Direito 10

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André Rafael Weyermüller | Haide Maria Hupffer ISBN

978-85-7717-192-7

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Associação Pró-Ensino Superior em Novo Hamburgo - ASPEUR Universidade Feevale

DIREITO 10 ORGANIZADORES André Rafael Weyermüller Haide Maria Hupffer

Novo Hamburgo - Rio Grande do Sul - Brasil 2015

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PRESIDENTE DA ASPEUR Luiz Ricardo Bohrer REITORA DA UNIVERSIDADE FEEVALE Inajara Vargas Ramos PRÓ-REITORA DE ENSINO Cristina Ennes da Silva PRÓ-REITOR DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO João Alcione Sganderla Figueiredo PRÓ-REITOR DE PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO Alexandre Zeni PRÓ-REITORA DE EXTENSÃO E ASSUNTOS COMUNITÁRIOS Gladis Luisa Baptista PRÓ-REITOR DE INOVAÇÃO Cleber Cristiano Prodanov EDITORA FEEVALE Celso Eduardo Stark Graziele Borguetto Souza Adriana Christ Kuczynski EQUIPE DE APOIO E REVISÃO Bel. Pedro Ernesto Neubarth Jung Bel. Maicon Artmann Acad. Maria Eduarda Lima da Rosa PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Adriana Christ Kuczynski

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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) Universidade Feevale, RS, Brasil Bibliotecário responsável: Bruna Heller – CRB 10/2348

Direito 10 [recurso eletrônico] / André Rafael Weyermüller, Haide Maria Hupffer, organizadores. – Novo Hamburgo, RS: Feevale, 2015. 465 p.: il. Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader. Modo de acesso: <www.feevale.br/editora> Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7717-192-7 l. Direito. 2. Discentes - Feevale. I. Weyermüller, André Rafael. II. Hupffer, Haide Maria. CDU 340(075.8)

© Editora Feevale – Os textos assinados, tanto no que diz respeito à linguagem como ao conteúdo, são de inteira responsabilidade dos autores e não expressam, necessariamente, a opinião da Universidade Feevale. É permitido citar parte dos textos sem autorização prévia, desde que seja identificada a fonte. A violação dos direitos do autor (Lei n.° 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal. Universidade Feevale Câmpus I: Av. Dr. Maurício Cardoso, 510 – CEP 93510-250 – Hamburgo Velho Câmpus II: ERS 239, 2755 – CEP 93352-000 – Vila Nova Fone: (51) 3586.8800 – Homepage: www.feevale.br


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O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

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CONTRATAÇÕES PÚBLICAS SUSTENTÁVEIS À LUZ DAS NORMAS LEGAIS E INFRALEGAIS

83 110 ORGANIZADORES:

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Pedro Ernesto Neubarth Jung Frederico Loureiro de Carvalho Freitas

Marcos Fraga dos Santos Elton Ari Krause

DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA E O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE NO VIÉS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Maiara Kohlrausch Pires da Silva Claudine Rodembusch Rocha

VELHICE E OS IDOSOS - DIREITOS FUNDAMENTAIS E O ESTATUTO DO IDOSO Romi Margô Regert Claudine Rodembusch Rocha

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SUMÁRIO 134

A TUTELA JURÍDICA DO IDOSO NO BRASIL E SEUS REFLEXOS EM CASO DE ABANDONO AFETIVO

167

OS DIREITOS SUCESSÓRIOS DO COMPANHEIRO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

196

O ARBITRAMENTO DO DANO MORAL E A INDENIZAÇÃO PUNITIVA

226

PRECEDENTES COMO FONTE DO DIREITO: SUPERAÇÃO DA DICOTOMIA ENTRE COMMON LAW E CIVIL LAW?

ORGANIZADORES:

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Nicole Silva Leites Valéria Koch Barbosa

Diênefer Brando Girardon Frederico Loureiro de Carvalho Freitas

Daniel Andara Viacava Guilherme Botelho de Oliveira

Guilherme Berteli Almeida de Jesus Igor Raatz dos Santos

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SUMÁRIO 252

A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL EM RICOCHETE NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES TRABALHISTAS

279

DANO MORAL DECORRENTE DO INADIMPLEMENTO OU MORA DE VERBAS SALARIAIS

314

HIPÓTESES DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DA PESSOA JURIDICA NOS CRIMES AMBIENTAIS

343 ORGANIZADORES:

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Henrique Abel Leandro Pereira

Elisa Regina Knorst Emerson Tyrone Mattje

Lisiane Cristina Jeckel Betina Heike Krause Saraiva

SOCIEDADE DE RISCO E A RESPONSABILIZAÇÃO PENAL PELO CRIME AMBIENTAL Éverton Luis Comoreto Haide Maria Hupffer

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374

A OMISSÃO ADMINISTRATIVA COMO PRESSUPOSTO DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO ESTADO EM MATÉRIA AMBIENTAL

408

O DIREITO FUNDAMENTAL À MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS: UMA ANÁLISE DOS CRITÉRIOS PARA UMA FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E EM ORDENAMENTOS ESTRANGEIROS

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Laura Reinhardt Vicenzi Rafael Pereira

Maicon Artmann Jonathan Iovane de Lemos

438

DIREITO DO CONSUMIDOR NO MERCOSUL: PERSPECTIVAS DE UNIFORMIZAÇÃO E HARMONIZAÇÃO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS DE CONSUMO NA LEGISLAÇÃO DOS PAÍSES MEMBROS DO MERCOSUL Luciana da Silveira Daniel Sica da Cunha

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APRESENTAÇÃO A pesquisa se justifica quando o conhecimento produzido pode ser disseminado e aplicado. Ao reunirmos o espírito do acadêmico pesquisador, que anseia por conhecer a fundo determinado aspecto da ciência, ao espírito do docente, cuja vocação é ensinar e passar a todos o seu conhecimento, não poderia resultar algo senão a produção de uma obra coletiva. Eis um convite a todos para que desvendem e acessem nossos espíritos e o resultado de nossas pesquisas. Esta obra é uma coletânea de artigos adaptados das melhores monografias de conclusão de curso apresentadas pelos acadêmicos do curso de direito da Universidade Feevale. Trata-se, pois, do resultado de pesquisas e estudos realizados entre 2014 e 2015 e que envolveram acadêmicos e professores, inspirados pela cooperação que somente os objetivos coletivos proporcionam, com cuidado e dedicação, para que se pudesse externar os resultados de seus trabalhos. Os trabalhos de conclusão de curso ora selecionados foram desenvolvidos ao longo de três semestres acadêmicos, e anteriormente apresentados por escrito e oralmente perante banca avaliadora de professores especialistas nas respectivas áreas. Representam, portanto, o melhor da produção científica. São adaptações das monografias destacadas dentre aquelas que atingiram a nota máxima na avaliação, o contemplado dez. Assim, os artigos publicados possuem o mérito de apontar as mudanças no direito e atrair a atenção para aspectos da ciência jurídica (e das novas realidades do direito) que têm inquietado as novas mentes. O futuro do direito está, também, na capacidade das novas gerações de profissionais e acadêmicos de questionarem a realidade posta e promoverem as mudanças necessárias para o melhor futuro possível. Essa obra representa a exteriorização da inquietude de nossos pesquisadores. Procurou-se, dentre as temáticas mais instigantes, perpassar as mais diversas áreas do direito, o que demonstra a pluralidade de ideias e a interdisciplinaridade inerente às proposições de nosso curso. O direito administrativo está contemplado com a temática das contratações públicas sustentáveis. De forma mais ampla, naquelas intersecções entre o direito público e o direito privado próprias da contemporaneidade, há discussões sobre os direitos fundamentais das crianças e as políticas públicas, o papel do poder judiciário no Estado Democrático de Direito, bem como sobre o direito dos idosos, contemplado com duas temáticas (estatuto do idoso e abandono afetivo). O direito civil não ficou de fora: ORGANIZADORES:

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vislumbra-se pragmático estudo sobre os direitos sucessórios do companheiro no direito brasileiro e questionador estudo sobre a indenização punitiva no arbitramento do dano moral. Ainda no âmbito da responsabilidade civil, de forma interdisciplinar com o direito trabalhista, é apresentado estudo sobre a indenização moral em ricochete no âmbito das relações trabalhistas e sobre a indenização decorrente do inadimplemento de verbas salariais. No âmbito do direito processual civil, a aproximação dos sistemas de common law e civil law é apontada no artigo sobre os precedentes como fonte do direito. Ademais, há a apresentação da motivação das decisões judiciais como direito fundamental, em estudo de direito comparado. Na seara do direito penal, dois artigos contribuem para o desenvolvimento de uma consciência jurídica ambiental: a extinção da punibilidade da pessoa jurídica nos crimes ambientais e a sociedade de risco e a responsabilização penal pelo crime ambiental. A perspectiva ambiental é também enfrentada no âmbito do direito civil, com artigo sobre a omissão administrativa como pressuposto de responsabilização civil do estado em matéria ambiental. Por fim, o direito internacional da integração vem contemplado com relevante e abrangente estudo sobre o direito do consumidor no Mercosul. Todos artigos organizados pelos professores André Rafael Weyermüller e Haide Maria Hüpffer, com o inestimável auxílio e apoio dos participantes do Programa de Aperfeiçoamento Científico, os advogados e egressos do curso de direito da Universidade Feevale Pedro Ernesto Neubarth Jung e Maicon Artmann, e da acadêmica Maria Eduarda Lima da Rosa, participante do Programa de Iniciação Científica. Esperamos com isso contribuir para a reflexão de acadêmicos, docentes, pesquisadores, advogados e demais operadores do direito, sobre os modos possíveis de enfrentar essas novas questões. Ao organizar essa obra, foram selecionados pelas bancas de avaliação os trabalhos de conclusão de curso que se destacaram pela excelência acadêmica, mas muitos outros aqui poderiam estar, seja pelo talento dos pesquisadores, seja pela consistência com que apresentaram suas ideias. Nesse conjunto de artigos, todavia, estão representados todos os acadêmicos e professores do curso de direito da Universidade Feevale, que enfrentaram temas de elevada importância e estimularam, uns aos outros, a atingirem uma maior sofisticação como pesquisadores, da escolha das temáticas ao resultado dos textos elaborados. Agora, seu conhecimento está imortalizado nessa coletânea. Que esta obra seja de bom proveito aos leitores. Que seja um estímulo à pesquisa e à disseminação do conhecimento. Estão todos convidados. Prof. Dr. Daniel Sica da Cunha Coordenador do Curso de Direito da Universidade Feevale ORGANIZADORES:

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Pedro Ernesto Neubarth Jung

o papel do poder judiciário no estado democrático de direito

Graduado em Direito pela Universidade Feevale. Pesquisador do Programa de Aperfeiçoamento Científico da Universidade Feevale. Advogado. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional. E-mail: pedroneubarth@gmail.com.

Frederico Loureiro de Carvalho Freitas

Mestre e Especialista em Direito pela PUC/RS, Professor Universitário na Universidade Feevale. Advogado. E-mail: frederico@carvalhofreitas.com.br.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS Discorrer sobre o presente torna-se tarefa intrigante, uma vez que os problemas destinados aos Tribunais Superiores, suas funções e prerrogativas constitucionais relacionados aos demais Poderes são temas pertinentes ao Estado Democrático de Direito. O referido tema veio aguçando a sede por conhecimento de uma forma que venho apresentar-lhes o fruto desta pesquisa, suas respostas e problemas, os quais levaram a novas dúvidas e também sanaram outras, em especial as que dizem respeito às decisões, competência e prerrogativas constitucionais, bem como a sua repercussão social. Estas repercussões sociais foram o que motivaram a querer dissertar sobre o referido assunto, que possui ainda grande abrangência e rico material a ser desenvolvido. Deste modo, apresento-lhes ao longo deste artigo, desenvolvido através do trabalho de conclusão de curso do curso de Direito, métodos qualitativos que possibilitem uma melhor compreensão a respeito do tema desenvolvido nesta pesquisa. Assim, no capítulo um, busca-se analisar os aspectos históricos e científicos dos três poderes do Estado Contemporâneo com um enfoque especial no Poder Judiciário. Já no capítulo dois, pretende-se discriminar os Tribunais Superiores e as suas funções perante a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), bem como analisar as decisões declaradas pelas supremas cortes e sua possível relação com os demais poderes e entidades políticas. Ao final, no capítulo três, pretende-se esclarecer se os Tribunais Superiores estão tomando decisões além de suas prerrogativas. Por fim, intenta-se, através deste artigo, proporcionar um estudo aprofundado a respeito das funções dos Tribunais Superiores no Estado Contemporâneo, bem como sanar as possíveis dúvidas a respeito da efetiva capacidade de resolução desses e da real constitucionalidade ou não de suas decisões prolatadas nos âmbitos econômico, social e político. Ainda, busca-se tratar dos questionamentos relativos aos limites em que os Tribunais Superiores podem intervir nas atitudes tomadas pelos demais Poderes do Estado sem afetar o princípio constitucional da separação dos três poderes, previsto no artigo 2º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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ELEMENTOS DO ESTADO A TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS TRÊS PODERES A teoria da separação dos três poderes foi desenvolvida e escrita por Charles-Louis de Secondat, o Barão de La Brède e de Montesquieu na obra O Espírito das Leis, utilizando-se do legado dos predecessores, John Locke e Aristóteles, para analisar e descrever de forma exemplar os três poderes ingleses e as funções do sistema bicameral, com a finalidade de coibir o “[...] homem que tem Poder [...] a abusar dele [...]”1, no caso a Monarquia que na época era o Poder Moderador do estado que mais vinha se mostrando frágil e obsoleto. Para que tal teoria pudesse vir a se tornar absoluta e também um manual do novo método de administração do sistema estatal, Montesquieu dividiu o poder do estado em três esferas, com a finalidade de que “[...] cada Poder viesse a frear o outro; impeça o seu abuso [...]”2, desta forma, Montesquieu propiciou a cada poder funções próprias, uma capacidade de autogestão e também de fiscalização. Montesquieu descreveu os três poderes da mesma forma que John Locke os havia anteriormente feito, qual seja a existência de um Legislativo, do Executivo e a do Judiciário, da seguinte forma: Em cada Estado há três espécies de poderes: o Legislativo; o Executivo das coisas que dependem do Direito das Gentes; e o Executivo das que dependem do Direito Civil. Pelo primeiro, o Príncipe ou o Magistrado faz leis para algum tempo ou para sempre, e corrige ou ab-roga as que estão feitas. Pelo segundo, ele faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança, previne

MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de Brède e de. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes. 9. ed. Traduzido por Pedro Vieira Mota. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 25.

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MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de Brède e de. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes. 9. ed. Traduzido por Pedro Vieira Mota. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 25.

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as invasões. Pelo terceiro, pune os crimes, ou julga as demandas dos particulares. A este último chamar-se-á Poder de Julgar; e ao anterior, simplesmente Poder Executivo do Estado.3

Da conceituação ex professo de Montesquieu, Jorge Miranda lecionou em sua obra que: [...], a função legislativa (feitura de actos-regra), a função administrativa (prática de actos condição, de actos subjectivos e de actos materiais, para assegurar o funcionamento de um serviço público) e a função jurisdicional (resolução de questões de direito).4

Diante disto, percebe-se que, para a existência de um Estado com “[...] divisão tricotômica das funções [...]”5, conforme imaginado por Montesquieu, haveria a necessidade de o poder deixar de se limitar às mãos de um só homem, como era realizado na Monarquia, e passar a dividir o poder em outras três esferas, a fim de assegurar uma maior igualdade e tornar possível a fiscalização proposta por este, para os poderes entre si. Identificados os poderes gestores do estado, resta possível caracterizar as funções, obrigações e alcances de cada um deles. De início, insta mencionar o Poder Legislativo, aquele que, para Montesquieu, é o responsável por “[...] fazer as leis para algum tempo ou para sempre, e corrigir ou ab-rogar as que estão feitas [...]”6. Desta forma, entende-se que o Poder Legislativo é aquele responsável por legislar, ou seja, elaborar leis e normas que devem ser respeitadas por toda a sociedade, de igual forma e sem discrepância.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de Brède e de. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes. 9. ed. Traduzido por Pedro Vieira Mota. São Paulo: Saraiva, 2008, p.168 a 169.

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4

MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 1. ed. Tradução da edição portuguesa. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 233.

5

MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 1. ed. Tradução da edição portuguesa. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 236.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de Brède e de. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes. 9. ed. Traduzido por Pedro Vieira Mota. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 25.

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Conforme ensinamento de Jorge Miranda, o Poder Legislativo brasileiro é formado pelo: [...] Congresso, bicameral, a Câmara dos Deputados é eleita por 4 anos, por representação proporcional em cada Estado e no Distrito Federal; e o Senado por representação majoritária, elegendo cada Estado e o Distrito Federal 3 Senadores, com mandato de 8 anos.7

Entende-se na referida citação que o legislador brasileiro manteve o Poder Legislativo brasileiro conforme as palavras de Jorge Miranda “[...] fiel à divisão clássica dos três poderes [...]”8. Da mesma forma, Montesquieu descreveu a existência do Poder Executivo, que é: “[...] aquele administrado pelo Monarca, uma vez que quase sempre este necessita de uma ação instantânea, não podendo desta forma se dar ao luxo de ser gerido pela coletividade [...]”9, também é responsável por “[...] exercer as demais funções do Estado; exercer a administração geral do Estado, constituindo-se por isso no executor das leis em geral [...]”10. Diante do exposto, compreende-se que o Poder Executivo, para Montesquieu, é aquele que realiza todas as atividades administrativas do estado, sendo capaz de tomar atitudes imediatas, pensando no coletivo e deixando de ter a necessidade de consultar terceiros a respeito do que está por fazer, ou realizar. Igualmente, Jorge Miranda lecionou a respeito do Poder Executivo que: O Presidente da República é eleito por sistema de dois turnos ou duas voltar (como em França e em Portugal), por 4 anos. A eleição do Presidente importa a do Vice-Presidente com ele registrado. O Presidente é auxiliado pelos Ministros de Estado, que referendam os seus actos e decretos e em quem ele pode delegar algumas das suas atribuições de carácter administrativo.11 7

MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 1. ed. Tradução da edição portuguesa. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 152.

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MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 1. ed. Tradução da edição portuguesa. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 152.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de Brède e de. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes. 9. ed. Traduzido por Pedro Vieira Mota. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 176.

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MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de Brède e de. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes. 9. ed. Traduzido por Pedro Vieira Mota. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 25. 10

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MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 1. ed. Tradução da edição portuguesa. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.152.

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Assim, entende-se que o Poder Executivo é aquele capaz de coordenar a ordem e o caos, organizar os poderes de polícia, as forças armadas, exercer as finanças públicas, supervisionar a sociedade e vislumbrar as suas possíveis e necessárias necessidades, não estando desta forma tão distante das suas ideias originárias, necessitando também cumprir o que fora estabelecido a ele por lei, tentando, da melhor forma possível, levar em consideração os interesses da comunidade política e da sociedade que o condecorou em seu todo. Ainda, segundo Montesquieu existe um último poder, poder este que “[...] pune os crimes e julga as demandas dos particulares [...]”12, ou seja, o Poder Judiciário, o qual descreve da seguinte maneira: [...] exercido por pessoas tiradas do seio do Povo, em certas épocas do ano, da maneira prescrita por lei, para formar um tribunal que não durará senão o quanto exigir a necessidade. Deste modo, o Poder de Julgar, tão terrível entre os homens, não estando ligado a nem a um certo estado, nem a uma certa profissão, torna-se por assim dizer, invisível e nulo. Não se têm Juízes diante dos olhos continuamente; teme-se a Magistratura, não os Magistrados.13

À vista disso, entende-se que, para Montesquieu, o Poder Judiciário deveria ser o tirano de todos os poderes, aquele capaz de, ao ser aludido, impor pavor a todos os cidadãos, e que só deveria ser provocado em necessidades especiais e em momentos específicos. Ainda, afirma que os detentores do poder judiciário, ou seja, os Magistrados, somente deveriam ser escolhidos em momentos de extrema necessidade, a fim de que não se cometa o erro de temer a pessoa que julgará a demanda, mas sim o cargo em si.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de Brède e de. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes. 9. ed. Traduzido por Pedro Vieira Mota. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 25. 12

MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de Brède e de. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes. 9. ed. Traduzido por Pedro Vieira Mota. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 171 a 172. 13

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Atualmente, o Poder Judiciário brasileiro abrange uma área muito mais ampla do que a inicialmente elucidada por Montesquieu, atingindo as mais diversas áreas de atuação do campo do direito. Nesse sentido posiciona-se Jorge Miranda, lecionando que: O poder judiciário compreende o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais, os Tribunais e Juízes de Trabalho, Eleitorais e Militares e os Tribunais e Juizses dos Estados, do Distrito Federal [...] Supremo Tribunal Federal, composto por 11 Ministros nomeados pelo Presidente da República.14

Assim, é possível compreender que o Poder Judiciário na República Federativa do Brasil é formado por diversos tribunais superiores, são eles o Supremo Tribunal Federal (STF), o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Tribunal Superior do Trabalho (TST), Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Superior Tribunal Militar (STM), sendo cada um destes responsáveis por intermediar, decidir, julgar os litígios entre particulares, públicos e particulares e públicos de forma especifica, em primeira e em segunda instância, cabendo ainda, às cortes superiores, averiguarem a constitucionalidade dos atos praticados. Os tribunais superiores também são os responsáveis por analisarem a verossimilhança e a constitucionalidade das leis, decretos, decretos-leis e dos tratados firmados e possíveis emendas constitucionais promulgadas. São eles ainda os responsáveis por assegurar o princípio constitucional do duplo grau de jurisdição que está previsto no artigo 5º, inciso LV da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88). É possível ressaltar que a teoria dos três poderes de Montesquieu recebeu uma enorme importância dos países contemporâneos, tornandose assim muito maior do que o imaginado por ele, importância esta que hoje se encontra presente nas mais diversas Constituições. Como exemplo disso, pode-se citar o artigo 2º, da CRFB/88, os artigos 44, 87 e 108, da Constituicion de la Nacion Argentina de 1994 (CNA/94), o artigo 7º da Constitucion Politica de la Republica de Chile de 1980 (CPRC/80) e nos artigos 1º, secção 1, 2º, secção 1 e 3º, secção 1 da Constitution of the United States de 1787 (CUS/87).

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MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 1. ed. Tradução da edição portuguesa. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 152.

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O PODER JUDICIÁRIO O Poder Judiciário, como verificado, é uma das esferas de poder do Estado previstas pela teoria da separação dos três poderes, desenvolvida por Charles-Louis de Secondat, o Barão de La Brède e de Montesquieu. Sobre este Poder, Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais doutrinam que é jurisdicional “o campo da solução em específico dos conflitos surgidos e regulados pelas regras gerais, interpretando e capaz de aplicar a lei”15. Através desse trecho da obra é possível compreender que o Poder Judiciário procura solucionar os conflitos existentes e, além disso, visa regularizar as normas e unificar o modo de interpretação das leis. Ainda, o doutrinador Armindo Guedes da Silva, em sua obra, retrocede a longínquos períodos históricos para lecionar a respeito do Poder Judiciário que: A aplicação de penalidades ao transgressor dessa incipiente e precária ordem social foi a primeira função que apareceu na sociedade antiga como manifestação do poder que veio a chamar-se poder político. A essa função, tão restrita em seu conteúdo quanto importante à coesão do grupo primitivo, deu-se o título de função judiciária. Antecedeu a qualquer forma de divisão do trabalho e ao estabelecimento de regras escritas de conduta, a constituir um prolongamento do poder do pai de família, difundido entre os componentes do grupo.16

A respeito disto, é possível entender que a ideia de um Poder Judiciário não se encontra limitada a sua existência na Teoria da Separação dos Três Poderes de Montesquieu. Pelo contrário, este poder, assim como os outros dois previstos, é tão antigo que é impossível referenciar a sua origem a um determinado período histórico ou obra escrita. Nos períodos históricos mais antigos, o Poder Judiciário tinha a função de penalizar aqueles que estariam agredindo a ordem social, desta forma, buscou-se assimilar o Poder Judiciário à ideia do poder paternal, ou seja, o poder do pai de família.

15

STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. 1. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p.153.

16

SILVA, Armindo Guedes da. Tribunais de duplo grau de jurisdição: fórmula para descentralizar a justiça. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 02.

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Prosseguindo, Armindo Guedes, em sua obra, utilizou como exemplo de antiguidade do sistema judicial o período da Grécia antiga, época esta em que o Poder Judiciário era aquele responsável pelas “[...] situações litigiosas, [...] decididas quase sempre por magistrados escolhidos para essa finalidade, reunidos em assembléias, convocadas somente para tal propósito [...]”17. Percebe-se, desta forma, que é indispensável a existência de um poder julgador neutro, e que este somente seja convocado para se manifestar, exclusivamente em juízo, nos casos que realmente o fizessem necessário. Mas, retornando à atualidade, o Poder Judiciário vem exercendo funções primordiais nos atuais estados de direito, uma vez que este é indispensável para a sua existência. É através do Poder Judiciário que se busca regulamentar leis e normas, julgar a veracidade de fatos e casos, condenar os possíveis culpados e, acima de tudo, procura-se fiscalizar as atividades realizadas pelos demais poderes, função esta lhe atribuída originariamente por Montesquieu. Nesse sentido doutrina Armindo Guedes, reafirmando a necessidade do controle mútuo dos poderes do estado: O funcionamento dos Poderes tem demonstrado – e cada vez mais se evidencia – que a teoria da distribuição das funções governamentais só se contempla com um sistema de controle mútuo, de modo a evitar abusos ou excessos das autoridades. As condições de independência dos Poderes, por si só, não conduzem os governantes a proceder dentro da pauta.18

Na República Federativa do Brasil, o Poder Judiciário encontra-se presente, atualmente, no capítulo III, da Constituição Federal de 1988, e é identificado nos artigos 92 a 135, da respectiva constituinte. Ocorre que o Poder Judiciário não surgiu nesta Constituição, pois sempre se fez presente no ordenamento constitucional brasileiro. A exemplo disto destaca-se a obra “O Poder Judiciário no Brasil: crônica dos tempos coloniais”, de Lenine Nequete, que narra a toda a história do Poder Judiciário, dos tempos coloniais até o século XX:

17

SILVA, Armindo Guedes da. Tribunais de duplo grau de jurisdição: fórmula para descentralizar a justiça. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 05.

18

SILVA, Armindo Guedes da. Tribunais de duplo grau de jurisdição: fórmula para descentralizar a justiça. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 27.

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Foi sob o império, pois, das Ordenações Manuelinas, que – dividido o Brasil em capitanias hereditárias, outorgadas entre 1534 e 1536, [...] fixou-se nas cartas de doação e nos subseqüentes forais a primeira organização política e judiciária da Colônia. Com as cartas de doação fazia El-Rei mercê aos Capitães e Governadores de soberania sobre os territórios doados, enquanto que nos forais se estabeleciam os direitos, fotos, tributos e coisas [...]. Investia-se, destarte, o Capitão e Governador, dos mais amplos poderes relativamente à organização da ‘sua’ justiça. Cumpria-lhe, pois, 1) nomear o Ouvidor [...], para conhecer das apelações e agravos de toda a capitania, e de ações novas até dez léguas da distância onde se encontrasse; [...]. 2) julgar, com o ouvidor, sem apelação nem agravo, em causas crimes, até morte natural para peões, escravos e gentios, e dez anos de degredo e cem cruzados de multa para as pessoas de maio qualidade [...].19

Ingo Wolfgang Sarlet doutrina, da mesma forma, a respeito da evolução histórica das Constituições brasileiras, começando pela Constituição Política do Império do Brasil de 1824 (CPIB/24) até chegar à atual carta magna. A respeito da CPIB/24, Ingo Wolfgang Sarlet doutrina que a evolução da constituição brasileira e, consequentemente, a do sistema judiciário se fez da seguinte forma: A evolução constitucional brasileira, embora sua origem possa ser reconduzida ao período colonial, inicia com a independência de Portugal, marcando o desenvolvimento político-institucional do Brasil como Estado e Nação politicamente independente. [...] tratavase de uma Constituição que delegava ao Imperador o exercício precípuo do controle de todos os demais poderes, [...] por meio do chamado Poder Moderador.20

Ainda, Ingo Wolfgang Sarlet, de maneira a complementar o supracitado, escreve que a evolução histórica da carta magna brasileira e do Poder Judiciário deu-se da seguinte maneira: 19

NEQUETE, Lenine. O Poder Judiciário no Brasil: crônica dos tempos coloniais. 1. ed. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2000, volume 1, p. 6 e 7.

20

SARLET, Ingo Wolfgang et al. Curso de direito constitucional. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 223 e 224.

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[...] o controle de constitucionalidade das leis, [...] era eminentemente político, tendo sido conferido ao Poder Legislativo, a quem de resto incumbia também à prerrogativa de interpretar as leis. [...] A posição do Poder Judiciário no âmbito da arquitetura políticoinstitucional era, portanto, bastante distinta daquela que vinha sendo engendrada na esfera do constitucionalismo [...], situação que veio a ser superada [...] apenas a contar da proclamação da República.21

Assim, percebe-se que o Poder Judiciário, antes da promulgação da CPIB/24, era exercido pelos Capitães e Governadores dos territórios doados pelo Rei, sendo eles os responsáveis por realizarem todas as funções executivas dos territórios. Oportunamente, com a promulgação da CPIB/24 e a previsão legal do Poder Judiciário, no título 6º, artigo 151 a 164, diversas funções que foram atribuídas erroneamente ao Poder Executivo retornaram para o Poder Judiciário, em que pese às funções, como a exemplo o controle de constitucionalidade das leis, tenham ficado com o sistema legislativo, mantendo desta forma uma posição institucional distinta da encontrada atualmente. Lenine Nequete doutrinou ainda, a respeito da evolução constitucional e do Poder Judiciário que este: [...] não gozava [...] de nenhum prestígio. Pelo contrário. Ou ela não se impunha, toda dependente das graças do Executivo e do Poder Moderador, ou ensejavam realmente, os juízos desfavoráveis que então se faziam ao seu procedimento [...].22

Com o passar do tempo, conforme o Estado brasileiro ia se desenvolvendo, novas ideologias fizeram-se necessárias. Assim, tornou-se irremediável a promulgação de uma nova constituição, que, por conseguinte, renovou todo o cenário do Poder Judiciário brasileiro, obrigando, dessa forma, os seus envolvidos a adaptarem-se ao novo modelo, uma vez que junto com ele surgiram novos patamares e posicionamentos.

21

SARLET, Ingo Wolfgang et al. Curso de direito constitucional. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 225.

22

NEQUETE, Lenine. O Poder Judiciário no Brasil a partir da Independência. 1. ed. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2000, volume 1, p. 30.

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Sobre a vigente constituinte, destaca-se que foi através dela que os atuais tribunais superiores retomaram as suas funções originárias, sendo ela a responsável por transformar o Supremo Tribunal Federal (STF) no guardião da Constituição, atribuindo-lhe o poder de declarar a inconstitucionalidade de uma lei, sem que seja necessária a sua reapreciação por outro poder, estando tal situação prevista no artigo 102, inciso I, alínea “a”, da Carta Magna. Ainda, a Constituição Federal de 1988 também foi a responsável por criar o Superior Tribunal de Justiça (STJ), tribunal este responsável pela jurisdição infraconstitucional. Lenine Nequete doutrinou, desta maneira, a respeito da história do Poder Judiciário perante a carta magna de 1988 que: Finalmente chegamos à Constituição de 1988. Houve grande preocupação do Constituinte de estabelecer o Judiciário dentro das linhas constitucionais anteriores, mas deixando o Supremo Tribunal como guarda da Constituição, e atribuindo-lhe a jurisdição constitucional por excelência, sem transformá-lo em Corte Constitucional na forma alemã ou italiana. Foi criado o Superior Tribunal de Justiça para a jurisdição infraconstitucional. Manteve-se a Justiça Federal, com o Tribunal Regional Federal como Segunda instância, e, por lei, foram criados [...] tribunais [...]. Destaque-se na Constituição de 1988 ampla enumeração de direitos fundamentais conexos com a atuação do Judiciário, todos previstos no artigo 5º [...].23

Por fim, após uma breve analise do período histórico envolvendo o Poder Judiciário, percebe-se que este conseguiu alcançar as suas funções há tempo previstas por Montesquieu. Resta claro ainda que a existência do sistema judiciário nos estados contemporâneos é de extrema importância, em especial no Brasil, onde, apesar de suas precariedades, segue sendo o responsável por assegurar à população brasileira seus direitos, até mesmo durante os períodos mais obscuros da história nacional.

23

NEQUETE, Lenine. O Poder Judiciário no Brasil a partir da Independência. 1. ed. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2000, volume 2, p. 105.

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FUNÇÕES E ORGANIZAÇÃO CONSTITUCIONAL DO PODER JUDICIÁRIO A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) é clara e precisa no que tange às funções e divisões do Poder Judiciário brasileiro. A respeito disso, Clémerson Merlin Cléve escreve que são funções do sistema jurídico: [...] em princípio [...] a de dirimir conflitos de interesses. Mas, a função do Judiciário, também, é a de distribuir justiça. [...] A Constituição Federal de 1988 procurou fazer do Brasil um Estado de Justiça. [...] A justiça da decisão judicial é a justiça deduzida de um Texto Constitucional que procura privilegiar a dignidade da pessoa humana. No sistema constitucional brasileiro atual é perfeitamente possível se advogar a inconstitucionalidade da lei injusta. Qualquer lei injusta, ofensiva [...] definidos pelo Constituinte, será uma lei inconstitucional cuja aplicação pode ser perfeitamente negada pelo Juiz.24

Desta forma, entende-se que a função do Judiciário brasileiro é, além da pré-estabelecida pela Carta Magna, qual seja a de solucionar embates entre particulares, públicos e ainda, particulares e públicos, a de realizar a distribuição da justiça de forma igual a todos aqueles que assim julgarem necessário. Ainda, a respeito das atividades e divisões do sistema judicial brasileiro, o artigo Políticas Públicas e o Protagonismo Judicial no STF diz que “[...] a função social do juiz é [...], a do herói salvador que se oferece em sacrifício contra o mal que o cerca [...]”25. Desta maneira, pode-se dizer que o sistema judiciário não existiria sem a pessoa do juiz, da mesma forma que o juiz nada seria sem a entidade do poder judicial. Em outras palavras, são duas partes de um mesmo sistema, as quais, concomitantemente, necessitam uma da CLÉVE, Clémerson Merlin. Poder Judiciário: Autonomia e Justiça. Revista dos Tribunais. [S.L.], v.691, p. 34, Maio-93. Disponível em: <http://www.revistadostribunais. com.br/maf/app/widgetshomepage/resultList/document?src=docnav&ao=&fromrend=&srguid=i0ad8181500000149a91b2736d4b7229d&epos=1&spos=1 &page=0&td=4000&savedSearch=&searchFrom=&context=5>. Acesso em: 06 nov. 2014. 24

LIRA, Daiane Nogueira de et al. Políticas Pública e Protagonismo Judicial no STF: relatório de pesquisa do grupo de estudo e pesquisa em políticas públicas e hermenêutica. Univ. JUS. Brasília, v. 22, n. 2, p. 105-196, Julho-Dez-11. Disponível em: <http://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/jus/article/view/1503/1459>. Acesso em: 06 nov. 2014.

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outra para existir. Ainda, a respeito disso, entende-se que o papel do magistrado é de extrema relevância dentro dos estados contemporâneos, equiparando-se ao dos legisladores e ao dos chefes do sistema executivo, como visto no trecho acima transcrito. Antes de se passar à análise das funções do Poder Judiciário de forma individual, ou seja, a função de cada um dos Tribunais Superiores presentes na CRFB/88, transcreve-se o dito por Lenio Luiz Streck, a fim de expor a delicada situação que envolve todo o Estado brasileiro e também a crise que o abala: [...] crise do Direito, apresentada agora, definidamente – e sobretudo entre nós, brasileiros – [...], como crise do Poder Judiciário. É inegável a existência dessa crise. [...] a [...] “crise do Direito” não é, originariamente, dele, senão de quem o produz, o Estado. Vivemos nesta última década, sob deliberado processo de enfraquecimento do Estado, patrocinado pelos governos neoliberais globalizantes [...]. O Direito que [...] conhecemos e aplicamos, [...] dizemos ser “posto” pelo Estado não apenas porque seus textos são escritos pelo Legislativo, mas também porque suas normas são produzidas pelo Judiciário.26

Diante do exposto, compreende-se que o Poder Judiciário vem sofrendo enorme repressão e críticas internas, uma vez que as suas funções basilares encontram-se abaladas, devido à crise que atinge todo o ramo do direito e que está se agravando ainda mais nas últimas décadas. No que concerne à crise presente em todo o direito brasileiro, percebe-se que esta ocorreu devido a problemas de cunho dos três poderes, uma vez que suas naturezas vêm exercendo diversas funções que fogem de suas alçadas, como pode ser visto no artigo 96, inciso I, alínea “a” e “b”, da CRFB/88, que trata de funções atípicas e de cunho legislativo e executivo, respectivamente, mas que são exercidas pelo Poder Judiciário. Entretanto, tais obrigações não são as únicas. Com a promulgação da Proposta de Emenda a Constiuição nº 29 de 2000, que oportunamente transformou-se na Emenda Constitucional nº 45 de 2004 (EC/45), entende-se que diversas novas funções foram atribuídas e removidas do sistema judicial e dos demais poderes, atividades estas que afrontam de forma grave a teoria da separação dos três poderes. Como exemplo disto, citamse os artigos 102, § 3º, 103-A, 105, inciso III, alínea “b”, 114, inciso V e 125, § 4º, todos da CRFB/88. 26

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 17.

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Os escritores Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais advertem a respeito da judiciliazação dos demais poderes, lecionando que: [...] descrédito dos cidadãos nos demais Poderes, bem como da ampliação do acesso à justiça, consolidou aquilo que ficou conhecido com judicialização da política, um fenômeno que surge como resultado deste contexto político-social, isto é, fruto transformações ocorridas na sociedade. [...] esta questão ainda precisa ser enfrentada criticamente. Isso ocorre especialmente em face do direcionamento das expectativas democráticas ao Judiciário, que, dentre os Poderes, é o único que não foi escolhido pelo voto popular. Deste modo, as relações entre Legislativo, Executivo e Judiciário, em que pese o sistema de controle recíproco (checks and balances) [...], tem se revelado, pelo crescimento da atividade jurisdicional [...].27

Assim, percebe-se que as novas funções atribuídas ao Poder Judiciário ocasionaram um delicado desnível na balança que separa os três poderes do Estado, pois o grave equívoco tomado pelo legislador à época, qual seja, o acréscimo de novas funções ao Poder Judiciário, extrapolou com as suas funções. Destarte, o legislador, ao atribuir ao Judiciário um papel que não é compatível com as suas funções primárias, acabou por criar uma disparidade entre os três poderes regulamentadores do Estado, afetando de forma direta a função originária do sistema judiciário, que é a de processar e julgar todos os casos pertinentes à sociedade. A respeito destas atribuições incompatíveis com o Poder Judiciário, Anderson Oreste Cavalcante Lobato escreve que a jurisdição constitucional: [...] provoca uma institucionalização do relacionamento entre política, Constituição e Justiça. Propõe de fato uma releitura do princípio da separação dos poderes em que a tese clássica de Montesquieu, sem perder o sentido de limitação do poder político através de instrumentos de controle entre poderes, seria fortalecida pela participação do poder Judiciário na defesa das instituições democráticas e

27

STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 192 e 193.

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dos direitos de cidadania. A decisão de Justiça sobre questões políticas não-resolvidas pelo consenso entre governantes ou entre esses e a cidadania encontraria na judicialização uma possibilidade de fiscalização da política de governo tendo como norma-parâmetro a Constituição [...]. O fenômeno da judicialização da política segue a evolução natural do Estado de Direito que se democratiza. Com efeito, a decisão judicial, protegida pela fundamentação jurídica e das garantias institucionais e pessoais do julgador, contribui sensivelmente para o fortalecimento das instituições democráticas. A jurisdição constitucional e a democracia caminham lado a lado em busca da realização de idéia de Direito. [...]. No contexto atual a jurisdição constitucional brasileira vive um momento delicado de estagnação. Por um lado, ocorre que a imposição de uma política de governo pelo presidencialismo aumenta significativamente o grau de litigiosidade perante os tribunais, em particular perante o Supremo Tribunal Federal. Por outro lado, há a incapacidade do Judiciário em firmar uma jurisprudência constitucional que possa orientar as decisões da Justiça em todo território nacional. Trata-se sim de uma questão de técnica constitucional que no fundo encobre uma questão política que deve ser enfrentada rapidamente. O Poder Judiciário no constitucionalismo democrático precisa resgatar a sua legitimidade. Essa legitimidade não poderá ser obtida através do processo eleitoral como ocorre com o Executivo e o Legislativo. A legitimidade do Judiciário residiria na sua capacidade de proteger os Direitos do cidadão e sobretudo, de resistir à pressão política exercida pelo governo[...]. O seu papel assim definido obriga a uma nova engenharia constitucional que conduzirá a uma reforma do Judiciário, primeiramente no modo de organização dos tribunais superiores - quem sabe com a adoção de um Tribunal Constitucional. Esse tribunal teria a tarefa de redefinir toda a estrutura do Poder Judiciário brasileiro, inclusive abrindo-se a discussão sobre a admissibilidade de um controle externo, bem como da revisão de procedimentos que, valorizando o formalismo processual, representaram, no passado autoritário, um espaço de resistência, mas que no espaço democrático podem comprometer a força das decisões de Justiça.28

LOBATO, Anderson Oreste Cavalcante. Política, Constituição e Justiça: os desafios para a consolidação das instituições democráticas. Rev. Sociol. Polit. Curitiba, n.17, Nov-01. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782001000200005&lang=pt>. Acesso em: 13 nov. 2014.

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Percebe-se então que a invasão das funções do sistema judicial sobre os demais sistemas, ora executivo, ora legislativo, está cada vez mais visível, vez que a referida situação está levando o Poder Judiciário a um colapso estrutural irreparável. Atualmente, o poder judicial brasileiro vem recebendo imposições diretas da política de governo do Estado, ainda que este negue tais acontecimentos, aumentando, assim, significativamente, o grau de litigiosidade perante os tribunais, ou seja, a disparidade de suas decisões. Há ainda uma incapacidade do sistema judiciário em firmar uma jurisprudência constitucional que possa orientar as decisões de todas as justiças em território nacional, verificando-se uma crise técnica interna e constitucional que no fundo retoma as questões políticas anteriormente dispostas. Também se percebe que para a solução da judicialização dos poderes seria necessário um resgate do formalismo processual, bem como da revisão de procedimentos, que no passado valorizaram tanto a democratização dos tribunais superiores. No entanto, para isso ocorrer, seria necessário adotar a existência de um tribunal exclusivamente constitucional, não nos moldes da atual Corte Suprema, mas um novo modelo apto a redefinir toda a sua estrutura, capaz de discutir a admissibilidade de um controle externo sobre si, valorizando, dessa forma, as suas decisões e consequentemente suportando a pressão política exercida pelo executivo e legislativo. Em complemento ao supratranscrito, os autores Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais escrevem a respeito da crise funcional que abala todo o sistema judiciário brasileiro: Nesta esteira, [...], além da atuação da jurisdição constitucional, como [...] há ocupação da função legislativa em seu mais alto nível – constitucional/constituinte – pela jurisdição, a prática das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), nas quais há um reforço de tarefas próprias à jurisdição praticadas no âmbito do Legislativo. 29

29

STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 161.

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Ora, como o visto, a crise do direito brasileiro não atinge apenas o Poder Judiciário, mas também o Poder Legislativo e consequentemente o Poder Executivo ao estabelecerem normas para si que afrontam as suas atividades originárias, sendo um exemplo disto as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI’s), que atribuem funções originárias do judiciário ao legislativo. Maria Tereza Aina Sadek retrata essa falta de credibilidade do Poder Judiciário brasileiro em comparação aos demais poderes, bem como o baixo índice de julgamento de processos da seguinte maneira: A constância nas críticas à justiça [...] é um denominador absolutamente comum quando se examina textos especializados, crônicas e mesmo debates parlamentares, ao longo dos quatro últimos séculos. [...] Em praticamente todos os países têm sido reiterados os argumentos mostrando deficiências na prestação jurisdicional. Tais argumentos não particularizam nem mesmo os países mais pobres e/ou sem longa tradição democrática [...]. Ainda que se ressalte que o sentimento de insatisfação seja antigo e comum à grande parte dos países civilizados há, contudo, que se destacar os traços que têm diferenciado a crise da justiça no Brasil e conferido particularidades para os últimos anos. A situação recente difere de todo o período anterior em pelo menos dois aspectos: 1) a justiça transformou-se em questão percebida como problemática por amplos setores da população, da classe política e dos operadores do Direito, passando a constar da agenda de reformas; 2) tem diminuído consideravelmente o grau de tolerância com a baixa eficiência do sistema judicial e, simultaneamente, aumentado a corrosão no prestígio do Judiciário. De fato, as instituições judiciais – mesmo que em grau menor do que o Executivo e o Legislativo – apesar de há longo tempo criticadas, saíram da penumbra (confortável?) e passaram para o centro das preocupações. E, por outro lado, acentuaram-se as críticas e a queda nos índices de credibilidade.30

O poder judicial brasileiro visto no trecho supracitado está em grande descrédito com a população nacional, uma vez que este não vem mais sendo efetivo com as suas decisões. Não bastasse isso, o sistema judiciário está se tornando um órgão demasiadamente político, assemelhandose, assim, à falta de credibilidade dos demais poderes, que há muito já a perderam. SADEK, Maria Tereza Aina. Poder Judiciário: perspectivas de reforma. Opin. Pública. Campinas, v.10, n.1, Maio-04. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0104-62762004000100002&lang=pt#back3>. Acesso em: 13 nov. 2014.

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Em complemento a respeito da falta de credibilidade do sistema judicial brasileiro, merece destaque o escrito por Lenio Luiz Streck: É evidente que necessitamos de mecanismos que conduzam à efetividade da justiça e ao “desafogo dos tribunais superiores” [...]. Entretanto, não se pode, em nome de uma “instrumentalidade quantitativa”, solapar uma “instrumentalidade qualitativa”. É evidente que, com a informática, os processos “andam mais rapidamente”. Entretanto, em que medida houve uma melhora na qualidade das decisões? Cada vez mais as decisões se tornam estandardizadas. O que o “novo” imaginário forjado a partir das efetividades quantitativas fez foi promover o esquecimento da singularidade das causas. Passamos a julgar teses e não mais causas. O assim denominado “caso concreto” serve, hoje, apenas para justificar julgamentos de cunho pragmaticista.31

Percebe-se que a crise presente no sistema judicial brasileiro vai muito além da falta de capacidade dos demais poderes de exercerem as suas funções primárias, esta se encontra impregnada nos magistrados, políticos e na população que é quem movimenta toda a máquina pública. Se a população dialogasse mais entre si e com os outros poderes haveria uma grande chance de se amenizar e, quem sabe, até resolver tal crise institucional. Deste modo, faz-se necessário aprofundar ainda mais a presente pesquisa, realizando assim um estudo individualizado de cada um dos tribunais superiores pertencentes ao poder judicial brasileiro. Para tanto, passar-se-á a analisar a suprema corte constitucional e as demais cortes superiores presentes na CRFB/88.

31 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 934. ORGANIZADORES:

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O PODER JUDICIÁRIO E A CONSTITUIÇÃO ATRIBUIÇÕES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES PERANTE A CONSTITUIÇÃO As cortes superiores estão presentes no ordenamento brasileiro nos artigos 101 a 126 da atual Constituição e estão subdividas da seguinte forma: a secção II correspondente ao Supremo Tribunal Federal (STF), a secção III ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), a secção IV dos Tribunais Regionais Federais e dos Juízes Federais, a secção V aos Tribunais e Juízes do Trabalho (TST), a secção VI aos Tribunais e Juízes Eleitorais (TSE), a secção VII dos Tribunais e Juízes Militares (STM) e, por fim, a secção VIII dos Tribunais e Juízes dos Estados. A respeito dos tribunais superiores, doutrinou Jorge Miranda, que lhes compete a função de “aplicar as leis válidas e decidir como inválidas as leis contrárias à Constituição – que é a lei superior a todas as outras leis”32. Ángela Ester Ledesma doutrina da mesma forma a respeito da segunda instância dos sistemas judiciais, ao afirmar que: El segundo nível se trata de La observância de las leyes de la lógica, de los princípios de la experiencia y de los conocimientos científicos, de las deducciones que el tribunal formula a partir de la prueba de cargo. Este nivel constituye lo que se puede designar como la infraestructura racional de la formación de la convicción.33

Como complemento ao trecho supracitado, Eduardo Néstor de Lazzari doutrinou que compete aos tribunais superiores a: [...] función común de los Tribunales Superiores es velar por el respeto de las mandas constitucionales de sus respectivos sistemas, y una de dichas mandas resulta del hecho de que lãs sentencias que emanen de los jueces hayan sido [...] fundadas, pues constituye

32

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, volume 1, p. 147 e 148.

LEDESMA, Ángela Ester. Algunas reflexiones sobre la función de los tribunales de casación. In: BERIZONCE, Robero Omar; HITTERS, Juan Carlos; OTEIZA, Eduardo (Coord.). El papel de los tribunales superiores (2ª parte). 1. ed. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2008, p. 70.

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garantia de los derechos de lãs partes la obligación judicial de fundar la sentencia, de modo que se perciba claramente el curso lógico y jurídico del que deriva la resolucion final, pues las deficiências de los fallos puedem obstar la interposición de los recursos pertinentes y el control de su legalidad.34

Assim, analisando os trechos citados, percebe-se que os tribunais superiores possuem em comum a função de reavaliarem toda e qualquer sentença prolatada por seus Juízes, Desembargadores e Ministros, de forma clara e devidamente embasada. São eles também os responsáveis por averiguar as leis municipais, estaduais e federais em relação à Constituição, mediante provocação e, caso essa não seja realizada da forma adequada, considerar-se-á omissa, cabendo assim à interposição do recurso cabível, a fim de sanar a irregularidade e controlar a sua legalidade. O STF é a principal corte superior presente na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) e as suas funções foram estabelecidas nos artigos 101 a 103-B da Constituição. O doutrinador Manoel Gonçalves Ferreira Filho indica que o STF possui como “função precípua [...] a de guardar a Constituição”35. Assim sendo, percebe-se que o STF é o responsável pela constituição nacional, o que pode ser visto ao se analisar o artigo 102 da CRFB/88. Alem desta, o STF possui diversas outras funções, como a de julgar recursos ordinários, o habeas corpus, habeas data e outros remédios constitucionais, desde que esses tenham sido decididos em única instância por um dos demais tribunais superiores, artigo 102, inciso II, alínea “a”. É também o responsável por julgar, mediante recurso extraordinário, causas decididas em única ou última instância que contrariarem dispositivos da CRFB/88, artigo 102, inciso III, alínea “a”.

LÁZZARI, Eduardo Néstor de. Misión de los tribunales supremos nacionales: El imperativo constitucional de fundas las sentencias. In: BERIZONCE, Robero Omar; HITTERS, Juan Carlos; OTEIZA, Eduardo (Coord.). El papel de los tribunales superiores (2ª parte). 1. ed. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2008, p. 400.

34

35

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32. ed. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 264.

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Desta maneira, percebe-se que muitas foram às atribuições destinadas ao STF diante da CRFB/88. Entretanto, o legislador inovou ao prever a existência de uma nova corte superior, tribunal este que é responsável por analisar a legitimidade de leis municipais e estaduais em relação às federais, qual seja o STJ. Destaca-se que este tribunal superior é referido nos artigos 104 e 105 da Constituição. A respeito dessa corte, doutrinou Manoel Gonçalves Ferreira Filho, de forma clara, ao dizer que ela é “[...] criação da Constituição de 1988. Inspirou-a intenção de, [...], aliviar o Supremo Tribunal Federal de parte de seus encargos [...]”36, ainda, possui como “[...] função essencial [...] a guarda da lei federal, como sua competência mais importante”37.” Gilmar Ferreira Mendes doutrinou em sua obra que “cabe ao STJ apreciar os recursos especiais, cujas questões debatidas já tenham sido apreciadas pela Corte a quo, ou seja, que a matéria já esteja devidamente pré-questionada no Tribunal de origem”38. Desta forma, compreende-se que o STJ possui a função primaria de reavaliar todas e quaisquer matérias conhecidas e pré-questionadas pelas cortes originárias, desde que essas se encontrem infringindo alguma lei de cunho federal infraconstitucional. Prosseguindo com a análise dos tribunais superiores presentes na CRFB/88, Luiz Rodrigues Wambier doutrina a respeito da existência de três tribunais superiores, cada um com atribuições próprias e responsáveis por analisarem matérias especificas, respectivamente, “na estrutura do Poder Judiciário, há três organizações distintas, cada qual encarregada da aplicação de regras de uma área especifica do direito: do trabalho, eleitoral e militar”39.

36

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 37. ed. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 297.

37

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 37. ed. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 298.

38

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva. p. 975.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 13. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 118. 39

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Jorge Miranda, em sua obra, doutrinou a respeito dessa coexistência de várias ordens jurídicas no interior dos Estados Democráticos que: A coexistência de várias ordens jurídicas no interior do Estado federal não se presta a uma fácil explicação dogmática. Ela tem, contudo de se procurar na relação entre a Constituição federal e as Constituições dos Estados federados; envolvendo [...] uma visão conjugada de normas e competências. São órgãos [...], designadamente jurisidicionais, que [...] comunicam-se a unidade inter-sistemática [...].40

Não sendo o bastante, o autor ainda diz em sua obra que “a competência pode ser delimitada em razão da matéria, [...] é definida pelo Direito objectivo, o órgão não pode ter outra competência além da que a norma estipula.”41, assim, percebe-se que a intenção do legislador de delimitar a competência das cortes foi mais uma forma de realizar esta comunicação, uma vez que estas cortes não podem analisar matérias que não sejam referentes a sua competência delimitada originariamente. Faz-se imprescindível, a fim de corroborar a compreensão dessa comunicação e de suas funções, analisar as exceções tomadas pelos tribunais superiores em suas decisões, bem como as medidas controversas realizadas.

CORTES SUPERIORES ALÉM DE SUAS PRERROGATIVAS Como se pode verificar, diversas são as atribuições elencadas na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) às Cortes Superiores no Estado brasileiro. Ocorre que, com o crescente ativismo do poder judicial em relação aos demais poderes, muitas destas funções tornaram-se inconstitucionais em relação ao princípio da separação dos poderes.

40

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, volume 3, p. 295 e 296.

41

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, volume 5, p. 55 e 57.

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Nesse sentido, Marcos Nobre e José Rodrigo Rodriguez doutrinam a respeito do sentido da teoria da separação dos poderes que: O sentido de O espírito das leis nunca foi afirmar os três poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, como a essência do estado de direito, mas sim mostrar que é necessário criar poderes e contrapoderes para evitar a constituição de polos de poder absolutos, sem nenhum controle. [...] O ponto central é armar uma trama institucional que não admita o arbítrio, independentemente de qual desenho se venha a adotar. Por isso mesmo, é importante recuperar o espírito da obra [...] para refletir melhor sobre a dinâmica institucional contemporânea.42

Desta maneira, compreende-se que a essência da teoria da separação dos três poderes era a de criar um estado de direito capaz de evitar o poder absolutista. Assim, o ponto central seria arquitetar um equilíbrio entre os poderes a fim de evitar o ativismo por parte de um desses poderes sobre os demais. Ainda, Walber de Moura Agra diz, a respeito da errônea interpretação da separação dos poderes que “o que se reparte são as funções realizadas por esses poderes, de acordo com o que fora estipulado pela Constituição [...]”43. Entende-se, assim, que a ideologia da separação dos poderes não buscou dividir os países, mas sim buscou dividir as suas funções, a fim de que estas possam, através do sistema de controle recíproco checks and balances, realizar um controle inter-sistêmico de suas funções. Ocorre que, embora a previsão legal seja clara, ela não é respeitada por seus julgadores, que insistem em analisar e decidir matérias que vão além de suas prerrogativas. Nesse sentido, o autor José Asensi Sabater, doutrinou de forma clara a respeito do descaso das Cortes Superiores com os ordenamentos constitucionais e os demais poderes: [...] la función de los órganos judiciales, ya que éstos, em los sistemas em los cuales no son literalmente órganos creadores o innovadores del derecho sino órganos exclusivamente vinculados al império de la ley, no pueden dejar de actuar, em última instancia, como garantia RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes?: para uma critica do direito (brasileiro). In: NOBRE, Marcos; RODRIGUEZ, José Rodrigo (Coord.). Como decidem as cortes?: para uma critica do direito (brasileiro). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013, p. 185.

42

43

AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014, p. 128.

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de la organización jurídica. Es por elo que la concepción del juez como um “poder nulo”, [...]. Ocurre más bien al contrario, dado que la libertad de actuación del juez es mucho más amplia [...].44

Resta claro que há infração direta dos poderes julgadores sobre o ordenamento constitucional, uma vez que a sua função não é ser um órgão criador de direito, mas sim a de atuar como órgão garantidor da organização jurídica. Por esses motivos é que se faz necessária a concepção de um juiz com poder neutro em relação aos demais poderes, pois é a ele que os demais poderes do estado recorreriam para sanar suas desavenças, entretanto, tal situação nem sempre ocorre, pois a sua liberdade de atuação o torna totalmente imparcial em relação as suas decisões sobre os demais poderes. Ainda, o constitucionalista Luís Roberto Barroso, diz a respeito do ativismo do poder judicial sobre os demais poderes que: [...] questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo decididas, em caráter final, pelo Poder Judiciário. Trata-se, [...], de uma transferência de poder para as instituições judiciais, [...], que são o Legislativo e o Executivo. Essa expansão da jurisdição e do discurso jurídico constitui uma mudança drástica no modo de pensar e de praticar o direito [...].45

Desta forma, o Poder Legislativo e o Executivo vêm sendo suprimidos pelo Poder Judicial em alguns dos seus pontos políticos, sociais e morais possíveis. Ocorre, no entanto, que essa expansão do Poder Judiciário segue causando mudanças drásticas em todas as esferas de direito, uma vez que o ideal, que um dia norteou os estados, encontra-se em declínio. O STF, primeira Corte Superior presente na CRB/88, em diversas oportunidades excedeu as suas funções originárias ao decidir casos que não dizem respeito a sua alçada, conforme é o julgado abaixo:

44

SABATER, José Asensi. Constitucionalismo y derecho constitucional: materiales para uma introducción. 1. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 1996, p. 142.

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6. ed. São Paulo: SARAIVA, 2012, p. 366. 45

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EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. POLÍTICA DE AÇÕES AFIRMATIVAS. INGRESSO NO ENSINO SUPERIOR. USO DE CRITÉRIO ÉTNICO-RACIAL. AUTOIDENTIFICAÇÃO. RESERVA DE VAGA OU ESTABELECIMENTO DE COTAS. CONSTITUCIONALIDADE. RECURSO IMPROVIDO. I – Recurso extraordinário a que se nega provimento. 46

No caso em tela, o STF afrontou de forma direta a CRFB/88 ao negar provimento ao Recurso Extraordinário 597.285/RS, uma vez que a decisão tomada pelo plenário da corte afrontou de forma clara o disposto no artigo 22, inciso XXIV da CRFB/88. Ocorre que, mesmo que o STF tivesse dado provimento ao referido recurso, estaria afrontando a constituição, pois, como visto no artigo acima referido, legislar a respeito de matérias correspondentes à educação é uma atribuição destinada as duas casas do poder legislativo e não do poder judicial. Assim, percebe-se que o Poder Judiciário deliberou por assumir a posição do legislador federal, decidindo por não dar provimento ao RE. Tal situação é uma afronta gravíssima ao princípio constitucional da separação dos poderes, apesar deste não ser o único tribunal superior a realizar tais atrocidades. Não bastando o descaso do STF para com a Carta Magna e com os demais poderes, destaca-se ainda que o STJ também exerce essa prática de ativismo judicial, prática esta que não legitima uma posição definitiva de seus órgãos, mas que afronta de forma grave a CRFB/88. Tal façanha pode ser vista nos julgados a seguir expostos: EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE – PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA E COISA JULGADA APRECIADAS EM AGRAVO DE INSTRUMENTO TRANSITADO EM JULGADO – RECUSA DO RÉU EM SUBMETERSE AO EXAME DE DNA – PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DOS FATOS ALEGADOS NA INICIAL - RECURSO ESPECIAL – AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO – FUNDAMENTO SUFICIENTE – SÚMULA 283/STF. I – Improsperável o recurso especial, se o recorrente deixa de impugnar fundamento suficiente à manutenção do acórdão recorrido. Aplicação do enunciado n.º 283 da Súmula do Supremo BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 597.285/RS. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/ verProcessoAndamento.asp?numero=597285&classe=RE&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M> Acesso em: 13 nov. 2014.

