EVOLUÇÃO E EVANGELHO PREFÁCIO............................................................................................................1 I. DO PASSADO AO FUTURO ........................................................ 3 II. O EVANGELHO E O MUNDO ................................................. 18 III. MATERIALIZAÇÃO OU ESPIRITUALIZAÇÃO ............... 34 IV. AS RELIGIÕES E A VERDADE ............................................. 55 V. A IGREJA ..................................................................................... 69 VI. DINÂMICA DA EVOLUÇÃO .................................................. 87 VII. O FUTURO DO HOMEM ..................................................... 103 VIII. O PROBLEMA DA MORAL – I ......................................... 121 IX. O PROBLEMA DA MORAL – II........................................... 141 X. REUNIFICAÇÃO UNIVERSAL ............................................. 161
Vida e Obra de Pietro Ubaldi (Sinopse) ........................................ 168
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PREFÁCIO O presente livro é o 6o da II Obra. Ele segue o 5o volume, A Grande Batalha, do qual é uma continuação e ampliação, junto com ele constituindo o 1o termo da 2a Trilogia da II Obra. Como expliquei no prefácio de A Grande Batalha, onde o leitor poderá melhor conhecer o sentido da minha produção intelectual neste período e encontrar mais pormenorizadas explicações, estes dois volumes representam a fase de descida do terreno das grandes visões orientadoras à dura realidade da vida na prática, feita de lutas e dificuldades, num mundo que deseja e quer realizar coisas bem longe de um ideal superior. No desenvolvimento da Obra estamos, então, numa fase de atuação, porque os princípios gerais são agora levados ao contato com os fatos concretos, isto é, com o mundo não como deveria ou poderia ser, mas como ele é na realidade. Disso nasceu um choque que, em A Grande Batalha, foi analisado sob um ponto de vista individual, como consequência de experiências pessoais, e, neste volume, Evolução e Evangelho, é observado sob um ponto de vista coletivo, isto é, como um choque entre os superiores princípios ideais do Evangelho e o nosso mundo, que, na realidade, vive segundo princípios opostos. É assim que, no presente livro, o assunto de A Grande Batalha é transferido para além dos limites do caso particular, situando-se no mais vasto terreno social e religioso, ético e biológico. Desse modo, a visão desenvolvida neste 2o volume completa a do volume anterior e o fenômeno fica estudado nos seus dois aspectos: o particular, da luta individual entre o evoluído e o involuído, e o universal, da luta entre os ideais e a realidade da vida humana. Assim, de ambos os pontos de vista, nos dois volumes, é analisado o problema da possibilidade da realização do programa evangélico de Cristo em nosso mundo. Tudo isto foi pessoalmente vivido e experimentalmente realizado, observando como o fenômeno, nas suas duas dimensões, particular e universal, desenvolveu-se no meio da luta entre as forças materiais do Anti-Sistema e as espirituais do Sistema, princípios que aqui vemos funcionando nas suas aplicações práticas. Esta é uma história cuja revelação se iniciou na introdução do livro Profecias, “Gênese da II Obra”, continuou no volume seguinte, A Grande Batalha, universalizou-se neste, Evolução e Evangelho, e continuará nos demais, sempre e cada vez mais em contato com a realidade da vida neste mundo, como conclusão prática e positiva da II Obra e como controle racional e
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confirmação experimental, que provam a verdade dos princípios sustentados em todos os volumes. São Vicente, Páscoa de 1958.
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I. DO PASSADO AO FUTURO A revolução evangélica. Do involuído ao evoluído, do passado ao futuro. Conhece-se o biótipo por sua reação. Sem merecimento não há Providência. Cada um está no lugar que lhe compete. Não se condena ninguém, mas urge civilizar-se. A conclusão resultante da experiência narrada no volume precedente, A Grande Batalha, confirma que o Evangelho é de fato verdadeiro. E isto não apenas como verdade teoricamente reconhecida e proclamada, mas também como verdade experimental, comprovada pelos fatos. A prova deu resultado, e vimos quais as condições necessárias para que tivesse êxito. Agora perguntamos: bastará isso? Que desvio causará no caminho humano o fato de termos narrado, demonstrado e vivido um caso? Não permanece tudo como antes? Jamais nos convencemos com a experiência alheia, só com a própria. Muitos continuarão céticos, porque se acham mergulhados numa verdade bem diferente, tangível e premente. Indicar-lhes a maneira de se libertarem dela significa pretender que se afastem de seu próprio tipo biológico, de sua forma mental e personalidade, que constituem suas reais condições de vida. Os fatos em que se baseia sua existência falam diversamente, mostrando-lhes uma realidade diferente. Dessa forma, são coagidos a acreditar nesta realidade, na qual, portanto, têm de fundamentar-se na vida prática. Também acontece assim quando, mesmo a ciência nos ensinando que a matéria seja apenas energia e velocidade, a maioria continua, pelos usos do contingente, a considerá-la como sólida, inerte e resistente, pois este é o modo como ela se comporta e é usada na prática. Então a noção científica da verdadeira estrutura da matéria permanece um fato teórico, do qual não tomamos conhecimento em nossas ações. Pode acontecer o mesmo com a verdade do Evangelho. Mesmo que alguns, por inteligência e raciocínio, possam reconhecê-la, o homem comum – pelo fato de estar essa verdade situada em outro plano de vida, numa posição mais avançada ao longo da escala da evolução – pode considerar o Evangelho como uma grande verdade de fato, mas tão superior, que não lhe diz respeito, porque, encontrando-se fora de sua realidade, é impraticável para ele. Então, para que serve esta narração? Os céticos, depois de tantas belas palavras, voltarão à realidade do mundo, que lhes dá razão a cada momento.
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Continuemos a ser práticos. O homem se encontra diante de outra realidade, tão concreta e positiva, que não permite dúvidas a seu respeito. A luta pela vida é um fato. E, se cada um de nós está vivo na Terra, deve isso ao fato de ter realizado e vencido essa batalha. O Evangelho poderá, sem dúvida, ser a lei do futuro da humanidade, mas não é certamente a lei do seu passado. E o homem, mesmo tendo de se tornar diferente para o seu futuro, é formado por aquele seu passado. A grandeza dos povos e das civilizações é feita através de lutas ferozes, e, se a humanidade chegou até ao estado atual, deve isso ao fato de ter sabido, com todos os meios, vencer os elementos, as feras e os inúmeros inimigos prontos a atacá-la. Assim se explica essa psicologia de luta, pois só ficou vivo quem soube vencer. Esta foi a lição mais importante que o homem teve de aprender no passado. E, se acaso foi alcançada alguma forma de civilização, esta teve de ser imposta com a força a um ambiente hostil, já que todas as outras formas de vida eram inimigas do homem e procuravam apenas esmagá-lo, para substituírem-se a ele na vida. O homem começou o seu caminho entre as feras, e não entre os braços do Pai Celestial, que estava então bem longe de poder revelar-se, como o fez depois, por meio de Cristo, no Evangelho e como sempre mais poderá fazer à medida que subimos com a evolução. Sem dúvida, esse é o caminho e nesse sentido temos de nos transformar. Mas isto não anula o fato de que esse foi o nosso passado e de que ele explica o nosso presente. Eis que a uma tão longa história biológica vem sobrepor-se o Evangelho, com a potência revolucionária das grandes coisas que descem do Alto, para obrigar o homem a avançar pelo caminho da evolução. O passado resiste, forte em sua experiência milenar. O futuro acossa, ansioso por vir à luz. Passado e futuro se encontram na luta presente, como dois inimigos irreconciliáveis, que disputam o campo. E o homem atual tem de viver no meio desse terrível contraste. No volume precedente, A Grande Batalha, entramos, com a narração daquele caso vivido, no âmago dos maiores problemas da religião, da moral, da vida individual e social, bem como da evolução biológica. Demo-nos conta das dificuldades enfrentadas e da necessidade de resolvê-las. Trata-se de pedir ao homem que, seguindo o Evangelho, dê um grande salto a frente, ao longo da escala da evolução. Trata-se de aprender um novo método de vida, que está nos antípodas do usual, substituindo o sistema do involuído pelo do evoluído. Ao ensinar isto, é inevitável chocar-se contra a muralha das resistências bioló-
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gicas, diante das quais até mesmo o Evangelho, tão poderoso pela sua própria natureza, tantas vezes se acha defraudado. Como esperar um comportamento próprio de evoluídos, mesmo depois de haver demonstrado todas as suas vantagens, num mundo em que predomina outro tipo biológico? Vimos que, no caso narrado, Cristo venceu. Muitos, porém, poderão perguntar: mas Cristo vence sempre? O homem comum precisa calcular para garantir o resultado. Para ele, o jogo da vida está cheio de incógnitas e perigos, não lhe dando oportunidade para fazer experiências evangélicas. Que garantias podemos dar-lhe de que, mesmo no caso dele, homem comum, Cristo vencerá sempre, se, para conseguir essa vitória, é necessário possuir tantos requisitos que ele não tem e satisfazer tantas condições que estão além de suas possibilidades? De que serve explicar-lhe uma arte, se ele não sabe praticá-la; ensinarlhe uma música, se ele não possui o instrumento para executá-la? Como pretender que uma criatura, obrigada a lutar pela sua vida, sacrifique-a, pondo em perigo a própria vantagem material mais tangível, por amor de um ideal longínquo e hipotético? Se não se pode exigir que o homem seja antiutilitário, como fazê-lo compreender um tipo de utilidade assim complexa e tão diferente da que ele está habituado a realizar em forma imediata e concreta na vida cotidiana? Tanto mais é isto verdade, porquanto o passado sobrevive e existe, garantido por longuíssima experiência, representando métodos diuturnamente comprovados, ao passo que o novo cai no inexplorado, numa perigosa aventura cheia de incógnitas. E quantos milênios de novas experiências serão necessários para sair das tentativas e poder substituir, com segurança, o velho pelo novo! A revolução é grande e atinge até as raízes da própria vida. Trata-se de substituir a força, pela justiça; a cupidez de possuir, pela honestidade; a luta desesperada para sobreviver, pelo amor evangélico; o poder da Terra, pelo do Céu. Trata-se de defender a vida e chegar à vitória unicamente com os recursos do imponderável, abandonando todas as armas terrenas. Trata-se de conseguir compreender e, depois, praticar um método que parece emborcar todos os nossos recursos e defesas, levando-nos à morte. Quem não olhará para isso com medo, procurando pôr-se a salvo? Como pode alguém que, pela própria árdua experiência, conhece a realidade da vida confiar no Evangelho, se este, em primeiro lugar, corta-lhe as garras, sua única arma disponível para defesa? Explica-se assim porque tão poucos o levem a sério e o vivam. Compreende-se também porque as religiões que o têm por base tenham sido obrigadas a descer
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a tantas adaptações. As experiências evangélicas que alcançam êxito na glória da santidade estão tão condicionadas a tantas circunstâncias e requisitos, que o homem comum prefere não se arriscar a tentá-lo. Quem possui no espírito tanto poder, que lhe permita dispensar qualquer outra defesa, jogando fora as armas da força e das astúcias humanas? O Evangelho, sem dúvida, é uma máquina perfeita, mas quem possui todas as qualidades aptas a fazê-la funcionar? Quando isto se verifica, é certo que vem seguramente o milagre da salvação e do êxito. O mais difícil, porém, é achar no homem essas qualidades, que são indispensáveis para que aconteça o milagre. É como se entregássemos um belo avião a jato para um selvagem. Se este, por não saber usá-lo, não quiser se matar, voando, deve utilizá-lo para qualquer outro fim, exceto aquele para o qual foi construído. Assim também, em geral e na prática, acontece com o Evangelho. Até agora, nesta nossa narração, colocamo-nos no papel do homem evangélico. Coloquemo-nos agora na pele do tipo comum, que vive no mundo, e adotemos sua psicologia e seus métodos. Com suas afirmações, o Evangelho estabelece de imediato a mais nítida posição de inconciliabilidade com o mundo: “Ninguém pode servir a dois senhores: ou amará um e odiará o outro, ou se afeiçoará a este e desprezará aquele. Não podeis servir a Deus e a Mamon”; “Procurai acima de tudo o reino de Deus e Sua justiça, e todo o resto vos será dado por acréscimo”; “Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens e dê aos pobres”; “É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus”; “Se alguém quiser seguir-me, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e me siga. Porque quem quiser salvar a sua vida, perdêla-á; e quem perder a sua vida por minha causa e do Evangelho, salvá-la-á”. Todos nós sabemos bem quanto esses conceitos estão distantes daqueles que regem a vida comum. Como pode o nosso mundo conseguir viver nessa posição evangélica, se ela representa o seu mais completo emborcamento? Explica-se assim por que todas as religiões cristãs que adotaram o Evangelho possuem grandes riquezas e, embora professem o mandamento mosaico do “não matar”, não só tomam parte nas guerras como, ainda por cima, benzem as armas. Assim, a descida do Evangelho à Terra se reduz a uma luta entre o ideal, que quer cortar as garras à fera, e esta, que, para não morrer, não quer deixá-las serem cortadas, considerando-as sua única defesa. Quem renuncia à vida? E como se lhe pode pedir tão extremo sacrifício?
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Fazemos estas considerações porque devemos ter a coragem de penetrar completamente a realidade, até ao fundo. As nossas conclusões devem ser extraídas de uma observação imparcial dos fatos, mesmo daqueles que possam depor contra a tese por nós defendida até aqui. Sem dúvida, ela é extremamente ousada, no entanto trata-se apenas da velhíssima tese do Evangelho, que, de tanto ser repetida, todos já conhecem de cor. O que a torna ousada é tomar o Evangelho a sério, pretendendo não pregá-lo, mas sim vivê-lo no mundo de hoje; é apresentar o Evangelho pelo seu lado utilitário, demonstrando que ele dá rendimento prático maior do que o obtido com os métodos usados pelo mundo, julgados melhores; é não mais fazer apelo à bondade e à fé como sempre se fez – apelo inútil hoje, porque ninguém mais crê – mas apoiar-se na capacidade de raciocinar e calcular das pessoas inteligentes. Procuramos, assim, fazer compreensível ao homem moderno, que se vai civilizando, o funcionamento de tão maravilhosa máquina, que há dois milênios o mundo tem entre as mãos, sem ter ainda compreendido o fruto que ela pode dar, quando souber fazê-la funcionar. ◘ ◘ ◘ Apresentemos um caso prático. Fulano é bom, generoso e honesto, o biótipo que a luta pela seleção do mais forte e astuto vai cada vez mais fazendo desaparecer da face da Terra. Evangelicamente, ele depôs as armas. Procurando só o bem e a justiça, está sempre pronto a sacrificar-se. Quer ser perfeito, como diz o Evangelho: “Toma sua cruz e nega a si mesmo”. Num regime de reciprocidade, numa sociedade organizada, o próximo lhe retribuiria na mesma moeda. Mas, nas condições atuais, o próximo, precisando pensar em primeiro lugar em si mesmo, não retribui nada. As posses e a posição social alcançada constituem a base da estima e do valor de um indivíduo. O inimigo, ao ver que a vítima não só se deixa espoliar mas também o perdoa, aproveita-se largamente disso, sugando-a e pisando nela até fazê-la morrer. É próprio do homem evangelicamente inerme ser o mais procurado pelos lobos vorazes, que o farejam à distância e, uma vez em suas garras, não abandonam mais a presa. Para eles, este é o banquete da vida, ao qual jamais renunciam. Nasce aqui então um problema. Tem a vítima o direito de se deixar devorar, só para engordar os lobos; de se deixar espoliar, só para enriquecer os ladrões? Não significa isto ajudar o mal a prosperar à custa dos melhores? Com essas considerações, o homem comum logo se sente autorizado à reação e põe-se a lutar. Chama a isto de legítima defesa, direito à vida e coisas semelhantes, jus-
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tificando assim a explosão de seu instinto, que não esperava outra coisa para se manifestar e, com esta ação, revela qual é a natureza do seu tipo biológico. Ora, a reação é diversa segundo a natureza de cada um, e é a forma dessa reação que o revela. Quando o indivíduo reage dessa maneira, revela com isso seu biótipo normal involuído, sempre pronto a imergir novamente na lei da animalidade, que representa o seu ambiente natural, ao qual são proporcionais os seus instintos. Ora, para ele, vestir a roupagem do homem evangélico representaria apenas um modo de enganar a si mesmo, porque suas reais qualidades e instintos não correspondem à posição assumida. Neste caso, teremos apenas um indivíduo deslocado, assumindo uma posição falsa, que só pode levar à falência. Para voar e resistir ao voo, tirando proveito dele, é mister possuir as qualidades do pássaro. Um réptil não pode fazer o mesmo. Assim, para ser evoluído, é indispensável possuir suas qualidades, pertencer àquele determinado tipo biológico, porque nenhum indivíduo pode achar-se em equilíbrio estável senão no seio da lei de seu plano, que lhe corresponde aos instintos e à natureza. Ora, ao assalto supracitado só o evoluído pode responder evangelicamente, porque só ele o sabe fazer, correspondendo isto às suas qualidades. Só ele sabe fazer funcionar a delicada máquina do Evangelho, só ele sabe pôr em movimento estas forças diferentes, inacessíveis aos outros, que não podem contar com elas e, assim, desprezam-nas, porque são inutilizáveis. Só esse tipo de homem pode permitir-se o luxo de viver um Evangelho integral, abandonando as armas e abraçando o inimigo que o estrangula. Para o ser comum, isto não passa de loucura, mas é nessa loucura que se revela a diferença do tipo biológico. Cada um é o que é e, com o próprio comportamento, revela o que seja. É inútil vestir-se como evoluído, quando não se é tal. E cada um, de acordo consigo mesmo, vai situar-se no plano que lhe compete, porque, sendo este o seu próprio, encontra aí o ambiente adequado para viver. O homem comum está proporcionado ao ambiente terrestre, onde encontra os elementos correspondentes à sua natureza e está apto a poder neles realizar-se. Isto lhe dá o direito de viver na Terra, fazendo dela naturalmente sua própria pátria, onde ele se encontra à vontade e o evoluído se acha constrangido. Isto, no entanto, também torna mais difícil a sua saída daí, que para o evoluído é fácil e espontânea. O involuído encontra na Terra inimigos a cada passo, mas possui, instintivamente, como sua maior sabedoria, a habilidade de fazer guerra contra eles, para não se deixar esmagar. Dessa forma, todos passam a vida se agredindo.
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Para o evoluído, isto é estúpido e bestial, mas, para eles, torna-se até alegre, porque vencer um inimigo representa a maior vitória da vida. O evoluído encontra inimigos ainda maiores, mas repugna-lhe guerreá-los, porque são o seu próximo. Estes agridem, mas ele perdoa e deixa-se espoliar, sendo tratado como louco por haver perdoado e ter-se deixado roubar. Ele mesmo não se adapta a viver na Terra, onde tudo lhe sai errado, terminando por ser expulso dela. Ora, isto, que constitui a maior condenação para o involuído, porque significa a expulsão do próprio ambiente e, portanto, a privação da única forma de vida de que é capaz, representa um lucro, e não uma perda, para o evoluído, que se vê assim expulso daquele ambiente e lançado para o seu próprio, regressando com isto à sua própria forma de vida. Todavia há mais ainda. Se o evoluído se encontra na Terra, ainda que seja como exceção, é para realizar alguma tarefa, e não por nada. Essa tarefa interessa à vida em sua fundamental exigência, que é a evolução. Então a vida, sendo vivida por ele, não pode desinteressar-se de sua sorte e, com sua inteligência, movimenta forças dinâmicas de tal forma que a existência biologicamente preciosa do inerme evangélico não seja desperdiçada para apenas engordar os lobos vorazes, de que o mundo está cheio. A vida defende-se a si mesma em todos os seres que a representam e, sobretudo, naqueles que constituem seus maiores valores. Se ela protege os seres inferiores, fornecendo-lhes armas naturais, necessárias para resistir na luta, é impossível admitir – dada a inteligência que a vida demonstra a cada passo – que não forneça meios defensivos para os seres superiores, aos quais, justamente por isso, está confiada uma tarefa mais importante para a obtenção de seus fins. Eis a razão biológica pela qual acontece aquele milagre que observamos no caso examinado no último volume1. Se, nos planos mais baixos da vida, o ser é submetido à dura escola da luta pela seleção do mais forte, isto tem sua boa razão de ser. Se não houvera essa premente necessidade de se manter sempre alerta para o ataque e a defesa, o que induziria o ser a realizar experiências para aprender, desenvolver a inteligência e assim evoluir? Devorar-se mutuamente constitui uma das maiores ocupações do animal, tanto quanto fazer a guerra o é para o homem. Esta é a lei de quem vive nesse plano de vida. Mas isto se torna absurdo tão logo se suba a planos mais evoluídos, onde, para atingir os seus fins, a vida precisa 1
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realizar um trabalho totalmente diferente. Para ela, conhecedora de tudo, não tem sentido um evoluído se exercitar no jogo de ataque e da defesa, porque é diferente a seleção que se deve fazer nos planos superiores. Então, para um evoluído, fazer semelhante trabalho é perda de tempo, inútil dispêndio de energia, representando uma atividade atrasada e contraproducente. É natural então que a vida, porquanto demonstra ser sábia e econômica, não dirija, com o mecanismo de suas forças, o ser para atividades que, neste caso, o fariam retroceder para planos evolutivos inferiores e procure, ao contrário, impeli-lo para os mais adiantados, como supremo fim da evolução, a lei fundamental da vida. Observando bem tudo, não se pode acusar a ninguém. Compreende-se que tudo apenas está em seu devido lugar, para realizar o trabalho que compete a cada um, de acordo com a sua natureza. O involuído está confortável na Terra, com as duras condições de luta encontradas aqui, porque estas são proporcionais a ele, sendo adequadas às qualidades instintivas que o revestem e o tornam apto a esse ambiente. O evoluído aí está deslocado, numa posição de exilado, da qual deverá ser libertado e pela qual será recompensado logo que tiver cumprido sua função civilizadora entre os mais atrasados. Desenvolve-se assim o jogo da vida, que se protege em ambos os casos com recursos próprios, embora diferentíssimos. Para o involuído, existem seus instintos belicosos e as armas da luta terrena. Para o evoluído, vem a intervenção das forças do Alto, que realizam o que aparece como prodígio no plano do primeiro. Colocar-se-á, então, a favor do Evangelho quem tem inteligência para compreendê-lo e um grau de evolução suficiente para poder praticá-lo. Os outros, totalmente convencidos, no segredo de seus corações, de que se trata de loucura perigosa, evitarão vivê-lo seriamente e o deixarão no terreno teórico, limitando-se a uma gloriosa exaltação verbal, sendo esta a única forma pela qual pode hoje o Evangelho existir na Terra, dado o grau de evolução humana. Mas é útil repeti-lo, embora sem eco, porque, fazendo isto durante milênios, alguma coisa se fixa na forma mental das massas e aí permanece. Assim, mesmo sem jamais pedir uma demonstração racional, inacessível à maioria, a pregação realiza uma função educadora, utilizando apenas a sugestão. Desta maneira, ninguém está errado e cada um tem o que lhe compete. O homem atual emerge de um recente estado de barbárie e, se pôde chegar até aqui, ele deve isto justamente às suas capacidades combativas. Sem a luta feroz, de que ainda conserva o instinto, como teria podido desenvolver a sua
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inteligência? O passado exigia tal aptidão, e assim se justifica a presença atual dos resíduos. Por isso o involuído não merece condenação alguma. Está tudo bem. Todavia, se esta posição atual se explica e se justifica diante do passado, o mesmo não acontece em relação ao futuro. Aceitá-la para o futuro significa adaptar-se a viver naquele estado de barbárie. O homem atual, em vez de condenação, merece antes até admiração, por ter sabido emergir até aqui de estados tão selvagens. Se, diante destes, ele pode julgar-se civilizado, está bem longe de sê-lo perante o seu futuro. Eis por que pode considerar-se o homem atual como um ser ainda semisselvagem, que precisa urgentemente ser civilizado. Eis aí, então, a função do biótipo evoluído, para executar esse trabalho necessário, ou seja, retirar da barbárie a massa involuída, que ainda se encontra atrasada, vivendo no plano animal. Trata-se de multiplicar cada vez mais o biótipo do evoluído, em substituição ao tipo involuído, mais atrasado; de ajudar a vida neste seu laborioso processo de maturação dos espíritos, exigido pela lei de evolução; de secundar a história no grande trabalho deste seu parto doloroso de evoluídos, não mais como casos esporádicos excepcionais, mas sim em massa, pois só essa massa poderá formar a futura sociedade orgânica da humanidade, na qual o Evangelho será finalmente vivido. Tudo isto, segundo o princípio pelo qual a sociedade dos seres que formam a vida é constituída por um sistema orgânico hierárquico, em que todos os seres estão interligados e nenhum deles pode avançar sozinho, mas somente inclinando-se sobre os irmãos menores, para fazê-los subir com ele. ◘ ◘ ◘ Às belas exortações do Evangelho o tipo corrente, apegado às realidades da Terra, responde desconfiado. Irá depois a Divina Providência me salvar de fato? E se o milagre não se realizar? Que tenho de seguro nas mãos? Estando habituado a viver num mundo de traições, ele deve considerar a desconfiança como uma de suas principais virtudes. Mas são justamente estas suas qualidades, com as quais ele se torna apto a viver na Terra, que impedem o funcionamento daquela Providência. Esta é colocada em movimento por qualidades opostas, exatamente aquelas que tornam o homem menos apto a viver na Terra. Não se pode ganhar de ambos os lados. Para se ganhar na Terra, perde-se no Céu, e vice-versa. Quem possui as qualidades que lhe permitem viver bem na Terra, contente-se com as vantagens alcançáveis aí e não peça as que descem do Alto. Mas quem não sabe viver na Terra, porque pertence a planos
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mais altos da vida, é justo que seja salvo pelas forças do Céu. Se o homem astuto e forte sabe defender-se sozinho, que necessidade tem ele dessas intervenções superiores, para sua vida ser protegida e a justiça ser feita? É lógico e justo, então, as forças da Providência não se moverem para ele, que deverá conseguir tudo por si mesmo. Em seu instinto, ele sente isso e, por esse motivo, não confia no Evangelho, mas só nas próprias forças, nada esperando do Alto, enquanto o evoluído sente instintivamente o contrário e, por isso, confia no Evangelho, esperando tudo do Alto. Sem dúvida, para acender a centelha que faz explodir a reação da justiça de Deus, é indispensável que isto seja necessário e merecido, pois, de outro modo, aquela justiça seria injustiça. É lógico e justo não só que as forças do Alto não se movam para quem vive de prepotência e luta, mas também que este seja obrigado a se defender com tais meios, dos quais está bem armado. Assim também é lógico e justo que o bom, porque renuncia a se defender na Terra, para praticar o Evangelho e viver uma lei mais elevada, seja defendido por outras forças, superiores, pois, de outro modo, ele seria rapidamente devorado pelos lobos, o que significaria a vitória do mal sobre o bem e a falência da lei de Deus. Dizemos isto para que os simples não se iludam. Sem mérito e justiça, nada se recebe do Céu. Sem dúvida, seria agradável ao homem da Terra poder aproveitar também destas vantagens e proteções de que goza o evoluído. Seu instinto é aferrar tudo o que pode ser útil. Mas é inútil fazer pressão com a força. A máquina não obedece a esses impulsos. A violência e a astúcia, que movem as coisas terrenas, não podem colocá-la em movimento, mas somente a bondade e o merecimento. É inútil pretender o milagre, quando, inexistindo martírio e bondade, nos aproximamos dos poderes do Alto com a corrente psicologia humana do aproveitador. É indispensável possuir verdadeiramente as qualidades necessárias, e não apenas julgar que as temos, iludindo-nos. Na Terra, estamos habituados a falsificar tudo para tirar vantagens do engano. Essa psicologia, neste caso, paralisa a máquina, que então não funciona. E não basta sermos bons, se formos inertes e preguiçosos. Precisamos possuir a fé e a atividade de trabalhadores vigorosos e honestos. Quantas vezes gostaríamos, ao revés, de usar o Evangelho como um refúgio para tolos e preguiçosos, que pretendem servir-se de Deus para fugir ao cumprimento do seu próprio dever. O Céu não pode funcionar como subterfúgio para nos livrarmos do cansaço de viver, necessário para evoluir, nem para fugirmos às duras con-
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dições que nos são impostas pelo ambiente, ao qual não podemos deixar de pertencer, porque, dada nossa natureza, é o que nos compete. Para quantos diversos e mais levianos empregos querem as religiões e os ideais usar na Terra o Evangelho. É natural, então, que o Céu permaneça fechado e o Alto continue surdo aos nossos apelos. O evoluído que se acha vivendo na Terra em posição evangélica, exposto a todos os ataques, em condições humanamente antivitais, sem defender-se, tem absoluta necessidade de ajuda, o que não se dá com o tipo comum, que sabe defender-se bem por si próprio. Portanto não há razão nenhuma para que seja franqueado a este último tal auxílio. Além disso, o involuído não tem nenhuma missão a realizar, nenhuma função particular evolutiva que interesse à vida, exceto evoluir ele mesmo. É justo que ele não receba nenhum auxílio especial, o que, ao invés, é indispensável para quem precisa realizar um trabalho excepcional, que os outros não fazem, ou seja, ensiná-los a se libertar das mais baixas formas de vida e das dores a elas conexas. É justo que o auxilio seja dado pelo Alto para quem trabalha sacrificando-se pelos outros, e não para quem trabalha só para si mesmo. Sustentar gratuitamente o biótipo imerso no plano de vida animal, que lhe compete pelo seu nível de evolução, seria tirá-lo da sua necessária escola, representada pela luta em prol da seleção do mais forte; seria convidá-lo à preguiça, poupando-lhe o indispensável esforço para subir, fazendo que ele, assim, permanecesse estacionário, ao invés de evoluir. A vida deve ser trabalho produtivo para todos. Por isso só pode subtrair-se a um trabalho quem está realizando outro. Aquele “todo o resto vos será dado por acréscimo” prometido pelo Evangelho a quem procurar primeiro o reino de Deus e a Sua justiça, presume que tenha sido feito primeiro este trabalho, que justificará o “a mais”, trabalho sem o qual aquele “a mais” não chega. E é isto que de fato acontece em geral, razão pela qual muitos acreditam que o Evangelho contenha somente belas palavras e evitam aplicá-lo. Porém a culpa não é do Evangelho, que diz a verdade, mas do fato de não serem satisfeitas as condições necessárias para o Evangelho poder manifestar a sua verdade. Só é dado de graça o que foi merecido por outros meios, o que é necessário para fins mais alto. Mas não se pode dar nada por nada, tanto mais que poderia ser prejudicial a quem recebe. Se quisermos aproveitar as vantagens que nos oferece o Evangelho, só nos resta viver nas condições que ele estabelece para nossa conduta, ou seja, transformarmo-nos em evoluídos, que é um caminho aberto a todos. Seria muito
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agradável ao homem comum, segundo os seus cálculos, ver chover gratuitamente do céu todos os auxílios que lhe poupassem as fadigas da vida, porém custa-lhe muito submeter-se às condições necessárias. O homem sempre procura um atalho para chegar com menor esforço a um lucro maior. E é justamente isto que ele faz quando se aproxima do Evangelho, bem como de todas as outras coisas, com essa psicologia toda humana. Mas, ao ver que não pode tirar dele nenhuma vantagem ou que precisa pagar com sacrifícios muito grandes, então o rejeita como coisa inútil. Acontece que o Evangelho, se vivido de fato, pode representar o mais poderoso meio para superar o passado e evoluir, mas o homem, por não aplicá-lo, recai no seu baixo plano de vida e permanece aí estagnado. Incapaz de compreender quão grande é o tesouro que recebeu, ele mesmo recusa a mão que lhe é estendida do Alto para elevá-lo a melhores condições de vida. E assim continua o mal-entendido: o homem evangélico permanece um enigma e o Evangelho um sonho lindo, que continua no plano dos ideais. Desse modo, cada um continuará em seu lugar, em suas condições de vida, de acordo com sua natureza, realizando o próprio tipo, utilizando os meios que possui e obtendo aquilo que lhe compete. O ser inferior continuará a agredir o mais evoluído, acreditando que assim está vencendo, quando na verdade perde a melhor ocasião para subir; e o mais evoluído continuará a se sacrificar até que, com a bondade e o amor, tenha conseguido derrubar as portas do egoísmo e da ignorância e vencer a animalidade, fazendo o homem emergir de seu baixo plano de vida. Assim, lentamente, o Evangelho vai caminhando através dos milênios para a sua realização. Mas entre os dois tipos, involuído e evoluído, o mais forte é o segundo, porque está protegido pelas forças da vida, que quer ascender. A ele caberá a vitória final. Se ao outro pertence o passado, a ele pertence o futuro. Neste capítulo, procuramos definir melhor as duas posições fundamentais e antagônicas estabelecidas uma pelo evoluído e outra pelo involuído, que se poderiam chamar os dois extremos do biótipo humano. Procuramos ver os direitos e deveres de cada um, bem como as vantagens e desvantagens de estar situado num ou noutro ponto. Antes de enfrentar outros aspectos do problema, resumamos, para esclarecer cada vez melhor este assunto, alguns de seus pontos fundamentais – vários já referidos anteriormente – definindo com mais exatidão as respectivas posições e condições de vida dos dois tipos: 1) Neste estudo, quisemos apenas comprovar, com absoluta imparcialidade, alguns aspectos das leis da vida, explicando seus princípios e funcionamento,
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sem condenar ninguém. Ao involuído cabe, antes, a compaixão, pois já se encontra condenado pela própria involução, o que lhe dá, no entanto, o direito de ser ajudado por parte dos mais evoluídos. 2) Em substância, segundo suas relatividades, todos têm razão, porque cada coisa está em seu lugar. E isto é lógico. Nem poderia ser diferente, uma vez que tudo depende da sabedoria de Deus e da Sua lei. Assim, na grande ordem do todo, cada elemento fica em sua verdade relativa, correspondente à sua posição no seio da verdade universal, que abraça todas as verdades relativas numa unidade orgânica. Assim, evoluído e involuído permanecem cada um com a sua verdade, relativa à sua posição, sendo este o lugar que compete a cada um segundo a sua natureza, da qual não podem deixar de sofrer as consequências estabelecidas pela Lei. 3) As diferentes condições encontradas no evoluído e no involuído representam apenas posições avançadas ou atrasadas ao longo do caminho da evolução, que é percorrido por todos os seres. Não significam, portanto, superioridade ou inferioridade em sentido absoluto. O mais evoluído tem sempre, acima de si, um ser ainda mais evoluído; e o mais involuído tem sempre, abaixo de si, um ser ainda mais involuído. Ao longo da escala da evolução, todos se encontram em condições semelhantes, ou seja, cada um está sempre situado entre um tipo superior e um inferior, de maneira que não há, de modo algum, um superior ou inferior em sentido absoluto. Cada evoluído é um involuído em relação ao que lhe é superior, e cada involuído é um evoluído em relação ao que lhe é inferior. Num mundo assim, em que tudo é relativo, não existe, racionalmente, lugar para orgulho ou acanhamento de ninguém. A palavra involuído não tem qualquer sentido depreciativo, apenas denota o imaturo, que amanhã amadurecerá. 4) Temos de esclarecer este último ponto porque, muitas vezes, a primeira coisa que alguns leitores depreendem de uma teoria, não é se ela corresponde ou não à verdade, mas sim que alguém está procurando se colocar em uma posição de superioridade, com a qual consiga humilhá-los e ofendê-los. Ora, a finalidade deste livro não é estabelecer nenhuma superioridade, mas apenas mostrar como funciona a vida, segundo as leis feitas por Deus, diante das quais nada mais nos resta senão obedecer. Nós as vamos descrevendo para vantagem de quem lê, a fim de que possa tirar delas o maior proveito para si mesmo. O universo é uma imensa máquina perfeita, inclusive nos métodos com os quais vai procurando a perfeição nos pontos em que ainda não a pos-
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sui. Chegar a conhecer como tudo isto funciona pode representar uma preciosa orientação não só para evitar erros prejudiciais, pelos quais deveremos pagar depois, mas também para atingir o nosso bem, ensinando-nos como nos comportarmos. Difundir esse conhecimento pareceu-nos coisa urgente num mundo que, a esse respeito, comporta-se loucamente, mas que deverá depois, fatalmente, sofrer em proporção. 5) Em relação à meta final, Deus, todos estamos igualmente a caminho. O que nos irmana é o fato de sermos todos viandantes ao longo do imenso caminho da evolução. Uns caminham mais depressa, outros mais devagar. Mas ninguém pode permanecer imóvel. O grande impulso para frente impele a todos. Assim, o involuído de hoje tende a tornar-se o evoluído de amanhã. Tratase de uma grande marcha, da qual todos os seres participam. 6) Na evolução não há barreiras insuperáveis, compartimentos estanques, portas fechadas. A estrada para evoluir está aberta a todos, e qualquer um, desde que o queira, pode, subindo, tornar-se um evoluído, caso ainda não o seja. Cada um, merecendo-o, pode sempre subir à posição do ser a ele superior, que considera um dever e uma alegria ajudá-lo nisto. 7) Quanto mais avançadas são as posições, tanto menos podem ser elas de egoísta vantagem para si e tanto mais se tornam de altruísmo, inclinando-se sobre os inferiores para ajudá-los a subir. Evoluindo, não crescem os direitos, mas sim os deveres; não se ganha em comando, mas sim em obediência. A evolução representa uma demolição progressiva do egocentrismo separatista, substituindo o estado de caos pelo estado orgânico unitário. É natural que, progredindo para a ordem, caminhe-se para a obediência, a confraternização e o altruísmo, destruindo-se assim o separatismo. 8) Em relação aos mais evoluídos, a correta posição psicológica dos menos evoluídos não deve ser de inveja e ciúme, mas sim de alegria, pelo fato de possuir um amigo mais adiantado, que nos ajuda para vantagem nossa. A função dos que mais progrediram é trazer para frente, consigo, os que estão mais atrás. Esta é a lei. Não se pode subir sozinho e só por si mesmo. É verdade que quanto mais se sobe, mais direitos e liberdades se conquistam. Mas, se tudo é equilibrado, quanto mais se sobe, mais deveres e obediência à Lei nos esperam. Se o evoluído não aceita isto, comete um erro tão grave, que o faz retroceder ao grau de involuído. Tudo isto é lógico, dado que a evolução avança para a unidade orgânica.
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9) A consequência de tudo isto é que a ideia de inferioridade e de inveja, de um lado, leva à suposição de que, do outro lado, exista orgulho e desprezo. Tal concepção é inerente apenas ao plano do involuído e desaparece tão logo se supere este nível. Ao evoluído, muitas coisas interessam, mas não gabar-se e muito menos aproveitar-se da própria superioridade. No momento em que ele pensasse dessa maneira, cairia de seu plano de vida, tornando-se parte de outro nível biológico. A primeira qualidade espontânea do evoluído é ignorar a sua superioridade; a sua maior paixão é tornar evoluídos os outros seres. Esta é a forma mental do biótipo do evoluído, que, se não a possuísse, não mais seria evoluído. Concluímos assim este capítulo, onde quisemos tornar cada vez mais compreensível o significado biológico do Evangelho, isto é, não só como fenômeno religioso, mas como força da vida, da qual representa um elemento básico para a maior finalidade dela, que é fazer evoluir.
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II. O EVANGELHO E O MUNDO O Evangelho e os bens materiais. Ignorava Cristo a realidade da vida? Quem tem razão, Cristo ou o mundo? Como entender o Evangelho? Os pobres de espírito. Os deveres de quem possui. As acomodações. O Evangelho nos tira a preocupação do trabalho, mas não o trabalho. Ócio é desonestidade. Os colaboradores de Deus. A psicologia do dinheiro. O fator espiritual nas obras e o peso do imponderável. Utilitarismo inteligente. É no terreno dos bens materiais que se torna mais vivo o contraste irreconciliável entre o Evangelho e o mundo, entre o evoluído e o involuído. Como podem concordar dois tipos humanos e dois métodos de vida, se o primeiro abandona com indiferença as coisas da Terra, considerando-as secundárias, e o segundo faz seu principal trabalho na vida consistir em aferrá-las e mantê-las seguras? Parece que as coisas estejam sendo olhadas de dois pontos diversos, com olhos diferentes. Olhadas do céu, as coisas da terra, porque estão longe, parecem pouco importantes, ao passo que são importantes as do céu, porque estão mais próximas. Olhadas da terra, as coisas do céu, porque estão longe, parecem de somenos importância, enquanto as da terra, porque próximas, são importantes. Procuremos então compreender. O Evangelho torna, logo de início, nítida e inexorável a sua posição, quando diz as palavras já citadas: “Ninguém pode servir a dois senhores... Não podeis servir a Deus e a Mamom”. E, para atingir a perfeição, aconselha em seguida a dar tudo aos pobres, afirmando ser bem difícil que um rico entre no reino dos céus. Acrescenta ainda que perderá sua vida quem quiser salvá-la no sentido humano, e salvá-la-á quem perdê-la neste aspecto para conquistar a vida mais alta que Cristo nos mostra. E o Evangelho continua explicando: “Não vos preocupeis pela vossa vida quanto ao que comereis, nem pelo vosso corpo quanto ao que vestireis. Não vale a vida mais que o alimento, e o corpo mais que a roupa? Olhai os pássaros do céu: eles não semeiam, não ceifam e não armazenam em celeiros, no entanto vosso Pai celeste os alimenta. E vós, não valeis mais do que os pássaros? Quem dentre vós, por mais ansioso que esteja, pode acrescentar um cúbito sequer à própria estatura? E por que vos preocupar tanto com a roupa? Considerai como crescem os lírios do campo; eles não trabalham nem fiam. No entanto eu vos digo que nem Salomão, em todo o seu esplendor, jamais se vestiu
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como um deles. Se Deus veste assim esta erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao forno, com quanto maior razão vos vestirá a vós, homens de pouca fé? Não vos preocupeis dizendo: o que comeremos, o que beberemos, ou o que vestiremos? Por tudo isto se preocupam os gentios. Vosso Pai celeste sabe que precisais dessas coisas. Vós, portanto, procurai sobretudo o reino de Deus e Sua justiça, e todo o resto vos será dado por acréscimo. Não vos preocupeis, portanto, pelo amanhã, porque o amanhã se preocupará consigo mesmo. A cada dia basta o seu cuidado” (Mateus, VI: 24-34). Não se poderia imaginar reviravolta maior nos mais fundamentais instintos da vida, que o homem teve de aprender em longa e dura experiência num ambiente hostil, onde só vive quem sabe surrupiar do meio o necessário e imporlhe suas próprias exigências. Depois, o Evangelho ainda acrescenta: “Não acumuleis tesouros na terra, onde a ferrugem e a traça os consomem e os ladrões os desenterram e roubam...”. Infelizmente é verdade que a ferrugem e a traça consomem e os ladrões roubam, mas isto representa apenas o esforço indispensável para defender o que é necessário à vida. É fácil dizer para não pensar no amanhã – poderia responder o mundo – mas, se o amanhã chegar e não estivermos providos, faltará até o necessário. É belo saber que o Pai celeste sabe que precisamos de todas essas coisas, contudo é um conhecimento que servirá para Ele, e não para nós, que certamente não vemos chegar em nossa casa, da parte Dele, aquilo de que precisamos todos os dias. Sabemos, por dura experiência, que, se não procurarmos com o nosso esforço previdente, nada chegará em nossa casa. Ao contrário, poderemos contar com alguma coisa se acumularmos um tesouro na terra, ao qual podemos recorrer para suprir nossas necessidades e, dessa maneira, conseguir uma trégua na luta diária pela vida. Assim, aos olhos do mundo, que sabe como as coisas sucedem de fato, o Evangelho se apresenta como uma sublime ignorância das realidades da vida. Como se explica isso? Será possível que Cristo não se tenha dado conta dessa realidade, ignorando as verdadeiras condições em que se desenvolve a vida do homem? Sem dúvida, Ele fala de outro tipo de vida, feita para outro tipo de homem, que não o atual. Este novo homem é o evoluído, no qual o atual deverá transformar-se. Cristo se refere ao luminoso futuro da humanidade, e não ao seu bestial passado. Provam-no suas palavras: “Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei”. Não representa isto uma reviravolta completa na fundamental lei biológica da luta pela seleção do mais forte? Isto significa passar a um plano de existência onde predominam
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leis diferentes, que tornam possível a vida se proteger e se desenvolver com base em outros princípios. Mas Cristo, mesmo ao preparar o homem de amanhã, sabia que estava falando ao homem de hoje. Como poderia pedir-lhe o impossível? Com efeito, o fato inegável de não ter o mundo lhe dado ouvidos exprime isto, sem dúvida. Quando o homem prático, que luta em sua vida árdua, ouve estas belas mensagens que descem do Alto, tem a impressão de que provém de um mundo cujos habitantes podem permitir-se o luxo de ter belos sonhos, porque suas condições de vida sem preocupações lhes permitem ignorar ou esquecer a nossa dura realidade humana. Quem vive para si aquelas belas máximas evangélicas, ao invés de pregá-las aos outros? As próprias e várias religiões cristãs, baseando-se no Evangelho, acusam-se mutuamente, em nome dele, de possuírem bens terrenos, enquanto, na prática, todas elas os possuem. Parece que, neste caso, a única forma de se lembrar do Evangelho é cada um escandalizar-se daquilo que pratica somente quando o vê praticado pelos outros, ocasião em que se aproveita para acusar o próximo. Mas isto corresponde perfeitamente às leis da vida no plano humano, onde os meios humanos são colocados no ápice da escala de valores e mesmo Deus só é respeitado por ser considerado poderoso e temível. Nesse plano, onde vencer é a coisa mais importante, é natural cada um querer tudo para si e ter inveja das riquezas alheias, que exprimem as vitórias dos outros. O contraste entre as duas leis que querem dirigir o mundo, a animalidade do passado e o Evangelho do futuro, apresenta nos fatos estranhas contradições entre o que se é o que se deveria ser, entre o que se diz e o que se faz. Acontece então que as próprias ordens franciscanas, baseadas na pobreza, têm posses. Como se resolve esse conflito? Diante das claras palavras do Evangelho e da irrefutabilidade dos fatos, temos apenas três soluções. A primeira conclui que o Evangelho é um belo sonho, porém irrealizável hoje na Terra, portanto não pode ser tomado em consideração. Neste caso, o mundo tem razão em não aplicá-lo. A segunda infere que o Evangelho é feito para ser vivido na Terra, tendo Cristo dado ordens para que fossem cumpridas. Neste caso, o mundo está mentindo, porque não pratica o que prega. No primeiro caso, o mundo tem razão e Cristo está errado. No segundo caso, Cristo tem razão e o mundo está errado. De qualquer forma, um dos dois deve ter errado, e este é o fato que pode justificar o conflito, que, sem a culpa de ninguém, não se explica. Qual dos dois está errado? O Evangelho, porque representa um extremismo espiri-
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tual que não pode ser aplicado à vida prática material, ou esta, porque representa um extremismo material que a vida espiritual não tolera? É possível, então, que a obra de Cristo se resolva num antagonismo insanável? Pode haver, no entanto, uma terceira solução, que poderemos chamar de conciliadora. Consiste ela em adaptar os dois extremismos, um ao outro, escolhendo um caminho intermediário, uma posição de compromisso. Isto significa aplicar o Evangelho não integralmente, mas em doses percentuais, que sejam suportáveis pela atual natureza humana, sem lesar as demais necessidades materiais da vida terrena. Tal ideia é concebível, se pensarmos que a realidade prática resulta do passado animal da natureza humana e que o Evangelho quer sobrepor-se a essa natureza, para transformar essa realidade em novas formas de vida, que entrarão em ação no futuro. No alvorecer, por exemplo, a luz e as trevas travam entre si um grande conflito, vivendo misturadas numa posição de compromisso, até desaparecer a noite e despontar o dia. Embora se elidindo mutuamente, atravessam um processo de transformação que garante, no fim, a vitória da luz, neste caso o Evangelho. Só assim é possível solucionar o problema sem atribuir a Cristo ou ao mundo um erro que eles não têm. Dessa conclusão resulta a grandeza do Evangelho, tão grande, que o homem ainda não pode nem mesmo compreendê-la e muito menos realizá-la. Entretanto conclui-se também que o homem ainda vive numa fase de vida animal, da qual seria urgente sair, civilizando-se. Pode-se então conceber o Evangelho como uma meta a alcançar, como um estado de perfeição que o homem ainda atingiu, mas que deverá alcançar fatalmente. De outra forma, que sentido teria a pregação de Cristo? É tão grande a sabedoria demonstrada em Suas palavras, que se torna muito difícil admitir a hipótese de que Ele não soubesse o que fazia. Descendo agora em maiores particularidades, como deveremos entender aquelas palavras acima citadas? Elas nos dão a impressão de que o Evangelho vai contra a vida e que esta se retrai espantada com tão absolutas renúncias. Procurar somente o reino de Deus, ter de dar tudo aos pobres, estar excluído do Céu só pelo fato de ser rico, negar-se a si mesmo e não poder salvar a própria vida senão com a condição de perdê-la em relação ao mundo, tudo isto imposto sem possibilidade de adaptações que tornem possível uma conciliação entre os dois extremos opostos, não permitindo salvar nada daquilo que mais satisfaz e mais se julga indispensável, trunca profundamente a vida humana, que, por instinto, reage para não se deixar destruir.
