustrações? Tudo isso é conhecido, o conhecido do tempo e do espaço; e enquanto a mente estiver funcionando dentro da esfera do tempo, do conhecido, jamais poderá ser o desconhecido; (…). (Percepção Criadora, pág. 87) Pois bem (…). Afinal, o atemporal, a eternidade inefável é isto: quando a própria mente é o desconhecido. Por ora, a mente é o conhecido, resultado do tempo, de ontem, do saber, de experiências e crenças acumuladas, e, nesse estado, a mente jamais chegará a conhecer o desconhecido. (…) (Percepção Criadora, pág. 44)
Para que o desconhecido venha à existência, a mente precisa estar completamente vazia; não pode haver o experimentar da realidade, porque o experimentador é o “eu”, com todas as suas lembranças acumuladas, tanto conscientes como inconscientes. O “eu”, que é o resíduo de tudo isso, diz: “Estou experimentando”; mas aquilo que ele pode experimentar é apenas a sua própria projeção. O “eu” não pode experimentar o desconhecido; só lhe é possível experimentar o conhecido, o que foi projetado de si mesmo, (…) criação do pensamento como reação do passado. (…) (Por que não te Satisfaz a Vida?, pág. 35-36) Senhores (…). Ora, um caminho só pode conduzir a algo que já é conhecido, e o que é conhecido não é a verdade. Quando conheceis alguma coisa, deixa ela de ser a verdade, porque é coisa do passado, (…) estacionária. Por essa razão, o que é conhecido está enredado no tempo, e por conseguinte não é a verdade, (…) o real. (…) Mas a realidade é o imensurável, o desconhecido. (…) (Uma Nova Maneira de Viver, pág. 92) Vós não podeis conhecer, o “desconhecido”. Só podeis conhecer o que já experimentastes e, portanto, sois capaz de reconhecer. O “desconhecido” não é reconhecível; e, para a manifestação dessa imensidade, é preciso que termine o “conhecido”. É necessária a libertação do “conhecido”. (…) (O Homem e seus Desejos em Conflito, 1ª ed., pág. 97) Não há possibilidade de falar do “desconhecido”. Não há palavra nem conceito (…) A palavra não é a coisa; e a coisa precisa ser percebida diretamente. (…) E isto é (…) difícil: perceber uma coisa com “inocência”. Perceber uma coisa com amor – amor jamais contaminado pelo ciúme, pelo ódio, pela ira, pelo apego, pela posse. (…) Porque é só então, nesse estado livre do “conhecido”, que a “outra coisa” pode manifestar se. (Idem, pág. 97) (…) Quando compreenderdes a vida, encontrareis o desconhecido; porque a vida é o desconhecido, vida e morte são a mesma coisa. (…) (A Arte da Libertação, pág. 131) (…) A vida é o desconhecido, assim como a morte é o desconhecido, como a verdade é o desconhecido. A vida é o desconhecido; mas nós nos aferramos a uma insignificante expressão dessa vida, e isso a que nos apegamos é simples memória, um pensamento que não se completou; por conseguinte, (…) é uma coisa irreal, (…) (Idem, pág. 131) Só quando a mente e o coração, vulneráveis, defrontam a vida, o desconhecido, o imensurável, é que se dá o êxtase da verdade. Quando a mente não se acha sobrecarregada de valores, de lembranças, com crenças preconcebidas e é capaz de defrontar o desconhecido, nesse mesmo defrontar
nasce a sabedoria, a beatitude do presente. (Palestras em New York City, 1935, pág. 50) (…) Assim, pois, para se encontrar o que é real, o que é Deus, deve haver liberdade – precisamos estar livres do temor, (…) do desejo de segurança interior, (…) do medo do desconhecido. E só então, por certo, estaremos aptos a “experimentar” o desconhecido (…), e saberemos se existe Deus. (…) (Nós Somos o Problema, pág. 38)