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Tribunal Federal. II - Segundo a jurisprudência desta Corte, a recusa da parte em submeter-se ao exame de DNA constitui presunção desfavorável contra quem o resultado, em tese, beneficiaria. Recurso especial não conhecido. 47

In casu, percebe-se que o STJ, assim como o STF, interviu em matéria que não lhe dizia respeito. No caso prático, a corte superior de justiça infringiu o artigo 22, inciso I da CRFB/88 ao decidir e oportunamente sumular nos casos de ação negatória de paternidade em que a negativa do réu presume a veracidade da paternidade. Destaca-se no julgado que o Poder Judiciário, embora utilize como argumento a necessidade de suprimir as sequelas deixadas pelo legislador em casos de extrema necessidade, acaba por ordenar casos práticos que não lhe dizem respeito, afrontando assim a teoria da separação dos poderes. Assim, ao se analisar de forma única o disposto neste capítulo, percebe-se que os Tribunais Superiores estão afrontando de forma extremamente grave a Constituição nacional brasileira. Nesse sentido, Luís Roberto Barroso dispôs em sua obra que: Como conseqüência, quase todas as questões de relevância política, social ou moral foram discutidas ou já estão postas em sede judicial, especialmente perante o Supremo Tribunal Federal. [...]. Uma observação final relevante dentro deste tópico. No Brasil, [...]: o modelo de constitucionalização abrangente e analítica adotado; e o sistema de controle de constitucionalidade vigente entre nós, que combina a matriz americana – [...] – e a matriz européia [...].48

Destarte, pode-se dizer que o Poder Judiciário contemporâneo acabou por transformar-se em um poder relativamente novo, pois passou a analisar e julgar matérias de cunho político, social e moral, deixando de ser aquele poder que punia os opressores. Refere-se ainda que, no Estado brasileiro, isso ocorreu em virtude do sistema institucional escolhido e de forma natural. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 460.302/PR. Relator Ministro Castro Filho. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_ registro=200200596055&dt_publicacao=17/11/2003>. Acesso em: 13 nov. 2014. 47

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6. ed. São Paulo: SARAIVA, 2012, p. 368 e 369. 48

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Entretanto Niklas Luhmann adverte que: De qualquer maneira a simples existência das Cortes Constitucionais suscita dúvidas sobre se a descrição hierárquica da relação entre legislação e jurisprudência faz justiça ao problema ou se ela representa apenas uma solução de emergência, à qual recorremos por ela nos parecer, num primeiro momento, apropriada para dissolver a circularidade auto-referencial do sistema jurídico diferenciado, que é a sua própria fonte de direito.49

Por fim, após essa singela análise das funções do Poder Judiciário, dos Tribunais Superiores que o compõem e dos casos práticos de afrontam o princípio da separação dos poderes, pode-se dizer que estes vêm atuando de forma inconstitucional em relação à teoria da separação dos poderes, uma vez que, atualmente, o poder judiciário vem extrapolando as suas atribuições originárias, exercendo uma forma clara de ativismo judicial, ou, judicialização do sistema.

O ATIVISMO JUDICIAL, A JUDICIALIZAÇÃO DO SISTEMA E O SEU IMPACTO NO ESTADO BRASILEIRO Como visto nos capítulos deste artigo, os Estados possuem como alicerce a teoria da separação dos poderes. O Poder Judiciário, parte importante desta teoria, possui a função de punir e julgar a legitimidade de atos e leis promulgados e praticados pelos demais poderes. Ocorre que atualmente o poder judicial brasileiro vem extrapolando com suas funções, ou seja, vêm exercendo atos de judicialização e ativismo judicial. Nesse sentido, Luis Roberto Barroso exemplifica casos de judicialização:

LUHMANN, Niklas. A posição dos tribunais no sistema jurídico. Revista da AJURIS. Porto Alegre, n.49, Julho-90, p.157. Traduzido por Peter Naumann. Disponível em: <http:// livepublish.iob.com.br/ntzajuris/lpext.dll?f=templates&fn=main-j.htm> Acesso em: 13 nov. 2014.

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A enunciação que se segue, meramente exemplificativa, serve como boa ilustração dos temas judicializados: (i) instituição de contribuição dos inativos na Reforma da Previdência (ADI 3.105-DF); [...]; (iii) pesquisa com células-tronco embrionárias (ADI 3.510-DF); (iv) liberdade de expressão e racismo (HC – 82.424-RS – caso Ellwanger); (vi) restrição ao uso de algemas (HC 91.5920SP e Súmula Vinculante n. 11); [...]; (viii) legitimidade de ações afirmativas de quotas sociais e raciais (ADI 3.330); [...] Merece destaque a realização de diversas audiências públicas, perante o STF, para debater a questão da judicialização de prestações de saúde, notadamente o fornecimento de medicamentos e de tratamentos fora das listas e dos protocolos do Sistema Único de Saúde (SUS).50

Ainda, Luis Roberto Barroso exemplifica também em sua obra casos “ativistas do STF, manifestados por diferentes linhas de decisão. [...]: a) como a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas [...]. c) e a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, e também em casos de inércia do legislador [...]”51. Destarte, diversos são os casos de ativismo judicial e de judicialização no estado contemporâneo brasileiro, casos estes que podem ser conceituados como graves afrontas das cortes superiores para com a CRFB/88, em decorrência de estas estarem sendo ativas e positivistas em matérias que não lhes dizem respeito. Ocorre que esses métodos utilizados por estas não tiveram sua origem neste país, estando assim os magistrados apenas a reproduzirem os métodos já utilizados pelos juízes dos Estados Unidos. Assim, para que se possa compreender melhor o que é a judicialização e o ativismo judicial, é necessário analisarmos o seu contexto histórico. Para tanto se faz indispensável meditar a respeito do seu primeiro precedente histórico registrado e configurado, qual seja, o caso Marbury v. Madison.

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6. ed. São Paulo: SARAIVA, 2012, p. 368 e 369. 50

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6. ed. São Paulo: SARAIVA, 2012, p. 371. 51

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A respeito deste caso, Adhemar Ferreira Maciel escreveu que: Quando se fala em constitucionalismo norte-americano, pensa-se, com toda justiça, em John Marshall. O caso Marbury v. Madison, julgado em 1803, correu e corre mundo. É um marco do constitucionalismo universal, pois fixou as bases da judicial review, ou seja, de o Judiciário poder rever as leis ou os atos da administração pública.52

Desta forma, compreende-se que o caso Marbury v. Madison foi, sem sombra de dúvidas o caso de maior relevância político-institucional dos Estados Unidos, atingindo inclusive abrangências globais, uma vez que se tornou um marco institucional, servindo de exemplo e como fonte de pesquisa, para diversos países, incluindo o Brasil. Ingo Wolfgang Sarlet doutrina em sua obra a respeito do presente caso que “em Marbury v. Madison, a Suprema Corte, pela primeira vez, afirmou o seu poder de controlar [...] a noção de Constituição rígida desperta o sistema contemporâneo de controle judicial [...]”53. Assim, diante dessa breve análise do caso em exame, passa-se a estudar o que é o judicial review e suas variações como a judicialização e o ativismo judicial, bem como as consequências de seu impacto no sistema brasileiro. A respeito do judicial review, Ingo Wolfgang Sarlet leciona em sua obra que “o controle judicial da constitucionalidade das leis revela o princípio da supremacy of the judiciary, que, assim, estaria invertendo as posições dos demais Poderes e do Judiciário”54. Portanto, pode-se dizer que o controle judicial de constitucionalidade significa que os Poderes do estado estão invertendo as suas posições com o poder judicial, isto é, na verdade o sistema judicial passou a exercer funções pertinentes ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo.

MACIEL, Adhemar Ferreira. O acaso, John Marshall e o controle de constitucionalidade. Revista de Informações Legislativas. Brasília, v.43, n.172, Out-06. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/93276>. Acesso em 29 de abril de 2014 52

53

SARLET, Ingo Wolfgang et al. Curso de direito constitucional. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 729.

54

SARLET, Ingo Wolfgang et al. Curso de direito constitucional. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 714.

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A respeito do controle judicial de constitucionalidade, Luís Roberto Barroso escreve que: [...] causa da judicialização, [...] o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, [...]. Referido como híbrido ou eclético, ele combina aspectos de dois sistemas diversos: o americano e o europeu. Assim, desde o início da República, adota-se entre nós a fórmula americana de controle incidental e difuso, pelo qual qualquer juiz ou tribunal pode deixar de aplicar uma lei, em um caso concreto que lhe tenha sido submetido, caso a considere inconstitucional. Por outro lado, trouxemos do modelo europeu o controle por ação direta, que permite que determinadas matérias sejam levadas em tese e imediatamente ao Supremo Tribunal Federal. A tudo isso se soma o direito de propositura amplo, previsto no art. 103, pelo qual inúmeros órgãos, bem como entidades públicas e privadas – as sociedades de classe de âmbito nacional e as confederações sindicais – podem ajuizar ações diretas. Nesse cenário, quase qualquer questão política ou moralmente relevante pode ser alçada ao STF.55

Entende-se, ainda, a respeito do controle judicial de constitucionalidade, que este é a forma pela qual um juiz ou tribunal deixa de aplicar uma norma que considere inconstitucional, e também a forma pela qual uma entidade ingressa com pedido junto à corte constitucional buscando a inconstitucionalidade de uma norma ou questão política. Analisado os conceitos de controle judicial de constitucionalidade, passa-se a estudar a judicialização do sistema, Luís Roberto Barroso leciona que: Judicialização significa que questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo decididas, em caráter final, pelo Poder Judiciário. Trata-se, como intuitivo, de uma transferência de poder para instituições judiciais, em detrimento das instâncias políticas tradicionais, que são o Legislativo e o Executivo. Essa expansão da jurisdição e do discurso jurídico constitui uma mudança drástica no modo de pensar e de praticar [...].56

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista Atualidades Jurídicas. [S.L.], n.4, Jan-Fev-09. Disponível em: <http://www.oab. org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2014. 55

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6. ed. São Paulo: SARAIVA, 2012, p. 366. 56

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Assim, entende-se que a judicialização do sistema é a posição final de decisões sociais ou institucionais desempenhada pelo sistema judicial estatal como maneira de pensar e de praticar o direito. Ainda a respeito da judicialização, José Rodrigo Rodriguez doutrina “que [...] colocar o problema envolvido na ideia de “judicialização [...]” [...] é um processo de desenvolvimento das instituições democráticas ainda que encontre conflitos sociais e políticos em curso [...] e uma nova concepção [...] do Judiciário”57. Desta forma, pode-se dizer ainda que judicialização é um processo de desenvolvimento dos estados, que buscam resolver seus problemas internos, ou seja, buscam seguir novos ideais capazes de suprir e corrigir os problemas criados pelas antigas ideologias. Consoante ao acima exposto, esclarece Luís Roberto Barroso que: A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, [...] mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. [...] no contexto brasileiro, [...] o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.58 RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes?: para uma critica do direito (brasileiro). In: NOBRE, Marcos; RODRIGUEZ, José Rodrigo (Coord.). Como decidem as cortes?: para uma critica do direito (brasileiro). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013, p. 198.

57

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista Atualidades Jurídicas. [S.L.], n.4, Jan-Fev-09. Disponível em: <http://www.oab. org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2014. 58

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Entende-se, desta maneira, que embora não tenham a mesma origem, o ativismo judicial possui diversas semelhanças com o judicial review e a judicialização do sistema. Ademais, pode-se dizer que o ativismo judicial é a forma pela qual os juízes, desembargadores e ministros escolhem interpretar a constituição e as leis infraconstitucionais, buscando expandir o seu sentido e alcance para que ocorra o devido saneamento dos litígios, sendo também a forma que demonstra participação mais ampla e densa do Poder Judiciário no que tange aos temas pertinentes à sociedade e à política, adentrando assim em esferas que não lhe são competentes. O ativismo judicial se configura como sendo um avanço de análise de relevantes questões substanciais a sociedade e processuais, mesmo que antecipem os ideais políticos do sistema legislativo e executivo. Nesse sentido, escreve Mario Masciotra: Em definitiva, el “activismo” [...] se halla configurado por los avances y grados de iniciativa y osadía rescpeto de relevantes cuestiones sustanciales y procesales, en las que, anticipándose a las normativas y a los poderes estrictamente políticos –Legislativo y Ejecutivo–, incursiona vertebrando soluciones reales y posibles.59

Assim, como maneira de exemplificar isso, parafraseia-se o lecionado por José Rodrigo Rodriguez em sua obra, ao dizer que “a efetivação do direito à saúde depende estreitamente [...] da disponibilidade de recursos para gastos [...]”60, ainda, o autor de forma a complementar diz que “é muito fácil, [...] esfregar nas fuças do Estado, o direito, cobrando, imediatamente [...]. É claro que o procedimento pode se justificar em certos casos, [...]. O problema é [...] que ao permitir esta ocultando-se as dificuldades [...] institucionais”61.

MASCIOTRA, Mario. El activismo de la Corte Suprema de Justiça (Argentina). In: BERIZONCE, Robero Omar; HITTERS, Juan Carlos; OTEIZA, Eduardo (Coord.). El papel de los tribunales superiores (1ª parte). 1. ed. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2008, p. 76. 59

60

RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes?: para uma critica do direito (brasileiro). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013, p. 45.

61

RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes?: para uma critica do direito (brasileiro). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013, p. 45.

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Entende-se, deste modo, que quando o judiciário exerce estas atribuições, não está apenas atuando de forma contrária à teoria da divisão dos poderes, mas também está ocultando todas as dificuldades existentes nos demais poderes, uma vez que estes não possuem recursos, como dito pelo autor. A respeito disso, Luís Roberto Barroso doutrina, de forma critica e ideológica, que: Juízes e membros dos tribunais não são agentes públicos eleitos. Sua investidura não tem o batismo da vontade popular. Nada obstante isso, quando invalida atos do Legislativo ou do Executivo ou impõe-lhes deveres de atuação, o Judiciário desempenha um papel que é inequivocamente político. Essa possibilidade de as instâncias judiciais sobreporem suas decisões às dos agentes políticos eleitos, gera aquilo que em teoria constitucional foi denominado de dificuldade contramajoritária. [...] Ao lado dessas, há, igualmente, críticas de cunho ideológico, que veem no Judiciário uma instância tradicionalmente conservadora das distribuições de poder e de riqueza na sociedade.62

Entende-se, portanto, que a crise institucional presente no Estado Brasileiro é exercida num todo por seus agentes públicos eleitos e também pelos juízes e demais funcionários públicos do sistema judicial. Além disso, no momento em que o poder judicial exerce os atos políticos não esta apenas ocultando as fragilidades dos demais poderes, mas também sobrepondo suas decisões a ordem social. José Rodrigo Rodriguez, em sua obra aponta os responsáveis por estas fragilidades, quais sejam: [...] o tipo de produção acadêmica tradicionalmente apresentada pelo direito como disciplina do conhecimento. [...] instalado 100 anos antes do projeto universitário implantado no século XX, [...] seu típico “bacharelismo” [...]. Esse predomínio foi severamente contestado com a introdução de padrões de produção de conhecimento [...] de uma universidade “moderna”, que se opunha ao “arcaísmo” dos bacharéis, não por último pela relação promíscua que mantinham com o poder estabelecido. E é inconstetável que o direito disciplina acadêmica até hoje não conseguiu acompanhar o rápido desenvolvimento das demais ciências humanas, [...]. O estranho é que essas razões insistam em se manter e se reapresentar mesmo quando o fundo histórico que as sustentava já não existe. E as idéias gêmeas de “judicialização da política” e de “ativismo judicial” são apenas uma versão reciclada desse antigo estado de coisas.63 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 373. 62

63

RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes?: para uma critica do direito (brasileiro). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013, p. 45.

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Desta forma, abrange-se que a forma acadêmica utilizada para ensinar os futuros estudiosos do direito e atuantes da área encontra-se precariamente defasada, pois mesmo com o modernismo das universidades estas não conseguiram aprimorar as necessidades dos bacharéis de exercerem suas funções de forma a respeitar limites dos poderes, aprimoramento que atualmente encontra-se esquecido pelas instituições. Ainda, de forma a complementar o anteriormente dito, cita-se Lenio Luiz Streck, que em sua obra destaca ainda a falta de desenvolvimento dos métodos utilizados: Basta ver o ensino jurídico ministrado nas Faculdades de Direito, assim como os cursinhos de preparação para concursos públicos, indústria que cresceu de forma espetacular na última década. A produção de apostilas, manuais e compêndios é o sustentáculo dessa reprodução estandardizada do Direito. Para esse tipo de produção literária (e em sala de aula), o Direito não passa de uma mera instrumental.64

Percebe-se, além disso, que não é somente o ensino jurídico ministrado nas instituições de ensino que se encontra deslembrado, uma vez que os cursos de direito em si tornaram-se uma indústria de produção de apostilas e manuais, que por sua vez, estandardizou o direito. Nelson Saldanha doutrina sobre as alterações da teoria da separação dos poderes que é “verdade que a separação dos poderes, tal como se conserva nos Estados de hoje, apresenta algumas alterações em face da puridade da fórmula clássica, e que, no direito público de nosso século as conceituações foram refeitas”65. Conclui-se, portanto, que a precariedade dos demais poderes em comparação ao Poder Judiciário é clara e evidente, pois estes nem sempre possuem o conhecimento teórico suficiente para tomar as decisões necessárias, entretanto, é imprescindível que o sistema judicial respeite referidas atitudes, uma vez que elas são reflexos da vontade do povo que, por sua vez, é o responsável por eleger os representantes do Poder Executivo e Legislativo, ou seja, alterar esta vontade seria como passar uma borracha em toda a carta magna.

64

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 305.

65

SALDANHA, Nelson. O Estado moderno e a separação de poderes. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 119.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo da pesquisa pôde-se concluir que os três poderes previstos por Montesquieu vêm sofrendo severas críticas em relação ao cumprimento de suas funções sociais, como é o caso do Poder Judiciário, que tem as suas decisões rigorosamente estudadas pelos demais poderes e por toda a sociedade. Além disso, através das bibliografias e das pesquisas qualitativas realizadas na Constituição e na jurisprudência dos Tribunais Superiores pertencentes ao Estado Brasileiro, foi possível compreender e analisar de forma clara as funções das Cortes Superiores brasileiras. A respeito das funções, merece destaque o fato de que possivelmente as Cortes Supremas deste país estejam atuando de forma positivista e ativa em suas decisões, elaborando julgamentos que vão além de suas prerrogativas constitucionais e que supostamente afetam de modo direto os sistemas da economia, da sociedade, da política e do direito desta nação. Cabe, por fim, falar a respeito do papel exercido pelo Poder Judiciário no Estado Democrático, dado que existente um provável questionamento referente às decisões tomadas pelas Cortes Superiores em temas correlacionados a seus coirmãos, ou seja, é possível enxergar uma fragilidade nos momentos em que estas devem se posicionar frente aos casos que afetem os demais poderes do Estado, os quais já são deveras duvidosos.

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REFERÊNCIAS AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2014. BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista Atualidades Jurídicas. [S.L.], n.4, Jan-Fev-09. Disponível em: <http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2014. BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6. ed. São Paulo: SARAIVA, 2012. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 460.302/PR. Relator Ministro Castro Filho. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/ processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200200596055&dt_publicacao=17/11/2003>. Acesso em: 13 nov. 2014. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 597.285/RS. Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento. asp?numero=597285&classe=RE&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em: 13 nov. 2014. CLÉVE, Clémerson Merlin. Poder Judiciário: Autonomia e Justiça. Revista dos Tribunais. [S.L.], v.691, p. 34, Maio-93. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/resultList/document?src=docnav&ao=&fromrend=&srguid= i0ad8181500000149a91b2736d4b7229d&epos=1&spos=1&page=0&td=4000&savedSearch=&searchFrom=&context=5>. Acesso em: 13 nov. 2014. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 32. ed. São Paulo: Saraiva. 2006. ______. Curso de Direito Constitucional. 37. ed. São Paulo: Saraiva. 2006. LÁZZARI, Eduardo Néstor de. Misión de los tribunales supremos nacionales: El imperativo constitucional de fundas las sentencias. In: BERIZONCE, Robero Omar; HITTERS, Juan Carlos; OTEIZA, Eduardo (Coord.). El papel de los tribunales superiores (2ª parte). 1. ed. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2008. ORGANIZADORES:

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LEDESMA, Ángela Ester. Algunas reflexiones sobre la función de los tribunales de casación. In: BERIZONCE, Robero Omar; HITTERS, Juan Carlos; OTEIZA, Eduardo (Coord.). El papel de los tribunales superiores (2ª parte). 1. ed. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2008. LIRA, Daiane Nogueira de et al. Políticas Pública e Protagonismo Judicial no STF: relatório de pesquisa do grupo de estudo e pesquisa em políticas públicas e hermenêutica. Univ. JUS. Brasília, v.22, n.2, p.105-196, Julho-Dez-11. Disponível em: <http://www.publicacoesacademicas. uniceub.br/index.php/jus/article/view/1503/1459>. Acesso em: 13 nov. 2014. LOBATO, Anderson Oreste Cavalcante. Política, Constituição e Justiça: os desafios para a consolidação das instituições democráticas. Rev. Sociol. Polit. Curitiba, n.17, Nov-01. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010444782001000200005&lang=pt>. Acesso em: 13 nov. 2014. MACIEL, Adhemar Ferreira. O acaso, John Marshall e o controle de constitucionalidade. Revista de Informações Legislativas. Brasília, v.43, n.172, Out-06. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/93276>. Acesso em: 13 nov. 2014. MASCIOTRA, Mario. El activismo de la Corte Suprema de Justiça (Argentina). In: BERIZONCE, Robero Omar; HITTERS, Juan Carlos; OTEIZA, Eduardo (Coord.). El papel de los tribunales superiores (1ª parte). 1. ed. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2008. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, volume 3. ______. Manual de Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, volume 1. ______. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, volume 5. ______. Teoria do Estado e da Constituição. 1. ed. Tradução da edição portuguesa. Rio de Janeiro: Forense, 2003

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MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de Brède e de. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos poderes. 9. ed. Traduzido por Pedro Vieira Mota. São Paulo: Saraiva, 2008. NEQUETE, Lenine. O Poder Judiciário no Brasil a partir da Independência. 1. ed. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2000, volume 1. ______. O Poder Judiciário no Brasil a partir da Independência. 1. ed. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2000, volume 2. ______. O Poder Judiciário no Brasil: crônica dos tempos coloniais. 1. ed. Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2000, volume 1. LUHMANN, Niklas. A posição dos tribunais no sistema jurídico. Revista da AJURIS. Porto Alegre, n.49, Julho-90. Traduzido por Peter Naumann. Disponível em: <http://livepublish.iob.com.br/ntzajuris/lpext.dll?f=templates&fn=main-j.htm>. Acesso em: 13 nov. 2014. RODRIGUEZ, José Rodrigo. Como decidem as cortes?: para uma critica do direito (brasileiro). In: NOBRE, Marcos; RODRIGUEZ, José Rodrigo (Coord.). Como decidem as cortes?: para uma critica do direito (brasileiro). Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013. SABATER, José Asensi. Constitucionalismo y derecho constitucional: materiales para uma introducción. 1. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 1996. SADEK, Maria Tereza Aina. Poder Judiciário: perspectivas de reforma. Opin. Pública. Campinas, v.10, n.1, Maio-04. Disponível em: <http://www. scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-62762004000100002&lang=pt#back3>. Acesso em: 13 nov. 2014. SALDANHA, Nelson. O Estado moderno e a separação de poderes. São Paulo: Saraiva, 1987. SARLET, Ingo Wolfgang et al. Curso de direito constitucional. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. SILVA, Armindo Guedes da. Tribunais de duplo grau de jurisdição: fórmula para descentralizar a justiça. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

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STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011. ______. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. ______. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política e teoria geral do estado. 1. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. ______. Ciência política e teoria geral do estado. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 13. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

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contratações públicas sustentáveis à luz das normas legais e infralegais

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Marcos Fraga dos Santos

Marcos Fraga dos Santos é bacharel em Direito graduado pela Universidade Feevale. Atua profissionalmente como servidor público federal, sendo atualmente Gerente da Agência da Previdência Social em Taquara, RS. E-mail: m.fraga1967@gmail.com.

Elton Ari Krause

Elton Ari Krause, Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Professor de Direito Constitucional e Administrativo da Universidade Feevale e Advogado no Rio Grande do Sul. E-mail: eltonkrause@hotmail.com.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS O interesse no tema parte da atividade profissional que exerci na área de Licitações e Contratos e como responsável pela implantação da A3P – Agenda Ambiental da Administração Pública – da Gerência Executiva em Novo Hamburgo do Instituto Nacional do Seguro Social. Na ocasião pude observar uma sucessão de normas legais e infralegais sendo elaboradas, porém, pouco disso ter chegado à prática diária. Ademais, meu interesse foi suscitado também em razão de que pretendo militar na área do Direito Administrativo profissional e, talvez, academicamente. Embora a administração pública federal esteja galgando passos em direção às contratações sustentáveis, as outras instâncias de poder (estadual e municipal) ainda seguem praticando as contratações públicas de forma tradicional. Há de levar-se em conta, também, a relevância social que a preservação do meio-ambiente possui intrinsecamente. A garantia constitucional contida no art. 225 da Constituição Federal deve ser um objetivo a ser perseguido com afinco pelo poder público, pois as gerações futuras têm direito de encontrarem um mundo viável a sua existência. Sendo o poder público um dos maiores fomentadores da economia nacional, o exemplo em suprir de exigências de sustentabilidade as especificações dos produtos e serviços contratados pode dar ao mercado a motivação necessária para que as empresas adaptem suas linhas de produção a fim de atender a tais exigências. O ganho social da preservação ambiental entrará assim num círculo virtuoso no qual oferta e procura serão dirigidas a um processo de preservação extremamente recomendável. Esse artigo pretende atualizar o estudo do tema verificando em algumas normas editadas após a adoção da matriz de sustentabilidade na Lei de Licitações se as mesmas estão aprofundando o tema e orientando corretamente os órgãos subordinados em direção aos objetivos sustentáveis constitucionais. O primeiro capítulo trata de um estudo sobre o conceito de licitações públicas e de sustentabilidade, em especial a ambiental e discorrerá sobre como esses conceitos fora sendo introduzido na legislação brasileira desde a I Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em 1972, até a entrada em vigor da Lei nº 12.349/2010 que incluiu o princípio da sustentabilidade na Lei Geral de Licitações e Contratos. O segundo capítulo tratará das contextualizações legais e internacionais da sustentabilidade nas contratações públicas. Também haverá um vislumbre de ORGANIZADORES:

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como nações desenvolvidas e em desenvolvimento, sob a liderança da Organização das Nações Unidas estão adaptando suas legislações para tornar as contratações públicas sustentáveis uma realidade atual. Por fim, o terceiro capítulo abordará a situação atual das contratações sustentáveis em diversos órgãos públicos federais usuários do sistema SIASG – COMPRASNET1, do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão, através de relatórios periodicamente publicados e estudará casos específicos a começar pela Gerência Executiva do Instituto Nacional do Seguro Social em Novo Hamburgo, na qual o autor foi gestor por cerca de oito anos. Portanto, esse artigo pretende, a partir deste referencial e da coleta de informações e análise dos dados obtidos por pesquisa em relatórios e exemplos de boas práticas divulgados pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, descobrir como e por que estão sendo adotados os referenciais de sustentabilidade nas contratações públicas.

CONCEITO DE LICITAÇÕES PÚBLICAS E SUSTENTABILIDADE A Administração Pública rege-se por princípios enumerados pelos principais teóricos da matéria, com algumas variações, a saber: legalidade, moralidade, impessoalidade, razoabilidade, publicidade, eficiência, segurança jurídica, motivação, ampla defesa e contraditório e supremacia do interesse público. Di Prieto inclui alguns outros princípios que reconhece “não contemplados expressamente no direito positivo, mas que informam também o Direito Administrativo”. São os seguintes: presunção de legitimidade ou de veracidade, especialidade, controle ou tutela, autotutela, hierarquia e continuidade do serviço público2.

SIASG – COMPRASNET – Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais - conjunto informatizado de ferramentas para operacionalizar internamente o funcionamento sistêmico das atividades inerentes ao Sistema de Serviços Gerais - SISG, quais sejam: gestão de materiais, edificações públicas, veículos oficiais, comunicações administrativas, licitações e contratos, do qual o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MP é órgão central normativo. (Fonte: http://www.comprasnet.gov.br/ajuda/siasg/que_e_siasg.stm)

1

2

DI PRIETO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 50, 55 e 57.

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Por fim, Bandeira de Mello acrescenta mais dois: controle judicial dos atos administrativos e responsabilidade do Estado por atos administrativos. Considera mister acrescentá-los “por serem implicações evidentes do próprio Estado de Direito e, pois, do sistema constitucional como um todo”3. Administração pública é, segundo Meirelles, “todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de seus serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas.” No interesse deste trabalho convém trazer uma extensão dessa definição dada pelo mesmo autor quando diz que: A Administração é o instrumental de que dispõe o Estado para pôr em prática as opções políticas do Governo. Isso não quer dizer que a Administração não tenha poder de decisão. Tem. Mas o tem somente na área de suas atribuições e nos limites legais de sua competência executiva, só podendo opinar e decidir sobre assuntos jurídicos, técnicos, financeiros ou de conveniência e oportunidade administrativas, sem qualquer faculdade de opção política sobre a matéria.4 (grifos do autor)

Para Di Prieto há dois sentidos ao termo Administração Pública: um “subjetivo, formal ou orgânico” e outro “objetivo, material ou funcional”. Neste trabalho interessa-se pelo sentido objetivo da definição da Administração pública que, para a autora Abrange as atividades exercidas pelas pessoas jurídicas, órgãos e agentes incumbidos de atender concretamente às necessidades coletivas; corresponde à função administrativa, atribuída preferencialmente aos órgãos do Poder Executivo. Nesse sentido, a Administração Pública abrange o fomento, a polícia administrativa e o serviço público. Alguns autores falam em intervenção como quarta modalidade, enquanto outros a consideram como espécie de fomento. Assim, em sentido material ou objetivo, a Administração Pública pode ser definida como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve, sob regime jurídico total ou parcialmente público, para a consecução dos interesses coletivos.5 (grifos da autora) 3

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 31 ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 98.

4

MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito administrativo brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 66-67.

5

DI PRIETO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 50, 55 e 57.

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A licitação pública é um dos meios pelos quais a Administração Pública faz valer estes princípios. Ela pode ter uma origem ainda mais antiga que o próprio Direito Administrativo. Dallari, citando Sayagués Laso, aponta para o direito romano como origem sendo “utilizada tanto para a alienação dos despojos de guerra quanto para a realização de obras públicas”6. A sistemática adotada é assim detalhada por Sayagués Laso, agora citado por Gomes: Desde las primeras épocas, el botín obtenido en la guerra era vendido publicamente a los mejores ofertantes. En el lugar donde iba a verificarse la venta, se plantaba un asta, arma guerrera y a la vez insignia real. De ahí deriva el término de subasta con que en muchos países se designa el procedimiento de licitación. Más tarde se generalizó el régimen de la venta en asta pública, debiendo verificarse en esas condiciones todas las ventas de bienes fiscales. Así lo establecía el Código de Justiniano.7

No Brasil, segundo Bazilli, utilizava-se a palavra concorrência para definir os procedimentos administrativos de contratações públicas e este termo foi utilizado dessa forma por muitos anos. O autor faz um apanhado das legislações pátrias sobre o assunto. Cita o Código de Contabilidade Pública, aprovado por meio do Decreto 15.783, de 08 de novembro de 1922, que trazia um capítulo intitulado “Das Concorrências”. Após houve o Decreto-lei 2.416, de 17 de julho de 1940, que ainda utilizava o termo concorrência genericamente. Já a Lei 4.401, de 10 de setembro de 1964, é a primeira a citar o termo licitação8. Licitação, para o interesse desse artigo é, portanto, o procedimento administrativo que visa selecionar a melhor proposta entre os interessados em fornecer bens ou serviços ao ente público. Essa é a síntese da definição dada por diversos autores, inclusive Bandeira de Mello, que acrescenta que: 6

DALLARI, Adilson Abreu. Aspectos jurídicos da licitação. 7. ed. São Paulo: Saraiva. 2006, p. 4.

LASO, Enrique Sayagués, 2005, apud GOMES, Lucivanda Peres. Regime diferenciado de contratações públicas: o novo perfil dos contratos administrativos no Brasil. 2013, p. 30. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional, Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2013. Disponível em <http://uol01. unifor.br/oul/conteudosite/F1066343601/Dissertacao.pdf>. Acesso em: 21 set. 2014.

7

8

BAZZILI, Roberto Ribeiro; MIRANDA, Sandra Julien. Licitação à luz do direito positivo. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 17, 18.

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Licitação – em suma síntese – é um certame que as entidades governamentais devem promover o no qual abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas”9.

Porém, apenas este conceito não abrange mais todos os objetivos pretendidos com a licitação. Há mais um importante objetivo decorrente da edição da Lei 12.349, que deu nova redação ao artigo terceiro da Lei 8.666, que é assim explicado por Meirelles ao dizer que: Licitação é o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse, inclusive o da promoção do desenvolvimento econômico sustentável e fortalecimento de cadeias produtivas de bens e serviços domésticos10. (grifou-se)

Importante salientar que a licitação, modalidade de processo administrativo, regido por leis específicas e pelos princípios do Direito Administrativo e da Administração Pública, possui também seus próprios princípios, que decorrem do texto legal. A Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, apontam os seguintes princípios: “legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, da vinculação ao instrumento convocatório, julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”11. A regulamentação do artigo terceiro da Lei 8.666/93 levou o governo federal a editar normas e definir os parâmetros a serem adotados nas contratações sustentáveis. Uma dessas normas foi a Instrução Normativa nº 01, de 19 de janeiro de 2010, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, que “dispõe sobre os critérios de sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contratação de serviços ou obras pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional”12. 9

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 532.

10

MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito administrativo brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 290.

11

Lei Federal 8.666/93, art. 3º.

BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação. Instrução Normativa nº 01 de 19.01.2010. Disponível em: <http://www.comprasgovernamentais.gov.br/paginas/instrucoes-normativas/instrucao-normativa-no-01-de-19-de-janeiro-de-2010>. Acesso em: 17 nov. 2014.

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Também visando “estabelecer critérios, práticas e diretrizes para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável nas contratações realizadas pela administração pública federal”, foi editado o Decreto 7746, de 05 de junho de 2012, que segue na mesma esteira: Art. 2º “A administração pública federal direta, autárquica e fundacional e as empresas estatais dependentes poderão adquirir bens e contratar serviços e obras considerando critérios e práticas de sustentabilidade objetivamente definidos no instrumento convocatório, conforme o disposto neste Decreto. Art. 5º A administração pública federal direta, autárquica e fundacional e as empresas estatais dependentes poderão exigir no instrumento convocatório para a aquisição de bens que estes sejam constituídos por material reciclado, atóxico ou biodegradável, entre outros critérios de sustentabilidade. Art. 7º O instrumento convocatório poderá prever que o contratado adote práticas de sustentabilidade na execução dos serviços contratados e critérios de sustentabilidade no fornecimento dos bens”13.

Após definirem-se os mecanismos legais de contratação pública é necessário que se entenda o que é o meio ambiente e sustentabilidade. Estas definições podem ser apreendidas nos princípios da I Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em 1972 e assim descritas pela Declaração de Estocolmo: Princípio 1 – O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna, gozar de bem-estar e é portador solene de obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras (...). Princípio 2 – Os recursos naturais da Terra, inclusos o ar, a água, o solo, a flora e a fauna, especialmente as amostras representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservados em benefício das gerações presente e futura, mediante uma cuidadosa planificação ou regulamentação, segundo seja mais conveniente.

13

BRASIL. Decreto nº 7746, de 05/06/2012. DOU 06/06/2012.

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Princípio 3 – Deve ser mantida e, sempre que possível, restaurada e melhorada, a capacidade da Terra para produzir recursos vitais renováveis. Princípio 4 – O homem tem a responsabilidade especial de preservar e administrar ponderadamente o patrimônio representado pela flora e pela fauna silvestres, bem como pelo seu habitat, que se encontram atualmente em grave perigo, em virtude da conjugação de diversos fatores. Consequentemente, ao se planejar o desenvolvimento econômico, deve atribuir-se uma importância específica à conservação da natureza, aí incluídas a flora e a fauna silvestres. Princípio 5 – Os recursos não renováveis da Terra devem ser empregados de maneira a se evitar o perigo de seu esgotamento e a assegurar a toda a humanidade a participação nos benefícios de tal emprego. Princípio 6 – Deve pôr-se fim à descarga de substâncias tóxicas ou de outros materiais, e ainda, à liberação de calor em quantidades ou concentrações tais que o meio não tenha condições para neutralizá-lo, de modo a que não sejam causados danos graves ou irreparáveis aos ecossistemas. Deve ser apoiada a justa luta dos povos de todos os países contra a contaminação. Princípio 7 – Os Estados deverão tomar todas as medidas possíveis para impedir a contaminação dos mares por substâncias que possam pôr em perigo a saúde do homem, causar danos aos seres vivos e à vida marinha, limitar as possibilidades de lazer ou obstar outras utilizações legítimas do mar. Princípio 8 – O desenvolvimento econômico ou social é indispensável para assegurar ao homem um ambiente de vida e trabalho favorável e criar na Terra condições adequadas para melhorar a qualidade de vida14.

O tema é abordado pela Constituição Federal15, quando determina a preservação do meio ambiente. Tal preservação obriga o Poder Público e a Comunidade de duas formas distintas, conforme Bessa Antunes, a saber, “a primeira, de (i) não promover degradação; a segunda, de (ii) promover a recuperação de áreas já degradadas.” 14

Declaração de Estocolmo. Disponível em: <http://www.ufpa.br/npadc/gpeea/DocsEA/ DeclaraAmbienteHumano.pdf>. Acesso em: 8 nov. 2014.

Constituição Federal, Art. 225. “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

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No âmbito deste artigo será adotada como conceito de sustentabilidade a definição tão bem urdida por Freitas de que: Trata-se do princípio constitucional que determina, independentemente de regulamentação legal, com eficácia direta e imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização solidária do desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo, durável e equânime, ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente de modo preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito ao bem-estar físico, psíquico e espiritual, em consonância homeostática com o bem de todos16.

A sustentabilidade, além de ser um princípio legal e constitucional, portanto, é um ideal a ser buscado visando garantir a existência das gerações posteriores. O ideal de sustentabilidade na Administração Pública somente será garantido se a adoção das contratações sustentáveis se torne um dos esteios de uma nova agenda governamental. Assim pensa Juarez Freitas, e acrescenta: A obrigatoriedade de licitações sustentáveis, em todas as esferas administrativas, isto é, cumpre partir para a implementação imediata das licitações sustentáveis, com a adoção de critérios objetivos, impessoais e fundamentados de sustentabilidade para avaliar e classificar as propostas, em todos os certames, com novo conceito de proposta vantajosa. A obrigatoriedade decorre da aplicação direta do princípio em tela, tese facilitada após sua recente explicitação que alterou o art. 3º da Lei de Licitações17.

CONTEXTUALIZAÇÃO LEGAL E INTERNACIONAL DA SUSTENTABILIDADE NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS A maioria dos autores aponta como marco inicial do conceito de desenvolvimento sustentável a Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, também conhecida como Rio 92 ou Eco 92 e que “estabeleceu um Plano de Ação para promover o desenvolvimento sustentável: a Agenda 21”18. 16 17

FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 40. FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 90-91.

ICLEI – GOVERNOS LOCAIS PELA SUSTENTABILIDADE. Guia de compras públicas sustentáveis. Disponível em: <http://archive.iclei.org/fileadmin/user_upload/documents/ LACS/ Portugues/Programas/Compras_Publicas_Sustentaveis/Guia_Compras_Sustentaveis.pdf> Acesso em 06 abr. 2014, p. 2.

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Outros retroagem no tempo e, tal como Ramos e Morimoto, listam “a Declaração de Estocolmo, documento produzido a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada de 05 a 16 de junho de 1972 na Suécia.” Além desse evento pode-se listar o Colóquio sobre Educação Ambiental (Belgrado, Sérvia, 1975), a Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental (Tbilisi, Geórgia, 1977), e o Congresso Internacional sobre Educação e Formação relativas ao Meio Ambiente (Moscou, Rússia, 1987)19. É possível sintetizar os objetivos de tais eventos através da transcrição do Princípio 19 da Declaração de Estocolmo20: Princípio 19 É indispensável um esforço para a educação em questões ambientais, dirigida tanto às gerações jovens como aos adultos e que preste a devida atenção ao setor da população menos privilegiado, para fundamentar as bases de uma opinião pública bem informada, e de uma conduta dos indivíduos, das empresas e das coletividades inspirada no sentido de sua responsabilidade sobre a proteção e melhoramento do meio ambiente em toda sua dimensão humana. É igualmente essencial que os meios de comunicação de massas evitem contribuir para a deterioração do meio ambiente humano e, ao contrário, difundam informação de caráter educativo sobre a necessidade de protegê-lo e melhorá-lo, a fim de que o homem possa desenvolver-se em todos os aspectos.

Neste contexto a legislação brasileira começou a ser influenciada de forma positiva pelas grandes conferências ambientais e “passou de uma fase de dispersão dos diplomas normativos (inúmeros códigos, distintos procedimentos e dificuldade de aplicação, para uma fase de sistematização”21, que pode se identificar como iniciando com a Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), que determina: RAMOS, Érika Pires; MORIMOTO, Isis Akemi. O fortalecimento do sistema nacional de meio ambiente em face do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global. In: BLIACHERIS, Marcos Weiss; FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira (Coord). Sustentabilidade na Administração Pública. Valores e práticas de gestão socioambiental. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012, p. 104.

19

CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE HUMANO. Declaração de Estocolmo. Disponível em: <http://www.ufpa.br/npadc/gpeea/DocsEA/ DeclaraAmbienteHumano. pdf>. Acesso em: 08 nov. 2014.

20

RAMOS, Érika Pires; MORIMOTO, Isis Akemi. O fortalecimento do sistema nacional de meio ambiente em face do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global. In: BLIACHERIS, Marcos Weiss; FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira (Coord). Sustentabilidade na Administração Pública. Valores e práticas de gestão socioambiental. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012, p. 106.

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Art. 2º A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: I – ação governamental na manutenção do equilíbrio, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; II – racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; (...). Art. 13. O Poder Executivo incentivará as atividades voltadas ao meio ambiente, visando: I – ao desenvolvimento, no País, de pesquisas e processos tecnológicos destinados a reduzir a degradação da qualidade ambiental; II – à fabricação de equipamentos antipoluidores; III – a outras iniciativas que propiciem a racionalização do uso dos recursos ambientais. Parágrafo único – Os órgãos, entidades, e programas do Poder Público, destinados ao incentivo das pesquisas científicas e tecnológicas, considerarão, entre as suas metas prioritárias, o apoio aos projetos que visem a adquirir e desenvolver conhecimentos básicos e aplicáveis na área ambiental e ecológica22.

A adoção da referida política foi endossada pela Constituição Federal, por meio do art. 225, já comentado nesse trabalho, que veio tratar o assunto de maneira específica. No âmbito administrativo essas normatizações demoraram em fugir da dispersão e ganhar um grau maior de especificidade. Até então ficava-se na interpretação dos artigos 3723, 17024 e 225 da Constituição Federal. Comentando a relação do princípio da eficiência contido no artigo 37 da Constituição Federal com a sustentabilidade e proteção ao meio ambiente.

22

BRASIL. Lei nº 6.938 de 31/08/1981. DOU 02/09/1981.

“A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...).” (grifou-se)

23

“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”.

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Na ordem cronológica seguiu-se a edição de Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, conhecida por ter instituído a Política Nacional sobre Mudanças do Clima que em seu artigo sexto indica que as licitações podem ser instrumentos para a promoção da proteção ambiental ao dizer em seu inciso XII que: As medidas existentes, ou a serem criadas, que estimulem o desenvolvimento de processos e tecnologias, que contribuam para a redução de emissões e remoções de gases de efeito estufa, bem como para a adaptação, dentre as quais o estabelecimento de critérios de preferência nas licitações e concorrências públicas, compreendidas aí as parcerias público-privadas e a autorização, permissão, outorga e concessão para exploração de serviços públicos e recursos naturais, para as propostas que propiciem maior economia de energia, água e outros recursos naturais e redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos25. (grifou-se)

No ano seguinte, 2010, dois importantes marcos foram estipulados. Um deles por meio da Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010, que institucionalizou a Política Nacional de Resíduos Sólidos e, através do artigo sétimo, inciso XI, uma vez mais indicou os mecanismos licitatórios para alcançar seus objetivos ao definir que deveria haver “prioridade, nas aquisições e contratações governamentais, para: a) produtos reciclados e recicláveis; b) bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis”26. O segundo marco estipulado no ano de 2010 foi a Lei nº 12.349, de 21 de dezembro de 2010, que alterou o artigo terceiro da Lei Geral de Licitações (Lei nº 8.666/93) e que se tornou o motivo principal para o estudo proposto neste trabalho. A inclusão de elementos de cuidado ambiental não era novidade na Lei de Licitações, pois já estava previsto no seu artigo 12, inciso VII, que nos projetos básicos e executivos de obras e serviços deveria ser levado em conta em seus requisitos o impacto ambiental da obra27. Mas, agora, se prevê que o desenvolvimento sustentável passa a ser um dos objetivos da licitação.

25

BRASIL. Lei nº 12.187 de 20/12/2009. DOU 30/12/2009.

26

BRASIL. Lei nº 12.305 de 02/08/2010. DOU 03/08/2010.

27

DI PRIETO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 384.

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Embora agora esteja esculpido no texto legal o termo desenvolvimento sustentável, de que se está propriamente falando? Esta é uma dúvida que tem sido trazida por diversos autores inclusive Daniel Ferreira que traz esse “falso-problema” a lume ao afirmar que os aspectos ambientais não estavam no objetivo principal do legislador da lei modificativa visto: Que os acréscimos feitos referem-se, apenas, a questões de crescimento econômico, proteção da indústria nacional e responsabilidade social e que a preocupação com o meio ambiente não se fez materialmente notar nem na medida provisória, nem na lei que a sucedeu. O termo “sustentável” aderiu-se ao texto da lei de conversão como num passe de mágica, porque a tramitação legislativa – tanto na Câmara dos Deputados, como no Senado Federal – não dá conta de informar “quem foi o responsável” pela sugestão de modificação ampliativa e nem mesmo “as razões” para tanto28. (destaques do autor)

A questão se torna importante na medida que autores tão abalizados como Hely Lopes Meirelles e Celso Antônio Bandeira de Mello em suas obras – mesmo as edições mais recentes – não agregam o aspecto ambiental no preceito sustentabilidade. O primeiro – ao menos na obra consultada – limita-se à exposição de motivos da medida provisória que deu origem à lei e diz que: Essa terceira finalidade, segundo “Exposição de Motivos” da medida provisória, fundamenta-se nos seguintes comandos da Constituição Federal: “(i) inciso II do art. 3º, que inclui o desenvolvimento nacional como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil; (ii) incisos I e VIII do art. 170, atinentes às organizações da ordem econômica nacional e a busca do pleno emprego; (iii) art. 174, que dispõe sobre as funções a serem exercidas pelo Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica; e (iv) art. 219, que trata de incentivos ao mercado interno, de forma a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País”29.

28

FERREIRA, Daniel. A licitação pública no Brasil e sua finalidade legal: a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 48.

29

MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito administrativo brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 291.

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Essa incerteza poderia acarretar “insegurança jurídica que poderia ser gerada pelo conceito de certo modo vago de desenvolvimento sustentável”30 razão pela qual há necessidade de buscar socorro no ordenamento jurídico geral que envolva o tema licitações e contratações públicas. A aplicação dos critérios de sustentabilidade ambiental nos atos convocatórios (editais de licitações) pode se dar de duas formas: subjetiva, por determinar que entre os documentos de habilitação do licitante sejam apresentadas licenças, certidões negativas de órgãos de proteção ambiental ou de certas certificações ambientais; ou, objetiva, por incluir na especificação dos bens e/ou serviços a serem adquiridos os critérios ambientais a serem atendidos. Pode ser usada uma ou ambas as formas de seleção do fornecedor ou do produto. Cabe ressaltar, entretanto, que dois autores consultados apresentam ressalva à utilização da forma subjetiva, ou seja, na habilitação dos licitantes. E a ressalva se dá em razão do posicionamento do Tribunal de Contas da União sobre o que pode ser exigido aos licitantes para considerá-los habilitados para o certame. Um dos autores é Costa que é taxativo: Preferimos discordar dessa linha vez que o TCU reiteradas vezes (Acórdãos: 1.405/2006 e 354/2008 – Plenário e 949/2008 2º Câmara) deliberou no sentido que as exigências contidas na habilitação pela lei 8.666/93 devem ser interpretadas como numerus clausus, ou seja, de forma restritiva, só cabendo nova exigência por alteração legislativa. Reitera-se aqui a opinião de que a inclusão do aspecto ambiental não deve ser realizada como condição de habilitação do certame, mas sim, na correta e motivada especificação do objeto. Diante do exposto, verifica-se que a inserção de critérios sustentáveis nos certames da Administração Pública na fase de habilitação pode levar a anulação ou retificação dos instrumentos convocatórios, não sendo aceita pelo TCU tal inserção31. FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira. Licitações sustentáveis como instrumento de defesa do meio ambiente – fundamentos jurídicos para a sua efetividade. In: BLIACHERIS, Marcos Weiss; FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira (Coord). Sustentabilidade na Administração Pública. Valores e práticas de gestão socioambiental. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012, p. 80.

30

COSTA, Carlos Eduardo Lustosa. As licitações sustentáveis na ótica do controle externo. Brasília: Instituto Serzedello Corrêa, 2011, p. 25-26. Disponível em: <http://portal2. tcu.gov.br/portal/pls/portal/ docs/2435919.PDF>. Acesso em: 04 jun. 2015.

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No mesmo sentido conclui Souza, após análise de diversas decisões da corte de contas: Das decisões analisadas conclui-se que (...) o TCU se inclina a restringir a inclusão dos critérios de sustentabilidade entre os requisitos de habilitação, salvo quando pertinentes com o objeto a ser licitado, admitindo que a definição do objeto e as obrigações da contratada incluam tais critérios32.

Alguns autores trazem a lume o possível ferimento ao princípio da isonomia em razão de ser dada preferência a fornecedores que atendam a regras de sustentabilidade ambiental. Embora não tenha sido identificada em nenhuma das obras consultadas a defesa dessa tese, diversos são os alertas. Di Prieto, por exemplo, aduz que “o princípio da licitação sustentável autoriza a previsão, nos instrumentos convocatórios, de exigências que podem ser vistas como discriminatórias”33. Daniel Ferreira considera injustificável esse comportamento, mas admite sua existência quando faz a reflexão: Mas, como sói ocorrer em solo brasileiro, ainda persiste uma injustificada e injustificável distância abissal entre a realidade dos fatos e a determinação do Direito. E as razões invocadas são das mais variadas ordens. Vão desde a mais absoluta ignorância acerca do novo perfil legal das licitações, passando pela suposta falta de regulamentação minimamente necessária e culminam com discussões sobre sua constitucionalidade (por suposta violação do princípio da isonomia e por redundar em potencial desvantajosidade econômicofinanceira)34.

As cautelas são sempre necessárias porque é possível se sentir alguma insegurança jurídica como se depreende das palavras de Ferreira: Há de se ressaltar, portanto, a especial importância dessas normas, pois sabemos das dificuldades que os gestores públicos enfrentam com interpretações da legislação regente das licitações, ainda que à luz da Constituição e de outras normas legais (interpretação

SOUZA, Lilian Castro. As compras públicas sustentáveis na visão dos Tribunais de Contas da União. In: VILLAC, Teresa; BLIACHERIS, Marcos Weiss; SOUZA Lilian Castro de. Panorama de Licitações Sustentáveis. Direito e Gestão Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 95.

32

33

DI PRIETO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 386.

34

FERREIRA, Daniel. A licitação pública no Brasil e sua finalidade legal: a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 47.

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sistemática), diante do receio das impugnações e paralisações indesejadas, tendo em vista os vários interesses em jogo nos processos licitatórios. Destaque-se que, entre a vigência de uma lei e sua eficácia jurídica (possibilidade de produzir efeitos jurídicos ou existência de suporte jurídico para a aplicação da norma) e a eficácia social dessa mesma lei (efetividade ou realização concreta da norma), há um longo caminho a percorrer35.

O princípio da igualdade ou isonomia é previsto no artigo 37, XXI, da Constituição Federal e é regulamentado justamento pelo artigo 3º da Lei Geral de Licitações. A própria Constituição Federal, porém, em seu artigo 170 permite tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços produzidos ou fornecidos. Sobre este fato comenta Coelho: Percebe-se do dispositivo (...) que o legislador constituinte, ao abordar questões econômicas, sociais e ambientais, preocupou-se com a defesa do meio ambiente, autorizando tratamento diferenciado aos agentes econômicos em razão do impacto ambiental (...). Assim, somente com o tratamento desigual de licitantes que comercializam produtos não certificados, provenientes de atividade econômica não licenciada por órgão ambiental, é que se alcançará a diminuição dos impactos negativos das compras governamentais ao meio ambiente36.

Trazendo o diapasão das decisões da Corte de Contas Costa deixa bem claro que não há atentado à isonomia por assim agir ao dizer que: Uma saída para este impasse pode estar na correta e adequada especificação do objeto. Poder-se-ia alegar que estaria havendo uma restrição da competitividade. Ora, especificar de forma precisa o objeto a ser contratado é obrigação do gestor. E ao escolher, já foi feita uma restrição. O que a Corte de Contas não aceita é a restrição descabida e desarrazoada. Escolher pressupõe discriminar. FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira. Licitações sustentáveis como instrumento de defesa do meio ambiente – fundamentos jurídicos para a sua efetividade. In: BLIACHERIS, Marcos Weiss; FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira (Coord). Sustentabilidade na Administração Pública. Valores e práticas de gestão socioambiental. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012, p. 88.

35

36

COELHO, Hamilton Antônio. Responsabilidade ambiental na licitação: sustentabilidade nas contratações e compras do governo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 35.

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Essa medida afasta por completo a noção equivocada do dever de tratar igualmente todos os licitantes nos procedimentos licitatórios. Isonomia não significa, necessariamente, possibilitar o tratamento igual a situações diferentes37.

Juntamente com o princípio da isonomia, que deixa de ser absoluto pelas razões assinaladas, segundo Ferreira, há de se levar em conta a razoabilidade e a proporcionalidade na aplicação e interpretação de tais leis. E acrescenta: O princípio da proporcionalidade significa que o intérprete, em caso de dúvida, ao se deparar com a situação de ter que fazer uma escolha entre interpretações e normas diversas, deve pautar esta escolha sopesando os interesses em jogo, optando pelo mais valioso – aquele que estiver em consonância com os princípios e fins do ramo do direito e, principalmente, da Carta Magna, como neste caso a preservação do meio ambiente –, mas com o mínimo de ofensa ao outro – que a ele se contrapõe –, sem que haja a violação do mínimo em que este outro deve ser respeitado, buscando, então, certo equilíbrio entre os dois. Significa dizer que em um processo de licitação deverá o gestor público pautar a escolha do bem ou serviço a ser licitado ou contratado, sopesando os valores em jogo e optando pelo mais valioso – o meio ambiente ecologicamente equilibrado –, mas com o mínimo de ofensa à economicidade e à competitividade, nos casos em que estas àquele se contraponham38.

Já existem, entretanto, autores que consideram tão cogente a aplicação do princípio de sustentabilidade, de caráter ambiental, às contratações públicas que, não fazê-lo “exigiria uma motivação mais detalhada para justificar a compra de bens que não levam em conta o fator ambiental”. Este ponto de vista é defendido, por exemplo, por Costa que indica o Decreto nº 7.746, de 05 de junho de 2012, destinado a regulamentar o artigo 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, como a peça faltante do quebra cabeças. Aduz que o artigo terceiro do mencionado decreto esclarece onde o gestor público pode (e deve) usar os critérios de sustentabilidade ambiental quando diz que: COSTA, Carlos Eduardo Lustosa. As licitações sustentáveis na ótica do controle externo. Brasília: Instituto Serzedello Corrêa, 2011, p. 16. Disponível em: <http://portal2.tcu. gov.br/portal/pls/portal/ docs/2435919.PDF>. Acesso em: 04 jun. 2015.

37

FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira. Licitações sustentáveis como instrumento de defesa do meio ambiente – fundamentos jurídicos para a sua efetividade. In: BLIACHERIS, Marcos Weiss; FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira (Coord). Sustentabilidade na Administração Pública. Valores e práticas de gestão socioambiental. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012, p. 82.

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Com intuito de trazer soluções práticas aos gestores públicos, os quais muitas vezes têm dificuldade em implementar as licitações sustentáveis e receio de serem penalizados pelos órgãos de controle, foi colocado de forma clara onde deverão constar os critérios de sustentabilidade, diminuindo a dúvida recorrente quanto ao momento apropriado de se exigir tais características39.

Aliando-se a essa possível incerteza normativa está a questão dos custos. Em alguns casos observou-se um acréscimo nos gastos pela adoção dos critérios de sustentabilidade, como aponta Amorim: Parece ser um grande desafio adquirir bens e serviços ecologicamente corretos e ao mesmo tempo seguir o critério menor preço, pois os produtos tidos como “verdes” são mais caros, apesar de gerarem menores impactos ambientais. A sustentabilidade das licitações vem se colocando de forma a diminuir as restrições à incorporação de critérios técnicos por parte dos órgãos de controle, pois não há como não aderir aos selos “verdes” para garantir a origem dos insumos, o trabalho dos resíduos, e a utilização de produtos não agressivos à natureza. A Administração Pública não pode abrir mão do papel estratégico de interferir na produção de novos padrões de consumo e, em última análise, exigir a revisão do critério exclusivo de menor preço nas licitações40. (aspas da autora)

Esses receios não são exclusivos dos gestores brasileiros. Comotto, em seu estudo sobre a aplicação de critérios de sustentabilidade nas contratações públicas na República Argentina indica que lá resiste também esse receio o qual entende ser: Imprescindível derrubar, também e paralelamente, muitos preconceitos que normalmente se erigem em torno das compras públicas sustentáveis, que as mesmas “encarecem” e retardam o processo de contratação, que só pode ter lugar nos países altamente desenvolvidos, que atentam contra os princípios básicos da contratação – em particular, a igualdade e a concorrência – etc41. COSTA, Carlos Eduardo Lustosa da. Novo marco regulatório das compras públicas sustentáveis. Inovações e desafios à luz do Decreto Presidencial nº 7.746/2012. In: VILLAC, Teresa; BLIACHERIS, Marcos Weiss; SOUZA Lilian Castro de. (Coord.) Panorama de Licitações Sustentáveis. Direito e Gestão Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 100.

39

AMORIM, Patrícia. Para além da licitação sustentável. In: BLIACHERIS, Marcos Weiss; FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira (Coord). Sustentabilidade na Administração Pública. Valores e práticas de gestão socioambiental. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012, p. 229. 40

COMOTTO, Sabrina. Contratações públicas sustentáveis na República Argentina. In: VILLAC, Teresa; BLIACHERIS, Marcos Weiss; SOUZA Lilian Castro de. (Coord.) Panorama de Licitações Sustentáveis. Direito e Gestão Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 238.