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Isto levaria a outra conclusão, que temos, no entanto, de considerar inadmissível, porque absurda, segundo a qual o Evangelho, sempre afirmativo e construtivo, pertenceria, ao invés, às forças negativas da destruição. Seria isto possível? Vemos, contudo, que existe uma Providência defendendo a vida. Esta possui uma sabedoria sua íntima, muito acima de nossa vontade e conhecimento, sabedoria da qual somos grandemente devedores por termos chegado até aqui e por conseguirmos sobreviver a cada minuto. Seria possível que Cristo se tivesse colocado contra essa vontade de viver, que é irresistivelmente, por instinto, obedecida pelo ser e constitui um impulso fundamental determinado por Deus, indispensável para que se cumpram os destinos do universo? Não, não é possível! Mas que sentido, então, devemos dar às palavras de Cristo? ◘ ◘ ◘ Diz o Evangelho que procuremos “acima de tudo” o reino de Deus e Sua justiça, ou seja, em primeiro lugar, e não por último ou absolutamente nunca, como desejaria o mundo. Aconselha-nos a dar tudo aos pobres, mas como um caminho de perfeição, que, como tal, só pode ser excepcional. Sem dúvida, será necessário que alguém possua bens na Terra, mas não os deve possuir como rico, com egoísmo e avareza, acumulando-os para si e, nesse intuito, subtraindo-os aos outros, e sim com espírito de pobreza, sem egoísmo nem avareza, sem querer insaciavelmente acumular sempre mais, como em geral ocorre, antes colocando o supérfluo a serviço do bem alheio, agindo como um dono que, centralizando tudo em si mesmo, como administrador, fecunda com o seu trabalho a sua propriedade, tornando-a mais produtiva, só a cedendo aos outros quando estes dão prova de serem bastante competentes e trabalhadores, para que os bens não sejam destruídos ou tornados improdutivos. Cristo não pode querer o desperdício e a destruição, não pode querer o ganho sem merecimento. Cristo quer levar-nos ao mais modernos conceitos que o mundo está começando a compreender, segundo os quais conserva-se o direito de propriedade, mas abrindo sempre mais espaço aos deveres inerentes à obrigação de realizar sua função social. O Evangelho dirige-se contra os ricos, e não contra os bens em si mesmos, que também são obra de Deus, para serem colocados a serviço da vida. O mal começa quando essas posições são invertidas e a vida é posta a serviço deles, isto é, quando se sacrifica o bem do próximo por egoísmo. Antes de qualquer coisa, o Evangelho vê o lado espiritual do problema, onde está situada a raiz de tudo, e dirige-se, portanto, contra o estado de alma
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comum aos possuidores, contra a psicologia do rico, combatendo-a por causa dos danos que ela produz. O Evangelho nos quer pobres de espírito, homens desprendidos, que aprendam a possuir com outro espírito, totalmente diverso daquele próprio ao tipo biológico humano comum, espírito que pode permanecer intacto em qualquer regime econômico. Só a revolução de Cristo chegou à substância para renovar a fundo o homem, única maneira de resolver o problema econômico. Com todas as outras inovações, exteriores e formais, o homem permanece sempre o mesmo, fazendo as mesmas coisas. Pertencer a este ou aquele regime econômico, possuir ou não possuir, tem sempre uma importância relativa diante da íntima psicologia de que somos dotados. Por isso não se iludam aqueles que possuem, pensando achar em nossas palavras uma justificativa ou autorização para possuir com sua própria maneira. Se não possuírem com esse espírito novo, como quer o Evangelho, continuarão sendo condenados por ele, que respeita a propriedade e também as riquezas, mas já vimos em quais condições. Ele não admite que o indivíduo possa ter, em relação à coletividade, fins negativos ou maléficos, mas apenas positivos e benéficos. O Evangelho, que é justo, não pode admitir nenhum direito sem os correlativos deveres. Eis o que significa “procurar o reino de Deus e Sua justiça”. É natural, então, que o resto nos possa ser dado por acréscimo. Quando for eliminada toda a destruição de bens que deriva das guerras e de todos os atritos das rivalidades sociais; quando a vida não for uma corrida desesperada ao dinheiro, mas sim uma colaboração honesta de gente de boa-vontade, é fácil imaginar como também o problema das necessidades será automaticamente resolvido, sendo nos dado, verdadeiramente por acréscimo, todo o resto de que fala o Evangelho. O Evangelho não é destrutivo e antivital, como pode parecer. Ao contrário, ele representa um novo modo de conceber a vida, para nos ajudar a enfrentar e resolver com sabedoria os nossos problemas. Existem alguns que se revoltam contra o Evangelho porque acreditam na riqueza, pois ele condena a cupidez. Há outros que se apoiam no Evangelho porque presumem que a Providência esteja a seu serviço, poupando-lhes todo trabalho. Há os heróis da santidade, que têm a força de vivê-lo cem por cento, e há os que, depois de pensar bem, o adaptam às próprias comodidades, vivendo-o na medida em que ele não perturbe os próprios interesses. O fato positivo que existe e se antepõe a tudo é o tipo individual, o temperamento de cada um, que transforma todas as coisas que encontra – leis, usos sociais, moral, religiões e também o Evangelho –
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para adaptá-las a si mesmo. Todas essas normas surgem, querendo vergar o indivíduo. Depois, é o indivíduo que procura vergar essas normas a seu gosto, adaptando-as para vivê-las a seu modo. Antes de tudo, cada um diz “eu”. Mesmo a autoridade, que deveria coordenar esses diferentes tipos para deles fazer uma unidade, é apenas outro “eu” maior e mais forte, que procura imporse a todos os outros, e estes, por sua vez, se lhes convém, concordam com ele, se são fracos, suportam-no, se são astutos, fogem e, se são fortes, rebelam-se. O próprio Evangelho não podia escapar desse processo geral de adaptação, necessário na Terra para poder alcançar sua realização, processo no qual ele é, na prática, transformado, entendido e aplicado em função dos vários tipos de personalidade, cada um destes procurando fazer dele o uso que mais lhe convêm. A verdade que existe antes de tudo e se antepõe a todas as outras é o próprio tipo de personalidade, com seus instintos e qualidades, que luta a cada momento contra as outras verdades coletivas, secundárias em relação a ela, com um objetivo diferente, buscando afirmar-se. Mas, como a natureza tende à construção de biótipos em série, eles podem, em certo número, aproximar-se por semelhança e, assim, formar grupos e correntes nas quais podem concordar e permanecer unidos. Desta maneira, podem existir ideias aceitas pela psicologia coletiva, desde que correspondam a um nível médio e exprimam um fundo comum na forma mental da maioria. Mas o ponto de partida, mesmo para estas verdades mais gerais – pelo menos como aplicação vivida – é o biótipo individual e seu grau de maturação evolutiva. São estes, antes de tudo, os fatores que estabelecem o que o indivíduo pode compreender e realizar dos ideais a ele propostos ou ensinados. Sem isto, as ideias mais sublimes permanecem adequadas apenas para o Céu, de onde descem, e jamais poderão tornar-se verdades vividas pelo homem na prática de sua vida, resultando então em algo estéril e inútil a sua descida à Terra. Por isso o Evangelho achou muitos sequazes. Mas que sequazes! Será que o Evangelho os transformou, ou foram eles que transformaram o Evangelho? Não seria possível, na luta para se transformarem um ao outro, adaptaram-se num compromisso a meio-caminho, que permitisse a ambos sobreviver? Mas, se o tipo humano predominante não sabe fazer mais do que isto, por que se escandalizar com a história, se este era o único meio possível para que ao menos a letra do Evangelho chegasse até nós? Além disso, o que se pode pretender do homem com um passado selvagem tão recente? Por que não nos escan-
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dalizarmos conosco mesmos, que nos julgamos mais civilizados, no entanto agimos pior? É o homem que quer trazer tudo ao seu nível, adaptar tudo aos seus instintos, utilizar tudo para vantagem própria. Destrutivo é o homem, e não o Evangelho. Este, se entendemos por vida aquela do nível animal, pode parecer antivital, mas, se, ao invés, entendemos por vida aquela do nível espiritual, é extremamente vital. Ele só é inimigo das formas inferiores de existência, e isto porque quer realizar, em lugar delas, as superiores. Ele se contrapõe ao mundo só porque quer substituí-lo pelo reino de Deus. Por isso o Evangelho pode parecer destrutivo aos olhos míopes do mundo, que, como tal, considera destruidores todos os que, para fazê-lo progredir, querem sua renovação. Sem dúvida, o Evangelho representa a mais enérgica negação dos princípios em que se baseia a vida do mundo, e contra essa negação rebelam-se aqueles para os quais essa vida é tudo. No entanto, quão suprema afirmação constitui o Evangelho! Afirmação de uma vida muito mais alta e poderosa, que o mundo não leva em consideração porque não a vê. Então, quando o Evangelho nos diz aquelas estranhas palavras: “Não vos angustieis pela vossa vida...”, não devemos ceticamente voltar as costas àquilo que em nosso mundo – do qual bem se conhecem as duras necessidades – pode parecer uma zombaria. Ao contrário, devemos procurar compreender o verdadeiro sentido dessas palavras, seu bom-senso, útil para nós, que vem ao nosso encontro para nos ajudar inclusive na vida deste mundo. Essas palavras não foram ditas ao acaso e, no trecho citado nas páginas precedentes, elas são repetidas com insistência: “Não vos preocupeis, dizendo: O que comeremos, o que beberemos ou o que vestiremos?... Vosso Pai Celeste sabe que tendes necessidade de todas essas coisas... Não vos preocupeis com o amanhã...”. Parece que Cristo, falando assim, quer primeiramente nos colocar em estado de calma, de confiante tranquilidade, libertando-nos da ambição, que nos faz maus, assim como da ânsia da preocupação, que paralisa, duas condições perigosas, das quais está cheio o mundo. Para ajudar a nos libertarmos desta desapiedada psicologia das exigências do contingente, o Evangelho nos mostra horizontes bem mais amplos, que nos pertencem sem dúvida, mas nossos olhos não veem; recorda-nos que Deus fez tudo e não pode, como Pai, abandonar suas criaturas. Com estas palavras, parece que Cristo tornou seu o sacrifício humano de viver em tão duras condições e, para nos aliviar, quis explicar-nos que, no fim das contas, a vida não está toda aqui, sendo inútil lutar por
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ela além de certa medida, porque depois virá coisa bem diferente. Com isto, o Evangelho quer colocar cada coisa no seu devido lugar, libertando-nos de uma equivocada superestima da vida presente, que, em última análise, é o que é e merece o que merece. Certamente, se o homem é ansioso, não é pelo gosto de sê-lo, mas porque isto constitui a última consequência do longo passado de lutas terríveis para sobreviver em ambiente hostil. Porém, agora, é preciso subir mais e, para isto, corrigir os instintos que ficaram como resíduos desse triste passado. Neste sentido, o Evangelho vem ao nosso encontro e nos ajuda, sendo altamente afirmativo e construtivo, benéfico no bem mais real e duradouro. Agora, precisamos observar que, em muitos casos, é justamente neste ponto do “não vos preocupeis” que costumam nascer mal-entendidos. Entre tantos usos que se pode fazer do Evangelho, é possível também, quando ele cai nas mãos de quem procura não se preocupar, utilizá-lo para descarregar os próprios trabalhos e deveres nas costas dos outros. Estas pessoas podem gostar muito desse trecho do Evangelho, porque lhes parece inacreditável que tenham encontrado alguém que os tranquilizasse ainda mais na sua inerte indolência, encarregando-se de substituí-los em seu trabalho. Então eles bendizem o Pai Celeste e O imaginam transformado em servo deles, encarregado de lhes prover gratuitamente as coisas da vida. Assim, conservam sempre o Evangelho entre as mãos, esperando sentados o maná do céu. Contudo iludem-se, porque o Evangelho nos foi dado para realizarmos todos os nossos deveres com o nosso esforço pessoal, e não para nos apropriarmos de direitos ou receber serviços. O Evangelho nos acompanha, ajuda-nos e santifica-nos, mas não nos tira o trabalho, não nos exime do esforço que nos compete. O Evangelho quer tirar-nos a ânsia do trabalho, mas não o trabalho; quer que o façamos com ânimo tranquilo, o que significa menos esforço e maior rendimento; quer que o realizemos com inteligência e amor, o que o torna interessante e útil, inclusive para o espírito. Cristo vem ao nosso encontro para nos ajudar na dureza desse trabalho. Ele não o ignora, tanto que o lembra no fim do trecho supracitado, comentado por nós aqui: “Não vos preocupeis com o amanhã, porque o amanhã se preocupará consigo mesmo. A cada dia basta o seu cuidado”. O Evangelho, que é sempre afirmativo e construtivo, quer eliminar de nossa atividade a sua parte negativa de preocupação e ânsia – qualidades que nada criam, pelo contrário, são contraproducentes, porque paralisam – e substituir essas condições negativas por nossa confiança em Deus, uma atitude positiva, que torna
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mais fecundo nosso trabalho e menos pesado nosso esforço. Isto é o que podemos honestamente pretender do Evangelho. Nada mais. É inútil que se refugiem em algumas palavras do Evangelho os que não têm vontade de trabalhar. Poderão dizer talvez que foram enganados, mas isto não os ajudará. O Evangelho nos quer honestos, e a preguiça é uma forma de desonestidade. ◘ ◘ ◘ O irreconciliável contraste que verificamos existir entre o Evangelho e o mundo no terreno dos bens materiais, apresenta-se-nos também sob outros aspectos. Sem dúvida, o trabalho é uma necessidade inderrogável da vida humana. Mas, nas duas posições opostas – Evangelho e mundo, ou seja, evoluído e involuído – o trabalho se nos apresenta em duas formas bem diferentes. O trabalho do primeiro é inteligente, fecundo, confiante e satisfatório, ao passo que o do involuído é forçado, penoso, desconfiado e incompleto. O Evangelho desejaria transformar este segundo tipo de trabalho naquele do evoluído. Com efeito, o primeiro tipo nos faz colaboradores de Deus, enquanto instrumentos de Sua vontade, numa obra que, tendo finalidade em si mesma, já representa por si uma graça. O outro tipo de trabalho, como se usa na Terra, é geralmente instrumento de interesses e função de egoísmos, tanto do empregador como do empregado, dois impulsos egocêntricos opostos, que lutam como rivais, para cada um deles se apoderar de tudo. Deriva daí um atrito desgastante, que gera desperdício de valores, inclusive econômicos. Daí não surge colaboração, mas sim inimizade, que constitui uma perda comum, resultando um sistema errado, porque se torna contraproducente justamente onde devia ser produtivo; um sistema em que o empregador procura aproveitar-se do operário e este busca enganar o patrão, substituindo o princípio fecundo da colaboração pelo desagregante da luta. É com estes dois tipos de trabalho que o homem procura construir suas mais diversas obras. No entanto existe entre os dois uma diferença de rendimento, e seria lógico escolher o que custa menos cansaço e produz maior vantagem. Há respectivamente dois métodos para construir: um com os poderes materiais do mundo e outro com os poderes espirituais do céu. Veremos, agora, como merece mais confiança o segundo, que, com maior segurança, pode garantir-nos a vitória, enquanto no primeiro acreditam os simples, deixando-se enganar pelas miragens do mundo. O que faz este segundo método, quando quer construir qualquer obra? Começa por recolher os meios materiais, vai à procura deles e os acumula na
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maior quantidade possível. Mas bastarão apenas eles para construir? Se fizermos uma montanha de matéria prima e de dinheiro, teremos com isto recolhido meios, mas ainda nada teremos criado. Também participam do processo outros elementos, especialmente o trabalho do homem e, portanto, os fatores psicológicos e espirituais, justamente aqueles que, em última análise, constroem com aqueles meios. Os meios, sozinhos, continuam inertes, se não houver intervenção do pensamento, da vontade e da ação do homem, para movimentá-los e utilizá-los, transformando-os, de materiais de construção, na obra construída. Nesta, portanto, entram outros elementos, tornando-se essencial, para consegui-la, levar em conta também as forças do imponderável. Portanto, se quisermos construir solidamente, sem arriscar a falência da obra, teremos de considerar também as coisas espirituais da alma e do Céu. E se não soubermos levá-las na devida conta, nossa ignorância ou negligência poderão fazer-nos cometer erros que, mais tarde, teremos de pagar. Sem sombra de dúvida, o motor íntimo que dá impulso à obra, dirige e leva a termo o seu desenvolvimento, dando o seu cunho à execução do trabalho e, portanto, a toda a construção, é de natureza espiritual, e não material. Os homens práticos poderão rir ceticamente destas afirmações, deixando de levar em conta esses elementos. No entanto a forma substancial que, em última análise, sustenta uma obra está toda aí. Os meios materiais e o dinheiro são a matériaprima e o impulso para movimentar o homem, elementos indispensáveis sem dúvida, que constituem uma poderosa mola. Mas de que forma e em que direção essa mola os movimenta? Se ela, sozinha, os movimenta mal, não seria então igualmente indispensável ao menos um fator corretivo, que melhore a ação, tornando verdadeiramente produtivo um impulso que, sozinho, pode até mesmo ser destrutivo? Ora, qual é o estado espiritual que está geralmente ligado aos meios materiais? Qual é a psicologia do dinheiro? Com certeza não é uma psicologia de amor fraterno, mas sim de rivalidade e luta feroz, de egoísmo e de avidez. Trata-se de elementos que poderão interessar ao indivíduo, mas que são estritamente desagregantes em qualquer atividade coletiva, onde é necessário organizar-se, colaborando para chegar à realização. Todavia, isolados, esses elementos tendem a transformar um campo de trabalho num campo de batalha. Então o objetivo principal, que deveria ser construir bem uma obra, transforma-se, tornando-se desejo de enriquecer cada um por si, tirando desse trabalho a maior vantagem individual possível. Teremos, então, apenas uma atividade de
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exploração da obra, que se torna um pretexto, uma mentira, para encobrir outros fins, bem diferentes. Todo trabalho de construção fica assim minado interiormente, corroído por esta vontade que se encaminha para outras finalidades, muito diferentes de produzir bem e seriamente. O fator espiritual, que os homens práticos se acham no direito de não levar em conta, como se este fosse de fato desprezível, sem importância, pode, ao contrário, assumir uma tão grande importância, que, quando estiver desgastado, é capaz de minar e levar à falência toda a obra. Explica-se, assim, como tal coisa aconteça no meio de tanto progresso técnico. Isto não quer dizer, absolutamente, que devamos suprimir os meios materiais e o dinheiro. Desejamos apenas colocar cada coisa em seu lugar, dando-lhe o que lhe compete, segundo sua própria importância, sem supervalorizar uma nem subestimar a outra. Ora, o mundo de hoje é levado a basear-se quase totalmente nos meios materiais, acreditando que eles sejam tudo. E aí reside seu erro. Com isto, não queremos dizer que não precisamos deles. Certamente precisamos, mas não apenas deles. É necessário algo mais, ou seja, saber usá-los com outro espírito, que os complete, coordenando-os para um fim, colocandoos, em relação a este, na posição de instrumentos ou meios, cimentando-os num estado orgânico que os torne construtivos. Se assim não for, aqueles meios ficarão dispostos de modo errado, e sua quantidade se tornará contraproducente para a obra. Trata-se de elementos em si mesmos inertes, que são postos em funcionamento através do trabalho. Este, por sua vez, é uma atividade do homem, na qual, portanto, não pode deixar de influir o fator psicológico, que, assim, assume a sua importância no êxito da obra. Onde quer que apareça a mão do homem, não se pode ignorar a presença do espírito. Daí a necessidade de levá-lo em conta. É verdade que, sem os meios materiais, não se pode construir, mas é também verdade que, se não soubermos utilizá-los, eles, sozinhos, poderão levar à falência. Por isso é grande o perigo quando a eles se atribui demasiada importância, fazendo-os assumirem uma função preponderante, condição em que a obra toda fica dependendo exclusivamente deles e da psicologia que lhes é inerente. A ideia de lhes dar valor absoluto ou principal, como se eles fossem onipotentes, é o caminho mais curto para chegar à falência da obra, pelo menos se ela for nosso verdadeiro objetivo. Se a finalidade, no entanto, for de fato outra – como por exemplo produzir dinheiro – pode-se até atingi-la, mas entende-se então que a obra seja apenas uma mentira, preparada para outros fins, bem
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diferentes. E tal atitude não é honesta, sendo necessário pagar por isto mais tarde. A presença do dinheiro numa obra, mesmo que seja indispensável, tende, por sua natureza, a levar-nos – se não for corrigida e disciplinada – pelo caminho dos enganos, num terreno mal seguro de areias movediças, prontas para engolir tudo. É bom estarmos prevenidos de tudo isto e tratarmos o dinheiro com as devidas cautelas, com certa desconfiança, não lhe dando um valor maior do que o merecido por ele e tendo em conta que, em última análise, a causa primeira do êxito não está nos meios materiais, mas nas forças espirituais que os movimentam. Não devemos jamais esquecer que a vida obedece muito mais às causas profundas, invisíveis para nós, do que às superficiais, com as quais tanto contamos. A história e a vida nos mostram que obras muito bem armadas dos mais poderosos meios faliram miseravelmente, apesar da existência desses meios. Isto quer dizer que eles, sozinhos, não bastam e que, escondido no imponderável, existe algo tão poderoso quanto eles, um fator que é mister levar em grande conta e sem o qual pouco podem aqueles. Qual a obra que pode ser realizada sem o elemento fé, ou pelo menos convicção? O que pode levar a cabo tantos interesses separados, aos quais importa apenas o que serve à vantagem individual, e não à realização da obra? Quando o egoísmo e o interesse são o estado de alma dominante e a única finalidade é satisfazê-los, o que se pode alcançar, senão a satisfação deles? Que poderão produzir os maiores meios materiais, quando infectados por essa psicologia? As próprias coisas ficam permeadas pelas sutis vibrações das causas que as geraram e das forças que as movimentam. Que se pode obter quando, exatamente na raiz da ação, a obra está corroída por esses impulsos interiores? Por isso o dinheiro pode ser perigoso, pelos sentimentos negativos e desagregantes que atrai e traz consigo, introduzindo-os na obra. Por isso, quando é necessário recorrer a ele, é preciso usá-lo como são usados os venenos nas farmácias. Eles são úteis e, às vezes, até indispensáveis na medicina, mas ficam bem fechados em seus recipientes, com uma etiqueta por fora, onde está escrito: “veneno”, para avisar do perigo. Por que veneno? Em si mesmos, os meios materiais não são maus. São obra de Deus, úteis à vida, que, sem dúvida, deve ser vivida. Mas tornam-se veneno, quando o homem, por causa deles, é tomado pela avidez e agride o próximo, explora, esmaga e escraviza os fracos. Para conquistar o poder do dinheiro, fazem-se as guerras e enche-se o mundo de sofrimentos. Não nos rebelamos contra o dinheiro honesto, fruto do
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trabalho, abençoado por Deus, mas contra o dinheiro ensanguentado, que gera tantas dores, amaldiçoado por Deus. É este o dinheiro que foi chamado de esterco do demônio, enquanto o Evangelho elogia aquele o da esmola da viúva. O erro consiste no dinheiro demasiado, não honesto, não fruto do trabalho, não meio para coisas boas, mas fim em si mesmo. Em vista disso, é preciso utilizálo com cuidado nas próprias coisas, porque ele é como uma arma, que pode defender, mas também matar; é como um veneno, que pode curar-nos de uma doença, mas também levar-nos à morte. O perigo não reside no uso do dinheiro, mas em querer basear-se exclusivamente nele. Qual a obra que se pode construir sobre o fundamento que nos oferece a psicologia do dinheiro? Logo que seu cheiro se espalha no ar, qual é o tipo de homem que imediatamente chega correndo? Certamente não é o homem trabalhador, honesto, sincero e desinteressado, que é o elemento mais adequado para construir, mas sim o indivíduo à procura de realizar sobretudo os seus negócios, apto a construir para si, mas destruindo para os outros. Quem quiser, portanto, realizar uma obra, principalmente se for espiritual, precisa em primeiro lugar afastar esses elementos e se proteger contra o dinheiro, que os atrai. Quem procura, em primeiro lugar, acumular dinheiro acaba ficando cercado por essas forças negativas, ansiosas por destruir tudo. Desse modo, o dinheiro pode transformar-se de auxílio em obstáculo. E assim voltamos sempre à causa primeira de tudo, causa que está no espírito. As coisas em si mesmas não são nem boas nem más. Tudo depende da intenção e do objetivo com que são feitas. Elas só entram no mundo moral com o uso que delas faz o homem. Tudo é bom, quando bem usado; tudo se torna ruim, quando mal utilizado. É o substrato espiritual que valoriza ou desvaloriza tudo, servindo de apoio e constituindo o fundamento em que tudo se baseia. Não se deixando enganar pelas miragens que a avidez lhe oferece – nas quais os simples acreditam e caem – o homem inteligentemente utilitário leva em conta também, para construir solidamente, o fator psicológico e espiritual. Quem realmente quer atingir a vitória com verdadeiro êxito, deve possuir essa esperteza superior a todas as outras, que alcança a honestidade e o desinteresse. No entanto o mundo crê cegamente num poder absoluto do dinheiro. O jogo da vida não é assim tão simples a ponto de permitir resolver todos os problemas só com esse meio. O que se pode comprar com o dinheiro? Existe alguma loja em que se possa comprar inteligência, vontade de trabalhar, desinte-
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resse, honestidade, sinceridade, bondade, espírito de sacrifício? Pode o dinheiro nos dar esses elementos para construir bem? Ou, ao contrário, ele atrai sobre nós exatamente o oposto? E como construir sobre as areias movediças do orgulho, da avidez, do egoísmo? Faz parte da sabedoria do engenheiro construtor de qualquer obra – ao fazer o projeto – colocar cada coisa em seu lugar, prevendo o que se pode aproveitar. Para tanto, é necessário conhecer e calcular o poder de resistência do dinheiro e o peso que ele pode suportar, apoiando a outra parte do peso em bases psicológicas e espirituais, que permitam o suporte completo. Cada coisa em seu lugar. Também o sal, na comida, é muito útil, mas, se passa da medida exata, estraga-lhe o sabor. O fogo é indispensável para cozinhar, mas, se for demasiado, queima tudo. Assim o dinheiro é uma força que precisa ser contida e dirigida pelos valores substanciais, que estabelecerão os limites e o uso para ele. É este o segredo para se alcançar a vitória, sabendo ser inteligentemente utilitário. É tolice desprezar o imponderável, porque, de fato, ele pesa muito. É ingenuidade ignorar o poder das forças do espírito. Não estamos moralizando em nome de ideais. Estamos falando de nossa própria vantagem. E aos que acreditam nos atalhos não-honestos, esperando chegar primeiro, dizemos que as leis da vida estão construídas de uma tal forma, que eles, mesmo se conseguirem momentaneamente surrupiar essa vantagem à justiça de Deus, pela qual tudo é regido, pagarão caro mais tarde, o que não lhes convém, pois se trata de um péssimo negócio para eles. Tudo isto vimos no caso narrado no volume anterior. Fala-se muito de Deus e de Cristo, utilizando-os como capa para encobrir os próprios interesses e, à sombra Deles, fazer melhores negócios. O atalho para chegar parece o mais breve, dando a impressão de um jogo fácil, e o mundo é facilmente levado a isso, sem imaginar o quanto seja perigoso, ignorando com quão poderosas forças está lidando. Cristo não é uma palavra vazia, que possa ser usada levianamente ou explorada e utilizada para outros fins, sem grave dano próprio. Fala-se muito da presença de Deus. Mas o fato é que Deus está verdadeiramente presente, o que significa que Sua lei está continuamente funcionando, com as devidas sanções aos que dela zombam. Ela defende os que trabalham em seu âmbito, mas golpeia os que a querem violar. Então quem sinceramente obedece à Lei é de fato o mais forte, aquele a quem compete a vitória, e não quem se julga valente porque a desobedece com astúcia. Com os meios e métodos do mundo poderão ser feitos edifícios material-
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mente grandes, mas nada se constrói nas almas. No meio das mais colossais construções, como hoje ocorre, vemos que os homens se tornam cada vez piores, e até mesmo suas próprias obras gigantescas – filhas da matéria, e não do espírito – não sustentadas pelo poder deste, desabam e viram pó. Torna-se inútil escorá-las, quando falta a união espiritual com Deus, sendo a obra, portanto, fruto apenas das forças do mundo. Se quisermos ser os mais fortes para vencer, coloquemo-nos do lado das forças espirituais, que são as mais poderosas, e não exclusivamente do lado das forças materiais, que nos podem trair. Se nos basearmos orgulhosamente apenas em nossos recursos pessoais, teremos somente estes para nossa defesa. Mas, se humildemente nos coordenarmos no âmbito da lei de Deus, poderemos contar com o poder dela e a teremos como defesa nossa. Voltamos, assim, a confirmar as conclusões dos capítulos precedentes: a vitória do espírito sobre a matéria e do Evangelho sobre o mundo. Cristo vence!
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III. MATERIALIZAÇÃO OU ESPIRITUALIZAÇÃO O materialismo religioso. Espiritualizar a matéria, e não materializar o espírito. O Evangelho, em vez de negar, afirma e expande a vida. A rebelião dos instintos atávicos. O passado revive. Crucificação. A reabsorção do mal e a sua eliminação. A míope psicologia do involuído e suas duras experiências. Os novos horizontes do Evangelho. O método da nãoresistência. A defesa do justo. A evolução caminha para Deus, que é vida; o egocentrismo a contrai no limite. A fustigação da dor nos impele a subir. As diversas reações à dor. Continuemos a realizar, sob outros aspectos, o nosso exame do contraste entre evoluído e involuído, entre espírito e matéria, entre o Evangelho e o mundo. Saindo do caso narrado, que o simboliza, o problema se torna cada vez mais universal. Procuremos compreender cada vez melhor o significado da luta entre esses dois extremos opostos, entre os quais se debate a natureza humana. De um lado o evoluído, que vive, no plano do espírito, a lei do Evangelho; do outro o involuído, que vive, no plano da matéria, a lei do mundo. O choque ocorre entre esses dois diferentíssimos tipos biológicos, situados em dois planos opostos da vida, espírito e matéria, expressos por duas leis irreconciliáveis: a do Evangelho e a do mundo. Cada um dos dois tipos não pode deixar de reduzir tudo ao nível de seu plano de vida, de conceber tudo com a própria forma mental e de tudo viver segundo sua própria natureza. O evoluído tende a espiritualizar tudo, o involuído a tudo materializar; o primeiro, elevando tudo a seu plano de vida, o segundo, tudo reduzindo ao seu próprio nível. Este último, sendo feito primordialmente de carne, portanto das necessidades e instintos inerentes a ela – um verdadeiro filho da Terra – é levado a conceber tudo materialistamente, pensando e resolvendo todos os seus problemas com essa psicologia. Em qualquer circunstância, não se pode sair do próprio estado mental, nem se pode agir diversamente daquilo que se é. Por isso ocorre que a maioria, mesmo no terreno das coisas religiosas, espirituais e ideais, comporta-se materialistamente, porque essa é a sua psicologia, com a qual concebe tudo e da qual não pode fugir, dado o seu tipo biológico. Quando o próprio centro vital está situado no plano biológico da animalidade, qualquer coisa que se pense ou se faça manifesta a tendência de levar tudo
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para ele, porque ninguém sabe viver fora do próprio plano. Não é questão de uma ou de outra religião ou filosofia, nem do grupo a que se pertence ou da fé que se professa. Não se trata do verniz externo das posições formais, que podem modificar apenas a aparência, dificilmente conseguindo, numa só vida, transformar a substância, ou seja, tornar um biótipo em outro. Quando o ponto de referência é o corpo e a terra, em função dos quais se pensa e se vive, tudo permanece nesse plano. Assim como um peixe, ainda que pudesse aprender a teoria e as leis do voo, jamais poderia voar, pois referir-se-ia sempre ao seu mundo, permanecendo em seu ambiente aquático, um involuído também poderá aprender as coisas espirituais, sem contudo tornar-se um evoluído, pois, em vez de vivê-las, referir-se-ia sempre ao seu mundo material, vivendo apenas em função deste. Dado o seu tipo biológico, o ponto de partida e de referência para o homem, que é sempre matéria, é o corpo, em função do qual ele pensa e age. Por isso, mesmo quando quer penetrar na estrada da espiritualidade e da santidade, tem de começar agredindo a própria animalidade, para destruí-la. Logo de inicio, acha-se engolfado num trabalho negativo, constituído pela demolição da barreira formada pela própria natureza inferior, que o impede de avançar para formas superiores de vida. Trabalho indispensável sem dúvida, mas que revela a verdadeira natureza humana. Explica-se, assim, por que as primeiras virtudes a aparecer são negativas, impondo o “não-fazer”, ao invés de positivas, buscando o “fazer”. Desse modo, o que o homem deve aprender primeiro não é a espiritualizar-se, mas a libertar-se da materialidade; não é a tornar-se anjo, mas a deixar de ser animal. A espiritualidade verdadeira só poderá chegar depois que se tenha varrido do terreno os instintos inferiores da animalidade. Tudo isto nos mostra o quanto ainda estamos longe da espiritualidade, porque, sendo ela positiva e ativa, não perde mais tempo com esse trabalho negativo para demolir a parte inferior, já superada e inexistente naquele nível. O que interessa ao homem, mesmo quando ele quer ocupar-se de coisas ideais, é sempre o que se refere ao corpo e à matéria. Os mandamentos de Moisés dizem sobretudo “não-fazer”. Na vida de Cristo, o ponto culminante em que o homem mais atentou, demorando-se em cada particular, foi a sua paixão física, feita de maceração do corpo, sempre visto em primeiro lugar, ao passo que a paixão do espírito, tão maior em Cristo, quase desaparece num fundo longínquo. Na eucaristia, que é união espiritual, fala-se de corpo e de sangue. Sem a presença de algo material e sem a intervenção do corpo, parece
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que o homem não sabe fazer nem imaginar nada, enquanto a primeira qualidade do homem espiritual é eliminar o corpo e a matéria das funções próprias do espírito. Para tornar possível o mundo compreender que Cristo não morrera, pois Seu espírito sobrevivera, era necessária uma sobrevivência física, com a ressurreição do corpo, porque, para o homem, a vida está no corpo e este constitui a pessoa. Se não sobreviver algo que se veja e se toque (Tomé, quando Cristo apareceu-lhe, exigiu como prova colocar o dedo em Suas chagas), se o indivíduo permanecer vivo só no espírito, justamente a parte que verdadeiramente o constitui, isto continua um fato sem importância, porque não é percebido. Mas, então, quando aprenderemos a nos espiritualizar? Vemos assim como os dois biótipos – evoluído e involuído, ou seja, espírito e matéria – são distantes e opostos. Enquanto o primeiro está colocado no plano espiritual, em função do qual vive e concebe tudo, dá-se o oposto com o involuído. Ora, onde esse biótipo representa a maioria, as próprias religiões são concebidas materialistamente, havendo então um materialismo religioso, o qual, em substância, é um materialismo recoberto de formas religiosas, o que é ainda pior. O trabalho que dever ser realizado não é fazer o espírito descer, trazendo-o ao nível da matéria, mas sim, ao contrário, transformar nossa natureza material até torná-la espiritual. Ao invés de reduzir as coisas espirituais à forma mental humana, abaixando tudo a este nível, seria necessário procurar subir, assumindo a forma mental do homem espiritual. Em outros termos, quando se entra neste terreno, não se costuma fazê-lo para espiritualizar a matéria, como se deveria, mas para materializar o espírito. Executa-se, assim, um trabalho às avessas, pelo qual se procura pôr o céu a serviço da terra. Assim como, em vez de uma função social para o bem coletivo, tende-se a fazer do poder dos governantes um meio de usufruir vantagens pessoais, também se utilizam as coisas do espírito para tirar delas vantagens no plano material. Ora, para a evolução e para quem quer subir o que interessa não é abaixar as coisas superiores, mas sim afinar-se com elas, subindo a planos superiores, a fim de aprender a perceber, pensar e viver neles, nas formas que lhes são próprias. Infelizmente, porém, cada um tende a transformar e reduzir tudo às medidas do próprio plano e aos limites da própria natureza. Para muitos, portanto, estas observações não serão compreensíveis ou até mesmo admissíveis. Já assinalamos o quanto é perigoso não usar corretamente as coisas espirituais, brincando com essas tremendas forças. As astúcias e enganos, ainda que possam dar fruto na luta pela vida no plano humano, não podem ser utilizadas
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diante de Deus – posição que requer sinceridade – e se tornam prejudiciais. Por isso, nestas páginas, quisemos decididamente enfrentar o problema, para resolvê-lo com toda a sinceridade e de alguma forma, menos com o engano. Assim, quando nos perguntamos se Cristo deve realmente ser levado a sério e concluímos que sim, temos de levá-lo verdadeiramente a sério, vivendo Sua lei a qualquer custo, enquanto, no caso contrário, devemos abandoná-la por completo. Porém jamais mentir. O que está acima de qualquer discussão é que, qualquer coisa que se faça, deve-se fazê-la honestamente e com sinceridade, sem enganar-se a si mesmo e aos outros. Diante de Deus, nas coisas do espírito, é necessária uma sinceridade verdadeira, e não a humana, que muitas vezes se usa para esconder a mentira. Assim caminha o nosso mundo. Dada a sua posição ao longo da escala evolutiva, as coisas do espírito, situadas em outro plano de vida, além daquele do nosso mundo, aparecem neste em seu aspecto negativo, como renúncia e mutilação da vida, e não em seu aspecto positivo, como expansão vital, de afirmação e conquista. Em nosso mundo, as virtudes aparecem como um freio que oprime, como uma sufocação da natureza humana. É natural, então, que sejam evitadas como coisa triste. Colocado diante do impulso da evolução, o homem sente mais a pena da renúncia ao seu mundo e da separação da própria materialidade do que a alegria de crescer num mundo maior, ligando-se a uma forma mais alta de vida, dada pelo espírito. É inútil fazê-lo compreender que não se trata de caminhar com pesar, mas sim com alegria de viver. Se, ao invés da primeira parte, que é negativa, fosse percebida a segunda, que é positiva, invertida seria a sensação provocada pelo esforço de evoluir. A evolução não nos pode impelir a caminhar contra a vida, mutilando-a na dor, mas só nos levar para a vida. Se isto fosse bem compreendido, o esforço deste desenvolvimento daria uma alegre sensação. Quanto mais iniciais são os degraus da subida espiritual, maior é o cansaço para nos afastarmos da matéria e mais dura é a dor da separação. Porém, quanto mais se sobe, mais diminui esse cansaço que nos afasta da matéria e menor é a dor da separação, porque o ser acha outra e mais alta vida à qual ligar-se. ◘ ◘ ◘ Assim, o homem não pode deixar de se revelar como é, segundo o seu tipo biológico, mostrando-nos, com os fatos, o que ele é. Dado esse seu tipo, mais vizinho do Anti-Sistema que do Sistema, é inevitável que apareça – mesmo quando ele entra no terreno das religiões e da moral – o seu inato negativismo,
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qualidade do involuído, diante dos problemas do espírito. Esse biótipo está emergindo penosamente dos mais baixos níveis da vida, em que tudo é vivido e sentido em função da matéria, e o Evangelho, avançadíssima lei de espiritualidade, em função da qual tudo é invertido, pretende enxertar-se na carne viva desse ser, para transformá-lo em sua mais profunda substância. Se nos convencermos da imensa distância que, ao longo da escala da evolução, existe entre o plano de vida do homem atual e o nível do Evangelho, compreenderemos como, em 2.000 anos, tenha sido feito tão pouco e como o resultado, mais do que o levantamento do homem, tenha sido a inversão do Evangelho. Assim, a ação permaneceu no exterior, nas formas, nas práticas religiosas e nos sermões, tendo o Evangelho permanecido na superfície. Todos, assim, verificam que ele não funciona, o que é verdade. Esse fato, porém, os leva a concluir, erradamente, que o Evangelho é uma utopia irrealizável na prática. Lança-se a culpa na máquina porque não funciona, ao invés de se atribuí-la ao maquinista, que não a sabe movimentar. Continua-se a repetir que a fé remove as montanhas, mas de fato não a vemos remover nem mesmo uma pedrinha. Mas qual é a nossa fé? E de que fé fala o Evangelho? Da fé de um momento, de um dia, de uma vida ou de um milênio? De uma fé calculista e interessada, ou de uma fé profunda, pronta a tudo? É lógico, mesmo sendo mais cômodo e se buscando justamente o contrário, que não se possa obter um grande resultado com um pequeno esforço, pois há necessidade de proporção entre causa e efeito. Nós vamos contra os próprios princípios do funcionamento da máquina. Como podemos, então, pretender que ela funcione? Assim, a animalidade humana continua a se enfeitar com esse belo chapéu e a vestir-se com esse maravilhoso manto, o Evangelho, acreditando que lhe baste isto para conseguir civilizar-se sem esforço. Mas a realidade está nos fatos. É mais fácil transformar uma montanha, fazendo-a ir pelos ares com a dinamite, do que transformar um tipo de personalidade. A animalidade está bem assentada com os quatro pés no terreno sólido da matéria, onde se apoia há milhões de anos. Só conhece ele e só nele confia. É lógico que desconfie e se rebele contra quem queira, de um só golpe, fazê-la voar até ao céu. Na ordem universal, nada ocorre por acaso, nada é inútil, tudo está em seu justo lugar. A animalidade existe, é involuída e atrasada, mas não está fora da ordem universal. Ela realizou suas importantes funções evolutivas e tem suas razões de existir. O primeiro dever do pensador moralista que quer fazê-la progredir, é compreendê-la, para saber dobrá-la e plasmá-la sem quebrá-la, como pode
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acontecer quando se usa o Evangelho com o espírito agressivo do involuído, para domar com a força. Assim, nenhuma moral é tão contraproducente – mesmo se usada por sua fácil atuação – quanto a moral estandardizada, segundo a qual todos devem entrar nas mesmas medidas e ter o mesmo comprimento no mesmo leito. Os que não se enquadram são esticados até aquele comprimento, se forem menores, ou então, se forem maiores, lhes é cortado um pedaço. É necessário conhecer as reações da animalidade e levá-las em conta. Ela é uma forma de vida inferior, mas é vida e, como tal, pelo mesmo divino princípio da vida, não quer e não pode renunciar a existir. Ao contrário, quanto mais se é involuído, mais se é apegado à vida, isto porque o ser, quanto mais é involuído, menos possui e, em sua pobreza, mais apegado está à sua existência limitada e precária. A plenitude da vida está em Deus, e o ser a conquista com a evolução, subindo para Ele, enquanto perde-a com a involução, afastando-se de Deus. Eis porque o ser inferior luta tão desesperadamente pela sua vida, pois precisa e quer lutar para sobreviver. Ora, o Evangelho, negando a animalidade do involuído, aparece-lhe como uma negação de toda vida, dado que este só a conhece nesta sua forma e acredita que, se abandoná-la, morrerá. É natural, então, que ele se rebele contra um Evangelho que se lhe apresenta em forma negativa, ou seja, como negação e sufocação daquela vida. Ele não compreende, nem os divulgadores do Evangelho o fazem compreender, que, ao contrário, o Evangelho é uma afirmação para a expansão da vida e que aceitá-lo é uma alegria de conquista, e não uma dor de renúncia. Mas como pode a natureza humana deixar de inverter tudo na Terra? Assim, o Evangelho foi apresentado mais como uma dura lei, carregada de sanções, com as quais se agride a vida para mutilar sua expansão, do que como uma arte sabia para alcançar uma vida cada vez maior. Mas, dado o ambiente humano em que o Evangelho caiu, como poderia ocorrer de outra forma? Só os santos e as grandes almas souberam escapar desse erro, mas eles são muito poucos para arrastar a massa humana. Se o involuído resiste ao evoluído e revolta-se contra a psicologia evangélica do santo, é porque defende seu tipo biológico, no qual vê a própria conservação. Ele sente, por instinto, que o outro tipo quer substituí-lo na vida, tomando-lhe o lugar. Sem dúvida, o direito à vida cabe ao novo, mas isto não impede que o velho resista para não morrer. Eles são rivais no mesmo terreno da vida, por isso se combatem. Se o involuído é o tipo do passado e, por isso,
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sente-se com maior direito de continuar a viver, o evoluído é o tipo do futuro e, por isso, sente-se com direito ainda maior de se apoderar da vida. O involuído, sabendo que, amanhã, terá o seu lugar tomado pelo evoluído, experimenta imenso ciúme dele, pois não entende que será ele mesmo, após ressuscitar de uma forma velha em uma nova, aquele evoluído que o substituíra depois. Não compreende que o exemplo dos evoluídos é um convite à conquista de uma vida maior e que esta é apenas a continuação de sua própria vida. Contudo, entre os dois, o mais forte é o elemento jovem, que a vida defende porque confia a ele a continuação de seu caminho. As velhas células resistem, mas, tão logo se forma uma célula de tipo superior, mais avançado, esta procura consolidar-se como tipo biológico, tornando-se centro de atração para as outras células do mesmo tipo que se vão formando. Estas, por sua vez, sentemse atraídas e se aglutinam em redor daquela primeira célula, até que a vida possa firmar-se e fixar-se num plano evolutivo mais alto, na forma do novo biótipo do evoluído. É assim que, por lentas maturações, o Evangelho consegue fixar-se na Terra. Hoje, ainda estamos na fase dos raros exemplares esporádicos do novo tipo em formação. Mas esses exemplares, com o tempo, deverão tornar-se cada vez mais frequentes, mais normais, até que, seguindo as pegadas do Evangelho, toda a humanidade terá de passar a viver num plano mas alto de evolução, que já não será mais o da animalidade atual, e sim o da espiritualidade. Isto poderá parecer fantasia. Porém, além de não haver como contestar que a evolução é um fenômeno inegável, reconhecido por todos, também já não se pode mais agora admitir que ela continue sendo compreendida, como propuseram Darwin e Haeckel, apenas como desenvolvimento de órgãos, sem levar em conta o desenvolvimento nervoso, psíquico e espiritual. Assim, através desse contraste de forças, a evolução se realiza. Os obstáculos que os involuídos costumam colocar para fechar o caminho aos pioneiros do ideal são bem conhecidos. Do caso de Cristo até todos os outros menores, a história está cheia deles. Trata-se da história de mártires. Se o Sistema atrai para o Alto, o Anti-Sistema, por sua vez, possui uma atração sua para baixo. A evolução caminha deste para aquele. Em períodos de descida, pode haver o desenvolvimento semelhante ao do câncer, em sentido involutivo, com uma atividade retrógrada e destrutiva. Enquanto o evoluído tende a se desenvolver ordenadamente, em sentido orgânico e construtivo, o involuído só sabe fazer o contrário. Cada um, já o dissemos, não pode deixar de revelar a si mesmo em tudo. O involuído só sabe agir como tal, porque, se agisse diversamente, já não
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seria mais involuído, e sim evoluído. Até as células inferiores, involuídas, atraem para a própria órbita os elementos a elas semelhantes. Enquanto, no caso do evoluído, forma-se a fraternidade pacífica e construtiva, tendendo à unidade orgânica, no caso do involuído forma-se o bando de malfeitores, para guerrear contra quem quer que seja e, no fim, também entre si, destruindo e desagregando tudo, porque a única finalidade é a vitória do próprio egoísmo individual. ◘ ◘ ◘ Não devemos esconder a realidade e ignorar as dificuldades que encontra na Terra a aplicação do Evangelho. O passado animal está muito próximo ainda para que não seja ressentida toda sua tremenda influência. Transformar o próprio tipo e forma mental, transportando-se para viver num plano biológico mais alto, representa um trabalho profundo, que não se pode improvisar. Sem dúvida, o Evangelho quer ensinar ao homem coisas nobres e grandes para o futuro. Mas, se perguntarmos a esse homem o que lhe ensinou o passado, ele responderá que foram as virtudes da prepotência, do egoísmo e, principalmente, da mentira. As tão declamadas civilizações da história só puderam aplicar ligeiros vernizes por cima da originária ferocidade dos animais. E, no trabalho de educá-los, voltamos sempre ao início, porque educá-los significa refazê-los totalmente. Teremos já pensado de quantas dezenas ou centenas de milênios são fruto os instintos atuais? E foi imprescindível adquiri-los para sobreviver, porque só vivia quem os possuísse. Eles constituem o nosso sangue, fazem parte de nossa carne. A luta pela vida pode ter selecionado o mais forte, mas, em redor do vencedor, quantas ruínas, contorções e revoltas naqueles que tiveram de se adaptar a viver como vencidos! Todas as prepotências que os fracos tiveram de engolir à força estão prontas a regurgitar à procura de uma desforra que lhes dê satisfação. Todas as experiências vividas permanecem escritas em nossa carne e reclamam compensação. Os delinquentes natos são assim porque querem ser maus ou porque se tornaram assim como reação ao esmagamento que sofreram dos fortes? A humanidade viveu até agora de delitos, e isto não pode ser cancelado de um só golpe. Cada causa deve ter o seu efeito. Então, quando o Evangelho se nos apresenta inerme e acariciador, que podem fazer esses seres carregados de revolta, acumulada durante séculos de opressão? Explicam-se assim, embora não se justifiquem, os extermínios da revolução francesa e a brutalidade de tantas revoluções. Mas o mundo conti-
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nua a cometer injustiças, julgando que lhe baste a força para fazer calar e anular as reações, o que, momentaneamente, parece até ser verdade. No entanto o fogo viceja sob as cinzas, formam-se rancores profundos, ódios seculares de nações, raças e classes sociais; ódios que permanecem escondidos nas vísceras da vida – tal como um homem pode trazer, imersa durante anos nas profundidades de sua carne, uma série de vírus – até que um dia, de forma semelhante à doença, a vingança da revolta explode e tudo vem à luz. O Evangelho não desce para trabalhar num terreno virgem, mas sim num já poluído por mil delitos. É necessário enfrentar um trabalho imenso, porque se trata de corrigir, reeducar e reedificar o que está mal construído. É preciso desentrançar este emaranhado de explosivos que quer estourar e ter a força de engolir esse triste passado, neutralizando esse tanto de mal com outro tanto de bem, que é indispensável cada um possuir, para poder expandi-lo em torno de si. A justiça do mundo atual se apoia em compromissos, onde os impulsos contrários encontraram um equilíbrio apenas temporário, cada um permanecendo sempre pronto a explodir contra o outro, tão logo a pressão de um se relaxe. Isto em todas as posições sociais onde haja alguém que mande e alguém que deva obedecer-lhe. Como pode o Evangelho enxertar-se de um só golpe nesse sistema de forças e, em curto prazo, desviá-lo de suas primeiras aproximações da justiça para um nível no qual esta é definitiva e completa? Quando, no estado atual, o Evangelho intervém entre um patrão armado de força e um dependente armado de revolta, ensinando que a ambos convém muito mais colaborar pela compreensão, assim que uma das partes relaxe a pressão contra a parte oposta, esta lhe salta ao pescoço para apoderar-se de todo o campo, que, antes, só o equilíbrio entre as duas prepotências opostas mantinha dividido, cabendo um bocado a cada parte. É esse estado armado de todos contra todos que paralisa logo de início quem se dispõe a querer viver o Evangelho na Terra, a menos que se tenha o estofo de um herói, ou então que o seu ato não seja isolado, mas acompanhado por outros, de tal forma que se possa encontrar algum sustento pela reciprocidade da bondade do próximo. Quem quisesse sozinho, no mundo de hoje, contra todos, viver integralmente o Evangelho só poderia ser um mártir. Mas precisamos também admitir que só ele poderia ser considerado verdadeiramente civilizado. Todavia, aos que não souberem chegar a tanto, só resta continuar a esmagar-se uns aos outros, cada um por sua vez, e a sofrer as reações vingati-
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vas dos outros, até que, à força de atritos, sejam aparadas todas as arestas e se chegue a descobrir a fórmula da convivência. Assim, com um esforço muito mais diluído, longo e lento, o homem acabará, da mesma forma, por chegar à aplicação do Evangelho. Todo o sofrimento resultante deste enorme atrito – a ponto de quase paralisar a vida social – poderia ser poupado apenas com um pouco de inteligência. Mas é justamente esta que falta, apesar de se empregar tanto trabalho para adquiri-la. Querendo ou não, é mister que a obra da civilização seja feita por todos, cada um colaborando com a parte que lhe compete. Por maior que seja a vontade de ser separatista e, portanto, permanecer fechado no próprio egoísmo, a vida é um fenômeno coletivo, no qual a reciprocidade nas relações funciona em cheio. Ninguém quer ser o primeiro a fazer o esforço e espera isto da virtude alheia, mas os outros fazem a mesma coisa. Assim, todos ficam imersos no mesmo pântano. Que batalha poderá vencer um exército em que cada soldado só quer mandar, conservando-se à frente dos outros? Forma-se então, entre os elementos componentes da mesma máquina, um atrito que a paralisa ou a faz funcionar mal e com esforço. E o mal que cada um queria lançar sobre o vizinho continua para cada um e para todos, como também de cada um e de todos é a culpa. Quanto mais veneno lançarmos na panela comum, mais deveremos bebê-lo nós mesmos. Assim avançam com grande fadiga os nossos destinos dentro desta mal construída máquina social, cada um sofrendo a sua parte. E os que se acreditam mais fortes e astutos procuram escapar, firmando-se no egoísmo e lutando para ganhar espaço à custa do vizinho, sem compreender que este é um soldado do mesmo exército, com o qual é seu interesse colaborar para vencer. Desse modo, os mais fortes e astutos põem-se à frente de um ataque às avessas, em direção a um abismo, procurando arrastar todos com eles. Eis ai o mundo que o Evangelho tem de enfrentar para realizar-se. Como pode uma Boa Nova de paz arrasar, de um só golpe, montanhas de veneno acumuladas durante os séculos? Embora seja proibido o crime, o gosto tão difundido pelos dramas criminais demonstra como é grande o desejo de dilacerar, matar e destruir, que se acha aninhado no fundo da alma humana. O passado não está absolutamente morto e se encontra sempre pronto a vir à tona. Todos, mais ou menos, trocaram entre si, no passado, um pouco dessa mercadoria da qual o mundo está cheio, chamada de mal. Todos estamos mais ou menos presos numa rede de débitos e créditos recíprocos. Todos cometemos
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alguma injustiça, sendo culpados contra o próximo, e recebemos algum prejuízo. Para chegar ao Evangelho, é imprescindível acertar o saldo de todas essas contas, acertar todos os débitos e créditos, o que significa paixão cruenta e crucificação desta natureza humana, ainda feita de animalidade. Cristo, embora nada tivesse de pagar, quis ser o primeiro nessa estrada de paixão e crucificação, apenas para nos dar o exemplo. Mas quem quer segui-Lo neste caminho de redenção, que é o único? A humanidade está verdadeiramente onerada por uma carga de iniquidades que lhe paralisa a subida. Este fardo precisa ser anulado de qualquer forma, seguindo a estrada oposta, substituindo a guerra pela paz, o ódio pelo amor, pois não há outro meio de anular o passado e libertar-se dele. E, enquanto não soubermos vencê-lo, este passado nos perseguirá e esmagará. São, de fato, ridículos os sonhos do homem evangélico? Constitui mesmo uma ingenuidade ser sincero e honesto? Os homens práticos e astutos têm realmente o direito de rir-se de tudo isso? Então deixemos o mundo nos preparar o suicídio com a corrida armamentista, deixemos a vida, que se tornou um desencadeamento de rapacidade e uma babel de mentiras, tornar-se insuportável para todos, até ficarmos submersos em nosso próprio veneno. É mesmo uma utopia o Evangelho? Então que o homem bom e justo seja liquidado, lançado fora da vida como um ser inútil, sem direito a viver, e permaneça isolado para que não contagie os outros com a sua doença. Não há lei nem costume que o diga explicitamente, mas tudo isto está implícito e subentendido nas leis e costumes. Continuemos, então, com esta seleção em descida, com essa evolução às avessas, com essa inversão de valores. Mas quem caminha de cabeça para baixo somos nós, e no fundo do abismo está a dura rocha das leis de Deus, contra a qual rebentará nossa cabeça. Então, não permanecerão na Terra traços do homem evangélico, pois esse biótipo, tendo conseguido evoluir, pertencerá a uma raça desaparecida. Com ele terminarão todas as tentativas de civilizar-se o homem, que recairá no fundo da barbárie. A presente proposta para se levar a sério o Evangelho é um apelo desesperado para a salvação do mundo. O homem é livre, e Deus lhe deixa a liberdade de retroceder. Mas o homem não compreende que, retrocedendo, afasta-se de Deus e, portanto, da vida, caminhando para a própria destruição. Este é o maior prejuízo com o qual os negadores rebeldes se autocastigam. Com a involução, cada vez mais se acentua o espírito de domínio e de agressão. Não há necessidade alguma da inter-
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venção divina direta, nem da realização, por parte das forças do Evangelho, de uma guerra para destruí-los. Basta deixá-los abandonados a si mesmos, pois, assim como são, estarão perdidos. Os involuídos são ferozes demais para deixar de se guerrearem e, com isto, destruírem-se mutuamente. Ninguém pode escapar à lei do próprio plano, muito menos quem a prefere e nela procura imergir cada vez mais. E, assim, os elementos inferiores, que desejariam deter a lei do progresso, são automaticamente lançados fora e eliminados. ◘ ◘ ◘ Dado o seu ponto de vista, o involuído, no fundo, não está errado. Ele julga e age conforme o ângulo de sua visão. O problema é que seus olhos só enxergam de perto, num panorama pequeno e limitado no tempo e no espaço. São essas as dimensões da vida nesse plano biológico, no qual uma inteligência ampla e de longo alcance, que tenha compreendido o complexo funcionamento da grande máquina do universo e saiba funcionar com ela, ainda não apareceu. Forma mental toda fechada no próprio eu, além do qual só aparece a névoa do mistério e a incontrolável desordem do caos. Psicologia simplista, movida pelos instintos, não controlada pelo conhecimento. Emaranhados esboços de astúcia primitiva, formando uma rede na qual fica preso quem primeiro a utiliza. Método de vida enganador, que só pode colher ilusões. A vida do involuído é um jogo curto, que só mira os resultados imediatos, no breve prazo e ao alcance da mão, porque lhe escapa todo o resto, que ele não conhece e, portanto, não pode levar em conta nos seus cálculos. Que matemática poderia fazer um cientista ao lado de um selvagem, se este só consegue contar com os dedos da mão e, além desse número, sabe apenas que há mais, porém fica perdido no mundo vago do incomensurável. Que mais poderemos esperar do homem de hoje, se ele nada sabe ainda quanto aos problemas fundamentais da vida e limita-se a resolvê-los com crenças antagônicas, atentas a condenarem-se mutuamente? Com uma psicologia filha de seu ambiente material, ele se limita ao trabalho analítico da pequena luta cotidiana, onde tem valor o que se pode agarrar de imediato. Para realizar um trabalho mais vasto, visando resultados maiores e vantagens longínquas, seria preciso saber conceber com maior amplitude e em longo prazo os fenômenos. Mas para chegar a isso, é indispensável haver desenvolvido qualidades intelectuais e morais, e não apenas instintos vorazes. Assim se alcança a vantagem imediata, mas e depois? Procurando aferrar essa vantagem imediata, que forças tocamos e movimentamos no grande me-
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canismo do universo? Ignorá-las não nos exime das consequências. E só quando estas chegam, começa-se a compreender alguma coisa. Diz-se, então, que a vida é uma ilusão, mas isso significa que nos iludimos, acreditando seguir o caminho certo, enquanto seguíamos o errado. E isto já é uma experiência vivida, uma lição útil, que nos evitará repetir o erro mais tarde. Como aprender de outra forma? Com o seu respeito à liberdade individual, a Lei não pode tirar de ninguém o seu direito de errar. Para aprender, permanecendo livre, é necessário pagar de seu próprio bolso as consequências, experimentando-as na própria pele. Se construirmos mal a casa, ela depois nos cairá sobre a cabeça. Só assim aprenderemos a construí-la bem. É necessário que a prepotência e a astúcia do mundo terminem mal, para aprendermos a agir segundo princípios diversos. O mundo está pagando e não acabará de pagar tão cedo. Isto parece duro, mas é uma estrada salutar, pois não existe outra melhor para se aprender. Ao correr atrás de todas as suas miragens, o homem, em vez de realizá-las, acaba fazendo, na realidade, uma coisa completamente diferente, seguindo uma escola de experiências, que lhe está ensinando a viver num plano de vida mais alto. Que faz uma fera ou um selvagem logo que lhe apareça um desconhecido? A primeira mostra-lhe as garras, o segundo prepara as armas. Essa é sua maior sabedoria, que todos, mesmo os mais estúpidos, devem conhecer naquele plano, sabedoria que precisam aprender em primeiro lugar e constitui o patrimônio de seu conhecimento. Isto se justifica pela necessidade da alimentação, pela defesa da própria vida e dos haveres etc. Mas será que isto é tudo, esgotando todas as possibilidades de nossa vida? Esse mesmo conhecimento se manifesta no atual mundo, dito civilizado, na luta pela conquista do dinheiro. Mas será só isto suficiente para nos fazer crescer em inteligência, bondade e conhecimento, levando-nos a progredir até aos mais altos planos da vida? Apenas a riqueza ou o poder material já terão sido suficientes para criar um gênio, um herói ou um santo? O que produz, então, de substancial e definitivo esta tão grande e febril avidez humana? Que fim tiveram e o que restou do poder de tantos grandes da história? Com a visão do mundo espiritual abrem-se horizontes mais vastos. Se olharmos para além do estreito mundo da matéria, outras finalidades podem ser dadas à vida, novos poderes e defesas podem ser conquistados. Quantos problemas que agora angustiam o mundo poderiam ser resolvidos! No presente volume, quisemos desenvolver e demonstrar conceitos que, em A Grande Síntese, foram rapidamente resumidos, para serem desenvolvidos mais tarde, co-
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mo o estamos fazendo agora. No Cap. XCI desse livro, “A Lei social do Evangelho”, está escrito assim: “O absurdo está na vossa involução. No Evangelho (...), a justiça é automática, perfeita, substancial (...). Aí não é mais necessário ser forte, basta ser justo (...). Torna-se então possível a lei do perdão, porque o espírito sente e movimenta outras forças, e não apenas vossos pobres braços, e essas forças acorrem a defender o justo, mesmo se inerme (...). Então, aquele que parece um vencido da vida, torna-se um gigante (...). A lógica do Evangelho leva a uma seleção de super-homens, enquanto a lógica de vossa luta cotidiana leva a uma seleção de prepotentes. Os princípios do Evangelho organizam o mundo e criam as civilizações; os princípios que viveis desagregam e desperdiçam tudo em atritos inúteis. Onde passa o Evangelho e o seu amor, nasce uma flor; onde passais vós, morrem as flores e nasce um espinho. O Evangelho é lei de paraíso, transplantada no inferno terrestre; só os anjos no exílio sabem viver aí a lei divina, ensinada por Cristo na cruz. “Quem renuncia, no vosso mundo, a agredir e a defender-se, oferecendo a outra face; quem renuncia a afundar as garras nas carnes alheias para a própria vantagem e não quer, por princípio, usurpar com a força todas as infinitas alegrias da vida, permanece subjugado, é um vencido fora da lei, um expulso, um não-valor que se anula. Este, olhado pelo reino da força, é um inerme, indefeso, ridículo. No entanto, nessa derrota, nessa fraqueza aparente, existe o mistério de uma força maior, que, trovejando, chega de longe, acordando nas profundidades da alma o pressentimento de realizações mais vastas. Então o vencedor, no próprio momento da vitória, tem a sensação de uma derrota. E o vencido olha do alto, como um vencedor, porque descobriu e viveu formas mais altas de vida. “O homem permanece mudo e desorientado diante desse estranho ser sem armas, que proclama uma assombrosa lei nova e parece de outro mundo. O homem sente que, se tem razão em seu ambiente, existe outro mundo em que tudo se inverte, no qual o vencido da Terra pode ser um vencedor e o vencedor da Terra um vencido. Um abismo o separa daquele ser superior. O homem agride; e ele perdoa, é um justo e sabe sofrer. Este ser está aí para indicar-vos, com sua vida, a meta a ser atingida, para indicar-vos o caminho, ao acompanhá-lo na realização da mais alta e fecunda lei social: o amor evangélico”. Mais ou menos no meio do Cap. XC, “A guerra – A ética internacional”, A Grande Síntese confirma: “(...) A luta do evoluído é feita de justiça e mobiliza
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o dinamismo das forças cósmicas. Neste sentido ele é o mais poderoso, embora humanamente inerme”. Quando essas palavras foram escritas há uns vinte e cinco anos, ninguém poderia pensar que hoje, a um quarto de século de distância, em outro hemisfério do mundo, quase nos antípodas, poderia nascer um livro como este, no qual a ocorrência de uma série de fatos positivos objetivamente tomados em exame, daria provas para demonstrar a verdade das teorias que, até este momento, podiam ser relegadas por alguns ao reino dos belos sonhos e dos desejos nobres. Então eis que, com o desenrolar-se da vida do instrumento, A Grande Síntese passou à sua fase experimental, para ser comprovada pelos fatos. E já recordamos, no princípio do Cap. IX do volume precedente, das outras palavras de A Grande Síntese, Cap. XLII: “(...), há apenas uma defesa extrema: o abandono de todas as armas. Mais tarde veremos como”. Esse conceito foi aí confirmado no Cap. XC: “Disse-vos, mais atrás, que (...), só há uma defesa extrema: o abandono de todas as armas”. Só no curso da presente obra, podemos dizer que explicamos o mistério daquelas palavras, acessíveis agora não apenas pela fé, mas também por uma demonstração racional e experimental. Os fatos confirmaram a intuição, e agora, como explicamos neste livro, compreendemos aquele “como”. Pudemos tocar com a mão o modo pelo qual o abandono de todas as armas representa a suprema defesa; pudemos compreender a razão da imensa superioridade do método evangélico da não-resistência na luta pela vida. Agora conhecemos os segredos do especial sistema defensivo de quem segue o Evangelho, que, em última análise, torna quem o segue mais forte que os fortes da Terra. E pensar que a ignorância do mundo é tão grande, a ponto de acreditar que, quando o ser evoluí, a vida o deixa indefeso. Por isso foge-se do Evangelho como de um perigo para a própria segurança, quando, pelo contrário, ele é a nossa salvação. E isto não pode deixar de ser percebido por quem consiga penetrar na órbita de influência das forças da lei que o Evangelho representa, pois será logo integrado nesse sistema de forças. Trata-se de continentes inexplorados, com novas e estranhas possibilidades, nas quais o mundo não acredita, considerando-as teorias fantásticas. No entanto tais teorias resistiram à comprovação séria da razão e dos fatos, como vimos. Tudo para chegar à mais revolucionária das conclusões, afirmando que ninguém está mais defendido, embora desarmado, do que o justo, e precisamente porque é justo.