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Já Daniel Ferreira conclui que “não se admite mais ‘escolha neutra’ na definição do objeto ou do rol de potenciais fornecedores, devendo se considerar fatores econômicos, ambientais e sociais (...) para regular cumprimento da ordem jurídica.” E vai além em sua “radical” defesa desses princípios porque, para ele: A promoção do desenvolvimento nacional pela via das licitações não é devaneio; revela – isto sim – a concretização de um objetivo da República, a satisfação de um direito fundamental e o cumprimento de um dever legal. Só não há mais espaço, nem perdão, para os que ignoram a lei, para os que mal cumprem a lei e para os que voluntariamente descumprem a lei, por ação ou por omissão. Para todos esses a lei e o Direito reservam resposta, bem como para as provocações feitas junto à própria Administração, aos Tribunais de Contas e ao Poder Judiciário e que visam a conduzir o Brasil à ecossocieconomia por meio das licitações públicas42. (grifos do autor)

Também para Costa a adoção dos critérios sustentáveis tornou-se uma obrigatoriedade, pois, segundo ele: Nota-se, então, que a observância de critérios sustentáveis nas licitações não é faculdade do gestor, mas sim, imposição constitucional e legal em respeito aos princípios da eficiência, da economicidade e do meio ambiente equilibrado. A discricionariedade do agente público não reside em decidir se deve realizar licitações sustentáveis ou não. Não se trata de dever moral, mas de respeito ao princípio da legalidade e da eficiência decorrentes do Estado de Direito43.

A obra mais recente de Coelho tenta afastar esses temores com a argumentação persuasiva de que A incerteza sobre a legalidade da inclusão de critérios ambientais em processos licitatórios não mais existe no Brasil, não havendo, pois, razão para ignorá-los quando da deflagração do procedimento concorrencial. Atenuar o impacto ambiental do consumo do setor público, por meio da aquisição de bens ecologicamente produzidos, fomenta, ademais, a inovação em termos de tecnologias ambientais, produtos e serviços. 42

FERREIRA, Daniel. A licitação pública no Brasil e sua finalidade legal: a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 101

COSTA, Carlos Eduardo Lustosa. As licitações sustentáveis na ótica do controle externo. Brasília: Instituto Serzedello Corrêa, 2011, p. 16. Disponível em: <http://portal2.tcu. gov.br/portal/pls/portal/docs/2435919.PDF>. Acesso em: 04 jun. 2015.

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Assessoria jurídica adequada faz-se necessária para que sejam afastadas as incertezas legais sobre as questões ambientais nas licitações, ainda vistas como obstáculo para a utilização de critérios ecológicos nas contratações públicas. Trata-se de transição ampla, que envolve a reformulação de processos produtivos, necessariamente relacionados à questão da consciência ambiental, de lenta construção, colocando-se o desafiador desenvolvimento com sustentabilidade no alto da lista de prioridades estatais44.

É, portanto, fundamental que haja uma revisão legal, segundo apontam os especialistas, para que tais incertezas possam ser sobrepujadas e os critérios de sustentabilidade ambiental possam ser usados de forma eficaz e eficiente pelos gestores públicos, conforme aponta Amorim: Uma nova realidade se apresenta com tamanha força que não restará alternativa senão a revisão da legislação com a flexibilização de posturas cristalizadas, frente à necessidade de se voltar a atenção para as necessidades da sociedade, colocando-se a serviço dos cidadãos e não dos processos ritualísticos pelos quais se busca atender essas demandas. A inclusão dos critérios de sustentabilidade nas contratações públicas está intrinsecamente relacionada à busca pela melhoria da qualidade das contratações de forma geral, e por meio destes se chegará aos critérios de qualidade nas contratações públicas em geral, já respaldados com a inclusão do princípio da eficiência na Constituição, porém distorcidos pela supremacia da licitação do tipo menor preços da Lei de Licitações e Contratos45.

Se a pavimentação do caminho para a adoção de boas práticas ambientais se iniciou no contexto das relações multilaterais, especialmente nas conferências sobre o meio ambiente das Organizações das Nações Unidas, é natural também que as diretrizes para adoção da licitação e contratação pública sustentável tivesse o mesmo nascedouro. Para as informações que seguirão basearam-se nos dados fornecidos por Yaker, Baceti e Enmanuel. Pode-se identificar na Cúpula Mundial do Desenvolvimento Sustentável (WSSD, em inglês), em Johanesburgo, África do Sul, em 2002 o primeiro passo para isso. O desdobramento se deu com o início do Processo de Marrakech, ocorrido na cidade de mesmo nome, no Marrocos, 44

COELHO, Hamilton Antônio. Responsabilidade ambiental na licitação: sustentabilidade nas contratações e compras do governo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 135.

AMORIM, Patrícia. Para além da licitação sustentável. In: BLIACHERIS, Marcos Weiss; FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira (Coord). Sustentabilidade na Administração Pública. Valores e práticas de gestão socioambiental. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012, p. 229. 45

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em 2003 no qual foi criada a força-tarefa em Compras Públicas Sustentáveis (SPP, em inglês). Essa força-tarefa lançada pelo governo suíço contou com a participação dos seguintes países: Argentina, China, República Tcheca, Gana, México, Noruega, Filipinas, Reino Unido e Estados Unidos. Em colaboração aos técnicos dos países mencionados, uniram-se à força-tarefa um grupo de especialistas internacionais em compras, contratações e desenvolvimento sustentável de outros governos e organismos internacionais. Entre esses havia técnicos do Estado de São Paulo (Brasil) e de outras agências da ONU. A força-tarefa de Marrakech tem sua abordagem voltada ao processo de compras públicas. Os países interessados, em especial países desenvolvidos e em desenvolvimento, recebem capacitações e acompanhamento em etapas como: identificação de necessidades e riscos, avaliação e seleção da contratação de fornecedores e gerenciamento de produtos e serviços contratados. Desse trabalho seguiram-se workshops em diversos locais como na Argentina, em 2007, África do Sul, em 2008, e França, Chile, México, Tunísia e Malásia, todos em 2009. Seguiu-se a seleção de países para receberem programas piloto os quais foram Ilhas Maurício, Tunísia, Costa Rica, Colômbia, Uruguai, Chile e Líbano. Foram criados planos de ação para que estes países fossem gradualmente implementando a política de compras públicas sustentáveis, inclusive com modificações necessárias no quadro institucional, com criação e adaptações de Ministérios. Outro exemplo marcante vem da própria ONU. No Dia Mundial do Meio Ambiente (05 de junho) de 2007, foi lançado apelo a todas as agências da ONU, pelo Secretário Geral Ban Kimoon, para que passassem a adotar políticas climaticamente neutras e se tornassem “verdes”. Em 2010 foi lançado o projeto Greening the Blue46, um sistema para informar tanto o pessoal da própria ONU, quanto o público externo, sobre as medidas adotadas, avaliar seus resultados, dar notícia do que se seguirá e como cada um pode participar, visando assim aumentar a consciência coletiva da importância da sustentabilidade para o sistema das Nações Unidas. O projeto baseia-se em duas premissas básicas: uma política climaticamente neutra e compras sustentáveis.

46

Em tradução livre: Tornando verde o azul – referência a cor predominante do ONU. http://www.greeningtheblue.org/about-greening-blue

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Na Conferência Rio+20 lançou-se a Iniciativa Internacional em Compras Públicas Sustentáveis (SPPI, em inglês), pois se percebeu que, apesar dos avanços alcançados em diversos setores, ainda existem barreiras e vencer. Essas barreiras vão desde a noção de que a adoção dos critérios de sustentabilidade torna o processo muito complexo, aumentando sobremaneira o custo das licitações, a pouca informação que chega até os agentes públicos sobre os critérios de sustentabilidade, pouco ou nenhuma avaliação dos resultados, até a falta de vontade política e cooperação de alguns agentes governamentais. Aliado a isso, especialmente nos países emergentes, há o despreparo do mercado e o desconhecimento da população sobre a importância da sustentabilidade.

SITUAÇÃO ATUAL DAS CONTRATAÇÕES SUSTENTÁVEIS EM DIVERSOS ÓRGÃOS PÚBLICOS FEDERAIS Havendo doutrina abrangente e legislação suficiente era de se esperar que já houvesse avanços significativos na abrangência da utilização dos critérios de sustentabilidade ambiental nas licitações públicas dos diversos entes federativos. Porém, não é o que se verifica na prática. Existem dificuldades de caráter cultural e prático, bem como de capacitações, que tem se tornado um empecilho para a efetividade de tal uso. Tais dificuldades têm se revelado também aos pesquisadores como demonstram as palavras de Weyermüller e Figueiredo quando afirmam que: Não é nada simples promover uma proteção efetiva dos recursos naturais com base apenas em elementos normativos ou na crença da sensibilidade humana às questões ambientais. Individualmente, isso pode ser possível, porém, em termos amplos e abrangentes, isso é improvável47.

WEYERMÜLLER, André Rafael; FIGUEIREDO, João Alcione Sganderla. Economia e meio ambiente: realidade e possibilidades integrativas. In: HUPPFER, Haide Maria; WEYERMÜLLER, André Rafael. (Orgs.) ICMS Ecológico: instrumento de estímulo à conservação e à proteção ambiental. Porto Alegre: Entremeios, 2013, p. 38.

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No trabalho acadêmico que deu origem a esse artigo foi possível perceber claramente que a participação de itens considerados sustentáveis ainda é incipiente no total de aquisições dos órgãos da administração federal. De cada R$ 1.000,00 (mil reais) em aquisições pouco mais de R$ 0,60 (sessenta centavos) é gasto em itens sustentáveis. Convém aqui alertar que os relatórios apresentados pela SLTI/MPOG referem-se apenas a aquisições realizadas utilizando-se itens identificados como sustentáveis no CATMAT (Catálogo de Materiais) do SIASG.48 Com isso verifica-se não haver disponibilidade de dados completos quanto ao montante de licitações públicas no âmbito do poder executivo federal que contenham em suas especificações, projetos ou termos de referência itens com características de sustentabilidade. As análises também demonstraram que apenas seis órgãos federais (Ministérios da Justiça, Educação, Previdência, Fazenda, Defesa e Presidência da República) têm participado com mais de 70% (setenta por cento), desde 2010, das aquisições de bens sustentáveis. Há de considerar-se, porém, que o comparativo foi realizado entre as aquisições de cada órgão e o total das aquisições dos órgãos do sistema SIASG. Não se localizou relatório que demonstrasse, dentro de cada órgão, quanto às aquisições de bens sustentáveis representam sobre o total de aquisições daquele órgão específico. É possível destacar também que o órgão que já deteve maior participação em termos percentuais foi o Ministério da Justiça, com 36% (trinta e seis por cento) de todas as aquisições de itens sustentáveis nos anos de 2010 e 2011. Em números absolutos também se destaca o Ministério da Justiça que adquiriu mais de doze milhões de reais em bens assim classificados na consolidação dos anos de 2010 e 2011 e novamente no ano de 2012. Destacam-se também os Ministérios da Educação e da Previdência pela sua participação estável durante todo o estudo e a Presidência da República que, embora apareça somente a partir de 2013, já figura entre os quatro maiores adquirentes de produtos sustentáveis em 2014. BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação. Informativo Sustentável. Contratações governamentais com critérios de sustentabilidade. Disponível em: <https://www.comprasgovernamentais.gov.br/arquivos/ sustentabilidade/resultados_e_dados_estatisticos-sustentaveis.pdf> Acesso em: 14 jun. 2014. 48

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Entre os bens classificados como sustentáveis, mais adquiridos por órgãos públicos do poder executivo no âmbito federal figuram bens duráveis, tais como automóveis e aparelhos de ar condicionado, e bens de consumo como detergente e canetas esferográficas. Podem ser destacados como itens que figuram todos os anos na lista dos mais adquiridos os aparelhos de ar condicionado e o papel A4. Porém, enquanto o primeiro tem tido um lento decréscimo nas aquisições o segundo cresce a cada ano tendo já adquirido a condição de bem considerado sustentável mais adquirido pelos órgãos federais participantes do estudo, com um percentual superior a 33% (trinta e três) por cento no último ano. Ainda se desconhece estudos sobre outras formas de contratações que abrangem elementos de sustentabilidade em seus projetos ou termos de referência tais como obras públicas, serviços terceirizados e outros. O próprio autor deste trabalho pode relatar sua experiência pessoal durante o período que foi gestor da Seção de Logística, Licitações e Contratos e Engenharia da Gerência Executiva (GEX) do Instituto Nacional do Seguro Social em Novo Hamburgo, RS. Na estrutura regimental do órgão a referida seção é responsável pelos processos licitatórios e pela gestão dos contratos – entre outras inúmeras atividades – realizados no âmbito local. Cabe ressaltar que a Gerência Executiva em Novo Hamburgo realiza a gestão técnica e administrativa das Agências da Previdência Social numa área que abrange cidades do Vale do Sinos, Vale do Caí e Vale do Taquari, no estado do Rio Grande do Sul. São dezessete agências e outras estruturas como arquivo e almoxarifado. As aquisições locais restringem-se em geral a materiais de consumo, materiais permanentes (móveis e equipamentos, exceto informática) e contratos de prestação de serviço. O período de gestão do autor nessa área foi de agosto de 2007 a abril de 2015. Desde que tomou conhecimento das normas de sustentabilidade ambiental nas contratações públicas e seguindo orientação da Senhora Gerente Executiva do INSS em Novo Hamburgo o autor buscou informar-se de como poderia aplicá-las à realidade local embora não houvesse normativa interna que tornasse obrigatória a adoção. Um dos itens que sempre chamou a atenção sobre a possibilidade de ser adquirido respeitando critérios de sustentabilidade ambiental foi o papel A4, um dos insumos mais utilizados em razão da atividade inerente do órgão.

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A aquisição média anual para consumo das unidades vinculadas à GEX Novo Hamburgo é de 5.000 resmas49. Originalmente adquiria-se apenas papel A4 branco, porém acompanhava-se a evolução do preço registrado em licitações em âmbito nacional do INSS. Em 2010 o preço registrado do papel A4 branco foi de R$ 8,13 por resma e do papel A4 reciclado foi de R$ 8,51. Não houve aquisição de papel reciclado naquele ano. Em 2011 o preço registrado do papel A4 branco foi de R$ 7,70 e do papel A4 reciclado foi de R$ 7,88, quando se adquiriu 10% do total de papel A4 utilizado do tipo reciclado. Em 2012 o papel A4 reciclado teve seu preço registrado de R$ 8,05, ocasião na qual se adquiriu a totalidade do papel a ser utilizado com esta especificação. Porém, tal forma de aquisição teve que ser descontinuada em razão de critérios técnicos. Observou-se que o papel reciclado possui algumas características que dificultam a sua utilização como o principal papel A4 para impressão. Por suas características o papel reciclado deixa mais resíduos nas impressoras, o que provocou mais defeitos e consequente aumento no custo de manutenção dos equipamentos. Outra observação foi que, com a adoção do processo eletrônico na Justiça Federal, que determina que os documentos apresentados o sejam de forma digital, a digitalização dos processos administrativos de benefícios previdenciários impressos em papel A4 reciclado provocava uma queda substancial na qualidade da imagem produzida gerando reclamações do judiciário. Hoje a aquisição de papel A4 reciclado é mínima, destinada apenas à impressão de comunicados internos e manuais de capacitação que não possam ser obtidos de forma eletrônica. Alguns outros itens com especificações atendendo critérios de sustentabilidade ambiental também já foram adquiridos, tais como canetas ecológicas e lápis com corpo de madeira de reflorestamento, porém tais aquisições não alcançaram valores significativos. Outra área onde o órgão precisa evoluir muito é na adoção da prática de logística reversa na qual o fornecedor é responsável pela retirada de embalagens vazias, especialmente no que se refere a cartuchos de toner de impressoras, pois há um acúmulo considerável desses itens nas diversas Gerências Executivas do Brasil.

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Pacote com 500 folhas de papel.

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Cada vez mais necessárias são as iniciativas de capacitação e troca de experiências sobre o tema. Enquanto este trabalho era finalizado foi realizado (nos dias 28 e 29 de maio de 2015) o 13º Fórum Brasileiro de Contratação & Gestão Pública, no Centro de Convenções Brasil 21, em Brasília, DF. O evento contou com as ilustres presenças da Ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia Antunes Rocha e do Ex-ministro e Presidente do Tribunal constitucional Carlos Ayres Britto. Temas relevantes foram tratados, tais como os abordados pelas mencionadas autoridades, respectivamente, Interpretação e aplicação da Constituição pelo gestor público e Tutela da probidade da gestão pública. No interesse deste trabalho o tema mais importante do referido evento foi o trazido por Juarez Freitas, uma das maiores autoridades em contratações públicas sustentáveis, cujo tema foi “Qualidade, Sustentabilidade e Preço nas contratações públicas”. Essa foi a primeira oportunidade que o tema da sustentabilidade nas aquisições foi abordado diretamente neste que é considerado um dos maiores eventos de gestão pública no país. Somente pode-se esperar que se consagrasse na administração pública e, em especial, nos órgãos componentes da administração federal direta e autarquias a cultura da sustentabilidade nas contratações, para que requisitos de sustentabilidade ambiental incorporem-se definitivamente às especificações dos itens adquiridos. Para isso o mercado também deve amadurecer oferecendo produtos que respeitem os ditames da sustentabilidade ambiental e os fornecedores esforcem-se para adaptarem-se às normativas, criando-se dessa forma um efetivo mercado de ecoaquisições também na iniciativa privada. Repise-se também a necessidade de um esforço para a revisão legislativa de forma que as normas evoluam ao ponto de permitirem que os gestores, com segurança, possam selecionar fornecedores exigindo-lhes condições de habilitação que respeitem os aspectos de sustentabilidade ambiental sem oferecer risco à competitividade e à isonomia.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante a pesquisa que deu origem a esse artigo foi possível observar que a legislação brasileira está embasada nos princípios teóricos do Direito Administrativo, da Administração Pública, das licitações e contratos públicos, bem como tem recebido influência positiva das normas e princípios de sustentabilidade que, sob liderança da Organização das Nações Unidas, estão permeando a legislação de nações desenvolvidas e em desenvolvimento, das quais o Brasil é considerado por diversos autores como um dos expoentes. Foi possível captar um debate teórico sobre se a adoção de critérios de sustentabilidade ambiental poderia ferir princípios constitucionais e legais no âmbito das licitações públicas, a saber, da isonomia e da melhor proposta, mas que a maioria dos autores pesquisados considera já vencido este debate, pois tais princípios devem ser analisados à luz do novo contexto mundial da preservação do meio ambiente. A análise da situação internacional demonstrou que é crescente a adesão aos marcos regulatórios da sustentabilidade e há um grande número de países que estão adotando na sua legislação interna mecanismos para qualificar as contratações públicas com este diferencial. A análise de dados fornecidos pelo Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão demonstrou, porém, que em termos absolutos as aquisições e contratações com critérios de sustentabilidade ambiental ainda são incipientes se comparadas com o total de contratações federais. Há lugar para um crescimento vigoroso à medida que gestores e mercados se tornem mais seguros quanto à adoção desses critérios e haja oferta de produtos e serviços sustentáveis com preços competitivos. Por outro lado foi demonstrado que está sendo feito um grande esforço de divulgação, capacitação e aperfeiçoamento de pessoal técnico, bem como de assessoramente jurídico por iniciativa do MPOG e da AGU os quais têm permitido que mais órgãos possam concretizar seus Programas de Gestão de Logística Sustentável e tornarem as aquisições e contratações públicas condizentes com que o meio ambiente e a natureza necessitam.

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Por fim, por meio do estudo e análise de casos concretos, de editais de licitações divulgados como exemplos de boas práticas pelo MPOG, foi possível verificar que os gestores têm feito um esforço grande para incluir os critérios de sustentabilidade na seleção das propostas e levado a efeito contratações mais eficientes do ponto de vista ambiental. Por derradeiro, mas não menos importante, observou-se que alguns estudiosos ainda apontam a necessidade de uma pequena, porém importante, alteração legislativa que dirima a última dúvida legal prevalecente adequando os princípios legais da igualdade de condições e da melhor proposta – da isonomia e da competitividade – para que possam ser relativizados em comparação ao respeito ao bem maior da dignidade da vida humana em um meio ambiente saudável e sustentável.

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REFERÊNCIAS AMORIM, Patrícia. Para além da licitação sustentável. In: BLIACHERIS, Marcos Weiss; FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira (Coord). Sustentabilidade na Administração Pública. Valores e práticas de gestão socioambiental. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2013. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. BAZZILI, Roberto Ribeiro; MIRANDA, Sandra Julien. Licitação à luz do direito positivo. São Paulo: Malheiros. 1999. BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação. Instrução Normativa nº 01 de 19.01.2010. Disponível em: <http://www.comprasgovernamentais.gov.br/paginas/instrucoes-normativas/ instrucao-normativa-no-01-de-19-dejaneiro-de-2010>. Acesso em: 17 nov. 2014. BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação. Informativo Sustentável. Contratações governamentais com critérios de sustentabilidade. Disponível em: <https://www.comprasgovernamentais.gov.br/arquivos/ sustentabilidade/resultados_e_dados_estatisticos-sustentaveis.pdf> Acesso em: 14 jun. 2014. BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 7746 de 05/06/2012. DOU 06/06/2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2011-2014/2012/decreto/d7746.htm>. Acesso em: 07 abr. 2015. BRASIL. Presidência da República. Lei nº 6.938 de 31/08/1981. DOU 02/09/1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l6938.htm>. Acesso em: 07 abr. 2015. BRASIL. Presidência da República. Lei nº 8.666 de 21/06/1981. DOU 22/06/1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l8666cons.htm>. Acesso em: 04 jun. 2015. ORGANIZADORES:

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BRASIL. Presidência da República. Lei nº 12.187 de 20/12/2009. DOU 30/12/2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2007-2010/2009/lei/ l12187.htm>. Acesso em: 07 abr. 2015. BRASIL. Presidência da República. Lei nº 12.305 de 02/08/2010. DOU 03/08/2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2007-2010/2010/lei/ l12305.htm>. Acesso em: 07 abr. 2015. COELHO, Hamilton Antônio. Responsabilidade ambiental na licitação: sustentabilidade nas contratações e compras do governo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. COMOTTO, Sabrina. Contratações públicas sustentáveis na República Argentina. In: VILLAC, Teresa; BLIACHERIS, Marcos Weiss; SOUZA Lilian Castro de. (Coord.) Panorama de Licitações Sustentáveis. Direito e Gestão Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2014. CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE HUMANO. Declaração de Estocolmo. Disponível em: <http://www.ufpa. br/npadc/ gpeea/DocsEA/DeclaraAmbienteHumano.pdf>. Acesso em: 08 nov. 2014. COSTA, Carlos Eduardo Lustosa. As licitações sustentáveis na ótica do controle externo. Brasília: Instituto Serzedello Corrêa, 2011, p. 16. Disponível em: <http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2435919.PDF>. Acesso em: 04 jun. 2015. COSTA, Carlos Eduardo Lustosa da. Novo marco regulatório das compras públicas sustentáveis. Inovações e desafios à luz do Decreto Presidencial nº 7.746/2012. In: VILLAC, Teresa; BLIACHERIS, Marcos Weiss; SOUZA Lilian Castro de. (Coord.) Panorama de Licitações Sustentáveis. Direito e Gestão Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2014. DALLARI, Adilson Abreu. Aspectos jurídicos da licitação. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. DI PRIETO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012. FERREIRA, Daniel. A licitação pública no Brasil e sua finalidade legal: a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Belo Horizonte: Fórum, 2012. ORGANIZADORES:

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FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira. Apontamentos sobre a gestão socioambiental na Administração Pública brasileira. In: BLIACHERIS, Marcos Weiss; FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira (Coord). Sustentabilidade na Administração Pública. Valores e práticas de gestão socioambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2012. FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira. Licitações sustentáveis como instrumento de defesa do meio ambiente – fundamentos jurídicos para a sua efetividade. In: BLIACHERIS, Marcos Weiss; FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira (Coord). Sustentabilidade na Administração Pública. Valores e práticas de gestão socioambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2012. FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011. ICLEI – GOVERNOS LOCAIS PELA SUSTENTABILIDADE. Guia de compras públicas sustentáveis. Disponível em: <http://archive.iclei.org/ fileadmin/user_ upload/documents/LACS/Portugues/Programas/Compras_Publicas_Sustentaveis/Guia_Compras_Sustentaveis.pdf> Acesso em 06 abr. 2014. LASO, Enrique Sayagués, 2005, apud GOMES, Lucivanda Peres. Regime diferenciado de contratações públicas: o novo perfil dos contratos administrativos no Brasil. 2013. 165 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional, Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2013. Disponível em <http://uol01.unifor.br/oul/conteudosite/F1066343601/Dissertacao.pdf>. Acesso em: 21 set. 2014. MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito administrativo brasileiro. 39. ed. São Paulo, SP: Malheiros, 2013. MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 14. ed. atual São Paulo: Malheiros, 2007. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Agenda ambiental na Administração Pública. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/a3p/_ arquivos/cartilha_a3p_36.pdf>. Acesso em 06 abr. 2014.

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ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. I Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente. Declaração de Estocolmo. Estocolmo: 1972. Disponível em: <http://www.ufpa.br/npadc/gpeea/DocsEA/DeclaraAmbienteHumano.pdf>. Acesso em: 08 nov. 2014. RAMOS, Érika Pires; MORIMOTO, Isis Akemi. O fortalecimento do sistema nacional de meio ambiente em face do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global. In: BLIACHERIS, Marcos Weiss; FERREIRA, Maria Augusta Soares de Oliveira (Coord). Sustentabilidade na Administração Pública. Valores e práticas de gestão socioambiental. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012. SOUZA, Lilian Castro. As compras públicas sustentáveis na visão dos Tribunais de Contas da União. In: VILLAC, Teresa; BLIACHERIS, Marcos Weiss; SOUZA Lilian Castro de. Panorama de Licitações Sustentáveis. Direito e Gestão Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2014 VILLAC, Teresa; BLIACHERIS, Marcos Weiss; SOUZA Lilian Castro de. Panorama de Licitações Sustentáveis. Direito e Gestão Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2014. WEYERMÜLLER, André Rafael; FIGUEIREDO, João Alcione Sganderla. Economia e meio ambiente: realidade e possibilidades integrativas. In: HUPPFER, Haide Maria; WEYERMÜLLER, André Rafael. (Orgs.) ICMS Ecológico: instrumento de estímulo à conservação e à proteção ambiental. Porto Alegre: Entremeios, 2013

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direitos fundamentais da criança e o princípio do melhor interesse no viés das políticas públicas

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Maiara Kohlrausch Pires da Silva

Estudante de Direito da Universidade Feevale. Email: maiarakohlrausch@hotmail.com.

Claudine Rodembusch Rocha

Doutoranda em Direito Público - Universidade Pública de Burgos/Espanha, Mestre em Direito - Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, Especialista Demandas Sociais em Políticas Públicas de Inclusão Social, Advogada, Professora no curso de Direito da Universidade Feevale, Colaboradora do Projeto de Extensão Nadim, Email: claudinerodembusch@yahoo.com.br.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS O presente estudo possui por objetivo abordar a importância do acompanhamento da criança e do adolescente desde os seus primeiros anos de vida, ressaltando ainda, as causas, contribuições e consequências da família em relação ao desenvolvimento do infante; intervenção do Estado e sua responsabilidade em garantir o pleno desenvolvimento do infante. Este tema possui extrema relevância frente à prevalência cada vez maior e precoce do sofrimento físico, moral e psicológico das crianças, que não tem em sua infância o devido cuidado, respeito e garantia plena de terem seu desenvolvimento em um ambiente saudável. Esta questão se torna, assim, tema de saúde pública na sociedade, reconhecendo-se assim a urgência de criar estratégias de acompanhamento e acolhimento destas famílias e crianças. Portanto, busca-se demonstrar as causas, contribuições e consequências de algumas instituições, a começar pela família, e a intervenção do Estado para garantir o desenvolvimento pleno da criança e do adolescente, assim como seus direitos já resguardados através da Lei. Para tanto, principia-se referindo quanto ao princípio do melhor interesse da criança, destacando alguns projetos e órgãos existentes de proteção à criança, bem como a importância da família para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente. Aborda-se ainda, o conceito de poder familiar, suas características, abordando as hipóteses de suspensão, extinção e a perda do poder familiar. Por fim, passa-se ao estudo da proteção da criança por parte do estado, referindo quanto às políticas públicas, sua conceituação e importância juntamente com as políticas de atendimento. Desta forma, busca-se elucidar a importância do cuidado e acompanhamento da criança e do adolescente, além de destacar a responsabilidade da família e dos órgãos competentes, bem como de nós mesmos, como sociedade, para que possamos garantir o desenvolvimento pleno dos infantes.

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DIREITOS FUNDAMENTAIS – PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA Uma das mudanças de grande relevância e considerada uma das mais importantes inovações trazidas pelo ECA é a criação dos Conselhos Tutelares, os quais afastaram a sistemática do antigo Código de Menores, em que todos os poderes concentravam-se no juiz de menores. A partir disto, o ECA ampliou a participação da própria sociedade na solução dos problemas da infância e da juventude.1 Guilherme Calmos Nogueira Gama refere alguns fatores, aos quais, baseia-se o Princípio do Melhor Interesse da Criança: O amor e os laços afetivos entre o pai ou titular da guarda e a criança; a habitualidade do pai ou titular da guarda de das à criança amor e orientação; a habitualidade do pai ou titular da guarda de prover a criança com comida, abrigo, vestuário e assistência médica; qualquer padrão de vida estabelecido; a saúde do pai ou titular da guarda; o lar da criança, a escola, a comunidade e os laços religiosos; a preferência da criança, se a criança tem idade suficiente para ter opinião; e a habilidade do pai de encorajar contato e comunicação saudável entre criança e o outro pai.2

O Princípio do Melhor Interesse da Criança atua conjuntamente como uma forma de preocupação e proteção à criança e/ou ao adolescente, mas também gestos que demonstrem carinho, amor, afeição e solicitude pela criança.3 José Carlos Sturza de Moraes e Elizabeth Mazera, em sua obra Conselhos Tutelares, Impasses e Desafios: A Experiência de Porto Alegre, nos trazem alguns exemplos práticos de projetos criados pela rede, juntamente com o Ministério Público, na cidade de Porto Alegre. Vale

MASERA, Elizabeth dos Santos; MORAES, José Carlos Sturza de. Conselhos Tutelares, Impasses e Desafios: A Experiência de Porto Alegre. Porto Alegre: Dom Quixote, v. 1, 2006, p. 105.

1

GAMA, Guilherme Calmos Nogueira. Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente: O “Cuidado”. São Paulo: Revista do Advogado – Associação dos Advogados de São Paulo, n. 101, dez. 2008, p. 33-34.

2

GAMA, Guilherme Calmos Nogueira. Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente: O “Cuidado”. São Paulo: Revista do Advogado – Associação dos Advogados de São Paulo, n. 101, dez. 2008, p. 34.

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destacá-los, em razão da grande importância de efetivação que estes trabalhos possuem no âmbito da proteção da criança e que a união da rede é essencial para execução na iniciativa de projetos:4 - Em 1997, houve a criação do projeto Ficha de Comunicação do Aluno Infrequente (FICAI), visando assegurar o retorno de alunos infrequentes à escola, o qual Conselhos Tutelares, Escolas e o Ministério Público atuam conjuntamente. Este projeto alcançou vários outros Municípios gaúchos, tornando-se referência nacional; - No ano de 2001, foi criado o projeto “Nenhum a Menos na Escola”, o qual aperfeiçoou os procedimentos da FICAI, acolhendo as crianças e adolescentes dos casos não solucionados, individualizando o atendimento, a fim de verificar as efetivas necessidades deste aluno; - Em 2002, juntamente com os Conselhos Tutelares, a Promotoria Especializada de Porto Alegre, a Secretaria Estadual de Justiça e Segurança, a FADERS e estabelecimentos de abrigo e saúde, instituíram ações para facilitar a identificação, a busca e localização de infantes e adolescentes desaparecidos; - O Núcleo Operacional de Inclusão de Crianças e Adolescentes em situação de rua (NOICA), criado no ano de 2003, reuniu os Conselhos Tutelares de Porto Alegre, Polícia Civil e Militar e o Ministério Público, o qual possui por objetivo a proteção das crianças e adolescentes que estão nas ruas “expostas ao risco do tráfico, do uso de entorpecentes e da exploração sexual.”5 José Roberto Rus Perez aduz que: A partir da regulamentação da Constituição Federal de 1988 foram instituídas as seguintes ordenações legais com base nos direitos sociais: o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal n. 8.069/90), a Lei Orgânica da Saúde – LOS (Lei Federal n. 8.080/90); a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda (Lei Federal n. 8.242/91); a Lei Orgânica da MASERA, Elizabeth dos Santos; MORAES, José Carlos Sturza de. Conselhos Tutelares, Impasses e Desafios: A Experiência de Porto Alegre. Porto Alegre: Dom Quixote, v. 1, 2006, p. 107.

4

MASERA, Elizabeth dos Santos; MORAES, José Carlos Sturza de. Conselhos Tutelares, Impasses e Desafios: A Experiência de Porto Alegre. Porto Alegre: Dom Quixote, v. 1, 2006, p. 107.

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Assistência Social – Loas (Lei Federal n. 8.742/93), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (Lei Federal n. 9.394/96); a Lei Orgânica de Segurança Alimentar – Losan (Lei Federal n. 11.346/06), além da recente integração dos serviços sociais, por meio do Sistema Único de Assistência Social – Suas. Esse aparato legal criou condições de assegurar as diretrizes de políticas sociais básicas com capacidade de atender às necessidades primordiais da população, como saúde, educação, cultura, alimentação, esporte, lazer e profissionalização, considerado o acesso aos direitos sociais uma dimensão da cidadania.6

Em 12 de outubro de 1991, entrou em vigor a Lei nº 8.242, na qual foi criado o Conselho de Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA. O CONANDA é composto por vinte e oito conselheiros titulares e 28 suplentes, sendo quatorze “representantes do Poder Executivo e 14 representantes de entidades não-governamentais que possuem atuação em âmbito nacional e atuação na promoção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes”.7 Essas políticas de atendimento foram criadas ao longo do tempo para atender aos direitos das crianças e adolescentes. No entanto, conforme menciona o art. 88 da CF/88, em especial o inciso VI, é necessário a “mobilização da opinião pública no sentido da indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade”. Assim, para esta integração é necessária a participação dos Municípios do Estado e da família.8

PEREZ, José Roberto Rus; PASSONE, Eric Ferdinando. Políticas Sociais de Atendimento às Crianças e aos Adolescentes no Brasil. São Paulo: Cadernos de Pesquisa, v. 40, n. 140, mai. / ago. 2010, p. 663-664.

6

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA. Brasília: Coordenação-Geral do Conanda - Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-social/conselho-nacional-dos-direitos-da-crianca-e-do-adolescente-conanda>. Acesso em: 14 mai. 2015.

7

8

ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente – Doutrina e Jurisprudência, 10. ed., São Paulo: Atlas S.A., 2009, p. 135.

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ASPECTOS RELEVANTES QUANTO A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA PARA O CUMPRIMENTO DO ECA Como por vezes mencionado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a principal responsável pela proteção de tais direitos é a família. Conforme artigo 25, do Código Civil, “entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes”.9 A família é considerada a base da sociedade, recebendo assim, uma maior atenção do Estado. Nesse sentido, Dias refere que: Sempre se considerou que a maior missão do Estado é preservar o organismo familiar sobre o qual repousam suas bases. A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece (XVI 3): A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado. A família é tanto uma estrutura pública como um relação privada, pois identifica o indivíduo como integrante do vínculo familiar e também como partícipe do contexto social.10

O papel da família no cumprimento da Lei 8.069/901, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tem sido pesquisado e discutido principalmente por Entidades públicas e privadas, estudiosos, juristas, assistentes e cientistas sociais, psicólogos, autoridades judiciárias, etc., sendo considerado um tema de suma importância e absoluta prioridade, pois são verificados vários problemas e até mesmo falhas, pelos próprios órgãos de proteção à criança, falando-se de um modo geral, que vem afligindo todas as camadas sociais.11

9 Brasil. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. 10

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 8. ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 29.

11

MARTIN, Anisio Garcia. O Direito do Menor. São Paulo: Edição Universitária de Direito – EUD. 1988, p. 30.

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Para Anisio Garcia Martin: O problema do desajustamento sócio-familiar do menor cresce e se avoluma dia a dia, em proporções assustadoras, como consequência direta da crise moral e institucional da família [...]. Embora se busque analisar as causas determinantes da conduta anti-social dos menores, no contexto sócio-cultural do país, como geradas pelo meio-ambiente, subdesenvolvimento, crescimento demográfico, urbanização e industrialização desordenada, migração interna mal-orientada, analfabetismo, carência de alimentação, subnutrição, falta de assistência médica-sanitária, etc., essas causas tem origem nesses fatores, apenas remotamente. É que a causa direta e imediata é a desagregação, desestabilização da família.12

Maria Garcia afirma que “as pessoas vivem suas vidas guiadas por três necessidades, três fomes existenciais, quais sejam: fome de reconhecimento, fome de estímulos e fome de estruturação do tempo”. A fome de reconhecimento é a necessidade que a criança possui de sentir-se importante e amada por seus pais. A fome de estímulos refere-se ao que a criança grava consciente ou inconscientemente de seus pais, aos quais são repassadas através da atenção, do incentivo, do amor, de palavras, aos quais recebem. A fome de estruturação do tempo é o planejamento da vida, sendo que a criança recebe como exemplos aquilo que ela percebe quando criança, até seus seis, sete anos de idade, nos moldes de sua família, seus parentes.13 Nesse sentido, afirma Alexandre Guimarães Gavião Pinto: O direito dos filhos está intimamente ligado aos deveres dos pais, salientando-se que o posicionamento vigente é o da proteção integral da criança e do adolescente, com a afirmação de todos os direitos inerentes, que devem ser respeitados, rotineiramente, pela família, pela sociedade e pelo próprio Estado.14

12

MARTIN, Anisio Garcia. O Direito do Menor. São Paulo: Edição Universitária de Direito – EUD. 1988, p. 30.

13

GARCIA, Maria. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Revista dos Tribunais, v. 83, abr. / jun. 2013, p. 450.

14

PINTO, Alexandre Guimarães Gavião. Destituição do Poder Familiar – Relevantes Aspectos Jurídicos a Serem Considerados. Revista Justiça & Cidadania, n. 157, set. 2013, p. 59.

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A família desempenha uma das mais importantes funções na infância e na adolescência de um ser humano, é com ela que o indivíduo tem seus primeiros contatos, interação, atuando assim, no seu desenvolvimento. “Diversos estudiosos, tais como, Wallon, Leontiev, Berger e Luckman, mostraram que a família, na sociedade, se constitui, com algumas exceções, como o primeiro grupo de referência para as crianças”, sendo a base do infante como fonte de afeto, proteção e cuidados.15 Maria Berenice Dias afirma que nesse vasto rol de deveres dos genitores, não constam o mais primordial dos deveres dos pais em relação aos seus filhos, que é proporcionar-lhes amor, afeto, carinho. “A missão constitucional dos pais, pautada nos deveres de assistir, criar e educar os filhos menores, não se limita a vertentes patrimoniais”. A afetividade responsável, essência existencial do poder familiar, une pais e filhos, propiciando a convivência familiar.16 Para Santos Neto, a responsabilidade de educar “implica no atendimento das necessidades intelectuais e morais do menor” proporcionandolhe chances de desenvolverem-se esses níveis. Enquanto isso, o dever de criar abarca a obrigação de resguardar a saúde da criança, garantir o seu bem-estar físico, proporcionar-lhe sustento, “garantindo-lhe o necessário para a sobrevivência.”17 Roberta Oliveira Lima refere que o “descumprimento indesculpável dos deveres relacionados à educação dos filhos faz incidir as medidas previstas no art. 129 do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo a mais grave destituição do poder familiar:”18

15

VYGOTSKY Lev. Semenovitch, LURIA, Alexander. Romanovich, LEONTIEV, Alexei Nicolaevich. Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1988, p. 59-83.

16

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 8. ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 429.

17

NETO, José Antonio de Paula Santos. Do Pátrio Poder. Revista dos Tribunais. São Paulo: Saraiva, 1989-1990, p. 108.

LIMA, Roberta Oliveira. A Fragilidade das Relações entre Pais e Filhos na Contemporaneidade: Direito dos Pais Exigirem Obediência dos Filhos à Luz da Legislação e Doutrina Brasileira. Itajaí, jun. 2010, p. 7-8.

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Ao se eleger o interesse da criança e do adolescente como prioritário, a criança passou a ser um sujeito de direitos, o qual se rege pela legislação. Ainda, ao igualar pai e mãe perante a criação dos filhos, “o mesmo legislador foi obrigado a posicionar o juiz para dirimir as questões que surjam quando os pais não estejam de acordo sobre alguma decisão” em relação à criança.19 No entanto, percebeu-se que não adiantava encaminhar o infante para um sentido mais construtivo de vida, se no meio em que vive não há essa preocupação e não propicia o bem-estar e o bom desenvolvimento da criança. “Atento para essa problemática veio o legislador promover medidas de amparo e de acompanhamento aos pais ou responsável, tais como, aquelas preconizadas no art. 129, I e II, do ECA (LGL\1990\37) a saber”: I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família; II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos.20 Ressalta-se que a pobreza dos genitores da criança não é fator constitutivo para a perda do poder familiar. “Os auxílios à família e ao menor normalmente são de responsabilidade do Poder Executivo Municipal.”21

PODER FAMILIAR A nomenclatura “poder familiar”, corresponde à antiga expressão pátrio poder, o qual remonta ao “direito romano: pater potestas – direito absoluto e ilimitado conferido ao chefe da organização familiar sobre a pessoa dos filhos.”22

JUNIOR, Alberto Gosson Jorge. Guarda, Tutela e Adoção no Estatuto da Criança e do Adolescente. Principais Aspectos. Revista dos Tribunais: Doutrinas Essenciais Família e Sucessões, v. 4, ago. 2011, p. 4. 19

JUNIOR, Alberto Gosson Jorge. Guarda, Tutela e Adoção no Estatuto da Criança e do Adolescente. Principais Aspectos. Revista dos Tribunais: Doutrinas Essenciais Família e Sucessões, v. 4, ago. 2011, p. 5. 20

21

ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente – Doutrina e Jurisprudência, 10. ed., São Paulo: Atlas S.A., 2009, p. 32.

22

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Editora Revista dos Tribunais, 8. ed., São Paulo, 2011, p. 423.

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O poder familiar é irrenunciável, intransferível, inalienável, imprescritível e decorre tanto da paternidade natural como da filiação legal da socioafetiva. As obrigações que dele fluem são personalíssimas. Como os pais não podem renunciar aos filhos, os encargos que derivam da paternidade também não podem ser transferidos ou alienados. Nula é a renúncia ao poder familiar, sendo possível somente delegar a terceiros o seu exercício, preferencialmente a um membro da família. é crime entregar filho a pessoa inidônea.23

Denise Damo Comel, em sua obra Do Poder Familiar, destaca que deve-se ter cautela na compreensão quanto ao significado do poder familiar, pois não confunde-se com o pátrio poder. “Os princípios e os valores que o inspiram são seguramente diversos dos que davam o conhecimento do extinto pátrio poder”. O Código Civil de 2002 não se limitou a imputar apenas a igualdade de condições ao pai e à mãe, mas também a mudar o sentido dessa relação familiar, pois ”o interesse dos pais está condicionado ao interesse do filho, ou melhor, no interesse de sua realização como pessoa em formação”. Nesse sentido, essa alteração “normativa não é uma simples mudança terminológica”. O Código Civil de 2002 propôs uma transformação do conceito de pátrio poder em poder familiar, “é uma renovação conceitual que se inspira no texto constitucional, como resultado de profunda reformulação de valores sociais”.24 Em 29 de março do ano de 2011, publicou-se no DOU (Diário Oficial da União), que a Lei nº 12.398/2011, passou a viger, modificando o texto do art. 888, VII, do Código de Processo Civil e ampliando o art. 1589, do Código Civil acrescentando o parágrafo único, impondo ao exercício do poder familiar um novo sistema, garantindo “direitos e deveres familiares para uma gama muito maior de membros da família de onde são oriundos os filhos, que se encontram sob o exercício de poder familiar, tutela, curatela e guarda”25:

23

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Editora Revista dos Tribunais, 8. ed., São Paulo, 2011, p. 425.

24

COMEL, Denise Damo. Do Poder Familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 55-74-75.

NERY, Rosa Maria Barreto Borrielo de Andrade. Poder Familiar, Tutela, Curatela e Guarda de Incapazes e o Direito dos Avós de Visita aos Netos Aspectos Abrangentes da Lei 12.398/2011. Revista dos Tribunais, v. 907, mai. 2011, p. 21-28.

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O descumprimento da norma do art. 22, do Estatuto da Criança e do Adolescente, com as obrigações de educar, sustentar, fornecer escolarização necessária, manter a higiene do menor, fiscalizar a conduta da criança e adolescente, podem levar “à restrição, suspensão e ainda a destituição do pátrio poder.”26 Denise Damo Comel aduz que poder familiar é o “complexo de direitos e deveres concernentes ao pai e à mãe, fundado no direito natural, confirmado pelo direito positivo e direcionado ao interesse da família e do filho menor não emancipado”.27 Sendo que o poder familiar possui características próprias, entre as quais se destacam a irrenunciabilidade, a intransmissibilidade e a imprescritibilidade.28 Segundo Maria Helena Diniz, o poder familiar conserva a natureza de um vínculo de autoridade, de subordinação entre genitores e filhos, sendo que este poder é irrenunciável, “pois incumbe aos pais esse poder-dever [...]. É imprescritível, já que dele não decaem os genitores pelo simples fato de deixarem de exercê-lo; somente poderão perdê-lo nos casos previstos em lei.”29 Para Válter Kenji Ishida, a insuficiência de recursos e a inaptidão para o exercício das obrigações são fatores que podem levar à perda do poder familiar ou guarda da criança: A contrario sensu, se os pais forem irresponsáveis, omissos, não cumpridores dos mínimos encargos legais, aí sim perderão não apenas a guarda do filho mas também o pátrio poder, complexo de direitos e obrigações que recai sobre a pessoa e os bens dos filhos. É que, in casu, à insuficiência de recursos aliou-se uma outra causa: a inaptidão para o exercício das obrigações previstas tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente quanto no Código Civil.30

26

ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente – Doutrina e Jurisprudência, 10. ed., São Paulo: Atlas S.A., 2009, p. 30.

27

COMEL, Denise Damo. Do Poder Familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 65.

28

COMEL, Denise Damo. Do Poder Familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 75-76.

29

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 448-449.

30

ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente – Doutrina e Jurisprudência, 10. ed., São Paulo: Atlas S.A., 2009, p. 33.

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“Os direitos da criança e do(a) adolescente são soberanos, não podendo ser violados ou ameaçados. [...] No caso de violação ou ameaça, cabe ao Conselho Tutelar receber a queixa, encaminhar o caso” e notificar a SIPIA – Sistema de Informação para a Infância e Adolescência: O SIPIA “é um sistema nacional de registro e tratamento de informações sobre a garantia e defesa dos direitos fundamentais preconizados no Estatuto da Criança e do Adolescente”. Através do site do SIPIA, também pode-se fazer denúncias on-line por qualquer pessoa. Maria Berenice Dias aduz que o poder familiar é de dever dos genitores da criança, devendo ser exercido no interesse dos filhos. O Estado é um ente que possui legitimidade para entrar no recesso da família, a fim de proteger os menores, tendo o dever, ainda, de fiscalizar este dever incumbido aos pais, podendo “suspender e até excluir o poder familiar. Quando um ou ambos os genitores deixam de cumprir com os deveres decorrentes do poder familiar, mantendo comportamento que possa prejudicar o filho, o Estado deve intervir”. É primordial resguardar o dever de que se mantenha a integridade psíquica e física das crianças e adolescentes, mesmo que para isso o Poder Público tenha que afastar as crianças do convívio com seus genitores.31 A suspensão do poder familiar é uma medida menos grave, pois sujeita-se a uma revisão desta decisão. A partir do momento que a convivência familiar atenda ao interesse dos filhos e cessem as causas que levaram a suspensão, ela pode ser cancelada. Esta suspensão pode se dar em relação a um filho e não estender-se sobre toda a prole, como também pode ser abrangida em algumas prerrogativas do poder familiar.32 Conforme Paula Inez Gomide, Ana Maria de Abreu Guimarães e Patrícia Meyer, os artigos ambos do Código Civil Brasileiro de 2002 dispõem: O art. 1635 define as condições necessárias para a suspensão e extinção do poder familiar, ou seja, ele dar-se-á pela morte dos pais ou do filho, pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único, pela maioridade, pela adoção ou por decisão judicial, na forma do art. 1638. O art. 1638 expressa que perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que castigar imoderadamente o filho, deixar o filho em abandono ou praticar atos contrários à moral e aos bons costumes. A extinção do poder familiar é medida grave.

31

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Editora Revista dos Tribunais, 8. ed., São Paulo, 2011, p. 433-434.

32

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Editora Revista dos Tribunais, 8. ed., São Paulo, 2011, p. 435.

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Não é temporária, mas definitiva, o que não significa que os pais não poderão reaver seus direitos e deveres, porém será necessária prova muito significativa e forte para que essa ação judicial seja revertida.33

Alexandre Guimarães Gavião Pinto, Juiz de Direito do Estado do Rio de Janeiro, afirma que muitas vezes é necessário que se tome as medidas mais drásticas nesse sentido, por serem imprescindíveis nos casos em que violem o estipulado por lei, a fim de que, assim, possa ser assegurado ao menor seus interesses, garantias e direitos. Seja em razão de omissão ou ação de seus responsáveis, por efeito de infringirem as prerrogativas constitucionais desses infantes em pleno desenvolvimento, bem como os cuidados necessários a sua prole, “sendo profundamente injusto e inaceitável pretender que continue vivendo em situação irregular, de total insegurança jurídica, na mera expectativa de vir um dia a estar bem-assistido pelos próprios pais.”34 A perda do poder familiar, doutrinariamente, distingue-se da extinção do poder familiar. A diferença entre as nomenclaturas é de que a perda corresponde a uma “sanção imposta por sentença judicial, enquanto a extinção ocorre pela morte, emancipação ou extinção do sujeito passivo (art. 1.635, CC). A perda do poder familiar é sanção de maior alcance e corresponde à infringência de um dever mais relevante”, sendo, por isso, uma medida de natureza imperativa e não facultativa.35 Melissa Cainé Caracillo afirma que “ter condições de criar um filho significa dizer que os pais têm possibilidade financeira de prover-lhe o sustento e dar-lhe carinho, atenção, fazer com que a criança se sinta querida”. Refere ainda, que o afeto é primordial para formação de vínculos entre pais e filhos, sendo que isso é primordial para o crescimento e desenvolvimento das crianças e, “posteriormente com o mundo”.36

GOMIDE, Paula Inez Cunha; GUIMARÃES, Ana Maria de Abreu; MEYER, Patrícia. Análise de um Caso de Extinção do Poder Familiar. Brasília: Psicologia: Ciência e Profissão, v. 23, n. 4, dez. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932003000400007>. Acesso em: 09 mai. 2015. 33

34

PINTO, Alexandre Guimarães Gavião. Destituição do Poder Familiar – Relevantes Aspectos Jurídicos a Serem Considerados. Revista Justiça & Cidadania, 157. ed., set. 2013, p. 59.

35

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Editora Revista dos Tribunais, 8. ed., São Paulo, 2011, p. 435.

36

CARACILLO, Melissa Cainé. Destituição do Poder Familiar. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 83, abr. / jun. 2013, p. 439-452.

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Segundo a autora acima mencionada “o cérebro funciona como um gravador de alta fidelidade, registrando em uma fita todas as experiências sofridas desde o nascimento e possivelmente até mesmo antes do nascimento”. Assim, as crianças que crescem em ambientes que não são propícios para o seu desenvolvimento, em que há violência, em que não há afeto, vão enxergar sempre o negativo em si e nos outros, agindo e transmitindo isso da mesma forma, pois pensarão: “se meus pais fizeram isso comigo, imagina só o que mundo lá fora fará”. A forma como a criança é criada irá influenciar diretamente no modo como ela lidará com as pessoas e outras crianças nos ambientes que frequenta e frequentará quando adulta.37 O Estatuto da Criança e do Adolescente refere que a excepcionalidade e a provisoriedade nos casos de Acolhimento Institucional, impõem que se “assegure a “preservação dos vínculos familiares e a integração em família substituta quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem” (Artigos 92 e 100). Nestes casos, o ECA dispõe que a colocação em família substituta ocorra de forma provisória, por meio da tutela ou guarda, artigos 28 a 52, ou de forma definitiva através da adoção. Tais decisões sempre ocorrem de forma judicial.38 Carlos Alberto Bittar Filho menciona que a destituição do poder familiar “é o afastamento definitivo do genitor do poder, em virtude de fundamento previsto, por expresso em lei”, sendo que a extinção cessa de forma definitiva o poder familiar. A extinção do poder familiar ocorre: “por morte de ambos os pais ou do filho, pela emancipação, pela maioridade e pela adoção.”39

37

CARACILLO, Melissa Cainé. Destituição do Poder Familiar. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 83, abr. / jun. 2013, p. 439-452.

OLIVEIRA, Cecília Olívia Paraguai de; et al. Linha de Cuidado para a Atenção Integral à Saúde de Crianças, Adolescentes e suas Famílias em Situação de Violência. Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Hospital de Pediatria Prof. Heriberto Ferreira Bezerra. Natal, 2010, p. 32.

38

FILHO, Carlos Alberto Bittar. Pátrio Poder. Regime Jurídico. RT 676:78. In: ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente – Doutrina e Jurisprudência, 10. ed., São Paulo: Atlas S.A., 2009, p. 30.

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Fracassadas as tentativas quanto à readaptação social dos genitores ou responsáveis, as medidas a serem tomadas nestes casos é a destituição da tutela, a perda da guarda, ou ainda, a suspensão ou destituição do poder familiar. 40 A destituição e a suspensão do poder familiar são institutos do "direito civil que constituem verdadeiras sanções sofridas pelos pais por infrações aos deveres que têm para com os filhos. Essas sanções visam mais ao interesse dos filhos do que propriamente punir os pais.”41 A destituição do poder familiar gera a “formação de uma nova situação jurídica (adoção) pela criação do pátrio poder do adotante”. Desta forma, se a destituição não anteceder a adoção, os processos de adoção e de perda do poder familiar podem tramitar concomitantemente, podendo o adotado ficar sob responsabilidade do adotante.42 Conforme artigo 227, VII, da Constituição Federal, quando for um caso absolutamente inviável e impossível ou não “recomendável a permanência”, para mantença do menor na companhia de seus genitores, já tendo sido todas as tentativas, nesse sentido, sem resultados positivos, pois nesses casos são obrigatórias de serem realizadas, “a colocação do jovem em família substituta surge como a melhor forma de superar a falta, o abuso ou a reiterada e injustificável omissão de sua família natural”, assegurando o direito da criança de crescer em um ambiente familiar saudável.43 Nesse mesmo artigo Paula Inez Cunha Gomide, Ana Maria de Abreu Guimarães e Patrícia Meyer mencionam que nas situações em que as crianças encontram-se abrigadas, tenta-se, através das políticas de atendimento, priorizar a tentativa de reaproximação do menor com a sua família de origem. Pois somente deve-se extinguir os poderes familiares quando verifica-se que não há mais possibilidade alguma de que a criança volte a conviver com a sua família, “que esta não tem interesse em recebê-la de volta ou que o comprometimento das relações familiares 40 JUNIOR, Alberto Gosson Jorge. Guarda, Tutela e Adoção no Estatuto da Criança e do Adolescente – Principais Aspectos. Revista de Direito Privado, v. 5, jan. / mar. 2001, p. 24-71. 41 JUNIOR, Alberto Gosson Jorge. Guarda, Tutela e Adoção no Estatuto da Criança e do Adolescente – Principais Aspectos. Revista de Direito Privado, v. 5, jan. / mar. 2001, p. 24-71. 42

ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente – Doutrina e Jurisprudência, 10. ed., São Paulo: Atlas S.A., 2009, p. 266.

GOMIDE, Paula Inez Cunha; GUIMARÃES, Ana Maria de Abreu; MEYER, Patrícia. Análise de um Caso de Extinção do Poder Familiar. Brasília: Psicologia: Ciência e Profissão, v. 23, n. 4, dez. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932003000400007>. Acesso em: 09 mai. 2015. 43

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por espancamento, uso de drogas ou abuso sexual demonstraram que o núcleo familiar está muito enfermo”. Demonstrando, assim, que causaria grandes prejuízos ao infante, caso retornasse. Nesses casos, a melhor forma de extinguir o poder familiar seria tentar a concordância dos genitores, com isso para facilitar o andamento e a agilidade do processo.44 “O poder familiar constitui ação típica dos pais, que perdura por toda a menoridade”. Desse modo, sempre que for constatado algo que não seja compatível com o exercício do poder familiar, e/ou verificando a ocorrência de um fato grave e reprovável, “materializa-se a possibilidade não só de suspensão, como, até mesmo, de perda do poder familiar.”45 Conforme menciona Válter Kenji Ishida, em regra, o abrigamento é ordenado pela autoridade judiciária ou Conselho Tutelar. No entanto, conforme dispõe o artigo 93 do ECA, em casos de urgência, a entidade poderá realizar o abrigamento, sendo que deverá realizar a devida comunicação aos órgãos responsáveis no prazo de dois dias úteis.46 Enquanto a ação judicial de destituição do poder familiar tramita, as “crianças permanecem acolhidas em instituições ou são colocadas em famílias substitutas. [...]. Infelizmente, as ações se arrastam, pois é tentada de forma exaustiva, e muitas vezes injustificada, a manutenção do vínculo familiar”. Maria Berenice Dias destaca que essa demora acarreta muitas vezes a não adoção da criança, pois com o passar do tempo o menor torna-se “inadotável”, feia expressão utilizada para expressar que a criança já deixou de ser criança. Pois se sabe que os interessados em adotar, em sua grande maioria, preferem crianças pequenas.47

GOMIDE, Paula Inez Cunha; GUIMARÃES, Ana Maria de Abreu; MEYER, Patrícia. Análise de um Caso de Extinção do Poder Familiar. Brasília: Psicologia: Ciência e Profissão, v. 23, n. 4, dez. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932003000400007>. Acesso em: 09 mai. 2015. 44

45

PINTO, Alexandre Guimarães Gavião. Destituição do Poder Familiar – Relevantes Aspectos Jurídicos a Serem Considerados. Revista Justiça & Cidadania, 157. ed., set. 2013, p. 59.

46

ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente – Doutrina e Jurisprudência, 10. ed., São Paulo: Atlas S.A., 2009, p. 139.

47

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Editora Revista dos Tribunais, 8. ed., São Paulo. 2011, p. 438.

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Assim, a omissão do Estado e a morosidade da justiça transformam as instituições em verdadeiros depósitos de enjeitados, único lar para milhares de jovens, mas só até completarem 18 anos. Nesse dia simplesmente são postos na rua. Tentou a Lei da Adoção amenizar este quadro, mas não conseguiu.48

Segundo Maria de Fátima Carrada Firmo, a situação de abandono “cria condições favoráveis ao desvio de conduta das crianças e dos adolescentes, propiciando-lhes, a prática de atos infracionais”, além de ser um completo desrespeito ao direito das crianças e adolescentes. Portanto, combater o abandono é mais do que resguardar os direitos das crianças, mas também, os de toda a sociedade.49 Nesse mesmo sentido, Maria de Fátima Carrada Firmo menciona que o combate ao abandono da criança e do adolescente é dever do Poder Público, e “convoca a colaboração da escola, das instituições privadas [...] e de toda a sociedade.” 50

PROTEÇÃO DA CRIANÇA POR PARTE DO ESTADO - POLÍTICAS PÚBLICAS E DE ATENDIMENTO Para Roberto João Elias, a doutrina especifica a tutela civil estatal como exemplo de tutela de autoridade, diferencia-se dos institutos mistos e das tutelas da família. “No que se refere à tutela da autoridade, exsurge o Estado, como figura preponderante. Em alguns casos [...], é o próprio Estado, por seus órgãos, que se encarrega da tutela.”51 Walter Moraes refere que a tutela estatal ou tutela administrativa das crianças e adolescentes “é a tutela análoga à civil quanto ao conteúdo, mas exercida pelo Estado mediante algum órgão da sua administração, em favor de menores sem pais ou tutores civis.”52 48

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Editora Revista dos Tribunais, 8. ed., São Paulo, 2011, p. 438.

49

FIRMO, Maria de Fátima Carrada. A Criança e o Adolescente no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 217-219.

50

FIRMO, Maria de Fátima Carrada. A Criança e o Adolescente no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 219.

51

ELIAS, Roberto João. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 133.

52

MORAES, Walter. Programa de Direito do Menor. São Paulo: USP, 1980, p. 14.

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Segundo Lindomar Wessler Boneti: [...] é possível entender como políticas públicas a ação que nasce do contexto social, mas que passa pela esfera estatal como uma decisão de intervenção pública numa realidade social, quer seja para fazer investimentos ou uma mera regulamentação administrativa. Entende-se por políticas públicas o resultado da dinâmica do jogo de forças que se estabelecem no âmbito das relações de poder, relações essas constituídas pelos grupos econômicos e políticos, classes sócias e demais organizações da sociedade civil. Tais relações determinam um conjunto de ações atribuídas à instituição estatal, que provocam o direcionamento (e/ou o redirecionamento) dos rumos de ações de intervenção administrativa do Estado na realidade social e/ou de investimentos.53

Renata Malta Vilas-Bôas refere que, em relação às crianças e adolescentes, o sistema jurídico pode ser analisado de duas formas: a primeira, refere-se à situação irregular do infante e/ou adolescente, o qual só era percebido caso estivesse em alguma situação irregular. Já a segunda denomina-se de Doutrina da proteção integral, a qual teve como marco a CF de 1988, rompendo, assim, com a doutrina da criança em situação irregular.54 Nesse sentido Esther Maria de Magalhães Arantes refere: A menoridade não confina a criança ao não-direito; ela significa que, embora seja titular de direitos desde o nascimento, a criança não poderia ser intimada a exercê-los imediatamente por si mesma e, portanto, indica aquele que tem o poder e o dever de velar pelo respeito a seus direitos fundamentais. Em outras palavras, o que diferencia a infância do estado adulto justifica conceber para ela direitos peculiares, específicos, derivados de sua necessidade própria de proteção: os direitos dos menores. Nesse sentido, os "direitos da criança" são os de seres humanos particularmente vulneráveis porque ainda não são autônomos. A incapacidade jurídica não é senão o direito à irresponsabilidade, isto é, o direito a não ser submetido aos deveres que a capacidade implica. É essa acepção protetora que preside a Convenção de Genebra, de 1924, sobre os "direitos da criança," como também a Declaração dos Direitos da Criança da ONU de 1959.55 53

BONETI, Lindomar Wessler. Políticas Públicas e Violência no Brasil. Revista Igualdade. Curitiba: Ministério Público do Estado do Paraná, v. 1, mar. 2008, p. 51-56-57.

VILAS-BÔAS, Renata Malta. A doutrina da Proteção Integral e os Princípios Norteadores do Direito da Infância e Juventude. Âmbito Jurídico – Revista Caderno. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10588&revista_caderno=12>. Acesso em: 03 mar. 2015.

54

ARANTES, Esther Maria de Magalhães. Direitos da Criança e do Adolescente: Um Debate Necessário. Psicologia Clínica: Rio de Janeiro, n. 1, v. 24, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-56652012000100004&script=sci_arttext>. Acesso em 03 abr. 2015.

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Alexandre Guimarães Gavião Pinto alude que: A adoção da doutrina da proteção integral pela Lei Menorista e pela jurisprudência vigilante de nossos tribunais fortaleceu consideravelmente o princípio do melhor interesse da criança, que deve ser observado em quaisquer circunstâncias, inclusive nas relações familiares, e nos casos relacionados à filiação.56

A Lei nº 8.069 – ECA foi resultado da grande mobilização nacional pelo “reconhecimento dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, os quais vítimas ou protagonistas de problemas sociais passaram a despertar a atenção da sociedade, ganhando projeção no espaço público brasileiro.”57 E a partir dela juntamente com o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, os infantes são reconhecidos como sujeitos de direito, o qual se exige proteção por parte de todos. E, em razão disto, os profissionais estão diretamente envolvidos com as crianças, devendo sempre ter olhos e ouvidos aguçados. O ECA, ao definir as infrações administrativas e os crimes em espécie, “exige, de todos os profissionais, consciência dos direitos das crianças e dos adolescentes. Principalmente dos educadores, cujas responsabilidades frente a estas pessoas especiais pode permitir” que duvide-se ou ponha à prova certas atitudes dos pais ou responsáveis, por estes infantes.58 No Estatuto da Criança e do Adolescente está prevista a cláusula de absoluta prioridade, a qual compreende primazia de “receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias, precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública, preferência na formulação e na execução de políticas públicas”, sendo que em todas as áreas em que há relação com a proteção à infância e à juventude, têm preferência na destinação de recursos públicos.59 56

PINTO, Alexandre Guimarães Gavião. Destituição do Poder Familiar – Relevantes Aspectos Jurídicos a Serem Considerados. Revista Justiça & Cidadania, 157. ed., set. 2013, p. 59.

CUNEO, Mônica Rodrigues. Novos Olhares, Novo Rumos: A Proteção e a Prioridade Absoluta no Estatuto da Criança e do Adolescente e o Papel do Ministério Público diante dos Novos Paradigmas. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, n. 1, 2003, p. 37. 57

LIMA, Márcia Rosa de. Responsabilidade dos Profissionais da Educação Frente as Determinações do ECA. Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.mprs.mp.br/infancia/doutrina/id109.htm>. Acesso em: 27 mar. 2015. 58

59

GARCIA, Maria. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Revista dos Tribunais, v. 83, abr. / jun. 2013, p. 415.

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Para Antonio Carlos Gomes da Costa, através do Estatuto da Criança e do Adolescente, serão instituídos os “Conselhos Municipais e Estaduais dos Direitos da Criança e do Adolescente”, os quais serviram como “mecanismos concretos na elaboração e fiscalização das Políticas Públicas e na articulação das organizações não governamentais que as executam.”60 A Lei nº 8069/90 – ECA estabelece quanto à Política de atendimento à criança e adolescente de trabalhos realizados em redes de serviços, no qual exige-se e se faz necessário a intervenção de diversos órgãos e autoridades no qual possuem atribuições específicas, “mas têm igual responsabilidade na identificação e construção de soluções dos problemas existentes, tanto no plano individual quanto coletivo do atendimento ao segmento infanto-adolescente”. Indicando, assim, uma corresponsabilidade destes órgãos e pessoas envolvidas, podemos citar: Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (com os gestores responsáveis pelas políticas públicas de educação, saúde, assistência social, cultura, esporte, lazer etc.); Conselho Tutelar, Juiz da Infância e da Juventude; Promotor da Infância e da Juventude, professores e diretores de escolas; responsáveis pelas entidades não governamentais de atendimento a crianças, adolescentes e famílias.61 Atualmente observa-se no legislador a preocupação com a solução de problemas não apenas no plano individual de cada infante, mas sim no âmbito coletivo, restando cristalina a necessidade de implementação de políticas públicas quanto à prevenção e ao atendimento de casos de ameaça ou violação de direitos. “Para que isso fique garantido de maneira permanente, participativa e criteriosa, foram criados mecanismos jurídicos e políticos que garantem a permanente participação popular no controle social” em relação ao que está realizando-se no âmbito da infância, buscando o adequado funcionamento dos Conselhos de Direitos e Tutelares.62

60

COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Das Necessidades aos Direitos. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 139.

MENDONÇA, Angela Christianne Lunedo de. Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente Estabelecida no ECA. Curitiba, mai. 2011. Disponível em: <http://www. crianca.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1216>. Acesso em: 27 mar. 2015. 61

MENDONÇA, Angela Christianne Lunedo de. Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente Estabelecida no ECA. Curitiba, mai. 2011. Disponível em: <http://www. crianca.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1216>. Acesso em: 27 mar. 2015. 62

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Segundo o art. 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente, à política de atendimento deve ser formada “através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.” 63 Para Válter Kenji Ishida, o art. 88 da CF baseia-se nas políticas sociais, pois inclui a contratação de psicólogos, médicos, assistentes sociais de identificação e de assistência judiciária. Seu principal objetivo é organizar as políticas de atendimentos dos direitos das crianças.64 O processo de universalização dos direitos sociais, que surgiram juntamente com o reconhecimento dos direitos fundamentais à criança, necessitam de uma resposta positiva por parte do Estado. É nesse contexto que o “Direito da Criança e do Adolescente encontra seu caráter jurídico-garantista, segundo o qual a família, a sociedade e o Estado têm o dever de assegurar a efetivação dos direitos fundamentais, ou seja, transformá-los em realidade.”65 No sistema de proteção integral da criança e adolescente, o Conselho Tutelar é a entrada de comunicação quanto a situações de violação de direitos. O agente público é encarregado de aplicar as medidas de proteção necessárias. Ainda, tem o dever de comunicar ao Ministério Público e Poder Judiciário, situações de violência. Com relação à Defensoria Pública e o Ministério Público, que são órgãos interligados com o Conselho Tutelar, vale ressaltar que na Defensoria Pública frequentemente existem “solicitações de guarda, de busca e apreensão, de baixas hospitalares, de medicamento e de abrigamentos”. Já o Ministério Público contribui muito facilitando o trabalho dos conselheiros. Essa integração operacional entre estes órgãos tem como efeito agilizar, supervisionar o atendimento às crianças e adolescentes, além do essencial, que é a proteção destes.66 Conforme Vânia Sequeira, Manuela Monti e Fernando Marques Braconnot, vale ressaltar que a criação dos Conselhos Tutelares e dos Conselhos de Direitos da Criança e Adolescente, a atuação de tais órgãos depende de equipamentos sociais adequados, suporte este ainda 63

FERRARO, Valkíria Aparecida Lopes. Direito à Proteção do Menor. Unopar Científica, Ciênc. Juríd. Empres., Paraná: Londrina, v. 1, n. 1, 2000, p. 41-52.

64

ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente – Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Atlas S.A., 2001, p. 138.

CUSTÓDIO, André Viana. Teoria da Proteção Integral: Pressuposto para Compreensão do Direito da Criança e do Adolescente. UNISC: Santa Cruz do Sul, dez. 2008. Disponível em: <https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/article/viewFile/657/454>. Acesso em: 28 mar. 2015, p. 32-33.

65

66

MASERA, Elizabeth dos Santos; MORAES, José Carlos Sturza de. Conselhos Tutelares, Impasses e Desafios. Porto Alegre: Dom Quixote, 2006, v. 1, p. 83-90.

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escasso no nosso País. “Ainda que o ECA aponte para políticas sociais básicas e programas de apoio ao desenvolvimento integral, na realidade, o Brasil continua a oferecer serviços de baixa qualidade, de caráter assistencial e emergencial.”67 O Ministério Público, juntamente com os Conselhos Tutelares, opera em cooperação, constituindo o indispensável seguimento e prolongamento do trabalho do outro. Esta relação dá-se entre iguais, pois o Conselho Tutelar “é um órgão autônomo, não subordinado ao Promotor de Justiça. A colaboração, portanto”, é funcional, visando sempre os interesses dos infantes, cada qual acionando um ao outro sempre que necessário em seus âmbitos de atribuições, “competindo aos Conselhos a aplicação de medidas protetivas, e ao Ministério Público a propositura de ações judiciais e articulações para a implementação de políticas públicas.”68 Maria Regina Soares Lins alude que todos os “vínculos interpessoais de um sujeito: sua família nuclear, sua família extensa, as relações de trabalho, de estudo, de vínculos com serviços de saúde, de alguma inserção comunitária e práticas sociais”, referem-se à definição de Rede Social, afirmando ser uma instância necessária para poder desenvolver um trabalho de resultado nas redes.69 “É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”. O art. 245 do ECA prevê sanção para quem é omisso ao saber de violação de algum direito da criança e não informa a nenhuma autoridade competente. “O dever de denunciar surge com a mera suspeita da violência, sem exigir prova do fato, pois a prova cabe à polícia e à Justiça”. Ainda, conforme artigo 13 e 56, do mesmo Diploma Legal, dispõem quanto ao dever dos profissionais da saúde e dirigentes de estabelecimento de ensino, realizarem a comunicação que se fizer necessária.70 SEQUEIRA, Vânia Conselheiro; MONTI, Manuela; BRACONNOT, Fernando Marques Oliveira. Conselhos Tutelares e Psicologia: Políticas Públicas e Promoção de Saúde. Psicologia em Estudo: Maringá, n. 4, v. 15, dez. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-73722010000400022&script=sci_arttext>. Acesso em: 03 abr. 2015. 67

68

MASERA, Elizabeth dos Santos; MORAES, José Carlos Sturza de. Conselhos Tutelares, Impasses e Desafios. Porto Alegre: Dom Quixote, v. 1, 2006, p. 106-107.

LINS, Mara Regina Soares Wanderley. Políticas Públicas na (Des)Atenção à Família com Drogadição. Pontifica Universidade Católica do Rio Grande do Sul Faculdade de Psicologia. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Mestrado em Psicologia Social. Porto Alegre, 2009, p. 25.

69

MARTINS, Elpídio Helvécio Chaves; et al. Composição do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. Revista Trimestral de Jurisprudência. Campo Grande: Tribunal de Justiça, v. 134, 1999, p. 20.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Desta forma, neste estudo buscou-se ampliar e dar uma maior visibilidade da importância do acompanhamento do desenvolvimento da criança e do adolescente por parte de todos, a fim de que se possa ao menos tentar minimizar a violência que os infantes e adolescentes sofrem. Nesse caminho, primeiramente, procurou-se destacar o princípio do melhor interesse da criança, pois através desse assunto passou-se a abordar quanto à responsabilidade que os pais e o Estado possuem atualmente em relação às crianças e adolescentes e a violência por elas sofrida. Sendo assim, este tema mostra-se como um problema que cada vez mais tende a aumentar e agravar-se, fato que torna de extrema urgência a tentativa de ao menos tentar-se minimizar a ocorrência destes fatos e, consequentemente, os danos que podem causar. Há a necessidade e responsabilidade pelo cumprimento das leis, sendo dever de participação por parte de todos - Estado, profissionais da educação, da saúde, membros do Ministério Público, Conselho Tutelar, Assistência Social – se unindo em prol da garantia dos direitos das crianças e adolescentes, cada um fazendo a sua parte, bem como para que haja uma relação próxima entre os membros destes órgãos, pois a comunicação e realização de programas com a participação de toda a rede mostram-se de suma importância. Outro ponto relevante é a existência da punição dos pais e responsáveis que se acham no direito de violar os direitos desses infantes e adolescentes que estão em processo de formação e necessitam de cuidados. Estas punições são medidas que se fazem necessárias para a aplicação nos casos em que os genitores não possuem responsabilidade alguma e violam os direitos da criança. É preciso envolver-se com a causa, fazendo-se necessário sempre estar atento a qualquer violação desses direitos, a fim de que se tomem as medidas necessárias o quanto antes, assim como dispõe o artigo 70 do Estatuto da Criança e do Adolescente.71

Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente Brasil. In: Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Institui o Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8069.htm>. Acesso em: 31 mai. 2015.

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REFERÊNCIAS ARANTES, Esther Maria de Magalhães. Direitos da Criança e do Adolescente: Um Debate Necessário. Psicologia Clínica: Rio de Janeiro, n. 1, v. 24, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-56652012000100004&script=sci_arttext>. BONETI, Lindomar Wessler. Políticas Públicas e Violência no Brasil. Revista Igualdade. Curitiba: Ministério Público do Estado do Paraná, v. 1, mar. 2008. Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Institui o Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/l8069.htm>. CARACILLO, Melissa Cainé. Destituição do Poder Familiar. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 83, abr. / jun. 2013. COMEL, Denise Damo. Do Poder Familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA. Brasília: Coordenação-Geral do Conanda - Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-social/conselho-nacional-dos-direitos-dacrianca-e-do-adolescente-conanda>. COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Das Necessidades aos Direitos. São Paulo: Malheiros, 1994. CUNEO, Mônica Rodrigues. Novos Olhares, Novo Rumos: A Proteção e a Prioridade Absoluta no Estatuto da Criança e do Adolescente e o Papel do Ministério Público diante dos Novos Paradigmas. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, n. 1, 2003. CUSTÓDIO, André Viana. Teoria da Proteção Integral: Pressuposto para Compreensão do Direito da Criança e do Adolescente. UNISC: Santa Cruz do Sul, dez. 2008. Disponível em: <https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/article/viewFile/657/454>.

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DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 8. ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2002. ELIAS, Roberto João. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. São Paulo: Malheiros, 1992. FERRARO, Valkíria Aparecida Lopes. Direito à Proteção do Menor. Unopar Científica, Ciênc. Juríd. Empres. Paraná: Londrina, v. 1, n. 1, mar. 2000. FILHO, Carlos Alberto Bittar. Pátrio Poder. Regime Jurídico. RT 676:78. In: ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente – Doutrina e Jurisprudência, 10. ed., São Paulo: Atlas S.A., 2009. FIRMO, Maria de Fátima Carrada. A Criança e o Adolescente no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. GAMA, Guilherme Calmos Nogueira. Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente: O “Cuidado”. São Paulo: Revista do Advogado – Associação dos Advogados de São Paulo, n. 101, dez. 2008. GARCIA, Maria. Revista de Direito Constitucional e Internacional. Revista dos Tribunais, v. 83, abr. / jun. 2013. GOMIDE, Paula Inez Cunha; GUIMARÃES, Ana Maria de Abreu; MEYER, Patrícia. Análise de um Caso de Extinção do Poder Familiar. Brasília: Psicologia: Ciência e Profissão, v. 23, n. 4, dez. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S1414-98932003000400007>. ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente – Doutrina e Jurisprudência, 10. ed., São Paulo: Atlas S.A., 2009. JUNIOR, Alberto Gosson Jorge. Guarda, Tutela e Adoção no Estatuto da Criança e do Adolescente. Principais Aspectos. Revista dos Tribunais: Doutrinas Essenciais Família e Sucessões, v. 4, ago. 2011.

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JUNIOR, Alberto Gosson Jorge. Guarda, Tutela e Adoção no Estatuto da Criança e do Adolescente – Principais Aspectos. Revista de Direito Privado, v. 5, jan. / mar. 2001. LIMA, Roberta Oliveira. A Fragilidade das Relações entre Pais e Filhos na Contemporaneidade: Direito dos Pais Exigirem Obediência dos Filhos à Luz da Legislação e Doutrina Brasileira. Itajaí, jun. 2010 LIMA, Márcia Rosa de. Responsabilidade dos Profissionais da Educação Frente as Determinações do ECA. Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.mprs.mp.br/infancia/doutrina/id109.htm>. LINS, Mara Regina Soares Wanderley. Políticas Públicas na (Des)Atenção à Família com Drogadição. Pontifica Universidade Católica do Rio Grande do Sul Faculdade de Psicologia. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Mestrado em Psicologia Social. Porto Alegre, 2009. MARTIN, Anisio Garcia. O Direito do Menor. São Paulo: EUD, 1988. MARTINS, Elpídio Helvécio Chaves; et al. Composição do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. Revista Trimestral de Jurisprudência. Campo Grande: Tribunal de Justiça, v. 134, 1999. MASERA, Elizabeth dos Santos; MORAES, José Carlos Sturza de. Conselhos Tutelares, Impasses e Desafios: A Experiência de Porto Alegre. Porto Alegre: Dom Quixote, v. 1, 2006. MENDONÇA, Angela Christianne Lunedo de. Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente Estabelecida no ECA. Curitiba, mai. 2011. Disponível em: <http://www.crianca.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1216>. MORAES, Walter. Programa de Direito do Menor. São Paulo: USP, 1980. NETO, José Antonio de Paula Santos. Do Pátrio Poder. Revista dos Tribunais. São Paulo: Saraiva, 1989-1990.

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NERY, Rosa Maria Barreto Borrielo de Andrade. Poder Familiar, Tutela, Curatela e Guarda de Incapazes e o Direito dos Avós de Visita aos Netos Aspectos Abrangentes da Lei 12.398/2011. Revista dos Tribunais, v. 907, mai. 2011. PEREZ, José Roberto Rus; PASSONE, Eric Ferdinando. Políticas Sociais de Atendimento às Crianças e aos Adolescentes no Brasil. São Paulo: Cadernos de Pesquisa, v. 40, n. 140, mai./ago. 2010. PINTO, Alexandre Guimarães Gavião. Destituição do Poder Familiar – Relevantes Aspectos Jurídicos a Serem Considerados. Revista Justiça & Cidadania, n. 157, set. 2013. SEQUEIRA, Vânia Conselheiro; MONTI, Manuela; BRACONNOT, Fernando Marques Oliveira. Conselhos Tutelares e Psicologia: Políticas Públicas e Promoção de Saúde. Psicologia em Estudo: Maringá, n. 4, v. 15, dez. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?pid=S1413-73722010000400022&script=sci_arttext>. OLIVEIRA, Cecília Olívia Paraguai de; et al. Linha de Cuidado para a Atenção Integral à Saúde de Crianças, Adolescentes e suas Famílias em Situação de Violência. Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Hospital de Pediatria Prof. Heriberto Ferreira Bezerra. Natal, 2010. VILAS-BÔAS, Renata Malta. A doutrina da Proteção Integral e os Princípios Norteadores do Direito da Infância e Juventude. Âmbito Jurídico – Revista Caderno. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10588&revista_caderno=12> . VYGOTSKY Lev. Semenovitch, LURIA, Alexander. Romanovich, LEONTIEV, Alexei Nicolaevich. Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1988.

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Romi Margô Regert

velhice e os idosos direitos fundamentais e o estatuto do idoso

Mestre em Desenvolvimento Regional e Políticas Públicas pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Graduada em Direito, Psicóloga, Pedagoga, Psicopedagoga, Pós Graduada em Pedagogia Empresarial, Especialista em Deficiência Mental – FADERGS. Email: margoregert@gmail.com.

Claudine Rodembusch Rocha

Doutoranda em Direito Público - Universidade Pública de Burgos/Espanha, Mestre em Direito - Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, Especialista Demandas Sociais em Políticas Públicas de Inclusão Social, Advogada, Professora no curso de Direito da Universidade Feevale, Colaboradora do Projeto de Extensão Nadim, Email: claudinerodembusch@yahoo.com.br.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS A velhice é temática recorrente nos meios de comunicação, no campo investigativo das inúmeras ciências que fomentam conhecimentos para se compreender o fenômeno do envelhecer na contemporaneidade. A sociedade vivencia a questão do tornar-se velho, visto que é comum ter um familiar ou amigo que apresenta os indicativos dessa última etapa da vida, ou seja, o envelhecer. Essa fase é norteada pelos fatores de gênero, credo e cultura que influenciam, valoram e ditam os comportamentos das pessoas idosas no cotidiano, bem como são aportes para compreender e investigar como o envelhecer é processado aos olhos da sociedade. Os dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – anunciam que o contingente populacional das pessoas com idade superior a sessenta anos aumenta significativamente a cada década. O estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA – aponta que, a partir de 2030, os únicos grupos populacionais que deverão apresentar crescimento positivo serão os com idade superior a 45 anos. Os idosos não mais apresentam um perfil do século XIX, no qual a idade avançada norteava o seu fazer. Atualmente, outros papéis sociais se configuram na medida em que as pessoas se descobrem idosas. Elas ampliaram seus espaços e circulam pela sociedade num universo de grupos diferenciados, realizam atividades de lazer e aproveitam melhor o tempo. Novas configurações sociais e a dinamicidade do mundo convocam o Estado, os idosos e a sociedade em geral a estarem atentos às interfaces nas quais a velhice se faz representar. Por vezes, a representação da velhice vem consolidada de aspectos construtivos no respeito e na oportunidade de desfrutar da idade avançada, também o contrário se insurge por meio da depreciação da velhice, dos velhos que são descartados do convívio social, da constante falta de atenção dos familiares e dos olhares reprovadores que o meio social desfere ao cidadão idoso. Esse fenômeno do aumento das pessoas idosas, ligado a fatores como a diminuição das taxas de natalidade e mortalidade, os quais são compreendidos pelo avanço da medicina e das tecnologias, projeta a necessidade de novos direcionamentos econômicos e sociais para integração e circulação das pessoas idosas na sociedade. Para tanto, estudos investigativos das ciências, como a saúde, a biologia, a genética,

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a sociologia, a psicologia, o direito e as políticas públicas são aportes para repensar o perfil do idoso, que passa a ser protagonista da velhice no século XXI, não mais um mero espectador dessa fase. O objetivo deste artigo é discutir a velhice e ressaltar a importância do Estatuto do Idoso como um instrumento jurídico de proteção aos idosos. O significativo aumento da população idosa no Brasil demonstrada pelos índices estatísticos do IBGE sinaliza a necessidade de repensarmos o amparo legal para a velhice. Para construção deste trabalho foi utilizado à metodologia dedutiva e pesquisa bibliográfica, apresenta-se o artigo em dois capítulos. No primeiro capítulo trabalha-se a questão do envelhecer no imaginário social e os conceitos da velhice e idoso. O segundo capítulo trata sobre as bases constitutivas dos direitos fundamentais e garantias sociais dos idosos, examinam-se a legislação vigente, a tutela jurídica como amparo e proteção ao idoso, e, consequentemente, maior qualidade de vida, traduzida em uma velhice bem-sucedida. Por fim, as considerações finais apontam a importância do Estatuto do Idoso como aparato legal para defesa dos direitos dos idosos.

IDOSO E VELHICE - SIGNIFICADOS E CONSTRUÇÃO NO IMAGINÁRIO SOCIAL A conceituação da pessoa idosa e velhice esta implicada pela subjetividade de quem a vive e dos significados que as pessoas atribuem ao envelhecer, portanto, a definição de idoso e velhice é difundida é modificada pela cultura, interação social, pelos meios de comunicação e pela própria mundialização. O Vocábulo “idoso” tem sua origem latina no substantivo aetas, aetatis - (substantivo feminino que corresponde a idade), de cujo caso acusativo aetatem (caso lexiogênico de onde nasceu a maioria das palavras num grande números de línguas modernas) deu-se a existência à palavra “idade”. “Idoso” é o vocábulo de duas componentes: “idade” mais o sufixo “oso” que, no léxico, denota “abundância ou qualificação acentuada” Portanto o vocábulo “idoso” pode significar: cheio de idade, abundante em idade.1

1

BOAS, Marco Antonio Vilas. Estatuto do Idoso Comentado. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 201, p. 1.

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Vislumbrar a longevidade alinhada a recursos capazes de ofertar aos idosos um prazer em vivenciar essa última etapa da vida, traz o enfoque compensatório de manter-se um centenário na atualidade. Entretanto, para esse percurso ser vitorioso é preciso transformar os múltiplos olhares sobre o idoso, garantir que o mesmo seja aceito com suas limitações, transite e viva normalmente na cidade e no mundo. A alegria de viver reside na troca, o homem é um ser que interage, um agente de mudanças, encontra-se no mundo e transforma-o, por isso é na interação com outro, nas formas de manifestar-se a partir de uma identificação com seus pares que cria e recria a seu viver.2 A velhice normal seria caracterizada pelas perdas e alterações biológicas, psicológicas e sociais típicas da velhice, mas sem patologias: a velhice ótima, compatível com um funcionamento comparável ao de indivíduos mais jovens; e a velhice patológica, coincidente com a presença de síndromes típicas da velhice ou agravamento de doenças preexistentes.3

Os efeitos do envelhecimento no aspecto social envolvem inúmeras questões como: a aposentadoria, a ressignificação do tempo para realizar outras atividades, as perdas do poder da autonomia e independência. Estas implicam na dependência de outras pessoas, na necessidade de interação para efetivar determinadas tarefas em estabelecimentos comerciais, bancários, ou mesmo em espaços de lazer. Importa neste momento repensar, reinventar e planejar este tempo advindo da transição do adulto maduro para a velhice. A idade avançada dos indivíduos é um fator que desencadeia o tipo de comportamento que a sociedade estabelece com seus idosos. Entretanto, não deve ser este o parâmetro exclusivo para classificar o envelhecer, os conceitos das idades cronológica, biológica e social auxiliam os especialistas de todas as áreas para compreender o envelhecimento.4

2

COUTRIM, Rosa Maria da Exaltação. A velhice Invisível: o cotidiano de idosos que trabalham nas ruas de Belo Horizonte. São Paulo: Annblume, 2010.

3

NERI, Anita Liberalesso. Velhice Bem Sucedida Aspectos Cognitivos. YASSUDA, Mônica S. (Org.). CACHIONI (colabs). 3. ed. São Paulo: Papirus, 2008, p. 119.

4

VERAS, R. A longevidade da população: desafios e conquistas. Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Saraiva, 2003.

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O idoso tem despertado atenção da sociedade, esta que os intima a viver sob os desígnios do que é ser velho e se comportar como outrora em função da cultura e dos ritos de décadas passadas. Em um tempo não tão distante, os idosos permaneciam em suas cadeiras de balanço, no seio das famílias, ou com idas e vindas do hospital até o momento de finitude da vida.5 Com certeza o prolongamento da vida das pessoas está atrelado às necessidades básicas do ser humano, os direitos sociais devem ser protegidos para o pleno desenvolvimento do indivíduo, todavia, não se trata exclusivamente de observar os dias e virar a página do calendário, há prerrogativas neste viver a serem observadas.6 O processo viver-envelhecer saudável, determina um processo dinâmico, transformador, que contribui para integridade e totalidade deste ser. Homem e sociedade são ao mesmo tempo em que distintos interdependentes entre si. A alteração da estrutura de um está na interdependência do outro. Portanto o processo de viver-envelhecer não se restringe no âmbito individual, mas também ao âmbito social. As transformações do corpo, seu significado e repercussão, seja pessoal ou coletiva, dependem da forma como o indivíduo interage com seu meio.7

Contudo, a mudança cultural sobre a velhice é uma trajetória que demanda tempo, interiorização de novos conceitos que eliminem os rótulos e preconceitos que o meio produz da pessoa idosa. Neste contexto, extrai-se a partir do social, da economia, da política, das interações em diversos ambientes, das concepções do fazer do ente público e do privado no âmbito geral um redirecionamento para experiência o envelhecer. Sublinha-se que a reflexão e mudança de comportamentos proativos dos idosos são alavancas advindas de cunho individual e social e quando consubstanciadas com aspectos afirmativos contribuem para inibir a discriminação e violação das garantias e direitos das pessoas idosas.

LUCA, Mônica Maria Barbosa Leiva. Identidades Sociais em Produção e Envelhecimento. Um Estudo de Caso. As Múltiplas Faces da Velhice. SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes Von (Org.). Campinas, São Paulo: Alínea, 2006.

5

6

BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Democracia Justiça e Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva 2011, p. 204.

7

PORTELLA, Marilene Rodrigues; BETTINELLI, Pasqualotti Adriano. (Org.) Envelhecimento Humano: retratos de um contexto. Passo Fundo: Berthier, 2013, p. 23.

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Ampliando a discussão da responsabilidade do envelhecimento em nível da coletividade, tem-se no Estado o agente público competente para garantir a ordem e o bem comum dos sexagenários, assim age de forma a inibir quaisquer atos que atentem contra a dignidade dos seus cidadãos. Para tanto, no lume do Estatuto do Idoso que é referência e orientação torna-se premente que os entes governamentais em todas as instâncias se comprometam com agendas positivas, eficientes para combater a violência contra os idosos. Após a contextualização histórica da velhice e conceituação dos idosos, para formulação de releituras que iluminem o entender-se idoso no século XXI, passa-se ao estudo sobre os direitos fundamentais das pessoas idosas e o amparo jurídico traduzido pelo Estatuto do Idoso, Lei nº 10741 de 2003.

DIREITOS FUNDAMENTAIS E GARANTIAS SOCIAIS TUTELA JURÍDICA PARA A VELHICE: O ESTATUTO DO IDOSO A tutela aduz proteção, amparo, zelo que deve ser prestado a uma pessoa ou a um grupo em face de sua condição, do reconhecimento das fraquezas apresentadas por determinado contingente populacional. Para o alargamento e o êxito dos direitos, a humanidade envolveu-se em longo percurso até assentar uma ordem social. Para tal, reportam-se as fontes inspiradoras: as Declarações da Virgínia, Da Independência dos EUA, em 1776, a Francesa, de 1789 - que instituiu os direitos de liberdade, de igualdade, da propriedade, da legalidade e as garantias individuais liberais. Além disso, atuais são as fontes citadas para embasar e perfectibilizar a defesa e a proteção das pessoas, independentemente da idade e do tempo a ser vivido.8 Nós temos por testemunho as seguintes verdades: todos são iguais: foram aquinhoados pelo seu Criador com direitos inalienáveis e entre esses direitos se encontram o da vida, da liberdade e da busca da felicidade. Os governos são estabelecidos pelos homens 8

COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica Dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 163-176.

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para garantir esses direitos, e seu justo poder emana do consentimento dos governados. Todas as vezes que uma forma de governo torna-se destrutiva desses objetivos, o povo tem o direito de mudá-lo ou de abolir, e estabelecer um novo governo, fundando-o sobre os princípios e sobre a forma que lhe pareça a mais própria para garantir-lhe a segurança e a felicidade.9

A Declaração Francesa de 1789 declara que os homens nascem livres e iguais em direitos, à liberdade significa fazer tudo sem prejudicar o próximo, de forma que os direitos naturais de cada homem não têm limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos.10 Outra balizadora fundamental para a evolução de proteção dos direitos da humanidade é conferida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), proclamada em 10 de dezembro de 1948, que normatizou a proteção universal dos direitos humanos e que conta com os cinquenta e seis países membros da Organização das Nações Unidas (ONU). Esse evento motivou a elaboração de outros pactos internacionais de direitos (a prevenção e a repressão de genocídio, em 1948; a eliminação de formas de discriminação racial, em 1965; a discriminação contra mulheres, em 1979; os direitos da criança e dos adolescentes em 1990).11 A Declaração Universal dos Direitos Humanos postula, em seu art. 1º, a igualdade entre os homens, que são livres, possuem razão e consciência, portanto devem agir com fraternidade para com os outros. Ainda, o art. 2º reza que todos podem invocar seus direitos, sem distinção, e preconiza que não há diferença de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra. Consubstancia o art. 3º que todos têm direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Assim, formata-se com solidez uma segurança jurídica aos cidadãos.12

9

DECLARAÇÃO DE INDEPENDENCIA 04 DE JULHO DE 1776. Disponível em: <www.dhnet.org.br/dados/cursos/dh/br/pb/dh>. Acesso em: 30 mar. 2015.

DECLARAÇÃO FRANCESA DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO DE 26 DE AGOSTO DE 1789. Disponível em <www.dhnet.org.br/dados/cursos/dh/br/pb/dh> Acesso em: 30 mar. 2015. 10

11

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 209-217.

12

DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e cidadania. São Paulo: Moderna, 1998, p. 9-10.

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Constata-se que a trajetória de edificação dos direitos individuais e sociais evolui a partir dos movimentos sociais, das revoluções liberais que reivindicaram melhores condições de vida para as populações. Nesse passo, apresenta-se a classificação dos direitos fundamentais definida por quatro gerações. A primeira geração valora a liberdade, os direitos civis e políticos. Na segunda geração, encontram-se os direitos sociais, econômicos e culturais, sobre os quais o Estado intervém, alcançando à população serviços de caráter social. Seguindo, têm-se os direitos fundamentais de terceira geração, que instituem o valor da fraternidade, da solidariedade e dos direitos coletivos.13 E, por fim, os direitos de quarta geração referem-se às questões que envolvem a pesquisa biológica e a manipulação do patrimônio genético (bioética e biodireito), nesse contexto, requerendo proteção para que não ocorram violações da dignidade humana.14 Bonavides defende também a existência dos direitos de quarta geração, com aspecto introduzido pela globalização política, relacionados à democracia, à informação e ao pluralismo.15 Por sua vez, Bobbio convoca todos para que reflitam a respeito da problemática atual sobre os direitos, pois não se trata mais de ter que fundamentá-los, mas da questão desafiadora que é efetivá-los de forma a proteger os cidadãos, as crianças, as mulheres, os deficientes e os idosos nesse cenário de mundialização.16 A caminhada da tutela jurídica para os idosos no Brasil se constituiu de forma morosa, tendo em vista os aspectos políticos, econômicos e sociais determinantes em cada período histórico do País. Assim, é indispensável revisitar os direitos em prol da velhice antes da promulgação da Constituição Cidadã a fim de se compreender o avançar da tutela jurídica para as pessoas com idades avançadas, representando os velhos do País.17 DIÓGENES, José E. Nogueira. Gerações ou dimensões dos direitos fundamentais? Disponível em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/=revista_artigos_leitura&artigo_ id=1175>. Acesso em: 15 abr. 2015.

13

14

DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 20.

15

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 578-589.

16

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro. Elsevier, 2004, p. 63-65.

17

EFING, Antonio Carlos. Direito dos Idosos: Tutela Jurídica do Idoso no Brasil. São Paulo: LTr. 2014, p. 20.

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Na análise realizada nas Constituições do Brasil, constatam-se poucos os artigos em prol dos idosos, tendo em vista que o envelhecer não era objeto de reconhecimento e discussões nos períodos que antecederam as décadas de setenta. As garantias sociais nas Constituições anteriores à Carta Magna de 1988 foram tratadas em âmbito geral e direcionadas, na maioria, para disciplinar os direitos da classe trabalhadora.18 A Constituição de 1988 foi elaborada para assegurar e ampliar os direitos em todos os segmentos e edificada com respeito à dignidade humana e à democracia. Nesse passo, romperam-se os grilhões, com o tempo de chumbo que acometeu toda a sociedade. Inovaram-se e consagraram-se os direitos fundamentais e as garantias sociais aos cidadãos, designando um tratamento especial às classes sociais vulneráveis. Aos idosos foi também reservada uma ínfima proteção, inaugurando-se então um diferencial para a população que envelhece.19 O artigo 1º da Carta Magna dispõe sobre a organização da República Federativa do Brasil, que é compreendida pela união dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem por fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais e de livre iniciativa, bem como o pluralismo político.20 A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida, e que traz a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo o estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações dos direitos fundamentais, mas sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.21

As prerrogativas dos idosos encontram-se alicerçadas nos direitos e nas garantias fundamentais, conforme previsão nos artigos 1º, 5º, 203, 229 e 230 da Constituição Federal de 1988. O primeiro artigo remete à democracia e aos direitos fundamentados na cidadania e na dignidade VIEIRA, Elias Medeiros; MOLIN, Dal Naiara. Direitos Civis, políticos e sociais nas constituições brasileiras de 1946 e de 1988. In: Olhares Contemporâneos. Direitos humanos e sociais: educação, patrimônio, meio ambiente. (Orgs.). MEIRELLES, Mauro. et al. Porto Alegre: Cirkula, 2014. p. 34. 18

19

PERES, Ana Paula Ariston Barion. Proteção aos Idosos. Curitiba: Juruá. 2011, p. 23.

20

EFING, Antonio Carlos. Direito dos Idosos: Tutela Jurídica do Idoso no Brasil. São Paulo: LTr. 2014, p. 21.

21

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 48.

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humana da pessoa. O art. 5º versa que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, de igualdade, de liberdade e de segurança. O art. 203 dispõe sobre a assistência social ao garantir um salário mínimo de benefício ao idoso que não possua meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família. E, por fim, os artigos 229 e 230 responsabilizam a família, a sociedade e o Estado no amparo aos idosos e sua integração na comunidade, complementados pelo parágrafo 1º, que traz a previsão de programas de amparo aos idosos, preferencialmente, em seus lares. Por sua vez, o parágrafo 2º possibilita a gratuidade dos transportes coletivos urbanos aos maiores de sessenta e cinco anos. 22 Diante do quadro expansivo da população de idosos, relevante foi à criação de uma política direcionada a essa clientela. Em 04 de janeiro de 1994, foi criada a Lei nº 8.842/94, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, norteando ações que assegurem os direitos sociais dos idosos, bem como ampliando a sua participação na sociedade. Imperativo nesse contexto foi o Decreto nº 4.227, de 13 de maio de 2002, que institui o Conselho Nacional dos Direitos dos Idosos, vinculado ao Ministério da Justiça, que tem por competência avaliar e acompanhar as políticas voltadas ao idoso. Ainda para regular as prerrogativas dos idosos, foi preciso consolidar esses avanços normativos em um único diploma, embasando os direitos dos idosos no âmbito dos direitos público, privado, previdenciário, civil, processual civil e da proteção penal do ancião.23 Em janeiro de 2004, entrou em vigor a Lei nº 10.741/2003, de 1º de outubro de 2003, creditando um olhar diferenciado aos cidadãos com idade igual ou superior a sessenta anos, a partir de princípios orientadores que visam à proteção, integração, garantia de atenção especial de todos os segmentos sociais, assim, dando-lhes uma maior visibilidade para se projetarem e se concretizarem como pessoas inclusas na contemporaneidade.24

22

FREITAS, Roberto Mendes. Direitos e Garantias do Idoso. Doutrina, Jurisprudência e Legislação. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2015 p. 6-9.

23

BOAS, Marco Antonio Vilas. Estatuto do Idoso Comentado. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 2-3. Lei 10.741 de 1 de outubro de 2003. Estatuto do Idoso. p. 5.

24

SILVA, Nilson Tadeu Reis Campos. Direito do Idoso: tutela jurídica constitucional. Curitiba: Juruá, 2012. p. 10.

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Princípios são normas de amplo alcance, que podem ou não estar inseridos expressamente em textos legais, e pela relevância da matéria a que se referem, vinculam o intérprete do direito, impondo estrita obediência aos seus preceitos. O princípio traz consigo regras fundamentais, que servem de embasamento a todo o ordenamento jurídico.25

A Lei nº 10.741/03 é constituída por princípios como o da dignidade humana, o da solidariedade social e da manutenção dos vínculos familiares. Nesse tom, verifica-se indiscutivelmente a abrangência dos princípios que conferem defesa e, ao mesmo tempo, responsabilizam os envolvidos com essa parcela da população que apresenta denominações variadas, sendo, por vezes, nominada de idosos, de terceira idade ou velhos.26 A solidariedade prende-se à ideia de responsabilidade de todos pelas carências ou necessidades de qualquer indivíduo ou grupo social. È transposição, no plano da sociedade política, da obligatio in solidum do direito privado romano. O fundamento ético desse princípio encontra-se na ideia de justiça distributiva, entendida como a necessária compensação de bens e vantagens entre as classes sociais, com a socialização dos riscos normais da existência humana.27

Percebe-se, na construção dos preceitos jurídicos, que os princípios inseridos representam o aporte para transformar uma realidade que, em tempos passados, sequer era cogitada, ou seja, o envelhecer na dimensão da solidão, da invisibilidade que a velhice produz nas pessoas, considerando-se que a pessoa velha é sujeito tomado pelo estereótipo da inutilidade.28 Nesse contexto, aduz-se que os dispositivos legais construídos instituem o dever de cuidar e atender a uma categoria social que carece de incontestável proteção especial, conforme segue abaixo.

25

BOAS, Marco Antonio Vilas. Estatuto do Idoso Comentado. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 2-3.

26

BRASIL. Lei nº10741/2003 – Estatuto da Pessoa Idosa. Comissão de Cidadania e Direitos Humanos. Brasília, DF: p. 5.

27

COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica Dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva. 2010, p. 77.

28

FREITAS, Roberto Mendes. Direitos e Garantias do Idoso. Doutrina, Jurisprudência e Legislação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015 p. 3.

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Art. 2º O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito a vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao desporto, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população; II – preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas; III – destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso; IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações; V – priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência; VI – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos; VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento; VIII – garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais; IX – prioridade no recebimento da restituição do Imposto de Renda. (Incluído pela Lei nº 11.765, de 2008).29

29

BRASIL. Lei nº10741/2003 - Estatuto da Pessoa Idosa. Comissão de Cidadania e Direitos Humanos. Brasília, DF: p. 5-6.

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O desdobramento dos artigos acima convocam toda a sociedade e o Poder Público a efetivar ações que prioritariamente garantam o atendimento preferencial à pessoa idosa nas questões relacionadas à prestação de serviços públicos, na formulação e na execução de políticas específicas, na alocação de recursos públicos direcionados à proteção e à implantação de espaços para inclusão e interação dos idosos na comunidade.30 A concretização do Estatuto do Idoso traduz inovação para esse segmento que não tinha visibilidade para os órgãos públicos, tampouco para a sociedade, que antes os enxergavam apenas pela trajetória da idade, do estar idoso e improdutivo para a sociedade, restando-lhes a exclusão, o abandono e a solidão.31 O Estatuto do Idoso é um instrumento que impõe a prioridade de refletir a velhice na perspectiva de ações que editem cuidados, proteção e atenção. A idade como critério jurídico estabelece regulamentação a ser seguida para lidar com a inevitável realidade que é o envelhecer. A Carta Magna vale-se também do critério etário, como no caso do voto, que é facultativo às pessoas maiores de setenta anos, (art. 14 § 1º, II, b). Outra questão é a da aposentadoria compulsória nessa mesma idade (art. 40, § 1º, II), a nomeação dos Ministros no Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, com a nomeação de ministros com mais de 35 anos e com menos de 65 anos (arts. 101 e 104, parágrafo único) e o caso do transporte coletivo urbano que atende os maiores de 65 anos (art. 230, § 2º).32 No Brasil, as normas que tratam das garantias e dos direitos sociais dos idosos estão positivadas pela lei constitucional e infraconstitucional, ou seja, o Estatuto do Idoso, portanto deve ser perseguido para ser cumprido pelo Estado e pela sociedade. O direito à saúde, à moradia, a

30

DIAS, Reinaldo. Políticas Públicas: Princípios, Propósitos e Processos. MATOS, Fernanda. São Paulo: Atlas, 2012, p. 57.

31

DINIZ, Fernanda Paula. Direitos dos Idosos. Na Perspectiva Civil-Constitucional. Belo Horizonte: Arraes, 211. p. 41-42

GODINHO, Robson Renault. A Proteção Processual dos Direitos dos Idosos. Ministério Público, Tutela de Direitos Individuais e Coletivos e Acesso á Justiça. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2014, p. 9.

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alimentos, à cultura, ao lazer, ao desporto, ao transporte, entre outros, corroboram o princípio da dignidade humana, que é mola propulsora da efetivação dos direitos dos idosos.33 O princípio da dignidade humana preconiza que todas as pessoas tenham uma vida digna. No caso do idoso, para que o princípio possa se concretizar, entendeu o constituinte brasileiro uma tutela protetiva diferenciada, pelo simples fato de serem pessoas mais vulneráveis do que as demais em razão da idade avançada. Reconhecer juridicamente a vulnerabilidade da pessoa idosa representa um verdadeiro avanço legislativo. A vulnerabilidade da pessoa idosa muito se assemelha à vulnerabilidade das crianças e dos jovens, pois se relacionam ambas com a fragilidade decorrente da idade, motivo pelo qual os ordenamentos jurídicos costumam dispensar-lhes especial proteção.34

A Constituição Federal de 1988, no seu segundo capítulo, dispõe, no art. 6º, os direitos sociais do cidadão: o direito à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção da maternidade, à infância, e à assistência aos desamparados. Contudo, a elaboração de leis para manter a ordem e o bem-estar social, para a proteção do indivíduo e da coletividade, ainda não constitui força suficiente para romper com o fenômeno da exclusão social. Entender e controlar os tempos de vida e morte, juventude e velhice é uma incógnita para os cientistas que buscam desvendar o mistério da vida. O Estatuto do Idoso surge para defender as prerrogativas dos idosos, ou seja, uma velhice bem-sucedida. Para tanto, a Lei nº 10741/2003, o Estatuto do Idoso, é um aparato jurídico para que os governos, através de políticas públicas eficazes, fomentem a inclusão social dessa parcela da sociedade. Dessa forma, é relevante que as políticas públicas se municiem do Estatuto do Idoso para planejar ações que redesenhem um novo significado para a velhice na atualidade, bem como sua inclusão social.35

33

MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM Bruno. O Novo Direito Privado e a Proteção Dos Vulneráveis. 2. ed. São Paulo: editora Revista Dos Tribunais. 2014. p. 147.

34

PERES, Ana Paula Ariston Barion. Proteção aos Idosos. Curitiba: Juruá, 2011, p. 55-57.

35

BRASIL. Lei nº10741/2003 - Estatuto da Pessoa Idosa. Comissão de Cidadania e Direitos Humanos. Brasília, DF: p. 35.

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O Estado comprometido em instituir e garantir o bem-estar social tem a função primordial de promover a inclusão social de todos os cidadãos. Nesse sentido, foram estabelecidas as seguintes normativas jurídicas: a Política Nacional do Idoso (Lei nº 8.842/1994), o Estatuto do Idoso (Lei nº 10741/2003) e um Conselho Nacional do Idoso (Decreto nº 5.109, de 17/06/2004). Em seu art. 1º, a política nacional do idoso tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criar condições para promover sua autonomia, integração e participação na sociedade.36 As desigualdades apresentadas atualmente não se restringem à exclusão tradicional, pautada pelas questões do analfabetismo, raça, gênero, participação política e poder de consumo. “A exclusão social representa um processo de natureza transdisciplinar que diz respeito a segmentos populacionais sem acesso a bens e serviços básicos e demais formas de marginalização do desenvolvimento socioeconômico”.37

Ser velho, estar idoso é um direito personalíssimo de caráter irrenunciável, irrestringível e inalienável. Portanto, é garantido pela Carta Magna e pela Lei nº 10.741/3, que preconiza a proteção social e a defesa da integridade física e psicológica, de forma a conduzir para a dignidade do viver, apesar das vulnerabilidades que possam advir. Isso não significa estar incapacitado pelo estigma da velhice. Ao contrário, significa ser ainda detentor e apto a exercer seus direitos civis fundamentais à vida, à liberdade de ir e vir, à igualdade, além de direitos políticos e sociais.38 Desta forma, o advento do Estatuto do Idoso representa uma mudança de paradigma, já que amplia o sistema protetivo desta camada da sociedade, caracterizando verdadeira ação afirmativa em prol da efetivação da igualdade material. Daí a importância do estudo do sistema jurídico de proteção ao idoso, tendo em vista a sua relevância para a sociedade atual e para a futura, sendo extremamente necessária a conscientização da população, no sentido de respeitar os direitos, a dignidade e a sabedoria de vida desta camada tão vulnerável e até bem pouco tempo desprezada da sociedade. 39

36

BALSA, Marques Casimiro. (Org.). Conceitos e Dimensões da Pobreza e da Exclusão Social. Ijuí: Unijuí, 2006, p. 230.

37

POCHMANN, Marcio. O desafio da inclusão social no Brasil. São Paulo: Publisher Brasil, 2004, p. 23.

38

BRASIL. Lei nº 10741/2003 - Estatuto da Pessoa Idosa. Comissão de Cidadania e Direitos Humanos. Brasília, DF: p. 6.

39

MENDONÇA, Juliana Moreira. Breves considerações a respeito do Estatuto do Idoso. Disponível em <http://www.lfg.com.br >. Acesso em: 20 out. 2014.

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O art. 8º do Estatuto do Idoso dispõe que o envelhecimento é um direito personalíssimo e sua proteção, um direito social. Nessa linha de raciocínio, o artigo pretende salvaguardar a participação do idoso em sociedade, o direito à vida, à saúde, a alimentos, à educação, à habitação, à previdência e assistência social, entre outros dispositivos legais que o Estado e a sociedade, em conjunto, elaboraram como medidas a serem perseguidas e cumpridas em âmbito nacional.40 Entende-se por direito personalíssimo aquele que é inato da pessoa humana, na sua individualidade, incomunicáveis com outras pessoas. São as características próprias de cada um, ao próprio segredo de sua intimidade. Persona do latim, significa máscara. A máscara representa a individualidade, os atributos próprios de cada pessoa, indivisível. Tudo que é personalíssimo é próprio somente de uma pessoa ou grupo com individualidades coincidentes ou características especiais.41

Segundo Balsa, quando o Estado atua ou age por intermédio do Direito, significa afirmar que o exercício do poder só se pode efetivar por meio de instrumentos jurídicos institucionalizados pela ordem jurídica em vigor.42 Um Estado democrático só se torna efetivo quando as relações de poder estiverem estendidas a todos os indivíduos, no qual todas as regras e procedimentos estejam demarcados, para que deste modo alcancem a participação e interlocução com todos os interessados, inclusive pelas ações governamentais.43

Portanto, o fazer do Direito é primordial para equacionar a problemática do fenômeno da velhice, tendo em vista que a legislação especial, o Estatuto do Idoso, é um arcabouço em defesa das garantias constitucionais do indivíduo.44 40

MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo Direito Privado e a Proteção Dos Vulneráveis. 2. ed., atualizada e ampliada. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2012, p. 146.

41

BOAS, Marco Antonio Vilas. Estatuto do Idoso Comentado. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 13.

42

BALSA, Marques Casimiro. Conceitos e Dimensões da Pobreza e da Exclusão Social. Ijuí: Unijuí, 2006, p. 27.

43

LEAL, Rogério Gesta. Estado, administração pública e sociedade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 27.

44

SOUZA, Carlos Aurélio Motta de. Direitos Humanos, Urgente! São Paulo: Oliveira Mendes Ltda., 1998, p. 89.

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Nesse diapasão, as Políticas Públicas consolidadas com o aparato jurídico são mecanismos essenciais de planejamento e execução de ações para assegurar os direitos fundamentais dos idosos, evitando sua exclusão social.45 Faz-se necessário reunir esforços da psicologia, da economia, do direito e das políticas públicas para dimensionar, junto aos idosos e a sociedade, as mudanças de comportamento produzidas pela velhice. Essa fase da vida, que se insere na complexidade do atual cotidiano, deve ser revisitada sob a ótica de outros paradigmas sociais, que não a exclua de uma vida saudável.46 Portanto, importante repensar e romper antigos paradigmas e avaliar o que significa ser um indivíduo velho na contemporaneidade, sob que ótica cultural é construída a inserção do idoso, quais os caminhos econômica e politicamente planejados para esse novo perfil etário que desponta na sociedade brasileira. O Estatuto do Idoso é um arcabouço em defesa das garantias constitucionais do indivíduo. Nessa esteira, as políticas públicas consolidadas com o aparato jurídico são mecanismo essencial de planejamento e execução de ações para assegurar os direitos fundamentais dos idosos, evitando sua exclusão social.47 A cidadania é constituída pelos direitos civis, políticos e sociais. O civil ligado à justiça e aos tribunais, os direitos políticos associados a participação política, representando uma organização política ou como eleitor da mesma e, por último, o direito social norteado pelos direitos mínimos de bem-estar (moradia, saúde, educação, alimentação.48

A Lei nº 8.842 defende a participação do idoso em questões políticas, por sua vez, a Lei nº 10.741, que estabeleceu o Estatuto do Idoso, reitera todos os direitos civis, políticos e sociais, bem como designa a efetivação de ações e políticas públicas voltadas à promoção da cidadania

45

SOUZA, Celina. Estado da Arte da pesquisa em políticas Públicas. In: HOCHMAN, Gilberto. et al. (Orgs.). Políticas Públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007, p. 80.

46

MASCARO, Sonia de Amorin. O que é Velhice: Imagens da Terceira Idade. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 61-67.

47

SILVA, Nilson Tadeu Reis Campos. Direito do Idoso: Tutela Jurídica Constitucional. Curitiba: Juruá, 2012, p. 139.

48

GIRON, Slomp Loraine. (Org.) Refletindo a Cidadania. Estado e Sociedade no Brasil. Caxias do Sul: EDUCS, 2000, p. 39.

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para os sujeitos acima de 60 anos. Incorpora-se a essa questão o Estado como responsável na gestão e na mediação da interação entre a sociedade e os idosos, de forma a manter saudável a convivência social e, consequentemente, a inclusão dos idosos.49

CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho buscou destacar a relevância do idoso na contemporaneidade, tendo em vista o número expressivo de idosos no meio social. Nesse sentido, entendeu-se significativo discorrer sobre aspectos históricos, conceitos de idosos, velhice e tratamentos dispensados às pessoas que envelhecem. Foram mencionadas também a tutela jurídica e a proteção aos idosos e de que forma se efetiva a defesa das prerrogativas dos idosos. Para tanto, realizou-se uma pesquisa bibliográfica direcionada ao contexto brasileiro. Compreende-se que a longevidade é um fenômeno que merece a constância de indagações das ciências visando a consolidar outros saberes para o envelhecimento. Não é possível conceber o envelhecer como no século XIX. As mudanças culturais, econômicas e políticas somadas à evolução das ciências e das tecnologias engendram um novo viver para a velhice, na qual se vislumbra a qualidade de vida, o direito de vivenciar com dignidade esse estágio que representa o último ciclo do ser humano. Nessa direção, salienta-se a necessidade de conjugar os esforços oriundos do aparato jurídico, das agendas afirmativas dos governos e da sociedade, visando a propostas que entendam como lidar com a complexidade do envelhecimento. O Estatuto do Idoso, somado à Carta Magna, introduz um novo caminho a ser perseguido pelo Estado e pela sociedade, uma vez que todos são responsáveis pela melhoria de vida das pessoas, principalmente, daqueles que se encontram em uma faixa etária na qual necessitam de um cuidado especial.

VAZ, Ester. Mais Idade e Menos Cidadania. Análise Psicológica, Lisboa, v.4,1998, p. 621- 633. Disponível em: <http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?pid=S0870119980004007&script=sci_arttext>. Acesso em: 18 fev. 2015. 49

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A implantação das políticas públicas é estratégia fundamental para que os governos minimizem a exclusão social que se observa no cotidiano em relação à população idosa. É preciso abraçar mais essa causa de inclusão social, reforçar um novo saber acerca do que é ser idoso na contemporaneidade. Dessa forma, refletir sobre novos papéis que a velhice delineia em uma sociedade em constante transformação significa a quebra dos estigmas de inoperância, sem serventia e improdutivo. Nesse diapasão, Estado e sociedade, por meio da criação e da execução da legislação especial, em consonância com as políticas públicas, expressam novos paradigmas para o bem-estar dos idosos. O enfrentamento para o desafio da velhice no atual cenário faz um chamamento à sociedade e ao Estado, este responsável pela execução das políticas públicas, o qual tem difícil tarefa, considerando outras áreas, como saúde, educação e habitação, que também carecem das ações públicas para o pleno funcionamento. A longevidade vem surpreendendo e abre espaços para buscar ações direcionadas a essa parcela da população que tem a expectativa de vida elevada nos últimos tempos. Entretanto, urge repensar o significado dessa extensão da velhice, antes vivenciada por poucos. Portanto, cabe a seguinte questão: esses não são direitos de todos os seres humanos? É óbvio que são. Afinal, as pessoas chegaram à velhice porque também usufruíram desses direitos garantidos, ou mantidos com recursos próprios ou gratuitamente. O envelhecer pressupõe uma atenção redobrada, maiores cuidados, tendo em vista as especificidades da idade avançada, por isso, é necessário que o Estado, a família e a sociedade se responsabilizem em defesa da dignidade do indivíduo que envelhece. Dessa forma, é preciso garantir os direitos fundamentais para que as pessoas idosas, que outrora auxiliaram na construção econômica, política e social de um país, não estejam à margem, excluídas de seus direitos, relegadas à própria sorte. Por tudo isso, salienta-se a Constituição Federal, a legislação especial e o Estatuto do Idoso em defesa e proteção aos que envelhecem, tendo na legislação as diretrizes para propor melhores condições de vida aos idosos por meio de políticas públicas que promovam o exercício da

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cidadania. Nesse contexto, remete-se à competência do Estado, que é de primar por uma sociedade justa e democrática, na qual o ordenamento jurídico deve ser perseguido. Somente com cidadãos ativos, que participem da vida, das agendas públicas, através do exercício da cidadania, é que se exclui a invisibilidade da velhice aos olhos do social. Para tanto, a integração e as reivindicações dessa população que envelhece são o fio condutor para reunir esforços contra a exclusão social. É prioridade que Estado e a sociedade discutam sobre esse panorama social da velhice, que reflitam sobre as necessidades para uma vida saudável nesse período que sinaliza o prenúncio do último ciclo do ser humano. Por meio de repensar conceitos e avaliar o que significa ser um indivíduo velho na contemporaneidade, sob a ótica cultural, econômica e política, é construída a inserção do idoso na sociedade. O objetivo deste trabalho não é encerrar a discussão desse tema, muito pelo contrário, é abrir novas reflexões acerca dele. O corpo e a alma devem ser nutridos de cuidados para celebrar o bem maior, ou seja, a vida, que imperiosamente deve estar protegida pelas leis e pelas garantias fundamentais, consolidando-se a dignidade humana.