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Assim, vimos o Evangelho sob novos aspectos, em seus significados mais profundos, colocando-o, como jamais se fez, diretamente em contato com a realidade biológica, não mais apenas como fenômeno histórico, religioso e moral, mas como uma nova posição da vida, posição já assinalada ao longo da escala da evolução e à qual se deverá fatalmente chegar amanhã. Demonstrase, desse modo, o lugar lógico do Evangelho no desenvolvimento do plano do universo e a sua função no seio do transformismo evolutivo, ficando demonstrado também seu imenso valor do ponto de vista racional e científico. Visto sob este prisma, não apenas como fruto de um tempo ou de uma religião, mas em relação às leis da vida, o Evangelho torna-se universal, torna-se fenômeno biológico, que a ciência não pode mais ignorar, enxerta-se de forma tão profunda e substancial no processo evolutivo, que lhe demarca o telefinalismo e, com isto, a linha de desenvolvimento. O que buscamos esclarecer nesta obra não se encontra nas explicações comuns, perdidas nas minúcias de pormenores concretos. Trata-se da ideia central dominante no Evangelho, que estabelece sua função fundamental em relação ao fenômeno universal do desenvolvimento da vida, concepção que leva o Evangelho a uma atuação necessária em todos os tempos e lugares, como lei de progresso de toda a humanidade. Só assim podíamos conseguir um Evangelho imparcial e universal, como o queria Cristo, um Evangelho fora da luta, acima dos partidos religiosos e de seus antagonismos, exclusivismos e condenações. Só assim pode compreender-se o imenso alcance do Evangelho, a necessidade de vivê-lo e a fatalidade de sua atuação futura. ◘ ◘ ◘ O objetivo da evolução é a conquista da vida. Essa conquista é a maior paixão do ser, que tanto mais se debate para subir quanto mais baixo é o plano em que está imerso. Mas trata-se de uma agitação cega, impelida pelo instinto, que explora o caminho por tentativas, sem a orientação e o método encontrados no Evangelho. O próprio Cristo qualificou-se como vida. No ápice da evolução está Deus, que representa a plenitude da vida, enquanto no polo oposto está a plenitude da morte, ou seja, a ausência da vida. Quanto mais se involui, caminhando-se nessa direção, tanto mais vem a faltar a vida, porque ela se torna cada vez mais contraída, restrita, limitada no egocentrismo separatista do eu. Dado que viver é a aspiração máxima do ser, é natural que, quando a vida venha a faltar, ela se torne cada vez mais preciosa e o ser fique cada vez mais apegado
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a ela. Crescem, assim, sempre mais a avidez e o ciúme no indivíduo, que busca então se tornar um lutador cada vez mais feroz, para conservar a única forma de vida a ele acessível, dada pelo seu plano de evolução. Por isso a luta se torna tanto mais árdua, quanto mais se involui para longe de Deus, pois, quanto mais o ser se afasta do centro da vida, que é Deus, e avizinha-se da morte no polo oposto, que é a negação de Deus e da vida, mais difícil se torna salvar a vida da morte. Aludiremos a estes conceitos brevemente neste mesmo capítulo, por isso era mister desenvolvê-los e esclarecê-los aqui. Nós mesmos somos feitos desta luta contínua entre a vida e a morte, que disputam o campo. O princípio egocêntrico separatista (limitada vida individual) representa o estado de contração desta; o princípio orgânico unitário (ilimitada vida universal) representa seu estado de expansão. Ao evoluir, o indivíduo passa de um princípio ao outro. Do infinito incêndio de vida que está em Deus, permaneceu no homem apenas a centelha do próprio eu. São miríades de centelhas que, pelo fato de estarem não só divididas mas também em luta entre si, para se destruírem mutuamente, perderam luz, força e calor, havendo introduzido, com o próprio separatismo e rivalidade, o princípio da morte no princípio da vida. Essa forma de vida mutilada é devida ao estado de involução; não é a verdadeira vida, mas apenas um fragmento dela, asperamente disputado à morte. Assim se explica e se compreende nossa vida sufocada pelos limites, aprisionada pela forma, continuamente partida entre nascimentos e mortes. É para nos fazer viver verdadeiramente em dimensões cada vez mais amplas que a evolução nos transforma para o Alto. É a fim de recuperarmos para nós mesmos uma vida cada vez mais completa que temos de romper a casca do egocentrismo, expandindo-nos para além da prisão da matéria, na vida maior do espírito. Assim se explica por que o homem tem tão grande medo da morte (tanto maior quanto mais involuído for). Este medo, porém, cessa com a evolução, que nos liberta da morte. Em sua ignorância, o homem segue um caminho errado. Tão logo ele venha a dar com amor, o egocentrismo lhe deixa com a sensação de perda e o impele a retrair-se e negar-se, fazendo que ele, dessa forma, feche as portas à expansão da vida. Assim, o passado vivido tende a levá-lo de novo às posições assumidas anteriormente, impedindo-o de alcançar a libertação e expandir-se. Para subir é necessário vencer esse instinto de involução, que tenta resistir ao de evolução, porque quer que tudo desça, ao invés de subir. O homem oscila entre essas duas forças que o disputam. Gostaria de abandonar-se à alegria de
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dar, mas depois tem medo, para, faz calar o coração e retrocede para o terreno aparentemente positivo e seguro da avidez, que acumula egoisticamente para si. Gostaria de conquistar a vida, mas ao mesmo tempo se retrai, e isto lhe impede de conquistá-la. É vítima da atração da matéria, que o puxa e retém embaixo. O homem está próximo ao espaço ilimitado dos céus, onde cada movimento é livre e a energia para realizá-lo é gratuita, no entanto prefere a imobilidade da Terra, sua prisão. Penetra-o a ânsia de evadir-se dela, mas comportase como quem, ao querer sair de um quarto cuja porta se abre para dentro, tentasse lançar-se contra ela, empurrando-a, sem compreender que, para sair, deveria, ao contrário, afastar-se para trás, porque só assim poderia abrir a porta. O amor dá, e só o amor cria, enquanto o egoísmo, que acumula para si, subtraindo aos outros, destrói. Só quem cria enriquece, enquanto quem destrói empobrece. O homem gostaria de conquistar a vida, mas, com seu egoísmo, estabelece primeiro um deserto em redor de si, pretendendo depois provê-lo com água tirada dos outros, embora pudesse encontrá-la grátis e abundante, desde que não secasse tudo no local em que se encontra. Assim, ao civilizar-se num período de paz e progresso, depois de fazer novas conquistas, como as utiliza o homem? Logo que tem forças, ele guerreia para crescer ainda mais e engordar, destruindo assim todos os bens e valores acumulados. A expansão do princípio egocêntrico, como acontece no imperialismo, tem funções muito mais criadoras para os povos absorvidos e, assim, civilizados no processo do que para o dominador, que, uma vez realizada sua função, acaba perdendo tudo. Por mais que na guerra se queira ver o heroísmo e se sonhe com a conquista, nela está a morte e encontra-se a destruição. Quando um perde, seja quem for, isto representa uma perda para todos; a derrota do vencido é também a derrota do vencedor. Ninguém pode permanecer isolado de qualquer outra criatura que viva no mesmo ambiente terrestre. Assim, o homem cai sempre no mesmo erro, pois, procurando expandir-se na vida, ele se contrai para trás na morte; querendo enriquecer, empobrece; tentando construir, destrói. Que mais se pode pedir a este nosso mundo, onde tudo está quebrado, despedaçado no particular e no relativo? Como pretender outra coisa, se, em lugar da verdade una, não conseguimos possuir senão fragmentos, verdades relativas em luta entre si, num conhecimento pulverizado nas análises, incapaz de alcançar uma síntese unitária?
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Como, então, a vida consegue nos fazer evoluir? De que meios dispõe ela para realizar esse seu objetivo fundamental? Ninguém mais do que o homem quer viver e conquistar a vida. No entanto ele o faz sem conhecimento e sem juízo, muitas vezes às avessas, conseguindo resultados opostos. Pode, então, a vida ficar desiludida em sua primeira necessidade, que é evoluir? Mas eis que aparece um elemento de funcionamento automático. Ao procurar ascender, o homem tenta diversos caminhos ao acaso, mas erra a escolha, sendo muitas vezes arrastado para trás pelos instintos do passado, o que resulta na sua descida. No entanto é fato inevitável que, quanto mais baixo se desce, tanto mais se encontra dor, sob a compressão da qual o homem é esmagado. A dor queima, sufoca, comprime a vida, que não quer morrer e, portanto, reage. Eis então que a evolução, para ascender, quando o instinto para subir não funciona, firma-se nessas reações. Quando não é suficiente a atração para o alto, entra em ação a repulsão contra o baixo. Observemos a mecânica desse sistema de reações. Um objetivo pode ser atingido através do funcionamento de forças tanto positivas, que nos atraem para ele, como negativas, que nos repelem do polo oposto. A vida possui ambos os tipos de força, positiva e negativa, e as utiliza para suas finalidades práticas. Em outras palavras, para construir, Deus pode utilizar tanto o método da construção como o da destruição, o que significa que o bem domina tanto as forças do bem como as do mal, podendo utilizar estas últimas quando quiser, para os próprios fins do bem. Assim o organismo universal é tão bem construído, que, não importa o que aconteça, tudo termina bem. Qualquer erro que o ser cometa servirá para instruí-lo e, por fim, fazê-lo progredir. Por isso, apesar de tudo, é o impulso da evolução que sempre acaba vencendo. A dor acorda o instinto de vida, que adormece no bem-estar. São os climas ásperos e duros, e não os doces e cálidos, que criam homens fortes e lutadores. As desventuras e a necessidade da luta ensinam coisas que só aqueles submetidos a elas podem aprender. A vida jamais se resigna a morrer, e, muitas vezes, em vez de matá-la, as dificuldades a tornam forte e sábia, quando esta é a condição indispensável para sobreviver. Os obstáculos são duros de superar, mas quem aprendeu a superá-los possui, para sua defesa, um conhecimento e uma força que estão bem longe de ser possuídos por quem encontrou uma vida fácil. Nas sábias mãos da vida, tudo se resolve em construção e progresso. Quando a evolução não se realiza pela alegria de progredir, a vida a realiza
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com o chicote da dor, para que se cumpra, de qualquer forma, o progresso, que é o maior bem para o ser. As atitudes que o indivíduo assume diante das dificuldades variam para cada pessoa. Mas estar submetido à dor produz um efeito mais ou menos comum para todos, que é pôr a nu e revelar a verdadeira natureza do indivíduo. Ele, então, é reconhecido pelo seu tipo de reação, pois parece que, colocado diante das mais profundas realidades da vida, como a dor e a morte, o ser não sabe mais mentir. No entanto a sua reação é dirigida e tem a forma definida pela natureza do seu biótipo. É lógico que, quando o ser é constrangido a usar todos os seus recursos a qualquer custo, a sua reação não pode revelar um ser novo, mas apenas mostrar-nos quem ele é verdadeiramente. O ponto de partida do novo passo adiante, como valor e qualidade, não pode ser dado senão a partir da posição precedente do ser. Teremos então uma reação e um esforço proporcionados a essa posição. Assim o biótipo involuído reagirá com baixeza, e o evoluído, porque superior, de forma elevada. Desse modo, diante de uma dor desesperada, quem não possui nenhum recurso no bem ou no mal, irá abandonar-se nas tenazes da correnteza, até à morte, aprendendo o pouco que pode da lição. Quem possui tendência para a mentira e para o mal, reagirá com a traição e o crime, vingando-se do próximo e involuindo cada vez mais em descida, porque sua natureza é baixa. Quem é violento e não está habituado ao controle, pode reagir com o suicídio. Quem possui tendência para os gozos inferiores reagirá com excessos e vícios, procurando esquecer, naquelas efêmeras alegrias em que ele acredita, as próprias dores. Mas existem também os que reagem com a santidade, com o amor operante para o bem do próximo. Esta é a reação dos fortes e dos grandes. A insatisfação com as adversidades na vida pode excitar diversas reações, e é delas que nascerão muitos santos. Quantas vezes o santo não é apenas um obstinado que se recusa a adaptar-se ao ambiente e aceitar suas condições; um rebelde que explode, criando novos e revolucionários conceitos de vida. O grande valor de sua reação, porém, está justamente no fato de ser ela dirigida para o bem, no sentido construtivo, constituindo uma revolta para subir, e não para descer. Eis o que pode ocorrer quando, no indivíduo, existe o estofo do ser superior. Sem este traço essencial, não há dor, por mais desesperada que seja, capaz de improvisar esse tipo de homem. Se bastasse a dor para criar um santo, o mundo, que está cheio de dores, deveria estar cheio de santos. No entanto vemos, ao contrário, manifestarem-se reações bem diferentes.
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A vida é um recipiente que, em si mesmo, vale pouco. Tudo depende do valor do conteúdo que lhe derramamos dentro. Podemos colocar dentro dela o que quisermos. Se pusermos coisas nobres e grandes, a vida se tornará um escrínio precioso. Se lhe colocarmos dentro podridão, tornar-se-á um vaso de imundícies. A vida é uma estrada feita para caminhar, é um meio para atingir um objetivo. Se a fizermos fim de si mesma, querendo nos conservar demais e nos recusando a caminhar para renovar-nos, deteremos o movimento da vida e a mataremos. Então tudo terá caminhado menos nós, e permaneceremos atrás. Então teremos vivido no vazio, e poderão escrever em nosso túmulo: “tempo perdido”. A grandeza da vida consiste em fazer dela um meio para transformar o mal em bem, tornando um inimigo que nos atormenta, como é a dor, em um mestre amigo que nos ensina; uma condenação tormentosa, em uma escola para aprender. Ora, a vida está cheia de sofrimentos e insatisfações aptos a provocar nossa reação. O segredo da sabedoria está em saber reagir. A solução do problema está na forma que nossa reação assume. A vida nos espicaça com esses estimulantes, que esfolam a chaga e põem a nu a carne viva. A operação é dura, mas é para nosso bem, porque somente depois da raspagem e da limpeza, com a podridão removida, a carne nova e sã, crescendo, pode cicatrizar a chaga. Assim, diante da dor, deveremos ter muito mais do que a simples apatia passiva e cega do burro chicoteado; devemos ter a inteligência iluminada e a bondade operante de quem compreendeu o mecanismo da dor e quer tirar dela toda a vantagem possível, colaborando com a inteligência da vida, que no-la manda para nosso bem. O sistema usado por alguns, de revoltar-se contra a dor, sofrendo-a com a alma envenenada, não resolve o problema e, ao invés de melhorar, piora nossas condições. Quanto mais nos agitarmos com o nó da forca à garganta, mais esse nó se apertará. A posição de maior vantagem e de menor prejuízo em relação à dor é aceitá-la, mas não passivamente, e sim colocando-nos a seu lado construtivamente, colaborando com ela para nosso benefício.
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IV. AS RELIGIÕES E A VERDADE O catolicismo na grande batalha A involução das massas e sua incapacidade de autodirigir-se. O princípio da autoridade. Disciplina e obediência. Fé e ortodoxia. Pode dar-se liberdade aos imaturos? As adaptações da Igreja e as escapatórias do mundo. Não podemos deixar de observar o contraste e o êxito da luta entre os dois elementos opostos: espírito e matéria, Evangelho e mundo, e isto justamente no próprio seio do órgão social historicamente especializado em realizar a grande função de estabelecer contatos entre o céu e a terra, com o objetivo de espiritualizar o homem, o que, em termos científicos, significa fazê-lo progredir ao longo da estrada da evolução, cuja meta final, como já mencionamos e mais tarde demonstraremos, é a espiritualidade. Esse órgão é representado pelo cristianismo, que constituiu uma religião. Naturalmente, nos referiremos ao nosso mundo ocidental, onde esse fenômeno ocorreu e está funcionando há dois mil anos. Desde o inicio, e até agora ainda, o cristianismo se acha envolvido na resolução do tremendo problema da descida dos ideais à Terra. Pode interessar-nos ver como, neste caso, foi resolvido esse problema, que procuramos resolver nestas páginas. Desde o início, a Igreja de Roma achou-se diante da necessidade de aceitar, como código de vida, o Evangelho, que era a lei estabelecida pelo seu fundador. Vimos que o Evangelho significa a lei do evoluído, um tipo raro na Terra, e vimos qual a revolução que essa lei quer operar. O que fez, então, essa instituição, para resolver o conflito de ter que sobreviver e permanecer coerente com seus princípios, estando ao mesmo tempo constrangida a viver no mundo e, como não podia deixar de ser, a também se apoiar nele como coisa humana, tendo, por isso, de sofrer inevitavelmente a influência dele? Que aconteceu nesse ponto de conexão de maior aproximação entre o céu e a terra, e por que nesse ponto devia ocorrer o enxerto do espírito na matéria? Que ações e reações foram produzidas nesse contato entre os dois extremos opostos, especialmente no órgão encarregado de realizar essa função? E como, neste caso, foi dirigida e quem venceu a grande batalha que estamos estudando? Foi o Evangelho que transformou o mundo, ou foi o mundo que transformou o Evangelho? O resultado obtido até agora foi a espiritualização da matéria, ou a materialização do espírito? Sem dúvida, os dois elementos têm de
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coexistir no cristianismo, que não pode eliminar de si a ideia de Cristo, nem o fato de que precisa viver na Terra. Como foi possível realizar tão difícil convivência, que de per si já é um problema árduo de resolver, esperando que, assim, o tempo possa solucionar o conflito, com a vitória definitiva de um dos dois antagonistas sobre o outro? Já aludimos, no meio do Cap. II do volume precedente, A Grande Batalha, à função que têm na Terra as igrejas constituídas, para aqui transplantarem seus ideais. Elas são, ou deveriam ser, o ponto de encontro de dois planos de vida. Como organização humana, representam, ou deveriam representar, o vaso material que recebe do céu e conserva na Terra o conteúdo espiritual que as religiões difundem no mundo para o progresso dele. Em suas doutrinas, instituições, formas e até mesmo templos, o ideal imaterial toma corpo em construções de pedra e organizações de homens. Ora, evidentemente o valor e o poder das religiões residem em seu conteúdo espiritual, que é a alma que as sustenta. Assim, se o vaso está vazio, ele se torna uma mentira, um corpo sem alma, isto é, um cadáver. Pode acontecer então que o vaso se torne esplêndido e imenso, mas sem conteúdo algum, em razão de todo o precioso líquido contido inicialmente dentro dele ter sido deixado evaporar por quem realizou tal trabalho. Nas religiões, como em nosso organismo, é necessário haver equilíbrio entre espírito e corpo. O espírito somente, sem corpo, passa despercebido. O corpo somente, sem espírito, torna-se um cadáver putrefato. Vimos, no princípio do capítulo precedente, como as religiões, hoje, tendem a ser concebidas materialistamente, ou seja, com a mesma forma mental dominante em todos os campos: o materialismo, que permanece inalterado, mesmo quando se cobre de formas religiosas, dando lugar ao materialismo religioso, condição ainda pior. Isto, então, seria um triste indício de decadência. Se o cristianismo tivesse sido realmente transformado num corpo sem alma, só lhe restaria a sorte reservada aos cadáveres. Vimos como o indivíduo pode conduzir a grande batalha por si mesmo, em casos isolados. Vejamos agora como a costumam conduzir na Terra, no reino de Satanás, os homens encarregados de tratar dos negócios do espírito e de Deus. Vejamos quais são as atitudes assumidas e os expedientes usados neste trabalho de cristianização do mundo ocidental, observando que distorções terá de suportar uma lei feita para os anjos, a fim poder tornar-se realizável num mundo feito para as feras. No esforço da autoridade espiritual em aplicar essa nova roupagem à humanidade, para fazê-la ao menos parecer civilizada, até
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que ponto se conseguiu colocar a mordaça na animalidade rebelde? Logo que nos afastamos do caso excepcional, a grande massa das multidões, que constitui o rebanho a guiar, só nos pode oferecer, no máximo, as primeiras aproximações elementares do ideal. Seria absurdo pretender mais. Não se trata tanto de ter realizado o Evangelho, mas sim de saber o que pôde sobreviver dele nesse ambiente, o que permaneceu do choque entre o encarniçamento dos pregadores de virtude, armados de terrores e sanções para domar a animalidade humana, e o encarniçamento do rebanho, cuja animalidade não aceita de maneira nenhuma se deixar sufocar pelos ideais. Seria interessante ver também como, debaixo do nobre manto dos ideais, muitas vezes não é possível deixar de continuar a conduzir a desesperada luta para viver, que é patrimônio de nosso mundo. Talvez, em muitos casos, somente levando em conta o que verdadeiramente é a natureza humana torna-se possível compreendê-los, em vez de nos escandalizarmos e condenarmos. O ser espiritualmente maduro baseia-se na substância, dando à forma apenas o valor que ela merece. Quanto mais o ser está adiantado, mais livremente aceita por convicção e maior conhecimento possui para poder guiar-se. Diante de que elementos se achou e, em grande parte, ainda se acha o cristianismo desde o seu primeiro aparecimento? Uma religião não se apoia em pequenos grupos de eleitos, mas nas grandes massas de fiéis, e não deve, portanto, tratar com poucos escolhidos de exceção, e sim com o tipo biológico comum, que já vimos o que é. Multiplicando esse tipo pela massa imensa das multidões que formam as religiões, poderemos perceber o peso da influência dos seus instintos em todas as manifestações da vida. Ora, é um fato positivo que o cristianismo, em seu nascimento, encontrou-se diante da forma mental primitiva dominante, materialista, apta a perceber mais a forma do que a substância; uma forma mental involuída, que, sem saber aceitar livremente, por convicção, só obedece por temor, tal como ocorre no plano animal; uma forma mental que nada mais conhece além dos limites da luta pela vida e é, portanto, absolutamente incapaz de poder autodirigir-se no terreno das coisas espirituais. Tratar um primitivo como homem civilizado é um erro que logo aparece nas suas tristes consequências. Não se pode dar pérolas aos porcos; não se pode dar alimento espiritual puro, sem revestimento de formas, a quem apenas sabe conceber coisas materiais; não se pode dar liberdade a quem está habituado a funcionar apenas debaixo do aguilhão do mando; não se pode dar direito de decisão a quem não possui nenhum conhecimento para se autodirigir. Não
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estamos aqui para aprovar ou condenar, mas apenas para observar e compreender. Assim nos explicamos porque a direção tomada pelo cristianismo, desde seu nascimento, teve de ser primeiramente a disciplina. Disciplina, e não liberdade. Isto significa autoridade em quem manda e obediência para as massas. Sem dúvida, esta não é a idílica atmosfera do Evangelho, mas ele é constrangido a se tornar assim, quando desce à Terra. Diante da imensa multidão, que representa a psicologia dominante, nada pode funcionar senão com a forma mental egoisticamente pessoal, sensível apenas ao prejuízo e à vantagem próprios. Teve, assim, o Evangelho de haver-se com o duríssimo egocentrismo individual. Sem o terror do inferno, de um lado, e a cobiça de ganhar um paraíso, do outro, nada se poderia ter obtido do ser humano. E, dado que o cristianismo, como maioria, representava a maior força, só lhe restou aceitar as exigências psicológicas da massa. Trabalho, alias, nada difícil, porque a afirmação do princípio de autoridade nos chefes e de obediência nos fiéis representava não só o único e indispensável meio para manter a disciplina – condição que tornava possível realizar a própria função espiritual – mas correspondia ao instinto natural de domínio dos chefes e ao estado de servidão a que estavam habituados os fiéis. Este era justamente o processo vivido por todos na vida social, dirigida por esses princípios, que correspondiam exatamente ao tipo biológico predominante em todos os lugares. Não se pode esperar que os dirigentes de uma religião representem, em vez da raça comum, uma diferente, guiada por outros instintos. ◘ ◘ ◘ Assim, imposto pelas exigências do ambiente humano e gerado pelo instinto de luta para a seleção do mais forte, o princípio de autoridade nasceu no cristianismo, tal como nasce em qualquer agrupamento humano. Da mesma forma que Cristo, quando quis descer à Terra, teve de tomar um corpo físico, o Evangelho também teve de aceitar os métodos e as leis do mundo, quando quis aí realizar-se. Esse sistema está em vigor até hoje. Alguns, mais amadurecidos, sentem que deveria ser diferente, mas se acham constrangidos dentro de uma disciplina na qual só se admite a posição do crente que aceita em obediência. Eles são apenas uma exígua minoria, e as minorias nunca têm razão. A Igreja não pode ocupar-se deles, mas apenas da massa, que é bem diferente. Para favorecê-los, seria mister conceder uma liberdade da qual os outros, não estando de maneira alguma maduros, prontamente fariam péssimo uso. Esta so-
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lução, então, mesmo sendo útil em alguns casos – tal como ocorre com o divórcio – não é ideal. Desta forma, a Igreja continua a tratar os seus súditos como crianças, não lhes permitindo indagar a respeito de mistérios nem resolver sozinhos os problemas, porque tudo que se deve saber e crer já é oferecido confeccionado, pronto para o uso, como os remédios que engolimos sem questionar o diagnóstico do médico que no-los prescreveu, nem a análise química do laboratório que os confeccionou. Resolveu-se, assim, o problema da maneira que o ambiente humano permitia. Os dirigentes assumiram a responsabilidade de guiar, e aos discípulos menores de idade só restou crer, ouvir e aprender. Não se usa diariamente esse método nas escolas? Se este é o método imposto pelas condições humanas, como mudá-lo, enquanto essas condições não mudarem? Poderemos escandalizar-nos com o fato de que a Igreja demonstra não acreditar no amadurecimento espiritual de seus filhos. Mas como acreditar nisso, se esse amadurecimento não existe de fato na maioria? Se a humanidade estivesse verdadeiramente amadurecida, não haveria necessidade de autoridade, coações ou sanções em campo algum, principalmente no social. Ora, existe algum estado que não tenha exército e polícia, ou alguma lei que não prescreva penalidade para quem não cumpri-la? Não é esta a forma mental dominante? Como poderiam as religiões abrir uma exceção, se não operavam num mundo diferente? E como dizer toda a verdade a um tal tipo de homem, pronto a reduzir tudo em função de seus instintos e interesses materiais? Nem mesmo Cristo pôde dizer tudo às multidões. Assim, a verdade esotérica, plena e completa, só pode ser patrimônio de uma pequena parte da humanidade, enquanto à massa pode ser dado como alimento apenas a parte exotérica, limitada e pública. Tal como a capacidade criadora de um chefe é medida pela correspondente capacidade de seus súditos, o campo de ação de uma religião também é constituído pelo grau de compreensão e nível de evolução de seus prosélitos. Como pretender que alguém possa compreender, se não sabe pensar? Explicar tudo, então, significa apenas gerar dúvidas sem fim e uma confusão geral. Daí a necessidade da fé. Cristo não podia dizer: olhai, as coisas são assim, porque vo-las explico e demonstro; mas teve de dizer: acreditai, porque vo-lo digo eu e, como prova, faço-vos milagres, já que isto é o que mais vos convence. Além disso, nas coisas humanas, aparece logo a questão prática de obter o máximo resultado com o mínimo esforço. Portanto, mesmo que o homem comum tivesse inteligência para enfrentar e resolver os problemas do conhecimento, ele
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preferiria poupar tempo e esforço, aceitando as soluções que já se encontram prontas, feitas por outros mais competentes e especializados. Um dos maiores problemas humanos é poupar trabalho, buscando satisfazer a todas as necessidades próprias, inclusive às espirituais, com o menor dispêndio possível de energia física e mental. Onde há necessidade de realizar um esforço muito grande, o homem para. O que ele procura em primeiro lugar é cansar-se pouco e ser provido. E, nisto, a construção em série o ajuda. Assim, já que é cansativo e difícil achar a verdade por si mesmo, o mundo vive em qualquer dos terrenos de verdades já feitas, oferecidos no mercado das ideias por aqueles que, por outras razões, acharam útil especializar-se nesse trabalho. Na prática, não se acha o grande pensador, mas sim o manual que, para nosso uso, esmiúça o pensamento em ordem alfabética. Estabelecido o princípio de autoridade, de disciplina e de obediência a um governo central, a religião tende assim a transformar-se numa grande máquina burocrática, constituída de homens que disciplinam o seu trabalho na forma regular de administração. Desponta então o instinto humano expansionista, que, se nos estados fortes assume a forma de imperialismo, realizado com a guerra, nas religiões tem o aspecto de proselitismo, para aumentar o rebanho. Rebanho significa criação de ovelhas em série, ou seja, produção de um dado tipo de fiéis, para os quais já está estabelecido como devem pensar, em que precisam crer e o que é mister fazer. Só assim é possível obter a disciplina indispensável para que o soldado possa ser enquadrado e o exército seja capaz de começar a marchar organizadamente. Para quem lê o Evangelho, pode parecer absurdo que dele se possa tirar estas consequências. Mas a culpa não é do Evangelho, e sim do mundo, que impõe suas leis a quem quiser entrar em seu terreno. Certamente, para ser vivido como ele de fato é, o Evangelho exigiria um mundo de santos. Mas isto não existe na Terra, e mesmo que, no mundo religioso, um governo de santos pudesse ser formado, ele seria logo liquidado pelos métodos humanos. Assim se explica por que as religiões tendem a tomar tal forma, que lhes é imposta pela natureza humana e pelas condições do ambiente terrestre. Formou-se, então, o modelo estandardizado do crente disciplinado e obediente, nos pensamentos e nas obras, o tipo ortodoxo perfeito, que aceita tudo sem discutir, não importando se não entende. Para ele, a compreensão é um fato interior, pessoal, difícil de controlar, ao passo que discutir tem sabor de revolta e semeia escândalo. Mas o indivíduo comum foge de qualquer esforço.
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Seus instintos e objetivos são outros. Sua psicologia é utilitária e simples. Todos querem viver depois da morte e da melhor forma possível, como procuraram fazer na Terra. Ora, as religiões ensinam ao indivíduo que, se ele fizer certas coisas, vai depois ao paraíso, mas, se fizer outras, vai sofrer no inferno ou alhures. O raciocínio da alegria ou dor próprias é compreendido por todos. Faz-se então aquelas coisas que nos trarão vantagem, mesmo se custam um pouco de esforço, e não se faz as que nos trarão prejuízo, embora isto custe um sacrifício. A opinião corrente é que esse cálculo, afirmado por grandes autoridades e, por isso, aceito, corresponde depois aos fatos. Além disso, ninguém sabe de fato, com segurança, por experiência própria, como se passam realmente as coisas. Seguro mesmo é só aquilo que temos hoje em mãos. Este é o raciocínio do homem prático, apto a viver na Terra. Já falamos desse materialismo religioso, pelo qual, na Terra, tudo é concebida materialistamente e tende a ser transformado nesse sentido. E o que pedem, no fundo, as religiões? Algumas práticas exteriores, alguns possíveis sacrifícios e deveres, crer ou não crer em algumas proposições (cuja veracidade é bem difícil afirmar ou negar), coisas estas longínquas e que pouco tocam a realidade da vida. Feitas as contas, conclui-se pela conveniência de se fazer esses pequenos esforços, em vista de uma utilidade futura, que também pode ser verdadeira. Por que, então, não fazer tudo isso, quando, além do mais, é possível obter com isso, se não até poderes e honras, a estima e a confiança concedidas às respeitáveis criaturas que pensam bem? Por que não agir assim, quando isto pode salvar-nos a alma na outra vida e encher-nos de bênçãos nesta, além do que agir assim não faz mal a ninguém, pelo contrário, é um bom exemplo, louvado como virtude? Assim surgiu a acomodação, estabelecendo-se um acordo completo entre os dois lados: as religiões mantêm a sua unidade na disciplina e obediência dos fiéis, e estes, com pouco incômodo, calculam obter uma boa vantagem. As dificuldades surgem quando aparece um indivíduo querendo agir seriamente, que exige, portanto, chegar ao fundo dos problemas, porque ele quer pensar e compreender, para finalmente resolvê-los, porquanto tenciona depois viver a sua fé. Ser ortodoxo no caso comum é fácil. Trata-se de dizer que se crê, dizê-lo com a boca e também com toda a boa-vontade do coração e da mente, sem dúvida de boa-fé, mas sem saber o que significa crer e sem compreender o significado das coisas em que se diz acreditar. Para um indivíduo imaturo, é equivalente e indiferente aceitar esta ou aquela ideia, pois logo que
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se sai do terreno das coisas materiais, tudo se perde para ele num oceano de pensamentos impalpáveis. Mesmo para ser herege, é indispensável certa inteligência e interesse pelos problemas que estão além da materialidade da vida. Mas, à grande maioria, só importam, ao invés, os que estão próximos e são tangíveis. Daí se conclui que a perfeita ortodoxia pode ser efeito não de uma fé mais viva, mas da falta de interesse, consequência implícita do estado mental que explicamos: o materialismo religioso. Então a aceitação cega e completa não só liberta o crente de entrar em questões espinhosas – inúteis, porque insolúveis para ele – mas também, ao sepultá-las sob o belo manto da fé, representa muito menor esforço, permitindo que ele se ocupe, em lugar disso, com as coisas deste mundo, que interessam muito mais. Quem não escolhe o caminho que oferece menor resistência e menos cansaço? Por que não acreditar em tudo o que as autoridades ensinam, quando isto custa tão pouco e não traz consequências no terreno prático, onde está o nosso tesouro? Esse também é um modo de enfrentar e resolver os grandes problemas do espírito. Por isso é fácil ser ortodoxo, quando esses problemas pouco nos atingem, pois sabe-se que a vida prática é outra coisa e interessa-nos de fato os negócios da matéria e do mundo. Mas existem, embora excepcionalmente, indivíduos maduros, para os quais as coisas espirituais têm suma importância. Eles sabem o que significa acreditar e, para crer seriamente, precisam compreender, porque de sua fé dependem a sua orientação e a sua conduta, que trazem consequências importantes em sua vida. Para poder agir de acordo com a própria fé, é preciso compreender bem aquilo em que se crê. Sem esta condição, a fé não pode ser considerada um conhecimento preciso, apto a guiar-nos, mas apenas um vago nevoeiro que permanece nos céus, sem interessar nem atingir a nossa vida. Estes indivíduos amadurecidos não têm medo de pensar e se esforçar, contanto que cheguem à verdade e a uma profunda convicção própria. Eles não podem desinteressar-se dos problemas do espírito e fazer calar a sua fome de conhecimento em relação às coisas supremas. Não lhes sendo possível deixar de ser honestos diante de Deus e da própria consciência, não podem acreditar firmemente naquilo que não compreenderam ou que não lhes interessa absolutamente compreender. Ora, acontece que, para as religiões oficiais – baseadas, como vimos, na disciplina e na obediência – esses elementos, que deveriam ser aceitos os melhores espiritualmente, são considerados os mais perigosos, como naturalmente o seria, num exército organizado, um soldado que, por ter muito zelo e inte-
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ligência, quisesse examinar os planos do próprio general. Essas qualidades que trazem desordem não são admitidas tanto no soldado como no fiel. No seio da ordem constituída, tudo o que é insubordinação traz desordem e semeia escândalo. Tais indivíduos podem estar animados das melhores intenções, mas, no organismo constituído, não há lugar para eles. A grande máquina está construída para funcionar por meio da aceitação cega de uma doutrina já feita, e não para elaborar a cada passo uma nova. Os reformadores serão úteis, sem dúvida, para fazer progredir o pensamento humano, porém o que mais interessa aos organismos constituídos é, sobretudo, conservar a ordem em que eles se fundamentam, e não procurar novas ideias que a perturbem. Então o tipo do pesquisador que, em vez de pensa com a cabeça dos chefes, quer pensar com a própria, sem acreditar cegamente, mas querendo antes compreender e discutir, ameaça com isto tornar-se um inovador e é olhado com suspeita, como um perigo para a integridade da doutrina, como um rebelde, que é o mais difícil entre todos para ser enquadrado na perfeita ortodoxia. Por isso os inovadores, mesmo que sejam santos, são inicialmente olhados com desconfiança, apesar de mais tarde – desde que, após severo controle, sua utilidade haja sido compreendida – suas ideias serem aceitas. Ninguém é tão perigoso e importuno quanto aquele que, em nome dos próprios princípios da religião – porque é honesto e sincero – sente-se autorizado a sindicar, perturbando assim as soluções já alcançadas e confirmadas pela autoridade, ameaçando, mesmo sem o querer, a deslocação das pilastras em que se apoia todo o edifício. Tais seres, rebeldes às mentiras convencionais da sociedade, gostam de dizer a verdade, o que constitui grave escândalo em nosso mundo. Assim eles são condenados por todas as religiões, ou seja, pelo mesmo tipo de homem que se encontra em todas as religiões. ◘ ◘ ◘ Diante do princípio da autoridade, façamos a seguinte pergunta: pode dar-se plena liberdade a um ser, quando ele não possui o conhecimento necessário para se autodirigir? Deve tirar-se a liberdade daquele que não sabe usá-la bem, mas só em prejuízo próprio? Dominar o próximo, impondo-lhe a própria vontade, é coisa normal e natural na Terra, no plano biológico animal do involuído. Aí, a autoridade é patrimônio do mais forte, que venceu os mais fracos, em relação aos quais, portanto, só por esse fato, têm direito à obediência. Sem um comando, uma disciplina – portanto uma diminuição de liberdade – não se pode construir um orga-
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nismo na Terra. Se o desejo era fazer do cristianismo uma instituição neste mundo, tornava-se mister obedecer às exigências desse ambiente. Eis por que, neste ponto, ele não pôde manter-se divino, mas teve de tornar-se completamente humano. Constituirá isto um defeito ou uma culpa sua? Podem apresentar-se dois argumentos em sua defesa. 1o) A impossibilidade prática de se fazer obedecer, se não fosse usada a autoridade, fato necessário, portanto, para poder realizar o dever de cumprir a própria missão na Terra. Mesmo para o espírito, não há outro meio de se realizar neste plano biológico. 2o) A parte divina da instituição permanece inativa apenas momentaneamente, à espera de manifestar-se cada vez mais, gradativamente, conforme o permita a civilização do ambiente. Ela se conserva escondida no íntimo, em potência, como uma árvore está na semente, mas para revelar-se depois, cada vez mais. Então o princípio divino permanece invariável. O que muda é o grau de sua manifestação e realização na Terra, permitido pelas condições desta. O uso do princípio da autoridade, ou seja, desse método de tratar com as massas humanas na prática das coisas do espírito, seria apenas transitório, como uma flor que se conserva ainda fechada para defender-se, mas pronta a abrir-se para a liberdade do ar e do sol, logo que a tepidez de um ambiente mais civilizado o permita. Não é o divino que evolui, mas a capacidade humana de compreendêlo e realizá-lo. Só o absoluto pode permanecer imóvel em sua perfeição. Todo o resto, inclusive as religiões que o representam, não pode deixar de evoluir para a perfeição. Isto significa que as instituições do cristianismo, em primeiro lugar a Igreja, deverão, com a evolução do homem, afastar-se cada vez mais dos métodos do passado, para introduzir novos, mais adequados. Assim, será mister afastar-se cada vez mais do princípio da autoridade e caminhar para o princípio da liberdade. E isto porque o primeiro corresponde ao estado involuído da matéria e ao plano biológico da animalidade, enquanto o segundo corresponde ao estado evoluído do espírito e ao plano biológico da humanidade futura. Só assim é possível resolver o conflito entre o espírito do Evangelho, que se baseia na livre e espontânea adesão à substância, e os sistemas autoritários e formais, que tiveram de ser adotados na prática. Como poderia conceder-se o direito de livre exame ao homem ainda primitivo, quando a Igreja ansiava encontrar solução urgente para outro problema, bem diverso, que era sobreviver, salvando a própria unidade? Diante dessa necessidade premente, qualquer ideia de liberdade significa uma revolução perigosa, para a qual os ânimos, por
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si mesmos, já tendiam exageradamente. Ao invés de encorajá-los, era preciso freá-los, porque outras tarefas bem mais urgentes se impunham de momento. É verdade que o Evangelho se levantara justamente contra o formalismo farisaico, mas é também verdade que permanecíamos no mesmo mundo, onde impera a mesma psicologia humana, a qual, se não quisermos cair no caos, exige uma disciplina rígida sob o comando de uma autoridade. Sem dúvida, para ser perfeita, a Igreja deveria ser constituída só de santos. Só então o Evangelho poderia ter realização completa. E, certamente, uma Igreja assim, formada só de santos, saberia tratar muito bem das coisas do Céu. Mas será que saberia tratar das coisas da Terra? Os santos, em geral, não se ocupam com estas coisas, pois lhe são contrários, no entanto elas são necessárias para quem desejar construir neste mundo, mesmo no sentido espiritual. E é este precisamente o trabalho da Igreja na Terra, tratar das coisas do Céu, adaptando a este ambiente as verdades eternas, para torná-las assimiláveis a ele. Assim se justifica a presença de práticos e administradores na Igreja. Eles se acham situados no polo da matéria, enquanto os santos estão no polo do espírito. A dificuldade está em se manter o equilíbrio entre os dois extremos opostos, sem que um tome completamente o lugar do outro. Uma igreja apenas de santos, sem os homens do mundo, permanece no Céu e não trabalha na Terra. Uma Igreja só de homens práticos, feitos para a matéria, estaria falida em sua substância espiritual e seria uma mentira. Estas são as condições que a realidade impõe. Pode-se, assim, explicar como isto tenha de fato ocorrido. Então, no seio de uma religião, ao lado dos que vivem os problemas longínquos do espírito, é indispensável haver lugar também para os que vivem aqueles próximos da matéria. Mas eis que surge uma consequência gravíssima, pois assim, na própria casa de uma religião, que deveria ser coisa espiritual, tem direito de ingresso – em posição legítima, com suas leis e métodos, justamente aí, onde jamais deveria comparecer – esse mesmo mundo que o Evangelho condena tão explícita e energicamente. Desse modo, se quisermos ser coerentes, temos de pelo menos reconhecer que, por enquanto, o Evangelho não precisa ser aplicado, porque, nas atuais condições humanas, ele é inaplicável. Mas, então, o reconhecimento dessa sua inaplicabilidade não tornará o Evangelho uma utopia e a sua descida na Terra uma falência? As religiões, que deveriam ser coisa espiritual, acima das lutas terrenas, estão imersas no mesmo conflito, inerente a todas as formas de vida no planeta, e
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têm que albergar em seu seio os que lutam pela supremacia material, comandam e se fazem obedecer, impondo-se às consciências. Os que deveriam ser banidos deste terreno não são apenas tolerados como mal e erro, mas incorporados como úteis e indispensáveis. Estes, que ao menos deveriam reconhecer sua posição ínfima, subordinada à do espírito, muitas vezes assumiram e fixaram sua posição na história como predominantes, à custa da posição espiritual, diante da qual eles deveriam ser no máximo suportados como um meio. Então as posições são invertidas, e, no próprio centro do terreno do reino do espírito, entra, vence e governa justamente o condenadíssimo inimigo: o mundo. Que significa isto? Será, então, que a lei de Deus, para conseguir realizar-se na Terra, tem de inclinar-se diante da lei dos homens? O conflito entre Evangelho e mundo, se neste mesmo mundo parece mais calmo, pois aí é o inferior que vence, torna-se vivíssimo no seio das religiões, porque lá nos encontramos no terreno em que o espírito se sente mais em casa e mais faz valer seus direitos. Porém quer fazê-los valer na Terra, que é justamente a pátria de seu adversário, o mundo. Portanto é natural que este resista, pois não quer ser destronado, mas sim continuar dono do campo, com os próprios sistemas. Neste mundo desceu o Evangelho. Que acontece então? Numa escola, sem dúvida, o mestre tem de ensinar. Como seria belo se pudesse fazê-lo com amor, munido apenas de bondade e amizade, como ensina o Evangelho! Mas, se os alunos são rebeldes, como poderá ele agir no interesse do próprio ensino e mesmo deles, senão com autoridade e sanções que lhe permitam manter a disciplina? Sem dúvida que o ideal seria o respeito às consciências e à personalidade individual, ou seja, a posição que está nos antípodas do absolutismo dogmático, feito de autoridade e disciplina. Mas é também verdade que não se pode respeitar a liberdade de um selvagem, porque, se o fizermos, ele se aproveita disso para nos matar. Então quem realizará a missão de civilizá-lo? Demonstramos, neste volume, que existem as armas do Evangelho. Mas será que tão grandes forças se adaptam aos pequeninos usos comuns, para que, depois, todos cheguem a possuí-las e manejá-las? Se elas não estão ao alcance de todos, como contar com elas? Como pode, então, o homem comum deixar de recorrer às forças que lhe são acessíveis, oferecidas pelos sistemas do mundo? Como pretender que todo um grupo de homens, como é o organismo que dirige na Terra uma religião, pudesse apoiar-se apenas em meios sobrehumanos, acreditando poder ir para frente somente à força de prodígios? Não
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poderiam pensar eles que, diante de Deus, isso constituiria a maior das presunções e que justamente essa falta de humildade paralisaria a ajuda, sendo, portanto, mais positivo não contar com elas, mas apoiar-se, ao contrário, em base mais sólidas, dadas pelas próprias forças, poucas, mas seguras? Era mais prático recorrer aos métodos já experimentados no mundo, cujas técnicas e resultados já se conheciam, sendo tanto mais acessíveis quanto mais correspondentes à própria forma mental, e tanto mais espontâneos quanto mais radicados nos próprios impulsos e instintos. Não é fácil que homens comuns encontrem prontamente a força e a coragem de se abandonar, como quer o Evangelho, à Divina Providência! Como vencer a tentação de tomar a estrada de todos, se este era o caminho imposto pela própria natureza dos alunos, como único meio para conseguir realizar a própria missão, que era mantê-los disciplinados e obedientes à lei, para fazê-los ascender e, assim, salvá-los? Não era possível, nem com a melhor boa-vontade, satisfazer a todas as exigências opostas. Se quisermos ser práticos, usando os sistemas do mundo para atingir a realização dos princípios, acabamos por limitar a liberdade do ser. É verdade que não se pode dar-lhe essa liberdade, porque ele faria mal uso dela, com prejuízo para si. Mas, assim, tende-se a fazer do ser um autômato, privando-o da experiência feita à sua custa, único processo que verdadeiramente ensina. Então, como pode ele aprender? É verdade que, conhecendo os perigos, o pai amoroso deveria impedir o filho de cair neles, mas é também verdade que os filhos protegidos demais crescem sem a indispensável experiência para não cair nesses perigos. Se, para ensinar, tirarmos a livre experimentação, substituindo-nos à escola da vida, então impediremos a aprendizagem e, ao invés de ajudar a evolução, nós a deteremos. Como se vê, a liberdade é fundamental e tem uma função própria importante, devendo ser respeitada como tal. Retirando-a, são criados escravos ou rebeldes. É mister, ao contrário, ensinar a saber usar bem a liberdade, para que se possa concedê-la sem prejuízo. A disciplina só pode ser imposta aos menos amadurecidos para seu bem. Logo que eles progridam um pouco mais, a liberdade será um direito deles. A lei da vida é a evolução, que leva ao Sistema, a Deus, e a Ele não se pode chegar senão livres, e jamais como autômatos. Admitindo-se, então, a disciplina, que tende a fabricar o escravo autômato, é indispensável reconhecer que isto seja tolerado somente de momento, porque o objetivo último é construir o homem consciente, que sabe livremente autodirigir-se. Então a restrição da liberdade constitui apenas um fato transitório, des-
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tinado a ser gradualmente eliminado, concedendo-se liberdade progressivamente, em proporção ao conhecimento adquirido e na medida merecida, para garantir o bom uso dela, tornando-a útil, e não prejudicial. Quem dirige as almas deve estar do lado das forças do bem, que, se tiram, só o fazem para dar; se limitam, é para depois conceder liberdade; forças que, mesmo quando parecem fazer o mal, fazem substancialmente o bem.