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REFERÊNCIAS BALSA, Marques Casimiro. Conceitos e Dimensões da Pobreza e da Exclusão Social. Ijuí: Unijuí, 2006. BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Democracia Justiça e Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva 2011. BOAS, Marco Antonio Vilas. Estatuto do Idoso Comentado. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro. Elsevier, 2004. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. BRASIL. Lei nº 10741 de 2003. Estatuto do Idoso. Disponível em: <http://wwww.planato.gov.brccivil_03/leis/2003/110.741.htm>. Acesso em: 18 maio de 2015. COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica Dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva 2010. CONTIJO, Suzana. Envelhecimento Ativo: uma política de saúde. Brasília: Ministério da Saúde 2005. p. 43. Disponível em: <http://bvsms. saude.gov.br/bvs/publicacoes/envelhecimento_ativo.pdf> Acesso em 20 fev 2015. COUTRIM, Rosa Maria da Exaltação. A velhice Invisível: o cotidiano de idosos que trabalham nas ruas de Belo Horizonte. São Paulo: Annblume, 2010. DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998. DIAS, Reinaldo; MATOS, Fernanda. Políticas Públicas: Princípios, Propósitos e Processos. São Paulo: Atlas, 2012.

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DINIZ, Paula Fernanda. Direitos dos Idosos na Perspectiva Civil - Constitucional. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2011. DIÓGENES, José E. Nogueira. Gerações ou dimensões dos direitos fundamentais?Disponível em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_ link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1175>. Acesso em 15 abr. 2015. EFING, Carlos Antônio (Org.). Direitos Dos Idosos. Tutela Jurídica Do Idoso no Brasil. São Paulo: LTr, 2014. FREITAS, Elizabete Viana. Tratado de Geriatria e Gerontologia (Orgs.) PY, Ligia. et al. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A., 2002. FREITAS, Roberto Mendes. Direitos e Garantias do Idoso. Doutrina, Jurisprudência e Legislação. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2015. GIRON, Slomp Loraine. (Org.) Refletindo a Cidadania. Estado e Sociedade no Brasil. Caxias do Sul: EDUCS, 2000. GODINHO, Robson Renault. A Proteção Processual dos Direitos dos Idosos. Ministério Público, Tutela de Direitos Individuais e Coletivos e Acesso a Justiça. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2014. LEAL, Rogério Gesta. Estado, administração pública e sociedade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. LUCA, Mônica Maria Barbosa Leiva. Identidades Sociais em Produção e Envelhecimento. Um Estudo de Caso. As Múltiplas Faces da Velhice. SIMSON, Olga Rodrigues de Moraes Von (Org.). Campinas, São Paulo: Alínea, 2006. MARQUES, Claudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo Direito Privado e a Proteção Dos Vulneráveis. 2 ed., revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. MASCARO, Sonia de Amorin. O que é Velhice: Imagens da Terceira Idade. São Paulo: Brasiliense, 2004.

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MENDONÇA, Juliana Moreira. Breves considerações a respeito do Estatuto do Idoso. Disponível em <http://www.lfg.com.br>. Acesso em: 20 out. 2014. MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da solidariedade. In: PEIXINHO, Manoel Messias (Org.) Os princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. NERI, Anita Liberalesso. Velhice Bem Sucedida Aspectos Cognitivos. YASSUDA, Mônica S. (Org.). CACHIONI (colabs). 3 ed. São Paulo: Papirus, 2008. PERES, Ana Paula Ariston Barion. Proteção aos Idosos. Curitiba: Juruá, 2011. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. POCHMANN, Márcio; AMORIN, Ricardo (Orgs). O Desafio da Inclusão Social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2004. PORTELLA, Marilene Rodrigues; BETTINELLI, Pasqualotti Adriano. (Org.) Envelhecimento Humano: retratos de um contexto. Passo Fundo: Berthier, 2013. PRODANOV, Cléber Cristiano; FREITAS, Ernani Cesar de. Metodologia do Trabalho Científico: Métodos e Técnicas da Pesquisa e do Trabalho Acadêmico. Novo Hamburgo: Feevale, 2009. SILVA, Nilson Tadeu Reis Campos. Direito do Idoso: tutela jurídica constitucional. Curitiba: Juruá, 2012. SOUZA, Carlos Aurélio Motta de. Direitos Humanos, Urgente! São Paulo: Oliveira Mendes Ltda., 1998. SOUZA, Celina. Estado da Arte da Pesquisa em Políticas Públicas. In: HOCHMAN, Gilberto; et al. (Orgs.). Políticas Públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz. 2007.

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VAZ, Ester. Mais idade e menos cidadania. Análise Psicológica, Lisboa, vol. 4, n. 16, 1998. VERAS, R. A longevidade da população: desafios e conquistas. Serviço Social & Sociedade. São Paulo: Saraiva, 2003. VIEIRA, Elias Medeiros; MOLIN, Dal Naiara. Direitos Civis, políticos e sociais nas constituições brasileiras de 1946 e de 1988. In: Olhares Contemporâneos. Direitos humanos e sociais: educação, patrimônio, meio ambiente. (Orgs.). MEIRELLES, Mauro. et al. Porto Alegre: Cirkula, 2014.

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a tutela jurídica do idoso no brasil e seus reflexos em caso de abandono afetivo

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Nicole Silva Leites

Bacharela em Direito graduada pela Universidade Feevale. E-mail: nicoleleites@feevale.br.

Va l é r i a K o c h B a r b o s a

Professora orientadora. Docente do Curso de Direito da Universidade Feevale. E-mail: valeriakb@feevale.br.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS O presente artigo traz uma visão multidisciplinar dos direitos dos idosos e dos deveres que a família tem em relação a eles, tema esse que assume crescente importância no cenário atual devido ao crescimento da população idosa no Brasil e no mundo e à busca pela proteção desses cidadãos, tendo em vista que são muitos os problemas enfrentados na velhice, tais como abandono, maus-tratos e exclusão da sociedade. Assim, por meio de pesquisa exploratória embasada na doutrina, na jurisprudência e na legislação, trazem-se informações referentes aos direitos dos idosos, sua situação no Brasil e a possível reparação de danos causados em decorrência do abandono afetivo, sendo esse o objetivo principal desta pesquisa, analisando a tutela jurídica que o idoso possui frente à sua família. Primeiramente, busca-se conceituar a pessoa idosa consoante a legislação pátria e também sob a perspectiva cultural, bem como a sua introdução na legislação brasileira. Abordam-se os direitos fundamentais dos idosos, exaltando o seu direito à dignidade, apresentando-se também dados que evidenciam a situação do idoso no Brasil. Destaca-se o afeto, o qual, atualmente, é utilizado como um importante elemento para decisões relacionadas ao Direito das Famílias, trazendo-se ainda algumas experiências acerca do abandono e dos seus reflexos na qualidade de vida dos idosos, com base nas respostas a um questionário que foi enviado para profissionais de áreas ligadas ao cuidado com o idoso. No que se refere à possibilidade de reparação dos danos causados pelo abandono afetivo dos idosos, são analisadas algumas decisões acerca do abandono afetivo dos filhos e, através do instituto da analogia, busca-se verificar a possibilidade de aplicação de seus fundamentos à proteção dessa parcela da população. Dessa forma, o objetivo não é esgotar o tema, bem como não se contemplam todos os aspectos que o assunto enseja, no entanto trata-se de uma tentativa de fomentar o debate em torno dos direitos dos idosos frente ao abandono afetivo advindo da família.

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A TUTELA JURÍDICA DO IDOSO NO BRASIL E OS SEUS REFLEXOS EM CASO DE ABANDONO AFETIVO O IDOSO E O AMPARO LEGAL À SUA PROTEÇÃO Entende-se que o envelhecimento está relacionado a um processo biológico de diminuição das capacidades físicas, associado a novas fragilidades psicológicas e comportamentais. Dessa forma, estar saudável deixa de estar relacionado com a idade cronológica para ser entendido como “a capacidade do organismo de responder às necessidades da vida cotidiana, a capacidade e a motivação física e psicológica para continuar na busca de objetivos e novas conquistas pessoais e familiares”.1 O critério cronológico utilizado para definir a pessoa idosa foi adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro com base nas diretrizes apontadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que define o idoso como aquele sujeito com sessenta anos ou mais, considerando os países em desenvolvimento.2 O Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, estabeleceu que o idoso é aquela pessoa com sessenta anos de idade ou mais, no entanto não há nenhuma distinção em relação ao sexo, à condição social ou a outros aspectos relacionados à individualidade do ser humano.

CAMARANO, Ana Mélia (Org.); PASINATO, Maria Tereza. Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60? Rio de Janeiro: IPEA, 2004, p. 4. Disponível em: <http://www.ipea. gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/Arq_29_Livro_Completo.pdf>. Acesso em: 10 set. 2014.

1

BARLETTA, Fabiana Rodrigues. O Direito à Saúde da Pessoa Idosa. 2008. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Direito do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008, p. 24. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp076886.pdf>. Acesso em: 11 out. 2014.

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Braga lembra que estudos sobre a velhice são recentes e que o direito de viver mais se tornou uma questão social. A autora afirma ainda que o termo velhice é “impreciso e nos leva a meditar sobre quem é idoso e o que é a velhice. [...] Ser velho traz um imenso conjunto de conotações pejorativas numa sociedade em que o mito da beleza e da juventude ainda impera”.3 Definir a velhice não é fácil, no entanto seja pela idade avançada ou pela capacidade do sujeito, o importante é perpetuar a proteção a que os cidadãos idosos têm direito, como será visto a seguir, quando forem analisados os direitos dos idosos e as obrigações que o Estado, a família e a sociedade têm em relação a eles. Até o ano de 2004, não havia muitos dispositivos legais que tratassem dos direitos do idoso, os poucos que existiam eram vinculados à sua saúde, à assistência e à previdência social. Assim também era no campo Constitucional, que, até 1934, ignorava a necessidade da regulamentação dos direitos do idoso.4 Para Freitas Junior, a Constituição Federal de 1988 permaneceu indiferente ao sujeito idoso, reservando-lhe apenas alguns artigos esparsos.5 Pouco tempo depois, na década de 1990, foram criados dispositivos constitucionais relativos a políticas setoriais de tutela ao idoso. Em dezembro de 1993, foi aprovada a Lei nº 8.742 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), que estabeleceu ações e projetos de atenção ao idoso, prevendo a corresponsabilidade das três esferas do governo. Essa lei regulamentou ainda “a concessão do benefício de prestação continuada às pessoas maiores de 70 anos de idade pertencentes a famílias com renda mensal per capita inferior a 1/4 do salário mínimo”; em 1998, a idade foi reduzida para sessenta e sete anos e, em 2004, para sessenta e cinco anos.6

3

BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de Direito do Idoso. São Paulo: Atlas, 2011, p. 1.

4

FREITAS JUNIOR, Roberto Mendes de. Direitos e garantias do idoso: doutrina, jurisprudência e legislação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 2.

5

FREITAS JUNIOR, Roberto Mendes de. Direitos e garantias do idoso: doutrina, jurisprudência e legislação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 3.

CAMARANO, Ana Mélia (Org.); PASINATO, Maria Tereza. Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60?. Rio de Janeiro: IPEA, 2004, p. 268. Disponível em: <http://www. ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/Arq_29_Livro_Completo.pdf>. Acesso em: 10 set. 2014.

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Em janeiro de 1994, foi criada a Política Nacional do Idoso, por meio da Lei nº 8.842, com o intuito de assegurar os direitos sociais do idoso, e, em maio de 2002, foi constituído o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso, com competência para supervisionar e avaliar a Política Nacional do Idoso.7 Nesse sentido, Camarano e Pasinato afirmam que a Política Nacional do Idoso é um conjunto de ações governamentais, que visa a garantir a proteção dos direitos sociais da pessoa idosa, partindo da ideia de que “o idoso é um sujeito de direitos e deve ser atendido de maneira diferenciada em cada uma das suas necessidades: físicas, sociais, econômicas e políticas”.8 Até o ano de 2003, a legislação direcionada à atenção dos idosos estava fragmentada em ordenamentos jurídicos setoriais ou em instrumentos de gestão pública, quando foi sancionado o Estatuto do Idoso, mencionado alhures. Esse Estatuto representa o conjunto de diversas leis e políticas em apenas um documento legal, “dando um tratamento integral e com uma visão de longo prazo ao estabelecimento de medidas que visam proporcionar o bem-estar dos idosos”.9 Desde que começou a vigorar, o Estatuto do Idoso passou a garantir direitos que possibilitam uma melhor qualidade de vida para as pessoas que têm mais de sessenta anos. Ainda que o Estatuto venha sofrendo diversas críticas desde a sua promulgação, deve-se reconhecer sua relevância e atualidade.10

7

FREITAS JUNIOR, Roberto Mendes de. Direitos e garantias do idoso: doutrina, jurisprudência e legislação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 2.

CAMARANO, Ana Mélia (Org.); PASINATO, Maria Tereza. Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60?. Rio de Janeiro: IPEA, 2004, p. 269. Disponível em: <http://www. ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/Arq_29_Livro_Completo.pdf>. Acesso em: 10 set. 2014.

8

CAMARANO, Ana Mélia (Org.); PASINATO, Maria Tereza. Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60?. Rio de Janeiro: IPEA, 2004, p. 270. Disponível em: <http://www. ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/Arq_29_Livro_Completo.pdf>. Acesso em: 10 set. 2014.

9

SANTIN, Carlos Afonso. O Estatuto do Idoso como Garantidor do Princípio Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana. Revista de Direito Social. [s. l.], ano 5, n. 19, p. 71-98, jul./set. 2005, p. 72.

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Nesse sentido, é possível verificar que, apesar dos avanços trazidos pela legislação para proteger e amparar o idoso, o Brasil ainda precisa progredir muito para que os direitos não fiquem apenas no texto de suas leis, são necessárias ações que visem a garantir a eficácia dos direitos e das obrigações presentes na Constituição Federal e no Estatuto do Idoso. Diante disso, cabe trazer à baila os direitos fundamentais inerentes à pessoa idosa, tendo em vista que o Estatuto do Idoso, consolidado pela Lei nº 10.741/2003, prevê a tutela dos direitos do idoso, e o seu artigo 2º dispõe que o idoso goza de todos os direitos fundamentais próprios da pessoa humana.11 O Título II do referido Estatuto traz a previsão dos direitos fundamentais assegurados aos idosos, destacando-se, neste estudo, o direito à dignidade e à convivência familiar. Além disso, cabe lembrar que é dever da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público garantir a efetividade desses direitos.12 O direito à dignidade está previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal e representa um princípio fundamental do ordenamento jurídico brasileiro, que norteia a interpretação dos demais dispositivos legais. Dessa forma, a dignidade atinge todos os setores da ordem jurídicopolítica brasileira, atribuindo ao poder público a obrigação de criar ações e normas direcionadas a atender às necessidades básicas de todo ser humano, buscando a efetivação de uma existência digna, assim como cabe à sociedade auxiliar na efetivação dessas ações e normas.13 Gagliano e Pamplona Filho comentam que a noção jurídica da dignidade manifesta “um valor fundamental de respeito à existência humana, segundo as suas possibilidades e expectativas, patrimoniais e efetivas, indispensáveis à realização pessoal e à busca da felicidade”.14 (Grifos originais).

11

BRASIL. Ministério da Saúde. Estatuto do Idoso. 3. ed., 2. reimpr. Brasília: Ministério da Saúde, 2013, p. 7.

12

BRASIL. Ministério da Saúde. Estatuto do Idoso. 3. ed. 2. reimpr. Brasília: Ministério da Saúde, 2013, p. 10.

RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. A Velhice no Século XXI. In: STEPANSKY, Daizy Valmorbida; COSTA FILHO, Waldir Macieira da; MULLER, Neusa Pivatto. (Orgs.). Estatuto do Idoso. Dignidade Humana Como Foco. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2013, p. 71. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-idosa/estatuto-do-idosodignidade-humana-como-foco>. Acesso em: 14 nov. 2014.

13

14

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, volume 6: Direito de Família. 2. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 76.

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Dias entende que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana talvez seja o principal valor constitucional, coberto de sentimentos e emoções, não sendo possível uma compreensão totalmente intelectual e, em relação a outros princípios, também envolve o plano dos afetos, além de ser o mais universal de todos os princípios.15 Sobre a importância de se tutelar o direito à dignidade, Sarlet assim comenta: [...] justamente pelo fato de que a dignidade vem sendo considerada (pelo menos para muitos e mesmo que não exclusivamente) qualidade intrínseca e indissociável de todo e qualquer ser humano e certos de que a destruição de um implicaria na destruição do outro, é que o respeito e a proteção da dignidade da pessoa (de cada uma e de todas as pessoas) constituem-se (ou, ao menos, assim o deveriam) em meta permanente da humanidade, do Estado e do Direito.16

De nada adianta analisar os princípios fundamentais, especialmente o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, presentes no texto constitucional ou em legislações infraconstitucionais, se não existirem ações públicas efetivas capazes de proteger os idosos, principalmente, da violência doméstica e familiar, e cabe ao Poder Público criar medidas para a concretização da dignidade.17 Respeitar os direitos fundamentais dos idosos não representa apenas um reconhecimento ou uma obrigação que o Estado tem para com as pessoas idosas, mas importa diretamente na efetivação da dignidade da pessoa humana, prevista no texto constitucional.18 O direito a um envelhecimento digno deve ser tutelado de todas as maneiras possíveis, seja por ações de conscientização da sociedade, no que tange às características do envelhecimento, ou pela educação das pessoas para o resgate do respeito para com os idosos.19 15

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 65.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4. ed., rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 27.

16

17

RITT, Caroline Fockink; RITT, Eduardo. O estatuto do idoso: aspectos sociais, criminológicos e penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p.113-114.

18

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 880.

19

BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de Direito do Idoso. São Paulo: Atlas, 2011, p. 72.

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A SITUAÇÃO DO IDOSO NO BRASIL E A SUA RELAÇÃO COM A FAMÍLIA Com o aumento do número de idosos, surgiram estudos sobre essa parcela da população, a qual passou a ter mais visibilidade através da divulgação de dados demográficos, mas também pelo contato cotidiano que as pessoas têm vivenciado com os indivíduos mais velhos. Esse aumento é decorrente dos avanços tecnológicos na área da saúde, que permitiram o crescimento da expectativa de vida no Brasil, através de mecanismos que possibilitam a cura e a prevenção de diversas doenças, bem como em consequência da queda na fecundidade nas últimas décadas.20 Assim, “pode-se dizer que, aos poucos, a velhice ultrapassa os limites das vidas particulares de cada um e de cada família, para, com outras questões, atrair a atenção de nossa sociedade”.21 No Brasil, o Disque Direitos Humanos recebeu, em 2011, mais de seis mil denúncias relacionadas a violações de direitos humanos de idosos. Há relatos de negligência, a qual teve a maior incidência, seguida de violência psicológica, abuso financeiro e violência física, abusos que, na maioria das vezes, foram praticados por familiares próximos desses idosos. Os casos são analisados e direcionados para os órgãos competentes.22 Em muitos lugares e em situações rotineiras, o idoso tem sua imagem diminuída ao ser chamado de “velho”, atitude essa que pode estar relacionada com a fragilidade física que o envelhecimento acarreta, levando a velhice a ser encarada com desprezo. Muitas vezes, por sentir medo de envelhecer, as pessoas tratam os idosos de forma depreciativa e os afastam do seu convívio, como se envelhecer não fosse da natureza

MENDES, Márcia R. S. S. Barbosa et al. A situação social do idoso no Brasil: uma breve consideração. Acta Paulista de Enfermagem. V. 18, n. 04. São Paulo, out./dez. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-21002005000400011&script=sci_arttext>. Acesso em: 15 set. 2014. 20

BARROS, Myriam Moraes Lins de. (Org.) et al. Velhice ou terceira idade? Estudos antropológicos sobre identidade, memória e política. 4. ed. reimp. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007, p. 9.

21

BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos. Revista dos Direitos da Pessoa Idosa: o compromisso de todos por um envelhecimento digno no Brasil. Edição Especial. Brasília – DF, 2011, p. 44. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-idosa/publicacoes/revista-direitos-pessoa-idosa-1>. Acesso em: 19 nov. 2014.

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humana.23 É importante destacar que o ser humano idoso não perdeu sua dignidade, nem sua cidadania, pelo contrário, a velhice só representa mais um ciclo natural da vida e, assim como as demais etapas que o ser humano vive, possui suas características e adaptações.24 Diante dos dados supramencionados, cabe lembrar os deveres que a família tem para com o familiar idoso, ressaltando-se que a Constituição Federal, em seu artigo 230, bem como o Estatuto do Idoso, no artigo 3º, preveem que, além do Estado e da sociedade, é obrigação da família amparar os idosos, garantindo a sua participação na comunidade, através da defesa da sua dignidade e do seu bem-estar e assegurando-lhes o seu direito à vida. Consoante Franco, a lei não menciona uma “faculdade” da família em garantir a eficácia desses direitos, tais dispositivos trazem uma obrigação e, quando a família não tiver condições de suprir as necessidades dos idosos, o Poder Público intervirá para substituí-la dentro de sua possibilidade. Para isso, deve haver uma investigação, a fim de verificar se o idoso está inserido em uma família estruturada e se, mesmo assim, esta é omissa quanto aos cuidados de que a pessoa idosa necessita, prestando-lhe assistência e alimentação, além de cuidados médicos e outros direitos de que os idosos dispõem. Se verificada essa omissão, a família poderá sofrer sanções penais pelos crimes de abandono e omissão.25 Ainda sobre a referida obrigação, o dever da família no cuidado com o idoso antecede a obrigação do Estado, no entanto não se deve confundir cuidado com proteção: o primeiro origina-se de elementos subjetivos, como o carinho e o afeto, os quais só podem ser oferecidos pela família, seja ela de sangue ou por afinidade. Já a proteção diz respeito ao dever objetivo do Estado perante a pessoa idosa, está ligada aos direitos fundamentais do idoso.26

23

NEGREIROS, Teresa Creusa de Góes Monteiro. (Org.) et al. A Nova Velhice – Uma Visão Multidisciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2007, p. 45.

24

NEGREIROS, Teresa Creusa de Góes Monteiro. (Org.) et al. A Nova Velhice – Uma Visão Multidisciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2007, p. 62.

25

FRANCO, Paulo Alves. Estatuto do Idoso Anotado. São Paulo: LED, 2004, p. 27.

26

BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de Direito do Idoso. São Paulo: Atlas, 2011, p. 15.

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Considerando o crescente aumento da população idosa, a sociedade e a família precisam se adaptar a essa realidade, já que o idoso ficará sob sua responsabilidade e seu cuidado, e somente aqueles idosos que não tiverem família ou cujas famílias não tenham condições de ajudálo serão amparados pelo Estado. Portanto, a família deve cuidar e manter o idoso próximo do núcleo familiar, e o Estado deve oferecer o apoio necessário para que esse amparo se torne viável.27 Todavia, ainda que no Brasil os idosos estejam inseridos no convívio familiar, é principalmente nesse contexto que eles sofrem todos os meios de violência, seja física, psicológica e financeira, tendo a sua dignidade atingida.28 Braga afirma que muitas vezes o idoso perde a sua autonomia por conta de atitudes da família, que, sob a desculpa de cuidar do seu bemestar, “de protegê-lo e poupá-lo, alija-o das decisões e tira sua liberdade de escolha, chegando a decidir o que ele deve comer e vestir e, pior, como deve gastar seu dinheiro”.29 Embora o cuidado da família seja regido pela legislação, os laços familiares criam um dever de respeito e afeto que vai além de jurisdição ou de regulamentação, ainda assim, os idosos sofrem com o abandono material ou afetivo e, com isso, perdem seus objetivos e podem envelhecer mais rapidamente.30 É preciso lembrar que cabe ao idoso capaz decidir se quer ou não conviver com sua família, não sendo cabível qualquer imposição a esse respeito, tendo em vista que o idoso pode escolher viver sozinho, já que muitas vezes a proximidade com a família não significa viver em um

27

BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de Direito do Idoso. São Paulo: Atlas, 2011, p. 14-15.

RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. A Velhice no Século XXI. In: STEPANSKY, Daizy Valmorbida; COSTA FILHO, Waldir Macieira da; MULLER, Neusa Pivatto (Orgs.). Estatuto do Idoso. Dignidade Humana Como Foco. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2013, p. 27. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-idosa/estatuto-do-idosodignidade-humana-como-foco>. Acesso em: 10 set. 2014.

28

29

BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de Direito do Idoso. São Paulo: Atlas, 2011, p. 48.

TOALDO, Adriane Medianeira; MACHADO, Hilza Reis. Abandono Afetivo do Idoso pelos Familiares: Indenização por Danos Morais. 15 de maio de 2012. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/abandono-afetivo-do-idoso-pelos-familiares-indeniza%C3%A7%C3%A3o-por-danos-morais>. Acesso em: 10 jun. 2014.

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ambiente afetuoso.31 O Manual de Enfrentamento à Violência Contra a Pessoa Idosa aponta que nem sempre a convivência do idoso com a família é eficaz para o seu bem-estar, “[...] Mesmo morando na mesma casa com muitas pessoas, inúmeros velhos e velhas se queixam de abandono e solidão”.32 Somente quando se tratar de um idoso incapaz é que o seu curador tomará as decisões que julgar necessárias para garantir o bemestar da pessoa idosa.33 O ambiente familiar pode ser importante para definir as características e o comportamento do idoso, dessa forma, se a família convive de forma saudável em um ambiente harmonioso, todos têm a possibilidade de crescer, inclusive o idoso, pois todos têm o seu papel na família, e as diferenças de cada membro devem ser respeitadas. Embora muitas vezes as pessoas tenham dificuldade em compreender e aceitar o envelhecimento de um familiar, a família, inegavelmente, tem um papel fundamental para fortalecer as relações em qualquer fase da vida.34 Importa referir que cabe à família prestar toda assistência de que o idoso necessita, os seus entes devem promover medidas que visem à proteção do familiar idoso e buscar reinseri-lo no seio familiar, de forma que o idoso se sinta estimado, ouvido e respeitado em sua individualidade.35 Na atualidade, diante da correria do cotidiano, muitas pessoas acabam se esquecendo dos idosos, que, muitas vezes, são deixados em instituições especializadas, as quais possuem suporte bastante efetivo, mas pouco afetivo.36 Dessa forma, viabilizar um bom relacionamento entre o idoso e a sua família é de suma importância, tendo em vista que isso melhora a qualidade de vida do idoso e o auxilia no enfrentamento da velhice e, além disso, a família contribui diretamente para o bem-estar e a felicidade da pessoa idosa. 31

FREITAS JUNIOR, Roberto Mendes de. Direitos e garantias do idoso: doutrina, jurisprudência e legislação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 10.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. BRASIL, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Manual de enfrentamento à violência contra a pessoa idosa. Brasília – DF, 2014, p. 26. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-idosa/publicacoes/violencia-contra-a-pessoa-idosa>. Acesso em: 21 nov. 2014. 32

33

FREITAS JUNIOR, Roberto Mendes de. Direitos e garantias do idoso: doutrina, jurisprudência e legislação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 10.

MENDES, Márcia R. S. S. Barbosa et al. A situação social do idoso no Brasil: uma breve consideração. Acta Paulista de Enfermagem. V. 18, n. 04. São Paulo, out./dez. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-21002005000400011&script=sci_arttext>. Acesso em: 15 set. 2014. 34

35

SOUSA, Ana Maria Viola de. Tutela Jurídica do Idoso: a assistência e a convivência familiar. 2. ed. Campinas, SP: Editora Alínea, 2011, p.180.

36

NEGREIROS, Teresa Creusa de Góes Monteiro (Org.) et al. A Nova Velhice – Uma Visão Multidisciplinar. 2. ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2007, p. 16.

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A IMPORTÂNCIA DO AFETO E A SUA JURIDICIZAÇÃO Através dos princípios constitucionais, os quais estão fixados na valorização da pessoa humana, é estabelecida uma nova ordem de valores que busca a realização integral da pessoa. Pode-se dizer que essa valorização está ligada à plena dignidade humana, nesse caso, o Direito das Famílias encontra nessa valorização o seu princípio central baseado no amor, no afeto e na solidariedade, que formam a família constitucional. Nesse sentido, a obrigação de assistência mútua deriva da solidariedade e “compreende um dos pilares daquilo que se pode valorar como princípio da dignidade humana”.37 É possível afirmar que a família é uma construção social influenciada pela cultura e pelo contexto histórico, sendo de extrema importância para a organização humana da sociedade. A afetividade, a solidariedade, os sentimentos e as ações, não meramente os laços sanguíneos, são levados em consideração na construção da família. Mas, esta tem papel fundamental não só em relação à construção familiar, como também na vida do idoso, tendo em vista que deveria estar sempre presente no seu dia a dia, estando preparada para as mudanças acarretadas pelo processo de envelhecimento e com as demandas que o idoso passa a ter.38 Angelucci afirma que “o amor, tanto para o ser humano como para a sociedade organizada, é muito importante; sem dúvida, é o mais alto sentimento despertado na vivência em comunidade”, todavia, apesar de sua relevância, até pouco tempo, o amor não era tema de discussão no âmbito jurídico. É preciso defender a relevância do amor e do afeto não só na vida social, mas na seara do Direito das Famílias, fugindo da visão patrimonial-individualista, na busca pela concretização do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana através do afeto.39 FACHIN, Rosana Amara Girardi. Em busca da família do novo milênio: Uma reflexão crítica sobre as origens históricas e as perspectivas do Direito de Família brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 81.

37

MEDEIROS, Paula. Como Estaremos Na Velhice? Reflexões sobre envelhecimento e dependência, abandono e institucionalização. Disponível em: <http://www.epublicacoes.uerj.br/index.php/polemica/article/view/3734/2616>. Acesso em: 23 mai. 2015. 38

ANGELUCCI, Cleber Afonso. Abandono Afetivo: considerações para a constituição da dignidade da pessoa humana. Revista CEJ, Brasília, n. 33, p. 43-53, abr./jun. 2006. Disponível em: <https://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/713/893>. Acesso em: 28 abr. 2015.

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Sobre a importância do afeto e a sua juridicização, cabe destacar que: O afeto é digno de tutela porque responde fielmente àquilo que se observa na sociedade. Fingir que não existem famílias que não correspondem à estrutura consignada na Lei é restringir o direito a todos que dele precisam, ou melhor, é transformar as relações sociais em algo mínimo, perfazendo-se tal conduta em um ato claro de inconstitucionalidade, pois o afeto é intrínseco ao homem, e desconsiderá-lo é violar sua dignidade. Ademais, o afeto além de ser o elemento primordial para a constituição de uma família, é também o valor fundamental para que esta permaneça unida, pois inexiste razão para manu­tenção de uma estrutura familiar meramente formal e vazia de sentimentos.40 (Grifouse).

Na atual ordem constitucional, o afeto atingiu uma valoração no âmbito jurídico, sendo atribuída a ele grande relevância. Desde o reconhecimento das novas famílias até a possibilidade de reparação por abandono afetivo, a valorização do afeto, calcada no Princípio da Dignidade Humana, tem transformado a forma como a família é vista na ótica jurídica, fugindo dos padrões estritamente patrimoniais e contratuais para a promoção de questões afetivas como princípio norteador das relações familiares.41 Dessa forma, o afeto saiu do plano existencial, para ganhar espaço também no plano jurídico.42 Sobre o papel da família no amparo e na relação afetiva com o idoso, Sousa destaca que a família deve representar um sustentáculo afetivo à pessoa com idade avançada:

VIANNA, Roberto Carvalho. O Instituto da Família e a Valorização do Afeto Como Princípio Norteador das Novas Espécies da Instituição No Ordenamento Jurídico Brasileiro. Disponível em: <http://www.revista.esmesc.org.br/re/article/view/41>. Acesso em: 14 abr. 2014. 40

PEREIRA, Timaretha Maria Alves de Oliveira. O Afeto no Direito de Família Brasileiro. Revista Direito & Dialogicidade, vol. 4, n. 1 jul. 2013. Disponível em: <http://periodicos. urca.br/ojs/index.php/DirDialog/article/view/587>. Acesso em: 14 abr. 2015. 41

42

KAROW, Aline Biasuz Suarez. Abandono Afetivo: valorização jurídica do afeto nas relações paterno-filiais. Curitiba: Juruá, 2012, p. 124-125.

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Estando o idoso assim agregado à família, esta deverá prestar-lhe toda a assistência necessária, promover as medidas protetivas, implementar propostas preventivas com vistas à reinserção no seio familiar, reconhecendo sua participação no desempenho do papel como membro e como cidadão sujeito de direitos e deveres na nova situação familiar, onde o idoso deverá sentir-se querido, ouvido e respeitado em sua individualidade, resgatando a cidadania desvalorizada por sua exclusão e destituição de sua posição anteriormente ocupada. Nesse diapasão, a família deverá repensar o seu papel, deixar de ser apenas núcleo econômico e passar a ser um alicerce de segurança afetiva ao idoso.43 (Grifou-se)

Fujita afirma que a maior característica em uma relação entre pai, mãe e filho é o afeto, por conseguinte, a sua ausência, a negação ou ainda o abandono, quer seja do pai ao filho ou do filho ao pai, causa danos nos planos psicológico, moral e espiritual.44 Da mesma maneira, podese afirmar que o afeto é de inegável importância para o idoso, motivo pelo qual não deve o ordenamento jurídico olvidar que a família se liga mais por questões de afeto do que por vínculos biológicos, devendo o idoso ser respeitado, sentindo-se acolhido e amado no seio da família, como forma de preservar a sua dignidade. Diante disso, cumpre trazer ao presente estudo algumas questões acerca do abandono de idosos, que tem se tornado recorrente no cotidiano desses indivíduos. E, ainda que não seja o objetivo deste trabalho adentrar em temas do Direito Penal, é preciso analisar alguns crimes em espécie relacionados ao abandono material do idoso. Considera-se crime deixar de prestar assistência ao idoso que necessite quando puder fazê-lo sem risco pessoal, bem como dificultar a assistência à saúde, sem causa que justifique, ou ainda deixar de pedir socorro à autoridade pública, sob pena de detenção e multa, sendo que a pena pode ser majorada se da omissão resultar lesão corporal ou morte.45

43

SOUSA, Ana Maria Viola de. Tutela Jurídica do Idoso: a assistência e a convivência familiar. 2. ed. Campinas, SP: Editora Alínea, 2011, p. 180.

44

FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 109.

45

BRASIL. Ministério da Saúde. Estatuto do Idoso. 3. ed., 2. reimpr. Brasília: Ministério da Saúde, 2013, p. 57.

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Outra forma de abandono que também é considerada crime, segundo o Código Penal brasileiro e o Estatuto do Idoso, é quando a pessoa idosa é abandonada em hospitais, casas de saúde ou ainda em lares de longa permanência, ou quando os familiares deixam de prover suas necessidades básicas, acarretando não somente o abandono material, mas também o abandono moral.46 Capez comenta que tal prática atenta “contra a subsistência do organismo familiar, em virtude de seus integrantes não propiciarem a devida assistência recíproca, a qual se consubstancia em imperativo previsto no art. 22947 da Constituição Federal”. O autor lembra ainda a redação do artigo 230 da Carta Magna, no qual estão assegurados os direitos de amparo do idoso pela família, pelo Estado e pela sociedade. O crime de abandono material implica o descumprimento da proteção da família no que diz respeito ao amparo material do idoso, garantindo-lhe a subsistência, a qual é recíproca entre os entes da família.48 O Estatuto do Idoso, em seu artigo 110, estabeleceu uma forma de aumento da pena no caso de abandono de incapaz praticado contra idosos, dessa forma, o crime previsto no artigo 133 do Código Penal Brasileiro recebeu o inciso III em seu parágrafo 3º, prevendo o aumento da pena em um terço quando o incapaz abandonado for maior de sessenta anos.49 Lôbo comenta que é de interesse da família, também da sociedade e do Estado que seja assegurada a ajuda recíproca entre pais, filhos e idosos, e o abandono familiar deve ser punido. 50

46

BOAS, Marco Antonio Vilas. Estatuto do Idoso Comentado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 183.

47

“Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.

48 10 49

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, volume 3, parte especial: dos crimes contra a dignidade sexual a dos crimes contra a administração pública (arts. 213 a 359-H). . ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 208. FREITAS JUNIOR, Roberto Mendes de. Direitos e garantias do idoso: doutrina, jurisprudência e legislação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 247.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. A Repersonalização das Relações de Família. Revista de Direito Privado. Vol. 19, jul.-set. 2004, p. 243-259. Disponível em: <http:// www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6007a0000014d1b74ee38da5db388&docguid=Ic cd3ed802d4111e0baf30000855dd350&hitguid=Iccd3ed802d4111e0baf30000855dd350&spos=3&epos=3&td=69&context=38&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 03 mai. 2015.

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Ao analisar o abandono em outros países, é possível citar como exemplo a China, tendo em vista que, desde 2013, vigora no país uma lei que determina a obrigação dos familiares de visitar com frequência os seus parentes idosos, mantendo uma tradição chinesa de cuidado dos filhos para com seus pais idosos e garantindo a presença afetiva no seio familiar. A ideia é também dar suporte emocional e existencial à idade avançada. Essa lei, além de revigorar valores morais na sociedade chinesa, desperta a visão dos jovens sobre os cuidados que a velhice exige, tendo em vista que os idosos, diante de sua vulnerabilidade, merecem e precisam de proteção integral.51 A lei supramencionada permite ainda que os idosos que forem abandonados processem os seus filhos por isso, no entanto o objetivo não é que a lei seja executada, mas que sirva para conscientizar os chineses sobre a situação dos idosos e ressaltar o compromisso no que tange a um suporte emocional. Serve para mostrar aos cidadãos do país que o abandono de idosos, além de imoral, é ilegal.52 Seguindo a mesma finalidade da lei chinesa, tramita, na Câmara Federal, o Projeto Legislativo nº 4.294/200853, visando a estabelecer sanções civis e punitivas aos filhos que abandonarem os pais idosos, além da possibilidade de indenização por dano moral decorrente do abandono sofrido pelos idosos.54 Assim, tendo-se abordado, de maneira objetiva, a importância do afeto aos idosos, bem como as consequências de sua ausência e a possibilidade de uma sanção penal e civil em caso de abandono, a seção que segue traz relatos de experiência que servem para ilustrar como está a situação do idoso e como os profissionais envolvidos com o seu atendimento percebem a questão do abandono. ALVES, Jones Figueirêdo. Dignidade do Idoso é Pauta de Urgência. Revista Consultor Jurídico. 11 jul. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jul-11/jonesfigueiredo-alves-dignidade-idoso-pauta-urgencia>. Acesso em: 03 mai. 2015. 51

MELO, João Ozorio de. Pais idosos podem processar filhos por abandono na China. Revista Consultor Jurídico. 01 jul. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013jul-01/lei-chinesa-permite-pais-idosos-processarem-filhos-abandono-emocional>. Acesso em: 04 mai. 2015.

52

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n°. 4.294-A, de 2008. Disponível: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=864558&filenam e=Avulso+-PL+4294/2008>. Acesso em: 20 set. 2015.

53

ALVES, Jones Figueirêdo. Dignidade do Idoso é Pauta de Urgência. Revista Consultor Jurídico. 11 jul. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jul-11/jonesfigueiredo-alves-dignidade-idoso-pauta-urgencia>. Acesso em: 03 mai. 2015. 54

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ALGUMAS EXPERIÊNCIAS ACERCA DO ABANDONO DE IDOSOS Apresentam-se alguns efeitos que o abandono causa na vida dos idosos, através do relato de profissionais ligados a lares de longa permanência, bem como de profissionais das áreas de saúde, psicologia e assistência social, os quais responderam a um breve questionário acerca do tema proposto. Para evitar a identificação, omitiram-se os seus nomes, pois esse foi o acordo quando da concordância em conceder a entrevista, ou seja, para que houvesse liberdade de falar, os profissionais preferiram não se identificar. Destaca-se que se trata de relatos destinados tão somente a ilustrar aspectos do tema abordado neste estudo, como forma de evidenciar aquilo que tem sido apontado pelos doutrinadores e para suscitar uma reflexão sobre as questões que estão envolvidas no abandono do idoso. O questionário foi enviado para profissionais de dez pessoas/instituições e, destas, sete responderam, no entanto uma delas não tinha conhecimento sobre o assunto para responder ao que foi perguntado. Sendo assim, a seguir expõem-se os relatos de seis entrevistados. Para facilitar a identificação, os profissionais foram divididos em três grupos: as assistentes sociais foram denominadas de A e B; as psicólogas, de C e D, e as representantes de lares de idosos receberam a denominação de E e F. Em entrevista com uma assistente social (A), ela relatou que, na sua opinião, a ausência dos familiares no cotidiano dos idosos afeta a autoestima deles e torna-os inseguros, carecendo de amparo, acolhimento, proteção, como se não pertencessem àquela família. A psicóloga (C), ao ser questionada sobre a ocorrência de doenças relacionadas com o abandono dos idosos pela família, afirmou que doenças podem ser originadas pelo abandono, além de acelerarem o processo de morte em idosos. A profissional (A) comentou ainda que as principais violações causadas aos idosos são o abandono, os maus-tratos físicos e psicológicos, a discriminação, a falta de afeto e também a violação dos seus direitos, tendo como principal causa a falta de tempo dos familiares devido à sua vida agitada. Há também o despreparo dos profissionais de atendem os idosos, além, é claro, da visão negativa em relação à velhice.

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Sobre o abandono afetivo, a entrevistada (A) percebeu que a rotina de trabalho dos familiares faz com que os idosos fiquem sozinhos e isolados, restando apenas alguns momentos de lazer em família. Além disso, a tecnologia, através da televisão, do telefone, por exemplo, “afasta e inibe a construção do vínculo afetivo entre filhos (as) e netos (as).” Sem falar que muitos idosos são explorados financeiramente por seus parentes ou são obrigados a realizar tarefas domésticas, além de cuidar dos netos. Ademais, muitos idosos esquecem ou são impedidos de exercerem a sua cidadania. Diante disso, surgem problemas como depressão, baixa autoestima, solidão, algumas doenças, além da mudança para lares de longa permanência, entre outras dificuldades. Assim como foi relatado acima, a psicóloga (C) lembrou que existem famílias que usam os idosos para realizar tarefas domésticas, obrigandoos, de forma sutil, a jornadas que não deveriam mais ocorrer e, ainda, privando-os de participar de atividades voltadas para a sua idade, tais como exercícios físicos, passeios com grupos de idosos, etc. Com uma percepção semelhante, outra assistente social (B) entrevistada relatou que a falta de convívio do idoso com sua família pode causar solidão, fazendo com que os idosos se sintam abandonados, isolados da sociedade, dando origem a doenças, como depressão, baixa autoestima, hipertensão e diabetes. As principais violações que a profissional identifica são o isolamento social, os maus-tratos, a negligência, todas praticadas pelos familiares, em especial, pelos filhos. A entrevistada relatou que os problemas chegam até ela através da queixa dos idosos acerca das doenças acima mencionadas e fazem com que eles deixem de participar de grupos especiais para a terceira idade, precisando ser motivados a continuarem nos grupos. As pessoas idosas que sofrem o abandono são caladas, tímidas ou então conversam demais, aproveitando a atenção que recebem nos grupos e o espaço onde podem se manifestar e ser escutadas. Quando entrevistada, a fisioterapeuta (E) de um lar de idosos relatou que a ausência da família no convívio com idosos traz consequências para a saúde, acarretando doenças, tristeza, revolta e também irritabilidade. Ela mencionou ainda que o abandono agrava doenças e pode causar depressão. Como se verifica, os depoimentos acerca desse problema vão na mesma direção, e são visíveis as consequências do abandono na vida e na saúde dos idosos.

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A entrevistada (E) relatou que percebe sintomas de depressão e tristeza em idosos frente às limitações da idade e à dificuldade em aceitar o processo de envelhecimento. Alguns sequer percebem essas atitudes e frequentemente se frustram com a perda da autonomia, tornando-se dependentes e com comportamento agressivo, muitas vezes, descontam sua raiva em outras pessoas por motivos banais. A psicóloga (F) entrevistada relatou que, ao realizar atendimentos psicoterápicos e em grupos de terapia com idosos asilados, ela percebeu que algumas doenças presentes nos idosos surgiram em decorrência da ausência da família, causando problemas como hipertensão, fibromialgia, doenças de pele (causadas principalmente pelo estresse emocional), fraquezas físicas (falta de vitaminas), mas, principalmente, a depressão. Na opinião da psicóloga entrevistada, algumas atitudes da família prejudicam a qualidade de vida na velhice, muitas vezes, causadas pela falta de paciência e compreensão diante das debilitações decorrentes da idade avançada. Os familiares não sabem ouvir histórias de vida repetidas por diversas vezes, não respeitam o tempo que o idoso leva para realizar algumas atividades, irritam-se facilmente e esquecem que a velhice causa uma perda de disposição nos idosos. Além disso, há a falta de afeto físico e emocional, bem como o abandono em asilos. Para a psicóloga, outro aspecto que prejudica o bom envelhecimento é a falta de ambiente propício para os idosos, um descuido da família que atrapalha o desenvolvimento saudável do envelhecimento, e algumas atitudes acarretam esse problema, como deixar a pessoa idosa sem alimentos, agredi-la física e verbalmente, além da falta de um espaço próprio e privado para o idoso, entre outros. Corroborando as percepções de outras profissionais, a entrevistada (C) relatou que algumas doenças estão ligadas à ausência da família, além disso, há o agravamento de outras doenças preexistentes, tais como problemas cardíacos, diabetes, sintomas de pressão alta, falta de apetite, o que também pode estar ligado à depressão, entre outras doenças. A psicóloga (c) comentou que é possível enumerar diversas atitudes que são prejudiciais para os idosos, mas a pior delas é a ausência da família, considerando que é da natureza do ser humano viver em comunidade. Mesmo vivendo próximo de sua família ou em algum lar, os idosos sofrem com muitos abusos, sendo frequentes as queixas, inclusive, no sentido de terem perdido a sua autonomia, embora estando com plena

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capacidade mental. Existem ainda os casos em que a família utiliza o salário do idoso para a sua própria sobrevivência, muitas vezes, fazendo com que o idoso deixe de usufruir do seu dinheiro para proveito próprio. Além disso tudo, há os idosos que recebem alguns resquícios de afeto da família, outros acabam transferindo a sua moradia para instituições asilares, permanecendo lá até o final de suas vidas e, frequentemente, sem receber o devido respeito, que está, inclusive, previsto em lei. Muitas vezes, a família, com o intuito de proteger o idoso, acaba o sufocando, privando-o de sua liberdade e autonomia, sem sequer ouvir a sua vontade. Alguns idosos deixam os seus lares por acreditarem que, próximos dos filhos, estarão mais protegidos e receberão mais afeto, no entanto alguns filhos se aproveitam da presença do idoso para que este realize trabalhos domésticos, privando-o de atividades de lazer. A gerente administrativa de um lar de idosos (F) relatou que cerca de 60% dos idosos do lar recebem a visita da família com frequência quinzenal, todavia dez idosos são totalmente abandonados pela família. Com base na sua experiência e apesar de a entrevistada não ter uma formação na área da saúde, ela relatou que muitos idosos são acometidos com doenças que muitas vezes são decorrentes do abandono da família. Comentou ainda que o vínculo com a família é de grande importância para os idosos, dessa forma, sem uma relação de afetividade com os seus familiares, é como se não existissem, perdendo a sua referência. Diante desses relatos, verifica-se a realidade em relação ao abandono de idosos, além disso, é possível constatar que, mesmo convivendo com a família, não raras vezes, as pessoas idosas sofrem com maus-tratos ou com a falta de atenção e carinho e, por isso, vivem em solidão, guardando para si a dor e o vazio causados, na maioria das vezes, pelos seus próprios filhos. Os depoimentos vão ao encontro das ideias defendidas pelos teóricos abordados neste estudo, ou seja, o abandono do idoso pode lhe trazer consequências nefastas, as quais repercutem na saúde, na autoestima e na vida do idoso como um todo.

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A POSSIBILIDADE DE REPARAÇÃO DE DANOS CAUSADOS PELO ABANDONO DA FAMÍLIA AO IDOSO É possível afirmar que as demandas de indenização por abandono afetivo estão fundadas no Princípio da Dignidade Humana, que, ao ser acolhido pela Constituição Federal de 1988, causou relevante transformação no ordenamento jurídico, nos valores e nos anseios da sociedade. Dessa forma, o Direito passou a atentar para os sujeitos mais vulneráveis das relações de ordem pública e privada, entre eles, o idoso. E, com o intuito de promover a dignidade da pessoa humana, o Estado passou a ter mais interesse na proteção jurídica das relações privadas.55 De toda forma, é evidente que não se pode cobrar amor de ninguém. Não é possível obrigar os pais a amarem os seus filhos, bem como não se pode obrigar os filhos a amarem e honrarem os seus pais, no entanto também não se pode permitir que a pessoa que se sinta prejudicada com a falta de amor e amparo não receba a devida reparação pelo dano que lhe foi causado. Pode-se dizer que há um caráter pedagógico na reparação civil por abandono afetivo, tendo em vista que, além de uma sanção, essa responsabilização pelos danos causados também visa a servir como um desestímulo aos demais familiares para que não ajam da mesma maneira que as pessoas punidas.56 Diversas demandas envolvendo a reparação por dano moral fundadas no abandono afetivo têm chegado ao Judiciário, e as decisões têm sido divididas: há tanto uma parcela que aceita a possibilidade de indenização nesses casos, mas também há uma parcela contrária, que tem negado os pedidos de reparação por abandono afetivo. Mas, de qualquer forma, independentemente do posicionamento, ambas as correntes são respeitas pela qualidade nas fundamentações.57 BRAGA, Julio Cezar de Oliveira; FUKS, Betty Bernardo. Indenização por abandono afetivo: a judicialização do afeto. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0101-48382013000200005>. Acesso em: 15 abr. 2015. 55

MARCO, Charlotte Nagel de; MARCO, Cristhian Magnus de. O Dano Moral por Abandono Afetivo do Idoso: proteção a direitos fundamentais civis. Disponível em: <http:// editora.unoesc.edu.br/index.php/simposiointernacionaldedireito/article/view/1489/1036>. Acesso em: 05 jun. 2015. 56

REIS, Júnia Fraga. Responsabilidade Civil Por Abandono Afetivo: O Verdadeiro Valor do Afeto na Relação Entre Pais e Filhos. Disponível em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/ files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2010_1/junia_reis.pdf>. Acesso em: 20 mai. 2014. 57

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Cabe lembrar que, no Código Civil, especialmente no livro que trata do Direito de Família, não há a previsão de reparação de danos, seja o dano material ou moral. Essa inovação tem sido trazida pela jurisprudência.58 Nesse sentido, é importante trazer à baila algumas decisões, nas quais se verifica a possibilidade de reparação de danos no âmbito do Direito das Famílias a exemplo do Recurso Especial nº 1.159.242 SP (2009/0193701-9), o qual reconheceu a ilicitude cometida pelo pai ao abandonar material e afetivamente a filha na infância e na juventude, conforme demonstra a ementa abaixo subscrita. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/ compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. […] existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. […]. SORTE, Rita de Cássia Franco Bôa; FUNES, Gilmara Pesquero Fernandes Mohr. Conceito, Espécies, Requisitos do Dano Moral e de seu Ressarcimento. Disponível em: <http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/1404/1342>. Acesso em: 23 mai. 2015.

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7. Recurso especial parcialmente provido. (Grifos originais).59 Essa foi a primeira decisão que reconheceu a possibilidade de reparação do dano moral decorrente do abandono afetivo.60 Pode-se dizer que, apesar da polêmica sobre o tema, a partir dessa decisão, ficou estabelecido o entendimento, pela jurisprudência, de que é cabível a penalidade civil nos casos de abandono afetivo.61

Essa tese relacionada ao abandono moral, afetivo, ou ainda abandono paterno-filial, também conhecida como a teoria do desamor, segundo Lagrasta Neto, Tartuce e Simão, vem sendo discutida por doutrinadores brasileiros, principalmente por aqueles que se dedicam à responsabilidade civil e ao Direito das Famílias. A decisão supramencionada fez com que a tese ganhasse um importante reconhecimento pela jurisprudência. Primeiramente, havia sido negado o pedido da autora, sob a alegação de que o pai não teria agido ilicitamente ao abandonar afetivamente a filha e porque o afeto não pode ser imposto a alguém, no entanto essa decisão foi reformada e reconheceu a possibilidade de reparação de danos decorrentes da falta de afeto.62 Por outro lado, em 2005, houve uma decisão contrária acerca do assunto, no Recurso Especial Nº 757.411 - MG (2005/0085464-3), que não reconheceu a possibilidade de reparação de danos causados pelo abandono afetivo, embora o filho tenha declarado ter vivido longe do convívio do pai; apesar de o pai lhe prestar alimentos, nunca lhe prestou assistência e afastou-o do convívio com a meia-irmã, nascida na mesma época,

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.159.242 - SP (2009/0193701-9), da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Data do Julgamento: 24/04/2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200901937019>. Acesso em: 17 mar. 2015.

59

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Publicado acórdão que reconheceu dano moral por abandono afetivo. Disponível em: <http://stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine. wsp?tmp.area=398&tmp.texto=105659>. Acesso em: 25 mai. 2015.

60

IBDFAM, Instituto Brasileiro de Direito de Família. Abandono afetivo inverso pode gerar noticias/5086/+Abandono+afetivo+inverso+pode+gerar+indeniza%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em 09 abr. 2014.

61

62

indenização.

Disponível

em:

<http://www.ibdfam.org.br/

LAGRASTA NETO, Caetano; TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito de Família: novas tendências e julgamentos emblemáticos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 285-286.

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além disso, o jovem relatou que a ausência do pai em ocasiões importantes lhe causou extremo sofrimento e humilhação. Ainda assim, o Tribunal entendeu que a prática de abandono afetivo não é suficiente para se obter uma reparação pecuniária.63 Sobre a decisão que considerou cabível a possibilidade de reparação de danos relacionados à falta de afeto, cumpre dizer que tal posicionamento se fundamenta no artigo 186 do Código Civil, o qual consagra o conceito de ato ilícito, tendo em vista que o abandono afetivo gera a violação de um direito, que, no caso em tela, é a convivência paterna. Nesse caso, se há o dano e o ato ilícito, estão presentes dois dos principais requisitos para a possibilidade de reparação.64 Como visto anteriormente, a jurisprudência considerou cabível a reparação de danos causados à filha pela ausência do pai, porém é relevante o questionamento acerca do abandono afetivo de idosos, se a falta de amor, cuidado e atenção sofrida por eles também é passível de reparação. Alves leciona que esse tipo de abandono pode ser chamado de abandono afetivo inverso,65 ou seja, a falta de cuidado e afeto dos filhos para com os pais, sendo essa a base para a possibilidade de reparação.66 Pode-se dizer que o abandono está ligado à ausência de afeto, situação em que o idoso acaba sendo esquecido por seus familiares, ou estes preferem apenas suprir as necessidades materiais desse indivíduo, deixando de lhe dar carinho e compartilhar alguns momentos em família. Dessa forma, se o idoso se vê necessitado de algum auxílio no campo material e também no campo afetivo, surge a possibilidade de reparação

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Nº 757.411 - MG (2005/0085464-3), da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro Fernando Gonçalves. Julgado em: 29/11/2005. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200500854643&dt_publicacao=27/03/2006>. Acesso em: 17 mar. 2015.

63

LAGRASTA NETO, Caetano; TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito de Família: novas tendências e julgamentos emblemáticos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 288.

64

Desembargador Jones Figueirêdo Alves em entrevista ao Instituto Brasileiro de Direito de Família. In: IBDFAM, Instituto Brasileiro de Direito de Família. Abandono afetivo inverso pode gerar indenização. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/5086/+Abandono+afetivo+inverso+pode+gerar+indeniza%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 09 abr. 2014.

65

IBDFAM, Instituto Brasileiro de Direito de Família. Abandono afetivo inverso pode gerar noticias/5086/+Abandono+afetivo+inverso+pode+gerar+indeniza%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 09 abr. 2014.

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Disponível

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<http://www.ibdfam.org.br/

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dos danos causados por esse abandono, cujo intuito maior é garantir que sejam oferecidas condições de uma existência digna à pessoa idosa, o que possui amplo amparo na Carta Magna pátria.67 No que tange ao abandono afetivo inverso, ou seja, aquele praticado contra o idoso por seus filhos, Alves leciona que “[...] na mesma dimensão jurídico-axiológica que reclama os cuidados de proteção na relação paterno-filial, devemos considerar que a falta do cuidar serve de premissa de base para a indenização”.68 De toda forma, o Princípio da Dignidade Humana está previsto no texto constitucional deve nortear também as relações familiares, considerando os seguintes preceitos: A família, de fato, é o núcleo da sociedade e é a responsável pelo desenvolvimento do indivíduo. A entidade familiar não tem somente o papel reprodutivo, mas também é fonte de afeto e solidariedade, atributos que ultrapassam os meros laços sanguíneos. A regra constitucional prevista no art. 229 é objetiva: estabelece que assim como os pais têm o dever de cuidar dos filhos enquanto menores, os filhos maiores devem amparar os pais na sua velhice.69 (Grifou-se).

Uma vez que o abandono afetivo de idosos não está sedimentado na jurisprudência, deve-se analisar o Princípio da Analogia como fundamento para que se verifique a possibilidade ou não de reparação de danos causados pelo abandono de idosos por sua família. Nesse sentido, Venosa comenta que o magistrado deve decidir sempre, mesmo que não haja uma lei que regule o caso analisado, hipótese em que o

NASCIMENTO, Vanessa; Copatti, Lívia Copelli. Abandono de pessoas idosas e a possibilidade de indenização pelos familiares. Disponível em: http://www.imed.edu.br/ Uploads/liviacopellicopatti(%C3%A1rea3).pdf>. Acesso em: 08 jun. 2015. 67

IBDFAM, Instituto Brasileiro de Direito de Família. Abandono afetivo inverso pode gerar noticias/5086/+Abandono+afetivo+inverso+pode+gerar+indeniza%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 09 abr. 2014.

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indenização.

Disponível

em:

<http://www.ibdfam.org.br/

SILVA, Lillian Ponchio; MEDEIROS et al. Responsabilidade Civil dos Filhos com Relação aos Pais Idosos: Abandono Material e Afetivo. Disponível em: <http://www.lex.com.br/ doutrina_24230664_RESPONSABILIDADE_CIVIL_DOS_FILHOS_COM_RELACAO_AOS_PAIS_IDOSOS_ABANDONO_MATERIAL_E_AFETIVO.aspx>. Acesso em: 18 mar. 2014.

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julgador deverá recorrer a fontes subsidiárias para tomar a sua decisão, dentre esses métodos, está a analogia, que não é exatamente um método extensivo de interpretação, mas, sim, uma fonte subsidiária.70 Por fim, cabe destacar as palavras da Ministra Andrighi: “em suma, amar é faculdade, cuidar é dever”. Dessa forma, ficando comprovado que esse dever foi descumprido, resta caracterizada a ilicitude civil, na forma de omissão, haja vista que se deixou de cumprir uma obrigação imposta por lei, acarretando, por conseguinte, o dever de indenizar.71 Em consequência disso, por analogia, pode-se dizer que é cabível a reparação de danos causados pelo abandono afetivo inverso, considerando que há a violação de um dever legal da família, que é amparar a pessoa idosa, causando a esta um efetivo dano. Além disso, partese do pressuposto genérico de que aquele que, por ato contrário à ordem jurídica, causar dano a outrem deve repará-lo. Portanto, com base na analogia, a responsabilidade por abandono afetivo dos idosos encontra supedâneo nas fundamentações relacionadas ao abandono dos filhos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Pretendeu-se, com este estudo, por meio da análise dos direitos dos idosos, especialmente no que tange à família, fomentar a análise e a discussão acerca dos deveres desta em relação aos entes já com idade avançada e se há a possibilidade de reparação de danos causados pelo abandono afetivo. Para isso, buscou-se um conceito para o idoso com base em uma pesquisa na doutrina e na legislação, tendo sido constatado que há certa dificuldade em definir a pessoa idosa, pois existem diferentes critérios a serem utilizados. De toda forma, seja pela idade avançada ou pela capacidade da pessoa, deve-se levar em consideração a importância da tutela dos direitos que as pessoas idosas possuem. Esses direitos estão previstos em diferentes dispositivos legais, no entanto verificou-se que não faz muito tempo 70

VENOSA, Silvio de Salvo. Introdução ao Estudo do Direito: primeiras linhas. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 135-136.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.159.242 - SP (2009/0193701-9), da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Data do Julgamento: 24/04/2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200901937019>. Acesso em: 17 mar. 2015.