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V. A IGREJA Exigências ideais e exigências práticas da Igreja. Na Terra, ela venceu, ou foi vencida? O inferno, triunfo definitivo das potências do mal, e a lógica da salvação. O comunismo, perigo externo. A justiça social não realizada em dois mil anos, ponto vulnerável em que o inimigo ataca. O maquiavelismo, perigo interno. Os dois padrões e as duas lógicas. Simbioses com o inimigo. Os perigos do jogo duplo. A gravidade da hora. Perder a batalha da Terra, para vencer a do Céu. A dura operação do salvamento forçado. Procuremos agora localizar mais exatamente o problema, para ver como a organização eclesiástica do catolicismo o enfrentou e resolveu, ou seja, como realizou e resolveu com a sua conduta a grande batalha, tema que este volume, continuando o precedente, vem tratando. Este choque entre evoluído e involuído, entre Evangelho e mundo, é fenômeno de alcance biológico, do qual ninguém pode escapar, muito menos uma religião que se fundamenta no Evangelho e que se propõe implantá-lo no mundo. Entramos num terreno controvertido, propenso a polêmicas e condenações. Já dissemos que se reconhece o biótipo do involuído por seu espírito de agressividade, enquanto o evoluído é reconhecido por seu instinto de compreensão e conciliação. Procuremos, pois, imitar o segundo. Assim, o leitor que busca ver esta obra enquadrada numa opinião ou num partido, ficará desiludido. Aqui não se combate nem se condena nenhum grupo humano em particular, mas prefere-se observar o que o homem costuma fazer. Verifica-se que tudo permanece igual, pois o homem em geral faz as mesmas coisas em todos os grupos. É inútil, portanto, escandalizar-se do que se faz nas casas alheias, quando os mesmos homens fazem, em todas as casas, mais ou menos as mesmas coisas. Não se justifica que se culpe uma instituição por ter feito no passado o que, na época, era tão normal que todos fizessem, exigindo-se dela que seu grupo de homens tivesse atingido, isoladamente, um grau de evolução mais adiantado do que o atingido pela vida no planeta, o que é absurdo e impossível. Para se lançar a pedra, seria necessário estar sem culpa. E quem pode pretendê-lo na Terra? Aqui procuramos, pois, apenas observar os problemas por todos os lados, usando a inteligência, e isto para ver e compreender, mais do
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que para julgar e condenar. A satisfação de saber onde está o erro ou a razão, segundo o mundo – coisa difícil e sempre controvertida no relativo – deixamola ao leitor, para que tenha a alegria de descobri-lo, conforme o seu gosto. É fácil criticar, e todas as formas de governo são criticadas, inclusive no terreno religioso. Mas o que constitui a bondade de um governo é a bondade do homem ou dos homens que o compõem, e não a sua forma. Na Terra, contudo, faz-se muita questão da forma. De que serve, então, usar uma ou outra, quando os homens continuam a fazer as mesmas coisas, apenas de forma diferente? Se o chefe fosse bom e inteligente, a melhor forma de governo seria o absoluto. Mas parece que o homem, tão logo o possa, tende imediatamente a se transformar em tirano. Provam-no os sistemas representativos, criados quando se sentiu a necessidade de corrigir os possíveis abusos de um só, mediante o controle de muitos. Diz Gorer Geoffreey, em The Americans, que “a atitude americana para com a autoridade foi sempre a mesma: a autoridade é intrinsecamente má e perigosa, e quem ocupa posições de autoridade precisa ser submetido a um controle constante”. De tal forma é a natureza humana, que, até mesmo no desempenho de uma função para o bem coletivo, tende a se transformar em um perigo para a coletividade, do qual é necessário, pelo contrário, defendermo-nos. Como pretender, num mundo assim, um comportamento de evoluídos? Como esperar que, no seio de uma humanidade em que predomina um biótipo bem diferente, possa surgir uma organização de santos, só porque são santos o fundador e o programa? A perfeição para o homem é um estado a ser atingido no futuro, e não uma condição já atingida no passado. Toda a massa humana está sujeita ao mesmo processo de evolução, e a maioria está agrupada próxima de um certo nível, do qual está procurando lentamente subir para outro mais alto. São imensos e penosos movimentos biológicos, que comprometem todos os aspectos da vida humana em nosso planeta. Dentro dessa massa enorme, só pouquíssimos indivíduos se diferenciam como raras exceções, que não podem pesar nos movimentos da vida. Governantes e governados, juízes e julgados, senhores e servos, acusadores e acusados, todos pertencem mais ou menos ao mesmo grau de evolução, que, para todos, vai-se deslocando com o tempo. Dessa maneira, julgando os outros, nós nos julgamos a nós mesmos e, condenando os erros e a ferocidade do passado, condenamos os nossos erros e nossa ferocidade no passado.
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Em seus dois mil anos, a vida da Igreja seguiu, no mesmo passo de todas as outras instituições humanas, a evolução da vida, que é a grande estrada em que tudo caminha. A Igreja, como organismo terreno, acompanhou os tempos, aceitou o que eles ofereciam e, na prática, permaneceu no plano humano, comportando-se como se comportavam os outros, no mesmo nível de evolução. Trata-se sempre do mesmo pensamento humano, que, depois de atravessar a civilização grega e romana, atravessa agora a civilização cristã, enriquecendo-se cada vez mais de elementos diversos. Esse pensamento, na Idade Média, foi preponderantemente cristão, porém não o é mais agora. É como se aquela forma mental tivesse esgotado a sua função. A mente do mundo pôs-se, então, a pensar de outra maneira e, com a ciência, o pensamento humano caminhou para a frente por sua conta, deixando para trás a orientação cristã, que dantes estava na vanguarda. E se esta tiver que voltar, só será possível em outra forma, totalmente diferente. Sem dúvida que, depois de séculos de positivismo científico e após os brilhantes resultados práticos atingidos, a fé, se tiver de voltar, só poderá fazê-lo com uma mentalidade diferente daquela do passado. Tudo evolui, e nem sequer as religiões podem parar. Assim o cristianismo, emergindo do plano da força (religião mosaica do Deus rei de exércitos, egoísta e vingativo), tornou-se a religião da bondade e do amor (Evangelho universal), para tornar-se mais tarde a religião da inteligência e da liberdade (Cristianismo do futuro, em que os mistérios serão demonstrados não mais com base no medo das sanções, mas sim na livre adesão de quem compreendeu a vantagem de obedecer). Nestes dois mil anos, o princípio da bondade e do amor lutou para se substituir ao princípio da força, e o impulso da evolução procurou, do plano da lei mosaica, elevar o homem ao plano mais elevado da lei do Evangelho. Essa forma religiosa foi apenas uma expressão do fenômeno da ascensão da vida. A luta entre as duas fases de evolução foi dura, e, ao menos até agora, não se pode dizer de maneira alguma que o Evangelho tenha vencido. Isto não é um julgamento e muito menos uma condenação, mas simplesmente uma constatação de fato. Dadas as condições do ambiente e um conjunto de fatos históricos, o Evangelho teve de permanecer, em grande parte, apenas como uma teoria. O primeiro impulso de Cristo teve de ser substituído, mediante adaptações sucessivas, por outro impulso totalmente humano, imposto pelas necessidades do
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contingente, pelo qual o princípio de autoridade e disciplina deteve a explosão do amor evangélico. Por isso não foi possível a emersão imediata, permanecendo todos no nível da maioria. Nas lutas entre os dois princípios opostos, a necessidade prática de julgar e condenar levou vantagem sobre a necessidade ideal, que era de compreender e perdoar. Entrando numa ordem de ideias, não se pode mais sair dela, e sua concatenação lógica nos arrastará até ao fundo. Somos livres ao colocar as premissas, mas, depois, ficamos inexoravelmente ligados a elas. Assim, salvou-se a unidade e a integridade, mas estabeleceu-se uma insanável cisão entre bons e maus, entre julgadores e julgados, entre quem condena e quem é condenado. Recaímos no método humano, próprio das instituições terrenas, baseadas na força, método que, utilizando uma lei que pune, tende, pela autoridade, à imposição e coação com sanções, embora, neste caso, espirituais. Tal atitude se explica sem dúvida, como dissemos, pela natureza do ambiente terreno e da psicologia dominante em nosso mundo. Mas isto não impede que as consequências lógicas desse fato não devam ser suportadas até ao âmago. Foi assim que a psicologia do plano humano, justamente aquela que o Evangelho queria refazer, aninhou-se no centro da Igreja. Foi aceita e quase que fixada na instituição a figura do malvado, reconhecendo-se o mal como potência rival que ameaça a de Deus. Assim, por instinto de conservação, o estado de integridade e pureza do preceito evangélico, que tende a se aproximar do malvado para realizar sua redenção e salvação, inverteu-se num afastamento dele, para condená-lo à sua perdição eterna no inferno. Com o sistema do juiz e do castigo, é possível a classe social dominante defender seus interesses e a sociedade afastar os elementos que a perturbam. Mas estamos sempre no plano humano da luta para a defesa da própria vida, travada entre juiz e julgado, na qual vence o mais forte. Isto não aproxima os dois termos, antes acentua as cisões e a inimizade. O sistema do juiz que condena está nos antípodas daquele que ama para remir. Assim, o mal não é absorvido pela nãoresistência, pois, quanto mais se procura eliminá-lo com o esmagamento, mais ele é excitado, reforçando a reação e induzindo a uma resposta proporcional ao mesmo nível, no plano da força, com a rebeldia. Recaímos no sistema do mundo, do julgamento que divide e afasta, e não do amor que aproxima e une. Ao invés de chegar à confraternização, o pecador é repelido pelos bons, que deveriam ajudá-lo, e permanece um rejeitado. Eis que, na luta entre Evangelho e mundo, venceu o mundo, e o Evangelho falhou em sua finalidade.
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Ficamos presos dentro de uma lógica desapiedada, que não nos permite parar no meio, constrangendo-nos a percorrê-la até o fim. E a conclusão é que, com o inferno e o paraíso, bons e maus se separam definitivamente, para sempre. Assim, em lugar da união, triunfa a cisão, que recebe sua eterna confirmação. Desta forma, Deus coloca a assinatura na Sua falência. O poder do mal permanece de pé para demonstrá-lo. Restará sempre uma parte do universo em que Deus foi derrotado, em que o Seu inimigo reina, em que o ódio, e não o amor, venceu e impera. O inferno eterno representa a vitória dos métodos do mundo, baseados na punição, sobre os métodos do céu, baseados no amor. Admitir um castigo eterno, que detém a evolução e exclui definitivamente a salvação, supremo fim do Evangelho; uma condição de imobilidade num estado de dor que não tem mais finalidade de bem, porque não educa mais, constituindo somente condenação pela condenação, inútil para a salvação; um Deus que celebra a Sua vitória final apoiando-se nessa inexorável condenação, e não no amor, que é Sua essência; admitir tudo isto pode ser explicado como uma temporária necessidade para que uma instituição fosse respeitada e, portanto, pudesse ter sobrevivido até hoje, no feroz ambiente terrestre. Mas, se isto for admitido como verdade definitiva, então significa que, na Igreja, deve vencer a lei do mundo, e não a do Evangelho. No inferno, o amor morreu e foi sepultado para sempre. Isto constitui a derrota do Evangelho e a falência do plano divino. Quanto mais gente entra no inferno, tanto mais a Igreja falha na sua finalidade, que é a salvação. Com tal sistema, essa instituição poderá ter vencido sua batalha terrena, sobrevivendo até hoje, mas perdeu sua batalha no Céu, com as consequências inevitáveis. Isto porque, para resistir na Terra, aceitou os princípios do mundo e pôs-se a lutar com os métodos deste, descendo até ao nível dele. Acabou, assim, achando-se desprovida daquelas armas do espírito que estudamos nos capítulos precedentes. E que vitória final pode esperar uma Igreja que, reduzindo-se a contar com as normas humanas, não se apoia sobretudo no espírito, que é a sua alma? Existe uma única solução que oferece possibilidade de salvação. Uma solução que deveria ser escolhida por obra de inteligência, ou aceita espontaneamente das mãos da história, antes que esta seja constrangida a impô-la. Tratase de fazer marcha a ré, repudiando os métodos do mundo e seguindo plenamente os do Evangelho. Se a lógica daqueles leva à perdição, só a lógica des-
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tes pode levar à salvação. Embora o Evangelho ensinasse o contrário, isto é, a reabsorção do mal pelo bem, o que é árduo, preferiu-se no passado, em vez de curá-lo com a redenção, seguir o caminho mais fácil, que é livrar-se do mal, lançando-o todo fora, dentro do inferno, revigorando-o com uma sede e organização próprias. Assim a infecção, ao invés de ser eliminada por reabsorção, constituiu um centro seu, de onde lhe é possível guerrear. Caminho perigoso, porque, depois, a infecção poderá tornar-se epidêmica. Contra ela não mais se dispõe de armas no Céu, porque foram escolhidas aquelas armas enganosas do mundo e, agora, ficou-se preso dentro de sua lógica. Iniciado esse caminho, é necessário grande esforço para voltar atrás e depois tomar outro. Iniciado o método das condenações, só se pode insistir nelas renunciando-se a compreender que, quanto mais são usadas, mais perdem seu efeito. Quanto mais se é obrigado a condenar, tanto mais se dá prova de que a religião do amor faliu. Mas a evolução não pode deixar de impor o árduo esforço, necessário para a salvação, de se voltar ao Evangelho, ou seja, aos métodos do amor e do Céu, ao invés dos métodos das condenações e da Terra. O homem não pode deter o caminho do Evangelho. Se esse caminho de regresso a ele não for escolhido por obra de inteligência ou aceito espontaneamente das mãos da história, será imposto pelos próximos cataclismos sociais, encarregados de purificar o ambiente das escórias do passado. Reconhecer-se-á então que o fato de se ter seguido o caminho do mundo foi aceito apenas como condição transitória, imposta pelo grau de involução do elemento humano, com o qual era preciso trabalhar. Com sua forma mental, o homem só teria respondido aos terrores do inferno, que já não são mais úteis à evolução, pois neles já ninguém crê agora, e devem, portanto, ser abandonados como expediente psicológico superado. Assim, sem tumultos, será alijado da vida, que avança, todo o terrorismo medieval do inferno, ficando abandonado aos museus de história como coisa desnecessária. Desta forma, tudo fica explicado e justificado. Sem condenar ninguém, obtém-se a desobstrução do caminho para a função civilizadora do Evangelho, que é de fato a coisa mais importante. Se a história permitiu alguns erros no passado, nenhum homem está isento de culpa, e a perfeição não pode ser atingida no início do caminho, mas apenas no fim. Se o homem não teve de imediato a força de usar os métodos do Céu, preferindo os do mundo, não pode eximir-se de pagar as consequências. Mas, depois de ter aprendido a lição à própria custa, não pode deixar de se colocar no caminho da salvação.
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Desta maneira, com a bondade e o amor, será sempre mais aliviado o peso da dor, que, embora permanecendo, não será uma condenação eterna, como vingança e falência da obra de Deus, mas um instrumento bendito de redenção, uma escola transitória de evolução, para levar todos à salvação. O inferno é fruto da psicologia terrorista de luta, ditada pela lei de bestialidade ainda vigente no mundo. E, no choque entre Céu e Terra, entre Evangelho e mundo, enquanto essa psicologia não for superada e não se chegar a viver no plano mais alto do amor, o Evangelho será sempre o derrotado e o mundo o vencedor. ◘ ◘ ◘ A crise atual do mundo é uma crise profunda de todos os seus valores. Saindo de sua menoridade, o homem começa a raciocinar e pede aos chefes dirigentes que lhe prestem contas do que fazem, assim como se cobra aos professores a justificação das teorias que ensinam. Não são mais possíveis as escapatórias do passado, nas quais o homem de ontem, feroz mas ingênuo, acreditava, mas que o homem moderno, habituado a todas as astúcias, não acredita mais. Muitas ilusões psicológicas caíram após serem analisadas. A crítica revelou o verdadeiro conteúdo dos produtos da explosão de nossos instintos. O mundo quer saber como são preparados os alimentos que lhe são oferecidos. O positivismo científico despiu a verdade de todos aqueles mantos barrocos extravagantes e nos fez tocar algo de sólido. É pouco, mas o progresso científico já é hoje a única coisa em que a humanidade acredita seriamente. A conquista da energia movimentou tudo, até a concepção estática de outrora se dinamizou. Prevalece hoje o conceito de uma verdade relativa em evolução, que é também uma transformação, fruto de uma conquista progressiva. A pretensão do homem de atingir a verdade por meios próprios, através dos resultados obtidos com as descobertas científicas, autorizou-o a desinteressar-se da verdade transcendente revelada, que, parece, já secou há séculos, não dando mais novos frutos. A vida, que não pode morrer, parece ter-se transferido para outra árvore. O homem tem fé em outras coisas. Quem se entrincheira no definido e no definitivo permanece aí congelado, abandonado ao passado da vida, que caminha. A lógica do imóvel absoluto foi substituída pelo relativismo em movimento. Na crise profunda que sacode e renova os alicerces do velho pensamento humano, não podem deixar de ser arrastadas também as religiões. Nada resolve lançar a culpa uns nos outros. Devemos apenas procurar todos juntos a porta de saída para todos. É preciso ter a coragem de nos erguermos
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por nós mesmos, se não quisermos ser erguidos por força das leis da vida. É indispensável deixar as espertezas e acomodações e falar claro, com sinceridade e honestidade, reconhecendo onde se pode estar errado, para não continuar a errar e, depois, ter de pagar. Encobrindo, nada se salva, porque o erro, se escondido, continua a piorar. Se continuarmos a pôr estuque e pintar a casa do lado de fora para que pareça bela, enquanto por dentro está caindo, ela terminará ruindo sobre nós. Encontrar-se-ia talvez nessas condições a Igreja católica? Observemos o que está acontecendo, não para condenar, mas para achar um caminho de salvação. Dois grande inimigos ameaçam hoje a Igreja: 1) Do lado de fora, o comunismo, que avança agressivo e contra o qual ela está em posição de defesa. 2) Do lado de dentro, um secular maquiavelismo, que constitui a sua fraqueza e representa aquela derrota do Evangelho e vitória do mundo de que acima falamos. Deste modo, estão agora amadurecendo as consequências. Observemos os dois pontos, começando pelo primeiro. Quando a inteligência da história permite que as forças do mal tomem um desenvolvimento excepcionalmente agressivo, isto significa que a evolução, para poder avançar, precisa do trabalho de destruição que elas realizam, a fim de limpar o terreno de todas as construções velhas e erradas. Essas forças, especializadas nesse trabalho a serviço do bem, demonstram-se bem hábeis em descobrir o ponto fraco, pelo qual é mais atraído o seu instinto de destruição, assim como os micróbios das doenças agridem de preferência no ponto mais fraco os organismos macilentos. Seria preciso não ser fraco e, assim, não oferecer ao inimigo pontos vulneráveis. Estes pontos representam o nosso débito, pelo qual temos de pagar e do qual as forças destrutivas se encarregam de nos cobrar. Ora, o comunismo descobriu qual é o calcanhar de Aquiles da Igreja, ao verificar que ela, colocando-se no nível deste, pactuou com o mundo, deixando escapar de suas mãos o poder das armas espirituais. Mesmo sem compreendêla, essa fraqueza é sentida por parte dos agressores, e eles querem aproveitar. O programa do Evangelho não era a justiça social? E o que se fez em dois mil anos para consegui-la? Foi preciso que a revolução francesa interviesse para corrigir, justamente na direção oposta, os abusos a que se chegara, fruto da aliança do clero com a aristocracia. Por que deixar, com esse sistema, escapar um grande programa, que deveria ter permanecido para ser aplicado? Dessa forma, ele caiu em outras mãos, nas mãos de quem, pelo menos teoricamente,
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o professa e, com isto, faz prosélitos, utilizando-o como ideologia de propaganda. Assim, um dos pontos fundamentais do programa de amor e justiça do Evangelho volta agora, em forma invertida, como uma espécie de reação punitiva, ao lugar de onde deveria ter partido, mas para destruir aquele órgão, que deu provas de ter sido muito fraco e não ter sabido executar a sua função. O que não foi feito espontaneamente por si mesmo, é agora imposto à força pelos outros. Se a Igreja não tivesse pactuado com o mundo e não tivesse aceitado o seu poder terreno, hoje o comunismo nada teria para falar nem para atacar, porque a justiça social já teria sido realizada. Aceitar as ofertas do mundo e possuir o seu poder pode parecer uma vantagem, mas quem assim procede envolve-se com o sistema correspondente, de que mais tarde precisará fatalmente suportar a lógica e as consequências até o fundo, como vimos. E é isto justamente que está acontecendo hoje. Descobrir os defeitos do inimigo, para acusá-lo e lançar-lhe em cima culpas que ele tem, não nos liberta das nossas culpas nem da necessidade de pagá-las, pois cada um assume a própria responsabilidade. Será que um católico, ao se defender do comunismo, jamais pensou no que tenha feito a Igreja em dois mil anos para impedir que ele nascesse? E, em vez de reclamar e condenar, não pensa que, para vencer o comunismo, o verdadeiro modo de combatê-lo seria já ter realizado o seu programa ou, pelo menos, arrancá-lo das mãos comunistas e realizá-lo em seguida? Para vencer um inimigo na parte errada, é preciso não ser vulnerável na parte em que ele tem razão, a fim de não oferecer o flanco às suas acusações. Para repreender as culpas dos outros, é preciso não as possuir no mesmo terreno. Para poder pregar um dever, seria preciso primeiro cumpri-lo. Como se pode lançar a pedra, quando não se está sem pecado? Ter-se-ia o direito de condenar, desde que já se tivesse feito alguma coisa para realizar a justiça social. Condenam-se os métodos de violência que constituem a culpa da parte oposta, enquanto se poderia responder que a história, para atingir um estado de mais justa distribuição econômica, teve de confiá-lo aos piores elementos, para que executassem com a força aquele mesmo programa, que era destinado aos melhores elementos e que deveria ter sido executado com a bondade, por força do amor. Assim ambas as partes lutam no mesmo plano humano, como seres do mesmo tipo e plano biológico, cada um acusando e condenando as culpas do outro, em vez de procurar libertar-se das próprias. O método é igual: procurar mostrar os erros alheios e esconder os próprios. Mas qual a verdadeira razão
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de a Igreja tão energicamente combater o comunismo? Será por que – conforme diz – este é irreligioso e ateu, insincero e violento, ou por que ele é anticapitalista? Por outro lado, se o comunismo assalta a Igreja, assim o faz por que ela é espiritual, crente, idealista e pacífica, ou por que, com o pretexto da justiça social e do anticapitalismo, quer apossar-se de seus capitais? No caso do choque entre comunismo e democracia, parece, e até mesmo se afirma, que se trata de um choque de ideologias. Mas, como nos achamos diante do mesmo tipo humano, é muito mais verossímil que o verdadeiro móvel de todos seja o interesse, a avidez, o espírito de domínio, o desejo de poder. Não agem todos da mesma forma? Cada um não se coloca, naturalmente, do lado do ideal e da justiça, para condenar em seu nome todos os outros? O mesmo tipo de homem não faz em todos os lugares, com os mesmos métodos, o mesmo jogo? Em vez de exigirem primeiro de si mesmos o cumprimento dos próprios deveres, acusam os outros de não cumprirem os seus e exigem deles sua realização, alegando para si o direito de lhes impor a execução. A verdade é que todos vivem imersos no mesmo plano da luta, da força e da astúcia, à caça dos bens e poderes materiais, que constituem o único ideal em que o mundo hoje efetivamente dá provas de acreditar. ◘ ◘ ◘ Observemos agora o segundo ponto. Se o comunismo representa o inimigo exterior, outro inimigo também ameaça a Igreja e ainda mais temível, porque interno: o maquiavelismo. Temos procurado explicar fatos cuja existência não se pode negar. E procuremos agora explicar ainda outros fatos. Já falamos do maquiavelismo no Cap. II do nosso volume Problemas Atuais, fazendo a crítica desse método. Vejamos agora a posição da Igreja a esse respeito. É neste ponto que vemos chegar até às suas últimas consequências práticas o nítido antagonismo colocado pelo Evangelho entre ele mesmo e o mundo. Trata-se de dois inimigos irredutíveis, entre os quais não é possível pactuar: “Ninguém pode servir a dois senhores; ou amará um e odiará o outro; ou se afeiçoará a este e desprezará aquele. Não podeis servir a Deus e a Mamon”. O pensamento é bastante explícito para que se possa torcê-lo e achar escapatórias. A Igreja não podia deixar de se encontrar diante da necessidade de resolver esse quesito, que pertence a todos – o que nós mesmos fizemos neste volume e em A Grande Batalha. Se quisermos realmente viver o Evangelho, temos de depor as nossas armas terrenas e, cumprindo todo o nosso dever, deixar que
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Deus nos defenda com a Sua Providência. Nosso dever não deve basear-se na força nem na astúcia, mas sim na justiça e no fato de haver merecido a Sua ajuda e proteção, por ter obedecido à Sua lei. O mundo admite apenas os próprios meios, únicos nos quais acredita. Maquiavel leva até às últimas e mais sutis consequências esse método. O cristão que segue o Evangelho deveria colocar-se nos antípodas e seguir o método oposto: “Procurai sobretudo o reino de Deus e Sua justiça, e todo o resto vos será dado por acréscimo”. A conclusão a que não se pode fugir é que a Igreja e o cristão, se quiserem ser coerentes, observando os princípios fundamentais de seu código, devem ser irredutivelmente antimaquiavélicos, afastando de si, como diabólico, um método de vida que representa a quintessência destilada da patifaria do mundo. Se perguntarmos a qualquer cristão que professe o Evangelho qual das opções é a mais segura: ter merecimento da parte de Deus ou ter dinheiro no banco e possuir bens, poderemos estar certos de que, mesmo protestando o contrário nas palavras, dará nos fatos provas de que sua fé e confiança são todas baseadas nos bens, e não nos méritos. Se o mundo fosse sincero, deveria dizer: este é o meu método e, por isso, o sigo. Então a separação seria nítida e visível. Mas o maquiavelismo louva com palavras o sistema evangélico, para seguir nos fatos, sem declará-lo, o sistema do mundo. E é assim que, com o maquiavelismo, o método do mundo consegue, sob falsas aparências, escorregar dentro do campo oposto, que pouco a pouco, por pequenas e gradativas concessões, engodando-se pelas vantagens imediatas e justificando-as pela sua finalidade de bem, acaba, quase sem percebê-lo, adotando o método do inimigo. Foi dessa forma que o maquiavelismo pôde entrar na Igreja. Ela não tardou a compreender que maquiavelismo e cristianismo eram inconciliáveis e teve, depois, de condená-lo, proclamando-se antimaquiavélica, talvez até mesmo por uma necessidade de purificação imposta pela reforma protestante. Mas nem por isso a infiltração do maquiavelismo cessou. Oferecia ele a grande vantagem tangível e imediata de resolver – ao menos aparentemente – o penoso conflito entre o Evangelho, código que a Igreja devia seguir, e o mundo, onde, no entanto, ela tinha de viver. Embora não incentivado pelo Evangelho, tratava-se de um modo prático e astuto de resolver o difícil problema. Através de um compromisso, chegava-se à paz que permitia uma convivência tranquila. Escolhia-se o caminho do menor esforço, já que era mais difícil resolver o caso com a vitória de um dos inimigos. Fazer o mundo vencer abertamente, seria colocar-se em contradição flagrante com os próprios
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princípios. Fazer vencer o espírito requeria esforço impossível e inatingíveis qualidades de santos. Assim, ao contrário, cada um dos dois inimigos cedia um pequeno espaço ao outro, conseguindo viver ao lado do Evangelho e neste mundo, duas necessidades imprescindíveis. Desta forma era até possível acreditar que se domesticara um pouco o mundo, para glória de Deus. Diante dessas concessões, a consciência sentia-se justificada pela finalidade do bem que parecia poder ser obtido assim. E a infiltração continua, escudada na teoria do fim que justifica os meios. Chegamos deste modo ao seguinte impasse: para atingir os supremos objetivos do espírito, a Igreja usa os métodos do mundo e, assim, detendo bens e posses, torna-se Estado e potência política, econômica e bélica, chegando a fazer guerras, a abençoar as armas, a instituir tribunais, a construir para si um direito canônico próprio e a executar legítimas condenações à morte (fogueira). É lícito então perguntar por onde se perdeu o Evangelho? Estaremos diante de uma contradição necessária, que trará bons frutos? Teremos sabido achar, na acomodação, uma nova virtude mais sutil, que o Céu possa aprovar? Ou trata-se verdadeiramente de uma traição ao Evangelho, enganado e emborcado pelo inimigo, que, com a mais diabólica das astúcias, sentou-se na Igreja para comandar como senhor? Essa acomodação, que permite a convivência, não será uma derrota, ao invés de uma vitória? Não terá acontecido uma espécie de simbiose, como aquela à qual se reduz um organismo quando se adapta a suportar a vida dos micróbios – fortes demais para ele conseguir expulsá-los – que assim se fixam dentro dele, gerando a doença crônica? O maquiavelismo não se terá tornado a secular doença crônica da Igreja? Começando esse caminho, é fácil escorregar até ao fundo. E “fundo” significa que o micróbio, no fim, mata o doente, ou seja, que o mundo vence o Evangelho. Perigo mortal, portanto. Talvez os primeiros que se encaminharam nessa direção não tivessem compreendido aonde se poderia chegar. Mas, repetimos, quando se entra na lógica de um sistema, fica-se preso a ele até o fundo. Sem dúvida, não se poderia pretender que os homens formadores da Igreja nos séculos passados fossem tão clarividentes a ponto de prever consequências tão distantes, ou que fossem santos, capazes do heroísmo necessário para viver o Evangelho. Mas o fato permanece, e as consequências são inevitáveis. Preparam-se grandes choques dolorosos mas purificadores, e não será nesta sua forma atual que a Igreja poderá sobreviver. O problema atual não é buscar culpados para condenar, mas salvar o que pode ser salvo. Se no fim consegui-
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rem fazer marcha à ré, regressando ao Evangelho, então tratar-se-á apenas de um parênteses de adaptação, talvez necessário ao longo do caminho ascensional do Evangelho, e a enfermidade será curada. Com o princípio de que o fim justifica os meios, pode chegar-se ao uso da violência para estabelecer a paz, da astúcia para defender a verdade, dos expedientes humanos para fazer descer à Terra o divino. Podemos, assim, medir todas as gradações do progressivo emborcamento do Evangelho nos métodos do mundo. É um lento e inadvertido corrompimento, que só pode acabar revelando-se numa crise. A contaminação é sutil. O mal permanece sempre escondido, como indevassável vírus no fundo dos tecidos orgânicos. Não se sabe até que ponto se cedeu e até que ponto se resistiu, não se sabe onde se está doente e onde se está são, se somos maquiavélicos ou antimaquiavélicos, tanto mais que uma das normas do maquiavelismo é não parecer seguidor dessa escola, declarando-se antimaquiavélico. Assim, passa-se da tolerância à acomodação, depois à astúcia, a seguir à mentira e, uma vez aceito o método de lançar as redes, nelas mesmas se fica preso. Não se sabe mais se o mal que se pratica é ou não uma vitória do bem, se é justo ou não favorecer injustiças necessárias, perdidas no particular e justificadas pela vitória de uma justiça maior. O fato é que tanto o Evangelho como o mundo têm cada um a sua lógica. São tão opostas, que resultam inconciliáveis. Quem tentar fundir as duas lógicas achar-se-á como quem quisesse colocar-se entre dois campos inimigos, recebendo os golpes dos dois lados, sem possuir, para defesa própria, nem as armas de um lado nem as do outro. O Evangelho explicou bem claramente que não se pode servir a dois senhores. Isto quer dizer que é preciso se decidir na escolha entre as duas lógicas, rumando por um determinado caminho, para segui-lo até ao fim. Parar no meio do caminho, procurar a solução nas escapatórias por atalhos e estradas laterais, engolfar-se na via das sutilezas e das discriminações, abandonando a estrada reta, acaba nos lançando num caos em que, à força de querer distinguir sutilmente entre honesto e desonesto, uma só coisa se sabe com segurança: que não se é de maneira nenhuma honesto. Chega-se, então, a uma moral em que, à força de destilações filosóficas, pode-se ir aonde se quiser, e a lógica férrea de um sistema reduz-se a uma simples opinião, sobre a qual sempre se pode discutir. Eis que o mutável e o relativo do mundo assumem a supremacia sobre aquela proclamada verdade revelada, absoluta.
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Os caminhos do mundo são traidores e nos engodam, oferecendo vantagens imediatas que depois nos fazem pagar, pois nos levam por uma estrada escorregadia e cheia de armadilhas. Assim, consegue-se mentir, acreditando que não se mente; consegue-se imaginar que se está fazendo o bem, enquanto se faz o mal. Mas o veneno sutil e doce não pode deixar de produzir os seus efeitos. No fim, nós mesmos ficamos divididos entre um antimaquiavelismo professado e um maquiavelismo praticado, assumindo uma posição ambígua, na qual não mais sabemos o que somos e, para poder usufruir das armas dos dois sistemas opostos, acabamos, como dizíamos acima, não tendo à nossa disposição nem as armas de um nem as do outro. A astúcia do jogo duplo é a mais perigosa e enganadora das astúcias e, de tal forma complica a defesa, que, a certo ponto, torna-se impossível. Nascem então uma moral e uma conduta divididas no dualismo entre o que se pode e o que não se pode declarar, entre as normas de domínio público e as secretas, entre o explícito e o implícito. Uma discussão franca, visando ao entendimento, torna-se impossível, pelo fato de que uma parte da verdade será sempre calada e subentendida. Nessa psicologia mergulhou particularmente a Companhia de Jesus, tanto que, na linguagem comum, costuma-se dar à palavra jesuíta o sentido de maquiavélico. Tendência da Igreja a mundanizar-se e tornar-se política, sempre com a finalidade do bem. Em vez de uma posição nítida do limite entre lícito e ilícito, de acordo com uma lógica única, tem-se a oscilação do limite segundo os casos, sobrepondo-se à retilínea lógica do Evangelho a contorcida lógica do mundo, sem compreender que assim não se chega a um acordo, mas à contradição. Acaba-se em luta consigo mesmo, o que constitui a maior fraqueza. Fraqueza perigosa, porque situada nos alicerces do edifício, ameaçando fazê-lo ruir; fraqueza no ponto mais vital do organismo, que, por isso, adoece; fraqueza na coluna central da Igreja, que é a fé em Deus e no poder do espírito. Então o navio perde o leme, o exército perde as armas e a Igreja fica à deriva das forças da matéria e do mundo. O verdadeiro cristão aceita uma única lógica: a do Evangelho. Não sobrepõe uma lógica à outra, para delas fazer um composto híbrido; não desconjunta a solidez de um processo lógico, que significa, na prática, solidez no desenvolvimento das forças nas quais adquirem forma as proposições desse processo. A Igreja colocou-se nessa contradição e, assim, ofereceu o flanco vulnerável. E agora, para golpeá-la nesse ponto, correm os infiéis sem Deus, e essa vulnerabilidade facilita-lhes a vitória. Não estamos condenando, repetimos,
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pois isto não adianta a ninguém. Estamos olhando a tempestade que se aproxima como conclusão fatal das premissas que foram colocadas voluntariamente. A borrasca nos dá, infelizmente, a prova de que estas considerações são verdadeiras. Que fará a Igreja diante do comunismo? Deus a salvará? De que forma? Que ficará dela após o cataclismo? Esses problemas estão nas mãos de Deus. Como poderá uma Igreja que já se colocou no terreno econômico-político de todos deixar de usar as armas deste plano humano e, quanto mais forte for o ataque, insistir nelas cada vez mais? Mas o seu maior perigo são justamente elas, que a impedem de salvar-se! E como pretender que uma avalanche que está rolando desde séculos possa deter-se repentinamente, para fazer marcha à ré? Poder-se-á justificar tudo como uma necessidade de legítima defesa. Ao maquiavelismo jamais faltam razões para legitimar suas obras. Assim o mundo, com seus métodos, irá assenhoreando-se sempre mais da fortaleza do espírito, até chegar à meta cobiçada, que é desmantelá-la por meio do inimigo interno, justamente quando o externo, o comunismo, estiver lançando o ataque. O momento é gravíssimo, porque a Igreja tem de lutar contra dois inimigos, o interno e o externo. O primeiro é produzido pelo fato de que ela, há séculos, funciona maquiavelicamente e agora, como consequência, pôs-se a lutar contra o segundo, o comunismo, no mesmo plano humano dele. Isto significa não permanecer no plano espiritual, acima dos combates, mas ficar, como coisa humana, mergulhada dentro da luta humana. Então, para defender-se e não ficar inferior em armas, surge a necessidade de aceitar e usar sem outros escrúpulos todas as armas do mundo, já que agora é difícil demais voltar atrás. Mas, se é justamente esse o caminho que leva à derrota, como impedi-la? Se é muito difícil, de um só golpe, renovar um hábito para achar a lógica da fé pura e absoluta, sem os compromissos do maquiavelismo, se o organismo do enfermo não pode suportar o remédio, como se poderá curá-lo? No entanto as duas lógicas antitéticas continuam a corroer-se mutuamente. A lógica da fé quer eliminar a do mundo, e a do mundo deseja destruir a da fé. Só no primeiro caso, mesmo à custa de perseguições, espoliações e destruição de toda a superestrutura terrena, é que a Igreja poderá vencer da única maneira possível, fortalecendo-se pelo poder espiritual, aquele que lhe compete, para reentrar num terreno que é seu e no qual ninguém pode vencê-la. Assim, a Igreja poderá perder a batalha na Terra, mas a vencerá no Céu, o que reforçará a sua missão na Terra. Mas, se para vencer a batalha na Terra, chegar a perdê-
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la no Céu, a Igreja a perderá em ambas as frentes, porque, numa, terá traído a sua missão e, na outra, será liquidada, como é de justiça fazer-se com os fracos e vencidos no plano humano. Esta é a força lógica das coisas, e não há poder humano que permita sair disso. Portanto existe um único método com o qual pode a Igreja combater e vencer a atual batalha, e já vimos qual é. Mas, no fundo, se olharmos o que aconteceu no passado, o que acontece agora e o que deverá acontecer, só podemos admirar a sabedoria de Deus, que tudo dirige e salva, utilizando os elementos que se acham disponíveis no mundo. Assim tudo se explica a seu tempo e no devido lugar. A imperfeição humana provoca erros, e a história lhes traz remédios, impondo a correção necessária para executar a dolorosa operação salvadora. Bem ou mal, a Igreja conseguiu chegar até hoje, através do tempestuoso oceano da Idade Média. Para isto, interessou-se antes de tudo em salvar-se como instituição e como unidade, exigindo para isso disciplina e obediência como autoridade, mais do que cuidando do aprofundamento dos princípios e da solução dos problemas do conhecimento, da evolução do pensamento e das consciências. Achou, assim, que talvez fosse melhor não tocar na casa de marimbondos de problemas tão espinhosos, difíceis, sempre controvertidos, de solução própria inatingível, enquanto permanecia mais acessível e agradável ao povo a faustosa encenação do rito, da arte, da suntuosidade dos grandes templos. Desta forma, as massas, mais satisfeitas, aderiam com maior facilidade. Mas a exterioridade e a forma, qualidades do mundo, também venceram, substituindo-se à interioridade e à substância, e a Igreja se foi esvaziando de seu mais precioso conteúdo, que é o espiritual. No barroco, encontrou o seu estilo, aceitando-o sem ao menos suspeitar o verdadeiro significado dele, que é ser a mais ofensiva expressão da vitória da exterioridade mundana e do vazio interior. Com o barroco, fixou-se na Igreja e ainda aí permanece o teatral e o fantástico em vez do simples, o confuso em vez da sinceridade, o artifício no lugar da verdade, a ficção em vez do superamento, e, no espírito, a materialidade da vida dos sentidos. Estilo que exprime uma época e sua forma mental. Assim, a arte religiosa se torna humanamente esplêndida, pagãmente grandiosa e espetacular, em vez de humilde e crente. E tudo isso ocorre com tanta convicção, que nem sequer se percebe a contradição, indicando que a Igreja não percebeu o descaminho pelo qual a fé se tornou uma exterioridade. De tal forma o mundo venceu o espírito, que ninguém mais vê que tudo está extraviado, e todos, mesmo fora dele, estão persuadidos de continuar no caminho
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certo, crendo ser esta uma ótima expressão do pensamento do catolicismo. Dessa maneira, a psicologia do mundo e do paganismo entra e fica nas igrejas, funde-se com a religião e adormece o espírito, envolvendo-o na magnificência de seus planejamentos. Assim foi a Igreja navegando pelo mar do tempo. Sacudida pelo assalto da reforma, organizou a contrarreforma, levada por um só instinto: sobreviver de qualquer modo. O trabalho mais urgente e a maior preocupação foram para salvar a instituição, mais do que a fé, que se tornou instrumento para salvar a instituição. Ocorreu então que o meio terreno se tornou meta, e a meta celeste se tornou meio. Dessa inversão derivou um fato grave. A Igreja teve de assumir uma posição negativa, de defesa – que ainda mantém – colocando-se assim numa posição de grande desvantagem, pois é fato inegável que a posição positiva pertence hoje ao inimigo, que passou ao ataque. Como se explica isto? Tudo é lógico. A Igreja só pode ser afirmativa em seu terreno, ou seja, no espírito. Tornando-se potência terrena, desviou o seu centro vital para o lado oposto, constituído pelo mundo, que ela assim reconheceu e aceitou; transplantou-se para o campo do inimigo, colocando-se assim no rol das coisas humanas. Se, com isto, conseguiu a vantagem imediata de se tornar presente e afirmativa naquele plano de vida, que não é o seu, tornou-se, contudo, ausente e negativa no seu próprio plano, o do espírito. Enquanto a Igreja julgava conquistar novos poderes, este fato a privava de sua força maior, porque a reduziu ao nível das instituições terrenas, que, desta maneira, podem tratá-la de igual para igual, como potência do mundo, nada mais. Pode ter parecido vantajosa a astúcia de querer colocar-se também nesse outro terreno, o do mundo, mas, no fim, tudo se reduziu a uma traição, e desse lado não se podia esperar outra coisa, como bem avisa o Evangelho. Essa posição negativa significa o esvaziamento espiritual da Igreja, o que significa a perda de seus maiores poderes, isto é, achar-se em posição de fraqueza e vulnerabilidade justamente na luta em que procurava vencer. A troca foi de fato muito desvantajosa, pois a reduziu de um organismo espiritual superior a uma instituição humana, para assumir uma posição terrena, que, não sendo a sua é, portanto, de inferioridade, enquanto a posição da Igreja, como espiritual, deveria ser de superioridade diante de qualquer organização humana. Ao Sair do próprio terreno e transportar-se para o do mundo, aceitando as armas do inimigo, a Igreja se iludiu, acreditando poder afirmar-se melhor com isto. Por haver renunciado, porém, à própria superioridade
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espiritual e às armas do espírito, em que residia toda a sua força, desceu ao nível das coisas terrenas, perdendo aquelas armas e ficando com outras, que, não sendo as suas, não pode usar, achando-se numa luta desigual com quem não só as possui como próprias, mas também pode usá-las e com elas sabe tornar-se bastante forte. Podemos assim explicar tudo, entendendo como a Igreja se tenha enfraquecido tanto hoje, pelo menos como potência espiritual, e porque, diante do inimigo que se movimenta para o ataque, ela se acha numa posição negativa, em atitude de defesa, que pode, a qualquer momento, como num exército que não esteja bem armado, transformar-se numa fuga. Mas, conforme dissemos, não se pode pretender que os homens sejam todos gênios e saibam prever a séculos de distancia, ou que sejam todos heróis e queiram escolher para si mesmos os caminhos mais árduos e difíceis. Mas ficaria então, com isso, detido o progresso, concedendo-se à insipiência humana um tal poder, que paralisasse a evolução da vida? Como resolver o problema neste caso? Quando a imperfeição humana chega a comprometer o fatal desenvolvimento dos planos da história, entra em jogo a inteligência desta, que, com acontecimentos apropriados, constrange a passar pela estrada estreita e espinhosa, aquela que o comodismo nos fez antes evitar, mas que é necessário percorrer para chegar à salvação. Então, Deus abre as portas do inferno, permitindo que todos os diabos desencadeados saiam para agredir quem errou, ou seja, deixa livres para explodirem as forças do mal, que se tornam instrumento da justiça divina, a fim de que se realize a operação cirúrgica de limpeza e cura. O mal funciona a serviço do bem, e chegam a destruição e a dor para nos recolocar na posição devida, fazendo triunfar o espírito. Assim, aqueles diabos desencadeados e cegos trabalham intensamente para que Cristo triunfe. A salvação, que poderia ter sido feita por obra de inteligência e boa-vontade, mas não foi feita, agora se faz pela força. Trata-se apenas de um caminho mais doloroso e mais longo. Mas o objetivo é alcançado do mesmo modo. Ninguém pode deter a história e o progresso. Apesar de todas as coisas que o homem possa fazer, tudo continua a funcionar exatamente na perfeição de Deus.