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que o idoso ganhou espaço na legislação brasileira e, mesmo na atual Carta Magna, não são encontrados muitos artigos que versem sobre os direitos dos idosos. Portanto, pode-se dizer que as duas principais fontes de direitos da pessoa idosa são a Política Nacional do Idoso, criada em 1994, e o Estatuto do Idoso, o qual foi publicado em outubro de 2003. São assegurados a todos os indivíduos idosos os direitos fundamentais, os quais estão previstos na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto do Idoso, tendo-se destacado, neste estudo, o direito à dignidade e à convivência familiar e comunitária. Além disso, reitera-se que é dever da família, da sociedade e do Estado garantir a efetividade de tais direitos. Diante do crescimento significativo do número de pessoas idosas no Brasil, a sociedade precisa se adaptar e aceitar que o país está envelhecendo. Além disso, são necessárias ações para acabar com os casos de violação dos direitos dos idosos, provocados principalmente pela família, lembrando que a atual Constituição Federal consolidou em seu artigo 230, o dever da família em amparar o idoso e, em 2003, o Estatuto do Idoso, em seu artigo 3°, reforçou essa previsão, motivo pelo qual cada vez mais esforços devem ser empreendidos para que a proteção jurídica do idoso se consubstancie no cotidiano das famílias e da sociedade brasileira. Cabe mencionar que a garantia de uma qualidade de vida na velhice está ligada ao afeto que o idoso recebe de sua família, destarte é de suma importância a convivência com seus familiares de forma saudável, tendo em vista a melhora na sua qualidade de vida e o auxilia no enfrentamento da velhice, uma vez que a família contribui diretamente para o bem-estar e a felicidade da pessoa idosa. Para estabelecer uma comparação, foram trazidos casos em que filhos abandonados material e afetivamente buscaram o Judiciário com o intuito de abrandar o sofrimento causado pelo abandono dos pais. Inicialmente, a questão gerou controvérsias, no entanto, em uma decisão mais recente do Superior Tribunal de Justiça, houve o reconhecimento do pedido de uma filha que foi abandonada pelo pai e que postulava uma indenização. Sendo assim, atualmente, pode-se considerar cabível a possibilidade de reparação dos danos causados em decorrência do abandono afetivo fundada na constatação de que o que realmente constitui uma família são os laços afetivos.

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Por esse motivo, tanto o ordenamento jurídico quanto a jurisprudência já vinham reconhecendo a importância do afeto no seio familiar, erigindo-o como um dos elementos fundantes da família. Com base na decisão que reconheceu o pedido da filha abandonada pelo pai, cabe o seguinte questionamento: e quanto ao pai, que, já com uma idade avançada, se vê desamparado pelos filhos? É cabível uma reparação nesse caso? Pode-se dizer que a pessoa idosa passa por um sofrimento imensurável com a ausência ou a indiferença de seus filhos e, através dos relatos trazidos a este trabalho, restou comprovado que a falta de carinho e a ausência da família afetam diretamente o bem-estar e a saúde do idoso, causando-lhe ou agravando diversas doenças. A partir daí, deve-se construir uma visão voltada para a dignidade do idoso, a qual é diretamente atingida pelo abandono, considerando que a pessoa abandonada perde o rumo de sua vida e, muitas vezes, até a vontade de viver. Obviamente, não se pode impor a afeição ou o amor, todavia é dever da família amparar o idoso, pois esse indivíduo se encontra em situação de extrema vulnerabilidade. Assim, por analogia, a responsabilidade por abandono afetivo dos idosos encontra fundamentação em decisões relacionadas ao abandono dos filhos. Por outro lado, sabe-se que uma reparação pecuniária não é capaz de suprir a ausência de um filho ou a solidão causada pelo abandono. Assim, o que se pretende, com tal reparação, é apenas trazer mais conforto, amenizar a dor e o sofrimento daquele sujeito que já viveu muito e vê em uma situação, muitas vezes, de completa dependência, uma pessoa que se vê obrigada a aceitar ajuda para se vestir, se alimentar, atividades essas rotineiras e que os idosos já não podem executar sozinhos. Além disso, busca-se evitar que os filhos continuem abandonando os seus pais idosos em lares, asilos ou em casa, deixando-os à própria sorte, obrigando-os a viver em solidão e usurpando-lhes o direito de envelhecer e morrer dignamente.

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______. Recurso Especial nº. 757.411 - MG (2005/0085464-3), da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator Ministro Fernando Gonçalves. Julgado em: 29/11/2005. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200500854643&dt_ publicacao=27/03/2006>. Acesso em: 17 mar. 2015. BRASIL. Ministério da Saúde. Estatuto do Idoso. 3. ed. 2. reimpr. Brasília: Ministério da Saúde, 2013. BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos. Revista dos Direitos da Pessoa Idosa: o compromisso de todos por um envelhecimento digno no Brasil. Edição Especial. Brasília – DF, 2011, p. 44. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-idosa/ publicacoes/revista-direitos-pessoa-idosa-1>. Acesso em: 19 nov. 2014. ______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.159.242 - SP (2009/0193701-9), da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Data do Julgamento: 24/04/2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita. asp?registro=200901937019>. Acesso em: 17 mar. 2015. CAMARANO, Ana Mélia. (Org.); PASINATO, Maria Tereza. Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60? Rio de Janeiro: IPEA, 2004, p. 4. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/Arq_29_Livro_Completo.pdf>. Acesso em: 10 set. 2014. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, volume 3, parte especial: dos crimes contra a dignidade sexual a dos crimes contra a administração pública (arts. 213 a 359-H). 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. FACHIN, Rosana Amara Girardi. Em busca da família do novo milênio: Uma reflexão crítica sobre as origens históricas e as perspectivas do Direito de Família brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. FRANCO, Paulo Alves. Estatuto do Idoso Anotado. São Paulo: LED, 2004.

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os direitos sucessórios do companheiro no ordenamento jurídico brasileiro

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Diênefer Brando Girardon Acadêmica do curso de Direito na Universidade Feevale. E-mail:dienifer.girardon@ig.com.br.

Frederico Loureiro de Carvalho Freitas

Mestre e Especialista em Direito pela PUC/RS, Professor Universitário e advogado no Rio Grande do Sul. E-mail: frederico@carvalhofreitas.com.br.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS Ao longo dos anos a família passou por inúmeras transformações, as quais, tendo em vista que ocorrem em conformidade com a evolução da sociedade na qual estão inseridas, continuam a acontecer. Todavia, o processo evolutivo de uma sociedade é lento e por muitos anos a única forma de união aceita foi o casamento. No entanto, mesmo sem o amparo social ou jurídico o número de casais que viviam como se casados fossem e com o desejo primordial de constituir família foi crescendo, apesar disso, embora inexistissem impedimentos, deixavam de formalizar a união através do matrimônio. Dessa forma, o Estado se viu na obrigação de proteger essa nova entidade familiar, inserindo-as no ordenamento jurídico e atualmente classificando-as como união estável. Independente da forma de como decidiram constituir a sua família, sendo pelo mais puro e rigoroso casamento ou pela união estável, é importante que o casal compreenda o quão importante é a escolha do regime de bens em suas vidas, pois será através de suas diretrizes que as relações econômicas entre ambos e também perante terceiros serão regidas. Outrossim, em momentos não tão felizes da vida do casal, dados pela separação ou pela morte, a escolha do regime de bens também terá grande influência na forma em como se dará a divisão do patrimônio ou da herança deixada. Mesmo que para a ocorrência tanto do casamento quanto da união estável deva ser necessária a existência do desejo de constituir uma família e viver como marido e mulher, há um rol extensivo de diferenças que envolvem essas duas figuras e, devido a estas diferenças, bem como as lacunas que foram deixadas pelas leis que abarcaram a matéria ao longo dos anos, não foi possível chegar a um entendimento pacificado, ocasionando então um debate entre a doutrina e a jurisprudência a respeito da matéria que está atualmente disposta no artigo 1.790 do Código Civil Brasileiro. Nesse sentido, muito embora a constitucionalidade ou inconstitucionalidade seja declara pelo Supremo Tribunal Federal, a matéria encontra-se em pauta no Superior Tribunal de Justiça para decisão, contudo ainda não houve posicionamento findado e enquanto isso não ocorre permanecem diferentes os posicionamentos dos doutrinadores da área, bem como dos magistrados nos tribunais brasileiros.

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DA FORMAÇÃO DA ENTIDADE FAMILIAR E DOS SEUS REFLEXOS SUCESSÓRIOS DO CASAMENTO E DA UNIÃO ESTÁVEL O Brasil é um país miscigenado por famílias de naturezas diferentes, sendo algumas delas formadas por casais que contraíram núpcias pelo costume tradicional, ou seja, através do casamento, e outras por casais que vivem em uniões estáveis, famílias monoparentais ou familias homoafetivas. Contudo, mesmo levando em consideração o atual estado da sociedade, num passado nem tão remoto, apenas as famílias tradicionais possuíam segurança jurídica quanto aos seus direitos, entre estes o direito sucessório, o que ao longo dos anos acarretou um grande desconforto para as demais classes de famílias. Assim, com o passar do tempo às entidades familiares, anteriormente deixadas à beira da sociedade, foram conquistando mais espaço nos costumes, na doutrina e também no ordenamento jurídico, sendo elas, atualmente, acolhidas de uma forma mais abrangente. No entanto, mesmo com as perceptíveis evoluções que ocorreram, ainda há muito para se conquistar no que tange aos direitos sucessórios dos companheiros no ordenamento jurídico brasileiro atual. O autor Clovis Beviláqua em sua obra sobre o direito de família define casamento da seguinte maneira: O casamento é um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente, legitimando por ele suas relações sexuais; estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesses, e comprometendo-se a criar e educar a prole que de ambos nascer.1

Considerando as transformações econômicas, sociais e políticas, verificou-se a necessidade de um novo conceito para o casamento, sendo esta então denominada como a união de duas pessoas de sexo diferente, que realizavam uma integração fisiopsíquica permanente. No entanto,

1

BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de Família. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1976, p. 34.

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atualmente é de conhecimento comum que a união formada por um homem e uma mulher não é mais a única forma de família existente, haja vista o reconhecimento concedido as uniões entre pessoas do mesmo sexo.2 Devido à complexidade do casamento, em razão dos inúmeros requisitos inerentes a sua constituição e seu extenso rigor jurídico, ensejouse o desenvolvimento de uma “nova” entidade familiar, nova por possuir um notório crescimento com o passar dos anos, entretanto, essa forma de constituição de família sempre existiu.3 A união extramatrimonial entre homem e mulher sempre acompanhou a sociedade brasileira, porém, não era abordada no ordenamento jurídico a fim de que se protege-se a família conhecida por “legitima”, sendo aquela constituída única e exclusivamente pelo casamento.4 Maria Helena Diniz bem diferencia um instituto do outro, ao passo que explana a matéria da seguinte forma: “O casamento é diferente da união estável por iniciar-se como cerimônia nupcial, gerando efeitos a partir dela e extinguindo-se pela invalidação, divórcio ou morte. A união estável não se estabelece por um ato único, forma-se com o tempo”.5

Alguns doutrinadores, como Sérgio Luiz Monteiro Salles, entendem que a união entre um homem e uma mulher sem o formalismo do casamento civil vem a ser um direito fundamental, não devendo sofrer dessabores por não possui o mesmo rigor jurídico, bem como já possuía amparo na própria Constituição Federal, que no seu artigo 5º, inciso X, que refere-se aos direitos fundamentais da pessoa humana e a condução da vida privada, onde implicitamente pode-se entender que a pessoa pode escolher a maneira como deseja manter suas relações de afeto, dessa forma podendo concretizar a união estável.6 2

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito de Família. 16. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. 6, p. 53.

3

SALLES, Sergio Luiz Monteiro. Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 235-236.

SILVA, Ana Carolina Medeiros Barbosa da; GICO, Vânia de Vasconcelos. União Estável: Histórico e abordagem do direito civil brasileiro. Revista da FARN, Natal, v. 9, n. ½, p. 131-150, jan./dez. 2010, p. 138-139. Disponível em: http://www.revistaunirn.inf.br/revistaunirn/index.php/revistaunirn/article/view/266. Acesso em: 20 de ago. 2014.

4

5

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 23. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 369.

6

SALLES, Sergio Luiz Monteiro. Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 235-236.

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Apesar do aumento desse modelo de classe familiar, o Código Civil de 1916 foi omisso quanto à união estável, não a comtemplando sequer como concubinato puro, que era considerado aquele baseado na união entre homem e mulher que mesmo sem impedimentos para o casamento não o formalizavam.7 Contudo, com o passar dos anos coube a doutrina e a jurisprudência distinguir as relações de concubinato puro e impuro, onde o primeiro é aquele em que não havia impedimentos para o casamento, mas deixava de ser formalizado e o outro, por sua vez, vem a ser aquele baseado na relação ilegítima, sendo considerado adulterino, incestuoso ou desleal, não merecendo proteção do Estado.8 Alguns foram os fatores que contribuíram para que a união estável viesse a ser comtemplada no ordenamento jurídico, em primeira análise ponderaram-se os direitos das companheiras, que na maioria dos casos não trabalhavam e ao se dissolver a união não matrimonial ficavam desamparadas. Devido a isso, houve casos de indenização por prestação de serviços domésticos prestados àquele homem com quem mantinham a relação.9 Assim, os direitos dos companheiros foram ganhando espaço no ordenamento jurídico, passando a ser contemplados pelo Direito de Família e estando previsto no §3º do artigo 226 da Constituição Federal de 1988, que diz: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”10 Prevista a união estável na legislação brasileira, houve duas leis que regraram seus ditames, a primeira foi a Lei 8.971 de 29 de dezembro de 1994, que abrangeu o direito aos alimentos, bem como aos direitos sucessórios dos companheiros, os quais deveriam viver juntos há mais de cinco anos ou possuir prole em comum, além de ser solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos.11

7

PEIXOTO, Paulo Daniel Sena Almeida. A Tutela Sucessória dos Companheiros: Uma visão Civil Constitucional. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2010, p. 16-18.

8

PEIXOTO, Paulo Daniel Sena Almeida. A Tutela Sucessória dos Companheiros: Uma visão Civil Constitucional. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2010, p. 16-18.

SILVA, Ana Carolina Medeiros Barbosa da; GICO, Vânia de Vasconcelos. União Estável: Histórico e abordagem do direito civil brasileiro. Revista da FARN, Natal, v. 9, n. 1/2, p. 131-150, jan./dez. 2010, p. 138-139. Disponível em: <http://www.revistaunirn.inf.br/revistaunirn/index.php/revistaunirn/article/view/266>. Acesso em: 20 ago. 2014. 9

10

PEIXOTO, Paulo Daniel Sena Almeida. A Tutela sucessória dos companheiros: Uma visão Civil Constitucional. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2010, p. 18-20.

11

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito de Família. 16. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. 5, p. 537-541.

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Posteriormente, em 10 de maio de 1996, entrou em vigor a Lei 9.278 que serviu para complementar alguns aspectos da lei anterior, tendo por objetivo a regulamentação do §3º do artigo 226 da Constituição Federal, deixando de exigir-se o tempo mínimo de cinco anos para configuração da união estável, passando então a ser necessária a comprovação de convivência pública, contínua e duradoura, objetivando a constituição de família, elemento basilar para configurar esta forma de união.12 Esta lei também estabeleceu, mesmo que de forma não expressa, o regime que deverá ser adotado pelos companheiros, tendo em vista que declarou a presunção de condomínio entre os companheiros no que tange a aquisição de bens na constância da união.13 Em 2002, o Código Civil Brasileiro revogou tacitamente as Leis 8.971/94 e 9.278/96 ao amparar a matéria de forma mais completa, permanecendo conforme a lei anterior somente o que a atual legislação não faz referência, como por exemplo, o local de discussão da matéria,

12

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito de Família. 16. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. 5, p. 541-545.

13

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito de Família. 16. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. 5, p. 541-545.

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que será as Varas de Família.14 O atual ordenamento jurídico fixou a matéria sobre a união estável no livro de Direito de Família, contemplando nos artigos 1.723 a 1.72715 os aspectos pessoais e patrimoniais e no artigo 1.79016 os aspectos sucessórios pertinentes aos companheiros.17 Evidente é a necessidade de requisitos para configuração da união estável. Carlos Roberto Gonçalves, em sua obra Direito de Família, os classifica como pressupostos de ordem objetiva e ordem subjetiva, onde os de ordem objetiva correspondem a diversidade dos sexos, notoriedade, estabilidade ou duração, a continuidade, a inexistência dos impedimentos matrimoniais e relação monogâmica. Já quanto a ordem subjetiva, o autor classifica os requisitos em convivência “more uxório” e a “affectio maritalis”, ou seja, a vontade de constituir um âmbito familiar e viver como se marido e mulher fossem.18

SILVA, Ana Carolina Medeiros Barbosa da; GICO, Vânia de Vasconcelos. União Estável: Histórico e abordagem do direito civil brasileiro. Revista da FARN, Natal, v. 9, n. ½, p. 131-150, jan./dez. 2010, p. 136. Disponível em: http://www.revistaunirn.inf.br/revistaunirn/index.php/revistaunirn/article/view/266. Acesso em 20 de ago. 2014.

14

“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. § 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente. § 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável. Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos. Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil. Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.” 15

“Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parente sucessíveis, terá direito à totalidade da herança;”

16

17

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Direito de família. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 6, p. 608.

18

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de família. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 6, p. 612-625.

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DO REGIME DE BENS INERENTE A UNIÃO ESTÁVEL A escolha do regime de bens é uma escolha de grande importância na vida econômica do casal independente da forma da sua constituição, pois versa sobre o conjunto de normas que irá regrar as relações econômicas entre os mesmos e perante terceiros, no que tange aos bens adquiridos antes e durante a constância do casamento ou da união estável, ou seja, irá tratar do patrimônio de um, de outro e de ambos.19 No Brasil, o atual ordenamento jurídico prevê a existência de quatro regimes de bens, sendo eles: regime da comunhão parcial de bens, regime da comunhão universal de bens, regime da separação legal ou obrigatória e ainda regime da participação final dos aquestos. A existência destes quatro regimes serve para facilitar a decisão de qual regime é o mais apropriado para cada casal, contudo, ainda assim é facultado aos cônjuges ou companheiros dispor sobre como desejam regular as suas relações econômicas, desse modo é possível a formação de um novo regime, que será chamado de regime misto, podendo constar clausulas oriundas dos regimes já existentes e clausulas próprias, feitas de acordo com a vontade do casal.20 Previsto no Código Civil nos artigos 1.658 a 1.666, o regime da comunhão parcial possui grande utilidade por realizar uma distinção dos bens adquiridos antes e durante a constância do casamento ou da união estável, com isso ocorre a divisão do patrimônio do casal em três esferas: os bens de um, os bens de outro e os bens comum, ou seja, os pertencentes a ambos.21 No entanto, quando aberta a sucessão, o cônjuge ou companheiro que sobrevir terá direitos diferenciados, haja vista que o cônjuge por ser considerado herdeiro necessário irá concorrer com os demais herdeiros, no entanto, por não ter o legislador incluído o companheiro neste mesmo

19

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 6, p. 436-437.

RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. Eficácia do regime de bens no casamento e na união estável. Revista de Direito Imobiliário, Ano 34, v. 70, jan./dez. 2011, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 424-445.

20

21

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 6, p. 469.

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rol, este não terá direito a parte legítima da herança deixada pelo companheiro falecido, havendo para si apenas a parte disponível, caso tenha sido beneficiado por testamento.22

DOS DIREITOS SUCESSÓRIOS DO COMPANHEIRO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO É evidente que no ordenamento jurídico brasileiro o cônjuge oriundo do casamento civil ainda possui vantagens quando comparado ao companheiro e estas divergências são ainda maiores quando aberta a sucessão. A sucessão do companheiro será sempre referente aos bens que foram adquiridos de forma onerosa durante a constância da união e para chegar a receber a integralidade da herança será necessário que não haja nenhum outro parente sucessível.23 Existindo concorrência com descendentes comuns do casal, o companheiro irá receber da mesma forma que estes descendentes, ou seja, a quota referente ao companheiro será igual à quota correspondente ao filho, porém se os filhos forem exclusivos do companheiro que deu origem a herança, o companheiro sobrevivente irá receber somente a metade da quota que será remetida a esses filhos, restando assim prejudicado.24 Ocorrendo concorrência entre o companheiro e os demais parentes sucessíveis, sendo possível somente os ascendentes ou colaterais, não se repartirá somente os bens adquiridos a título oneroso durante a união e sim todo o patrimônio partilhável do falecido, garantindo-se ao companheiro um terço desse patrimônio e ficando os outros dois terços para divisão entre os demais herdeiros sucessíveis, independente de 22

DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 74-75.

23

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões. 7. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 189-191.

24

DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 184-190.

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quantos sejam e a qual grau de parentesco pertençam.25 O direito real de habitação concedido ao companheiro, não foi contemplado pelo atual ordenamento, contudo o entendimento jurisprudencial predominante é que o atual Código Civil não teria revogado expressamente a Lei 9.278/96, assim restando garantido o direito concedido aos companheiros de permanecer residindo na casa que servia de moradia para família, enquanto não vir a constituir uma nova união estável ou até mesmo casamento.26 Mantem-se afastada a concorrência sucessória entre o companheiro e cônjuge, pois se presume que para existência da união estável a pessoa não seja casada, ou se for que já esteja separada judicialmente ou de fato, além disso, se a separação for superior a dois anos o cônjuge não irá compor o rol de herdeiros do falecido. No entanto, pode ocorrer que uma pessoa esteja separada de fato há menos de dois anos, mas já esteja vivendo em união estável com outra, nesse caso o direito do cônjuge ainda não estará afastado e como não há prazo estabelecido para a comprovação da união estável, o companheiro também terá seu direito garantido.27

DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS Concorrência com descendentes – filhos do casal: neste caso a sucessão será idêntica se o número de filhos for até três, sendo um número maior ficará reservado ao cônjuge uma quota correspondente a ¼ da herança, já o companheiro não terá esse direito assegurado, devendo dividir a herança com o número total de filhos; Concorrência com descendentes – filhos exclusivos do autor da herança: o cônjuge receberá quota igual à dos enteados, já ao companheiro será reservado apenas metade da quota destinada ao filho do falecido; 25

DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 190-191.

26

CARVALHO, Dimas Messias de; CARVALHO, Dimas Daniel de. Direito das Sucessões: Inventário e Partilha. 3 ed. São Paulo: Del Rey, 2011, p. 71-74.

27

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 7, p. 199-200.

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Concorrência com descendentes – filhos exclusivos e comuns: quanto à filiação híbrida, o que é cada vez mais comum na sociedade moderna a lei atual foi silente; Concorrência com ascendentes – ambos os genitores: ocorrendo concorrência com ambos os ascendentes, o direito concedido ao cônjuge e ao companheiro será igual, recebendo cada um dos herdeiros (pai, mãe e cônjuge ou companheiro) 1/3 da herança deixada pelo autor da mesma; Concorrência com ascendentes – demais ocorrências: nos casos de somente um dos genitores ou ascendentes em grau mais afastado, o cônjuge terá sua parte calculada perante o total da herança deixada e o companheiro alcançará somente os bens que foram adquiridos de forma onerosa na vigência da união, sendo os bens particulares entregues somente aos ascendentes; Concorrência com parentes colaterais: não existindo descendentes nem ascendentes, chamam-se a sucessão os parentes colaterais, os quais mesmo não compondo o rol de herdeiros necessários, são herdeiros do falecido e são chamados a suceder. No entanto não existirá concorrência com o cônjuge, pois este herdará a integralidade da herança, já se a concorrência se der com o companheiro, a este ficará reservado o direito a 1/3 da herança e o restante é dividido entre os parentes colaterais; Direito de habitação: este também diverge entre cônjuge e companheiro, tendo em vista que o cônjuge possui previsão legal disposta no artigo 1.83128 do atual Código Civil Brasileiro para embasar o seu direito, já o companheiro não teve esse direito obtido no atual ordenamento, sendo protegido por meio de lei específica, Lei 9.278/9629.30

28 “Artigo 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.” 29 “Art. 7°. Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título

de alimentos. Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.”

30 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 7, p. 158-166. ORGANIZADORES:

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INTERPRETAÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL DOS DIREITOS DO COMPANHEIRO À LUZ DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO Com o advento do novo Código Civil Brasileiro é correto afirmar que houve muitos pontos positivos, mas é notório que também houve grandes retrocessos quanto à sucessão dos companheiros. A grande maioria dos doutrinadores compreende que a referida lei restringiu o conteúdo sucessório dos companheiros, como é o caso de Silvio Rodrigues que dentre outros doutrinadores, afirma que com o novo status concedido aos cônjuges os companheiros foram colocados em uma posição de profunda inferioridade.31 Em contrapartida, outros doutrinadores, como Eduardo de Oliveira Leite entendem que a disparidade existente entre os dois institutos não gera discriminação, ao passo que a Constituição Federal não equiparou as entidades familiares ao pronunciar que deverá a lei facilitar a conversão da união estável em casamento.32 O primeiro equívoco refere-se ao local em que o único artigo referente a sucessão do companheiro foi alocado, tendo em vista que está no Capítulo I do Título I, que correspondem respectivamente as disposições gerais e da sucessão em geral, não sendo contemplado pelo capitulo especifico da ordem de vocação hereditária ou juntamente com a sucessão do cônjuge.33 A nova carta tornou-se injusta com os companheiros ao deixar de acolher os direitos que haviam sido conquistados pela Lei 8.974/94 e também pela Lei 9.278/96, onde nos casos de o companheiro sobrevivente ser meeiro de todo o patrimônio, terá que se buscar amparo em outros dispositivos.34

31

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das Sucessões. 26. ed. rev. e atual. por Zeno Veloso de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 7, p. 116-117.

32

LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao Novo Código Civil: do Direito das Sucessões: (Arts. 1.784 a 2.027). Rio de Janeiro: Forense, 2009, v. XXI, p. 54-79.

33

CARVALHO NETO, Inácio de. Direito Sucessório do Cônjuge e do Companheiro. São Paulo: Método, 2007, v. 1, p. 182-183.

34

CARVALHO, Dimas Messias de; CARVALHO, Dimas Daniel de. Direito das Sucessões: Inventário e Partilha. 3 ed. São Paulo: Del Rey, 2011, p. 171-173.

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Outro direito que não foi abrangido pelo Código Civil de 2002, refere-se ao direito de habitação do companheiro, o qual foi concedido pela Lei 9.278/96 e tem sua manutenção discutida pela doutrina, entretanto, mesmo com a divergência existente, pondera-se o posicionamento jurisprudencial, que entende que como a legislação atual não fez referência ao aludido ponto da matéria sucessória, a antiga não teria sido revogada, sendo acolhido o direito de habitação aos companheiros, conforme previsto no artigo 7º35 da referida lei.36 O usufruto que foi previsto pela Lei 8.971/1994, nos dias atuais é praticamente inaceitável, conforme jurisprudencial atual do Estado do Rio Grande do Sul: APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS COMPROVADOS. ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL. RELACIONAMENTO AFETIVO RECONHECIDO COMO SE CASAMENTO FOSSE. Tratando-se a união estável de instituto de marcada aproximação ontológica do casamento, com graves e eventualmente perenes efeitos sobre a vidas das pessoas, seja no âmbito do direito obrigacional, seja no que tange a alimentos ou mesmo ao patrimônio, é mister que a prova dos fatos seja robusta e concludente, recomendando, além do que, interpretação restritiva, sob pena de desvirtuamento do instituto que, em última análise, teve ingresso no mundo jurídico brasileiro como forma de proteção do Estado à família. Hipótese em que restou evidenciada a condição similar a de casados, porquanto presentes os requisitos da continuidade, publicidade e estabilidade. PARTILHA DE BENS. REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL. PARTIÇÃO DE TODOS OS BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. AFASTAMENTO DA PARTILHA DE USUFRUTO. DIVISÃO DO NUMERÁRIO DEPOSITADO NA CONTA CORRENTE. REALIZAÇÃO COM BASE NO SALDO MÉDIO VERIFICADO NA DATA DA RUPTURA DA UNIÃO ESTÁVEL. Na união estável vigoram as regras relativas ao regime da comunhão parcial de bens, devendo ser partilhados todos os bens adquiridos onerosamente pelo esforço comum dos companheiros. Ostenta-se inadmissível a partilha do usufruto. Porquanto não comporta atos de transferência ou alienação. Há de

“Art. 7º. Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista neste Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos. Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado a residência da família.” 35

36

CARVALHO, Dimas Messias de; CARVALHO, Dimas Daniel de. Direito das Sucessões: Inventário e Partilha. 3 ed. São Paulo: Del Rey, 2011, p. 76.

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partilhar-se numerário existente em conta corrente, levando-se em consideração os valores existentes no momento da ruptura da união estável. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE.37

Outro ponto que gera inúmeras controvérsias refere-se ao tempo para que a separação seja considerada de fato, haja vista que o artigo 1.723, §1º, o novo Código deixou de mencionar o tempo mínimo, o artigo 1.830 do mesmo ordenamento informa que transcorridos dois anos da separação de fato o cônjuge perde seus direitos sucessórios e por sua vez o 1.801, inciso III, exige o prazo de cinco anos para que a concubina seja nomeada herdeira testamentária.38 Dessa forma, a jurisprudência contemporânea vem norteando seu entendimento que para caracterização da união estável esteja presente os demais requisitos inerentes a mesma, contudo não faz-se exigência de tempo mínimo, desde que comprovado o desejo de constituir família, segundo entendimento do Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves: UNIÃO ESTÁVEL. AFFECTIO MARITALIS. NOTORIEDADE E PUBLICIDADE DO RELACIONAMENTO. PROVA TESTEMUNHAL. IRRELEVÂNCIA DO LAPSO TEMPORAL. 1. Tendo o relacionamento perdurado por três anos e se assemelhado a um casamento de fato, resultando até no nascimento de um filho, resta induvidosa a affectio maritalis. 2. Comprovada a notoriedade e a publicidade,

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº70034274464. Sétima Câmara Cível. Relator: Dr. José Conrado de Souza Júnior. Julgado em 07/07/2010. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo. php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_ processo_mask%3D70034274464%26num_processo%3D70034274464%26codEmenta%3D3627304+direito+usufruto+companheiros++++&proxystylesheet=tjrs_ index&ie=UTF-8&lr=lang_pt&access=p&client=tjrs_index&site=ementario&oe=UTF-8&numProcesso=70034274464&comarca=ComarcadeCarlos Barbosa&dtJulg=07/07/2010&relator=Jos%C3%A9 Conrado Kurtz de Souza&aba=juris>. Acesso em: 15 mai. 2015.

37

38

CARVALHO, Dimas Messias de; CARVALHO, Dimas Daniel de. Direito das Sucessões: Inventário e Partilha. 3 ed. São Paulo: Del Rey, 2011, p. 76.

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imperioso é o reconhecimento da união estável, não tendo maior relevância, no caso, o curto lapso temporal de convivência. Recurso desprovido.39

É notório que além dos vários pontos de controvérsias existentes na matéria sucessória dos companheiros, ainda haverá a possibilidade de novamente, mesmo que de forma equivocada, a companheira ser equiparada com a concubina advinda de uma relação extramatrimonial.40

DA REFERIDA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL E DA NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO DA LESGISLAÇÃO ATUAL Muitos são os pontos controvertidos do artigo 1.790 do atual Código Civil, por isso muitos também foram e são os posicionamentos doutrinários quanto a sua aplicação e quanto a sua constitucionalidade. Superado o fato do dispositivo sucessório do companheiro estar alocado na parte geral, a primeira questão controversa encontra-se em seu próprio caput, onde conforme dispõe o legislador o companheiro participará da sucessão referente aos bens que foram adquiridos de forma onerosa durante a vigência da união, ou seja, se não houverem bens que foram adquiridos a título oneroso durante a união e também não houverem outros sucessores, a herança será jacente, sendo encaminhada para a Fazenda Pública, sobre essa incoerência, posiciona-se o autor Luiz Felipe Brasil Santos:

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº70020799151. Sétima Câmara Cível. Relator: Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. Julgado em 21/11/2007. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1. t j r s . j u s . b r / s i t e _ p h p / c o n s u l t a / c o n s u l t a _ p r o c e s s o . p h p % 3 F n o m e _ c o m a r c a % 3 D Tr i b u n a l % 2 B d e % 2 B J u s t i % 2 5 E 7 a % 2 6 v e r s a o % 3 D % 2 6 v e r s a o _ fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70020799151%26num_processo%3D70020799151%26codEmenta%3D2127 224+prazo+caracteriza%C3%A7%C3%A3o+da+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel++++&proxystylesheet=tjrs_index&ie=UTF-8&lr=lang_pt&access=p&client=tjrs_ index&site=ementario&oe=UTF-8&numProcesso=70020799151&comarca=Sapucaia do Sul&dtJulg=21/11/2007&relator=S%C3%A9rgio Fernando de Vasconcellos Chaves&aba =juris>. Acesso em: 14 mai. 2015. 39

40

CARVALHO, Dimas Messias de; CARVALHO, Dimas Daniel de. Direito das Sucessões: Inventário e Partilha. 3. ed. São Paulo: Del Rey, 2011, p. 76

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Basta imaginar a situação de um casal, que conviva há mais de 20 anos, residindo em imóvel de propriedade do varão, adquirido antes do início da relação, e não existindo descendentes nem ascendentes. Vindo a falecer o proprietário do bem a companheira não terá direito à meação e nada herdará. Assim, não lhe sendo mais reconhecido o direito real de habitação nem o usufruto, restar-lhe-á o caminho do asilo, enquanto o imóvel ficará como herança jacente, tocando ao ente público.41

Dessa forma, existente é a incongruência deste artigo, que para solução nos casos concretos deve ser aplicado em conformidade com o artigo 1.84442 do mesmo dispositivo legal, o qual informa que o Estado só terá legitimidade para recolher a herança na ausência de cônjuge, companheiro ou parente sucessível.43 O inciso I do referido artigo dispõe da concorrência do companheiro com os filhos comuns, nesse caso excluída a meação, a herança será dividida entre o número de herdeiros mais um, sendo essa a parte correspondente ao companheiro, no entanto, o companheiro irá compor a divisão dos bens adquiridos de forma onerosa e os demais bens serão divididos somente entre os descendentes. Este ponto manifesta outra injustificada distinção entre o cônjuge e o companheiro, haja vista que ao companheiro não é concedida quota mínima, assim como se faz ao cônjuge.44 No inciso seguinte, o legislador trata da concorrência com os descentes exclusivos do autor da herança, onde caberá ao companheiro metade daquilo que couber a cada um deles, no tocante aos bens comuns, já os bens exclusivos do autor serão repassados de imediato aos seus descendentes.45 É notório o defeito existente na redação deste inciso, haja vista, que dispõe que será concedida ao companheiro a “metade” do

SANTOS, Luiz Felipe Brasil. A sucessão dos companheiros no novo código civil. Disponível em: <http://www.ibdfam.com.br/inf_historico.asp?CodTema=59&Tipo=1>. Acesso em: 15 mai. 2015.

41

“Artigo 1.844. Não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum sucessível, ou tendo eles renunciado a herança, esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou à União quando situada em território federal.”

42

43

LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao Novo Código Civil: do Direito das Sucessões: (Arts. 1.784 a 2.027). Rio de Janeiro: Forense, 2009, v. XXI, p. 69-70.

44

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito das Sucessões. 17. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2010, v. VI, p. 140-141.

45

CARVALHO NETO, Inácio de. Direito Sucessório do Cônjuge e do Companheiro. São Paulo: Método, 2007, v. 1, p. 188.

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que couber a cada um dos descendentes, tendo em vista que nesse caso é permitido o direito de representação será concedido ao companheiro a metade do que couber a cada filho ou a estirpe.46 O legislador deixou de analisar os episódios de filiação hibrida, nesses casos autores como Silvio de Salvo Venosa, entre outros entendem que deveria se dividir a herança entre todos os descendentes, sendo eles exclusivos ou não.47 Contudo, pesa-se o entendimento do Professor Gabriele Tusa, que entende que deveriam ser realizados cálculos para resolução do empasse, sendo concedidas quotas proporcionais, aos descendentes comuns, aos exclusivos e ao companheiro.48 O entendimento jurisprudencial vem em consonância com o primeiro grupo de doutrinadores, conforme posicionamento da Desembargadora Ana Maria Duarte Amarante Brito, do Distrito Federal: CÓDIGO CIVIL. INVENTÁRIO. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRA SOBREVIVENTE. MEAÇÃO E SUCESSÃO. NO CASO DE UNIÃO ESTÁVEL, O CÓDIGO CIVIL DE 2002 DISCIPLINOU A SUCESSÃO DO COMPANHEIRO DE MANEIRA DIVERSA DA DO CÔNJUGE. DIANTE DO ART. 1790 DO CC. É CORRETO AFIRMAR QUE A INTENÇÃO DO LEGISLADOR É NO SENTIDO DE QUE O COMPANHEIRO SOBREVIVENTE MANTERÁ A SUA MEAÇÃO E, ADICIONALMENTE, P ARTICIPE DA SUCESSÃO DO OUTRO COMPANHEIRO FALECIDO. REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL AO DISPOR SOBRE A FORMA DE CONCORRÊNCIA ENTRE A COMPANHEIRA E HERDEIROS, RESTOU OMISSO QUANTO AOS CASOS DE FILIAÇÃO HIBRIDA, OU SEJA, QUANDO HÁ HERDEIROS EM COMUM DOS COMPANHEIROS E HERDEIROS SOMENTE DO AUTOR DA HERANÇA, O QUE NÃO IMPLICA NA SUA INCONSTITUCIONALIDADE, CABENDO AO APLICADOR DO DIREITO SOLUCIONAR A CONTROVÉRSIA POR OUTROS MEIOS. A MELHOR SOLUÇÃO É DIVIDIR DE FORMA IGUALITÁRIA OS QUINHÕES HEREDITÁRIOS ENTRE O COMPANHEIRO SOBREVIVENTE E TODOS OS FILHOS. RECURSO DE APELAÇÃO E AGRAVO RETIDO PROVIDO EM PARTE.49

46

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito das Sucessões. 17. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2010, v. VI, p. 140-141.

47

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito das Sucessões. 17. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2010, v. VI, p. 141-142.

48

CARVALHO NETO, Inácio de. Direito Sucessório do Cônjuge e do Companheiro. São Paulo: Método, 2007, v. 1, p. 190.

DISTRITO FEDERAL, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Apelação Cível nº20050610031880APC. Sexta Turma Cível. Relatora: Des. Ana Maria Duarte Amarante Brito. Julgado em 29/04/2009. Disponívem em: <http://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj>. Acesso em: 15 mai. 2015. 49

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Haverá uma situação em que estando em condição igualitária, o companheiro terá posição mais benéfica que a do cônjuge, que será quando não houver bens particulares e ocorrer concorrência com descendentes comuns ou exclusivos, o companheiro irá receber parte da herança, o que não será concedido ao cônjuge casado pelo regime da comunhão parcial ou universal de bens.50 Quanto a concorrência com os demais parentes sucessíveis do de cujus será assegurado ao companheiro 1/3 da herança, sendo este um dos pontos de maior indagação quanto a injustificada discriminação do companheiro, pois se este fosse casado e concorresse com o pai ou a mãe do falecido receberia metade, no entanto sendo companheiro terá direito apenas a 1/3 e somente aos bens adquiridos de forma onerosa e não da integralidade da herança, para o autor Silvio Rodrigues correto seria ter alocado o companheiro de forma mais benéfica, estando a frente dos parentes colaterais, assim como foi prevista na Lei 8.971/94.51 O último inciso trata dos casos em que não havendo parentes sucessíveis, será conferido ao companheiro o direito de herdar a totalidade da herança, no que tange aos bens adquiridos a cunho oneroso durante a vigência da união, tendo em vista que aqueles bens que não foram contraídos de forma onerosa serão reconhecidos como herança vacante e destinados ao Município, Distrito Federal ou União. Este é o inciso mais ofensivo ao companheiro e o mais questionado no que tange a inconstitucionalidade deste artigo, pois fere o princípio constitucional da isonomia do núcleo familiar a ponto de caracterizar enriquecimento ilícito do Estado.52 No âmbito jurisprudencial há julgados que entendem pela inconstitucionalidade relativa apenas a algum dos incisos do artigo 1.790, como é o caso da decisão proferida neste Estado, que abrange a inconstitucionalidade do inciso III, o qual se refere à sucessão dos parentes colaterais: AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. COMPANHEIRO SOBREVIVENTE. DIREITO À TOTALIDADE DA HERANÇA. COLATERAIS. EXCLUSÃO DO PROCESSO. CABIMENTO. INCONSTITUCIONALIDADE ARTIGO 1.790, INCISO III DO CÓDIGO

50

CARVALHO NETO, Inácio de. Direito Sucessório do Cônjuge e do Companheiro. São Paulo: Método, 2007, v. 1, p. 190.

51

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das Sucessões. 26. ed. rev. e atual. por Zeno Veloso de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 7, p. 118-119.

52

CARVALHO NETO, Inácio de. Direito Sucessório do Cônjuge e do Companheiro. São Paulo: Método, 2007, v. 1, p. 191-192.

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CIVIL. A decisão agravada está correta. No caso, apenas o companheiro sobrevivente tem direito sucessório, não havendo razão para os parentes colaterais permanecerem no inventário. As regras sucessórias previstas para a sucessão entre companheiros no Novo Código Civil são inconstitucionais. Isso porque a nova lei substantiva - artigo 1.790, inciso III do Código Civil - rebaixou o status hereditário do companheiro sobrevivente em relação ao cônjuge supérstite. Violação dos princípios fundamentais da igualdade e da dignidade. Diante do reconhecimento da inconstitucionalidade da lei acima citada, deve o incidente de inconstitucionalidade ser apreciado pelo Tribunal Pleno desta Corte de Justiça, mediante seu Órgão Especial, nos termos do artigo 97 da Constituição Federal, artigo 481 e seguintes do Código de Processo Civil e artigo 209 do RITJRGS. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE SUSCITADO.53

No Estado de São Paulo tem-se o posicionamento quanto à inconstitucionalidade de forma total do referido artigo, por conceder ao companheiro direitos inferiores aqueles concedidos ao cônjuge: DIREITO SUCESSÓRIO - Bens adquiridos onerosamente durante a união estável. Concorrência da companheira com filhos comuns e exclusivos do autor da herança – Omissão legislativa nessa hipótese - Irrelevância - Impossibilidade de se conferir à companheira mais do que teria se casada fosse – Proteção constitucional a amparar ambas as entidades familiares - Inaplicabilidade do art. 1.790 do Código Civil - Reconhecido direito de meação da companheira, afastado o direito de concorrência com os descendentes - Aplicação da regra do art.1.829, inciso I do Código Civil - Sentença mantida - RECURSO NÃO PROVIDO.54

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento nº70027138007. Oitava Câmara Cível. Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 18/12/2008. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo. php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_ mask%3D70027138007%26num_processo%3D70027138007%26codEmenta%3D2772762+artigo+1.790;+inciso+III,+inconstitucionalidade++++&proxystylesheet=tjrs_ index&ie=UTF-8&lr=lang_pt&client=tjrs_index&site=ementario&access=p&oe=UTF-8&numProcesso=70027138007&comarca=Porto Alegre&dtJulg=18/12/2008&relator=Claudir Fidelis Faccenda&aba=juris>. Acesso em: 15 mai. 2015. 53

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação nº 994.08.061243-8. Sétima Câmara de Direito Privado, Relator: Des. Élcio Trujillo. Julgado em 07/04/2010. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=4421651&cdForo=0&vlCaptcha=izcas>. Acesso em: 15 mai. 2015. 54

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Em contrapartida no mesmo Estado há decisões que sustentam a inconstitucionalidade do artigo por conferir mais direitos ao companheiro do que ao cônjuge: Inventário - Partilha - Meação da companheira - Decisão que aplica o artigo 1790, II, do Código Civil - Determinação de concorrência entre a companheira e os filhos do "de cujus" quanto aos bens adquiridos na constância da união, afora a meação - Inconformismo - Alegação de ofensa ao artigo 226, § 3o, da CF - Concessão de direitos mais amplos à companheira que a esposa. Acolhimento da arguição de inconstitucionalidade - Questão submetida ao Órgão Especial - Incidência do art. 481, do CPC, e 97, da CF - Aplicação da Súmula Vinculante n.°10, do STF - Recurso conhecido, sendo determinada a remessa dos autos ao Órgão Especial, nos termos do art. 657, do Regimento Interno desta Corte.55

Por fim, é compreensível que exista o entendimento daqueles que concluem pela inexistência da inconstitucionalidade no referido artigo, partindo da premissa que a própria Constituição Federal não equiparou as duas entidades, conforme entendimento do Desembargador Hector Valverde Santanna, do Distrito Federal: CIVIL. INVENTÁRIO E PARTILHA. UNIÃO ESTÁVEL. PARTICIPAÇÃO DO COMPANHEIRO NA HERANÇA. ART. 1.790, CAPUT, E, INCISO I, DO CÓDIGO CIVIL. VIOLAÇÃO À ISONOMIA E AO ARTIGO 226, § 3º, DA CF/1988. INOCORRÊNCIA. PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. O art. 226, § 3º, da Constituição da República não equiparou os institutos da união estável e do casamento, embora tenha reconhecido a união estável como entidade familiar, tal qual estabelece o art. 1.723, do CC/02. A diferenciação traçada pelo Código Civil em relação à participação na herança do companheiro ou cônjuge falecido não configura afronta ao princípio da isonomia. Isso porque, no cotejo de todos os direitos concedidos a uns e outros pelo ordenamento jurídico civilista, verifica-se que o cônjuge restou sobremaneira beneficiado, se comparado ao companheiro. Não pode, assim, ser inquinado de vício o art. 1.790 do CC/02, por alegação de ofensa ao art. 226, § 3º da Constituição Federal, pois além de os institutos não terem sido equiparados entre si, a união estável é severamente mais desvantajosa que o casamento no âmbito da legislação civil. Em homenagem ao princípio da presunção de constitucionalidade das normas, o aplicador do direito não pode se SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento nº598.268-4/4-00. Nona Câmara de Direito Privado. Relator: Des. Grava Brazil. Julgado em 20/01/2009. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=3446085&cdForo=0>. Acesso em: 15 mai. 2015. 55

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escusar ao cumprimento de determinada lei, sob o fundamento de sua inconstitucionalidade, sem que o vício haja sido proclamado pelo órgão competente, bem como deve o intérprete conferir à norma a exegese mais compatível com o texto constitucional. Apelação conhecida e não provida.56

A existência de tantos posicionamentos divergentes relativos à mesma matéria convém para que se possa demonstrar o quão polêmico foi a inclusão de tal artigo no ordenamento jurídico atual, o quanto o posicionamento do legislador foi equivocado e que embora a justificativa seja com base histórica, se faz necessária a alteração da legislação vigente.57 O autor Inácio de Carvalho Neto em seu livro sobre o direito sucessório do cônjuge e do companheiro proscreveu um modelo de Projeto de Código Civil, no qual previa a modificação dos dispositivos referentes a sucessão do companheiro.58 De acordo com o autor, se faria necessária a revogação por completa do artigo 1.790 e algumas modificações nos demais artigos que tratam da matéria sucessória do companheiro, conforme o autor, a redação correta da matéria se daria da seguinte forma: Artigo 1.797. [...] I – ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão, não perdendo, contudo, este direito se essa convivência se tornou impossível sem culpa sua; [...]. Artigo 1.829. A sucessão legitima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge ou companheiro; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge ou companheiro; DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Apelação Cível nº20140310057177APC. Sexta Turma Cível. Relator: Des. Hector Valverde Santanna. Julgado em 12/11/2014. Disponívem em: <http://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj >. Acesso em: 15 mai. 2015. 56

57

CARVALHO NETO, Inácio de. Direito Sucessório do Cônjuge e do Companheiro. São Paulo: Método, 2007, v. 1, p. 203-204.

58

CARVALHO NETO, Inácio de. Direito Sucessório do Cônjuge e do Companheiro. São Paulo: Método, 2007, v. 1, p. 203-207.

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III – ao cônjuge ou companheiro; IV – aos colaterais. [...] Artigo. 1830. [...] §1º. Para o companheiro, somente é reconhecido direito sucessório se, ao tempo da morte do outro, não haviam dissolvido judicialmente a união, consensual ou litigiosamente, e desde que a união fosse exclusiva, devendo ainda ser reconhecida a união estável por sentença judicial transitada em julgada. [...] §3º. Igualmente não terá o companheiro direito à herança se a união se iniciou quando o autor da herança já se encontrava gravemente enfermo, vindo a falecer dessa enfermidade nos trinta dias seguintes a constituição da união. [...] Artigo 1.831. Ao cônjuge ou ao companheiro será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, enquanto viver e não constituir nova união, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar, e que pertença exclusivamente ao falecido, ou a este e ao cônjuge sobrevivente. [...] Artigo 1.832. Em concorrência com os descendentes (Art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge ou ao companheiro quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente de todos os herdeiros com quem concorrer. Artigo. 1.836. Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, em concorrência com o cônjuge ou o companheiro. [...]

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Artigo 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau ao cônjuge ou ao companheiro tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um ascendente, ou se maio for aquele grau. Artigo 1.838. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge ou ao companheiro. Artigo 1.839. Se não houver cônjuge e companheiro, nas condições estabelecidas no artigo 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau. Artigo 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes, o cônjuge e o companheiro. Artigo 1.846. [...] Parágrafo único. Deixando, porém, o falecido três ou mais filhos, ou quando concorrer à sucessão cônjuge ou companheiro e pelo menos dois filhos a legitima se constituirá de setenta e cinco por cento da herança.59

Inácio de Carvalho Neto, ainda propôs alterações em outros artigos do mesmo diploma legal, como é o caso do artigo 1.723 que em seu parágrafo primeiro deveria ter a expressão “separada de fato” substituída por separada judicialmente, além de propor mudanças no Código de Processo Civil. O Projeto de Lei idealizado pelo autor nasceu da necessidade de dirimir as inúmeras dúvidas e confusões que imperam entre os doutrinadores e acabam refletindo nos aplicadores do direito no momento de produzir seus pareceres.60

CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho procurou realizar uma análise da história da constituição da família brasileira, buscando assim, compreender a forma como ocorreu o processo evolutivo que permitiu a existência da união estável, que foi derivada da relação de concubinato, e também os direitos 59

CARVALHO NETO, Inácio de. Direito Sucessório do Cônjuge e do Companheiro. São Paulo: Método, 2007, v. 1, p. 207-209.

60

CARVALHO NETO, Inácio de. Direito Sucessório do Cônjuge e do Companheiro. São Paulo: Método, 2007, v. 1, p. 203-207.

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que são concedidos ao companheiro, bem como analisa-los quando comparados aqueles concedidos ao cônjuge. Com o passar dos anos, fez-se necessária à distinção do concubinato puro e do impuro, onde o impuro era a relação extramatrimonial, adulterina e, por outro lado, o concubinato puro era aquele onde mesmo sem possuir os impedimentos o casal não formalizava a união pelo casamento, mas viviam como marido e mulher e com o desejo primordial de constituir uma família. Em 1988, através da Constituição Federal Brasileira, a união estável tornou-se uma entidade familiar protegida pelo Estado. Contudo, anteriormente ao reconhecimento pela Carga Magna brasileira houve algumas leis de cunho previdenciário que iniciaram o reconhecimento desta forma de união e, alguns anos depois, mais duas leis especificas que deliberaram de forma mais ampla sobre a matéria foram implementadas. Em 1994, a Lei 8.971 abrangeu o direito aos alimentos, os direitos sucessórios dos companheiros, bem como delimitou requisitos para a configuração da união. Em seguida surge a Lei 9.278 de 1996, que serviu para complementar as lacunas deixadas pela lei anterior, regular o §3º do artigo 226 da Constituição Federal e instituir novos requisitos para configuração da união, consistindo em comprovação de convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituir a família. Embora demonstrassem avanços na concessão dos direitos dos companheiros, ainda houveram lacunas deixadas por ambas às leis, as quais se almejavam ver esgotadas com o advento do novo Código Civil Brasileiro, no entanto, não foi o que ocorreu. Ainda no mesmo ano da promulgação do atual Código Civil, o Deputado Ricardo Fiuza lançou o Projeto de Lei 6.960 que previa alterações na referida lei, entre elas o dispositivo que trata da matéria sucessória dos companheiros. Dessa forma, diante de tantos empasses quanto à matéria, adveio opiniões sobre a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do atual Código Civil. Contudo, sendo declarado constitucional ou não, o fato é que os atuais ordenamentos jurídicos brasileiro expõem a matéria de uma forma que causa grande contenda entre os doutrinadores e também entre os aplicadores do direito, tendo em vista, os inúmeros entendimentos que podem e são produzidos sobre a mesma matéria nos diversos tribunais brasileiros. Assim, devido a essas diversas decisões e divergências sobre

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o tema, a discussão sobre a referida inconstitucionalidade do artigo 1.790 do atual Código Civil Brasileiro de 2002, foi levada ao Superior Tribunal de Justiça, porém ainda não houve decisão da mesma, mas almeja-se um melhor amparo quanto aos direitos concedidos aos companheiros. Todavia, a decisão do Superior Tribunal de Justiça acerca do polêmico artigo 1.790 do atual Código Civil é imprevisível, mas sabe-se que o companheiro está mal amparado pelo atual ordenamento jurídico, encontrando-se em posição de inferioridade quando comparado a posição em que o cônjuge ocupa e apresentando-se desprotegido em um momento tão delicado que é a morte do seu companheiro. Assim, é possível compreender que independente de qual seja o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça referente à inconstitucionalidade ou não do artigo 1.790, a atual legislação carece de alteração quanto a matéria sucessória dos companheiros.

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REFERÊNCIAS BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de Família. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1976. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 15 mai. 2015. BRASIL. Presidência da República. Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994. Regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8971.htm>. Acesso em: 16 abr. 2015. _____. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Regula o § 3° do art. 226 da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l9278.htm>. Acesso em: 16 abr. 2015. _____. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406. htm>. Acesso em: 15 mai. 2015. CARVALHO, Dimas Messias de; CARVALHO, Dimas Daniel de. Direito das Sucessões: Inventário e Partilha. 3 ed. São Paulo: Del Rey, 2011. CARVALHO NETO, Inácio de. Direito Sucessório do Cônjuge e do Companheiro. São Paulo: Método, 2007, v. 1. DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 23. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Apelação Cível nº20140310057177APC. Sexta Turma Cível. Relator: Des. Hector Valverde Santanna. Julgado em 12/11/2014. Disponívem em: <http://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj >. Acesso em: 15 mai. 2015. ORGANIZADORES:

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_____. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Apelação Cível nº20050610031880APC. Sexta Turma Cível. Relatora: Des. Ana Maria Duarte Amarante Brito. Julgado em 29/04/2009. Disponívem em: <http://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj>. Acesso em: 15 mai. 2015. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Sucessão do Companheiro sem Descendentes nem Ascendentes após o Novo Código Civil: Justiça e Lógica do Razoável na Interpretação do Direito. Revista de Direito Privado. n. 27, julho-setembro. Editora: Revistas dos Tribunais, 2006. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 7. LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao Novo Código Civil: do Direito das Sucessões: (Arts. 1.784 a 2.027). Rio de Janeiro: Forense, 2009, v. XXI. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito das Sucessões. 17. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2010, v. VI. PEIXOTO, Paulo Daniel Sena Almeida. A Tutela sucessória dos companheiros: Uma visão Civil Constitucional. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2010. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento nº70027138007. Oitava Câmara Cível. Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 18/12/2008. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.tjrs. jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_ fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70027138007%26num_ processo%3D70027138007%26codEmenta%3D2772762+artigo+1.790;+inciso+III,+inconstitucionalidade++++&proxystylesheet=tjrs_ index&ie=UTF-8&lr=lang_pt&client=tjrs_index&site=ementario&access=p&oe=UTF-8&numProcesso=70027138007&comarca=Porto Alegre&dtJulg=18/12/2008&relator=Claudir Fidelis Faccenda&aba=juris>. Acesso em: 15 mai. 2015.

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_____. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº70034274464. Sétima Câmara Cível. Relator: Dr. José Conrado de Souza Júnior. Julgado em 07/07/2010. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/search?q=cache:www1.tjrs.jus. br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_ fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70034274464%26num_ processo%3D70034274464%26codEmenta%3D3627304+direito+usufruto+companheiros++++&proxystylesheet=tjrs_index&ie=UTF8&lr=lang_pt&access=p&client=tjrs_index&site=ementario&oe=UTF-8&numProcesso=70034274464&comarca=Comarca de Carlos Barbosa&dtJulg=07/07/2010&relator=Jos%C3%A9 Conrado Kurtz de Souza&aba=juris>. Acesso em: 15 maio. 2015. _____. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº70020799151. Sétima Câmara Cível. Relator: Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. Julgado em 21/11/2007. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/ search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/ site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%2 5E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo% 3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70020799151%26num_ processo%3D70020799151%26codEmenta%3D2127224+prazo+caracteriza%C3%A7%C3%A3o+da+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel++++ &proxystylesheet=tjrs_index&ie=UTF-8&lr=lang_pt&access=p&client=tjrs_i ndex&site=ementario&oe=UTF-8&numProcesso=70020799151&com arca=Sapucaia do Sul&dtJulg=21/11/2007&re lator=S%C3%A9rgio Fernando de Vasconcellos Chaves&aba=juris>. Acesso em: 14 mai. 2015.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões. 7. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 189-191. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito das Sucessões. 26. ed. rev. e atual. por Zeno Veloso de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 7. RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. Eficácia do regime de bens no casamento e na união estável. Revista de Direito Imobiliário, Ano 34, v. 70, jan./dez. 2011, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação nº 994.08.061243-8. Sétima Câmara de Direito Privado, Relator: Des. Élcio Trujillo. Julgado em 07/04/2010. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=4421651&cdForo=0&vlCaptcha=izcas>. Acesso em: 15 mai. 2015. ORGANIZADORES:

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_____. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Agravo de Instrumento nº598.268-4/4-00. Nona Câmara de Direito Privado. Relator: Des. Grava Brazil. Julgado em 20/01/2009. Disponível em: <https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=3446085&cdForo=0>. Acesso em: 15 mai. 2015. SANTOS, Luiz Felipe Brasil. A sucessão dos companheiros no novo código civil. Disponível em: <http://www.ibdfam.com.br/inf_historico. asp?CodTema=59&Tipo=1>. Acesso em: 15 mai. 2015. SALLES, Sergio Luiz Monteiro. Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 235-236. SILVA, Ana Carolina Medeiros Barbosa da; GICO, Vânia de Vasconcelos. União Estável: Histórico e abordagem do direito civil brasileiro. Revista da FARN, Natal, v. 9, n. ½, p. 131-150, jan./dez. 2010, p. 136. Disponível em: <http://www.revistaunirn.inf.br/revistaunirn/index.php/revistaunirn/ article/view/266>. Acesso em 20 de ago. 2014.

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Daniel Andara Viacava

o arbitramento do dano moral e a indenização punitiva

Bacharel em Direito pela Universidade Feevale. Assessor de Juiz de Direito junto ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. E-mail: danielviacava@hotmail.com.

Guilherme Botelho de Oliveira

Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Mestre em Direito, com área de concentração em Teoria Geral da Jurisdição e Processo. Especialista em Direito Processual Civil. Professor da Graduação e Pós-graduação lato sensu na Universidade FEEVALE. Professor convidado da Pós-graduação lato sensu da Faculdade Meridional - IMED. Advogado em Porto Alegre. E-mail: guilhermebotelho@feevale.br

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS O presente artigo tem por escopo a análise da responsabilidade civil, mais especificamente quanto à valoração do dano moral e a indenização punitiva advinda do direito anglo-americano. A importância do tema traduz-se na grande presença do dano moral na sociedade moderna e na dificuldade enfrentada não só por magistrados brasileiros, como também por júris americanos, quando da valoração da indenização a ser concedida, em virtude da inexistência de regras objetivas que a orientem, o que submete o tema a alta subjetividade. Como estratégia de pesquisa, utilizou-se de pesquisa bibliográfica, documental e jurisprudencial. De início, faz-se uma breve análise da responsabilidade civil e sua função. Após, passa-se a verificar o dano moral e as diretrizes que, atualmente, regem a sua valoração. Por fim, analisa-se a doutrina anglo-americana das indenizações punitivas, seu conceito, desenvolvimento e objetivos.

A RESPONSABILIDADE CIVIL E SUA FUNÇÃO Como é cediço, o ser humano, em sua necessidade de estabelecer vida em sociedade, abriu mão de diversos direitos para a criação de um ente, o Estado, que passou a garantir segurança aos seus direitos mais básicos, como a vida e a integridade física. Não obstante, com o desenvolvimento das relações entre pessoas, surgiu a necessidade da criação de um instituto que protegeria as relações civis que não eram tuteladas pela esfera penal do direito: o instituto da responsabilidade civil. O instituto da responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, visto que ser consequência do descumprimento de uma obrigação preordenada, que, caso gere dano, acarreta o dever de repará-lo 1, desde que a ação não seja abarcada pelas regras que eximem a responsabilização. 1

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. 9. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2014, v. 4, p. 22.

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A responsabilidade civil pode ser analisada de diversos ângulos, em virtude de sua abrangência sobre os atos do homem, que são infinitos. Mostra-se necessário, pois, dada a abrangência da matéria, ressaltar as funções que a reparação civil detém na sociedade. A esse efeito, pode-se dizer que a reparação civil tem três funções principais: compensatória do dano à vítima, punitiva ao ofensor, e desmotivadora da conduta lesiva.2 José de Aguiar Dias considera de suma importância a prevenção que advém da responsabilidade, visto que através dela o legislador impõe a sanção e assegura respeito à norma, assertoando que tanto a repressão penal e a repressão civil (impostas através das sanções) têm, ao fim e ao cabo, o mesmo objetivo: a defesa da ordem jurídica.3 Sobre o tema, de todo oportuno frisar: Pode-se reconhecer a função social da responsabilidade civil projetando-se em três dimensões: i) a primeira, como desdobramento da função social do direito violado (quando se tratar de direito patrimonial); ii) a segunda, na sua dimensão preventiva, de desestimular comportamentos lesivos – o que revela a atuação do instituto como importante mecanismo de controle social; e, iii) por último, na busca do equilíbrio das relações jurídicas, rompido pela lesão – momento em que a função social se reveste da roupagem da solidariedade social, funcionando a equidade como instrumento de ajuste fino desse equilíbrio, com vistas a proporcionar a fixação de uma indenização que seja, simultaneamente, individual e socialmente justa.4

Em concordância, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho ressaltam que a função punitiva da reparação civil é revelada na sanção imposta ao ofensor, o que desmotiva a prática de novos ilícitos e impõe cautela na prática de seus atos, o que contribui, também, na terceira função previamente exposta, mormente porque a sanção aplicada torna público o conhecimento de que a conduta praticada não é tolerável.5 Sílvio de Salvo Venosa também discorre:

2

GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 10. ed. rev., atual. eampl. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 3, p. 65.

3

DIAS, Jose de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 119-121.

4

PINTO, Helena Elias. Função social e responsabilidade civil. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=3323fe11e9595c09>. Acesso em: 15 jun. 2014.

5

GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 10. ed. rev., atual. eampl. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 3, p. 66.

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No entanto, forma-se mais recentemente entendimento jurisprudencial, mormente em sede do dano moral, no sentido de que a indenização pecuniária não tem apenas cunho de reparação do prejuízo, mas tem também caráter punitivo ou sancionatório, pedagógico, preventivo e repressor: a indenização não apenas repara o dano, repondo o patrimônio abalado, mas também atua como forma educativa ou pedagógica para o ofensor e a sociedade e intimidativa para evitar perdas e danos futuros.6

Logo, a reparação civil não adquire importância somente na esfera pessoal do lesado, visto que possui caráter eminentemente socioeducativo em relação à sociedade. Dessa forma, as condutas proibidas tornam-se públicas e intoleráveis, desmotivando, conforme ilação axiomática, o comportamento social lesivo.7

O DANO MORAL E SUA VALORAÇÃO O Brasil vem sendo reconhecido como uma sociedade altamente litigiosa, em que qualquer desavença vem a ser resolvida no âmbito do Poder Judiciário. Com isso em mente, é inarredável a conclusão de que grande parcela dos processos ajuizados busca a reparação de um dano extrapatrimonial específico: o dano moral. O dano moral, como o próprio nome indica, atinge a pessoa em sua personalidade, sua honra, imagem e bom nome, causando sofrimento psíquico, vexame e humilhação.8 Como já mencionado, o dano moral atinge a personalidade do indivíduo, ou, em outras palavras, é uma violação dos direitos de personalidade.

6

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011, v. 4, p. 27.

PAULO, Gabriel de Fassio. Noções propedêuticas acerca do instituto da responsabilidadecivil: pressupostos jurídicos. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3932, 7 abr. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/27293>. Acesso em: 15 jun. 2014. 7

8

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. 9. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2014, v. 4, p. 387

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Os direitos de personalidade, também conhecidos como direitos essenciais ou fundamentais, direitos personalíssimos e direitos inatos, embora a primeira terminologia tenha se consagrado como correta, podem ser considerados como de grande semelhança aos direitos humanos, embora estes sejam relevantes na relação do homem com o estado (gênero) e aqueles nas relações privadas.9 O dano moral, pois, consiste na lesão de direito não pecuniário e insuscetível de redução a dinheiro, não podendo ter reflexos diretos sobre a esfera material. Se ele tivesse efeito direto na esfera patrimonial – circunstância utilizada por diversos magistrados na fixação da reparação –, passaria a configurar dano patrimonial.10

AS DIRETRIZES QUE REGEM A VALORAÇÃO DAS INDENIZAÇÕES A multiplicidade de conceitos do dano moral e a infindável possibilidade de sua ocorrência, dada à complexidade da psique humana e dos direitos de personalidade são refletidas na vultosa quantidade de ações judiciais buscando a reparação do dano extrapatrimonial. É possível dizer, pois, que na reparação civil extrapatrimonial, a indenização não é a efetiva reparação do dano, porque o valor fixado não é capaz de representar o exato prejuízo moral sofrido; a indenização é um substitutivo para a perda. Não se pode realizar uma avaliação pecuniária da dor sofrida ou da violação do direito de personalidade, devendo ser utilizados critérios objetivos que atendam ao conceito de razoabilidade.11

MATTIA, Fábio Maria de. Direitos da personalidade aspectos gerais. Doutrinas Essenciais de Direito Civil. 2010, v. 3, p. 245. Disponível em: <http://revistadostribunais. com.br/maf/app/widgetshomepage/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad81815000001498a133b697e9d3f66&docguid=I0f3c11f0682111e181fe000085592b66& hitguid=I0f3c11f0682111e181fe000085592b66&spos=1&epos=1&td=4000&context=80&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em:07 nov. 2014

9

10

GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 10. ed. rev., atual. eampl. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 3, p. 101.

11

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011, v. 4, p. 334-339.

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Revelando a complexidade da tarefa, o Min. Luis Felipe Salomão, no julgamento do Recurso Especial 866.220/BA, afirma que “de fato, a seara relativa à indenização por dano moral é a que talvez revele hoje a exigência maior dos juízes no apego àquele traço que, desde nossos antepassados romanos, lhes deve ser inerente: a prudência”.12 Cass R. Sunstein, discorrendo sobre a conversão do dano em pecúnia nas ações de responsabilidade civil americanas, em que o julgamento final se dá através de jurados, relata a mesma dificuldade apresentada pelos magistrados: Em resumo, nós vemos que as pessoas têm dificuldade em chegar a julgamentos previsíveis e consistentes quando utilizam a escala de dólares – mesmo quando o seu julgamento moral é ambos, consistente e previsível. Nós mostramos que nos casos de injúria pessoal, as avaliações morais das pessoas são compartilhadas, mas os julgamentos em dólares são erráticos. Os também mostramos que a principal fonte desta imprevisibilidade vem do fato de que as pessoas não sabem como “traduzir” os seus julgamentos morais em quantia de dólares. Por que a tarefa de tradução é tão difícil? Uma razão é que o sistema legal não dá um padrão, ou modulus, pelo qual se faça senso dos vários pontos na escala de dólar (traduziu-se).13

Por isso, a jurisprudência moderna vem resumindo as orientações jurisprudenciais, acabando por consolidar o entendimento de que na fixação da indenização por danos morais, devem ser utilizadas as diretrizes: da vedação ao enriquecimento sem causa, da reprovabilidade da conduta, da condição econômica das partes e da punição.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 866.220/BA, Quarta Turma, Relator Min. Luis Felipe Salomão. Brasília, DF. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/ documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=38047251&num_registro=201201082657&data=20140905&tipo=91&formato=PDF>. Acesso em: 25 abr. 2015.

12

“To make a long story short, we find that people have a hard time in arriving at consistent, predictable judgments when using the scale of dollars – even when their moral judgments are both consistent and predictable. We show that in personal injury cases, people’s moral evalutations are shared, but their dollar judgments are erratic. We also show that a major source of this unpredictability comes from the fact that people do not know how to “translate” their moral judgments into dollar amounts. Why is the task of translation so difficult? One reason is that the legal system does not provide a standard, or modulus, by which to make sense of various pontos along the dollar scale.” SUNSTEIN, Cass R. HASTIE, Reid. PAYNE, John W. SCHKADE, David A. VISCUSI, W. Kip. Punitive damages: how juries decide. Illinois: The University of Chicago Press, 2002, p. 388. 13

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Esse é o entendimento que vem sendo reiterado pelo Superior Tribunal de Justiça. No julgamento do Recurso Especial 839.923/MG, pela Quarta Turma, o Min. Raul Araujo, relator, notadamente demonstrando a utilização das quatro principais diretrizes, discorreu: É certo que o magistrado, seguindo os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, deve, na fixação do valor da reparação do dano moral, levar em consideração o bem jurídico lesado e as condições econômico-financeiras do ofensor e do ofendido, mas não pode perder de vista o grau de reprovabilidade da conduta do causador do dano no meio social e a gravidade do ato ilícito. Há casos em que a conduta do agente é dirigida ao fim ilícito de causar dano à vítima, atuando com dolo, o que torna seu comportamento particularmente reprovável. Nessa perspectiva, o arbitramento do dano moral deve alicerçar-se também no caráter punitivo e pedagógico da compensação.14

A jurisprudência atualizada vem defendendo, pois, que a indenização por danos morais deve atender a dois objetivos: o de reparar a esfera moral do lesado e punir o ofensor, desestimulando-o à reiteração da conduta antissocial.

A DOUTRINA DOS PUNITIVE DAMAGES A doutrina dos punitive damages, que também são chamados de exemplary damages, – que encontra correspondência no direito brasileiro na chamada teoria do valor do desestímulo – consiste na fixação de um valor a título de danos morais que “desestimule o autor dos danos e outros a agir da mesma forma lesiva em outra oportunidade”.15

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 839.923/MG, Segunda Seção, Relator Min. Luis Felipe Salomão. Brasília, DF. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/ documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=22011078&num_registro=200600384862&data=20120521&tipo=51&formato=PDF>. Acesso em: 25 abr. 2015. 14

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência, tomo II. 9. ed. rev., atual. e reformulada com comentários ao Código Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 991.

15

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Diz-se, pois, que a indenização punitiva é concedida ao demandante para punir o réu pela sua intenção maligna e sua malícia, fazendo-o de exemplo, impedindo ele e outros de repetir a conduta.16 Diferem, pois, dos compensatory damages anglo-americanos, que são o equivalente brasileiro do dano material/moral, que tem natureza estritamente compensatória, colocando a vítima na posição em que estaria se o ilícito nunca tivesse ocorrido. 17 A indenização punitiva, nesse diapasão, não tem o condão de reparar o dano ou compensar a vítima lesada, pois não é baseada em qualquer limite quantitativo; ela tem a finalidade específica de punir o agente por sua conduta, desestimulando-o de repeti-la (a chamada prevenção específica) bem assim desestimulando outras pessoas de agir da mesma maneira (prevenção geral).18 A indenização punitiva, pois, não é baseada no dano causado, ou seja, nos efeitos da conduta ilícita, mas sim na causa do ato, na sua motivação, demonstrando o descontentamento da comunidade como um todo frente às práticas – sejam pessoais ou corporativas – de condutas ilícitas e, portanto, criando um estímulo à boa fé e promovendo segurança jurídica.19 Assim, em que pese a indenização seja matéria de direito privado, pode-se afirmar que a indenização punitiva é um remédio público para um erro que atinge o público, pois configura uma sanção àqueles que praticam conduta antissocial e protege a sociedade (como um todo) contra atos de malícia ou flagrante indiferença à segurança humana.20

WALTHER, David L. PLEIN, Thomas A. Punitive damages – A critical analysis: Kink v. Combs. Marquete Law Review. 2. ed. Novembro, 1965. v. 49. Disponível em < http:// scholarship.law.marquette.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2514&context=mulr>. Acesso em: 16 mai. 2015.

16

PAGE, Kinberly A. Recalibrating the scales of justice through national punitive damage reform. Disponível em: <http://www.aulawreview.org/pdfs/46/46-5/pace.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2015.

17

18

GONÇALVES, Vitor Fernandes. A punição na responsabilidade civil: a indenização do dano moral e da lesão a interesses difusos. Brasília: Brasília Jurídica, 2005. p. 26.

19

GONÇALVES, Vitor Fernandes. A punição na responsabilidade civil: a indenização do dano moral e da lesão a interesses difusos. Brasília: Brasília Jurídica, 2005. p. 26-28.

PAGE, Kinberly A. Recalibrating the scales of justice through national punitiva damage reform. Disponível em: <http://www.aulawreview.org/pdfs/46/46-5/pace.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2015.

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Aliás, o próprio 2nd Restatement of Torts21, em seu §908º conceitua o instituto dos punitive damages: 1) A indenização punitiva é composta de verbas, à parte em relação às verbas compensatórias ou nominais, deferidas contra uma pessoa para punir sua conduta ofensiva e demovê-la, assim como a outras pessoas, de praticarem condutas similares no futuro. 2) a indenização punitiva pode ser deferida em razão de conduta que seja ofensiva, em face de algum motivo maligno ou de uma indiferença irresponsável em relação aos direitos alheios.22

A doutrina dos punitive damages tem origens antigas: tanto o Código Babilônico de Hamurabi como o Código Hindu de Manu e a própria Bíblia contém conceitos que foram precursores dos punitive damages como vistos atualmente.23 Os punitive damages tiveram sua origem oficial após o julgamento de Wilkes v. Wood e Huckle v. Money, na Inglaterra, no século XVIII. Sobre o tema: Wilkes era editor do jornal The North Briton, tendo o seu jornal criticado o governo abertamente; o governo, então, invadiu o jornal e prendeu os integrantes da editora. No fim, o júri, em Wilkes v. Wood, entendendo que o simples dano compensatório não seria suficiente para impedir este tipo de conduta abusiva, concedeu a Wilkes uma indenização de mil libras, que tinha em seu âmago caráter punitivo. 24

Publicação do Instituto Americano de Direito que condensa conceitos com base em precedentes jurisprudenciais americanos, segundo Vitor Fernando Gonçalves, em A punição na responsabilidade civil: a indenização do dano moral e da lesão a interesses difusos. Brasília: Brasília Jurídica, 2005.p. 29.

21

22

GONÇALVES, Vitor Fernandes. A punição na responsabilidade civil: a indenização do dano moral e da lesão a interesses difusos. Brasília: Brasília Jurídica, 2005. p. 29.

RUSTAD, Michael. KOENIG, Thomas. The historical continuity of punitive damages awards: reforming the tort reormers. Disponível em: < http://aulawreview.com/ pdfs/42/42-4/rustad.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2015. 23

RUSTAD, Michael. KOENIG, Thomas. The historical continuity of punitive damages awards: reforming the tort reormers. Disponível em: <http://aulawreview.com/ pdfs/42/42-4/rustad.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2015.

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Mas foi somente com o julgamento de Huckle v. Money a indenização foi reconhecida com a nomenclatura de punitive e exemplary damages. No caso, Huckle era um dos funcionários do jornal The North Briton, responsável pela impressão do jornal. O funcionário foi preso e agredido, ao passo em que não tinha relação com o teor das publicações do jornal.25 O presidente da corte assim afirmou: O prejuízo pessoal feito contra ele foi muito pequeno, tanto que se o júri estivesse preso a sua promessa de considerar somente prejuízo pessoal, talvez 20 (libras) em dano seria o suficiente; mas o pequeno prejuízo do demandante, ou a desconsideração de seu posto e sua categoria de vida não chamou tanto a atenção do júri... Eu acho que eles fizeram o certo ao conceder danos exemplares. Entrar na casa de um homem em virtude de um mandado inominado, para procurar evidências, é pior do que a Inquisição Espanhola; uma lei sob a qual nenhum homem inglês aceitaria viver por uma hora; foi o ataque público mais atrevido sobre a liberdade do sujeito 26 (traduziu-se).

A partir deste momento as cortes britânicas passaram a utilizar a doutrina dos punitive/exemplary damages para refrear o uso indevido de poder e riqueza que ameaçavam a sociedade e, a partir de então, estava consolidada na tradição anglo-americana.27 Sobre o tema:

RUSTAD, Michael. KOENIG, Thomas. The historical continuity of punitive damages awards: reforming the tort reormers. Disponível em: <http://aulawreview.com/ pdfs/42/42-4/rustad.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2015.

25

“The personal injury done to him was very small, so that if the jury had been confined by their oath to consider the mere personal injury only, perhaps 20 [pounds] damages wuld have been thought damages sufficiente; but the small injury done to the plaintiff, or the inconsiderableness of his station and rank in life did not appear to the jury in that striking light... I think they have done right in giving exemplary damages. To enter a man’s houve by virtue of a nameless warrant, in order do procure evidence, is worse than the Spanish Inquisition; a Law under which no English-man would wish to live na hour; it was a most daring public attack made upon the lyberty of the subject.” RUSTAD, Michael. KOENIG, Thomas. The historical continuity of punitive damages awards: reforming the tort reormers. Disponível em: < http://aulawreview.com/pdfs/42/42-4/rustad.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2015.

26

RUSTAD, Michael. KOENIG, Thomas. The historical continuity of punitive damages awards: reforming the tort reormers. Disponível em: < http://aulawreview.com/ pdfs/42/42-4/rustad.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2015. 27

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Aí está a raiz que veio a ser especialmente desenvolvida no séc. XVIII, quando se criou a doutrina dos exemplary damages como um meio para justificar a atribuição de indenização quando não havia prejuízo tangível, ou seja, no caso de danos extrapatrimoniais.28

Revela-se importante ressaltar que até o fim do Século XIX, tanto quanto nos primeiros casos mencionados, a indenização punitiva não era concedida de forma separada da indenização compensatória, mas simplesmente contemplavam um aumento da verba a ser paga nos casos em que a conduta demonstrava-se particularmente censurável.29 Como colocado pelo Honorável Juiz Richard Posner, da Corte de Apelações do 7º Circuito dos Estados Unidos, a indenização punitiva expressa à ojeriza da sociedade sobre o ato do agente. Ao passo em que se pode entender quando um cidadão exemplar e que costuma obedecer à lei pode ser, à vezes, descuidado, o que pode gerar uma indenização compensatória, costuma-se reagir de forma muito mais forte contra o malfeitor imprudente ou intencional, e a indenização punitiva é a maneira de comutar essa indignação em uma punição civil.30 Já nos Estados Unidos da América, o primeiro caso de aplicação do dano punitivo se deu em 1784, quando o demandante e o demandado, ambos sob influência de álcool, decidiram encerrar um conflito em um duelo de armas. O demandado, que era médico, propôs que ambos tomassem uma bebida juntos a fim de se reconciliarem. Entretanto, o demandado, secretamente, colocou uma grande dose de cantáridas no copo do demandante, causando dor excruciante. A corte instruiu o júri de que o prejuízo do demandante era demasiadamente sério, sendo o caso de aplicação de danos exemplares, mormente considerando o caráter profissional da conduta.31

MARTINS-COSTA, Judith. PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva (punitive damages e o Direito Brasileiro). Disponível em: <http://www.jf.jus.br/ ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/643/823>. Acesso: em 19 mai. 2015.

28

29

GONÇALVES, Vitor Fernandes. A punição na responsabilidade civil: a indenização do dano moral e da lesão a interesses difusos. Brasília: Brasília Jurídica, 2005. p. 35-36.

POSNER, Richard. Kemezy v. Peters, 79 F.3d 33, 34 (7th Cir. 1996) apud GOTTLIEB, Emily. DOROSHOW, Joanne. What you need to know about punitive damages. Disponível em <https://www.centerjd.org/sites/default/files/ckfinder/userfiles/files/punitives.pdf>. Acesso em:16 mai. 2015.

30

RUSTAD, Michael. KOENIG, Thomas. The historical continuity of punitive damages awards: reforming the tort reormers. Disponível em: < http://aulawreview.com/ pdfs/42/42-4/rustad.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2015. 31

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De início, a concessão dos punitive damages era limitada a casos que envolviam pessoas físicas, normalmente por abuso ou prejuízo físico. Entretanto, foi no final do século XIX que as cortes americanas permitiram que fossem aplicados, também, contra grandes corporações, mormente em razão das empresas de trilhos de trens e outras grandes empresas que ganhavam enormes fortunas ao custo de seus trabalhadores pobres e consumidores inocentes.32 Os punitive damages têm grande importância social e econômica advinda dos sinais enviados aos malfeitores de que suas condutas errôneas (ilícitas) trarão consequências severas; vê-se, na história, diversas ocasiões em que a imposição ou a simples ameaça da condenação em punitive damages foi suficiente para fazer com que produtos e serviços perigosos fossem retirados (ou nunca colocados) no mercado.33 A indenização punitiva, pois, tem a função de punição e dissuasão, além de um resquício da função compensatória.34 Justamente por isso, o fato de que os punitive damages são incalculáveis é o que torna o instituto eficaz: se os praticantes de ilícitos pudessem estimar com clareza o custo (futuro) de uma conduta ilegal e pudesse incorporar esse valor nos seus produtos e serviços, nada os impediria de violarem direitos de outrem.35 Veja-se: Em quase todas as jurisdições nos Estados Unidos em que a indenização punitiva é disponível, o seu propósito é não-remuneratório... O propósito mais comum do dano punitivo é punir o demandado por seu ato ilícito e dissuadir ele e outros de condutas similares. Porque

GOTTLIEB, Emily. DOROSHOW, Joanne. What you need to know about punitive damages. Disponível em <https://www.centerjd.org/sites/default/files/ckfinder/userfiles/files/ punitives.pdf>. Acesso em:16 mai. 2015. 32

GOTTLIEB, Emily. DOROSHOW, Joanne. What you need to know about punitive damages. Disponível em <https://www.centerjd.org/sites/default/files/ckfinder/userfiles/files/ punitives.pdf>. Acesso em:16 mai. 2015. 33

FEI, Jessica Jia. Awards of punitive damages. Disponível em: <http://www.jonesday.com/files/Publication/75b937bb-b41b-4971-b7a0-49c4bff2ec21/Presentation/ PublicationAttachment/905d1ac6-50ba-4695-87c0-718ef9772f4a/JiaFei_Punitive_Damages.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2015. 34

DENEMARK, Howard A. Seeking greater fairness when awarding multiple plaintiffs punitive damages for a single act by a defendant. Ohio State Law Journal. 2002. v. 63. Disponível em: <http://moritzlaw.osu.edu/students/groups/oslj/files/2012/03/63.3.denemark.pdf>. Acesso em:16 mai. 2015.

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punir o demandado é similar ao propósito de dissuadir tanto ele como outros de certa conduta, a maior parte das cortes que expressa essa função da indenização punitiva vai combinar essas duas ideias36 (traduziu-se).

Essa foi, inclusive, a conclusão da Suprema Corte Americana, no julgamento de Memphis Cmty. Sch. v. Stachura, que afirmou que “o propósito dos punitive damages é punir conduta intencional e maliciosa, e dissuadir outros de comportamento similar”.37 Nesse desdobrar, pode-se afirmar: Como a conduta perpetrada pelo ofensor, marcada por um alto grau de reprovabilidade, atinge não apenas o ofendido (por reduzir seu patrimônio), mas, também a principalmente a própria sociedade (por desmerecer os cidadãos que respeitam os limites impostos pelo contrato social e, com isso, impactar de maneira negativa a qualidade de vida em sociedade), ela precisa ser sancionada de maneira exemplar.38

Em que pese nem todas as cortes americanas entendam que os punitive damages têm efeito salutar, a vasta maioria de jurisdições americanas permite a condenação do demandado em indenização punitiva porque, assim, são capazes de punir e dissuadir o agente do ilícito e, por conseguinte, excluir a possibilidade de que este possa calcular a responsabilidade futura e, portanto, fazer uma análise racional do benefício de sua ação contra o custo da violação de direitos dos outros.39 “In almost all jurisdictions in the United States where punitive damages are available, their stated purpose is nonremunerative... The most frequently stated purpose of punitive damages is to punish the defendant for his wrongdoing and to deter him and others from similar misconduct. Because punishing the defendant is akin to the purpose of deterring both him and others from such doncust, most courts that Express this as a function of punitive damages Will combine these two ideias.” DENEMARK, Howard A. Seeking greater fairness when awarding multiple plaintiffs punitive damages for a single act by a defendant. Ohio State Law Journal. 2002. v. 63. Disponível em: <http://moritzlaw.osu.edu/students/ groups/oslj/files/2012/03/63.3.denemark.pdf>. Acesso em:16 mai. 2015.

36

DENEMARK, Howard A. Seeking greater fairness when awarding multiple plaintiffs punitive damages for a single act by a defendant. Ohio State Law Journal. 2002. v. 63. Disponível em: <http://moritzlaw.osu.edu/students/groups/oslj/files/2012/03/63.3.denemark.pdf>. Acesso em:16 mai. 2015.

37

38

SERPA, Pedro Ricardo e. Indenização punitiva. Disponível em: <www.teses.usp.br/teses/.../2/2131/.../Dissertacao_Indenizacao_Punitiva.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2015. p. 48.

DENEMARK, Howard A. Seeking greater fairness when awarding multiple plaintiffs punitive damages for a single act by a defendant. Ohio State Law Journal. 2002. v. 63. Disponível em: <http://moritzlaw.osu.edu/students/groups/oslj/files/2012/03/63.3.denemark.pdf>. Acesso em:16 mai. 2015. 39

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Da mesma maneira que na quantificação da indenização no direito brasileiro, a indenização punitiva americana sofre do problema de que não há um consenso para determinação do excesso de punição, mormente na revisão do valor em segunda instância em razão da ausência de regras legais que determinem valores razoáveis.40 A situação econômica do causador do dano tem grande relevância na fixação da indenização punitiva. Ao passo em que U$ 40.000,00 (quarenta mil dólares) podem ser suficientes em certa instância, este valor não faz diferença a uma corporação multibilionária como a General Motors e, por conseguinte, não causa a pressão financeira que impulsiona práticas mais seguras.41 Malgrado não se desconheça da importância do próprio dano/lesão causado à vítima mesmo na hipótese de indenização punitiva que, como mencionado alhures, não tem como principal objetivo a compensação, é evidente que a situação econômica do demandado detém grande importância na sua quantificação: o valor arbitrado deve ser suficientemente elevado para causar ao agente do ilícito sofrimento, sendo eficaz como fator de desestímulo42, ou seja, a indenização deve ser individualizada – e não tabelada – para cada caso, levando em conta a situação financeira do réu43. Pode-se dizer, assim, que a punição consiste no fato de infligir dor suficiente – como prejuízo monetário – para fazer com que os réus se arrependam de sua ação; é nisso que consiste a dissuasão: a possibilidade de prejuízo suficiente para desestimular a ideia de eventual conduta lesiva e até mesmo a conduta que, embora não lesiva em seu âmago, apresenta-se arriscada.44 GHIARDI, James D. Punitive damage awards – an expended judicial role. Disponível em: <http://scholarship.law.marquette.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1750&context=mulr>. Acesso em: 16 mai. 2015. 40

GOTTLIEB, Emily. DOROSHOW, Joanne. What you need to know about punitive damages. Disponível em <https://www.centerjd.org/sites/default/files/ckfinder/userfiles/files/ punitives.pdf>. Acesso em:16 mai. 2015. 41

PAGE, Kinberly A. Recalibrating the scales of justice through national punitive damage reform. Disponível em: <http://www.aulawreview.org/pdfs/46/46-5/pace.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2015.

42

GOTTLIEB, Emily. DOROSHOW, Joanne. What you need to know about punitive damages. Disponível em <https://www.centerjd.org/sites/default/files/ckfinder/userfiles/files/ punitives.pdf>. Acesso em:16 mai. 2015. 43

DENEMARK, Howard A. Seeking greater fairness when awarding multiple plaintiffs punitive damages for a single act by a defendant. Ohio State Law Journal. 2002. v. 63. Disponível em: <http://moritzlaw.osu.edu/students/groups/oslj/files/2012/03/63.3.denemark.pdf>. Acesso em:16 mai. 2015.

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Como ressaltado por Emily Gottlieb, diretora do Centro Pela Justiça e Democracia45, “a indenização punitiva concede adequado incentivo econômico aos malfeitores para que se tornem mais seguros e responsáveis” 46 (traduziu-se). Um dos casos de aplicação dos punitive damages que atraiu maior atenção da mídia internacional – e ressaltou a importância do instituto na sociedade atual – foi Anderson vs. General Motors: em 1999 um júri condenou a empresa General Motors após Patricia Anderson, seus quatro filhos e um amigo da família ficarem gravemente feridos após um veículo Chevy Malibu, que havia sido produzido com defeitos, explodir em chamas como reação a um acidente de trânsito. De acordo com os documentos descobertos durante o julgamento, o engenheiro da empresa ré havia determinado que o custo de pagar eventual dano meramente compensatório (avaliado em, aproximadamente, U$ 2.40 por veículo vendido) seria muito mais barato do que realizar as mudanças no design do veículo. Essa análise de custo-benefício fez com que o júri condenasse a empresa em U$ 4.8 bilhões (quatro bilhões e oitocentos milhões de dólares).47 A mesma análise de custo-benefício foi o que impulsionou uma indenização de U$ 125.000.000,00 (cento e vinte e cinco milhões de dólares) no caso Grimshaw v. Ford Motor Co., na qual a empresa demandada optou por fabricar um veículo barato e, portanto, revestiu o tanque de gasolina com material barato e suprimiu componentes de segurança nos pára-choques e na estrutura do veículo. Como resultado, os choques traseiros com o veículo – mesmo que em baixa velocidade – poderiam causar vazamento de combustível e, portanto, explosões.48 A análise realizada pela empresa, levando em conta a probabilidade das explosões foi de que o custo dos acidentes frente aos padrões de indenização compensatória por morte, queimaduras sérias e o preço dos veículos a serem repostos seria de quarenta e nove milhões de dólares,

45

Organização apartidária americana de direitos do consumidor.

“Punitive damages also give culpable wrongdoers the proper economic incentives to become safer and more responsible.” GOTTLIEB, Emily. What you need to know about... punitive damages. Disponível em http://www.fairwarning.org/wp-content/uploads/2011/09/PunitiveDamagesWhitePaper2011F.pdf. Acesso em: 16 mai. 2015.

46

GOTTLIEB, Emily. What you need to know about... punitive damages. Disponível em http://www.fairwarning.org/wp-content/uploads/2011/09/PunitiveDamagesWhitePaper2011F. pdf. Acesso em: 16 mai. 2015.

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GONÇALVES, Vitor Fernandes. A punição na responsabilidade civil: a indenização do dano moral e da lesão a interesses difusos. Brasília: Brasília Jurídica, 2005. p. 45.

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ao passo em que o prejuízo aumentaria em 11 dólares o custo da produção de cada veículo, com custo total superior a cento e trinta milhões de dólares.49 Casos como este são, exatamente, alvo de crítica dos opositores dos punitive damages que, como visto no exemplo precitado, podem alcançar valores exorbitantes. Não obstante, Emily Gottlieb aclara que, na verdade, estudos empíricos já demonstraram que a média do valor atribuído a título de punitive damages é de U$ 38.000,00 (trinta e oito mil dólares) e estão presentes em apenas 3,3% dos casos de reparação de danos julgados pelas cortes estaduais americanas.50 Tanto se dá porque a doutrina dos punitive damages exige diversos requisitos para sua incidência, como a culpa grave, o dolo, a malícia, a fraude. Isso garante que não haja a banalização do instituto, o que viabiliza sua aplicação nos casos em que alcance resultado social.51 Howard A. Denemark preleciona que, consoante análise de dados empíricos, o remédio dos punitive damages somente é aplicado nos casos em que se verifica conduta altamente ofensiva que demanda uma resposta forte.52 Isso posto, não se pode esquecer que, nos Estados Unidos da América, o julgamento de causas de responsabilidade civil se dá por deliberação de júri. Este direito é previsto de forma específica na 7ª Emenda à Constituição Americana, segundo a qual “nos

49

GONÇALVES, Vitor Fernandes. A punição na responsabilidade civil: a indenização do dano moral e da lesão a interesses difusos. Brasília: Brasília Jurídica, 2005. p. 45-46.

GOTTLIEB, Emily. DOROSHOW, Joanne. What you need to know about punitive damages. Disponível em <https://www.centerjd.org/sites/default/files/ckfinder/userfiles/files/ punitives.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2015. 50

MARTINS-COSTA, Judith. PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva (punitive damages e o Direito Brasileiro). Disponível em: <http://www.jf.jus.br/ ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/643/823>. Acesso: em 19 mai. 2015.

51

DENEMARK, Howard A. Seeking greater fairness when awarding multiple plaintiffs punitive damages for a single act by a defendant. Ohio State Law Journal. 2002. v. 63. Disponível em: <http://moritzlaw.osu.edu/students/groups/oslj/files/2012/03/63.3.denemark.pdf>. Acesso em:16 mai. 2015.

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processos de direito consuetudinário, quando o valor da causa exceder vinte dólares, será garantido o direito de julgamento por júri”53 (traduziu-se). Nesse ínterim, em muitos estados americanos os júris são requisitados, com relação ao julgamento do cabimento (ou não) dos punitive damages, a decidir quatro fatores: Primeiro, o demandado deve ser subjetivamente consciente do grave perigo ou risco de dano, e o perigo ou risco deve ser um efeito previsível provável da conduta. Em segundo lugar, o perigo ou risco em particular do qual o demandado estava subjetivamente consciente deve, de fato, ter ocorrido. Terceiro, o demandante deve ter ignorado o risco ao decidir como agir. Quarto, a conduta do demandado ao ignorar o perigo ou risco deve ter envolvido um bruto desvio do nível de cuidado que uma pessoa ordinária usaria, tendo cuidado devido com todas as circunstâncias 54. (traduziu-se)

“In suits at common law, where the value in controversy shall exceed twenty dollars, the right of trial by jury shall be preserved, and no fact tried by a jury, shall be otherwise reexamined in any court of the United States, than according to the rules of the common law.” Disponível em: <https://www.law.cornell.edu/constitution/ seventh_amendment>. Acesso em: 30 mai. 2015. 53

“First, a defendant must be subjectively conscious of a particular grave danger or risk ofr harm, and the danger or risk must be a foreseeable and proble effect of the conduct. Second, the particular danger or risk of which the denfendant was subjectively conscious must in fact have eventuated. Third, a defendant must have disregarded the risk in deciding how to act. Fourth, a defendant’s conduct in ignoring the danger or risk must have involved a gross deviation from the level of care which na ordinary person would use, having due regard to all the circunstances.” SUNSTEIN, Cass R. HASTIE, Reid. PAYNE, John W. SCHKADE, David A. VISCUSI, W. Kip. Punitive damages: how juries decide. Illinois: The University of Chicago Press, 2002. p. 1190.

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A análise de casos por júri traz ao instituto um problema, chamado pelos americanos de “over-deterrence”55 e “blockbuster awards”56, pois os jurados, não raramente, não compreendem as instruções da corte ou atuam com vieses cognitivos, e acabam fixando valores de indenização punitiva demasiadamente altos.57 Como já mencionado anteriormente, a dificuldade na valoração da indenização punitiva é semelhante à dificuldade de valoração de indenização por dano moral no Brasil. Por isso, os juízes que presidem os julgamentos (e as instâncias recursais) vêm tendo maior poder de decisão sobre os valores fixados a título punitivo, podendo reduzi-los quando demonstram dissuasão excessiva. Nesse desdobrar, notadamente em razão da dificuldade de arbitrar valores a título punitivo e com intuito de obstar a condenação de empresas nos chamados blockbuster awards, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, no julgamento de State Farm v. Campbell, em 2003, estabeleceu a diretriz mais específica já criada no direito americano acerca da fixação da indenização punitiva: a de que a indenização punitiva deve ser menor do que dez vezes a indenização compensatória, devendo a proporção (de 1:1 até 9:1) ser calculada com base no caso concreto, sob pena de violação do princípio devido processo legal.58

55

Dissuasão excessiva, em tradução livre.

Prêmios (como se chama a indenização no direito americano) “arrasa-quarteirões”, em tradução livre. Conforme especifica W. Kip Viscusi, professor de Direito e Economia em Harvard, os blockbuster awards são as indenizações maiores do que cem milhões de dólares. VISCUSI, W. Kip. The blockbster punitive damages awards. Disponível em: <http:// www.law.harvard.edu/programs/olin_center/papers/pdf/473.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2015.

56

KONSTANTIN, Alec. Judges, jurors, and punitive damage awards: avoiding over-deterrence. University of Chicag Undergraduate Law Review. 2. ed. Março: 2015. v. IV. Disponível em: <http://static1.squarespace.com/static/5082f83d84ae02360229108b/t/54fce322e4b001f7876ce75b/1425859362306/4UChiUGLRev67.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2015.

57

58

VISCUSI, W. Kip. The blockbster punitive damages awards. Disponível em: <http://www.law.harvard.edu/programs/olin_center/papers/pdf/473.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2015.

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Da mesma forma, alguns estados americanos já vêm editando legislação que prevê limitação das indenizações punitivas, como no estado do Colorado, que determinou que a proporção máxima da indenização punitiva deve ser o triplo da indenização compensatória e o estado da Geórgia estabeleceu limite máximo de duzentos e cinquenta mil dólares para certos casos de indenização punitiva.59

ANÁLISE COMPARATIVA Percebe-se que nos países em que vigora a common law as ações que versam acerca de responsabilidade civil demonstram uma acentuação na utilização do princípio punitivo da indenização, notadamente como desestímulo não só ao praticante do ilícito como a toda a sociedade. Passa-se, pois, a listar casos que guardam certa similaridade (ao menos com relação ao tema envolvendo o caso concreto) e a diferença nas decisões finais de casos julgados no Brasil e casos americanos que foram icônicos na história dos punitive damages.

FALHA EM SERVIÇO HOSPITALAR Em fevereiro de 2012 o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo condenou a SDPM Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina Hospital Geral Pirajussara ao pagamento de uma indenização a Mariana Francisco Braga60. O filho de Mariana, que estava hospitalizado na instituição ré, sofria de “estenose subglótica” e não podia ser deixado sozinho, razão pela qual havia sempre um auxiliar de enfermagem o guardando. Entretanto, o auxiliar de enfermagem, após alimentar a criança, dirigiu-se até a copa para deixar a mamadeira. O bebê, durante a ausência da auxiliar de enfermagem, faleceu por asfixia. A conclusão a que se chegou foi de que a auxiliar de enfermagem havia deixado o bebê

59

GONÇALVES, Vitor Fernandes. A punição na responsabilidade civil: a indenização do dano moral e da lesão a interesses difusos. Brasília: Brasília Jurídica, 2005. p. 101-102.

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n° 0010170-77.2005.8.26.0609. 5ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Edson Luis de Queiroz. São Paulo, SP. Disponível em: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=5835946&cdForo=0&vlCaptcha=mrbhf>. Acesso em: 17 mai. 2015.

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sozinho por mais de uma hora. O Tribunal de São Paulo arbitrou os danos morais em R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais). O Superior Tribunal de Justiça manteve a condenação e o valor arbitrado61. Por outro lado, em setembro de 1982 um bebê sofreu dano cerebral permanente após ser deixado sozinho em um berçário no Arkansas por trinta e cinco minutos. Destes trinta e cinco minutos, o bebê não respirou por dez a quinze minutos. A evidência demonstrou que os procedimentos de redução de custos do hospital deixavam o berçário com duas enfermeiras a menos durante o turno noturno. O júri condenou a corporação mantenedora do hospital em indenização punitiva de U$ 2.000.000,00 (dois milhões de dólares), o que fez com que a corporação alterasse sua política de pessoal nas unidades pediátricas de toda a cadeia hospitalar.62 Em maio de 1980, um paciente em um hospital no Arkansas sofreu dano no cérebro e no pulmão quando um ventilador “Airco” debilitou a sua respiração durante uma cirurgia. A prova amealhada demonstrou que testes realizados pela companhia antes da venda do produto já demonstraram que o aparelho era perigoso e potencialmente letal. O júri, então, condenou a empresa em U$ 3.000.000,00 (três milhões de dólares). Isso fez com que a empresa enviasse um comunicado patrocinado pela FDA63, notificando médicos e hospitais através do país inteiro acerca do perigo no abuso do equipamento.64

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg em Agravo em Recurso Especial 399.378/SP, Quarta Turma, Relator Min. Raul Araújo. Brasília, DF. Disponível em: <https://ww2. stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=43161844&num_registro=201303144719&data=20150206&tipo=51&formato=PDF>. Acesso em: 17 mai. 2015.

61

GOTTLIEB, Emily. DOROSHOW, Joanne. What you need to know about punitive damages. Disponível em <https://www.centerjd.org/sites/default/files/ckfinder/userfiles/files/ punitives.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2015. 62

63

Food and Drug Administration. Autarquia federal americana equivalente à Anvisa.

GOTTLIEB, Emily. DOROSHOW, Joanne. What you need to know about punitive damages. Disponível em <https://www.centerjd.org/sites/default/files/ckfinder/userfiles/files/ punitives.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2015. 64

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ACIDENTES DE CONSUMO O Tribunal de Justiça de São Paulo, em julgamento exarado pela 10ª Câmara de Direito Privado65, condenou uma empresa de refrigerantes ao pagamento de danos morais por um acidente de consumo. Renata Bernardo Siqueira e Silva, ao tempo com doze anos de idade, circulavam por um supermercado com as amigas quando a garrafa de refrigerante que segurava explodiu. A demandante teve seu olho esquerdo totalmente atrofiado pelos estilhaços da garrafa. Segundo a prova pericial coligida no curso do processo, chegou-se à conclusão de que os vasilhames corriam o risco de explodir em certas circunstâncias. A sentença de 2º Grau, confirmando a sentença exarada pela magistrada a quo, condenou a empresa ré no pagamento de noventa e três mil reais por danos morais e outros noventa e três mil por danos estéticos. O Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão.66

AS CORTES AMERICANAS JÁ APRECIARAM SITUAÇÃO SIMILAR Em 1985, uma idosa de 80 anos ficou cega de seu olho esquerdo quando uma tampa-rosca de alumínio explodiu de uma garrafa e atingiu seu olho enquanto ela tentava removê-la. Documentos revelaram que a companhia sabia do problema de tampas de garrafa explodindo e de numerosas lesões nos olhos desde o começo dos anos 70, tendo a companhia colocado uma etiqueta de aviso simplesmente para evitar a

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n° 0033835-31.2000.8.26.0114. 10ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Elcio Trujillo. São Paulo, SP. Disponível em: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=6846752&cdForo=0&vlCaptcha=DjSPU>. Acesso em: 17 mai. 2015. 65

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo em Recurso Especial 599.676/SP, Terceira Turma, Relatora Min. Maria Isabel Gallotti. Brasília, DF. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=41895712&num_registro=201402571810&data=20141127&tipo=51&formato=PDF>. Acesso em: 17 mai. 2015.

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incidência de indenização punitiva. O júri acabou condenando a companhia em U$ 10.000.000,00 (dez milhões de dólares). Como resultado, a companhia trocou as tampas das garrafas e incluiu um aviso mais eficaz acerca de seus riscos.67

A TEORIA DO VALOR DESESTÍMULO E SUA APLICAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO A doutrina americana dos punitive damages foi trazida ao ordenamento jurídico brasileiro com a teoria do valor do desestímulo, segundo a qual o valor da indenização por danos extrapatrimoniais (especialmente os danos morais) não deve ser voltado tão só à compensação do dano sofrido, mas também com intuito de desestimular a repetição da conduta ilícita (causadora do dano) tanto pelo causador do dano como por outros indivíduos da sociedade.68 Estudiosos chegam à conclusão, pois, de que a teoria do valor do desestímulo é simples e eficaz. Faz-se com que o causador do injusto (do dano moral) seja efetivamente punido, não saindo impune das veredas do ilícito; a punição financeira, que é expressiva, deve fazer com o que o agente sinta os efeitos da condenação e com que todos os outros membros da sociedade sejam desestimulados à prática de dano similar a outros.69 A questão acerca da aplicação do princípio punitivo nas indenizações, embora ainda controversa, já foi consolidada na jurisprudência brasileira. Rui Stoco discorre: GOTTLIEB, Emily. DOROSHOW, Joanne. What you need to know about punitive damages. Disponível em <https://www.centerjd.org/sites/default/files/ckfinder/userfiles/files/ punitives.pdf>. Acesso em:16 mai. 2015. 67

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência, tomo II. 9. ed. rev., atual. e reformulada com comentários ao Código Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 991.

68

PACHECO, Paulo Henrique Cremoneze. A introdução da doutrina norte-americana do punitive damage no sistema jurídico brasileiro para a avaliação das indenizações por danos morais – o dano moral enquanto elemento difusor da cidadania. Disponível em: <http://www.ibds.com.br/artigos/DanoMoral.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2015.

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Não se há de repudiar a teoria do valor do desestimulo enquanto critério, pois o propósito de desestimular ou alertar o agente causador do mal com a objetiva imposição de uma sanção pecuniária não significa a exigência de que componha um valor absurdo, despropositado e superior às forças de quem paga; nem deve ultrapassar a própria capacidade de ganhar da vítima e, principalmente, a sua necessidade ou carência material, até porque se nenhum prejuízo dessa ordem sofreu, o valor apenas irá compensar a dor (...).70 Como fazer para pôr côbro às intervenções perniciosas de empresas que a cada momento ofendem a integridade espiritual de pessoas, na certeza de que o valor que pagarão, se forem acionadas, nada representará em seus enormes lucros? Esse raciocinar induz à plena convicção de que os cometedores de lesões à pessoa continuarão livres para continuar em sua faina agressiva, em total desrespeito ao valor humano.71

Sílvio de Sálvio Venosa, da mesma forma, afirma que “quem, por exemplo, foi condenado por vultosa quantia porque indevidamente remeteu título a protesto, ou porque ofendeu a honra ou imagem de outrem, pensará muito em fazê-lo novamente”.72 É nessa função preventiva (deterrence73) que é baseada a teoria do valor do desestímulo. É possível visualizar uma influência cada vez maior do princípio punitivo da responsabilidade civil no direito brasileiro, que resulta da ineficácia (social) do caráter meramente ressarcitório do instituto, que não pode ser devidamente aplicado no dano extrapatrimonial.74 Veja-se que a matéria, inclusive, foi objeto de Projeto de Lei (6.960/2002), que determinava a inclusão de novo parágrafo no artigo 944 do Código Civil, determinando que a reparação do dano moral deveria levar em conta o “adequado desestímulo ao lesante”.

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência, tomo II. 9. ed. rev., atual. e reformulada com comentários ao Código Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 993.

70

71

SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4. ed. rev., ampl. e atual. de acordo com o novo código civil São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 160.

72

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011, v. 4, p. 317.

73

Dissuasão, em tradução livre.

MARTINS-COSTA, Judith. PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva (punitive damages e o Direito Brasileiro). Disponível em: <http://www.jf.jus.br/ ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/643/823>. Acesso: em 19 mai. 2015.

74

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SUMÁRIO

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Tem-se, pois, que o maior óbice à aplicação dos punitive damages (através da teoria do valor do desestímulo) reside na possibilidade de enriquecimento sem causa da vítima do ilícito. Assim, a preocupação residiria no fato de que o valor punitivo, que ultrapassa o valor da compensação, ensejaria lucro indevido ao lesado. Como explicitado por Howard A. Denemark, essa análise é incorreta. Para ele, o foco da indenização punitiva deve ser o agente do ilícito, e não a sua vítima. É a conduta do malfeitor que deve sofrer a punição com valor necessário para dissuadi-lo.75 Vitor Fernandes Gonçalves ressalta que, mesmo no âmbito do direito civil (e não só no criminal), deve-se abandonar a visão individualista, analisando os casos e suas soluções do ponto de vista da sociedade, especialmente no caso da indenização punitiva. O indivíduo, insta lembrar, é parte indissolúvel da sociedade, e qualquer ilícito praticado contra ele é um ataque à própria coletividade, que é beneficiada quando o autor de um ilícito sofre uma reprimenda eficaz.76 Vale ressaltar, entretanto, que a teoria do valor do desestímulo, embora, como já mencionado, seja o equivalente brasileiro dos punitive damages, não guarda relação completa com o instituto anglo-americano. Ao passo em que os punitive damages estrangeiros compreendem a fixação de num valor adicional, a parte do valor da indenização compensatória, a teoria do valor do desestímulo não passa de um critério de quantificação da indenização por dano moral com atenção ao binômio punição/compensação.77 Não obstante, uma das maneiras de mitigação do enriquecimento sem causa advindo da indenização punitiva é determinar a destinação desta verba a entidades coletivas e fundos de ajuda jurídica.78

DENEMARK, Howard A. Seeking greater fairness when awarding multiple plaintiffs punitive damages for a single act by a defendant. Ohio State Law Journal. 2002. v. 63. Disponível em: <http://moritzlaw.osu.edu/students/groups/oslj/files/2012/03/63.3.denemark.pdf>. Acesso em:16 mai. 2015.

75

76

GONÇALVES, Vitor Fernandes. A punição na responsabilidade civil: a indenização do dano moral e da lesão a interesses difusos. Brasília: Brasília Jurídica, 2005. p. 162.

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência, tomo II. 9. ed. rev., atual. e reformulada com comentários ao Código Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 398-399.

77

78

GONÇALVES, Vitor Fernandes. A punição na responsabilidade civil: a indenização do dano moral e da lesão a interesses difusos. Brasília: Brasília Jurídica, 2005. p. 167.

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SUMÁRIO

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Carlos Roberto Gonçalves, nesse desdobrar, discorre: Há até quem preconize, para a hipótese de a lei vir a atribuir caráter punitivo autônomo ao dano moral, a criação de um fundo semelhante ao previsto na lei que regulamenta a ação civil pública nos casos de danos ambientais, destinado a promover campanhas educativas para prevenir acidentes de trânsito, a dar assistência às vítimas, etc., ao qual seria destinado o que excedesse o razoável para consolar as vítimas.79

O que se vê, ao fim e ao cabo, é que a doutrina dos punitive damages, embora seja aplicável no ordenamento brasileiro através da teoria do valor do desestímulo, ainda encontra resistência e somente está presente de forma tímida, senão hesitante, nas decisões judiciais que versam sobre dano moral. Frente a isso, o ordenamento jurídico brasileiro poderia fazer uso da função exemplar da responsabilidade civil, que por vezes (e principalmente contra pessoas jurídicas) é muito mais eficaz do que uma sanção penal. Assim, a Justiça pode exercer função moralizadora80, garantindo uma sociedade juridicamente segura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O tema da responsabilidade civil não é novo no Direito, seja ele brasileiro ou estrangeiro, a sua função social sempre foi clara: garantir que toda a sociedade soubesse que a violação dos direitos de outrem importaria na obrigatoriedade da sua reparação.

79

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. 9. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2014, v. 4. p. 408.

80

GONÇALVES, Vitor Fernandes. A punição na responsabilidade civil: a indenização do dano moral e da lesão a interesses difusos. Brasília: Brasília Jurídica, 2005. p. 244.

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SUMÁRIO

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A análise teleológica do instituto e a própria interpretação do neminem laedere, regra geral do direito, aponta para a circunstância de que a função primordial da responsabilidade civil não se encontra na compensação, mas sim na prevenção, na ideia de que não será admitida a violação de direitos de outrem. A compensação só é importante ao particular, enquanto a prevenção é relevante à sociedade como um todo. Ao passo em que o Superior Tribunal de Justiça e mesmo os Tribunais Estaduais reconhecem expressamente que as indenizações devem servir de punição ao ofensor, pecam ao decidir quanto ao resultado final, arbitrando indenizações ínfimas que não causam consequências no agir dos malfeitores. A solução do problema encontra-se, pois, na doutrina anglo-americana dos punitive damages, que são fixados em valores vultuosos que são orientados à punição do ofensor e à dissuasão da repetição das condutas ilícitas. Como solução, mostra-se possível a adoção da teoria do valor do desestímulo, segundo a qual o valor do dano moral deve desbordar da ideia de compensação para atender ao binômio compensação-punição ou, como também conhecido, compensação-prevenção. Assim, justificase a adoção de valores maiores a título de indenização por danos morais para, com cada julgamento, demonstrar que a sociedade não admitirá práticas abusivas e que, por conseguinte, causam insegurança jurídica.

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SUMÁRIO

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REFERÊNCIAS BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg em Agravo em Recurso Especial 399.378/SP, Quarta Turma, Relator Min. Raul Araújo. Brasília, DF. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=43161844&num_ registro=201303144719&data=20150206&tipo=51&formato=PDF>. Acesso em:17 mai. 2015. _____. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Agravo em Recurso Especial 599.676/SP, Terceira Turma, Relatora Min. Maria Isabel Gallotti. Brasília, DF. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=41895712&num_ registro=201402571810&data=20141127&tipo=51&formato=PDF>. Acesso em:17 mai. 2015. _____. Superior Tribunal de Justiça. REsp 839.923/MG, Segunda Seção, Relator Min. Luis Felipe Salomão. Brasília, DF. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=22011078&num_ registro=200600384862&data=20120521&tipo=51&formato=PDF>. Acesso em: 25 abr. 2015. _____. Superior Tribunal de Justiça. REsp 866.220/BA, Quarta Turma, Relator Min. Luis Felipe Salomão. Brasília, DF. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=38047251&num_ registro=201201082657&data=20140905&tipo=91&formato=PDF>. Acesso em: 25 abr. 2015. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2009. DENEMARK, Howard A. Seeking greater fairness when awarding multiple plaintiffs punitive damages for a single act by a defendant. Ohio State Law Journal. 2002. v. 63. Disponível em: <http://moritzlaw.osu.edu/students/groups/oslj/files/2012/03/63.3.denemark.pdf>. Acesso em:16 mai. 2015. DIAS, Jose de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. ESTADO DE SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n° 0010170-77.2005.8.26.0609. 5ª Câmara de ORGANIZADORES:

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SUMÁRIO

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Direito Privado, Relator Des. Edson Luis de Queiroz. São Paulo, SP. Disponível em: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo. do?cdAcordao=5835946&cdForo=0&vlCaptcha=mrbhf>. Acesso em: 17 mai. 2015. _____. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação n° 0033835-31.2000.8.26.0114. 10ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Elcio Trujillo. São Paulo, SP. Disponível em: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=6846752&cdForo=0&vlCaptcha=DjSPU>. Acesso em: 17 mai. 2015. FEI, Jessica Jia. Awards of punitive damages. Disponível em: <http://www.jonesday.com/files/Publication/75b937bb-b41b-4971-b7a049c4bff2ec21/Presentation/PublicationAttachment/905d1ac6-50ba-4695-87c0-718ef9772f4a/JiaFei_Punitive_Damages.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2015. GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 10. ed. rev., atual. eampl. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 3. GHIARDI, James D. Punitive damage awards – an expended judicial role. Disponível em: <http://scholarship.law.marquette.edu/cgi/ viewcontent.cgi?article=1750&context=mulr>. Acesso em: 16 mai. 2015. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. 9. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2014, vol, 4. GONÇALVES, Vitor Fernandes. A punição na responsabilidade civil: a indenização do dano moral e da lesão a interesses difusos. Brasília: Brasília Jurídica, 2005. GOTTLIEB, Emily. DOROSHOW, Joanne. What you need to know about punitive damages. Disponível em <https://www.centerjd.org/sites/ default/files/ckfinder/userfiles/files/punitives.pdf>. Acesso em:16 mai. 2015. GOTTLIEB, Emily. What you need to know about... punitive damages. Disponível em http://www.fairwarning.org/wp-content/uploads/2011/09/ PunitiveDamagesWhitePaper2011F.pdf. Acesso em: 16 mai. 2015.

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KONSTANTIN, Alec. Judges, jurors, and punitive damage awards: avoiding over-deterrence. University of Chicag Undergraduate Law Review. 2. ed. Março: 2015. v. IV. Disponível em: <http://static1.squarespace.com/static/5082f83d84ae02360229108b/t/54fce322e4b001f7876ce75b/1425 859362306/4UChiUGLRev67.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2015. MARTINS-COSTA, Judith. PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva (punitive damages e o Direito Brasileiro). Disponível em: <http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/643/823>. Acesso: em 19 mai. 2015. MATTIA, Fábio Maria de. Direitos da personalidade aspectos gerais. Doutrinas Essenciais de Direito Civil. 2010, v. 3, p. 245. Disponível em: <http://revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/resultList/docu ment?&src=rl&srguid=i0ad81815000001498a133b697e9d3f66&do cguid=I0f3c11f0682111e181fe000085592b66&hitguid=I0f3c11f0682111e181fe000085592b66&sp os=1&epos=1&td=4000&context=80&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em:07 nov. 2014 PACHECO, Paulo Henrique Cremoneze. A introdução da doutrina norte-americana do punitive damage no sistema jurídico brasileiro para a avaliação das indenizações por danos morais – o dano moral enquanto elemento difusor da cidadania. Disponível em: <http://www. ibds.com.br/artigos/DanoMoral.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2015. PAGE, Kinberly A. Recalibrating the scales of justice through national punitive damage reform. Disponível em: <http://www.aulawreview. org/pdfs/46/46-5/pace.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2015. PAULO, Gabriel de Fassio. Noções propedêuticas acerca do instituto da responsabilidadecivil: pressupostos jurídicos. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3932, 7 abr. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/27293>. Acesso em: 15 jun. 2014. PINTO, Helena Elias. Função social e responsabilidade civil. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/ artigos/?cod=3323fe11e9595c09>. Acesso em: 15 jun. 2014. RUSTAD, Michael. KOENIG, Thomas. The historical continuity of punitive damages awards: reforming the tort reormers. Disponível em: <http://aulawreview.com/pdfs/42/42-4/rustad.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2015. ORGANIZADORES:

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SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4. ed. rev., ampl. e atual. de acordo com o novo código civil São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. SERPA, Pedro Ricardo e. Indenização punitiva. Disponível em: <www.teses.usp.br/teses/.../2/2131/.../Dissertacao_Indenizacao_Punitiva.pdf>. Acesso em: 16 mai. 2015. STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência, tomo II. 9. ed. rev., atual. e reformulada com comentários ao Código Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. SUNSTEIN, Cass R. HASTIE, Reid. PAYNE, John W. SCHKADE, David A. VISCUSI, W. Kip. Punitive damages: how juries decide. Illinois: The University of Chicago Press, 2002. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011, v.4. VISCUSI, W. Kip. The blockbster punitive damages awards. Disponível em: <http://www.law.harvard.edu/programs/olin_center/papers/pdf/473. pdf>. Acesso em: 16 mai. 2015. WALTHER, David L. PLEIN, Thomas A. Punitive damages – A critical analysis: Kink v. Combs. Marquete Law Review. 2. ed. Novembro, 1965. v. 49. Disponível em < http://scholarship.law.marquette.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2514&context=mulr>. Acesso em: 16 mai. 2015.