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VI. DINÂMICA DA EVOLUÇÃO O telefinalismo da evolução. Não mais materialismo evolucionista, mas evolucionismo espiritualista. Da matéria à vida. A técnica construtiva da evolução. Uma inteligência dirige o fenômeno, que é o regresso à perfeição perdida, meta preestabelecida e fatal. Objeções. A técnica da tentativa, ao invés de desmentir, comprova o telefinalismo. A entropia. Dinamismo cósmico e dinamismo biológico. A vida na conquista do movimento para domínio da dimensão espaço. Até aqui estudamos, a propósito de um caso vivido, o fenômeno do choque entre involuído e evoluído, explicando seu significado com teorias gerais. Observamos depois o mesmo fenômeno, mas em dimensões maiores, na luta entre o cristianismo, como representante do Evangelho, e o mundo. Até agora permanecemos num terreno prático, como a realidade da vida se nos apresenta na Terra. Nesta última parte do presente volume, dilataremos ainda mais os nossos horizontes, ampliando a nossa visão, para considerar outro aspecto diferente de A Grande Batalha. Ele nos revelará o vasto e profundo significado biológico do fenômeno dessa batalha, a sua importância para o desenvolvimento da vida e os maravilhosos resultados a que tende o fenômeno, levando com ele o ser. Isto nos erguerá acima deste mundo, do qual tivemos que nos ocupar até agora, e nos colocará em contato com os princípios universais, que estão na raiz mais profunda desse fenômeno, do qual traçam o caminho e impõe as conclusões. Esses são os princípios teológicos, demonstrados nos dois volumes: Deus e Universo e O Sistema, princípios que aqui voltam, aplicados e confirmados em contato com a realidade da vida, onde são observadas as suas consequências práticas. Esta subida nos permitirá unir a realidade do relativo aos princípios que o dirigem no plano das causas primeiras, e isto com absoluto sentido unitário, que liga e funde tudo monisticamente, levando a encontrar a causa no efeito e o efeito na causa. Poderemos justificar assim, racionalmente, a concepção de involuído e evoluído na qual se baseia este tratado, dando a esta ideia um fundamento cientificamente positivo, de acordo com o que a biologia admite. Poderemos explicar e provar nossa afirmação de que o Evangelho representa a lei da humanidade futura. Mesmo pelas teorias da ciência, poderemos sustentar que a evolução
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leva o homem à sua própria espiritualização, pois a vida progride em direção à espiritualização, que constitui verdadeiramente o telefinalismo da evolução. Assim, por outros caminhos positivos, poderemos dar plena confirmação às afirmativas em que nos baseamos no desenvolvimento desta obra, uma confirmação lógica, enquadrada no seio da Lei, ou seja, no seio do plano que dirige o funcionamento e a evolução do universo. Que existe um telefinalismo na evolução e que ele é representado pela espiritualização, já o afirmamos várias vezes neste volume, em rápidas referências. Desenvolvamos agora esses pontos, explicando o que isto significa e analisando o fenômeno e as razões pelas quais acontece. A explicação lógica desse fato reside numa razão profunda. No volume O Sistema, foi demonstrado que a evolução representa o trabalho de reconstrução do Sistema, a partir das ruínas do Anti-Sistema, no qual aquele decaíra. Trata-se, em relação ao fenômeno da evolução, de uma concepção cujas bases e implicações são mais profundas e exaustivas do que as oferecidas pela ciência, que, segundo a teoria materialista de Darwin e Haeckel, sem penetrar no mundo das causas, detém-se na superfície dos efeitos, onde aparece apenas o desenvolvimento morfológico dos órgãos. A ideia de um materialismo evolucionista pode ser agora substituída por uma de evolucionismo espiritualista. Podemos assim penetrar o significado íntimo do fenômeno da evolução, verificando que se trata do processo de reconstrução de um sistema destruído. Este fato nos impõe consequências importantes. Com efeito, o modelo a reconstruir preexiste ao processo evolutivo e estabelece a sua meta, que constitui justamente o telefinalismo. Como esse modelo já existe e o atual estágio de evolução ainda está distante dele, então ela já possui um objetivo determinado, que deverá atingir ao identificar-se com o modelo. As fases sucessivas do progresso e aperfeiçoamento da vida são gradativas aproximações a este estado final. Este é estabelecido pelo sistema perfeito, não decaído, que representa a primeira criação operada por Deus. Eis então que a evolução não caminha ao acaso, abandonada a si mesma, mas é guiada pela atração de uma meta longínqua, para a qual tende a se dirigir, como sobre um binário marcado por um raio de luz. Há mais, porém. Se conhecemos o ponto de chegada, sabemos também qual é o ponto de partida da nossa evolução: a matéria. Em A Grande Síntese, traçamos todo o caminho ao qual a evolução submete o ser, da matéria ao espíri-
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to. Chegamos a saber, assim, mais do que pode dizer-nos a ciência, porque, conhecidos o ponto de partida e o ponto de chegada da evolução, é possível estabelecer também todo o traçado do seu caminho. É verdade que, no relativo, as estradas pela quais se pode evoluir são muitas, mas, se são diferentes na forma, são iguais na substância, porque todas levam ao mesmo objetivo e, partindo da matéria, vão ao espírito, ou seja, ao Sistema e a Deus, que é o seu centro. Tudo parte de um polo onde tudo se encontra no negativo (mal, trevas, dor, morte etc.) e caminha para um polo onde tudo se encontra no positivo (bem, luz, alegria, vida etc.). Eis então que, em seu mais profundo significado, a evolução se nos revela como um fenômeno não casual e isolado, mas sim como um processo fundamental, enquadrado na ordem universal, fazendo parte integrante do sistema, em função do objetivo supremo desta ordem; um fenômeno guiado por uma inteligência e poder que o disciplinam, determinado por Deus e sujeito à Sua lei, que permaneceu de pé mesmo depois da queda, para dirigir e salvar tudo. Os primeiros biólogos que descobriram a evolução nem sequer sonhavam com tudo isto. O conceito de telefinalismo está implícito nessa concepção. Ainda que o particular seja deixado ao livre-arbítrio individual, à mercê das tentativas e do erro, o fenômeno da evolução, em suas grandes linhas, é fatal e amarrado a um caminho próprio preestabelecido. Pode-se evoluir de várias maneiras, mas somente caminhando para Deus. Já está, portanto, estabelecida a forma que deverá assumir no futuro a evolução humana, que só poderá consistir na sua espiritualização. Seu profundo trabalho criador se realiza no terreno das causas primeiras, que está no íntimo do ser, mesmo que se trate, como no passado, de construções morfológicas, que explicamos como produto ideoplástico. O regresso a Deus só pode significar o despertar, no ser, de todas as qualidades espirituais que aproximam de Deus. Assim se explica por que a evolução, quanto mais se sobe, mais se deve verificar no íntimo, no profundo, onde Deus está em nós. Explica-se, também, por que o caminho da evolução para a raça humana, que já se tornou madura, só pode continuar na forma de sua espiritualização. Isto significa o ser despertar pela conquista de conhecimento e consciência, desenvolver a vida interior, compreender e viver o espírito do Evangelho e, com isto, realizar na Terra o reino de Deus; significa espiritualização, porque a evolução vai da matéria para Deus, que é o espírito; significa desenvolvimento da vida interior, porque Deus é interior, e não exterior ao ser e ao universo.
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Aqui se vão delineando os argumentos racionais, positivos e científicos que demonstram a exatidão de nossa precedente colocação do problema em A Grande Batalha, provando-nos que nosso ponto de vista não foi uma criação arbitrária de teorias, apenas para nos dar razão, mas que elas justificam e confirmam verdadeiramente a nossa interpretação dos fatos que narramos e dos fenômenos trazidos a exame. Assim, também obteremos confirmação da ciência para a nossa tese do valor universal do Evangelho como fator biológico de evolução. O Evangelho insere-se na evolução, acompanhando o seu telefinalismo, com o qual coincide, porquanto é espiritualização. Que mais podemos fazer? Mais não podemos dar, porque mais não temos. Em nossos livros oferecemos todos os meios que o sentimento, o pensamento e a palavra podem oferecer para orientar, e também os dados positivos da ciência. Fazemos isso para cumprir nosso sagrado dever. Aproveite quem quiser, como um salva-vidas, na hora do “salve-se quem puder”. A Lei, que é a vontade de Deus, ordena que seja dado este passo à frente na realização do Evangelho, ou seja, na evolução da vida. A hora está madura, porque o mundo de hoje está espiritualmente em diluição, assim como, no tempo do imperador Constantino, estava o mundo romano, de cujas ruínas nascia o cristianismo. Repitamo-lo para o Evangelho: “In hoc signo vinces2”, para que do desfazimento do mundo de hoje nasça o novo cristianismo do Evangelho, vencendo a grande batalha. Estes livros querem salvar o que pode ser salvo. Mas que podemos oferecer senão conceitos e avisos? Sozinhos, eles não podem ter poder decisivo para refazer o mundo. Seria loucura imaginá-lo. Então a sua maior força não reside apenas nos argumentos escritos, porque o mundo está habituado a zombar dos sermões há muito tempo, como zomba de todas as religiões, do Evangelho e de Deus. A força destes livros, então, baseia-se nos acontecimentos que Deus prepara, aos quais o homem não poderá resistir e dos quais não poderá escapar; acontecimentos históricos que liquidarão o nosso mundo apodrecido, como foi liquidado o império romano. Quando isto tiver ocorrido, os elementos negativos da humanidade, contraproducentes para a evolução, terão sido todos afastados, assim como, pela mesma lei, ocorreu no pequeno episódio narrado3. Então estes escritos adquirirão um valor que o homem de hoje – disposto a 2 3
“Com este sinal venceremos”. (N. do T.) Fato narrado no livro A Grande Batalha.
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aceitá-los ou condená-los apenas conforme sirvam ou não para o seu partido religioso – não pode, com tal forma mental, compreender e demonstra de fato, com tudo isso, não ter compreendido ainda. Se eles fossem apenas obra humana, não se explicaria a sua linguagem. Mas, paralelamente a eles, estão amadurecendo grandes acontecimentos históricos (V. volume Profecias), e a mão de Deus é tremenda, se for necessária a destruição, que é executada sem piedade, quando a operação do corte cirúrgico é imprescindível para salvar a vida do enfermo. ◘ ◘ ◘ A sua velha concepção mecanicista do mundo, segundo a física clássica, a ciência substitui hoje pela física quântica e estatística, em que não mais dominam leis dinâmicas, mas leis estatísticas ou de probabilidade, reguladoras não mais de um caso singular, mas de inumeráveis processos individuais; leis que governam uma multidão de acontecimentos, nos quais o indivíduo desaparece (V. Problemas do Futuro, Cap. XVII – “As ultimas orientações da ciência”). Eis o que nos diz a estrutura atômica da matéria hoje, quando a velha visão do conjunto-observação, que poderia chamar-se macroscópica ou de síntese, é substituída por uma visão analítica da matéria, cuja estrutura foi penetrada com uma observação submicroscópica e intuitivo-matemática. Compreendeuse então que a concepção estática da matéria, como um sólido imutável, era devida apenas à escala de observação usada pelo homem no passado. Verificou-se que, mudando as dimensões da escala de observação, o fenômeno se revela constituído segundo uma natureza diversa. Assim, a física se baseia hoje em resultados gerais de massa, segundo os quais, de uma desordem básica, pode derivar, todavia, uma ordem de conjunto, que nos revela a escala normal de observação, obtida com os meios de nossos sentidos limitados. E é assim que, no grande número, desaparecem as irregularidades individuais em uma regularidade coletiva de conjunto, nas quais se fundamentam as leis vistas pela física clássica. Mas eis que a ciência admite hoje, para a matéria, leis que se baseiam no acaso e na desordem. Mesmo que depois haja compensação, pela revelação das características dominantes de massa, permanece o fato de que, na dimensão submicroscópica da escala de observação, verifica-se a irregularidade de inumeráveis liberdades individuais. Ora, em nosso grande mundo, vemos as formas de existência escalonadas segundo vários planos de desenvolvimento, unidas por um contínuo transformismo no mesmo caminho traçado pelo processo evolutivo, que estabelece sua
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parentela e lhe mantém a unidade. Assim, partindo do mundo inorgânico da matéria, através do dinâmico da energia, chega-se ao mundo orgânico da vida vegetal e animal, no cume da qual, com o homem, desponta o mundo imaterial das ideias e do espírito. Cada um desses mundos, evoluindo, transforma-se por imperceptíveis gradações, infiltrando-se no seguinte. Achamo-nos como que diante da construção de um grande edifício, cujas qualidades e complexidade de estrutura revelam uma sabedoria que aumenta a cada plano. Se a evolução fosse um processo isolado, abandonado a si mesmo, sem os grandes bastidores de forças e de inteligência que a guiam, não se poderia explicar como da pedra se chegou ao gênio. E o fato de que o pensamento faça parte de nosso universo, tanto quanto a matéria e a energia, é algo que não se pode negar e que a ciência não pode deixar de reconhecer cada dia mais. Não basta comprovar o fenômeno da evolução. É indispensável explicar-se as forças determinantes e a sabedoria que a dirige. Aqui está a incógnita que escapa à ciência e que é necessário conhecer, porque ela, sendo a causa de tudo, é a chave do fenômeno da evolução. Matéria e energia sozinhas não são suficientes para explicar a derivação da vida, pois não possuem diante dela o poder de causa determinante. O complexo não pode ser gerado pelo simples, nem o mais pelo menos. Onde estão as causas determinantes do maravilhoso florescimento produzido pela evolução? Olhando desde a matéria inorgânica até o homem que pensa, podemos compreender o tremendo trabalho criador que a evolução deu provas de saber realizar. Para fazer compreender melhor, quisemos aqui recordar qual é a estrutura íntima da matéria. Perguntamos, agora, como pode, de um mundo dirigido pelo acaso, derivar, sem a intervenção de qualquer outro fator, o mundo biológico, onde uma série imensa de fatores, seguindo funcionamentos próprios bem diferentes, aparece não só disciplinada no estado orgânico, mas também orientada segundo um transformismo que arrasta tudo na direção evolutiva, capaz de levar a vida da primeira célula até à complexidade do organismo humano, no qual o cérebro atua em ordem ainda mais complexa, no mundo psíquico e espiritual? As causas desses efeitos não as achamos na matéria. Ela é insuficiente para determiná-los. Onde estão, pois, essas causas? Como pode, de um sistema constituído por movimentos livres dos indivíduos componentes, baseados em leis estatísticas ou de probabilidades, desenvolver-se aquele maravilhoso edifício biológico, em que vemos, no fim, aparecer o pensamento e o espírito?
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Dado o ponto de partida, estatisticamente falando, o fenômeno do surgimento da vida é estranhamente improvável, e o seu desenvolvimento até ao homem é inexplicável. Usando o cálculo das probabilidades, pode-se demonstrar matematicamente a impossibilidade de explicar, apenas com o acaso, o aparecimento espontâneo da vida na Terra. As primeiras células não podiam nascer de uma desordem caótica por uma combinação fortuita de elementos atômicos, mesmo que, dispondo de um tempo ilimitado, fosse possível teoricamente qualquer combinação. Antes de tudo, para a Terra, há limites de tempo, imensamente inferior ao necessário para que tal combinação pudesse ter ocorrido em larga escala. Além disso, as propriedades da célula, muito mais do que uma simples combinação de elementos, implicam uma coordenação de complexidade que jamais poderá resultar do acaso, mas somente de uma direção inteligente. Sem dúvida, foi utilizada matéria prima menos evoluída. Mas isto não significa absolutamente que ela seja a causa do fenômeno. Devemos admitir, ao invés, que a vida não é uma criação da matéria, mas apenas uma manifestação e revelação através da matéria. Igualmente temos de aceitar que o espírito não é uma criação da vida, mas somente uma manifestação e revelação através dela. É inevitável, então, concluir que nem o mundo biológico é o produto gerado pelo mundo físico e dinâmico, nem o mundo psíquico espiritual é um efeito determinado pelo mundo biológico, mas ambos são a expressão de um princípio superior, que utiliza as construções precedentes para delas realizar outras sempre mais complexas e perfeitas, coordenando seus elementos em combinações cada vez mais sábias. Se nada se cria e nada se destrói, e se, do nada, nada se produz, não nos resta senão buscar uma causa para esses efeitos naquele princípio superior. Passando, com a evolução, do mundo físico ao dinâmico, deste ao biológico e, mais acima, ao psíquico e espiritual, assistimos em cada degrau a uma inovação radical, semelhante a uma revolução, onde se manifestam efeitos que as causas existentes nos planos inferiores não contêm e não explicam. A cada salto para frente nasce um mundo novo, dirigido por novos princípios, que são muito mais do que uma simples consequência dos precedentes. Nada se destrói, o velho continua a existir no novo, mas apenas em posição subordinada, como meio e suporte de algo que ele não conhece. Além disso, podemos observar um fato estranho. O plano da vida e do pensamento constituem, em termos de matéria e energia, um mundo de grandeza desprezível, diante daquela grandeza imensa dos astros e planetas e da quanti-
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dade e potência das energias cósmicas. Trata-se de um mundo quantitativamente menor, mas qualitativamente superior. A que causa atribuir essa superação qualitativa? Não, de certo, aos planos inferiores, dos quais ela é justamente uma superação. Nenhuma unidade sozinha pode conter os elementos aptos a produzir a própria superação, que lhe permitam sair das próprias dimensões e elevar-se acima delas. É verdade que, nos planos inferiores, encontramos maior riqueza de quantidade. Mas poderá a quantidade sozinha produzir a qualidade? A evolução parece proceder através de construções em forma de pirâmide, selecionando cada vez mais, quanto mais sobe, os seus elementos e mandando em frente apenas os mais escolhidos. Dessa forma, a evolução consegue fazer qualidade com a quantidade, extraindo-a da massa. Mas, para que isto seja possível, seria necessário que a quantidade contivesse, embora em medida reduzida, a qualidade. Ora, como pode um plano inferior conter as características, completamente diferentes, que individualizam um plano superior? Eis que, quanto mais observamos e raciocinamos, mais somos arrastados para o mesmo ponto. Os fatos e a lógica nos constrangem a aceitar, como explicação de tudo isto, a presença de uma inteligência e poder diretores que preexistem ao fenômeno da evolução e a ele impõem determinado caminho e telefinalismo. Torna-se então explicável essa transformação de potência criadora, compreendendo-a não como uma absurda derivação do mais advinda do menos, mas sim como uma destilação progressiva de valores substanciais, já contidos potencialmente – como uma semente que depois gera a árvore – naquilo que, porque ainda não se desenvolveu, apenas parece menor, mas não é. De onde derivam, então, esses valores substanciais e como podem existir no estado latente, não-manifestado, à espera de desenvolvimento, mesmo nos mais baixos planos da evolução? Para responder, é indispensável ter compreendido a teoria da queda, explicada em nossos dois volumes, Deus e Universo e O Sistema, e o desenvolvimento evolutivo traçado em A Grande Síntese, que se pode definir como a teoria do reerguimento. Nesses livros, está explicada tanto a origem da matéria, devida à queda, corrupção ou involução do espírito, como o seu regresso àquele estado perfeito originário, através do caminho da evolução, que é o processo de reerguimento ou reconstrução do Sistema a partir do Anti-Sistema, sob a direção daquele mesmo Deus que, tirando de si, tinha criado tudo.
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O fenômeno da evolução torna-se, então, bem compreensível, como um caminho de volta, paralelo e inverso ao de ida. Pode-se ver a sua trajetória completa, equilibrada em suas duas fases opostas, uma de descida e outra de subida, saindo do ponto de partida até ao polo oposto e retornando deste, com a recuperação de tudo o que perdeu, até ao ponto de partida. Assim, esse estranho fenômeno do “mais” que nasce do “menos”, pelo qual a qualidade emerge da quantidade e o complexo nasce do mais simples, pode ser explicado, uma vez que esse “mais” não é gerado do “menos” e, assim, a qualidade não o é da quantidade, nem o complexo do simples. A precedente posição de “menos”, como quantidade e simplicidade, não representa a causa do “mais”, como qualidade e complexidade, mas apenas uma fase de diverso grau de desenvolvimento do mesmo processo, que consiste na restituição ao estado atual daquilo que se reduzira ao estado latente. Restituição, ou seja, regresso e reerguimento, porque a involução é uma queda do espírito na matéria, da substância na forma, ao passo que, com a evolução, da matéria reaparece o espírito, da forma emerge e revela-se a substância. Com efeito, esse é o processo evolutivo, cujo significado é subir para retornar a Deus, que é, ao mesmo tempo, ponto de partida e de chegada. Leva-nos tudo isto, fatalmente, ao conceito de telefinalismo, pois ele se torna agora indispensável para podermos compreender e explicar o processo evolutivo, que, como não podemos deixar de admitir, é orientado na direção dessa meta preestabelecida e fatal. Assim, podemos agora explicar, finalmente, o significado e as causas da distinção entre involuído e evoluído, na qual se baseia este volume. Sabemos agora qual é o poder que faz nascer, num plano inferior, os primeiros exemplares de um plano superior. Vemos assim qual a força que preside ao fenômeno, defendendo e salvando, num ambiente ciumento e inimigo, esses tipos biológicos fora da série, assim como todas as exceções isoladas e contrastadas pela massa diferente dos menos evoluídos, contrária a elas. Explica-se dessa maneira como é possível o mais adiantado – portanto mais complexo e com mais dificuldade para sobreviver – vencer a batalha da vida e fixar-se como novo tipo biológico, dando-se desse modo o progresso da evolução. Assim, tudo se explica, mas só por obra de um conceito metafísico que já agora se torna indispensável até mesmo à ciência, pois, enquanto esta não descobrir o lado imponderável do fenômeno, poderá atingir apenas uma visão parcial, insuficiente para compreender o processo evolutivo, que permanecerá um mistério cheio de incógnitas. Ainda que metafísico, trata-
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se, no entanto, de um conceito tão íntimo aos seres – inclusive a nós, humanos – que em todos grita e sabe realmente se fazer compreender e obedecer muito bem, por meio de um instinto irrefreável de melhoria e ascensão, no qual se exprime a grande chamada de Deus a todas as criaturas. ◘ ◘ ◘ Não faltam, todavia, as objeções a essa concepção telefinalística. Mas o fato é que, mesmo parecendo que elas a possam abalar nos pormenores, terminam por confirmá-la nas linhas gerais. Observa-se que, na evolução da vida, a natureza procede por tentativas, e não com a segurança de um plano préorganizado. A técnica da tentativa contrasta completamente com o conceito de telefinalismo e o desmente. Se fosse verdadeiro aquele conceito, a evolução deveria caminhar retilínea e segura. Ao invés, ela avança incerta, como quem não conhece absolutamente o caminho a seguir. Sua tendência a progredir é incerta, como de quem não sabe aonde quer chegar. Ela tende a subir, mas erra, corrige-se, para, toma outra estrada, retrocede, depois recomeça e continua a subir. Muitas formas, inúteis como resultado final, permanecem abandonadas, mortas, nas margens do grande caminho. Por que esses erros, essas tentativas sem êxito? Naufraga com isto o poder do telefinalismo? Mas, se ele vem de Deus, como pode falir em tantos pontos? Vemos que sua sabedoria não está absolutamente presente na evolução, que não conhece nenhum telefinalismo. Ao invés de uma consciência organizadora, dá-nos tudo isto a sensação de um cego à procura de luz, apalpando as paredes de sua prisão para achar a porta de saída em direção a formas de vida menos duras e mais livres. Por que esse esforço de evoluir com risco próprio, expondo-nos a todos os perigos? E o poder diretivo dirige o quê, se fica impassível a olhar? Parece ser fraco, incerto, quase ausente ou, no máximo, presente apenas como um vago e longínquo chamamento, sentida pelo ser como uma ânsia confusa, que só pode realizar-se através de seu esforço mais árduo. No entanto também podemos perguntar quantas coisas já não conseguiu a evolução construir com essa sua precária técnica da tentativa? Em última análise, com suas maravilhosas construções, a vida demonstrou que sabe responder a esse íntimo chamamento telefinalístico. O esforço árduo nos trouxe até aqui, onde nos achamos hoje no caminho da evolução. As dificuldades foram superadas, e a vida triunfou sobre todos os erros e obstáculos, atingindo seus objetivos. Somos levados pelo nosso comodismo a conceber a presença de
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Deus fazendo tudo com seu infinito poder (aliás, isto nada lhe custa), poupando-nos um cansaço que nos custa muito. Mas, ao contrário, a presença de Deus em nós é uma conquista que temos de fazer com esforço próprio, merecendo-a pelo fato de saber subir até Ele. Então esse imperativo telefinalístico não é um elevador dentro do qual nos sentamos para sermos levados para o alto, mas sim uma escada que precisamos subir com as próprias pernas. Não se trata de nos deixarmos arrastar preguiçosamente pela vontade de Deus, mas sim de reconstruir, por meio de nosso trabalho e de acordo com a vontade de Deus, uma perfeição perdida que permaneceu impressa, como recordação e nostalgia, na profundidade do ser, para ser reconquistada. Apesar de toda a miséria da fraqueza e da ignorância dessas tentativas cegas, também vemos nelas a mais profunda sabedoria, que sabe erguer-se e ressurgir de todas as quedas, transformando cada erro e falência numa lição para aprender a subir. Na evolução, vemos agirem as duas forças opostas, a do Anti-Sistema e a do Sistema, que disputam o terreno. A primeira, negativa, para corromper e paralisar a subida; a segunda, positiva, para curar e fazer progredir. A miséria da fraqueza e da ignorância pertence ao ser, que deve subir desde o fundo. A riqueza do poder e da sabedoria pertence a Deus, que o chama e ajuda a subir. Explica-se assim como a técnica da tentativa não destrói absolutamente a presença do telefinalismo na evolução. Se tentativa significa incerteza, também quer dizer tendência para uma finalidade. A presença dessa técnica poderá indicar-nos a imperfeição do método, mas não a ausência de um fim; poderá ligar-se a um telefinalismo difícil de se realizar, porque cheio de obstáculos, mas não à ausência de uma meta. Se caminhamos até aqui, isto significa que existe uma estrada na qual se caminha. A tentativa exprime justamente o esforço para alcançar qualquer coisa. O acaso não tende a nenhum ponto particular, nem faz esforços para atingi-lo. Ele não tem finalidades, não luta por alguma coisa, é imparcial e indiferente. Ao contrário, a evolução manifesta-se – além das paradas e desvios – como o efeito de uma atração lenta e sistemática, que faz movimentar em determinada direção. Apesar da técnica da tentativa, o fenômeno está intimamente autoorientado por um seu impulso animador, que tenazmente o solicita sempre na mesma direção. E eis que as objeções contra a concepção telefinalística a reforçam, ao invés de destruí-la, obrigando-nos a observá-la com exatidão cada vez maior. Continuemos a observar esse grande fenômeno da evolução, para compreender-lhe cada vez mais o significado profundo.
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Já notamos que seu ponto de partida é um mundo de inumeráveis irregularidades individuais, que desaparecem numa regularidade coletiva de conjunto, revelada por leis estatísticas ou de probabilidade. Ora, sozinha, essa ordem de massa, que deriva de uma desordem de base, só pode levar ao nivelamento das diferenças individuais, eliminando o individualismo. No entanto, a evolução tende, ao contrário, à diferenciação, ao assimétrico, à distinção por formas definidas e à coordenação dos elementos componentes. Eis que o princípio de base é invertido. Então o cálculo das probabilidades prova a impossibilidade prática de atingir, com aquele sistema de desordem básica e de ordem de massa, uma sucessão de fatos cada vez mais assimétricos e irregulares. E, na biologia, os tipos conservados são exatamente aqueles constituídos pela maior complexidade e assimetria, justamente aqueles que, apesar de mais improváveis estatisticamente, são, em contrapartida, os mais avançados em direção à meta. É verdade que, nas sociedades de unidades biológicas, as leis estatísticas tornam a regular os maiores acontecimentos da coletividade. Mas isto é um efeito resultante de outros impulsos determinantes, a serviço da evolução, e não uma causa suficiente para determinar desde o início e nos explicar sua constante direção progressiva, tão tenazmente orientada, que, apesar de todas as falências, chega ao homem e ao mundo do espírito. Do ponto de partida ao de chegada, da monera ao homem, existe um crescimento sistemático de complexidade e uma contínua conquista de qualidades superiores. Se isto acontece por tentativas, não se pode negar que estas se movimentaram sempre em uma direção determinada, para um objetivo determinado, sem o que não se explicam os resultados finais, obtidos com a formação do homem pensante. Se aceitarmos como procedente o princípio do acaso, ou seja, a ação dos fatores da adaptação e seleção, jamais poderemos explicar como esses fatores se orientaram, em média, justamente para a construção de uma forma que é a mais improvável estatisticamente. O que não se pode negar é o fato de ter havido uma tendência prévia a evoluir em dado sentido, em obediência a um forte chamamento. Evidentemente era necessária a ação de um poder bem grande, embora escondido e latente, para, das estradas do mundo inorgânico da matéria, conduzir a nossa existência aos tão diferentes caminhos do mundo orgânico da vida. O primeiro não possuía os elementos que o tornassem capaz de fazer, sozinho, um salto tão grande. A revolução a realizar era grande demais, a ponte sobre o abismo era
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muito longa e a encosta a subir era muito íngreme, para que o milagre pudesse ocorrer apenas com as leis e os recursos do mundo inorgânico. Mas outros fatos existem ainda. Em A Grande Síntese (Cap. XLVIII – “Série Evolutiva das Espécies Dinâmicas”) e também no volume A Nova Civilização do Terceiro Milênio (Cap. XXV – “O Dualismo Universal Fenomênico”), já falamos do fenômeno da entropia, pelo qual se verifica, no universo dinâmico, a tendência à quietude final no nivelamento. A entropia se manifesta como um fenômeno de cansaço no dinamismo universal, que culmina na uniformidade, pela completa exaustão atingida por todas as diferenças. Este deveria ser o fim natural do universo inorgânico, segundo suas leis, se ele fosse somente isso. Com a entropia, ele tende a nivelar as desigualdades, a cancelar os valores, caminhando para uma distribuição cada vez mais simétrica da energia, ou seja, para a diminuição e a supressão das dessimetrias. No entanto eis que, neste ponto da evolução, aparece um mundo novo, dado pelo plano orgânico da vida vegetal e animal, orientado em outras direções, regido por outras leis e por outro tipo de dinamismo. Este, de forma diferente da entropia, é constituído por um princípio segundo o qual, no fenômeno vida, ao invés de uma diminuição, verificamos um incremento das dessimetrias; ao invés de uma tendência a nivelar as desigualdades e cancelar valores, verificamos uma tendência a acentuar as desigualdades, criando valores, diferenças e complicações. Eis que a evolução se coloca numa estrada diversa, que leva não ao nivelamento dinâmico, mas ao surgimento de individuações autônomas, que se tornam senhoras do movimento e o utilizam livremente para as próprias finalidades. Assistimos, assim, a um fato rico de profunda significação. Acima do universo físico, que tende à sua liquidação, aparece, quase como uma compensação e com seu desenvolvimento tendendo a uma direção e forma diferentes, o universo da vida. Os dois fenômenos parecem ligados por complementaridade, além de sê-lo por continuação. A vida, como dizíamos acima, pode parecer um acontecimento quantitativamente secundário, desprezível em razão da pequena quantidade de matéria e energia que usa, no entanto se nos apresenta como a herdeira da degradação do mundo físico e dinâmico, que ela vence por uma superioridade qualitativa. Paralelamente ao seu desaparecimento nos planos inferiores, parece que o universo quer reconstruir-se em outra forma, mais acima. Então, cada plano de existência seria primeiro utilizado para derivar-se dele, por evolução, o plano superior e, após, como suporte deste, para fazê-lo
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desenvolver-se, sendo depois abandonado e eliminado, logo que o ser mais avançado se tenha tornado independente. Este é o modo pelo qual todo o AntiSistema acaba transformando-se em Sistema. É assim que o dinamismo, partindo de sua imensa massa de energias cósmicas, torna-se mais exíguo, embora de qualidade superior, pois ele, nesse ponto da evolução, não regula mais os astros, mas sim a vida, que, pela complexidade de movimentos, é fenômeno muito mais evoluído. Dirigido agora pela inteligência, coordenado com os objetivos desta e dominado por ela, este dinamismo liberta-se, assim, do determinismo que lhe era próprio nos planos inferiores. Com essa conquista de autonomia de movimento, livra-se cada vez mais da escravidão daquela constrição e, conquistando sempre mais liberdade e consciência, torna-se apto ao trabalho – agora bem diferente – de construir a vida. Dos átomos aos astros, a matéria e a energia representam movimentos poderosos e velozes. Mas átomos e astros não os dirigem, e sim os sofrem. Manifesta-se a evolução como uma conquista individual de independência de movimento, como uma libertação do determinismo das leis dinâmicas e daquilo que aparece como imobilidade da matéria. Na passagem da matéria à energia, assistimos a uma primeira libertação do movimento fechado nas trajetórias circulares do átomo, que assim se expandem por transmissão ondulatória. Neste ponto da evolução, o mundo inorgânico da matéria, alcançando a fase energia, abriu e quebrou, impelido pelo íntimo impulso ascensional, os sistemas atômicos fechados em si mesmos, deles lançando – livre nos espaços e em forma de onda – o dinamismo. Trata-se, contudo, apenas de libertar-se da trajetória fechada, projetando-se em todas direções, e não de superar o determinismo das leis da matéria, porque a energia ainda não conquistou nenhum domínio sobre o próprio movimento, nem possui liberdade para dirigi-lo. Tal como a matéria, a energia deve obedecer cegamente à sua lei, mesmo que isto se passe de forma diversa, já que o movimento não está mais fechado em si mesmo. É nessa altura da subida que intervém o impulso telefinalístico. Como já o dissemos, abandonado a si mesmo e seguindo o seu caminho, o mundo dinâmico chegaria a uma ordem final sua, na qual, atingido o completo nivelamento das diferenças energéticas, seria alcançado o zero absoluto dinâmico, que é a anulação do movimento numa estase final, onde, no equilíbrio atingido pela entropia, cessam todas as manifestações energéticas de nosso universo. Mas a
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evolução não se deixa arrastar por essa estrada, que seria a consequência lógica das causas presentes no fenômeno. Ao contrário, introduz nele outras novas, inéditas, desviando-o para seus fins, que são completamente diferentes. Assim, a vida se inicia, e a subida toma outra direção. Aquele movimento, que tende a anular-se de um lado, reaparece sob forma diversa do outro. Na irritabilidade da célula, primeira forma de vida, aparece um início de conquista do movimento de forma autônoma. Trata-se de movimentos mínimos e lentos (se comparados àqueles de um meteorito), mas que já dependem da vontade do sujeito. Os movimentos precedentes continuam a girar cegos no íntimo dos átomos componentes, mas são tomados numa escala maior, em movimentos dos quais o ser não é mais efeito, como na matéria, mas sim a causa, como na vida. Começa então, com a evolução, uma espécie de luta para libertar-se das leis físicas. As árvores se erguem, vencendo as leis da gravidade; os animais conquistam, por terra, água e ar, meios independentes de locomoção, adaptando à sua vontade as leis físicas, para utilidade própria. Assim como antes se pensava na descoberta das Américas, agora se pensa nas viagens interplanetárias. Deste modo, em realizações cada vez mais poderosas, manifesta-se aquele impulso de libertação, que leva o ser a se apoderar do movimento para a conquista do espaço. Este é assim cada vez mais dominado, até que, chegando a evolução à fase pensamento e espírito, a dimensão espacial será superada definitivamente pela dimensão tempo, e, além delas, outras superiores serão atingidas. Então, livre da matéria, o espírito poderá gozar, sem esforço, de um movimento próprio gratuito e ilimitado, semelhante ao dos corpos celestes, mas com a diferença de não ser, como estes, apenas um escravo cego do movimento, mas sim senhor consciente. Assim, nada sucumbe ao natural cansaço e envelhecimento do fenômeno, pois, continuamente regenerado por novos impulsos evolutivos, tudo sobrevive, mas de forma qualitativamente destilada, em que se manifesta a evolução. O velho é superado, mas só para dar lugar a um novo melhor. Com isto, não só a inferioridade do passado é vencida, mas sua fraqueza também se fortifica cada vez mais, garantindo a sobrevivência do ser ao defendê-lo e torná-lo mais poderoso em relação à caducidade, tanto mais quanto mais avançada for sua posição na escala da evolução. Será possível assim chegar a um estado em que, por ter o caminho evolutivo de desmaterialização levado o ser até ao plano espiritual, a vida não terá mais necessidade do suporte físico para existir. Ela perderá então as carências e imperfeições devidas ao seu estado involuído,
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libertando-se dos males inerentes à matéria, inclusive a morte, e o ser poderá continuar a existir sem necessitar mais do sustento dos corpos planetários em que se apoia, tornando-se assim independente das sortes do mundo físico, mesmo se essa forma da substância não tiver sido ainda eliminada de todo pela evolução. Então a entropia, que parece nutrir-se como um parasita do esgotamento do universo, só destrói deste, de fato, um modo de existir, e não a substância, que continua indestrutível para evoluir em outras formas. Em outros termos, com a entropia, o movimento tende a extinguir-se apenas em sua forma inferior, passiva e determinística – na qual ele é aceito fatalmente e seguido inconscientemente – para transformar-se num movimento de forma superior, ativa e livre, em que ele é desejado e guiado pelo ser. É bem evidente a imensa distância que separa os dois fenômenos. O primeiro tipo de movimento pode ser representado por um meteorito, planeta ou astro lançado no espaço, submetido cegamente às leis determinísticas do mundo físico e dinâmico, enquanto o segundo tipo de movimento pode ser realizado por uma espaçonave, dirigida pela vontade de um ser inteligente. Quanto dinamismo existe também no primeiro caso, muito mais poderoso quantitativamente, mas quão inferior é ele em qualidade! Pode compreender-se, assim, por que os modernos progressos científicos e técnicos têm um significado biológico. Com o domínio do movimento, eles levam a vida à superação das dimensões de espaço e tempo, inerentes ao mundo físico. E ao levá-la a transpor aquele estágio evolutivo, libertando-a desses limites, permitem que ela possa entrar numa fase mais adiantada, a do espírito.
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VII. O FUTURO DO HOMEM Comprova-se que a evolução vai para a espiritualização. O espírito não é criação da vida, mas revelação através da vida. Tudo caminha para Deus, que é Espírito. A escada de Jacó. As construções psíquicoespirituais da biologia do futuro. Do inferno ao paraíso (passado e futuro). A moral e a evolução. A vida dirigida pela Providência. O esforço do homem e a ajuda de Deus. A evolução, por uma atração íntima, caminha para Ele, como o rio para o mar. O futuro do homem e da vida. Os sistemas planetários, seu apoio. Matéria, energia e vida, para o mesmo telefinalismo. A vida desmaterializada, sem mais sustento planetário. Até aqui, quisemos penetrar nas causas e na estrutura do fenômeno da evolução, para compreender sua substância. Foi-nos assim revelado que, guiando todo o processo, existe um telefinalismo que o dirige. Parece-nos agora suficientemente provado que a evolução é um fenômeno pré-ordenado, nunca abandonado ao acaso, mas sempre dirigido por uma inteligência e vontade para determinados fins preestabelecidos. Faz-se necessário agora esclarecer qual é esta direção, provando o que já afirmamos muitas vezes, ou seja, que ela é dada pela espiritualização do ser. E como poderia ser de outra forma, se o processo da evolução é – como o demonstramos em outros volumes – justamente o regresso do Anti-Sistema ao Sistema, o que significa caminhar da matéria para o espírito? Esse é o sentido de desenvolvimento do fenômeno da evolução, que é uma superação contínua de dimensões, consistindo num processo de desmaterialização e espiritualização. Se tudo, em seu caminho ascensional, caminha na direção de Deus, única meta universal, e se Deus só pode ser espírito, o telefinalismo da evolução só pode significar espiritualização. Uma vez que Deus é espírito e o Anti-Sistema – no qual ruiu o Sistema – é dado pela matéria, então a evolução, que vai deste àquele estado da substância, não pode caminhar senão para o espírito. Ora, a biologia concebe, até hoje, a evolução num sentido materialista, compreendendo-a como um processo de transformismo morfológico, sem ver suas causas profundas nem o telefinalismo para o qual estas fazem o fenômeno caminhar. Na verdade, apresentar para esta ciência uma continuação da evolução no sentido da espiritualização representa uma novidade tão grande, que parece uma revolução biológica dificilmente admissível. Mas a própria evolu-
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ção só caminhou até hoje por meio de revoluções. Assim sendo, não farão elas também parte de seu método de transformismo? Não é novidade que este, após longas e lentas maturações, chegando em curvas decisivas, precipita-se para novos estados, cuja natureza parece distante demais dos precedentes para se poder aceitar que aqueles sejam a continuação destes. Não é a primeira vez que a evolução dá saltos semelhantes para frente. E, em cada um deles, vemos nascer um mundo regido por novos princípios. Por que não deveria agora a evolução, chegando a este ponto, realizar esta nova transformação, que, relativamente, não representa um desvio maior do que os já realizados no passado? Por que justamente agora, ao chegar diante da espiritualização do homem, deveria a evolução mudar de método e fazer uma exceção, detendo a sua marcha? Já observamos a técnica íntima com que se desenvolvem essas revoluções. E elas agora, após termos visto o princípio determinante da evolução, que a anima e a guia, ficam logicamente explicadas e compreensíveis. Não é necessário que, no estágio inferior da evolução, sejam visíveis as causas de seu futuro desenvolvimento, porque estão sempre em ato causas mais profundas, suficientes para provocar o deslocamento para um plano superior. São elas que impelem todo o processo evolutivo para frente, em direção ao seu fatal telefinalismo. Assim como da matéria e da energia nasceu a vida, mesmo que elas sozinhas sejam insuficientes para gerá-la, também da vida poderá nascer o espírito, ainda que ela sozinha seja insuficiente para produzi-lo. E a lógica disso fica ainda mais evidente, quando se sabe que o caminho de toda a evolução vai da matéria ao espírito, ou seja, que a meta final a ser fatalmente atingida por todo o processo da evolução é o espírito. Assim como a evolução utilizou as precedentes construções de matéria e energia para chegar à vida, é lógico que também aconteça de forma semelhante com o espírito, e a evolução, para alcançálo, utilize as precedentes construções de matéria, energia e vida. Não há outra forma de se construir um edifício, senão por sucessivos planos superpostos. Já explicamos como se verifica esse estranho fenômeno do “mais” que nasce do “menos” e, agora, podemos compreender como se realiza, por evolução, esse processo de espiritualização da vida. O espírito, repetimos, não é uma criação da vida, mas uma revelação através dela daquilo que já existia no Sistema antes da queda e agora simplesmente reaparece. Não é a vida que cria o espírito, mas é o viver que, através da experiência, permite despertá-lo do seu estado latente, ainda não revelado naquela fase de evolução e, muito menos,
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nos planos abaixo dela. Portanto a vida não é um trabalho inútil, sem objetivo, fim de si mesma, que se esgota apenas com seu funcionamento, sem nada produzir, mas sim um meio para atingir conquistas mais altas, como acontece sempre a cada passo do processo evolutivo. Assim como o plano da matéria gerou e sustenta o da energia e como o plano da energia gerou e sustenta o da vida, também o plano da vida gera e sustenta o do espírito. Vemos verificar-se aqui o mesmo fenômeno que comprovamos nos casos precedentes, na passagem de um plano inferior ao superior, pelo qual a quantidade se destila na qualidade. Assim, neste caso, o poder diretor da evolução consegue extrair da vida os valores substanciais do funcionamento biológico, que estão na inteligência e no espírito. Desse modo será possível fixar-se na raça humana um novo biótipo, que será o evoluído sensibilizado, psicológica e espiritualmente desenvolvido. Tudo isto é lógico, sem dúvida. Mas estas afirmações estão em contraste estridente com a realidade do mundo de hoje, diante das quais elas podem parecer otimismo leviano. A humanidade parece caminhar precisamente pela estrada oposta. Àquelas afirmações caberia objetar-se que não se pode impedir que a luta pela vida, num sistema livre, leve a inteligência a se desenvolver – pelo contrário – no sentido da esperteza e do abuso. E é justamente isto que, hoje, está acontecendo no mundo. O homem é livre para desenvolver a inteligência, mesmo na direção do mal, tanto mais porque isto lhe poderá aparecer falsamente como um vantajoso atalho para chegar primeiro à vitória. Mas como, então, vai o homem para a espiritualização, que inicialmente deve ser consciência da Lei, para disciplinadamente enquadrar-se em sua ordem? Em primeiro lugar, o momento atual é apenas um encrespamento na superfície de uma das grandes ondas da evolução, e poderá desaparecer entre os movimentos de alcance muito mais amplo. Virão reações e corretivos para tornar a pôr a vida humana em seu justo caminho. Em segundo lugar, justifica-se o fenômeno com a técnica da tentativa, que a evolução costuma usar, como vimos. Isto significa que a humanidade é totalmente livre para seguir esse caminho, ou seja, desenvolver a inteligência em direção ao mal, em vez de dirigi-la para o bem. Pode fazê-lo, mas a seu risco e perigo. Contudo o passado da evolução nos mostra que ela, depois, abandonou ao extermínio essas tentativas erradas, que não correspondem ao telefinalismo que ela quer atingir. Ao homem pertencerá um futuro mais elevado, quando se mostrar digno dele. Mas não é impossível o caso de uma humanidade que,
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teimosamente querendo desenvolver-se às avessas, descendo pelas estradas do mal, ao invés de subir pelas do bem, seja liquidada, justamente pelo fato de se rebelar contra o princípio fundamental da evolução, que é subir para Deus, e não descer ao polo oposto. Neste caso, não faltam outras formas de vida e modelos biológicos atualmente concorrentes, prontos a substituir o homem em sua posição biológica, se este quisesse obstinadamente engolfar-se num erro decisivo. E o pior seria exatamente isto: querer revoltar-se, tentando derrubar a Lei, querendo ir em sentido contrário ao estabelecido por ela. Renovar-se-ia assim o processo da queda, filha da revolta, da qual só pode nascer involução. A raça humana regrediria automaticamente, em proporção à revolta desejada por ela. O desenvolvimento da inteligência, se não for torcido por má vontade, deve levar, pelo contrário, à consciência da Lei e à obediência na ordem, e não, portanto, à revolta. O desastre ocorreria se a humanidade inteira estivesse estragada. Mas não o está totalmente. Assim é mais fácil que a vida resolva o problema por meio de uma separação ou depuração, afastando do ambiente terrestre só a parte que, com a revolta, gerou as causas de seu retrocesso. O certo é que o impulso fundamental da vida para atingir o seu telefinalismo cedo ou tarde, por um caminho ou por outro, imporá a sua vitória. E se esse telefinalismo significa espiritualização, a fase vida terá fatalmente que desembocar na fase espírito. A evolução tem um caminho traçado e não pode sair dele. E a humanidade, mesmo que possa permitir-se temporárias digressões, terá de seguir, nas linhas gerais, a direção própria da evolução, assumindo estados cada vez mais dinâmicos, livres da forma e do determinismo da matéria. Isto também é imposto pela necessidade lógica, implícita no transformismo, de substituir aquela sua contínua decadência que lhe é própria com a continuação da existência em uma nova forma, pela qual o inferior deve ser abandonado e o passado superado. Se não quisermos que tudo acabe, é necessário que essa caducidade universal do ser seja compensada com uma correspondente criação contínua reconstrutora. Só o equilíbrio entre os dois impulsos opostos, o destruidor e o reconstrutor, pode permitir que eles sejam canalizados no caminho do transformismo e, assim, disciplinados como instrumentos da evolução. Se o primeiro impulso não fosse continuamente corrigido pelo segundo, a vitória seria do poder negativo, que leva à dissolução, e isto, além da absurda destruição da substância, cujas formas se sucedem subindo, constituiria, com o fim de tudo, a falência da obra de Deus.
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Eis então, que, automaticamente, pelo princípio da indestrutibilidade da substância, a destruição do universo, manifestada na forma do plano físico, implica a gênese do universo no plano espiritual. Não há razão para que não continue verdadeiro, também neste nível, o princípio geral que vemos dominar em toda a evolução, pelo qual, se nada se cria e nada se destrói, mas tudo se transforma, a cada morte só pode seguir-se outra forma de existência. E o que estabelece a natureza dessa forma só pode ser no sentido em que caminha toda a evolução, direção que agora conhecemos. Tudo morre e tudo renasce. Desse modo, tudo se transforma, mas não ao acaso, e sim seguindo um caminho preestabelecido por uma inteligência que bem sabe aonde vai. Sobe-se, dessa forma, por uma escada em que cada degrau é um ponto de chegada e, ao mesmo tempo, um ponto de partida. Os seres que estão ao longo da escada podem ocupar níveis diferentes, adiantar-se, deter-se e até retroceder, mas não podem mudar o traçado estabelecido por ela. Assim, podemos compreender a imagem bíblica da escada de Jacó como uma intuição do processo evolutivo. Os seres se encontram escalonados em varias alturas, enquanto Deus os aguarda em cima. Isto corresponde perfeitamente à concepção da existência em planos superpostos, sendo que a inferior desemboca na superior. Cada plano representa uma etapa do transformismo na qual a evolução faz uma parada. Esta é a razão pela qual cada plano é dirigido por uma lei diferente, que lhe é própria, justamente porque representa uma forma diversa de existência, na medida em que se acha situada a maior ou menor distância da meta final: Deus. Ao subir cada novo degrau, acontece como se o ser saísse do sistema precedente para entrar em outro, assumindo um novo endereço no processo evolutivo, mas sempre seguindo a mesma estrada, que o leva à meta. Podemos agora explicar tudo o que dissemos nesta obra. Compreendemos então como, por evolução, a lei da luta pela seleção do mais forte, própria ao plano animal-humano, desaparecerá e será substituída pela lei que leva à seleção do mais justo e inteligente. Entende-se desta maneira a razão pela qual podemos ver no Evangelho a verdade biológica que dirigirá a vida do homem civilizado do futuro. Se o poder do impulso telefinalístico da evolução soube guiá-la até aqui, operando a transformação da matéria em energia e desta em vida, não lhe faltará certamente um modo de continuar o mesmo trabalho, transformando o mundo biológico no espiritual. O Evangelho é apenas a lei deste plano superior da vida. ◘ ◘ ◘
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Que nos reserva o ilimitado futuro? Já tendo caminhado tanto no passado, até onde poderá a evolução levar o homem? Agora, após termos esclarecido suficientemente que a direção imposta à evolução pelo telefinalismo é precisamente a espiritualização, possuímos elementos para responder a essas perguntas e concluir este assunto, explicando cada vez mais e confirmando tudo o que acima dissemos. Que existe no universo também o elemento pensamento é fato que não se pode negar. Os astros e planetas constituem o corpo físico deste universo, enquanto a alma é representada por Deus, assim como o esqueleto e a carne constituem nosso corpo físico, cuja alma é o nosso eu. E o dinamismo radiante move o universo físico, dirigido pela Lei, que representa o pensamento e a vontade de Deus, assim como o sistema nervoso, que é dirigido pelo pensamento e vontade do nosso eu, move o nosso corpo. O funcionamento e a evolução do universo nos provam a presença do pensamento nele. Ora, o nosso futuro é representado justamente pelo desenvolvimento desse pensamento. Hoje o homem está apenas nos primeiros passos nesse caminho, tanto que não lhe é fácil conceber quais serão os seus futuros desenvolvimentos nesse sentido. A biologia do futuro compreenderá uma nova forma de evolução, que substituirá essa fisiológico-morfológica, para se tornar cada vez mais nervosa, psíquica, espiritual. Então, a vida se concentrará em uma construção sua diferente, que se dirigirá para a conquista do conhecimento e da ética, dos valores espirituais e sociais, das grandes ideias abstratas e sintéticas. O tipo precedente de evolução tendia a uma perfeição mecânica do corpo. Mas, para cada perfeição, existe um limite natural de desenvolvimento, que é atingido quando se chega ao rendimento máximo e ao resultado melhor, utilizando o meio mínimo. Então aquela perfeição mecânica se detém, porque não é mais susceptível de progresso como tal, e, para continuar avançando, deve transformar-se em qualquer outra coisa. Fisicamente, pouco mais tem o homem a construir. Não é nesta forma, na qual progrediu bastante, que sua evolução poderá encontrar um futuro. Não é no plano físico, do qual já foi percorrida e superada a amplitude total e se esgotaram todas as possibilidades, que o homem pode continuar a avançar. Com o Evangelho e a ciência, já se iniciou nas religiões e no desenvolvimento do pensamento essa nova forma de evolução. Ela gerará um novo biótipo: o homem moral, dotado de instinto ético. A nova construção está apenas iniciando. O sentido moral – que disciplina a própria conduta, em função de princípios
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mais altos do que a imediata satisfação da utilidade individual – é completamente desconhecido nos planos inferiores de existência, nos quais a vida ainda não chegou ao estado orgânico social humano. Desse novo sentido, a humanidade está esboçando as primeiras formações. Ele é indispensável para se poder atingir, substituindo-se o caos pela ordem, a pacífica convivência nas grandes coletividades sociais do futuro. Se a evolução quiser continuar através de seu mais alto produto, que é o homem, terá de continuar justamente através das mais altas qualidades dele, que são as psíquico-espirituais. Para uma evolução que, conforme vimos, já se encaminhou pela estrada da especialização psíquica, é absurdo que o progresso biológico se volte exclusivamente ao sistema do passado, dedicando-se à construção de órgãos que revolucionem a estrutura anatômica no plano físico. O homem físico representa, como aperfeiçoamento da forma, um ponto de chegada da evolução orgânica em nosso planeta. Porém, agora, não é mais anatomicamente que os mais evoluídos diferem dos menos, e sim por suas qualidades intelectuais e morais. O médico vê e cura o mesmo corpo no delinquente ou no selvagem, como no gênio ou no santo. Os homens hoje se diferenciam, mais do que pelo corpo, pela personalidade, que é agora a verdadeira base das distinções sociais. Embora apenas teoricamente, as qualidades mentais e morais já começam a ser mais valorizadas que as físicas. O homem, na verdade, é o resultado muito mais de outras finalidades do que as estabelecidas apenas pelo seu organismo corpóreo. O homem futuro não será um animal forte, nem um astuto lutador, mas um cidadão consciente do universo. A humanidade já procurou responder as perguntas que agora fizemos a nós mesmos. Ela possui de formas diversas, nas várias religiões, a ideia do inferno e do paraíso. Ora, conceitos tão universais como essas ideias, predominantes no mundo, não podem ter nascido do nada, sem corresponder a uma realidade profunda, que as tenha gerado. Se essas ideias existem de forma tão difundida, devem exprimir algo de fundamental na vida. Não podemos explicar a sua presença impressa na alma humana, quase como um instinto, senão como uma lembrança do passado e um pressentimento do futuro. Referimos acima, rapidamente, esses conceitos que aqui desenvolvemos. Estas ideias não apareceram no mundo por acaso, fruto de fantasia ou por vontade de chefes religiosos, mas fazem parte do desenvolvimento da vida, assumindo um significado biológico.
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A ideia de paraíso exprime justamente o estado para o qual a evolução levará o homem no futuro. Isto confirma tudo o que dissemos, porque já vemos existir nas religiões o conceito do telefinalismo, que, segundo elas nos mostram, consiste exatamente na espiritualização. Se o inferno é matéria, o paraíso é espírito, e o atingimos fazendo da vida um processo evolutivo de purificação, que consiste em nos espiritualizarmos. Isto nos é ensinado pelas religiões, que demonstram assim admitir, elas também, a nossa tese do telefinalismo no processo evolutivo. A evolução se dirige do inferno, que exprime o passado involuído e bestial, cujo limite extremo é o Anti-Sistema, ao paraíso, que exprime o futuro evoluído e angélico, cujo limite extremo é o Sistema. Inferno e paraíso indicam os dois polos do processo involutivo-evolutivo, ou seja, Satanás e Deus. Por isso o inferno é situado em baixo, na fase de maior involução (matéria) e o paraíso no céu, na fase de maior evolução (espírito). O inferno é constituído, então, pela aterradora lembrança, que ficou impressa no subconsciente, daquele nosso estado feroz animal e dos sofrimentos a ele ligados, sendo os demônios apenas as forças e criaturas inimigas que nos fizeram sofrer. O mesmo que pudemos dizer do Evangelho, considerando-o como antecipação da lei que regulará a humanidade civilizada do futuro, podemos agora dizer destas ideias de inferno e paraíso, ou seja, que isto não tem apenas um sentido religioso, puro objeto de fé, mas também um outro, mais profundo, constituindo um fato biológico positivo, que se impõe racionalmente à ciência. O subconsciente humano registrou este passado, tão duramente vivido, e agora no-lo restitui com as impressões que ele gerou, nesta forma de instintivo terror. De fato, é nesse passado biológico involuído que são buscadas as figuras demoníacas, das quais se julga povoado o inferno, reconstruindo-se o ambiente em que elas se movem. Os diabos são, com efeito, seres extremamente involuídos, monstros pré-humanos, com pelo, rabo, garras, chifres e presas, tal como os animais – seres ferozes, capazes de todas as crueldades. O ambiente, por sua vez, é de natureza vulcânica, com fogo e enxofre, agitado por conturbações telúricas e atormentado por chuvas incandescentes. Mas este era apenas o estado do homem primitivo, indefeso, a mercê das feras e dos fenômenos naturais, num planeta que ainda era teatro de desencadeamento caótico de forças primitivas. A Terra, situada em baixo, campo de tantas lutas, continha muitos perigos de morte. Do céu, no alto, vinham luz e calor, trazendo a vida. Em baixo, dor;
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em cima, alegria. A passagem do primeiro ao segundo nível de altura forneceu a imagem, formando a ideia da subida que se eleva do inferno ao paraíso. Assim a evolução foi concebida como um processo de redenção, que significa libertação da matéria baixa e suas dores, para conquistar a felicidade do céu. Pensou-se no inferno como em algo que deve estar situado em baixo, fechado nas tenebrosas e incendiadas vísceras da terra, enquanto se concebeu o paraíso situado no alto, povoado de seres livres e alados, nos luminosos espaços do céu. Quisemos compreender a gênese dessas formas mentais e seu significado diante da realidade biológica, não para diminuir sua importância no terreno religioso, mas, ao contrário, para lhes dar, de forma racional positiva, uma confirmação de significado e valor científico. Assim, uma fase de desenvolvimento ou plano de vida se liga ao outro como uma consequência lógica. O paraíso pressupõe o inferno como seu ponto de partida; o inferno pressupõe o paraíso como o seu ponto de chegada. Tudo isto corresponde exatamente à teoria da queda e da subida, segundo a visão expressa nos volumes Deus e Universo e O Sistema. O paraíso representa o estado futuro, que constitui, de tantas formas diferentes, a grande esperança do homem, estado no qual se realizarão todas as aspirações que fervem na profundidade de seu irresistível instinto de subir. Só o fato de que tudo caminha nessa direção pode dar bom e justo significado à dor, conforto a tanta luta e um amanhã melhor à vida. Somente assim podem ser dadas à moral sólidas bases biológicas, estabelecidas pelas normas que regem a vida, nas quais se exprime a Lei, representando o pensamento de Deus na direção do funcionamento do universo. Se seguirmos essas normas, obedecendo àquela Lei, evoluiremos, ou seja, nos redimiremos do horrível passado em que caímos e, num maravilhoso futuro, reencontraremos a felicidade. Assim, o conceito de dever e as normas de conduta humana passam a fazer parte integrante do processo evolutivo, assumindo um valor biológico positivo. Desse modo, podem ser dadas bases racionais à moral, de forma que ela seja reconhecida pela ciência como fator que se enxerta no fenômeno da vida e é determinante de sua evolução. Então, a revolta contra a ordem, a desobediência às normas da ética, significa caminho de descida, com todas as dolorosas consequências que a involução implica. Disto deriva o reconhecimento da importância positiva das religiões como guia da conduta humana, importância que, assim, nem sequer a ciência pode desconhecer. As concepções da fé e da ciência, ao invés de se chocarem, fundem-se,
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explicam-se e se sustentam mutuamente. Fazer o bem ou o mal significa sintonizar com determinados ambientes, que por isso se tornam nossos, e deles acabaremos participando para gozar ou sofrer, consoante nossas obras. Chega-se a uma moral biológica positiva, racionalmente demonstrada, solidamente baseada nos princípios que regem a vida. Já explicamos bastante o sentido e a importância da evolução. Ora, é essa moral positiva que nos dita as normas para realizarmos o nosso trabalho, ensinando-nos a arte de evoluir, para atingir aquele radioso futuro que nos aguarda. Procuraremos, nas páginas seguintes, delinear brevemente o conteúdo dessa moral, que representa o caminho para atingir aquele telefinalismo da evolução: a espiritualização. ◘ ◘ ◘ Dirigida pelas forças superiores, mas, ao mesmo tempo, permanecendo como que abandonada a si mesma, a evolução é um fenômeno complexo. Se os destinos da vida tivessem sido confiados apenas aos próprios recursos, ela, uma vez iniciada, só teria sabido realizar uma multiplicação de seres, e não sua transformação no sentido do aperfeiçoamento. Sem a intervenção de outros impulsos, que a vida por si mesma não possui, não se explica como ela pôde ter realizado um caminho ascensional. E não se pode negar que, embora partindo do caos, nos achamos diante do milagre – mas fato consumado – da construção já alcançada pela vida até agora, culminando no homem. Não se pode ignorar que isto é igualmente produto de um grande esforço do ser, cuja subida não podia ser gratuita. Mas também não podemos esquecer que esse esforço realizado, necessário para o ser evoluir, teria sido vão, se não tivesse encontrado preparados os pontos para os quais se dirigir e todos os elementos necessários para alcançar a meta estabelecida, e se perderia no caos, em vez de se canalizar ao longo desse processo particular que chamamos evolução. Assim, ao lado do esforço necessário para subir, é mister reconhecer a presença de uma providência que, paralelamente, forneceu todos os elementos indispensáveis para possibilitar a realização da subida, preparando-os com antecedência e disponibilizando-os no ambiente, para poderem ser utilizados pelo ser através do esforço dele. O acaso não pode ter pré-organizado tantas condições necessárias para o desenvolvimento da vida: formação de planetas, irradiação solar, presença e adequada composição química de uma atmosfera, umidade, oceanos, terras emersas, calor, luz, substâncias utilizáveis prontas no ambiente, tudo dosado para que a vida fosse aí possível, dado que qualquer excesso ou deficiência a
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teria destruído. No princípio, tudo era um caos, e dele nasceu uma ordem maravilhosa, sendo construído, por planos, o edifício biológico que agora vemos funcionar e ao mesmo tempo evoluir, formando um organismo composto de partes comunicantes, todas vivendo através da troca entre si do material de nutrição, combinando-se e fundindo-se numa só vida. O acaso não pode ter, de maneira alguma, pré-organizado tudo isso, e muito menos tornado possível sua utilização para chegar a saber como produzir o milagre da inteligência humana. Sem dúvida, era necessário o esforço do ser, mas também era necessário encontrar pronto e acessível tudo quanto fosse indispensável para realizar seu trabalho. Se tivesse faltado uma só condição, seu esforço teria falido. Comprovamos, na evolução, não apenas o telefinalismo, constituído pelo alvo a atingir, mas também uma previdência que torna disponível tudo quanto é necessário para se chegar à meta estabelecida. Por outro lado, o ser permanece como que abandonado a si mesmo, para que a evolução represente o fruto merecido de todo o seu esforço. Este é deixado totalmente para ele, porque sem o seu esforço, o ser não poderia verdadeiramente aprender. Eis então que Deus se comporta como um pai que assiste aos primeiros passos da criança, ajudando-o indiretamente, deixando-o cair para que aprenda a não cair mais e, ao mesmo tempo, vigiando-o e sustentando-o para que a criança não se perca. Quando esta cresce, então Deus lhe dá liberdade, para que aprenda a guiar-se por si mesma, assumindo as suas responsabilidades. Assim, se, de um lado, a criatura caminha com dificuldade, tentando o futuro, do outro lado o auxílio que dirige a evolução nunca deixa de estar presente. Vemos, com efeito, que um poder interior levantou o ser a cada queda sua, repondo-o sobre o caminho devido, para fazê-lo dirigir-se, de um modo ou de outro, para a sua meta. É assim que a vida pôde dar prova de saber vencer tantos obstáculos. Explica-se dessa forma a técnica da tentativa. Eis por que, apesar do auxílio, aparecem erros e quedas ao longo da vida, ramos extintos, linhas desviadas ou congeladas, parados às margens da grande estrada da evolução. Esta é uma corrida em que alguns tipos perecem, eliminados pela porfia, ou são superados, e outros, no fim, como o homem, passam a frente de todos. Para cada candidato à futura vitória, há milhares de rivais que com ele competem. O homem, ao menos até agora, venceu-os todos. Mas isto não basta para garantirlhe que vencerá sempre. Se ele se desviar do caminho – afastando-se do telefinalismo fixado para a evolução – e utilizar os poderes de sua inteligência para
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rebelar-se às diretivas da Lei, ao invés de obedecê-las, então também o homem poderá perder-se, e neste caso, como já dissemos, não faltam outras espécies para substituí-lo na primazia sobre o planeta. Isto significa que as diretrizes do fenômeno da evolução exigem, em primeiro lugar, que o biótipo vencedor seja digno da vitória, correspondendo a ela como valor real. Quando um modelo de vida se demonstra inadequado à posição que pretende ocupar, então a inteligência diretora o lança fora, substituindo-o por outro melhor. Trata-se, realmente, de pormenores formalísticos, cuja mudança não impede, de modo algum, que os fins gerais da evolução sejam substancialmente alcançados. A vida caminhará de outra forma, atingirá o alvo com outras espécies, mas chegará de qualquer maneira aonde quer chegar. Concluindo este assunto, podemos agora dizer que temos diante dos olhos os principais elementos que constituem o fenômeno da evolução. De um lado, temos a sabedoria de uma inteligência que dirige. Revela-se ela em três momentos: 1) Imposição de um telefinalismo como meta final do processo evolutivo, que, por um caminho ou por outro, tem de ser atingido; 2) Pré-organização das condições indispensáveis ao desenvolvimento desse processo (providência previdente); 3) Guia do desenvolvimento do ser, acompanhando-o e orientando-lhe o esforço na direção desejada, estabelecida pelo telefinalismo. Do outro lado, temos o ser, que luta para subir, debate-se na tentativa, cai, levanta-se, sofre, aprende, vence ou perde, experimentando a grande aventura da evolução. Já falamos da técnica da tentativa. Aqui podemos ver-lhe uma razão ainda mais profunda. Essa técnica é a consequência lógica do estado de ignorância em que o ser caiu com a revolta, cegueira que o impede de ver o caminho a seguir. A técnica da tentativa representa justamente a sua condenação, que consiste em ter de realizar sozinho, como que abandonado a si mesmo, todo o esforço de reencontrar aquele caminho. Assim o ser, como cego perdido nas trevas, deve tornar a achar a luz; como ignorante perdido na ignorância, deve reconstruir o conhecimento. Não é este o caminho da evolução e do progresso da humanidade? E que são as descobertas científicas e todas as grandes construções do pensamento, senão pedaços reconquistados do conhecimento? A evolução representa verdadeiramente, para a criatura, um grande esforço e uma aventura perigosa, cheia de incógnitas, de lutas e de dores. Mas é justo que seja assim, porque isto significa também redenção, e no alto está o reencontro da felicidade perdida. No entanto Deus ajuda a evolução, embora
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se fazendo ver tanto menos quanto menos a criatura o merece, nos planos mais baixos da vida, e tanto mais quanto mais o merece a criatura, por ter realizado o esforço de redimir-se, subindo a planos mais altos. Assim a evolução caminha como um rio, que, mesmo sendo livre, tem, no entanto, de chegar necessariamente ao mar. Em ambos os casos, a coação não é exterior, mas devida ao poder dos impulsos interiores, como a gravitação, que é física, para a Terra, no caso do rio, e espiritual, para Deus, no caso da evolução. Em ambos os casos, a corrente é livre, no entanto deve obedecer a esse princípio de atração, que a leva, num caso, a descer materialmente para baixo e, no outro, a subir espiritualmente para o Alto. Tudo resulta livremente constrangido por esse íntimo e irresistível chamamento. O rio, como a evolução, não sabe o que encontrará em seu caminho. Ele deve cavar seu próprio leito, adaptar-se ao terreno e superar as dificuldades, ora correndo rapidamente, ora precipitando-se em cascatas, ora repousando em lagos ou pauis. Mas seu ponto de chegada está fixado: o mar. A corrente do rio não pode escapar ao impulso que lhe imprime aquela atração. Também a evolução sente o chamamento poderoso que a movimenta e não pode deixar de responder-lhe, obedecendo. Ora, tão certo como, cedo ou tarde, o rio terá de chegar ao mar, também é certo que, cedo ou tarde, de um modo ou de outro, a evolução deverá levar o universo ao estado perfeito do Sistema. Assim como, no rio, cada gota d'água chegará ao mar, o grande pai de todas as águas, igualmente, com a evolução, cada ser chegará ao grande pai de tudo o que existe: Deus. Como o rio, a evolução é livre de escolher o caminho que quiser, mas está fechada nos limites de sua lei, que a constrange a caminhar sempre para o seu ponto final. O caminho do rio não está traçado, e as águas devem procurá-lo, mas sempre seguindo o telefinalismo preestabelecido. Também assim acontece com a evolução. Esta aproximação de exemplos nos faz compreender melhor a estrutura do fenômeno da evolução. Nela encontramos liberdade de escolha e independência de ação, como se ela estivesse abandonada a si mesma, à semelhança do que sucede com a corrente do rio. Daí, tentativas, erros, adaptações e também falências, mas, ao mesmo tempo, repetições, salvamentos e triunfos. Este contínuo chamamento da meta final, impresso e sentido nas mais profundas vísceras do fenômeno, põe freios, dirige e guia a bom porto aquela liberdade, que, se fosse abandonada a si mesma, sozinha, acabaria naufragando desvairada na falência. Se vemos que, ao contrário, mesmo não possuindo conhecimento
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próprio, a liberdade atinge perfeitamente a meta determinada, tornando-se sábia, este fato só se explica pela direção daquela inteligência, que somente a sabedoria possui. No fenômeno da evolução, vemos oscilando, em equilíbrio, um impulso independente e livre e um impulso oposto, determinístico. No rio, como na evolução, não interessa muito que se siga esta ou aquela estrada (zona de livre escolha, deixada ao arbítrio do ser), mas sim que se atinja a meta (zona determinística). À evolução não importa se vai sobreviver este ou aquele biótipo, desde que sobreviva o melhor e, por meio dele, triunfe a vida. Assim, através de muita luta, realiza-se a ilimitada aventura da evolução, incerta e falaz no particular, mas segura e vitoriosa em seu conjunto, dirigida pela lógica de seu telefinalismo. De um lado, ignorância e liberdade do ser, que segue a evolução; do outro, sabedoria e telefinalismo determinístico da inteligência que dirige a evolução. Duas qualidades opostas e complementares, que harmonicamente se compensam, equilibrando-se. Deus se debruça para o ser, a fim de ajudá-lo a subir, e o ser estende os braços para Deus em busca de ajuda. Assim os dois extremos se casam, e a grande obra se realiza pela colaboração entre eles, resultado de um amplexo entre Criador e criatura. Deus atrai, convida, guia e dirige a criatura em seu penoso caminho. A criatura corresponde com o seu esforço para superar as dificuldades, suportando as dores que sucedem ao erro e executando o duro trabalho de reconstruir-se, renovando-se. ◘ ◘ ◘ Nesta imensa perspectiva da marcha cósmica da evolução, desenvolve-se o trajeto da maturação da vida do homem para sua espiritualização. O que estudamos no volume anterior é apenas um episódio, um caso da grande batalha no plano humano. Existe uma batalha ainda maior do que aquela descrita ali. É a batalha entre Sistema e Anti-Sistema na evolução do universo, para que este possa regressar a Deus. No presente volume, estamos dilatando cada vez mais a visão do caso narrado, até chegar a uma visão muito maior, de caráter universal, que nos mostra os erros da conduta humana diante da lógica da vida. Assim, subindo sempre e ampliando os horizontes, chegamos a harmonizar a realidade dos fatos que todos vivemos na Terra com as teorias expostas nos dois volumes Deus e Universo e O Sistema. Em contato com aquela realidade, pudemos verificar que elas receberam plena confirmação, demonstrando novamente, depois da análise racional, a sua verdade sob controle experimental.
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Chegando a este ponto, podemos responder melhor as perguntas que fizemos um pouco acima. Que acontecerá ao homem no futuro? Aonde o levará a evolução? A isto já respondemos em parte. Podemos agora caminhar mais à frente, perguntando a que estado chegará o homem na conclusão dessa interminável viagem da evolução? Este ainda é um momento muitíssimo distante, mas certamente deverá chegar um dia. O ambiente terrestre não é eterno e não pode conter todas as possibilidades para os futuros desenvolvimentos da vida. Onde e como poderá continuar a viver e evoluir o homem, quando o Sol se extinguir e a Terra morrer? Mesmo que a raça humana tivesse de perecer, onde e como a vida, que não pode extinguir-se, continuará sua evolução? Já dissemos pouco atrás que o universo tende à sua destruição como forma material, por desintegração atômica, e como forma dinâmica, por entropia. Que acontecerá, então, com a vida que se desenvolve na superfície dos planetas? Como poderá ela continuar a evoluir sem um suporte físico, ao qual estamos hoje habituados a vê-la ligada? Se bem observarmos, veremos que o processo da liquidação do universo físico e dinâmico não é um fenômeno isolado, pois, paralelo a ele, verifica-se um correspondente processo genético de um universo espiritual. Nada se cria e nada se destrói. O que morre tem de renascer sob outra forma. A substância que desaparece como manifestação no plano físico e dinâmico reaparece em diferente manifestação no plano espiritual. Os dois fenômenos, destruição e reconstrução, são equilibrados, e a transformação de um no outro é apenas um processo criativo de reintegração através da mudança de forma. Diz-nos esse paralelismo que, quando o universo físico e dinâmico for liquidado e desaparecer nesta sua forma, então a vida humana terá superado sua atual forma física e, por se haver espiritualizado completamente, terá sido transferida ao plano do imponderável. Ser-lhe-á possível, dessa maneira, continuar a existir sem ter mais necessidade de suporte material. Portanto o homem nada tem de temer quanto à destruição de seu planeta e do sistema solar. O problema é vasto e diz respeito a todas espécies da vida, que não podem, como sabemos, existir sem apoiar-se no suporte material, oferecido pela superfície de um planeta. Deduz-se que a vida está sob a dependência do fenômeno da formação e existência dos planetas no universo. Segundo a velha concepção antropomórfica-egocêntrica, seguida pelos teólogos, a Terra teria sido o único ponto habitado do universo, o centro e o fim da criação. Embora isto fosse aceito porque, sendo muito honroso, podia satisfazer ao míope orgulho huma-
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no e também ao natural instinto egocêntrico da maioria pouco evoluída, continuava o absurdo de um tão ilimitado universo existir apenas em função de um tão minúsculo homem, que mal o conhece, perdido sobre um ínfimo grão de poeira que gira nos espaços. Então todo o resto existiria para nada. Uma necessidade lógica nos força a admitir que as formas planetárias necessárias à evolução da vida estejam bastante espalhadas, a fim de que esse importantíssimo fenômeno possa realizar-se nas devidas proporções. Mas vejamos o que a ciência diz a respeito. Até há pouco tempo, os astrônomos geralmente acreditavam que os sistemas planetários do universo fossem muito raros e, portanto, também a vida neles. Isto porque se supunha, como no caso de nosso sistema solar, que a série dos planetas nascesse de uma colisão de estrelas. A matéria tirada da massa de nosso sol, assim, ter-se-ia destacado do corpo central e ficado concentrada nos planetas em torno dele. Com efeito, eles continuam a girar em redor do Sol na mesma direção em que ele gira em torno de si mesmo e quase no mesmo plano. Neste mesmo sentido também continuam os planetas a rodar em torno de seu eixo polar e os seus satélites a girar em redor deles. Isto é verdade até agora, exceto no caso de Urano e do movimento retrógrado dos satélites mais externos de Júpiter e Saturno. Há, porém, o fato de que as estrelas encontram-se muitíssimo distantes uma das outras. Então esse método de gênese estelar torna a formação de sistemas semelhantes ao nosso extremamente improvável. Dessa forma, pensava-se que menos de um caso sobre um milhão pudesse dar lugar a essas formações, concluindo-se que a nossa Terra habitada devia classificar-se entre os acidentes raríssimos. Os astrônomos modernos acreditam, ao invés, que as estrelas se formam por condensação de levíssima matéria cósmica, antes difusa, a qual, concentrando-se, começa a esquentar até o ponto de gerar uma reação nuclear e, assim, brilhar e irradiar energia, à maneira da bomba de hidrogênio. Durante esse processo formam-se correntes interiores turbinosas e espiraladas, que lançam à periferia massas rotativas menores, com as quais os planetas, continuando a girar em redor da estrela, são formados. Sua matéria se condensará cada vez mais em torno de seu centro de rotação, e eles formarão corpos separados. Eliminada assim a hipótese do choque, coisa improvável, preside então á gênese planetária uma causa mais comum, que pode facilmente verificar-se em muitos momentos e pontos do universo. Então pode aceitar-se que as formas
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planetárias não sejam de modo algum raras. Pode-se supor, com razão, que em redor de muitíssimas estrelas existam planetas nos quais é possível a vida, embora em forma diferente, mas sempre regida pelos mesmos princípios fundamentais e orientada na direção dos mesmos objetivos finais para os quais caminha a nossa. Esses planetas não são visíveis, porque não possuem luz própria e estão muito próximos de seus respectivos sóis, com os quais se confundem ao serem observados da Terra. Mas a oscilação da luz de muitas estrelas faz pensar que outro corpo se mova diante delas, interceptando-lhes a luz intermitentemente. Hoje, a ciência aceita que uma galáxia possa conter desde o máximo de um milhão até um mínimo que não seria inferior a cem mil sistemas planetários. A hipótese da pluralidade dos mundos habitados, sustentada por Flammarion, tornou-se mais aceitável, porquanto os astrônomos julgam que a composição do universo seja resultante mais ou menos dos mesmos elementos fundamentais. Deduz-se daí que os outros planetas devem ser constituídos pelo mesmo material encontrado na Terra, sendo possível, assim, terem sido produzidas lá condições de ambiente semelhantes às nossas, o que implica a possibilidade da manifestação e desenvolvimento da vida neles, tal como ocorreu na Terra. Não é, portanto, contrário às conclusões da ciência admitir que exista, espalhada pelo universo, uma infinidade desses berços da vida. Isto significa que a vida se encontra em todo o universo e que a evolução possui, desta maneira, uma vastíssima base de operações para desenvolver a consciência e despertar o espírito, avançando de fato para o seu telefinalismo, como acima explicamos. A ciência nos confirma também aquela exigência lógica, referida por nós acima, pela qual seria muito estranho que o nosso planeta ou sistema planetário se tenha achado em condições tão felizmente excepcionais e superiores, que pôde ter o privilégio, só ele ou poucos mais, de hospedar um fenômeno de tal elevação como é a vida e o desenvolvimento de consciência que ela tende a produzir. E este fato é ainda mais difícil de se admitir, quando se pensa que todo o processo reconstrutivo da evolução teria ficado sustentado por este único e tênue fio, constituído pela vida na Terra, enquanto todo o resto do universo teria ficado sem significação nem objetivo em relação aos fins supremos, que devem, como já demonstramos suficientemente, ser atingidos. Não se compreende como a evolução poderia permanecer operando, concentrada apenas num ponto, no meio de um deserto sem limites, que seria qualificado como
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inútil. Como admitir tão flagrante absurdo no meio de uma logicidade constante, que vemos aparecer a cada momento no funcionamento e na evolução do universo? Como se explicaria uma tão excepcional violação do universal método de utilitarismo e economia que dirigem o transformismo evolutivo? Não se consegue imaginar um universo com tamanha ausência de finalidade; não se concebe sua existência sem uma razão que a justifique; não se admite tanta sabedoria e poder para nada. Da mesma forma, também não se pode aceitar o absurdo de que a sabedoria e o poder de Deus, para atingir seus fins mais altos, tenham dirigido somente para este ponto – esta nossa invisível Terra – escolhida entre todo os infinitos mundos, com a finalidade de fazer do homem o mais alto modelo dos produtos da vida. Só com a teoria acima exposta tudo se explica, inclusive as estrelas e as galáxias. Deste modo, a existência no plano físico e dinâmico adquirem um significado e assumem uma tarefa que se realiza em função do telefinalismo de toda a evolução. A infinita multiplicidade do transformismo fenomênico é reconduzida a um conceito unitário, e compreende-se a razão última de tanto esforço para subir. Só assim tudo o que existe – seja na forma de matéria, de energia ou de espírito – tem sua função a realizar e sua lógica razão de ser, para atingir a meta final de tudo: Deus. No ilimitado universo, não gira em vão tanta matéria morta inútil, mas caminham muitos mundos que servem de suporte à vida, onde ela pode desenvolver-se, para tornar possível depois, por meio dela, a reconstrução do estado espiritual original, única condição que pode conter perfeição e felicidade. Assim o trabalho da evolução está distribuído no universo. No plano da matéria, ele se realiza nas estrelas e galáxias; no plano dinâmico, na energia e nos espaços interestelares; no plano da vida, na superfície dos planetas. Aí o universo amadurece e evolui, através da vida, para um nível superior, que é a fase do espírito. O ser subirá de forma em forma, de ambiente em ambiente, de planeta em planeta, evoluindo e desmaterializando-se até assumir formas tão espirituais, que para elas não será necessário suporte planetário, e a vida poderá existir sem o concurso da matéria, sobrevivendo ao fim do universo físico, como produto final de sua transformação.
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VIII. O PROBLEMA DA MORAL – I A moral biológica positiva. Convicção, e não terror. Andar a favor, e não contra a vida. Moral positiva de construção. Se surge um conflito entre a ética e a vida, é esta que vence. Moral mais livre, porém consciente e responsável. Moral é tudo o que faz evoluir para Deus. Utilitarismo superior. Definição de moral. Na evolução, a moral é relativa. Conceito de ética progressiva, em várias dimensões. Respeitar os direitos da vida. Suas três exigências fundamentais, os três maiores instintos humanos e as obrigações da ética. A moral atual é moral de guerra, e não de justiça. Garantir: 1) A conservação do indivíduo (bens e propriedades); 2) A conservação da espécie (amor e família); 3) A evolução (defesa do evoluído). A dor é desarmonia. Renúncia e castidade. As virtudes positivas. Triste sorte do gênio. Referimo-nos, no capítulo precedente, a uma moral biológica positiva, racionalmente demonstrada, baseada nos princípios que regem a vida, e prometemos que delinearíamos o seu conteúdo. Podemos agora, ao concluir o presente volume, desenvolver este assunto. As normas da ética tiveram, no passado, a função de disciplinar a vida do homem, refreando-lhe e guiando-lhe os instintos animais, para que adquirisse outros mais evoluídos. Porém essa moral, dirigida ao grande objetivo de refazer o homem, melhorando-o, foi aplicada por ele segundo a forma mental e instinto dominantes, ou seja, com espírito de ataque e defesa, que corresponde à lei de seu plano animal, da luta pela seleção do mais forte. Como consequência, a execução das normas dessa moral é confiada em grande parte ao terror de sanções punitivas, apoiadas no cálculo do próprio prejuízo, e isto introduz no utilitarismo criador, próprio da vida, um elemento negativo, que tende a invertê-lo, dando-lhe um aspecto de agressão e destruição. A nova moral é, ao contrário, concebida em função da vida, e não contra ela. Permanece sempre e totalmente positiva e construtiva, jamais se tornando algo negativo, destrutivo ou agressivo, pois, mesmo visando ao bem, jamais poderá posicionar-se contra as leis da vida. Trata-se de uma moral mais evoluída, que, em vez de destruir, respeita toda a moral precedente e atual, mas que, justamente por ser mais evoluída, não pode deixar de perder algumas das características negativas daquelas, feitas de luta e imposição, atributos necessá-
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rios nos planos inferiores de vida, porque se destinam a conquistar, a partir daí, planos superiores, positivos, feitos de amor e compreensão, qualidades possíveis apenas nos níveis mais elevados da existência. Tudo o que evolui – e a moral também não pode deixar de evoluir, procedendo do Anti-Sistema ao Sistema – tem de perder cada vez mais os caracteres do primeiro, para substituí-los pelos do segundo. Feita para um ser mais evoluído, a nova moral perderá os opressores e antivitais recursos da culpa, do pecado e da condenação – que significam esmagamento através da vitória do mal infligido pelo mais forte com sua sanção punitiva – para basear-se não na coação pelo medo do prejuízo, mas na convicção de ir ao encontro da vantagem própria. É um reerguimento de posições, pelo qual se trabalha não mediante repulsão, mas sim por atração, sendo movido não pela fuga de um mal que nos ameaça, mas sim pela consciência da utilidade de obedecer às normas da ética. Porém só é possível chegar a essa nova moral, quando a evolução tiver amadurecido bem o homem, para que este novo modo de concebê-la possa ser usado sem prejuízo, ou seja, somente quando o homem tiver atingido um desenvolvimento em inteligência e sensibilidade que, para alcançar os objetivos educacionais propostos pela moral, torne dispensáveis o chicote dos terrores infernais. Então bastará o fato de compreender que a obediência à lei de Deus não está em contraste com o nosso instinto de subir, mas sim concorda com ele perfeitamente. Esse é o próprio instinto da vida, isto é, atingir a maior vantagem, utilitarismo que se justifica pelo fato de ser um meio para subir, avizinhando-se assim, cada vez mais, da realização dos supremos fins da evolução. Deduz-se daí que, quando dizemos nova moral, não queremos com isso condenar ou, muito menos, refazer a atual, mas apenas compreender sua razão de ser e suas funções, para usá-la cada vez mais com inteligência e bondade, como convém a um evoluído, e cada vez menos para o inconsciente desafogo de instintos, como tende a fazê-lo o involuído. Não se trata, aqui, de anular o passado, mas apenas de fazê-lo ascender a um plano mais alto, como o impõe a evolução. Como se vê, damos aqui à palavra moral o sentido amplo de norma ética, anteposta a todos os campos da conduta humana. A qualidade da nova moral, pelo fato de ser mais evoluída, deve apoiar-se sempre mais nas forças positivas e construtivas, do que nas negativas e destrutivas; deve funcionar mais pela convicção de que a disciplina leva a uma vida melhor, do que pelo medo de que a desobediência leva a uma vida pior. No primeiro caso, as normas, livremente aceitas em adesão convicta, são seguidas
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por amor. No segundo caso, as normas, impostas pelo medo, são obedecidas à força. A consequência da primeira atitude é o espontâneo e pacífico cumprimento da norma. A segunda, ao invés, leva a uma obediência coagida, contra a qual o ser luta, procurando todas as evasões e aceitando-a somente à força, até que consiga rebelar-se. O fato de se encontrar, em nosso mundo, ao lado de cada norma a sua sanção punitiva, demonstra que esta é a fase na qual ele está situado atualmente. Se é verdade que a moral coativa, apoiada no terror, é uma necessidade para os tempos menos adiantados, já que não há outro meio para induzir o involuído a obedecer e, assim, melhorar, também é verdade que esse método, logo que o homem se civiliza, torna-se supérfluo e até contraproducente, porque, feito de luta e cheio de atritos, embora seja para fazer a vida subir à espiritualidade, tenta matá-la em sua animalidade, o que excita as suas reações, colocando assim em ação o espírito de agressividade, que a atrai para o seu terreno, em baixo, em vez de conduzi-la para o Alto. A nova moral é justamente o Evangelho, e a novidade consiste em levá-lo a sério e começar a vivê-lo. Superlativamente positivo e operando pelo caminho do amor, ele representa a ética do futuro, a moral do evoluído. Corresponderá às exigências dos tempos novos, mais amadurecidos, que o compreenderão e praticarão. Então a nova moral, sem destruir a antiga, irá levá-la a um nível mais alto, mais livre, mais criador, em que serão demonstradas a lógica e a utilidade de segui-la. Não haverá mais em primeiro plano, como sendo a coisa mais importante, o trabalho de matar, no homem, o animal. Esse trabalho, sozinho, produz apenas um cadáver, e só isto permanecerá, se não tivermos feito, ao mesmo tempo, ressuscitar o anjo. O objetivo da evolução é subir, e o que mais importa é construir o novo. Destruir o velho não tem, em si mesmo, valor algum, a não ser que sirva para nos deslocarmos a mais altos níveis de vida. O objetivo de tudo é subir, e tudo só se justifica quando leva à realização do supremo telefinalismo da vida, que é a sua espiritualização. Tudo que é destruição antivital pertence aos poderes negativos do mal, enquanto tudo que representa construção vital pertence aos poderes positivos do bem. A nova moral se distingue da velha por haver superado a necessidade de usar impulsos negativos opressores antivitais. Não há razão para que deva ser tão penoso e exija tanto esforço viver-se espiritualmente, fazendo que se procure fugir disto e se considere agradável e desejável viver bestialmente. Basta evoluir um pouco para conseguir compreender que é justamente o contrário. Basta civilizar-se um pouco para sentir náuseas das satisfações que formam a
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alegria de quem vive no plano animal. Aqui, não condenamos a moral da revelação mosaica, na qual as religiões se assemelham. Mas achamos que será inadequado aos novos tempos o método de coação forçada, outrora necessário para aplicar aquela moral à dura cerviz e aos instintos de agressão e revolta do antigo povo hebreu bem como do feroz homem medieval, nosso mais próximo antepassado. Não são os princípios da velha ética que mudarão, mas sim o espírito com o qual ela foi entendida e ainda é aplicada. Este nos levaria a crer que não se pode alcançar a evolução senão através da sufocação da vida. Mas por que, ao invés de alegria, a virtude deve consistir apenas de sofrimento, se dele fugimos instintivamente? Por que a vida espiritual deve ser concebida só como renúncia, e não como conquista; só como destruição, e não como construção? Porque deve ser só morte, e não ressurreição? Como se pode admitir que a vida goze com a morte e não se rebele contra a sufocação? Assim, se não quisermos que a vida se rebele, não se deve oferecer-lhe a morte, mas sim uma vida melhor e maior, a qual então todos procurarão. O estado involuído do homem fez com que, até hoje, as religiões entendessem a subida moral como uma ação negativa de destruição da animalidade, ao invés de uma ação positiva de construção da espiritualidade. O progresso deve afastar-nos da primeira forma e aproximar-nos da segunda. Neste terreno, o avanço reside em compreender que é lógico e justo a vida resistir e se rebelar contra os assaltos que procuram diminuí-la. Encontra-se assim a origem da luta, tanto mais pelo fato de estarmos num plano no qual esta é a lei da vida, lei que vemos aparecer também no campo da ética. Acontece então que a própria ética, por si mesma, torna-se um instrumento daquela luta, em defesa dos direitos adquiridos com a força do vencedor. Chega-se assim a uma ética que, em vez de trazer justiça e imparcialidade, serve para defender os interesses da classe, levando os deserdados a se rebelarem, como na Revolução Francesa. Não se pode deter o impulso da lei biológica que, em todos, exige sempre a luta pela vida, para sobreviver. Já nos referimos em vários lugares ao longo do presente volume a estes conceitos, orientando-os diversamente em relação a outros problemas. Quisemos aqui retomá-los, coordenando-os dentro do tema da ética, que agora desenvolvemos. Onde tudo evolui, também a moral não pode deixar de evoluir. Isto significa tornar-se mais luz de conhecimento e menos trevas de ignorância, mais paraíso e menos inferno, mais triunfo do que sufocação da vida, mais amor que terror, mais inteligente e livre aceitação que coação forçada. Com a
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ascensão, tudo tende a se libertar da ignorância, da imposição escravizadora, do terror das ameaças de um inimigo desconhecido. Torna-se tudo mais límpido, livre, convicto. Compreende-se então, cada vez mais, que Deus é um amigo nosso e que obedecer a Sua lei é nosso interesse. Ele nos governa para nosso bem, e não para nos impor, como senhor, uma vontade Sua egoísta. Esta última ideia deriva da forma mental humana que o homem, possuindo-a e não sabendo dela fugir, aplicou a tudo, inclusive ao comportamento de Deus, não conseguindo imaginar outro diferente do seu próprio. Porém, tão logo a inteligência se abre um pouco, seu modo de conceber a vida muda completamente, dando lugar à nova moral, que, embora ditando as mesmas normas, o faz com base em um princípio totalmente diferente, não como um senhor que se impõe egoisticamente ao escravo, mas sim como um bom pai, que não exige obediência para vantagem própria, mas somente porque ela representa o bem de seus filhos. O nível evolutivo superior alcançado pela nova moral consiste no fato de, nele, desaparecer o atrito da luta gerada pelo conflito entre o imperativo ético e a utilidade do indivíduo, utilidade esta que deve ser entendida não no sentido do gozo imediato das coisas terrenas ilusórias – aquele que mais se procura e que, pelo contrário, pode constituir um prejuízo – mas sim no seu verdadeiro significado de vantagem permanente. ◘ ◘ ◘ Chega-se assim a delinear as características fundamentais desta moral. Estabelecido o conceito desse utilitarismo superior, poderemos dizer, então, que é moral tudo o que leva a alcançá-lo, e imoral tudo o que dele se afasta. Tratase, pois, de uma moral utilitária não no sentido pequeno, egoísta e desagregante em que é geralmente compreendido o utilitarismo, mas em sentido superiormente afirmativo, verdadeiramente vantajoso em plena lógica, que caminha para a vida, obra de Deus, e não contra ela. Podemos então definir como moral tudo o que é útil à vida, tendo em mente que nada é tão vantajoso quanto o espiritualizar-se, que a conduz ao fim supremo: Deus. Encontramos então, no princípio de jamais provocar conflito entre moral e vida, a direção fundamental que nos permite reconhecer o que é moral e imoral, no mais amplo sentido de ético e antiético. No plano biológico humano, onde costuma nascer esse conflito, acontece que, na prática, a vida – como ninguém pode torcê-la – vence e a lei ética, perdendo, fica como teoria não aplicada, constituindo em substância uma forma de hipocrisia. Dado que a
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evolução traz harmonização, deve desaparecer todo traço de luta no plano de vida em que funciona a nova moral. Foi suficientemente demonstrado em nossos volumes anteriores qual é o conteúdo desta maior utilidade. A nova moral, por ser mais evoluída, é adaptada a uma humanidade mais civilizada e presume que já esteja realizado, em grande parte, o trabalho inferior de superação do animal no homem, para poder dedicar-se sobretudo à construção do anjo. Com o progresso da evolução começa-se a chegar aos planos superiores, onde a atividade construtiva deve assumir formas diversas, aptas a alcançar finalidades diferentes. Trata-se de uma moral cada vez mais de substância e cada vez menos de forma; sempre mais sentida e menos imposta; mais livre e espontânea e menos constrangida à força de sanções; baseada na aceitação pacífica, e não na luta que procura todos os meios de evasão. A penalidade para cada violação reside, então, nas inevitáveis consequências das causas que cada um estabelece como quer, com a própria conduta. Nesse plano de vida, o ser sabe que essas consequências são apenas fatais reações da Lei, já conhecida por ele, reação lógica e merecida, de acordo com a justiça de Deus, da qual não se pode escapar, tornando ignorância pueril as tentativas nesse sentido, como as que se costumam fazer na Terra, com as astúcias humanas. Nesta moral, que parece mais livre ao involuído, o ser é obrigado à obediência e mantido na ordem por uma força mais sutil, porém mais poderosa que a prepotência humana: a persuasão. Mas só se pode chegar à persuasão por meio da inteligência que atinge a consciência da Lei. Geralmente, porém, o homem atual não possui essa forma de inteligência. Assim, sem qualquer consciência da ordem que regula o universo, ele comete, a cada passo, o erro de se rebelar contra essa ordem, sendo obrigado depois a suportar as duras consequências. Para poder tirar desse tipo biológico algo de bom, a fim de fazê-lo evoluir, é necessária a atual moral armada, carregada de castigos e ameaças, porque, se nem estas são suficientes hoje, ele zombaria integralmente de uma moral desarmada, que pedisse obediência só por convicção e por amor. Formalmente, a nova moral é muito mais livre, embora o seja muito menos na substância. A norma e a obediência aprofundam-se cada vez mais conforme se progride, procedendo do exterior para o interior. À medida que a evolução avança, tudo se desmaterializa, espiritualizando-se em potência e, ao mesmo tempo, ganhando em amplitude de concepção. Então o ser liberta-se da opressão da regulamentação mecânica, miúda, pedante, necessária para o involuído
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nos planos inferiores de vida. Mas, tão logo ele se liberta, a Lei o retoma sob seu poder numa forma mais alta – agora que pode fazê-lo, porque ele se tornou mais consciente – tornando-o mais livre, porém mais responsável. Assim, aquilo que seria absurdo no plano do involuído, porque aí geraria completa anarquia, pode ser agora enunciado pela nova moral. Como cada povo tem os chefes que merece, cada tipo biológico também está preso à lei que merece e que lhe está proporcionada. Quanto mais involuído é o ser, mais a Lei se manifesta dura e inflexível, porque esta forma, sendo a única que a sua inferioridade lhe permite ver, é a melhor para ele. Ao contrário, quanto mais evoluído é o ser, mais a Lei se manifesta benévola e livre, porque isto, uma vez que ele não abusa, não o prejudica, sendo esta a forma pela qual o olhar mais agudo de quem está mais adiantado a vê. Eis então que, segundo a nova moral, pode-se fazer tudo, desde que seja honestamente feito. Mas o que se entende por honestamente? Significa que o resultado não traz prejuízo – isto é, mal em qualquer sentido – nem para si nem para outros. Podemos então definir o conceito de culpa ou pecado como tudo o que traz prejuízo ou mal em qualquer sentido a si ou a outros. Como se vê, trata-se de um sistema não opressivo, mas livre e utilitário, fato que o torna menos penoso e mais facilmente aceitável. Vemos também que a norma, subindo, torna-se sempre mais simples e sintética. Mas perguntamos, então, em que exatamente consiste esse prejuízo que se deve evitar? Se, como explicamos, o objetivo da vida é evoluir, a tarefa da moral é dirigir, com normas oportunas, a conduta humana para a realização desse objetivo. Segue-se daí que o conceito de moralidade coincide com o de subida evolutiva, e o conceito de imoralidade com o de descida involutiva. Paralelamente, o conceito de bem e de vantagem correspondem ao de evolução, por meio da qual estes são obtidos, e o conceito de mal e prejuízo correspondem ao de involução, que conduz a eles. A norma supracitada poderá então ser enunciada assim: tudo pode ser feito, desde que seja honestamente feito, sem que provenha mal ou prejuízo para si ou para outrem, sem que leve ninguém a uma descida involutiva. Então a escala que mede o valor da nossa obra coincide com a escala da evolução, e nela temos três posições possíveis: 1) uma positiva, em ascensão, que leva ao bem, à nossa utilidade, constituindo a moral; 2) uma negativa, em descida, que leva ao mal, ao nosso prejuízo, consistindo na antimoral; 3) uma neutra, estacionária, que não sobe nem desce, não leva ao bem nem ao mal, à nossa vantagem
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ou ao nosso dano, uma zona de atos indiferentes, sem valor, nem moral nem imoral, sem importância diante da evolução, definindo uma zona amoral, que resulta apenas em perda tempo para quem se detém nela. Eis que, assim, sem códigos, regulamentos, juízes ou sanções humanas, com um princípio simplicíssimo, podemos nos autodirigir. Saberemos então que é moral, uma virtude e um dever fazer tudo o que nos leve a Deus. Ao contrário, fazer qualquer coisa que nos afaste de Deus é imoral e, constituindo culpa nossa, temos o dever de não fazê-lo. Este princípio ainda mais sinteticamente pode exprimir-se com a mesma fórmula única e livre que um santo seguiu: “Ama a Deus e faze tudo o que queres”. Esse princípio é susceptível de muitas explicações e pode exprimir-se de muitas formas. Moral é o nosso bem, a nossa utilidade, ou seja, tudo o que vai para Deus. Imoral é o nosso mal, o nosso prejuízo, ou seja, tudo o que nos afasta de Deus. Bem é evoluir, subindo para o Sistema; mal é involuir, descendo para o Anti-Sistema. Temos assim, de um lado, uma série de conceitos positivos e, de outro lado, uma série de conceitos negativos. Subida, evolução, utilidade, bem, Sistema, Deus, constituem o campo da moral. Descida, involução, prejuízo, mal, Anti-Sistema, Satanás, constituem o campo da antimoral. Ao primeiro grupo de conceitos estão conexos os de vida, luz, consciência, felicidade etc. Ao segundo grupo estão conexos os de morte, trevas, ignorância, dor etc. Assim, o problema ético é resolvido de forma lógica, simples e cabal. O instinto fundamental da vida e seu sadio utilitarismo não são negados nem sufocados. Logo que o ser torna-se bastante inteligente para chegar a compreender que se trata de seu próprio interesse, ele é, por isso mesmo, levado à adesão espontânea. Desaparece dessa forma, automaticamente, o regime do terror das sanções punitivas e todos os males a ele ligados. O mundo da ética recebe assim nova luz. Então, resumindo, moral é tudo o que é elevado; e imoral, o contrário. O mesmo pensamento ou o mesmo ato podem assumir sentido e valor diferentes conforme o plano de vida em que se realizam e pelo qual são julgados. Assim, para um evoluído, pode ser imoral o que, ao involuído, pode parecer lícito. A maior moralidade para o involuído é comportar-se como evoluído, ou seja, a besta comportar-se como anjo, e a maior imoralidade é, ao contrário, o anjo comportar-se como animal. Subindo aos planos superiores de vida, tudo se enobrece e purifica, espiritualizando-se. Mudam os critérios com que se julga. As palavras verdade, bondade, justiça assumem sentido diferente.
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É a natureza diferente do biótipo que transforma e adapta tudo ao próprio nível, segundo as leis do qual ele realiza tudo. Damos aqui – como acima referimos – às palavras moral e imoral o amplo sentido de bem ou mal, de justo ou injusto, de lícito ou ilícito etc., e não o sentido restrito em que são usadas na linguagem comum. Podemos, assim, chegar a uma “definição de moral”, dizendo que ela é “o conjunto das normas de conduta que guiam o homem para atingir o maior objetivo da vida: reencontrar Deus, subindo com a evolução o caminho que conduz todos os seres a Ele”. O modelo da moral perfeita é, então, dado pela Lei, ou seja, pelo pensamento de Deus, que dirige tudo. Desta perfeição ética o ser, ao progredir, conquista varias aproximações sucessivas, que constituem as morais relativas em evolução, dadas pelo patrimônio ético próprio a cada plano de existência. Falamos, pois, de uma moral de proporções cósmicas, que aparece em todas as dimensões e níveis evolutivos, assumindo o amplíssimo sentido de norma para orientação da subida de qualquer forma de existência em direção a contínuas superações, até levar toda a substância, do estado de Anti-Sistema, ao estado de Sistema. Trata-se de uma moral universal, cujos princípios se realizam progressivamente, através do transformismo do relativo, em varias alturas, e cujas raízes e justificação se acham no absoluto, de onde parte e para onde volta o ciclo do ser. Dadas as dimensões cósmicas dessa moral, que abarca todas as formas do ser, não podia deixar de aparecer nela o princípio do dualismo universal. Achamo-lo, aqui, sob a forma do binário moral e imoral, que são os dois aspectos – o lado luz, positivo, e o lado sombra, negativo, ou seja, o direito e o avesso – do mesmo fenômeno, chamado moral. Estende-se ele, assim, desde o Anti-Sistema, onde se encontra todo invertido, ou seja, em seu aspecto imoral, até ao Sistema, onde se encontra todo positivo, ou seja, em seu aspecto moral. Pelo fato da realização destes princípios ocorrer através de um processo de transformação evolutiva, a lei ética muda de plano em plano, oferecendo-nos assim, de acordo com os diversos níveis, uma série de morais relativas diferentes, que são aproximações diversas da mesma moral perfeita do evoluído. Desta forma, podemos não só chegar ao conceito de uma variedade de morais sucessivas, escalonadas em varias alturas da ascensão evolutiva, mas também admitir a maturação de uma moral relativa em evolução, ou seja, não apenas uma moral (aparentemente) estática e definitiva, para uso da forma mental humana, mas também uma moral progressiva muito mais vasta, que lhe garante um amanhã. Isto nos é confirmado pelo fato de que, em cada coisa, encon-
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tramos esse fenômeno de relativismo em evolução. A própria verdade, para o ser, é relativa e está em evolução, sendo proporcionada ao grau de consciência conquistada por ele. É lógico, aliás, que a norma de conduta para guiar o ser em seu regresso a Deus deva ser proporcional à posição conquistada por ele na subida evolutiva e, portanto, diferente de acordo com a maior ou menor proximidade do ápice. Pode chegar-se, assim, ao conceito de uma ética especial, que não está numa só dimensão, como a comum humana, mas se encontra em tantas dimensões quantas são as possíveis posições do ser ao longo da escala evolutiva; uma ética que não diz respeito apenas ao homem, mas a todas as formas de existência, dos movimentos atômicos ao espírito. Ética que naturalmente, do determinismo da matéria ao livre arbítrio do nível humano, manifesta-se de diversas formas nos vários planos. O estudo da ética, compreendida em tão vasto sentido, deveria enfrentar o fenômeno de sua evolução, ou seja, examinar os princípios normativos de todas as formas de existência e a transformação destes, uns nos outros. Chegar-se-ia desta maneira ao conceito de uma só ética ascendente, a qual, mesmo transformando-se, permanece idêntica a si mesma, porque, em cada ponto de seu transformismo, está sempre condicionada ao mesmo telefinalismo. Desse conceito deriva, então, a relatividade do valor de cada posição, incluindo a humana atual. Chega-se também a uma confirmação de tudo aquilo até aqui sustentado, isto é, que, assim como a moral de hoje não é a de nossos antepassados selvagens, ela também não poderá ser a de nossos descendentes mais civilizados. Compreende-se, então, que a moral deve ser concebida em função da evolução. O melhor índice da natureza e grau de desenvolvimento de um determinado tipo biológico será a moral por ele seguida. “Mostra-me como ages, e dir-te-ei quem és”. Assim, na mesma humanidade, acharemos vários níveis evolutivos e éticos, em que indivíduos sentem e agem com base em morais diferentes. Teremos então, no evoluído e no involuído, morais tão diferentes quanto o próprio tipo biológico. Assim, de acordo com o plano evolutivo, a forma mental e a moral relativa do indivíduo que os formula, os julgamentos sobre tudo e sobre todos serão diferentes e não terão valor superior a esta sua relatividade. A mesma unidade de medida ética, estandardizada para uso prático, será, deste modo, diversamente interpretada e aplicada para cada um dos numerosos elementos que constituem a sociedade humana, numa rede de julgamentos dos quais cada um, em sua relatividade, pretende ser absoluto e de-
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finitivo. Mas é óbvio que tudo isto tem valor relativo. O julgamento último, completo e perfeito, não pode provir desse relativo, mas somente de uma fonte que está fora e acima de todos os seres, no absoluto, em Deus. Todos os demais julgamentos exprimem, em primeiro lugar, a pessoa que os profere, seu tipo, sua evolução, sua posição na vida, seu interesse, sua forma mental etc. Assim, por coisa alguma uma pessoa é tão bem julgada quanto por seus próprios julgamentos. O único que pode julgar sem expor-se com isso a julgamento não pertence a este mundo, está acima de todos os julgamentos, é o único verdadeiro juiz, que julga a todos, juízes e julgados, é o supremo juiz: Deus. ◘ ◘ ◘ Observemos agora o problema ético mais de perto, em relação ao homem em nosso mundo atual. Nesse ambiente domina a lei da luta pela seleção do mais forte, impregnando a conduta humana e gerando, ao menos na prática, uma ética que lhe é correspondente, embora seja diferente em teoria. Segue-se que, na Terra, o campo da moral não é nada pacífico. Ora, como dissemos acima, a moral tem a função de guiar o homem no cumprimento dos objetivos da vida e não deve, portanto, conflitar com eles. Negando-se a satisfação das suas sadias exigências, deve-se esperar, logicamente, as respectivas reações da vida, e, se quisermos ser justos, teremos de reconhecer que elas constituem seu pleno direito de viver. Tudo que busca diminuir ou matar a vida só pode provir das forças negativas, inimigas de Deus. Assim, nascendo um conflito entre ética e vida, estas reações contra a ética formal estabelecida geram o antiético, fazendo o indivíduo ser julgado culpado por uma moral que cometeu a culpa maior de ter agredido a vida em seus direitos fundamentais. Nesse caso, qual dos dois é o culpado? O moralista, que não respeita os direitos da vida, ou esta, que se defende? Apenas e tão-somente quando for dada legítima e suficiente satisfação a essas exigências, poderemos dizer que a culpa é do indivíduo, porque ele desobedeceu. Só quando forem respeitadas por ambas as partes – a sociedade, que faz as leis, e o indivíduo, que deve obedecer – as recíprocas posições de direitos e deveres, será justa a condenação do não-cumpridor. Porém, enquanto a vida da sociedade humana se basear no egoísmo e na luta, as reações defensivas encontrarão justificativa, invertendo a moral em sua zona negativa, cheia de abusos e males. No caso menos grave sobressairá a tão difundida mentira, com o compromisso pela elasticidade da consciência, bem como outras semelhantes formas híbridas de acomodação, das quais o mundo está cheio, e tudo isto somente será justificado pelo natural e inevitável efeito
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das condições em que a vida humana se acha agora. Neste caso, fingir seria um recurso usado pela vida como um lubrificante indispensável para permitir, com menor atrito, a coexistência pacífica dos egoísmos inimigos. Não há efeito sem causa, e, na economia da vida, cada fato realiza sua função que o justifica. Só assim poderemos explicar porque a mentira é tão difundida no ambiente humano. Mas precisemos em suas particularidades os elementos do problema. Explicamos em outros volumes que as exigências fundamentais da vida são três: 1) A conservação do indivíduo; 2) A conservação da espécie; 3) A evolução. Essas exigências, que se verificam objetivamente na realidade, explicam-se como efeito dos princípios que regem a vida, mostrando-nos seu funcionamento, sua razão de ser e seu telefinalismo num quadro lógico completo. A vida impõe a satisfação dessas suas três exigências por meio de três fortíssimos instintos: 1) A fome, 2) O amor, 3) A ânsia de melhorar. À ética reserva-se a tarefa de disciplinar esses três instintos, para guiá-los no cumprimento dessas três exigências. É por isso, pois, que ela se ocupa: 1) Da aquisição e uso dos bens, propriedades, trabalho etc.; 2) Das relações de sexo, formação da família, deveres dos pais e dos filhos etc.; 3) Da tarefa de fazer evoluir, confiada a poucos indivíduos, embora o desejo de subir seja comum a todos. Quanto a estes raros indivíduos, a ética comum não os protegerá, porque eles se encontram fora dela, situados no seio de seu mais alto plano de vida. Esses três instintos – apesar de, em redor deles, girarem outros menores, conexos com eles – representam os impulsos principais que movimentam o homem, todos visando a defesa da vida: 1) Como indivíduo; 2) Como espécie; 3) Como evolução. É a sabedoria da vida, e não o capricho do homem, que os quer como meios para alcançar seus objetivos. Portanto eles fazem parte da lei, do pensamento e da vontade de Deus no plano humano. Qualquer ética poderá, então, e até deverá disciplinar esses impulsos, a fim de que melhor alcancem seu objetivo, mas jamais deverá opor-se a eles, pois isto significaria opor-se à Lei, tal como ela quer manifestar-se nesse nível. Portanto a ética tem pleno direito de impor a disciplina de sua lei, mas deve cumprir também o dever sagrado de respeitar a vida nestas suas exigências fundamentais. Em outros termos, a sociedade, para poder exigir obediência à sua moral, deve antes permitir a qualquer um o mínimo indispensável para que sejam satisfeitas aquelas exigências da vida. Se esse mínimo for negado, o responsável, mais do que o
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violador da lei, será aquele que a faz, porque ele, e não o transgressor, é a maior causa do mal e, assim, torna-se em primeiro lugar antimoral. Mas, desgraçadamente, dado o regime humano de luta, a moral que vigora é mais repressiva do que preventiva, mais “a posteriori” do que “a priori”, mais atenta a perseguir os efeitos do que a eliminar as causas. Intervir só depois do fato consumado pode significar não apenas a culpa do violador, mas também a falta de sabedoria de quem, tendo o poder em mãos, não soube impedir que se formasse o mal e apareceu só depois que o prejuízo se verificou, acreditando cancelá-lo com a repressão. Desta forma, em vez de se cancelar o mal, ele é agravado, como no exemplo, que se acreditava salutar, dos patíbulos públicos medievais, que habituava o povo espectador ao prazer, e não ao terror do delito. A moral do futuro será mais preventiva que repressiva; será mais uma ajuda para levantar, educando, que uma opressão provocadora de revolta; ocupar-seá sobretudo de criar condições de defesa em favor da vida, em vez de agredila. Só assim é possível evitar que a vida, para atingir seus objetivos, seja obrigada a se desviar por aqueles atalhos tortos e oblíquos que constituem o mal. No mundo atual, infelizmente, o respeito a essas exigências fundamentais da vida não é obtido por um sentido de disciplina, derivado da consciência da utilidade para todos de um estado de ordem, mas é dado pela força, que impõe esse respeito, e pelo interesse egoísta, que gera e movimenta essa força. Assim, o respeito à propriedade alheia, como à mulher do próximo, existe sobretudo porque há alguém que, no interesse próprio, sabe movimentar uma reação punitiva, logo que venha a faltar esse respeito. Explica-se, desse modo, porque a ética humana, no atual plano de evolução, só pode ser uma ética de luta, ou seja, à base de sanções por parte de quem a impõe, para obter obediência forçada, e, reciprocamente, à base de revoltas, para não ser obedecida, por parte de quem deve suportá-la. Essa é a ética que vigora nos fatos, ou seja, não uma ética de paz, na qual cada impulso vai por si ao seu lugar, seguindo espontaneamente o caminho exato, mas uma ética de guerra, decidida a sobrepujar de todos os lados os limites devidos, para usurpar o mais que se puder em benefício próprio e com prejuízo alheio. A tarefa da evolução será de levar o homem desta ética de guerra, com base na luta (imposição de um lado e revolta do outro), a uma ética de justiça, com base na compreensão (de um lado, respeito das exigências da vida e, do outro, obediência espontânea à ordem). Examinemos o problema em cada um de seus três pontos.
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1) Segundo a nova moral, para que a sociedade possa adjudicar-se o direito de impor respeito à propriedade dos que a obtiveram, por parte dos que a não obtiveram, ela deveria, em primeiro lugar, cumprir o dever de garantir a estes últimos um mínimo indispensável para viver: moradia, alimentação, roupa, educação etc., embora exigindo o trabalho correspondente, se não se tratar de incapazes. Enquanto aos deserdados faltar esse mínimo indispensável, a vida, que não quer renunciar a si mesma, os impelirá à revolta contra a ordem social, com assaltos organizados pelos partidos políticos, com o furto ilegal, que viola a lei, com o furto legalmente realizado, enganando a lei, bem como todos os delitos que ameaçam a propriedade e a vida. Nada disso deixará de aparecer todas as vezes que não for satisfeita a primeira das três exigências fundamentais da vida, ou seja, quando esta se sentir ameaçada na conservação do indivíduo. A fera assalta a presa quando necessita de alimento para viver. Com a nova moral, a culpa para o indivíduo começa quando ele exige o supérfluo, que está além do indispensável para as necessidades da vida. Isto é confirmado pelo Evangelho, quando diz que devemos dar o supérfluo aos pobres. Então, o que nos sobra não nos pertence, mas sim àqueles a quem falta o necessário, e não temos direito de possuir o que lhes cabe. Isto porque os bens não são um meio para satisfazer a cobiça de poucos, mas um instrumento a serviço da vida de todos, para que ela possa levar todos a obtenção de seus objetivos. Assim o supérfluo, quanto maior for, torna-se cada vez mais antimoral, porque, aumentando, diminui a necessidade de possuí-lo e cresce o dever de fazer dele bom uso, útil à vida e a seus fins. Se esse princípio do Evangelho tivesse sido seguido no passado e se hoje ainda o fosse, não teria havido nem surgiria hoje a possibilidade de revoluções sociais. Com isto, a vida tenta por sua conta uma primeira aproximação de justiça econômica, colocando então as várias classes sociais, cada uma a seu turno, na posição privilegiada. Sistema nada perfeito, porque são necessárias desordens e extorsões para que os bens passem das mãos de quem tem muito às de quem tem pouco. Com o mesmo fito, a vida tende também ao desgaste interior dos favorecidos, uma vez que o bem-estar os enfraquece e assim, automaticamente, coloca-os em condições de inferioridade na luta pela vida, fazendo que percam rapidamente sua posição de vantagem. Depois, o próprio fato de se achar, apenas em razão de seu nascimento, com uma riqueza já feita, não adquirida pelo próprio esforço, parece diminuir o valor dela aos olhos de seu possuidor, de modo que, embora tenha a força, ele se sente menos disposto
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que o normal a lutar para não deixar que a riqueza lhe escape. Paralelamente, enquanto este se torna cada vez mais inábil para mantê-la, a necessidade estimula as forças e aguça a inteligência dos deserdados, que, proporcionalmente, tornam-se cada vez mais espertos e audaciosos na luta de conquista. As duas tendências levam ao mesmo resultado, dado pelo deslocamento das classes, com uma distribuição diferente da riqueza. Isto prova que a vida, por si só, tende ao equilíbrio, à justiça, que, neste caso, é uma equitativa distribuição econômica, atingida por meio da instabilidade das posições. O homem gostaria, porém, da estabilidade hereditária, a qual ele sustenta com leis, defesas e estacas de toda a espécie. E ela permaneceria, se fosse equilibrada, ou seja, de acordo com a justiça, como quer a lei de Deus; permaneceria automaticamente, sem a necessidade, para sustentá-la, dos artificiais armamentos que, se não bastam para isso, é porque esse sistema está contra a Lei. Acontece então que a sagacidade humana não consegue paralisar essa tendência à justiça, tendência que os mina por dentro e os faz ruir por fim, como de fato se observa na história. Sistema penoso e doloroso, o qual poderia ser evitado pela aplicação do Evangelho, que elimina as causas. Mas o homem não atingiu ainda um grau de inteligência que lhe permita compreender isso e, visto não ser possível obter-se nada além disso no plano de evolução no qual ele está situado, deve sofrer então o prejuízo desse sistema. No futuro estado organizado da humanidade nada disso acontecerá, porque terão sido eliminadas as causas. A sociedade será então dirigida por esta nova moral, que, respeitando a propriedade, irá destiná-la cada vez menos ao fim individual egoísta e cada vez mais, com espírito altruísta, subordiná-la aos fins de utilidade social. O primeiro a tirar vantagem desta condição, que parece uma limitação, será o indivíduo, pois encontrará, nesta sociedade orgânica, uma proteção que hoje lhe é desconhecida, porque tal sociedade lhe reconhecerá e garantirá o direito de viver, direito que antes o indivíduo só podia fazer valer no caso em que suas forças pudessem impor-se a todos os outros. 2) O amor é uma função fundamental do ser, porque necessária para a conservação da espécie, sendo meio indispensável para que os indivíduos possam reencarnar-se, voltando e tornando a voltar à Terra, para fazer experiências e, assim, evoluir para os supremos objetivos da vida. Se, como dissemos, é moral tudo o que leva a alcançar esses fins, também o amor é moral, se dirigido à procriação, fazendo disto um meio para que esses objetivos sejam alcançados. O amor não se detém apenas na geração, mas também implica que ela seja
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completada com a proteção e a educação dos filhos, ajudando-os em tudo, para que a experiência da vida produza neles evolução e se resolva em melhoria espiritual. Quando, porém, por motivos fisiológicos, a procriação não seja possível, o amor pode ainda ser necessário como conforto, para manter a vida individual dos cônjuges, devendo eles, nesse caso, procurar, embora no campo mais restrito de sua existência e do auxílio recíproco, a obtenção dos supramencionados fins da vida. Recordemos que o amor é a maior potência criadora, enquanto o ódio representa o poder destruidor. O amor deve ser apenas disciplinado, para que se desenvolva de acordo com a Lei, deve ser guiado, para que se harmonize na ordem e nos leve para o Alto, como é sua função, mas jamais combatido nem destruído, porque, se o destruirmos, destruiremos a vida. E, quando ele não puder ser maternalmente gerador de filhos, poderá ser espiritualmente criador, tornando-se fecundo de bondade e elevação. Neste sentido, amar é moral quando ocupa seu lugar justo na ordem da Lei, ou seja, quando é usado como meio para atingir os supremos objetivos da vida. Amar torna-se imoral quando não é função deles, fazendo da própria satisfação egoística o único fim, que se substitui ao da vida. O mal começa logo que se sai da disciplina da ordem, com o abuso, com o excesso, com a busca do supérfluo, com a falta de respeito aos direitos alheios, sacrificados no altar do próprio egoísmo. Este representa uma força separatista e destrutiva do amor, que só pode ser altruísta, dirigido para dar, e não para desfrutar; para harmonizar e fundir as almas, e não para dividi-las, sem preocupar-se com as ruínas semeadas ao longo de seu caminho. Então começa o erro, e dele somos logo advertidos, não em teoria, mas com fatos bem percebidos. Como prova que erramos, a Lei, com sua reação, impõenos a dor. A ordem da Lei é alegria. Tão logo se aproveite de uma alegria que esteja fora dos limites fixados por essa ordem, entra-se na desordem, na antiLei. Verifica-se, então, fatalmente, a automática inversão da alegria, que se torna dor. Entra-se no terreno negativo, em que a saúde se torna enfermidade, a paz se torna guerra, o amor gera o ódio. Também o alimento é útil e agradável. Experimentemos, porém, ao invés de ganhá-lo, roubá-lo ou comer demais e, inevitavelmente, nos acharemos diante da reação da Lei, que nos expulsa de sua alegria e nos lança fora, no terreno da anti-Lei, onde essa alegria se inverterá em dor. É lógico e justo que assim aconteça, porque, se nós invertemos as posições nas causas, como podem elas não aparecer invertidas também nos efeitos?
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Insistimos neste ponto porque, no terreno da ética, ele é fundamental. A dor não é uma reação punitiva da Lei nem muito menos uma sanção vingativa por parte da justiça divina, porque a violamos. Pode-se até definir a dor como “um estado de desarmonia, motivado por termos querido, livremente, assumir uma posição de desordem em relação à ordem da Lei”. A dor depende de uma posição errada que o homem assume. Inevitavelmente, tão logo saia da harmonia da Lei, que é alegria, ele penetra na desarmonia da anti-Lei, que é dor. Esta é a campainha de alarme para nos avisar, com notas bem claras, que estamos fora da estrada, impelindo-nos a retomar o caminho certo, a fim de nos livrar dos sofrimentos. É desta maneira que, mesmo respeitando nosso livre-arbítrio, a vida nos coage a buscarmos seus objetivos superiores. Mesmo neste terreno do amor, a nova moral é moral de ordem, de paz, de respeito. Superando o atual nível humano, esta ética faz parte de um plano superior, no qual a vida não quer mais selecionar o ser egoísta, forte e astuto, que vive só para si e domina tudo, mas sim o homem social, que aprendeu a coordenar-se no futuro estado orgânico da humanidade, não causa dano a ninguém e protege a vida primeiramente em sua companheira e em seus filhos, tornando-se guia da elevação deles. A evolução nos levará cada vez mais para longe dos tempos em que o macho roubava a mulher e em que o amor se realizava numa atmosfera de destruição e violência, forma mental ainda viva nos menos evoluídos, a qual vemos reaparecer nos tão difundidos romances onde o amor, ao invés de afeto e bondade, torna-se crime e morte. Mesmo neste campo, a moral atualmente vivida nos fatos é substancialmente de guerra, fazendo que o maior grau de ordem atingível seja aquele que se obtém dentro do castelo fechado e armado da família, dirigida por um chefe que saiba defendê-la contra todas as outras. Mais não se pode conseguir num plano biológico onde tudo se realiza em função da luta, que é sua lei. Toda a psicologia daí derivada terá de ser superada pela evolução. A prepotência do homem, considerada hoje como valor, será amanhã julgada defeito, porque antissocial. Sua prova de força não consistirá em submeter ao próprio egoísmo um ser fraco, necessitado de proteção, como a mulher, mas em defendê-la, elevando-a ao estado de companheira e colaboradora na construção do edifício da família e na obra da ascensão espiritual desta. Antes de terminar este assunto, temos de nos ocupar de uma classe à parte, representada pelos que renunciam. A renúncia ao amor, isto é, a castidade, é moral ou antimoral? Se, como acima dissemos, é moral tudo o que, no mais
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amplo sentido, é útil a vida, porque leva à obtenção de seus fins supremos, a renúncia só poderá ser moral se pudermos descobrir nela algum elemento que satisfaça a essas condições. À primeira vista, se a vida quer a procriação, como indispensável meio para evoluir, a renúncia que nega essa procriação parece imoral. E, verdadeiramente, na renúncia existe algo de negativo, que se limita a dizer “não”, e jamais uma afirmação positiva. Ora, dado que a moral faz parte da Lei, que é toda positiva e construtiva, dirigida ao ser, e jamais ao não-ser, a renúncia pode ser julgada como imoral, se olhada segundo a lógica estreita do plano de vida animal. O problema agora é ver se a renúncia pode conter também um lado de afirmação positiva, que justifique e compense o seu negativismo, porque só assim a sua imoralidade poderá transformar-se em moralidade. Mas, se, no plano animal, a renúncia é simplesmente negativa, não é nesse plano que poderemos encontrar compensações e substituições. Resta-nos então procurá-las num plano mais alto, no mundo espiritual. Poderemos dizer, então, que o negativismo da renúncia, imoral pela própria natureza, porque antivital, encontra plena justificação e se torna moral, quando esse negativismo é neutralizado por uma conquista num plano mais alto, ou seja, no espiritual. Tudo o que é destrutivo pertence às forças do mal. Mas o que é destrutivo num plano pode ser construtivo em outro, e cada destruição, que, por própria natureza, é negativa e, portanto, imoral, pode tornar-se meio de construção, transformando-se assim em positiva e moral. Então uma mutilação de vida, que por sua natureza é imoral, pode ser moral quando, em outro sentido, é criadora e produz um acréscimo de vida. A renúncia é moral quando não vai contra a vida, mas, no sentido que agora expusemos, caminha para a vida. Conclui-se de tudo isto que, se a renúncia não for condição de conquistas espirituais, se não for usada em função destas, ela perde sua razão de ser e permanece injustificável. Isto porque destruir por destruir, sem reconstruir, é imoral, como o é tudo que permanece estéril em relação aos supremos fins da vida. Pela mesma razão, todas as virtudes que se detém apenas em seu lado negativo, sem produzir nenhum fruto vital, contraindo o eu, ao invés de fazê-lo crescer e desenvolvê-lo em direção a Deus, como quer a lei da evolução, são, quando não prejudiciais, pelo menos inúteis à vida e, portanto, mais imorais que morais. A verdadeira virtude não se afoga no paul do “não fazer”, mas se dirige sempre a um “fazer”, embora às vezes tenha de escolher o caminho inverso do “não fazer”.
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Com isto, não quisemos desvalorizar nem condenar a renúncia, mas apenas definir seu significado e valor em função da Lei e dos supremos fins da vida. Esta tem de evoluir e, portanto, não pode admitir nenhuma compressão, senão em vista de uma correspondente expansão; nenhuma renúncia ao amor material, senão como condição de uma conquista maior como amor espiritual. A castidade é útil quando serve para criar um amor maior, e não quando serve para matá-lo, atrofiando na frieza e na indiferença os nobres impulsos do coração. 3) As exigências fundamentais da vida não se esgotam apenas com a conservação do indivíduo e da espécie, mas consistem também numa terceira, a evolução, sem a qual as duas primeiras não teriam objetivo. De fato, tanto trabalho para conservar em pé a vida não pode ser explicado como um fenômeno fechado, que eternamente gira sobre si mesmo, sem desembocar numa finalidade que o justifique e um dia o resolva. E eis que, para nos dar a chave de todo o jogo, aparece o conceito de evolução. A maioria – formada pelas grandes massas e movida pelos instintos da fome e do amor – está encarregada pela vida de prover o cumprimento das duas primeiras exigências: a conservação do indivíduo e a conservação da espécie. A tarefa de fazer evoluir essa massa é, porém, confiada a poucos indivíduos, biologicamente fora de série, especializados nesse trabalho de exceção, no qual ficam, ainda que por cima, isolados da maioria, expulsos da média, que tudo estabelece e faz para o próprio uso e costume, segundo as medidas de sua forma mental. Qual é a sorte desses indivíduos? Naturalmente eles não estão totalmente presos neste trabalho, que representa sua principal função biológica e o objetivo de sua vida. Mas isto não modifica absolutamente as condições do ambiente em que devem operar, nem impede que a luta de ataque e defesa – a principal lei dos seres entre os quais eles têm de viver – acometa-os com sua agressividade, enquanto eles estão absorvidos num trabalho totalmente diverso, no qual são especializados, tanto quanto, ao contrário, o tipo comum é especializado na luta. Se o evoluído não sabe e não pode lutar, nem por isso os outros deixam de agredi-lo, tanto mais que eles se sentem mais fortes nesse terreno, e nada os atrai tanto quanto a facilidade da vitória. Parece, então, que o habitual destino do gênio na Terra é ficar abandonado e despojado, enquanto a riqueza tende a superabundar nas mãos dos especializados em sabê-la acumular. O ser encarregado da função biológica superior de fazer evoluir é um pioneiro lançado para o futuro, provido das qualidades próprias ao plano superior que deverá ser atingido, em detrimento daquelas possuídas pela maioria que vive na
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Terra. Condenado a viver neste ambiente, que não é o seu, enquanto está atento a realizar sua missão de ensinar formas superiores de vida, é facilmente superado pelos que, sabendo lutar, podem explorá-lo, roubando tudo o que é dele. Para vergonha da humanidade, a história está cheia de casos de grandes músicos, artistas, pensadores, cientistas etc. – em todos os sentidos, grandes benfeitores – que viveram e morreram na miséria, enquanto se esbanjam riquezas por inúteis luxos e se gastam fabulosas somas para matar o próximo na guerra e para, na paz, aperfeiçoar a arte de matar. Isto demonstra em que estado de involução se acha ainda o homem e como a vida do evoluído, na Terra, para fazê-la progredir, só pode ser uma vida de martírio. Dizê-lo pode parecer ofensivo para as grandes almas, mas, certamente, uma humanidade que não sabe defender o mais alto produto da raça, incumbido da função de fazê-la evoluir, não pode considerar-se civilizada.
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IX. O PROBLEMA DA MORAL – II Como age a nova moral? Mundo de luta. Evolução por ação e reação entre dirigentes e súditos, por comum abrandamento de costumes. Progressiva eliminação da luta e da dureza das leis. Em direção a uma moral cada vez mais amiga. A vida, estado de guerra. A ética que se vive nos fatos e suas consequências. A função biológica da mentira. A virtude como astúcia. A liquidação do simples e honesto. Ética emborcada. A psicologia do selvagem e do civilizado. Inteligência prática, para a luta, e não indagativa, para o conhecimento. A moral da nova civilização do espírito. Dadas as atuais condições do mundo, como fazê-lo evoluir além, levando-o a viver a nova moral? Aplicando-a ao real estado de fato, que reações excitará e receberá em resposta, quando se trata de passar seriamente de uma ética pregada a uma ética realmente vivida? Não podemos esquecer que se trata de um mundo em que tudo se baseia na luta, um mundo em que a norma ética teve de aparecer até agora como imposição armada de sanções, resultando como consequência o desenvolvimento da arte de escapar delas. Há luta entre o evoluído, que quer subir, e o involuído, que não quer subir, luta entre duas leis diferentes, que aspiram ao domínio absoluto sobre o homem. Ora, é lógico que, nesse ambiente, qualquer inovação tem de ser iniciada de cima, isto é, por parte dos vencedores, que são os únicos que têm o direito de mando nesse plano. Se aí tudo funciona assim e se esses são os princípios que estabelecem a conduta dos que vivem aí, não podemos sair deles, nem mesmo quando queremos estabelecer uma norma ética, embora ela desça de planos superiores, regidos por princípios diferentes. As normas concebidas nos ambientes mais elevados constituem o que se chama a teoria. O modo com que são recebidas, adaptadas e até invertidas no ambiente humano terrestre constitui o que se chama a prática. A teoria é bela, resplandecente, mas a tendência é que seja deturpada e corrompida logo que desce à prática. A realidade apresenta-nos, então, um espetáculo bem diferente do que se poderia imaginar. Quem faz as leis é a camada social superior, que tem o direito de mandar porque venceu a batalha da vida. Se essa camada não faz a lei ética, porque só poucos e excepcionais evoluídos conseguem intuí-la, pode, no entanto, formulá-la em artigos de lei, dosá-la e sobretudo enchê-la de sanções, que são, na Terra, as coisas mais importantes, se não quisermos permanecer no
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campo teórico. Então a ética, que no Alto é outra coisa – isto é, norma espontânea de convicção – também se torna luta para adaptar-se à lei do plano em que desceu. É sob esse aspecto que a moral aparece em nosso mundo, fato que pode parecer estranho e contraditório, mas do qual compreendemos as razões. A ética se resolve assim, na prática, a uma luta entre a classe superior, que impõe as leis, e as classes inferiores, que devem aceitá-las, a um conflito entre a classe dos juízes, que estabelecem a culpabilidade e condenam, e a dos julgados culpados, que são condenados, se não obedecem. Podemos perguntar-nos, agora, como a vida consegue evoluir, se a descida dos ideais á Terra está submetida a esse sistema que os converte em luta e, assim, paralisa-lhes o efeito mais importante, que é provocar uma melhoria? Eis como isto acontece. O progresso é um impulso íntimo, que age, de dentro, indistintamente sobre todos, tanto em quem manda como em quem obedece. Então, uma vez que não pode submeter-se ao conflito entre os dois impulsos opostos em luta, a evolução, ao invés de ficar dominada por ele, domina-o e o utiliza. Não podendo caminhar em linha reta, avança tortuosa como um rio, por impulso e contraimpulso, por ação e reação entre as duas partes contrárias, que, assim, acreditando eliminar uma a outra, colaboram substancialmente na mesma direção, que é dada pela evolução. Os dois grupos opostos influenciam-se mutuamente. Logo que um progrida um pouco, o outro recebe e assimila os benefícios, civiliza-se, abranda seus costumes, obedece com um pouco mais de consciência e conhecimento, mais espontaneamente convencido, porque experimentou as vantagens de viver na ordem. São a luz e a bondade que começam a chegar, desmantelando aos poucos o castelo das coações e sanções, duro ônus que pesa sobre todos e do qual agora é possível começar a libertar-se, porque cada vez se torna menos necessário. Isto permite aos dirigentes a mitigação das penas – o que antes não se podia fazer sem prejuízo destes, que teriam qualquer ato de bondade interpretado como sinal de fraqueza e autorização à devassidão – e o abandono cada vez maior do método psicológico de imposição pelo terror, indispensável para disciplinar seres rebeldes e ferozes. A ideia do inferno não foi criação de um grupo sacerdotal, mas uma necessidade psicológica, imposta pelo estado de involução em que se achava o homem no passado. Sem esse terror, hoje inaceitável, o edifício ético, em virtude de sua estrutura mental, teria caído na anarquia. Mas é lógico que tudo isso deva ir desaparecendo automaticamente, sem danos, logo que o homem, civilizando-se mais, o permita.
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Caminho lento, gradual e difícil, mas fatal. Sem dúvida, os dirigentes, por causa da natureza de seus súditos, têm necessidade de se defender e não podem abandonar-se a excessivos atos de bondade, sem que haja inversão da ordem desejada pela lei ética, o que se tornaria antiético, porque impediria a vida de atingir seus objetivos. Para o involuído, a ética precisa estar armada de chicote, pois só assim pode levá-lo ao bem. Mas não restam dúvidas de que o dever da iniciativa dos melhoramentos cabe à classe dos dirigentes (extinção da pena de morte, abolição da escravidão, melhora no sistema de prisões, mitigação da pena, justiça econômica, previdência social etc.). Essa iniciativa deverá ser levada até ao limite máximo possível, conforme o grau de bondade que o estado de civilização atingido permite. Dentro desses limites, as classes menos evoluídas da sociedade poderão restituir à classe superior o bem que recebem, na forma de um abrandamento de costumes. A finalidade da lei imposta é sobretudo educar, ensinando, à força de sanções, a viver mais civilizadamente, porém deve estar pronta a abandonar esse sistema logo que os súditos aprendam a lição e demonstrem não mais necessitar desses métodos. Na feroz Idade Média realizavam-se as execuções capitais e as punições físicas nas praças, à vista de todos, usando o sistema do terror, julgando-se educar o povo a respeitar os detentores do poder. Mas isto também educava o povo no gosto pelo crime, nunca dominado com esse sistema, o qual, no fundo, só demonstrava o medo que os dominadores tinham de ser derrotados. Com o tempo, o trabalho subterrâneo da evolução abrandou tudo, tanto que esses espetáculos, aos quais a multidão acorria com satisfação, gerariam agora nojo e condenação. Assim, por golpes e contragolpes, realiza-se a evolução, e a humanidade progride para formas de vida que contêm cada vez menos o mal e cada vez mais o bem. As massas, educando-se cada dia mais no bem, permitem aos dirigentes e às leis que sejam melhores, e estes, melhorando, educam as massas cada vez mais no bem. Esse é o sistema utilizado pelo progresso num mundo de luta, onde isto pareceria impossível precisamente por causa da luta. O progresso, paradoxalmente, realiza-se por meio da luta, isso nos mostra como é profunda a sabedoria da vida. Nos tempos involuídos, a repressão forçada é um mal necessário, que se destina, porém, a ser superado. Não é a repressão que liberta a sociedade de seus males, mas sim esta mecânica progressiva que acabamos de ver. Pelo contrário, a repressão aumenta a reação, a violência gera a violência e, em úl-
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tima análise, o mal só pode ser combatido com o sistema da não-reação, somente pode ser verdadeiramente vencido, se o neutralizamos com igual medida de bem. Muitos abusos e delitos nascem, frequentemente, de um abuso e delito maior, dado por não reconhecer nos dominados os direitos que os dominadores reconhecem para si mesmos. Os princípios superiores da ética são tão mais difíceis de serem aplicados quanto mais poderoso e ativo é o sistema de luta que vigora no ambiente ao qual eles são trazidos. A humanidade futura será mais inteligente e compreenderá a enorme vantagem de se comportar de modo diferente. No fundo, os conceitos de moral e evolução coincidem, assim como os de antimoral e involução. Ao evoluir, o indivíduo se torna espontaneamente moral, assim como, ao involuir, ele se torna antimoral. Por natureza, o evoluído é mais moral que o involuído. Moral é evoluir. Antimoral é involuir, assim como também é antimoral viver uma vida estéril, que nada produz de bom nem para si nem para os outros. Moral lógica e utilitária, baseada no utilitarismo da vida, que não é superficial nem míope para buscar efeitos imediatos, mas sim profundo e de longo alcance, substancialmente frutífero. Definimos a dor como um estado de desarmonia, devido à própria posição de desordem. Com efeito, a dor deriva da desordem, que leva os indivíduos à luta, fazendo-os chocar-se uns contra os outros. É lógico, pois, que a dor tenda a desaparecer com a evolução, porquanto a evolução leva à ordem e a ordem, por sua vez, pacifica os indivíduos, fazendo-os caminhar disciplinadamente, cada um seguindo seu trajeto, sem se chocar com o vizinho, ofendendo-o. Assim como a fera que, ao evoluir, torna-se menos feroz e perde as garras, ou seja, assim como a evolução realiza uma progressiva eliminação da luta pela vida, também a moral, à proporção que evolui, torna-se menos opressora, menos aterradora, menos armada de duros castigos. Com a evolução, tudo tende à harmonia, à alegria, à bondade. O homem torna-se mais livre e, ao mesmo tempo, adquire maior sentido de responsabilidade. Quem quiser subir aproveitará depois as vantagens. Quem não quiser subir permanecerá em seu nível de vida, com todos os males inerentes a ela. Em substância, a nova moral diz apenas: civilizai-vos e vivereis muito melhor. E, se agrada a todos viver melhor, é lógico que, descoberta a estrada para atingir esta condição, seja considerado conveniente submeter-se ao esforço indispensável para percorrê-la. A ética atualmente em vigor na prática, embora teoricamente bela, é torcida pelos instintos elementares, cheia de trasbordamentos do subconsciente e de ilu-
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sões psicológicas devidas a perspectivas erradas, produzidas pela forma mental que dirige o homem em seu atual plano de vida. Moral em que reaparece a cada passo, nos fatos, o cálculo do próprio interesse, o medo do patrão, o desejo de evitá-lo, enganando-o com escapatórias, o contínuo sentido de luta para tornar-se o mais forte e assim vencer a todos. Esse triste estado deve ser abandonado e superado com formas de vida mais altas e felizes. Não mais tantas condenações, que sufocam a vida, mas esforços inteligentes para melhorar, andando ao encontro dela. Uma moral amiga, que nos levará ao bem, querendo-nos bem, e não uma moral inimiga, em que o instinto humano de luta e agressão encontra desafogo. É preciso afastar-se cada vez mais dos grandes absurdos e aberrações do passado, como as guerras santas, as inquisições, os infernos eternos, a benção das armas e as condenações em nome de Deus, bem como de toda coação espiritual que leva à aceitação forçada, como substituto da aceitação espontânea, por convicção. Uma moral fraterna e pacífica, de onde desapareceu a luta. Moral em que, sendo tudo lógico e claro, não pode aparecer a mentira, porque é contraproducente. Para eliminar todos esses efeitos ruins, é mister eliminar as causas. Não se trata de uma moral para uso dos vencedores, em detrimento dos vencidos, mas de uma moral de justiça, em que há lugar para os direitos e a vida de todos. Então a classe dos rebeldes à ordem social não tem mais razão de existir, desaparecendo essa praga, essa luta e esse perigo. Mas, enquanto dominar uma moral de classe, ao invés de uma moral biológica imparcial, a humanidade terá de continuar a luta e não poderá purificar-se de seus elementos mais daninhos. Estas são as regras do jogo, e não podemos sair delas. Se semearmos justiça, colheremos ordem e paz, mas, se semearmos injustiça, só poderemos colher revolta e mentira. Se, no próximo, quisermos enganar a vida, a vida, através do próximo, nos enganará. Esta é uma realidade à qual não podemos escapar, mesmo se fizermos tudo em nome de Deus, da pátria, de um ideal ou do bem da humanidade. Esta é a verdade a que tudo se reduz, para além dos esquemas filosóficos, religiosos, ideais e sociais. As aparências não contam. Se não formos sinceros, teremos mentira; se oprimirmos, teremos revolta; se não soubermos mandar para o bem alheio, não obteremos obediência. ◘ ◘ ◘ O ponto fraco da moral vigente é sempre permanecer imersa no plano da luta, ser uma expressão dela e existir em função dela, permanecendo assim moral de involuídos. A causa primeira dos males daí derivados é o princípio do
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mais forte, que domina nesse plano e gera fatalmente à derrota. Segundo esse princípio, a verdade é estabelecida pela maioria, com suas ideias, para satisfazer a seus instintos e interesses. Cabe-lhe esse direito, porque ela é numericamente mais forte. Mas quais são as ideias da maioria, que certamente não pode representar uma elite selecionada? São aquelas correspondentes aos impulsos mais elementares da vida. E é a essa altura, própria dos involuídos, que os evoluídos são constrangidos a se nivelar. Então, mesmo que a verdade possa descer do Alto pela revelação, o que a humanidade aceita, aplica e vive é estabelecido pelos limites impostos pela capacidade de compreensão das massas, incapaz de ir além de um consentimento instintivo do subconsciente, que representa a parte mais involuída, o lado animal do ser humano. São estas as forças que, através dos fatos, tendem a dirigir a atividade humana e com as quais a ética tem de contar, pagando o seu tributo, ainda que, na teoria, ela pretenda justificar-se, proclamando-se consequência e aplicação de princípios absolutos e afirmando ser praticada em nome de Deus e dos mais altos ideais. A realidade positiva que aparece nos fatos é a satisfação do imperativo dos interesses da vida, que quer atingir sua finalidade. Constrói-se, assim, o castelo da ética sobre bases escusas, que se enterram nas vísceras do mundo biológico e que pouca afinidade tem com abstrações lógicas e teológicas, onde a ética pretende fundamentar-se para assumir valor absoluto, acima de nosso contingente. Assim como o homem construiu para si uma ideia toda antropomórfica da Divindade, para seu uso e consumo, e assim como se colocou na posição de único objetivo da criação, num planeta que estava no centro do universo, em função de valores considerados absolutos – como, por exemplo, a imobilidade da Terra e a solidez da matéria – do mesmo modo o homem também construiu para si uma ética com base em ilusões psicológicas, que a observação acurada das mentes mais adiantadas vai gradualmente desfazendo através da análise, à proporção que, evoluindo, a inteligência humana se abre. Justifica-se essa forma mental, responsável pelo conceito de verdade absoluta, através do desejo instintivo de atingir a última meta do conhecimento. Acredita-se assim atingi-la e possuí-la, enquanto, para o homem situado no futuro, só são possíveis verdades relativas e em evolução. E, de fato, é isto o que a realidade nos mostra, apesar das mais absolutas e dogmáticas afirmações em contrário. Diante do transformismo universal, a que nenhum ser pode escapar, porque está imerso no fenômeno da evolução, o absoluto imutável só é admissível como distante meta final, ainda não tocada e só atingível no térmi-
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no do processo evolutivo. Até que seja alcançado esse ponto – tão distante, que escapa à avaliação de nosso concebível – só podemos admitir para o ser uma progressiva sucessão de diversas aproximações da verdade, como etapas da contínua conquista do conhecimento. A ética é apenas um dos aspectos dessa verdade e, como tal, também só pode ser relativa e em evolução. Eis então que a ética, como o conhecimento e tudo o mais, é dada pela posição que o homem atingiu ao longo da escala da evolução e existe em função desta, ou seja, do grau de desenvolvimento alcançado, o que estabelece, em todos os campos, os limites do concebível humano. Surge então, na Terra, a possibilidade de existirem diversas éticas, relativas ao grau de evolução atingido. É verdade que a maioria estabelece um nível médio proporcional à sua sensibilidade e compreensão, adaptado às massas, que nele se encontram à vontade. Mas é também verdade que os mais evoluídos podem considerar essa ética como altamente imoral, já que ela encara como lícito e natural o que a eles pode parecer até mesmo um crime. A moral dos selvagens atinge a antropofagia. A moral do homem civilizado admitiu, até há pouco tempo, a escravidão e ainda admite, em vários casos, o direito de matar o seu semelhante. Quanto mais civilizado é o ser, mais ilícitas são muitas coisas permitidas pela moral comum, e quanto mais evoluído é, mais horrorizado ele fica com os atos que seus semelhantes, sem nenhum sentimento de culpa, praticam, mas que, para ele, seriam inadmissíveis. Em relação a esse tipo biológico evoluído, poderia então ser feita uma lista de crimes que a ética comum, tanto religiosa como civil, admite tranquilamente, sem perceber a sua atrocidade, com a mesma ingenuidade – em proporção – que o antropófago devora o seu inimigo. Vejamos alguns desses casos. 1) Julgarmos não em função da justiça, imparcialmente, mas em função da força de que o julgado dispõe, seja em posição social, poder econômico, capacidades bélicas etc., chegando assim a uma justiça que funciona de modo exemplar apenas para o faminto e inerme ladrão de pão ou de galinhas. 2) Julgarmos e condenarmos o próximo sem conhecer suas condições reais e só em função deles mesmos. Sermos tolerantes quando encontramos nos outros os nossos próprios defeitos, pelos quais também nós poderíamos ser condenados primeiro, se os condenássemos. Tornarmo-nos impiedosamente intransigentes e modelos de virtude, quando nos outros podemos apontar defeitos que não temos, pelos quais, portanto, não podemos ser alvo do retorno da acusação.
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3) Servirmo-nos das altas coisas do espírito e de Deus como meio para alcançar vantagens materiais, a fim de vencer na vida e nos afirmarmos no mundo, prostituindo-as até fazer delas instrumento de astúcia de guerra. Em outros termos, servirmo-nos da política para satisfazer o próprio orgulho ou para nos tornarmos uma potência social e econômica, e não para ajudar a nação; servirmo-nos da religião para assegurar uma posição, e não para cumprir a missão de levar o bem às almas; trairmos os princípios que dizemos professar, usando-os para outros fins, enganando a respeito dos verdadeiros métodos de vida, bem camuflados sob um belo manto de hipocrisia, e praticando na realidade, sob tão belas aparências, o jogo duplo do Maquiavelismo. 4) Segundo a moral em vigor, é lícito vivermos no desperdício do supérfluo, enquanto outros nossos semelhantes carecem do estritamente necessário, assim como é lícito entrarmos na posse de bens que não foram ganhos com o próprio trabalho. 5) É lícito roubarmos, quando damos com isto prova de uma inteligência que sabe enganar a justiça estabelecida pelas leis. Saber escapar astuciosamente aos castigos, pode até merecer como prêmio a velada estima da opinião pública, que não a regateia a quem saiba vencer e tornar-se poderoso. Este, então, passa a ser incondicionalmente admirado só por isso, sendo relegados ao esquecimento os meios utilizados, uma vez que os resultados atingidos são tão brilhantes e invejados. 6) É lícito, com a benção de Deus e as honras da pátria, matarmos, quando isto corresponde aos interesses do próprio país ou dos detentores do poder. Aos maiores carrascos da humanidade, que realizaram as maiores matanças bélicas, foram tributadas as maiores honras da história. A lista poderia continuar. Estes são alguns dos delitos que, na realidade, a ética humana atual reconhece como lícitos, embora os condene teoricamente. São delitos que qualquer um pode tranquilamente cometer, continuando pessoa de bem e cidadão estimado na sociedade, como bom cristão, a quem as religiões prometem o paraíso. Assim, a maioria cria a própria ética, satisfazendo seus instintos, aos quais obedece de boa fé, acreditando permanecer na verdade e na justiça. Não tendo atingido ainda um nível evolutivo suficiente para perceber o que está fazendo, a pessoa se julga honesta e sincera. Nada mais se pode fazer, então, senão repetir com Cristo: “Perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”. E, para compreender o comportamento desses seres, temos de raciocinar com a inteligência da vida, que os faz movimentarem-se por meio
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desses instintos, sem que eles saibam o porquê. Eis que aparece então, além da ética pregada e teoricamente professada – artificiosa construção do pensamento – esta outra moral biológica e realística, em que a vida impõe as férreas leis de seu plano de evolução. Esta moral biológica pode parecer mais livre, pois permite muitas coisas que são proibidas, como as citadas acima, mas nem por isso é menos dura. Justamente porque mais involuída, está armada com reações férreas, para manter na linha o involuído, menos sensibilizado. O homem comum se sente livre e, por isso, acredita que lhe seja permitido realizar impunemente qualquer desejo, não imaginando que vive constrangido nas malhas de uma rede de ferro, estabelecida pela Lei. Como esta lhe deixa liberdade de ação, ele acredita que possa fazer o que quiser e não percebe que a cada movimento seu corresponde uma inexorável reação. Assim, o homem faz o que bem entende, mas a Lei é um sensibilíssimo organismo de forças que, à mínima violação de sua ordem, responde com um proporcionado e adequado contragolpe, colocando assim cada coisa em seu lugar, de acordo com a justiça. Essas forças são como tentáculos que atingem quem errou contra a Lei, sem possibilidade de fuga, em qualquer tempo ou lugar que ele se encontre. O homem, acreditando-se totalmente livre, está imerso nessa atmosfera de ordem imposta pela Lei. Ele faz parte desse organismo de forças que o vincula de todos os lados e, nele, precisa saber manobrar com sábia retidão, se não quiser depois ser coagido a suportar tremendos contragolpes como reação da Lei. É justamente nesse ambiente – de cuja verdadeira natureza o homem não pode tomar conhecimento devido à sua ignorância – que o homem gosta de se mover segundo seus loucos caprichos, perseguindo as miragens do dominador que pretende impor-se a tudo. É fácil imaginar que dilúvio de dores daí resulte. E é isso que de fato vemos acontecer no mundo. É como se um aviador quisesse voar sem conhecer nem respeitar as leis da aerodinâmica, pretendendo, ao contrário, impor-se a elas, para dobrá-las, obrigando-as a funcionar segundo a sua vontade. O resultado lógico seria, ao invés de mudar estas leis, o aviador cair ao solo, pagando as consequências fatais de sua louca pretensão. Qualquer técnico que conheça aquelas leis poderia matematicamente explicar-lhe a lógica das necessárias consequências. As primeiras características do involuído são a sua ignorância e o seu instinto de revolta, de modo que, aumentando essas qualidades com a involução, aumenta proporcionalmente a força dos golpes recebidos. Mas é justamente
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desses golpes maiores que a insensibilidade maior do involuído precisa para aprender a conhecer a Lei e, assim, não ofendê-la com a própria revolta. Os meios para educar são enérgicos na medida adaptada à capacidade perceptiva dos alunos. Estes podem semear a desordem que quiserem, mas só para si, tendo depois de pagar os prejuízos à própria custa. Ninguém pode impedir que tudo esteja proporcionado e em perfeita ordem na Lei. O objetivo da escola da dor é ensinar o ser a obedecer a Lei e a saber movimentar-se seguindo sua ordem, para não se chocar com ela, provocando suas reações. Todavia o homem é um rebelde por natureza. Julga-se honrado e sábio, quando sabe impor-se a todos, e se gaba da arte de violar as leis, conseguindo depois escapar às suas reações. Entre o involuído e a Lei estabelece-se assim, em vez de um regime de consentimento e harmonia, uma espécie de duelo, onde o homem desejaria superar a Lei, a qual lhe aparece não como uma norma para sua felicidade, mas sim como um inimigo que deva ser dobrado e enganado. Acredita que, desta forma, dá prova de inteligência, usando de astúcia ao querer, nas barbas de Deus, lograr os homens. Trágico malentendido, que escancara as portas à dor, reação necessária para corrigir esse erro. A Lei não é um obstáculo que valha a pena superar com bravura, mas um guia amigo, cuja vontade é nos levar à felicidade, a qual procuramos destruir quando nos rebelamos contra a Lei. Com a desobediência, semeamos dor onde a Lei, se fosse obedecida, faria nascer alegria. É assim que, através dos oceanos de todos os sofrimentos, o homem aprende a conhecer os artigos da Lei. É assim que, pagando pela desobediência, aprende-se a arte de obedecer. Desse modo, a Lei, duplamente sábia, compensa a loucura do homem, impelindo-o, apesar de tudo, a realizar a própria evolução. E, quanto mais o homem, na sua luta contra a Lei, procura escapatórias para fugir de seu castigo, tanto mais esta o chicoteia, para trazê-lo à sua ordem. O jogo que vale para as leis humanas, as quais é possível enganar, não vale para a lei de Deus, que não se pode lograr. Nossa ignorância pode ser grande o bastante para nos fazer crer que isto seja possível, mas não muda a realidade dos fatos. Quando julgamos que fomos mesmo sabidos, conseguindo burlar a Lei e escapar de suas sanções, explode a sua reação maior, com a tempestade corretiva. Aprende-se, então, a lição mais salutar, na qual se ensina que o erro maior, pelo qual se paga mais caro, é justamente julgar ser possível, com a força, impor-se à Lei e, com a astúcia, escapar das consequências da desobediência.
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As estradas de fuga abrem-se diante de nossos olhos, amplas e convidativas. Os ingênuos acreditam que fizeram a grande descoberta e encontraram os atalhos da felicidade. Lançam-se a eles aos montões, como moscas ao mel. Que convite: ganhar a bom preço e com pequeno esforço! Como resistir a isso? Mas a Lei é justa e não admite a possibilidade de se obter uma vantagem que não seja conquistada e merecida. Essas soluções cômodas são pura ilusão. Esses caminhos fáceis, que parecem conduzir à felicidade, são labirintos sem saída, becos cheios de dor, e, para sair deles, é mister caminhar para trás, engolindo o erro e tornando a percorrer a íngreme subida por todo o caminho percorrido na descida fácil. Há uma estrada que não engana e verdadeiramente resolve o problema, sem nos trazer sofrimentos. Mas, por ser pequena, estreita e lateral, ninguém lhe dá importância. Não atrai os caçadores de vitórias fáceis, porque é íngreme e incômoda. Termina numa passagem muito estreita, e, para atravessá-la, é preciso estar nu, sem nenhuma roupagem de mentiras, despido dos enfeites das coisas terrenas, sutil e leve, espiritualizado e livre do peso da matéria. Esta estrada é a honestidade. Só passam por ela os justos, os sinceros, os obedientes à Lei. Por aí, seria possível seguir sem se chocar com as reações da Lei, mas é difícil, e ninguém pensa nisso. Para consegui-lo, são necessárias qualidades que não se tem e que são duras de conquistar, requerendo esforços que não são agradáveis fazer. Por isso ninguém olha para esse lado, onde, no entanto, está o caminho para se livrar de todos os sofrimentos. Então são preferidas as outras estradas, amplas e convidativas, mesmo que depois não conduzam, como é lógico, senão ao engano. Está de acordo com a Lei e é justo que seja enganado quem quer enganar e seja logrado quem se vanglorie de saber lograr. Fala-se depois que a vida é ilusão. Mas esta foi desejada pela psicologia da astúcia, que ilude primeiro quem acreditou poder iludir a Lei. Quando, depois, por obra de seres mais adiantados, desce do Alto uma ética com uma norma de conduta que nos leva a evitar esses males, mesmo assim o homem, como fazia com a Lei, procura todas as escapatórias para lográ-la. O involuído primitivo não sabe responder de outra forma. Quando, por imaturidade evolutiva, falta a consciência das próprias ações, a ética poderá impor normas mecânicas e exteriores, mas não poderá improvisar essa consciência. Nesse nível, a ética se reduz, então, à prática formal daquelas normas, e o indivíduo, realizando-as, sente-se tranquilo em sua consciência, convencido de que nada mais se deva nem se possa fazer. Não se pode exigir nesta condição
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mais que esse cumprimento formal, porquanto falta a sensibilidade necessária para se perceber o peso das coisas espirituais, que os imaturos, para chegar a percebê-las, revestem de formas materiais, para tentar segurá-las nesta forma, dando-lhes corpo concreto, porque de outro modo ficariam inatingíveis, perdidas no mundo do superconcebível. É assim que se pode chegar a uma ética formal exterior, que os involuídos praticam de perfeita boa-fé, julgando-a uma ética de substância, que não pode, no entanto, deixar de aparecer aos olhos do evoluído como uma mentira e uma traição de princípios. Não se pode, porém, culpar ninguém, porque ninguém pode dar o que não tem, nem ser mais do que é. Não se pode exprobrar a planta de ser planta, o animal de ser animal, nem qualquer outra criatura de só saber existir conforme as qualidades que possui. A condenação ou o prêmio cada um o traz em si, com a própria inferioridade ou com a própria superioridade. Não se pode culpar os involuídos pelo fato de, no seu nível, a vida não saber funcionar de forma mais adiantada. Na realidade, não há nenhuma vantagem em ser involuído, e quem não sabe viver melhor merece compaixão pela sua desgraça. Ninguém mais do que o ignorante é vítima, pois, acreditando mandar, é obrigado a obedecer a leis que não conhece. Não é a eles mas apenas ao evoluído consciente que se pode pedir para compreender o mecanismo de seus instintos e reações, que são a chave de seu comportamento e constituem a sua íntima e verdadeira moral. Esta é a moral que o ser percebe e é levado a viver, não lhe importando qual seja a moral oficial que, por outros motivos sobrepostos, teve de aprender a representar, formalmente, na prática. Só assim é possível compreender o verdadeiro jogo da vida, que, de modo geral, é duplo, pois a primeira coisa ensinada pelo instinto ao involuído – obrigado a viver sempre em regime de guerra – é a necessidade de esconder suas próprias e verdadeiras intenções, como ensina o Maquiavelismo, a fim de parecer sincero e honesto, mas sem o ser de fato. Assim, o sistema da luta – índice que estabelece seguramente a inferioridade do plano evolutivo humano – em vez de ser eliminado pela ética, para dar lugar a um regime de justiça, como se presume, é apenas escondido nos subterrâneos da vida, onde a luta continua mais exacerbada que nunca, em forma mais sutil e astuta, mas nem por isso menos feroz. Esta é a verdadeira ética com a qual é preciso, em última análise, fazer as contas. É ela que rege o mundo e constitui a substância de todos os problemas. Enquanto a ética pregada permanece no campo teórico e, ainda que elevada, não lesa interesses concretos, causando aborrecimentos e implicando em custos, ela é respeitada. Por
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isso pôde formar-se e dominar uma ética feita de altas teorias e belas práticas, sem tocar, porém, na substância da vida, porque aí a coisa muda de figura e a luta recrudesce. Tão logo a ética queira tocar na realidade dos interesses tangíveis, sentidos por todos, afloram então aqueles instintos, que são na prática, acima das belas aparências, as verdadeiras verdades da vida. Acaba então o jogo das belas palavras e chega-se aos fatos. Se aparece um interesse ou um prejuízo concreto, toca-se na realidade da vida, que reage, fazendo surgir o verdadeiro jogo. O outro jogo, de belas teorias e exterioridades formais, pode continuar imperturbável, pois todos sabem que não é o verdadeiro. Mas, se tocarem no ventre e no sexo, nos bens e nas satisfações materiais, todos compreenderão que se age seriamente. São estes, e não os do conhecimento, os grandes problemas do subconsciente das massas, aqueles segundo os quais caminham as correntes da psicologia coletiva e dos quais mais se ocupa o pensamento da maioria, que estabelece a verdade dominante. Só quando, além das palavras e práticas convencionais, soubermos ver esse outro recôndito pensamento escondido entre as dobras da aparência, poderemos então compreender a verdadeira natureza do jogo da vida e da ética, enxergando assim a real razão das ações humanas. A ética do mundo faz muita questão de diferenciar um grupo do outro, seja por fé, religião, partido etc., mas sem distinguir honestos de desonestos, onde quer que estejam. Isto justamente porque o maior interesse destes últimos, que são os mais espertos, é permanecer misturados em todos os grupos com os honestos, que são os mais fáceis de serem subjugados. Assim, sob outras aparências, pode-se fazer o verdadeiro jogo da vida, que é vencer na luta, e aplicar a verdadeira ética vivida, a ética de guerra, pela qual os mais fortes e astutos podem atingir os altos postos, dominando os mais fracos e simples. Eis a verdadeira ética que vigora sob as aparências da moral oficial, ética que oferece a palma do vencedor a quem souber fazer o jogo da vida às expensas de quem não sabe fazê-lo. Essa é a verdadeira face da verdade na Terra. O honesto paga todas as despesas, o que parece injustiça. Mas nem tudo acaba aí. Os melhores são expulsos do ambiente da Terra, o que constitui, em última análise, uma grande vantagem para eles, pois lhes permite tornarem-se cidadãos de mundos mais evoluídos, enquanto os piores, que se acreditam vencedores, continuam empilhados no pântano terrestre, para agredir-se mutuamente, segundo seu instinto de luta, fazendo assim, com as próprias mãos, o seu inferno. Saber triunfar no
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mundo, pela força ou pela astúcia, é, na verdade, o maior prejuízo, porque significa fazer parte de planos inferiores de vida e ser condenado a permanecer aí, suportando todos os seus males Eis que, em última análise, quem vence na vida é a justiça de Deus, pela qual cada um volta segundo o seu lugar e merecimento. Quem acredita que alcançará uma situação melhor por seguir vias transversas, na realidade atinge uma condição pior. Quem pratica o mal, acreditando com isso vencer, faz na realidade mal a si mesmo e perde, devendo ainda por cima pagar o próprio dano. Só a ignorância pode levá-lo a acreditar que seja possível o tamanho absurdo de Deus ser derrotado, fazendo o involuído julgar débil Sua lei de justiça e concluir que Ele possa ser vencido pela prepotência e pela astúcia da criatura. ◘ ◘ ◘ A pior moral é não acreditar no que se prega e, consequentemente, não o praticar. Com isto tentamos enganar a Deus, incorrendo em culpa e acarretando prejuízo para nós mesmos. A hipocrisia é a pior conclusão de todas as morais. Então os mestres ensinam e os discípulos ouvem, mas, na realidade, tudo se faz por outras razões. Pode-se formar um acordo tácito, porque ambas as partes sabem que a vida é outra coisa. Os primeiros partem o pão da verdade, os segundos o aceitam conforme as regras estabelecidas, e tudo fica na mesma. Respeita-se a tradição e acredita-se no que se deve, cumprindo-se as práticas regulamentares. Que mais se pode exigir? Todos sabem, por experiência própria, que a vida, na realidade, é bem diferente da teoria pregada e que, na prática, domina outra verdade, pela qual quem vence não é o melhor, e sim o mais forte. E desta verdade não se fala, porque é muito mais honroso aparentar-se um ser superior, cheio de qualidades nobres. Assim, na Terra, os ideais podem oferecer uma utilidade prática, permitindo conciliar as duas exigências opostas, ou seja, salvar o espírito, mas continuar a praticar a lei do mundo. A culpa não cabe toda aos dirigentes. Sendo eles a minoria, tiveram de se adaptar à maioria, que representa o maior impulso. A massa suporta de má vontade os moralistas, procurando expulsá-los, e não os toleraria de modo algum, se eles quisessem agir de verdade. Durante séculos realizou-se, assim, a seleção dos que perturbam menos, por terem achado a fórmula da convivência, resolvendo o difícil problema por meio de acomodações. Mas, ainda assim, isto não constitui toda a culpa. Mesmo podendo parecer traição de princípios, este é o único modo que torna possível certa dose percentual de sua aplicação, a qual, em sua totalidade, seria impossível num mundo assim. Desta forma,
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uma parte da conduta humana está entregue à hipocrisia. Mas que fazer, se a realidade da vida na Terra está nos antípodas dos ideais? As próprias religiões partem do princípio de que o mundo é composto de pecadores. As leis civis também partem do pressuposto de desonestidade do cidadão e, ao lado de cada norma, colocam de imediato o castigo pelo nãocumprimento. O ponto de partida é sempre a presunção de que se trata de um rebelde, cuja vontade de desobediência é admitida implicitamente e presumida. Tudo isto é a consequência lógica da lei que vigora no plano biológico humano, dada pela luta de todos contra todos, com base no ataque e na defesa. Se existem essas pressuposições, é porque a maioria dos indivíduos se constitui efetivamente de pecadores e de cidadãos que gostariam de não obedecer. Estes são, portanto, proporcionais a estes pressupostos e ao tratamento decorrente, sendo adequados a tal mundo e selecionados na arte de defender-se, o que é indispensável à sua sobrevivência. Isto é provado pelo fato de que estes, se não forem como se presume que sejam na realidade – isto é, se forem verdadeiramente bons e honestos – são rapidamente liquidados. Quaisquer que sejam os princípios teoricamente proclamados, a lei em vigor, na prática, é dada pela luta de ataque e defesa, segundo a qual a reação do indivíduo contra qualquer autoridade pode ser explicada pelo instinto de legítima defesa, provocada pela ação de quem, tendo em mãos o poder, costuma usá-lo para vantagem própria ou da classe, e não como uma função social para o bem de todos. Jamais se poderá impedir que a vida reaja em defesa própria ao sentir-se atacada em qualquer ser. Reaparecem aqui os conceitos, já desenvolvidos, da reciprocidade das posições entre autoridade e dependentes, que não podem deixar de influenciar-se mutuamente, e o da impossibilidade de se alegar direitos, sem se ter antes cumprido todos os próprios deveres em relação àqueles de quem se reclama. Mas se estes conceitos pertencem à nova moral, a atual ainda se move num terreno de luta. Então as condenadas acomodações, que escandalizam porque propiciam o não-cumprimento dos deveres, podem aparecer-nos sob uma luz diferente e ser justificadas diante da sabedoria da vida, que as permite. Isto acontece, então, porque elas cumprem biologicamente uma função útil, isto é, tornar possível uma convivência relativamente pacífica num ambiente de lutas, condição utilíssima, com a qual se dá tempo para que o novo seja assimilado e a evolução possa amadurecer, a fim de subir mais um pouco.
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Contra todas as morais, persiste o fato de que a vida humana é um contínuo estado de guerra. Este é o estado normal, ao passo que a paz constituí os intervalos necessários para preparar outra guerra. O que mais liga os homens na amizade, a força de coesão que mais os une, é o ódio contra um inimigo comum. Então os inimigos se abraçam, mas só para que, unidos, possam vencer o outro. Se a mentira floresce, é porque, na guerra, ela é útil. Pode convir mostrar-se bom, porque assim, atraindo a estima e a confiança, torna-se mais fácil, com a veste do cordeiro, desarmar o próximo, para se obter mais. As virtudes podem tornar-se ótima astúcia de guerra, para enganar e assim vencer o inimigo. Desse estado, em vez de nascer uma ética única, que irmana e une, surgem duas: uma de agressão e outra de defesa, conforme se pertença à classe dos deserdados ou à dos já poderosos. Cada grupo forja para si a própria moral, segundo seus interesses e posição social, mudando essa moral ao mudar sua posição. Há a moral dos vencedores e a dos vencidos, a moral dos ricos e a dos pobres. Mas estes, quando se tornam ricos e penetram nas altas classes sociais, assumem a psicologia delas, seus costumes e a ética respectiva. Esta luta se desenrola sub-reptícia, escondida sob as aparências obrigatórias de paz e amor, e é a substância da vida humana na Terra. A moral, em sentido lato, torna-se um meio para enganar os simples, que acreditam nas aparências. Infelizmente, dado que, no plano humano, a vida tende à seleção do mais forte e astuto, isto não poderá terminar enquanto o biótipo do ingênuo não for eliminado. Se, psicologicamente, ele é um fraco, então o que pode fazer a vida – segundo a lógica da lei vigente no nível terreno – senão procurar liquidar esse biótipo, já que ele não soube evoluir, conquistando inteligência? Aqui estamos ainda nos primeiros degraus desta, e tudo consiste em astúcias de guerra. No entanto é necessário percorrê-los para chegar aos superiores, nos quais se compreenderá a estupidez da guerra e de suas astúcias. Assim, enquanto os ingênuos não aprenderem, nada mais lhe resta senão servir de pedestal aos astutos, que sabem emergir, escapando às sanções das leis humanas, reservadas apenas aos simples, pois não sabem defender-se. Isto é injusto e horrível. Mas, dados os princípios segundo os quais funciona a vida no plano animalhumano, não podemos ter resultados diferentes. Não se pode negar que seja bela a moral apresentada pelo mundo na vitrine. Em teoria tudo é excelente. Mas seria mister que ela conseguisse fazer o homem subir a um plano superior de vida, onde essa teoria se tornasse prática. Resta assim a realidade biológica, pela qual o homem vive num nível que não
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satisfaz o seu ideal. Então, num ambiente de luta, é natural que os princípios superiores fiquem torcidos e invertidos, uma vez que tudo, ou quase tudo, existe nesse ambiente em função da luta. Fala-se muito de bens espirituais, mas o que vale na Terra são os bens materiais, tanto que, para ser compreendido o valor espiritual do homem superior, é necessário que ele seja demonstrado exteriormente pela riqueza de um monumento ou de um templo, se ele morreu, ou pela alta posição social, se está vivo. Se Cristo aparecesse hoje na Terra, sem nenhum apanágio terreno, talvez ninguém o percebesse. O homem comum carece de um sentido próprio para julgar as coisas superiores e só adquire por imitação o julgamento que o mandam repetir e que circula pela maioria. Encerremos este assunto com uma anedota significativa, que resume vários conceitos já expostos. Um missionário que se achava na África, para civilizar os selvagens, explicara com cuidado a um grupo deles o sentido do bem e do mal, para fazer nascer neles o senso moral, base do cristianismo. Para assegurar-se de que havia ensinado bem e que tudo tinha sido compreendido, tomou à parte um dos mais inteligentes e perguntou-lhe: “diga-me então o que é o bem e o mal”. O selvagem pensou algum tempo e, depois, formulou claramente a sua resposta: “mal é quando o vizinho rouba a minha vaca”. O missionário aprovou. Sem dúvida, roubar é mal, e o ato é moralmente reprovável. E acrescentou: “E o bem, o que é?”. O selvagem respondeu muito depressa, convictamente: “Bem é quando eu consigo roubar a vaca do meu vizinho”. Essa resposta seria considerada estupidez pelo homem civilizado, que certamente não teria respondido assim, porque conhece o conceito de bem e de mal. Mas por que o civilizado não a teria dado? Certamente não seria por não estar convencido, do ponto de vista individual, da completa razão do selvagem, que assim respondeu apenas porque era um simples e falava com a ingenuidade do primitivo, sem saber ainda esconder o próprio pensamento. A diferença, então, está apenas no fato de que o homem civilizado – a quem agradaria muito fazer como o selvagem – já aprendeu a não revelar nada que possa atrair as sanções da lei e a condenação do próximo. Existe uma diferença, mas não porque o civilizado pense diversamente do selvagem, tanto que o imitaria de boa-vontade, lesando o próximo, se este, organizado em sociedade, não o fizesse pagar por isso, anulando a indiscutível vantagem dessa ação.
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O utilitarista mais refinado compreendeu que é muito mais fácil buscar o próprio interesse sem mostrá-lo, isto é, encobrindo os próprios planos, para não revelar a sua estratégia de guerra. Então a habilidade pode consistir em esconder, e a virtude em falsear, ao invés de dizer a verdade. Nesse caso, a culpa do selvagem seria a sua ingenuidade, que o civilizado, por não possuí-la, não lhe perdoaria, porquanto sempre se está mais pronto a condenar as culpas que não se tem, do que as que se tem. Estamos num ambiente de luta, e não se pode impedir que tudo exista em função dela. É natural que os ideais também sejam utilizados para esse fim, sendo transformados num manto de hipocrisia, para melhor enganar o próximo. Se, na Terra, encontra-se tão espalhada a hipocrisia, deve haver uma razão para isto. É que, nesse plano de vida, ela pode ser vantajosa, enquanto, nos planos mais evoluídos, ela não é praticada, porque é contraproducente. Assim, na Terra, a sinceridade pode ser julgada ingenuidade de tolo, inábil para a luta. Acontece então que, na prática, a culpa mais condenada não é a mentira, mas a ingenuidade, que permite descobrir a mentira; não é ter defeitos, mas não saber escondê-los, mostrando assim o ponto vulnerável, onde se pode ser derrotado. Dado o involuído plano biológico em que isto ocorre, não se trata de maldade, mas apenas de afloramentos do subconsciente animal na luta para sobreviver. O homem se acha numa fase de transição entre a animalidade e a espiritualidade. É natural, portanto, que, em seu mundo, a moral pregada pela teoria, de bondade e justiça, encontre-se em contraste com a moral praticada de fato, de força e astúcia. Com efeito, o que mais se pune é o erro de se deixar apanhar em erro. As leis humanas não punem quem seja hábil o bastante para não se deixe apanhar. Somente da justiça de Deus, a única verdadeira, não se pode fugir. A justiça humana é uma luta entre legislador e réu, entre acusador e acusado, entre juiz e julgado e vice-versa, na qual vence o mais forte e o mais hábil. Na prática, o maior valor do indivíduo não consiste naquilo que é proclamado em teoria, ou seja, em obedecer à lei, mas na habilidade de saber escapar dela. É lógico que, num ambiente de luta, onde reina o culto da força, a obediência seja fraqueza e a rebeldia constitua valor. Como pode uma moral ideal, feita para um mundo orgânico de ordem, ao qual ela quer levar o nosso mundo humano por meio da evolução, não ser invertida neste, que é um mundo caótico, feito de competições? Em nosso ambiente humano, como no caso do selvagem acima narrado, o bem e o mal são concebidos apenas em função do próprio eu, ignorando o próximo (o bem é a
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utilidade própria, e o mal o prejuízo próprio), enquanto, no plano superior, ao qual pertence a moral oficial, o bem e o mal são concebidos em função de toda a coletividade, levando-se em conta o próximo (o bem alheio é a utilidade própria, e o prejuízo alheio é o prejuízo próprio). Também o desenvolvimento mental, nos dois planos, ocorre em sentido diverso. Em nosso mundo, a inteligência mais apreciada é aquela que dá fruto imediato na luta, servindo para vencer, e não a especulativa, que procura o conhecimento e leva à consciência da Lei. Quem possui tal consciência é considerado em geral um homem simplório, que vive nas nuvens e não conhece a realidade prática da vida. Esta exige astúcias para resolver os problemas imediatos, e não a inteligência apta a solucionar os problemas altos e distantes, conhecimento que não oferece nenhuma utilidade imediata para a defesa da vida. O estudo de uma moral positiva, racionalmente demonstrada, presa aos princípios da vida, não podia deixar de nos revelar também esses seus lados negativos. Tínhamos que analisá-los imparcialmente, para compreender a realidade em toda a sua amplitude. Fizemos isto para explicar o nosso mundo e compreendê-lo em muitos de seus aspectos, e não para condenar, o que é inútil, porquanto não modifica nada e não é útil a ninguém, gerando apenas reações. A condenação está em nossas dores. Neste livro, ao invés dos problemas altos e distantes que tratamos nos outros, estudamos a realidade de nosso mundo tal qual é. Não devemos escandalizar-nos com essa realidade, que tem suas razões biológicas para existir sob essa forma. Cobrir tudo com belas aparências é o que menos serve para curar o mal. Ter visto claramente tanto as razões pelas quais tudo isto existe como a grande vantagem de nos melhorarmos, pode ser um meio para nos levar ao bem. Os fatos são fatos. Não podem ser mudados e, mesmo se forem escondidos, não se pode impedir que produzam os seus efeitos. Não é esta hora de nos sentarmos à beira da estrada, dando-nos por vencidos. Certamente a salvação está nas mãos de Deus, mas o homem deve contribuir com todo o esforço para a sua salvação. Não devemos concluir com o desencorajamento e o pessimismo. Assim como o presente superou o passado, que era pior, também assim um futuro melhor superará o presente. Vimos que ninguém jamais poderá deter a grande marcha ascensional da evolução, dirigida aos objetivos supremos. Onde tudo evolui, também a moral não pode deixar de evoluir. Desse modo, teremos de chegar um dia à realização vivida da ética
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ideal, que hoje luta na Terra para levar o homem a um plano superior de vida, no qual triunfará a nova civilização do espírito.
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X. REUNIFICAÇÃO UNIVERSAL O trabalho realizado. Controle e confirmação dos escritos precedentes. Completa-se a visão. Ela satisfaz à mente e ao coração, explicando tudo e apresentando nova finalidade para a vida. A grande marcha da evolução. A reconstrução da ordem elimina a luta e a dor. A evolução faz do caos um sistema orgânico. Paraíso pelo reencontro da harmonização. Reunificação universal. A vida em expansão. Muitas verdades relativas, aspectos de uma só verdade. A visão que domina tudo. Termina a grande viagem no seio de Deus. Eis que chegamos ao fim deste novo trabalho, de caráter realístico, tão diferente dos precedentes. Estudamos no volume anterior, A Grande Batalha, a propósito de um caso vivido, o significado do Evangelho levado à realidade prática, analisando as armas, a estratégia e a vitória de quem o segue, bem como as consequências desse modo de conceber e viver a vida. Depois, no presente volume, examinamos a posição atual do catolicismo em relação a tais problemas, os perigos dessa posição e a possibilidade de salvação. Enfrentamos a seguir o problema do telefinalismo da evolução. Após haver observado a grande batalha entre o Evangelho e o mundo, no caso particular ali narrado e, em seguida, no caso da Igreja, iremos vê-la agora em sua última finalidade e conclusão, para a qual a humanidade, que está caminhando, será conduzida: a espiritualização. Agora, no fim, traçamos as linhas de uma nova moral, que segue os princípios expostos. Com isto, completa-se o quadro e está terminado o assunto de A Grande Batalha. Este volume, Evolução e Evangelho, quis ser prático, concreto, positivo, para tratar sobretudo dos problemas da Terra, mais próximos a nós. Aqui, predominam pontos de referência diferentes daqueles da maior parte dos outros volumes. Neste último, os problemas são vistos mais em função da realidade vivida por todos do que em relação aos princípios gerais, que tudo dirigem; mais em relação aos efeitos reais, do que às causas distantes, de onde eles derivam. A perspectiva é diferente, mas a visão, embora contemplada de um ponto de vista diferente, é a mesma. Ao invés de olhar as coisas do céu para a Terra, nós as olhamos a partir da Terra, em meio às exigências do mundo, imersos em suas leis, olhando daqui debaixo o céu, como uma coisa distante, que alcançaremos um dia com a evolução. Assim pudemos ver os pe-
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quenos problemas da Terra, iluminados e justificados pelos princípios gerais, e achamos a aplicação lógica destes princípios naqueles problemas. Contemplando com uma perspectiva diferente a mesma visão dos princípios gerais demonstrados nos outros volumes, fizemos aqui uma aplicação que nos permitiu realizar um novo controle e nos fez achar, na prática, uma nova confirmação da sua verdade, que antes podia parecer apenas teórica. Os que ainda duvidavam dos conceitos expostos nos volumes A Grande Síntese, Deus e Universo e O Sistema, poderão achar no presente texto uma espécie de prova experimental das causas que explicam a conduta humana e as diretrizes impostas à vida – questões nem sempre possíveis de serem explicadas de outra forma – e tudo isto num quadro lógico, onde aparecem repostas a muitas perguntas e soluções a muitos problemas. Este livro também constitui controle e confirmação para a demonstração prática das teorias já expostas, revalidadas aqui pelos fatos, que provam corresponder a elas. Assim a visão dos volumes A Grande Síntese, Deus e Universo e O Sistema se completa, enriquecendo-se de pormenores e de provas, embora permanecendo substancialmente a mesma, porque a verdade é uma só e não pode mudar. Os três volumes acima citados mais o presente formam um conjunto que, embora complexo, parece-nos agora (salvo novos desdobramentos) bastante completo, pela vastidão e quantidade dos problemas que resolve, pela concordância das partes, sempre subordinadas à unidade, e também por suas conclusões, que satisfazem as exigências da mente e do coração. Agora a visão está toda diante de nossos olhos. Respondendo a uma necessidade lógica, ela nos explica tudo, convencendo-nos porque está de acordo com os fatos que podemos observar, mostrando-nos a razão deles. Essa visão não só ilumina, satisfazendo o desejo de conhecer, como também reanima e conforta, porque é boa e bela. Ela sacia a instintiva ânsia de ordem e justiça e nos dá de Deus um conceito altíssimo, fazendo triunfar a Sua perfeição numa obra perfeita. O grande impulso telefinalístico triunfa definitivamente sobre todos os esforços e dores do ser, sobre todos os erros e obstáculos, e Deus permanece o eterno imóvel, o princípio e o fim, em torno do qual gira o grande ciclo, que, embora se tenha afastado, volta a Ele, seu único e supremo fim. Não apenas o filósofo ou o teólogo, mas também o biólogo, o geólogo, o paleontólogo, o matemático e o físico nuclear poderão ver nesta visão um princípio orientador para dirigir suas pesquisas, embora aceitando-a de início apenas como hipótese de trabalho. Eles próprios, fundindo e aprofundando
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seus estudos, poderão chegar às mesmas conclusões, revalidando-as. É preciso resolver os enigmas do conhecimento. A mente humana quer saber qual é a meta final de tão longo caminho, qual é o objetivo último de tanta luta e sofrimento. Se a vida não caminhasse em direção à espiritualização, para onde iria? Que existe uma meta final, todas as religiões o ensinam, e isto corresponde a um desejo instintivo, além de ser o único fato que pode justificar o longo trabalho da evolução. Essa visão satisfaz essa nossa ânsia. Ela nos dá do fenômeno vida uma interpretação que faz, de uma existência miserável, dura, incerta e insatisfeita, uma experiência criadora, útil e cheia de esperança. Seria atroz se todo o trabalho terminasse numa ilusão e tanta dor fosse uma zombaria. Ao contrário, ela nos garante que não estamos mais sozinhos, abandonados nos infinitos espaços do universo. Assim, nosso apelo de seres vivos e pensantes não se perde no silêncio morto do incomensurável vazio, mas é respondido pela voz de infinitas criaturas irmãs, feitas da mesma vida e orientadas para o mesmo Deus. Então, ao nosso apelo responde o amplexo de um Pai que nos ama e nos ajuda a subir, para chegarmos a ser felizes com Ele. A alegria que esta concepção nos traz à alma, a paz que aí nos deixa, a fé e a esperança com que nos reanima, são provas de sua verdade, que não podemos deixar de sentir. Se o presente é tão baixo e triste, ao longe resplende um radioso futuro, que deverá um dia ser alcançado. A consciência desse fato, sobre o qual tanto insistimos, dá-nos a força de suportar confiantemente todas as dores atuais e de realizar o esforço de atravessar o deserto de todas as provas, para chegar à terra da promissão, da libertação e da felicidade. O presente é árduo, mas estamos a caminho. Avança sem deter-se a grande marcha da evolução. Adiante, adiante, sempre mais para o Alto. O universo, mais do que apenas um grande organismo que funciona, é um organismo que se transforma a cada momento, para aperfeiçoar esse seu funcionamento. Através da presença imanente nele de Deus, o universo é animado por um contínuo movimento, não apenas espacial mas muito mais profundo, de maturação evolutiva, dirigido com suprema sabedoria para a meta final de salvação. Tudo o que existe faz parte desse fenômeno e é arrastado pela sua corrente. Todos estamos aí dentro, sem possibilidade de evasão. Mas é justamente essa necessidade, esse determinismo, que nos obriga a subir, mesmo quando não queremos. E isto constitui a nossa salvação, porque desse modo, embora indiretamente, Deus nos constrange a nos redimirmos, impelindo-nos a evolver para alcançar nossa própria redenção. Em sua lei, que parece desapiedada, a
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vida é supremamente justa e boa, porque, exigindo nosso esforço, quer tornarnos fortes para vencer, e vencer significa subir, tornar a achar em Deus a felicidade perdida. Áspero é o caminho em baixo, tanto mais penoso quanto mais próximo estamos do Anti-Sistema. Mas ele se torna cada vez mais suave, quanto mais o ser se aproxima do Sistema. Então a força que o mantinha em baixo desaparece, vencida pela atração que o eleva para o Alto. Esse é o esforço e a sorte de cada um e de todos. Assim caminha a gloriosa epopeia da vida dos mundos, guiada pelo chamado de Deus. Na meta final, espera-nos a perfeita harmonia, reconstituída na lei de Deus, que se constitui na relação harmoniosa entre todas as coisas. O ser caiu na dor porque desobedeceu a essa lei, que é ordem, de onde derivam paz e alegria. Quem sai da Lei cai no caos, de onde provém a luta e, portanto, a dor. Mas eis que a evolução nos salva, permitindo-nos, embora através de provas e esforços, reconstruir a ordem violada Assim, eliminando aos poucos a desordem, elimina-se também a luta e a dor. A evolução é um processo de reordenamento e restauração de harmonia das partes que, por se terem deslocado da posição justa onde estavam colocadas, passaram a se chocar dolorosamente umas com as outras. A evolução as recoloca em seu lugar, sendo um processo de pacificação de elementos que, antes amigos, tornaram-se depois inimigos. De um amontoado deles, que caoticamente se agitam e se chocam porque não se entendem, a evolução faz um sistema orgânico, onde eles funcionam concordes em colaboração. O paraíso perdido a que temos de regressar é constituído pela harmonia entre seres que se compreendem e se amam. A evolução tem de realizar esse trabalho de liquidar o separatismo egoísta, a luta, o instinto de agressividade, a desordem, que constituem o inferno dos planos mais baixos. Em nosso plano humano, o processo de harmonização chegou a criar não só o organismo fisiológico do indivíduo, em que as células colaboram na ordem, mas também o grupo família e algumas aproximações de grupo, como a cidade, a nação e a humanidade. O resto, além desses pequenos centros de reunificação, é caos, desordem e luta. Mas a meta é uma reunificação bem mais vasta, envolvendo todos os seres de todo o universo, até que todos venham a entender-se e a colaborar organicamente. A evolução consiste na expansão contínua desses grupos ou centros de ordem, dentro dos quais a luta – que é a característica do mundo anti-Lei – está eliminada. Com o crescimento deles, amplia-se também o terreno dominado pela ordem, restringindo-se o campo dominado pela desordem, que é assim, cada vez mais, expulsa dos confins em
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expansão dos grupos da ordem. E isto até se dar a completa eliminação da luta e da dor, portanto da própria desordem, que as traz consigo. A evolução, assim, realiza a cura milagrosa de todos os males, invertendo-os em bem, para reabsorvê-los e levá-los do Anti-Sistema ao Sistema. Desta grande marcha da evolução observamos, especialmente na primeira parte, o tratamento que o involuído dá ao evoluído. Estamos hoje numa grande curva do caminho da vida. Assim como outrora ela saiu de seu berço das quentes águas do mar e se expandiu nas terras emersas, também agora ela se expande da Terra, conquistando os espaços estelares. É um processo de expansão da vida e dos princípios que a dirigem, pelos quais se dilata também a concepção do ser, que não mais vive em função do momento e de seu pequenino eu, mas em função da eternidade e do universo. O jogo da vida se torna cada vez mais amplo, complexo e de maior alcance, deixando de abarcar apenas a existência terrena, para estender sua previdência a toda a vida futura. Cada um faz o jogo segundo a amplitude que seus olhos conseguem dominar, mas, quanto maior é a amplitude dominada, mais o ser torna-se livre e feliz. O modo de conceber a vida, derivado da forma mental que se possui como consequência do próprio grau de evolução, traz, ao dirigir a nossa conduta, consequências importantes sob forma de alegria ou de dor. Aliás, é lógico e justo que cada um sofra e goze em relação ao grau de evolução que, com os próprios sofrimentos e esforços, conseguiu atingir. Assim avança a grande marcha da evolução. A visão que nos sustentou através de nossos volumes mostra-nos a mecânica de seu transformismo e a natureza do último telefinalismo que dirige todo o vir-a-ser. Essa visão nos diz que tudo é disciplinado por uma lei única, dada por um pensamento que, como luz central, fraciona-se em miríades de reflexos ou aspectos menores, os quais regem as particularidades. Daí as inumeráveis formas de existência, que, apesar de suas diversidades, não só estão unidas na mesma lei e orientadas ao longo do mesmo caminho, convergindo para o mesmo centro, Deus, mas também são parentes, porque se constituem da mesma substância divina fundamental. É difícil fazer uma representação mental das vertiginosas dimensões do fenômeno, que se estende de galáxia em galáxia e para mais além. Os infinitos momentos em que o todo se pulveriza, decompondo-se nas minúcias do pormenor, não fraciona nem lesa a unidade do conjunto, dirigido por uma só lei, impelido por uma só vontade e orientado para o mesmo e único fim. Maravilhoso universo, onde os dois polos opostos – o absoluto e o relativo, a imobili-
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dade e o transformismo, a substância espiritual da Lei e a aparência material da forma – ainda que pareçam estar em contradição, colaboram. Os dois extremos estão em antítese, no entanto se compensam, abraçados na mesma luta pela redenção. Este universo é todo vivo, todo animado por um princípio espiritual, e olha para si mesmo com infinitos olhos, de infinitos pontos e de diferentes modos, obtendo várias sensações e julgamentos, que formam as diferentes verdades relativas, compondo os infinitos aspectos da mesma e única verdade. Cada um vê apenas o que o cerca, até onde pode, e só com os olhos que possui. Não apenas pelo que olhamos, mas também de acordo com o que somos, tudo pode nos parecer de um modo ou de outro. Então podemos ver o universo como matéria ou como espírito, como forma ou como substância, como princípio diretivo ou como atuação concreta. Podemos vê-lo como análise, na complexidade de um pormenor que se multiplica sem limites, ou como síntese, na simplicidade de um lampejo instantâneo. Cada um vê tudo segundo a forma mental que possui, dada pelo grau de consciência conquistado, e isto até às formas de existência mais involuídas, que talvez, por não terem conquistado nada, sejam totalmente cegas, obedecendo sem saber nada. Nenhum ser – só Deus – pode ter a visão total. Esta contém todos os extremos, todas as contradições, todas as formas, todas as possibilidades. Só ela abarca tudo: o presente, o passado e o futuro, a expansão do espaço e a contração do tempo, o nascimento e a morte das dimensões. Só ela domina a gênese dos mundos, as metas da vida e toda a série dos planos de existência ao longo dos quais o ser, evoluindo, realiza sua grande viagem de regresso ao ponto de partida, Deus. Tudo caminha sem repouso. De forma em forma, o ser viaja de superação em superação, através de eras milenares, subindo a grande escada da evolução, como peregrino cansado, vergado sob o peso da queda, carga que, no entanto, torna-se mais leve a cada degrau galgado. Os gênios criadores, com seu tormento, que os outros desconhecem, arrombam as portas do futuro e abrem sozinhos o novo caminho. As grandes massas, que, devido ao seu estado de involução, não sabem fazer outra coisa senão imitar, seguem atrás. A cada passo, os olhos se abrem para ver melhor, novos horizontes aparecem e as forças para conquistá-los tornam-se mais poderosas. Das cinzas das velhas construções sempre surgem novas. O ser aproxima-se cada vez mais de Deus, que sempre mais o penetra e sustenta com Sua radiação.
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Subir, subir, sempre subir mais em direção à meta! No fim, o transformismo cessará, porque a evolução atingirá seu termo. Então o tempo não terá passado, porque terá sido apenas uma variante da eternidade; a morte não terá matado, porque tudo terá ressurgido; a caducidade de todas as coisas nada terá destruído, porque tudo terá voltado a ser indestrutível, como o era no início. O milagre da redenção da queda estará realizado. O esforço da subida terá terminado. O relativo, a ilusão e a dor terão acabado. O ser terá sofrido e caminhado bastante, mas terá chegado. E poderá então, fora do tempo que conta as horas, repousar feliz para sempre, no seio de Deus. FIM
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O HOMEM Pietro Ubaldi, filho de Sante Ubaldi e Lavínia Alleori Ubaldi, nasceu em 18 de agosto de 1886, às 20:30 horas (local). Ele escolheu os pais e a cidade onde iria nascer, Foligno, Província de Perúgia (capital da Úmbria). Foligno fica situada a 18 km de Assis, cidade natal de São Francisco de Assis. Até hoje, as cidades franciscanas guardam o mesmo misticismo legado à Terra pelo grande poverelo de Assis, que viveu para Cristo, renunciando os bens materiais e os prazeres deste mundo. Pietro Ubaldi sentiu desde a sua infância uma poderosa inclinação pelo franciscanismo e pela Boa Nova de Cristo. Não foi compreendido, nem poderia sê-lo, porque seus pais viviam felizes com a riqueza e com o conforto proporcionado por ela. A Sra. Lavínia era descendente da nobreza italiana, única herdeira do título e de uma enorme fortuna, inclusive do Palácio Alleori Ubaldi. Assim, Pietro Alleori Ubaldi foi educado com os rigores de uma vida palaciana. Não pode ser fácil a um legítimo franciscano viver num palácio. Naturalmente, ele sentiu-se deslocado naquele ambiente, expatriado de seu mundo espiritual. A disciplina no palácio, ele aceitou-a facilmente. Todos deveriam seguir a orientação dos pais e obedecer-lhes em tudo, até na religião. Tinham de ser católicos praticantes dos atos religiosos, realizados na capela da Imaculada Conceição, no interior do palácio. Pietro Ubaldi foi sempre obediente aos pais, aos professores, à família e, em sua vida missionária, a Cristo. Nem todas as obrigações palacianas lhe agradavam, mas ele as cumpriu até à sua total
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libertação. A primeira liberdade se deu aos cinco anos, quando solicitou de sua mãe que o mandasse à escola, e aquela bondosa senhora atendeu o pedido do filho. A segunda liberdade, verdadeiro desabrochamento espiritual, aconteceu no ginásio, ao ouvir do professor de ciência a palavra “evolução”. Outra grande liberdade para o seu espírito foi com a leitura de livros sobre a imortalidade da alma e reencarnação, tornando-se reencarnacionista aos vinte e seis anos. Daí por diante, os dois mundos, material e espiritual, começaram a fundir-se num só. A vida na Terra não poderia ter outra finalidade, além daquelas de servir a Cristo e ser útil aos homens. Pietro Ubaldi formou-se em Direito (profissão escolhida pelos pais, mas jamais exercida por ele) e Música (oferecimento, também, de seus genitores), fez-se poliglota, autodidata, falando fluentemente inglês, francês, alemão, espanhol, português e conhecendo bem o latim; mergulhou nas diferentes correntes filosóficas e religiosas, destacando-se como um grande pensador cristão em pleno Século XX. Ele era um homem de uma cultura invejável, o que muito lhe facilitou o cumprimento da missão. A sua tese de formatura na Universidade de Roma foi sobre A Emigração Transatlântica, Especialmente para o Brasil, muito elogiada pela banca examinadora e publicada num volume de 266 páginas pela Editora Ermano Loescher Cia. Logo após a defesa dessa tese, o Sr. Sante Ubaldi lhe deu como prêmio uma viagem aos Estados Unidos, durante seis meses. Pietro Ubaldi casou-se com vinte e cinco anos, a conselho dos pais, que escolheram para ele uma jovem rica e bonita, possuidora de muitas virtudes e fina educação. Como recompensa pela aceitação da escolha, seu pai transferiu para o casal um patrimônio igual àquele trazido pela Senhora Maria Antonieta Solfanelli Ubaldi. Este era, agora, o nome da jovem esposa. O casamento não estava nos planos de Ubaldi, somente justificável porque fazia parte de seu destino. Ele girava em torno de outros objetivos: o Evangelho e os ideais franciscanos. Mesmo assim, do casal Maria Antonieta e Pietro Ubaldi nasceram três filhos: Vicenzina (desencarnada aos dois anos de idade, em 1919), Franco (morto em 1942, na Segunda Guerra Mundial) e Agnese (falecida em S. Paulo – 1975). Aos poucos, Pietro Ubaldi foi abandonando a riqueza, deixando-a por conta do administrador de confiança da família. Após dezesseis anos de enlace matrimonial, em 1927, por ocasião da desencarnação de seu pai, ele fez o voto de pobreza, transferindo à família a parte dos bens que lhe pertencia. Aprovando
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aquele gesto de amor ao Evangelho, Cristo lhe apareceu. Isso para ele foi a maior confirmação à atitude tão acertada. Em 1931, com 45 anos, Pietro Ubaldi assumiu uma nova postura, estarrecedora para seus familiares: a renúncia franciscana. Daquele ano em diante, iria viver com o suor do seu rosto e renunciava todo o conforto proporcionado pela família e pela riqueza material existente. Fez concurso para professor de inglês, foi aprovado e nomeado para o Liceu Tomaso Campailla, em Módica, Sicilia – região situada no extremo sul da Itália – onde trabalhou somente um ano letivo. Em 1932 fez outro concurso e foi transferido para a Escola Média Estadual Otaviano Nelli, em Gúbio, ao norte da Itália, mais próximo da família. Nessa urbe, também franciscana, ele trabalhou durante vinte anos e fez dela a sua segunda cidade natal, vivendo num quarto humilde de uma casa pequena e pobre (pensão do casal Norina-Alfredo Pagani – Rua del Flurne, 4), situada na encosta da montanha. A vida de Pietro teve quatro períodos distintos (v. livro Profecias – “Gênese da II Obra”): dos 5 aos 25 anos − formação; 25 aos 45 anos − maturação interior, espiritual, na dor; dos 45 aos 65 anos − Obra Italiana (produção conceptual); dos 65 aos 85 anos − Obra Brasileira (realização concreta da missão). O MISSIONÁRIO Na primeira semana de setembro de 1931, depois da grande decisão franciscana, Cristo novamente lhe apareceu e, desta vez, acompanhado de São Francisco de Assis. Um à direita e outro à esquerda, fizeram companhia a Pietro Ubaldi durante vinte minutos, em sua caminhada matinal, na estrada de Colle Umberto. Estava, portanto, confirmada sua posição. Em 25 de dezembro de 1931, chegou-lhe de improviso a primeira mensagem, a Mensagem de Natal. Por intuição ele sentiu: estava aí o início de sua missão. Outras Mensagens surgiram em novas oportunidades. Todas com a mesma linguagem e conteúdo divino. No verão de 1932, começou a escrever A Grande Síntese, a qual só terminou em 23 de agosto de 1935, às 23h00min horas (local). Esse livro, com cem capítulos, escrito em quatro verões sucessivos, foi traduzido para vários idiomas. Somente no Brasil, já alcançou quinze edições. Grandes escritores do mundo inteiro opinaram favoravelmente sobre A Grande Síntese. Ainda outros compêndios, verdadeiros mananciais de sabedoria cristã, surgiram nos anos seguintes, completando os dez volumes escritos na Itália:
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01) Grandes Mensagens 02) A Grande Síntese – Síntese e Solução dos Problemas da Ciência e do Espírito 03) As Noúres – Técnica e Recepção das Correntes de Pensamento 04) Ascese Mística 05) História de Um Homem 06) Fragmentos de Pensamento e de Paixão 07) A Nova Civilização do Terceiro Milênio 08) Problemas do Futuro 09) Ascensões Humanas 10) Deus e Universo Com este último livro, Pietro Ubaldi completou sua visão teológica, além de profundos ensinamentos no campo da ciência e da filosofia. A Grande Síntese e Deus e Universo formam um tratado teológico completo, que se encontra ampliado, esclarecido mais pormenorizadamente, em outros volumes escritos na Itália e no Brasil, a segunda pátria de Ubaldi. O Brasil é a terra escolhida para ser o berço espiritual da nova civilização do Terceiro Milênio. Aqui vivem diferentes povos, irmanados, independentes de raças ou religiões que professem. Ora, Pietro Ubaldi exerceu um ministério imparcial e universal, e nenhum país seria tão adaptado à sua missão quanto a nossa pátria. Por isso o destino quis trazê-lo para cá e aqui completar sua tarefa missionária. Nesta terra do Cruzeiro do Sul, ele esteve em 1951 e realizou dezenas de conferências de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Em oito de dezembro do ano seguinte, desembarcaram, no porto de Santos, Pietro Ubaldi acompanhado da esposa, filha e duas netas (Maria Antonieta e Maria Adelaide), atendendo a um convite de amigos de São Paulo para vir morar neste imenso país. É oportuno lembrar que Ubaldi renunciou aos bens materiais, mas não aos deveres para com a família, que se tornou pobre porque o administrador, primo de sua esposa, dilapidou toda a riqueza entregue a ele para gerencia-la. Em 1953, Pietro Ubaldi retornou à sua missão apostolar, continuou a recepção dos livros e recebeu a última Mensagem, Mensagem da Nova Era, em São Vicente, no edifício “Iguaçu”, na Av. Manoel de Nóbrega, 686 – apto. 92. Dois anos depois, transferiu-se com a família para o Edifício “Nova Era” (coincidência, nada tem haver com a Mensagem escrita no edifício anterior), Praça 22 de janeiro, 531 – apto. 90. Em seu quarto, naquele apartamento, ele
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completou a sua missão. Escreveu em São Vicente a segunda parte da Obra, chamada brasileira, porque escrita no Brasil, composta por: 11) Profecias 12) Comentários 13) Problemas Atuais 14) O Sistema – Gênese e Estrutura do Universo 15) A Grande Batalha 16) Evolução e Evangelho 17) A Lei de Deus 18) A Técnica Funcional da Lei de Deus 19) Queda e Salvação 20) Princípios de Uma Nova Ética 21) A Descida dos Ideais 22) Um Destino Seguindo Cristo 23) Pensamentos 24) Cristo São Vicente (SP), célula mater. do Brasil, foi a terceira cidade natal de Pietro Ubaldi. Aquela cidade praiana tem um longo passado na história de nossa pátria, desde José de Anchieta e Manoel da Nóbrega até o autor de A Grande Síntese, que viveu ali o seu último período de vinte anos. Pietro Ubaldi, o Mensageiro de Cristo, previu o dia e o ano do término de sua Obra, Natal de 1971, com dezesseis anos de antecedência. Ainda profetizou que sua morte aconteceria logo depois dessa data. Tudo confirmado. Ele desencarnou no hospital São José, quarto No 5, às 00h30min horas, em 29 de fevereiro de 1972. Saber quando vai morrer e esperar com alegria a chegada da irmã morte, é privilégio de poucos... O arauto da nova civilização do espírito foi um homem privilegiado. A leitura das obras de Pietro Ubaldi descortina outros horizontes para uma nova concepção de vida.