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precedentes como fonte do direito: superação da dicotomia entre common law e civil law?

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Guilherme Berteli Almeida de Jesus Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Feevale. E-mail: guilhermeberteli@hotmail.com.

Igor Raatz dos Santos

Advogado. Doutorando em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS. Mestre em Direito pela mesma instituição (2010-2011) Especialista em Direito Processual Civil pela Academia Brasileira de Direito Processual Civil - ABDPC (2007-2008). E-mail: igorra@feevale.br.

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INTRODUÇÃO O presente trabalho tem entre os seus objetivos, analisar as famílias do direito de maior relevância atualmente, a common law e a civil law, em suas mais complexas características, bem como a questão da indeterminação do direito quando da sua criação ou aplicação. A common law e a civil law, como é sabido, surgiram durante a invasão normanda na Inglaterra e o fim do Império Romano do Ocidente, respectivamente, em cenário e época bastante distintos, fato este que influenciou sobremaneira os caminhos opostos percorridos por ambas. A escolha do presente tema teve como razão principal a abordagem histórica inerente ao mesmo, tendo em vista a real necessidade da realização de pesquisa com fins de compreensão das condições em que se deu o surgimento das famílias jurídicas supramencionadas, bem como todas as nuances envolvidas na diferenciação entre ambas. Outro ponto importante, que cumpre ser destacado com relação à escolha do tema em discussão, diz respeito à compreensão das razões que justificam a maneira como o direito, de uma forma geral, se mostra atualmente e todos os atos, sejam eles oriundos das atividades de juristas, legisladores, magistrados e aplicadores do direito, que inegavelmente contribuíram, ao longo dos séculos, para a elaboração ou amadurecimento dos mecanismos responsáveis pela aplicação do direito. Tais mecanismos não estão presentes somente em uma das famílias supramencionadas, mas em ambas, posto que estas, ao longo dos séculos, foram demonstrando grande necessidade de sua presença sejam eles filosóficos ou mesmo jurídicos – a exemplo da doutrina do stare decisis – como forma de consolidar e conferir confiabilidade aos sistemas jurídicos. O método utilizado para a consecução do presente trabalho foi o hipotético dedutivo, buscando-se em doutrinas, artigos e livros os elementos necessários para a melhor análise dos conceitos e aspecto histórico atinente. Na primeira parte do presente artigo restaram analisados os precedentes judiciais, oriundos da common law. Nesse sistema jurídico, diferentemente do que ocorre no civil law, se verifica a incidência da eficácia vinculante horizontal e vertical, sendo a primeira definida como a vinculação dos Tribunais Superiores às suas próprias decisões, e a segunda às decisões proferidas pelos órgãos de instância inferior.

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Em seguida, analisou-se uma questão bastante importante, com relação à conhecida indeterminação do direito, seja no momento de sua aplicação ou de sua criação, discussão esta que ao longo dos anos tomou grandes proporções em razão da complexidade do tema. Nesta árdua tarefa de identificação das possíveis causas de tal indeterminação, destacaram-se Ronald Dworkin e Herbert Hart, os quais divergem em vários pontos de seus respectivos estudos, seja no que diz respeito à origem ou à solução de tal problemática.

A INTRODUÇÃO DOS PRECEDENTES NO DIREITO BRASILEIRO: DA JURISPRUDÊNCIA AO PRECEDENTE JURISPRUDÊNCIA E PRECEDENTE: O SISTEMA RECURSAL E ADOÇÃO DE MECANISMOS VINCULANTES. UMA (FALSA) INCORPORAÇÃO DOS PRECEDENTES JUDICIAIS NO DIREITO BRASILEIRO Com o fito de compreender melhor a rivalidade entre as duas famílias do direito, importa destacar a autoridade exercida pela decisão judicial. Primeira grande questão está em esclarecer se o juiz apenas declarava o direito ou se tinha autoridade para proceder na sua criação. Independente da justificativa teórica utilizada com o intuito de se averiguar se o juiz possuía ou não autoridade para criar o direito, necessário se faz por primeiro, identificar a realidade na qual o Estado inglês formou-se, ao permitir a law-making authority. Não é de grande importância a discussão que tem por objetivo indagar se a decisão proferida pelo juiz cria ou declara o direito, mas entender a razão pela qual o common law outorgou aos juízes o poder de criar o direito, ao contrário do civil law. Não obstante, o caráter constitutivo ou declaratório atribuído à decisão pode ter importância para o tema do respeito obrigatório aos precedentes ou, tratando o assunto de forma mais clara, para o stare decisis, levando-se em conta a sua compreensão conforme o direito estadunidense. Alegou-se que, se o precedente constituiria somente uma evidência do direito,

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SUMÁRIO

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não se poderia exigir dos juízes a obrigação de segui-los, posto que estes teriam sempre o poder de declarar o direito em sentido diverso ao do precedente, até mesmo ao seu overruling, que traduz-se por revogação. Partindo desta linha de pensamento, o stare decisis reivindicaria a concepção judicial do direito, como antecedente lógico.1 No sistema do common law, ao se afirmar que o juiz cria o direito não se cogita que a decisão tomada por ele venha a ter a mesma qualidade e força inata à lei, ou seja, tal decisão não pode ser equiparada à lei somente por ser dotada de força obrigatória aos juízes. No entanto, em face de tal força obrigatória da qual a decisão é dotada, pode-se afirmar que esta última constitui direito. O sistema do common law atribui ao precedente o caráter de fonte do direito. Todavia, importa mencionar que, no momento em que o precedente interpreta a Constituição ou determinada lei, como se verifica nos Estados Unidos, já existe um direito anterior a ele e que é dotado de força normativa, de modo que seria um tanto insensato cogitar que um novo direito é criado pelo juiz. Em verdade, na época em que se verificava a existência apenas do costume, também havia um direito preexistente, qual seja, o direito costumeiro.2 O fato de ser atribuído ao precedente o caráter de fonte do direito, não pode levar à conclusão de que o juiz elabora o direito a seu belprazer. Sob esta ótica, o fato de admitir que o precedente constitua fonte do direito ou, ainda, levar-se em conta a força vinculante do qual este é dotado não se pode levar à conclusão de que o judiciário é provido do poder de elaboração do direito. O fato que autoriza afirmar que o juiz do common law elabora o direito é o contraste do seu papel no referido ordenamento jurídico com o desempenhado pelo magistrado do civil law, posto que o papel deste último se resumia à simples aplicação da lei, sem a autorização para realizar qualquer interpretação desta. No sistema da civil law, ao se afirmar que o papel do juiz consistia em explanar as palavras proferidas pelo legislador, tal direito era compreendido apenas como norma, lei. Assim, a função desempenhada pelo judiciário limitava-se à execução das leis.3

1

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2011, p. 26-27.

2

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2011, p. 38.

3

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2011, p. 38-39.

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No entanto, o acolhimento da tese de que o juiz, ao julgar os casos sob sua jurisdição, criaria o direito, teve justificativa na ideologia positivista de Jeremy Bentham, o qual não foi capaz de verificar a existência de um direito preexistente, constituído na natureza e na razão das coisas, sendo que somente conseguiu visualizar a criação do direito na decisão judicial. Desta forma, com o intuito de diferenciar os sistemas, não é suficiente dizer que no common law o juiz atua criando o direito, e no civil law ele apenas declara a lei, sendo imperioso entender que foi somente na primeira família mencionada que o juiz fez jus ao espaço e à confiança na esfera de tomada de decisões, bem como que a expressão de que o “juiz cria o direito” nada mais foi do que um slogan de uma das tendências ideológicas de tal família. A propósito, com relação a este último ponto, vale lembrar que, no common law, ainda se debate a respeito do caráter da jurisdição, se ela é constitutiva ou declaratória.4 Tal discussão foi abordada recentemente em debate travado entre Herbert Hart5 – o qual defende o caráter criativo do qual a jurisdição é dotada – e Ronald Dworkin,6 que contesta tal papel. O referido debate será melhor analisado no próximo sub-capítulo. É de suma importância para a análise que será realizada deixar claro que, no sistema do common law, a decisão proferida pelos magistrados executam dupla tarefa. Esta, antes de mais nada, atua na definição da controvérsia, pois, conforme a doutrina das res judicata, as partes envolvidas no caso sub judice não estão autorizadas a promover novamente o debate a respeito de questões anteriormente decididas. A segunda função mencionada diz que, no sistema da common law, de acordo com a doutrina do stare decisis, também possui valor de precedente a decisão proferida pelo magistrado. A referida doutrina – cuja formulação é stare decisis et non quieta movere, que se traduz como manter a decisão e não se alterar o que foi decidido – tem suas origens arraigadas em orientações provenientes da própria common law, a qual estabelece que determinado princípio de direito subtraído de uma decisão judicial deverá ser, não somente levado em conta, mas também aplicado quando o magistrado for solucionar

4

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2011, p. 51-52.

5

HART, Herbert. O conceito de direito. Traduzido por Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 162.

6

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Traduzido por Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 94-95.

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futuramente um caso similar. Estruturalmente falando, tal orientação aponta para a possibilidade de que um caso com as mesmas características, ou semelhantes, tenha decisão proferida nos mesmos termos.7 De acordo com Edward D. Re, no sistema do common law se verifica o desenvolvimento e aplicação do direito mediante as decisões judiciais, a essencialidade e importância exercida pela doutrina do stare decisis é incontestável. O stare decisis, dessa forma, restou acolhido nos Estados Unidos da América como elemento integrante da antiga tradição do common law. A referida doutrina, muito além de privar pela estabilidade, bem como propiciar o amadurecimento de um direito estável e lógico, coerente, também se prestava à realização de outras funções que beneficiavam o common law. Esta doutrina possuía a função de preservar a ininterrupção, exprimia o respeito pelo passado, garantia uniformidade no tratamento conferido aos litigantes submetidos à igual situação, evitando que os juízes tivessem de analisar novamente as regras de direito em todo caso seguinte, bem como garantia certo grau de previsibilidade à lei.8 A doutrina do stare decisis de forma alguma reivindica que os juízes se submetam cegamente às decisões pretéritas. Ela proporciona aos magistrados o beneficio de recorrer à sabedoria do passado, desconsiderando, evidentemente, as decisões erroneamente proferidas. Antes de qualquer ação, se mostra necessário que o tribunal defina se o princípio obtido mediante a análise do caso pretérito pode ser aplicado ao litígio presente. Posteriormente, deve determinar qual a extensão de aplicação do princípio obtido. Num sistema como o do common law, os debates a respeito do stare decisis com certa frequência são travados de uma forma que se ignora o fato de que o sistema já não é o mesmo de séculos atrás. O common law em vigor nos Estados Unidos da América é aquele no qual os casos pretéritos ainda são dotados de força de precedente. No entanto, elemento distinto e de vital importância restou acrescido ao conjunto de fontes, que devem ser levadas em conta pelo magistrado no momento em que for proferir sua decisão.9

7

RE, Edward D. Stare Decisis. Revista de informação legislativa, v. 31, n. 122, abr./jun. 1994, p. 282. Brasília : Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1994.

8

RE, Edward D. Stare Decisis. Revista de informação legislativa, v. 31, n. 122, abr./jun. 1994, p. 282. Brasília : Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1994

9

RE, Edward D. Stare Decisis. Revista de informação legislativa, v. 31, n. 122, abr./jun. 1994, p. 285. Brasília : Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1994.

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Importa mencionar que a doutrina dos precedentes, apesar do fato de ser mais antiga, não pode ser considerada sinônima da doutrina do stare decisis, conforme será verificado no decorrer da explanação. Esta questão vem, já há certo tempo, sendo deixada de lado nos estudos realizados em terrae brasilis. Costuma-se confundir, com certa frequência, a doutrina dos precedentes com a da stare decisis. Sob tal ponto de vista, não se pode olvidar que o stare decisis vai além da mera adoção do princípio de solução análoga para demandas similares, visto que isto consistiria em uma análise bastante simplificada de um procedimento extremamente profundo, e que se estruturou no decorrer de vários séculos naquela sociedade onde fora originado. Conforme estabelece Harold Berman, regra mencionada anteriormente (like cases should be decided alike) já era empregada pelas royal courts, presentes na Inglaterra e na França, sendo que, de forma alguma se confundia com o stare decisis. A doutrina do stare decisis, em seu sentido técnico, teve origem somente mais tarde, através de uma estruturação das decisões, a qual promovia a distinção entre a criação/produção do caso que constituiria no precedente, o qual seria dotado de efeito vinculante com relação aos casos futuros, e entre o dictum, o qual se definia como aquele argumento empregado pela corte, desprovido de real relevância para a decisão, e que, dessa forma, não seria dotado de efeito vinculante.10 Sobre a doutrina denominada de stare decisis, mencionada anteriormente, tem-se sua definição nas palavras de Maurício Ramires: A expressão stare decisis é uma redução da frase latina “stare decisis et non quieta movere”, que se pode traduzir por “ficar como foi decidido e não mexer no que está quieto”. A palavra doctrine, por sua vez, é mais bem transcrita neste contexto por “regra”, de modo que a doctrine of stare decisis representa a regra segundo a qual as coisas devem ficar como foram decididas pelos juízes e pelas Cortes do passado. Sempre houve nos tribunais da common law a preocupação de assegurar a coesão da jurisprudência, tentandose considerar o conjunto de julgados passados para se solucionar um litígio presente. A confiança nos precedentes é vista nos países

10

STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – O precedente judicial e as súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p.39-40.

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de língua inglesa como algo natural, uma “parte da vida em geral” (“Reliance on precedents is part of life is general”11): o fato de algo ter sido feito de alguma maneira por si só já providencia um motivo para que algo semelhante seja realizado da mesma maneira [...].12

Não se pode dizer que toda e qualquer decisão possui caráter vinculante dentro do direito norte-americano ou do inglês. Lá, nos momentos em que se vai optar ou não pelo uso de um julgado pretérito a um litígio presente, é de suma importância examinar a força (authority) que une ambos os casos, podendo ser tal força obrigatória (binding ou constraining) ou somente persuasiva (persuasive ou advisory)13. Na Inglaterra o procedimento de vinculação dos juízes às decisões pretéritas segue algumas regras, sendo a primeiro delas a de que as deliberações proferidas pela Câmara dos Lordes tratam-se de precedentes obrigatórios, sendo que tal doutrina deve ser adotada em todas as jurisdições, exceto por ela própria. De acordo com a segunda regra, todas as decisões provenientes da Court of Appel formam precedentes obrigatórios não somente para as instâncias hierarquicamente inferiores a esta corte, mas também para ela própria, salvo os casos relacionados à matéria criminal. A terceira regra define que aquelas decisões proferidas pelo High Court of Justice se sobrepõem às jurisdições inferiores, as quais, mesmo sendo despojadas do caráter rigorosamente obrigatório, exercem grande persuasão, sendo na maioria das vezes adotadas pelas diversas divisões do próprio High Court of Justice, bem como pelo Crown Court. Dessa forma, as decisões proferidas por outros tribunais ou órgãos “quase-judiciários”, por assim dizer, podem ser dotadas de efeito persuasivo, mas não constituem efetivamente precedentes obrigatórios.14 O precedente proporciona a existência de uma regra, por assim dizer, geral, a qual se permite que seja adotada como critério para a decisão de casos posteriores, em razão da afinidade, ou como comumente ocorre, da similitude dos fatos do primeiro e do segundo caso. Logicamente, a analogia existente entre os dois casos concretos não é concedida in re ipsa, sendo provavelmente recusada pelo magistrado responsável 11

SCHAUER, Frederick, apud, RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 65.

12

RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 65.

13

RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 65-66.

14

DAVID, René, Os Grandes Sistema de Direito Contemporâneo: Direito Comparado. Traduzido por Hermínio A. Carvalho. 2. ed. Lisboa: Meridiano 1978, p. 341-342.

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pelo julgamento do caso posterior, devendo ser analisada sobre a prevalência ou não dos elementos de identidade ou daqueles relacionados à dessemelhança ou não entre os fatos de ambos os casos. Portanto, cabe ao magistrado do caso posterior determinar se existe ou não o precedente, e, por assim dizer, criá-lo. Afora tal aspecto, resta claro que a estrutura do raciocínio, por meio do qual o magistrado aplica o precedente ao caso posterior, baseia-se numa análise dos fatos. Se a partir desta análise verifica-se que a aplicação da ratio decidendi adotada no primeiro caso se justifica, então o precedente é efetivo, podendo embasar a decisão a ser proferida no segundo caso.15 Ainda, com relação às sentenças inglesas modernas, verifica-se que estas têm início com a menção de determinadas palavras-chave, as quais têm por objetivo apontar os principais pontos da sentença, seguidas de uma pequena introdução em que restam resumidos os fatos e a decisão proferida. Em seguida, são apontados os argumentos do conselho e, por último, o acórdão em sua integralidade. Se realmente uma decisão pode ser vinculada aos julgamentos posteriores, é de suma importância a necessidade de identificar o elo entre os dois casos, ou seja, a ratio decidendi.16 De acordo com Luiz Guilherme Marinoni a ratio decidendi é: [...] a ratio decidendi é a atribuição de sentido ao texto legal ou à questão jurídica, sentido esse que – embora suficiente para se chegar à solução do recurso – constituí o resultado que o texto legal ou a questão jurídica especificamente exige para se resolver o recurso conforme as razões justificadoras da definição de sentido.17

A ratio decidendi, mencionada anteriormente, nomeada pelos norte-americanos de holding, constitui-se no embasamento jurídico que proporciona sustentação à decisão, atuando como alternativa hermenêutica acolhida na elaboração da sentença, justificando os moldes em TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. Tradução Chiara de Teffé. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 3 n. 2, p. 4, jul.-dez./2014. Disponível em: <http://civilistica.com/ precedente-ejurisprudencia/>. Acesso em: 15 mar. 2015. 15

16

VONG, David. Binding precedent and English judicial law-making p. 332. Disponível em: <https://www.law.kuleuven.be/jura/art/21n3/vong.pdf>. Acesso: 01 jun. 2015.

17

MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes: recompreensão do sistema processual da corte suprema. São Paulo: Revista dos tribunais, 2013, p. 195.

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que esta restou proferida, ou seja, trata-se do argumento jurídico admitido pelo órgão julgador quando da análise de determinado caso. Importa mencionar que, no momento de decidir determinada demanda judicial, o juiz elabora, inevitavelmente, duas normas jurídicas. Inicialmente tem-se aquela proveniente de sua interpretação dos elementos envolvidos na causa, bem como da sua conformação para com o direito positivo, a qual constitui a primeira regra, de caráter geral. Já a segunda regra, dotada de caráter individual, trata-se da decisão do próprio magistrado para o caso sob seu julgamento. Portanto, o magistrado acaba por elaborar uma norma jurídica, a qual consolida a tese jurídica que será adotada no caso sob júdice. Essa tese jurídica mencionada anteriormente é a ratio decidendi.18 Diferentemente da ratio decidendi, o obter dictum, também chamado de dictum, trata somente dos argumentos jurídicos manifestados brevemente na fundamentação da decisão, consolidando desta forma juízos provisórios, acessórios ou outro elemento jurídico-hermenêutico que exerça pouca influência sobre a decisão. Constitui-se de colocação ou argumento jurídico complementar, o qual não é prescindível na fundamentação e finalização da decisão. Tal argumento resta mencionado pelo magistrado de forma incidental, porém, pode constituir um suporte mesmo que não seja de todo essencial na elaboração do raciocínio e da fundamentação ali evidenciados. Ou seja, trata-se de algo que constou de passagem, não sendo dotado de força vinculante, tendo em vista que não exerceu papel fundamental na elaboração da decisão.19 Portanto, o que realmente merece ser considerado em tal discussão é a parte da definição que estabelece que o precedente consolida-se naquilo que é de fato, necessário, ou seja, aquilo que pode ser definido como o ingrediente que distingue a ratio decidendi do dictum de um julgado. Da mesma forma ocorre no Brasil, a decisão proferida por uma Corte da common law resta registrada em um acórdão, no qual é expressada a opnion of the court. No entanto, conforme já mencionado anteriormente, não constitui precedente a integralidade do texto presente na opnion, mas somente a sua ratio decidendi, também conhecida como holding, nomeação atribuída pelos norte-americanos. O holding constitui aquilo DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: Teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação de tutela. 9ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014, p. 381-382.

18

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: Teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação de tutela. 9ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014, p. 383-384.

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que foi debatido, argumentado e de fato decidido no caso pretérito, ao passo que o chamado dictum trata daquilo que é mencionado, afirmado na decisão, mas que não desempenha papel decisivo para a resolução do caso em discussão. Somente à ratio decidendi pode ser atribuído o caráter vinculante com relação aos casos posteriores, tendo em vista que ela retrata o que de fato restou decidido. O dictum constitui aquilo que é circunstancial no caso sob júdice.20 Diferentemente do que ocorre na common law, no sistema da civil law é atribuição dos tribunais o papel de aplicação da legislação, razão pela qual pequena importância é dispensada à fundamentação, visto que esta constituí apenas o elo de união entre a norma legal e os fatos relacionados ao caso em julgamento. Desta forma, a fundamentação seria inevitavelmente concisa, sucinta. Levando-se em conta que o papel a ser desempenhado pela decisão consistiria somente em aplicar a lei, seria desnecessária a procura do significado da sentença na fundamentação. Nada possui, portanto, de relevante às outras pessoas senão as próprias partes envolvidas no litígio, aquela decisão que nada mais realiza que aplicar a lei ao caso em comento. É justamente por esta razão que, no referido sistema, o que sempre despertou certa preocupação, quando se fala em segurança jurídica, foi o dispositivo empregado na decisão, o qual aplica a regra do direito atinente ao caso, atribuindo-lhe forma. Não é por acaso que, nos momentos em que se analisa a segurança desejada para os atos jurisdicionados, versa-se unicamente sobre a coisa julgada, bem como sobre a sua atribuição de transformar em imutável a parte dispositiva da decisão.21 A respeito da divergência existente entre common law e civil law, no que diz respeito à fundamentação das decisões, importante a lição de Víctor Ferreres Juan Antonio Xiol: El sistema anglosajón difiere, em el punto que aqui nos interessa, del sistema continental em la manera de entender el valor de las sentencias judiciales. Mientras el sistema continental se funda em el principio res iudicata, em virtude del cual la fuerza jurídica de la sentencia no va más allá del caso concreto planteado y afecta sólo a las partes procesales y sus sucessores, el sistema anglosajón se

20

RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 68-69.

21

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 234.

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basa en el máxima stare decisis, que supone atribuir eficacio vinculante geberal al precedente judicial (y no meramente orientadora o ilustrativa).22

Nos países pertencentes à civil law percebe-se facilmente que o nível de força vinculante atribuído ao precedente é, seguramente, menor que aquele presente no precedente da família do common law, porém, não há nada que impeça a existência de precedentes dotados de tamanha influência e persuasão a tal ponto que estes sejam impostos aos magistrados sucessivos. Porém, cumpre mencionar que, para os magistrados, restou outorgado certo espaço de possível divergência, o qual é condicionado ao apontamento das razões que fundamentem o acolhimento de uma regra de julgamento dessemelhante. Apesar disso, no caso de ser analisado o que ocorre no âmbito de incidência da abundante jurisprudência brasileira, perceber-se-á, com certa facilidade, que os precedentes merecedores de tal nome não existem em grande número, sendo, portanto, exceções. A regra é a aplicação casual, desordenada e desprovida de racionalidade dos conjuntos de decisões escolhidas sem critério algum, variando em número, de acordo com a boa vontade do copista ou com a agilidade do computador. Na mencionada situação, pode-se conferir o poder de persuasão à jurisprudência nos casos em que esta não se mostre contraditória, bem como quando for possível pormenorizar determinadas, por assim dizer, séries de precedentes um tanto uniformes. Retorna-se, assim, a abordar o tema do ponto de vista quantitativo, visto que se tem a ideia de que quanto maior o número de decisões no mesmo sentido de certa solução, maior deverá ser o grau de influência exercido por esta sobre o magistrado sucessivo, olvidando-se, portanto, que, na maioria das vezes, tratam-se somente de mera reprodução mecânica de uma mesma sentença, sem a devida reflexão de que, na verdade, o caráter persuasivo do qual cada decisão é dotada é inversamente proporcional

22 FERRERES, Víctor; XIOL, Juan Antonio. El caráter vinculante de la jurisprudência. Madrid: Fundación Coloquio Jurídico Europeo. 2009, p.98-99. Disponível em: <http:// www.fcje.org.es/wp-content/uploads/file/Libros_Publicados/Cuadernos_Fundacion/EL_CARACTER_VINCULANTE_DE_LA_JURISPRUDENCIA.pdf>. Acesso em: 20 mai. 2015. ORGANIZADORES:

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à quantidade de decisões similares. Assim, resta claro que o legítimo precedente trata-se de um só, tendencialmente falando. Logo, quando se verifica o manejo de diversas decisões, se está gradativamente distanciando-se da lógica que envolve o precedente.23 Desta forma, muito embora os termos jurisprudência e precedente sejam tratados como sinônimos, a verdade não é realmente esta, mesmo que na linguagem corrente ambos os termos sejam tratados de forma semelhante. Pode-se dizer que existe uma diferença bastante perceptível entre precedente e jurisprudência. Em princípio, existe uma diferença de caráter quantitativo. Ao se analisar a questão dos precedentes, geralmente tem-se em mente uma decisão relacionada a um caso particular, enquanto que, quando se fala em jurisprudência, comumente tem-se a ideia de uma pluralidade de decisões relacionadas a inúmeros casos concretos. A diferença não é somente de caráter semântico. Em verdade, nos sistemas tradicionalmente consolidados no precedente, na maioria das vezes, a decisão reconhecida efetivamente como precedente é uma só, sendo que um número pequeno de decisões consecutivas é mencionado em apoio a este. Assim, é bastante simples de identificar qual decisão de fato constituí precedente. Em contrapartida, em sistemas jurídicos semelhantes ao brasileiro, nos quais a jurisprudência é evocada, tem-se por hábito referenciar inúmeras decisões, até mesmo centenas, apesar de nem todas serem citadas expressamente. Tal prática origina diversas consequências, dentre as quais a grande dificuldade de definir-se qual decisão é de fato relevante, ou ainda de determinar a quantidade de decisões necessárias a fim de que se possa afirmar com maior clareza que há uma jurisprudência relacionada à específica análise de uma norma. Afora isso, como geralmente ocorre, a qualidade é condicionada pela quantidade, o que leva a especificar uma dessemelhança qualitativa entre a jurisprudência e o precedente.24 Portanto, os julgados oriundos de decisões pretéritas não são dotados de força vinculante no civil law. Em razão disso, exceto a modificação legislativa almejada por meio das chamadas súmulas vinculantes, não se pode declarar a jurisprudência como sendo fonte principal do direito. TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. Tradução Chiara de Teffé. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 3, n. 2, p. 8-9, jul.-dez./2014. Disponível em: <http://civilistica. com/precedente-ejurisprudencia/>. Acesso em:15 mar. 2015.

23

TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. Tradução Chiara de Teffé. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 3, n. 2, p. 3-4, jul.-dez./2014. Disponível em: <http://civilistica. com/precedente-ejurisprudencia/>. Acesso em: 15/03/15.

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No entanto, é inegável que a reunião de várias decisões sobre determinado tema, que expressem posicionamento no mesmo sentido, exerça certo grau de influência sob o julgador, que tende a tomar sua decisão na mesma direção. Porém, não se pode olvidar que a decisão tomada pelo magistrado é proferida em conformidade com a legislação, sendo que não se permite fazê-lo em sentido contrário à disposição legal. Outro ponto de vista de grande importância a ser observado é o fato da influência exercida pela jurisprudência sobre o próprio legislador. Posto que esta evidencie as inúmeras necessidades sociais, o legislador assimila tais decisões a fim de converter as orientações jurisprudências em lei. Conforme se observa, grande parte das inovações presentes no Código Civil de 2002 são consolidações legais oriundas de jurisprudências do século passado. A jurisprudência se estabelece como um manto que, aos poucos, vai recobrindo os fatos sociais. A reiteração constante de sentença em determinado sentido pode ser definida como importante fonte do direito. Embora não seja observada a citação da jurisprudência como fonte do direito nos textos legais, é inegável que ela desempenhe tal função. Pode ser definida como fonte explicativa ou exemplificativa. Não somente a conjuntura social envelhece com o passar dos anos, mas também as leis, tomando, por assim dizer, certa distância dos fatos que lhe deram origem, e sendo assim, incumbe aos tribunais buscar novas alternativas para a efetiva aplicação da lei. Tal papel, de promover a atualização do entendimento da lei cabe à jurisprudência, atribuindo-lhe interpretação contemporânea, que melhor se encaixe as necessidades do momento de ocorrência dos fatos. O magistrado, portanto, deve estar em constante sintonia com as necessidades sociais, levando em conta o meio no qual está inserido e o tempo, libertando-se de argumentos ultrapassados ou de preconceitos persistentes. É nesse contexto que se insere a jurisprudência, ocupando local de destaque.25

25

VENOSA, Silvio de Salvo. Introdução ao Estudo do Direito: primeiras linhas. São Paulo: Atlas, 2008, p. 132.

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O PROBLEMA DA INDETERMINAÇÃO DO DIREITO E A APOSTA NOS PRECEDENTES JUDICIAIS COMO UMA SOLUÇÃO SUPERFICIAL. A QUESTÃO DA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO E DA FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES COMO PONTO FULCRAL PARA A INTEGRIDADE DO DIREITO A comunidade jurídica, de uma forma geral, viu durante as primeiras décadas do século XX o relevante crescimento do poder regulatório oriundo do Estado. Tal crescimento, já bastante relevante, conforme mencionado, teve profunda intensificação especificamente nas décadas de 1930 e 1940. Além de tal evolução, verificou-se também o gradativo colapso dos padrões sintático-semânticos de análise da codificação, os quais se mostravam inteiramente corroídos, desgastados. Diante de tal quadro, o problema atinente à indeterminação do sentido atribuído ao direito assume posição de destaque, ocupando o primeiro plano das discussões. É justamente nesse ambiente que as teses defendidas por Hans Kelsen ganham força. Certamente que ele não tinha por objetivo suprimir aquela tradição positivista oriunda da Jurisprudência dos Conceitos. Em verdade, se mostra possível dizer que seu intento era o de reforçar o método analítico apresentado pelos conceitualistas, com o fito de solucionar o constante enfraquecimento do rigor jurídico que vinha sendo disseminado através do crescimento não somente da Jurisprudência dos Interesses, mas também da Escola de Direito Livre, as quais, de maneira incontestável, exerceram influência no surgimento de argumentos psicológicos, ideológicos e também políticos na interpretação do direito. Isso é realizado por Kelsen tendo como ponto de partida uma importante constatação, qual seja a de que o problema atinente à interpretação do direito é mais semântico do que propriamente sintático. Desta forma, tem-se uma ênfase na semântica.26

26

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e teorias discursivas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 34-35.

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Importa, neste ponto, fazer um esclarecimento: quando se menciona a ênfase semântica se tem por objetivo apontar para a grande questão da interpretação do direito, a qual resta descrita no capítulo VIII do livro intitulado Reine Rechtslehre, de autoria de Hans Kelsen. Com o fito de melhor compreender tal questão se mostra necessário insistir em determinado ponto: com Kelsen, é realizada uma divisão entre a ciência do direito e o direito, a qual irá, de forma essencial, determinar o seu conceito a respeito de interpretação. Também em Kelsen se verifica que a interpretação é oriunda de uma cisão: a interpretação compreendida como ato de conhecimento e a interpretação como ato de vontade. A interpretação compreendida como ato de vontade origina, quando de sua aplicação, normas. A descrição objetiva e imparcial realizada sobre essas normas – que compõem a interpretação como ato de conhecimento – origina proposições. Em razão da moral Kelsiana ser relativista, as normas sempre serão dotadas de certo espaço de mobilidade, no qual o intérprete poderá se movimentar. Tal espaço de movimentação é justamente oriundo do problema semântico que se verifica quando da aplicação de determinado signo linguístico – através do qual é verificada a manifestação da norma superior – aos elementos do mundo real – os quais serão inegavelmente influenciados pelo surgimento de uma norma nova. Por outro lado, a interpretação compreendida com ato de conhecimento - o qual descreve, mediante o plano da metalinguagem, aquelas normas elaboradas pelas autoridades jurídicas – origina proposições que se relacionam entre si de uma forma literalmente lógico-formal. Cumpre mencionar que a relação travada entre as proposições, diferentemente da que ocorre com relação à interpretação, é sintática, e não semântica.27 Ainda sobre a interpretação do direito, cumpre mencionar brevemente o pensamento de Hans Kelsen, segundo o qual a indeterminação pode ter relação tanto com o fato (pressuposto) restritivo quanto ao resultado condicionado. Tal indeterminação do direito pode inclusive ser propositadamente originada, ou seja, o órgão que elabora a norma o faz de tal forma que sua aplicação se torna indeterminada. Desta maneira, a consolidação de determinada norma global ocorre, na maioria das vezes, sob a presunção de que aquela norma pessoal oriunda de sua execução dá prosseguimento a um procedimento de definição, o qual embasa o sentido de classificação gradual das normas jurídicas. Cumpre mencionar que tal indeterminação pode ser também oriunda do ato não intencional de criação da norma jurídica. Percebe-se, neste ponto, a pluralidade de 27

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e teorias discursivas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 35.

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significados que podem ser atribuídos à determinada palavra ou mesmo uma sequência destas, através das quais a norma se explicita: o sentido oral atribuído à norma não é homogêneo, posto que o órgão que possui a atribuição de aplicá-la depara-se com uma variedade de interpretações possíveis. Esta situação também é observada no momento em que o órgão responsável pela execução da norma acredita poder prever que, entre o anseio da autoridade legisladora e a manifestação vocal da norma, exista uma dessemelhança, sendo permitido que em tal caso o questionamento a respeito da maneira pela qual tal vontade é definida, seja deixando em segundo plano. Desta forma, deve ser aceito o fato da possibilidade de sua investigação tendo como ponto de partida fontes diversas, dentre as quais não está inserida a manifestação vocal da norma, posto que se pode considerar que esta não exprime os reais anseios daquele que estabeleceu a norma.28 Outro ponto importante lançado por Kelsen, e que persiste de modo difuso, diz respeito à ideia da discricionariedade do intérprete, bem como do caráter de decisionismo que se faz presente na metáfora “moldura da norma”. É justamente nesse sentido que se permite dizer que, no que se refere à interpretação realizada do direito, Kelsen tratou de ampliar os problemas de caráter semântico oriundos da interpretação, acabando por ser atingido pelo assim chamado “aguilhão semântico”, mencionado por Ronaldo Dworkin em seu livro Império do direito,29 tese esta que será melhor explicada no decorrer do presente capítulo. 30 Diferentemente de Kelsen, o entendimento que Dworkin tem a respeito da interpretação não é a de recusar os conceitos que se tem de normatividade – termo aqui empregado no sentido de enunciado normativo, o qual indica aquilo que se deve fazer (condenar, solicitar, clamar) – e de descritividade – a qual se refere aos enunciados descritivos, utilizados na descrição de coisas existentes futuramente ou que não existem. Muito pelo contrário, posto que seu anseio é o de que seja aceito, de uma forma geral, a concepção segundo a qual, determinados conceitos, em razão de sua natureza, são compreensíveis somente após profunda interpretação. É imprescindível, portanto, conferir um significado aos referidos

28

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Traduzido por João Batista Machado. 8ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 389.

29

DWORKIN, Ronald. O império do direito. Traduzido por Jefferson Luis Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 55-56.

30

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e teorias discursivas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 35-36.

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conceitos, tarefa esta que a mera descrição é incapaz de realizar. Em contrapartida, tendo em vista que os enunciados normativos podem fazer referência somente ao estado das coisas que não existem, não podem atribuir definição às coisas de fato existentes. Abordando a questão de uma forma clara, a coisa alvo da interpretação é, sem sombra de dúvidas, uma coisa. Logo, a estrada mais rápida a ser seguida em direção à concepção interpretativa é aquela relacionada ao conceito de que algo deve ser imbuído de sentido. Cumpre observar a possibilidade de descrição da prática sem, no entanto, ser feita qualquer afirmação relacionada à definição ou finalidade da prática.31 Para Dworkin sempre se fez presente a ideia de que não existe uma divisão na etapa definida de compreensão-interpretação-aplicação, pois, segundo ele, a única maneira de interpretar ou compreender é através da aplicação. No campo de atuação do direito, tal ponto de vista autoriza defender a tese de que não há, quando da elaboração do ato decisório, um primeiro instante no qual exista um reconhecimento das “margens” ou mesmo dos “limites” a respeito do que afirma o direito, de forma que, em um momento posterior, quando já estipulada a “margem de liberdade” concernente ao magistrado, a decisão seja proferida.32 Tal complexidade concernente ao direito foi também abordada por Gadamer, o qual esclarece que a aspiração pela validade influencia este a ter o status de texto, seja codificado ou não, ao passo que, para a aplicação da legislação, quando vista como constituição, deve-se sempre promover a sua interpretação, fato que denota que toda e qualquer utilização prática importa em consequente interpretação.33 Portanto, é justamente na applicatio, ou seja, na prática, que será comprovado o anseio pela validade atribuída às máximas jurídicas. Não existe validez na forma imaterial, abstrata, e muito menos ruptura na reflexão.34 Neste momento, se atinge o ponto mais complexo da interpretação, tendo em vista que esta, segundo coloca Dworkin, tem em si mesma uma ideia, um senso interpretativo. Abordando o tema em termos de sentido, trata-se de uma questão que fica aberta, a fim de que a interpretação 31

GHEST, Stephen. Ronald Dworkin. Traduzido por Luís Carlos Borges. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 28-29.

32

MOTTA, Francisco José Borges. Levando o direito a sério: Uma crítica hermenêutica ao protagonismo judicial. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010. p. 98-99.

GADAMER. Hans-Georg. Verdade e método II: Complementos e índice. Traduzido por Ênio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 399. Disponível em: <http://minhateca. com.br/rfbiblioteca/Biblioteca/GADAMER*2c+Hans-Georg+*5b1900-2002*5d/Gadamer+-+portugu*c3*aas>. Acesso em: 24 mai. 2015.

33

34

MOTTA, Francisco José Borges. Levando o direito a sério: Uma crítica hermenêutica ao protagonismo judicial. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010. p. 99.

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defina se determinada “coisa” é dotada de essência, sentido ou não, e tal questão é totalmente desassociada do exame a ser realizado no intuito de determinar qual é esse sentido. Explicando de outra forma, o fato que explica a razão pela qual a descrição aparenta se unir à interpretação, visto que fora renegada a ideia da existência de determinado fato, denominado “bruto”, é aquele que menciona a exigência de uma explanação interpretativa até mesmo na distinção. Uma ação tomada com o objetivo de conceber de uma forma mais concreta de distinção, somente pode ser alcançada quando se estabelece que tal ação em si mesma, em seu íntimo, deve possuir um sentido.35 Após a realização de pequena síntese do pensamento de Dworkin, se mostra de vital importância abordar também a tese defendida por Herbert Hart, com quem Dworkin travou longo debate a respeito da interpretação do direito. Cumpre mencionar que posicionamento distinto é adotado por Hart com relação à interpretação, posto que, segundo ele, a efetivação de tal processo seria atingida no momento em que fosse possível conferir a um termo geral a mesma acepção, não somente em toda e qualquer utilização de determinada norma, mas igualmente em todas as oportunidades em que a presença de tal termo fosse verificada em alguma norma do sistema jurídico.36 Independentemente do método escolhido para que os tipos, por assim dizer, ideais de comportamento possam ser passados adiante, seja mediante a legislação ou através dos precedentes, tais padrões se mostrarão inconsistentes em certo ponto, no momento em que o seu uso for colocado em dúvida; possuirão em seu íntimo o que Hart denomina de textura aberta.37 A textura aberta do direito, de acordo com Hart, se define como sendo determinados campos do comportamento onde uma infinidade de coisas deve ser submetida às decisões proferidas por autoridades, sejam elas judiciais ou administrativas, as quais têm por objetivo promover, em razão da situação, o equilíbrio entre os interesses opostos, cuja influência exercida é alterada conforme o caso. No entanto, a tarefa a ser desempenhada pelo direito é, na maioria das vezes, dar orientação não somente para as autoridades supramencionadas, mas também para

35

GHEST, Stephen. Ronald Dworkin. Traduzido por Luís Carlos Borges. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 30.

36

HART, Herbert. O conceito de direito. Traduzido por Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 168-169.

37

HART, Herbert. O conceito de direito. Traduzido por Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 166.

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cidadãos, valendo-se, para a realização de tal intento, de normas bastante precisas, as quais não demandem novas decisões para os casos posteriores. Tais dados, os quais se encontram incontestavelmente presentes no meio social, mostram-se genuínos, mesmo nos momentos em que surgem incertezas quanto à aplicação das normas – sejam estas oriundas de precedentes ou escritas – em casos reais. Justamente neste momento, naqueles espaços não preenchidos pela teoria dos precedentes é que os tribunais realizam uma atividade normativa, a qual também é exercida pelas unidades administrativas de forma nuclear, quando da criação de modelos variáveis. Em dado sistema em que o stare decisis goze de amplo reconhecimento, tal atribuição dos tribunais se aproxima bastante ao exercício dos poderes normativos delegados por um órgão administrativo. Tal fato resta, em alguns momentos, ofuscado pelo formalismo verbal presente na Inglaterra, tendo em vista que os tribunais continuamente negam tal atributo criador e insistem que a correta função da interpretação jurídica, bem como da utilização dos precedentes, são, nessa ordem, identificar qual intenção do legislador e mencionar o direito pré-existente.38 Após a explanação das teses defendidas por Dworkin, Hart e Kelsen, percebe-se que não há de fato um consenso com relação à forma de proceder na interpretação do direito no common law, bem como que se verifica também a existência da indeterminação do direito no interior do referido sistema jurídico. Portanto, mesmo que nos tempos atuais se perceba que uma parcela considerável do imaginário de determinados juristas tenha gerado um fetiche pelo amplamente conhecido efeito vinculante, bem como que o interesse pelo common law vem ganhando força, não se pode olvidar que, no interior do referido sistema, também existem as mesmas mazelas presentes no civil law.39 Inicialmente importa mencionar que qualquer alegação taxativa no sentido de afirmar que o common law é melhor que o civil law, ou inclusive o contrário, possuí sentido somente do ponto de vista estético, ou do gosto pessoal do intérprete. Não se verifica a existência de embasamento empírico autorizador de tal alegação. Partindo de tal pressuposto, não se pode afirmar que o common law é mais qualificado que o civil law, somente pelo fato de o sistema jurídico empregado na Inglaterra obter melhores resultados que o sistema brasileiro, bem como não se pode alegar 38

HART, Herbert. O conceito de direito. Traduzido por Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 175.

39

STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – O precedente judicial e as súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 90.

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que o civil law se mostra melhor qualificado que o common law, valendo-se de que o sistema jurídico em aplicação na Alemanha ser mais precioso que aquele aplicado nos EUA. Ainda, visando refutar tal superioridade do common law poderia ser utilizado um critério prático de cunho não somente darwinista, mas também biológico, segundo o qual se depreende que a razão pela qual o civil law se universalizou foi justamente a sua maior adaptabilidade e praticidade, ao passo que o common law restou limitado basicamente ao território da Inglaterra e dos EUA, asseverando para o fato de que existem notáveis diferenças entre os sistemas jurídicos de ambos os países, posto que no sistema norte-americano se verifica certa abundância de leis, o que acaba por aproximá-lo do civil law.40 Cumpre destacar que o problema relacionado à interpretação do direito, do ponto de vista de que este se trata de atividade de reprodução da vontade da lei ou do próprio legislador, não tem por base a dicotomia entre common law e civil law. Em verdade, o que está por detrás disso é justamente o paradigma relacionado à interpretação judicial, ou seja, é o positivismo através do qual se busca resolver as questões jurídicas mediante o silogismo, rejeitando a interpretação. Tanto é que se verifica a existência de positivistas não somente no civil law, mas também na common law. Os fatos explanados servem de base para aclarar a questão de que a correção a ser realizada na interpretação independe do sistema jurídico escolhido, seja o civil law ou common law. Nos dois sistemas pode o magistrado adotar postura discricionária e positivista. Em ambos, se o magistrado não promover a atualização hermenêutica de seu padrão de decisão, afirmará que a interpretação do direito se resume na ação de expor a vontade do legislador, da lei, do precedente. Em resumo, alegar por precedente ou por lei por si só, não garante uma resolução hermeneuticamente autêntica.41 Importa mencionar que, não se verifica no Brasil a existência de precedentes com as mesmas características ou sentido daquele presente na common law. Portanto, grande equívoco reside na comparação realizada no Brasil de que são as súmulas iguais aos precedentes.42

40

STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – O precedente judicial e as súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 91.

41

STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – O precedente judicial e as súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 92-93.

42

STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – O precedente judicial e as súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p.126-127.

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Pode-se dizer, como tudo isso, que a adoção de um sistema de precedentes não se afigura uma solução para o problema da indeterminação do direito e da insegurança jurídica. Se assim fosse, questões mais profundas – como o problema da interpretação e da teoria da decisão – não teria sido alvo de infindáveis debates no âmbito do common law. Deve-se registrar que a doutrina dos precedentes nasceu na common law na mesma época em que, no civil law, se adotava a codificação como mecanismo para conferir segurança jurídica e certeza aos cidadãos.43 Ademais, assim como a norma, que é o produto da interpretação do texto – e nesse aspecto residem muitos dos problemas da indeterminação do direito, na medida em que os textos não são unívocos –, uma vez aplicada formará um novo texto, que, por sua vez, demandará nova atividade interpretativa, também o precedente – enquanto generalização da ratio decidendi de uma decisão concreta – demandará, nos casos futuros, novas interpretações. O problema da indeterminação do direito e da insegurança jurídica não se resolverá simplesmente com o reconhecimento do precedente como fonte do direito, mas com um profundo debate a respeito da interpretação do direito, da teoria da decisão e do dever de fundamentação das decisões judiciais, questões acerca das quais não cabem uma análise pormenorizada no bojo do presente estudo.44

Nesse sentido: “E mesmo as tentativas de codificação não tendo obtido êxito na common law, o que se deu, inclusive, por fatores políticos, a doutrina do stare decisis surge no mesmo afã de controle das estruturas. Se antes a legitimidade orientadora das decisões dos Tribunais tinha esteio na própria prática decisória, agora essa legitimidade era imposta de forma incisiva por um Poder Judiciário que avocava para si a tarefa de controlar a estrutura com a criação da doutrina do stare decisis, que, coincidentemente, começou a tomar forma somente no século XVIII, sendo bastante associada com o advento do positivismo clássico. A codificação e o stare decisis não nasceram em mundos distintos. Apesar de separados não só geograficamente, mas por todo um desenvolvimento cultural que já marcava uma incisiva diferença entre as duas tradições, tanto o stare decisis quanto a codificação fazem parte do mesmo mundo: o mundo da modernidade e de todos os seus traços sociais, políticos e filosóficos. Justamente por stare decisis e codificação estarem alicerçados em pretensões semelhantes, sendo frutos da modernidade, a adoção de uma doutrina ao estilo do stare decisis talvez não seja capaz de adaptar-se de forma satisfatória a um outro mundo, um mundo novo que se diz pós-moderno. E isso independe da dicotomia civil law e common law” (RAATZ, Igor. Precedentes obrigatórios ou precedentes à brasileira? In: Temas atuais de processo civil. Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil.com.br>. Acesso em: 15 jun. 2015).

43

44

ASCARELLI, Tullio. Giurisprudenza costituzionale e teoria dell´interpretazione. Rivista di diritto processuale. Volume I. 1957, p. 358.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Alguns estudiosos defenderam, durante certo período, o poder criador do magistrado quando da elaboração da sentença e da aplicação da legislação, enquanto outros argumentavam ser este apenas a “boca da lei”, ou seja, que ele nada mais deveria fazer além de aplicar rigorosamente aquilo que estava previsto na legislação, sem realizar qualquer ato interpretativo. Tal fato foi levado tão a sério a ponto de, na França, serem criados tribunais de cassação, os quais tinham por objetivo cassar aquelas sentenças que promovessem a interpretação da lei, bem como punir os magistrados que praticassem o ato interpretativo. Dentre os acontecimentos que tiveram notável influência na evolução do direito, estava o nascimento do Constitucionalismo Contemporâneo, o qual representava uma continuidade daquele constitucionalismo já existente, porém, tendo como objetivo alcançar novas conquistas, representando, desta forma, um redimensionamento das práticas tanto políticas quanto jurídicas. Tal redimensionamento ocorreu não somente na teoria do direito, em que se verificou a reformulação da teoria das fontes, com a consequente posição de destaque conferida à Constituição, anteriormente ocupada pela lei; mas também naquela teoria referente à norma e à interpretação, referentes a uma blindagem para a discricionariedade. Desta forma, a discricionariedade atribuída ao magistrado acaba por ser confundida como arbitrariedade, imaginando este que possa dotar as suas decisões de sentido arbitrário, e julgar conforme sua própria convicção, desligando-se do sentido almejado pela norma. No entanto, tal indeterminação se deve justamente à discricionariedade judicial atribuída ao julgador, posto que ela abre o caminho para a arbitrariedade, em razão de um rigoroso controle de conteúdo em ambas. Justamente neste ponto, haveria a falta de normas, ou seja, uma lacuna na lei, percebida pelo julgador quando da tomada de sua decisão sobre o caso que esta julgando, relegando a este a tarefa de aplicar o direito de acordo com sua consciência, seu discernimento. Portanto, se mostra bastante complexa a tarefa de realizar a diferenciação entre ato arbitrário e ato discricionário. A respeito de um tema bastante semelhante ao supramencionado, qual seja, a forma de proceder na interpretação do direito, foi travado um debate entre Ronald Dworkin e Herbert Hart. De acordo com Dworkin, naquele momento em que alguém, para o qual fora relegada a tarefa

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de decidir algo, o faz sem nenhuma limitação, previamente colocada por padrões fixados por determinada autoridade superior, ele está agindo através do chamado poder discricionário. Para Hart, o próprio direito, enquanto um sistema de regras, subdividido em primárias e secundárias, seria o responsável por conceder tal poder discricionário ao juiz, no sentido “forte”. Diferentemente de Hart, Dworkin defende a existência de regras e de princípios, sendo que este último deveria ser submetido à constante análise, em razão da moralidade exigir que se procedesse de tal forma. Em clara oposição ao poder discricionário, Dworkin passou a defender a existência de algo que ele definiu como “resposta correta”, a qual seria responsável pela resolução de ambas as imposições feitas ao magistrado. Tais imposições consistiam na tarefa de o juiz harmonizar o máximo possível a decisão com o precedente judicial oriundo de caso pretérito, bem como promover a sua atualização, tendo por embasamento a moral política advinda da comunidade. Portanto, percebe-se claramente com o embate travado entre Herbert Hart e Ronald Dworkin, a respeito da melhor forma de se proceder na interpretação do direito que, embora o common law tenha à sua disposição diversos mecanismos que atuam na vinculação das decisões passadas aos casos presentes ou futuros, este sistema também se depara com as complexas incertezas na aplicação do direito, da mesma forma como que ocorre no civil law. Importa mencionar que o presente trabalho não teve por objetivo esgotar o tema abordado, apenas realizar uma comparação entre a common law e a civil law, bem como a questão da indeterminação do direito, quando de sua criação ou aplicação.

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REFERÊNCIAS ASCARELLI, Tullio. Giurisprudenza costituzionale e teoria dell´interpretazione. Rivista di diritto processuale. Volume I. 1957. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: Teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação de tutela. 9ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2014. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Traduzido por Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. _______. O império do direito. Traduzido por Jefferson Luis Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999. FERRERES, Víctor; XIOL, Juan Antonio. El caráter vinculante de la jurisprudência. Madrid: Fundación Coloquio Jurídico Europeo. 2009. (e-book) disponível em: <http://www.fcje.org.es/wp-content/uploads/file/Libros_Publicados/Cuadernos_Fundacion/EL_CARACTER_ VINCULANTE_DE_LA_JURISPRUDENCIA.pdf>. Acesso em: 20 mai. 2015. GADAMER. Hans-Georg. Verdade e método II: Complementos e índice. Traduzido por Ênio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2002. Disponível em: <http://minhateca.com.br/rfbiblioteca/Biblioteca/GADAMER*2c+Hans-Georg+*5b1900-2002*5d/Gadamer+-+portugu*c3*aas>. Acesso em: 24 mai. 2015. GHEST, Stephen. RONALD DWORKIN. Traduzido por Luís Carlos Borges. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. HART, Herbert. O conceito de direito. Traduzido por Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Traduzido por João Batista Machado. 8ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

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______. O STJ enquanto corte de precedentes: recompreensão do sistema processual da corte suprema. São Paulo: Revista dos tribunais, 2013. MOTTA, Francisco José Borges. Levando o direito a sério: Uma crítica hermenêutica ao protagonismo judicial. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010. RAATZ, Igor. Precedentes obrigatórios ou precedentes à brasileira? In: Temas atuais de processo civil. Disponível em: <http://www. temasatuaisprocessocivil.com.br>. Acesso em 15 jun. 2015. RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. RE, Edward D. Stare Decisis. Revista de informação legislativa, v. 31, n. 122, abr./jun. 1994. Brasília : Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1994. STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – O precedente judicial e as súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. ______. Verdade e Consenso: Constituição, Hermêneutica e teorias discursivas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. VENOSA, Silvio de Salvo. Introdução ao Estudo do Direito: primeiras linhas. São Paulo: Atlas, 2008. VONG, David. Binding precedent and English judicial law-making. Disponível em: <https://www.law.kuleuven.be/jura/art/21n3/vong.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2015.

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a indenização por dano moral em ricochete no âmbito das relações trabalhistas

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Henrique Abel

Mestre em Direito pela UNISINOS-RS. Doutorando em Direito pela mesma instituição. Advogado militante (OAB/RS 61.097). Associado Efetivo do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul - IARGS. Pesquisador associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). E-mail: habel@sinos.net.

Leandro Pereira

Graduando em Direito na Universidade Feevale. E-mail: leandrop@trt4.jus.br.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS O presente trabalho tem por objetivo a análise do dano moral causado pelo efeito ricochete, também conhecido como dano moral reflexo, no âmbito das relações trabalhistas. A característica social e o desenvolvimento do instituto entre a comunidade de advogados e entre a sociedade faz com que seja de extrema relevância um estudo sobre a natureza jurídica que compõe o instituto, sua finalidade e como foi recepcionado na Constituição Federal de 1988. Em razão de haver muitos pontos controvertidos que ainda restam obscuros na legislação e na jurisprudência brasileira, procurou-se identificar quais os parâmetros utilizados para sanar tais dificuldades quando a lei ou construções jurisprudenciais são silentes a respeito. Inicia-se o desenvolvimento com a conceitualização dos danos, especialmente os morais causados de forma reflexa. Adentrase, ainda, na questão relacionada à competência da Justiça do Trabalho para conhecimento e julgamento das demandas, bem como na legitimidade das partes para compor o polo ativo da demanda e, ainda, os critérios utilizados pelos tribunais para o cálculo da indenização devida à vítima.

DO CONCEITO DE DANO E SUAS MODALIDADES De acordo com Sérgio Cavalieri Filho, o dano é o grande impulsionador da indenização e do ressarcimento, pois, caso ele não esteja presente na relação entre as partes, não há que se falar em responsabilidade (embora possa se falar em responsabilidade sem culpa), pois essa existe, ainda que a conduta do causador não esteja eivada de dolo.1 Na responsabilidade civil para que haja apuração efetiva de responsabilidades, deverá obrigatoriamente haver lesão a um ou mais direitos de outra pessoa. Esses direitos normalmente são direitos absolutos ou reais, os primeiros ligados à personalidade da pessoa e os segundos ligados especialmente à propriedade. Porém, não somente essas duas classes de direitos podem ser violadas pelo dano, mas também outras como, por exemplo, o direito ao trabalho, à convivência, à infância, entre outros. 1

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil: Revista e Ampliada. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 73.

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O dano pode ser caracterizado pela ofensa aos valores jurídicos que uma pessoa possui, podendo ser lesada no que tem e no que é. É justamente neste ponto que reside o dano moral, pois teoricamente este tipo de dano não seria propriamente indenizável, já que não houve perda de um bem tangível que possa ter seu valor calculado, mas trata-se de uma espécie de dano que possui a subjetividade como elemento principal e característica de ordem imaterial, razão pela qual a dificuldade de se atribuir valor e esse patrimônio jurídico. Nesse sentido, cabe frisar que o dano moral figura na seara de valores imateriais, que estão ligadas à personalidade, sentimentos, imagem, podendo se configurar a lesão de acordo como a pessoa se vê e é vista no caso concreto, qual o sofrimento que teve que passar, qual angústia, solidão, mazelas que lhe foram acometidas, não necessitando que fiquem marcas aparentes e possam ser exteriorizadas nos indivíduos, mas sim que haja um sofrimento moral, interno, particular daquele sofreu e amargou a dor (física ou psíquica).2 O entendimento de Walmir Oliveira da Costa é no sentido de que o dano, quer patrimonial, quer moral, traduz-se na lesão, que pode ser a destruição ou a diminuição, que alguém sofre, vitimado pela ação ou omissão de outrem em qualquer bem ou interesse jurídico. Enfim, é o prejuízo sofrido por alguém nos seus interesses, naquilo que é importante, economicamente ou não, para a vítima, podendo ensejar pretensão a reparações no campo material ou moral ou em ambos, desde que originados do mesmo fato.3 Do ponto de vista constitucional, pode se depreender que a responsabilidade civil é amplamente abarcada em nossa Carta Magna, tanto que o direito à indenização por dano moral, material e à imagem são cláusulas pétreas inseridas no art. 5º, constituindo um sistema fechado de cláusulas que não tem espaço para emendas, a não ser para ampliar os benefícios dos direitos ali estabelecidos. Dessa forma, se pode notar que o legislador brasileiro preocupou-se muito com a responsabilidade civil, que encontra origem no direito romano sob a máxima de que não se BASTOS, Guilherme Augusto Caputo. Danos Morais: Conceito, a Banalização e a Indenização. Revista TST, Brasília, v. 73, n. 2, abr.-jun. 2007. p. 88-89. Disponível em: <http:// aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/2311/005_bastos.pdf?sequence=3>. Acesso em: 07 nov. 2014.

2

COSTA, Walmir Oliveira da. Dano Moral nas Relações de Trabalho: Questões Controvertidas Após a Emenda Constitucional nº 45. Revista TST. Brasília, v. 73, n. 2, abr.-jun. 2007, p. 108. Disponível em: <http://siabi.trt4.jus.br/biblioteca/direito/doutrina/artigos/Revista%20do%20Tribunal%20Superior%20do%20Trabalho/2007/n%202/Revista%20do%20 Tribunal%20Superior%20do0Trabalho,%20Porto%20Alegre,%20%20v.%2073,%20n.%202,%20p.%20105-120,%20abr.-jun.%202007.pdf>. Acesso em: 25 set. 2014.

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causará dano a ninguém, ou seja, a responsabilidade civil está inserida no seio da Constituição Federal como norma/regra maior e espalhada, ramificada em legislações esparsas específicas, mas é interessante mencionar que o inciso X do artigo 5º da Constituição Federal faz uma clara ligação dos direitos de personalidade com a responsabilidade civil ao determinar que a violação desses direitos gera o direito à indenização. É a ótica constitucional da responsabilidade civil sob o foco do conceito do dano.4 Assevera Sérgio Cavalieri Filho que o dano patrimonial, também conhecido como dano material, como o próprio nome já diz é um dano que atinge bens integrantes ao patrimônio da vítima, sendo passíveis de quantificação econômica, podendo recair sobre coisas corpóreas e incorpóreas, as primeiras classificadas como coisas de valor certo ou estimável e a segunda como os direitos de crédito. São os bens que estão agregados à vítima e a lesão causada os subtrai, havendo uma direta diminuição do patrimônio. O dano patrimonial é suscetível de avaliação pecuniária, podendo ser reparado mediante pagamento de indenização ou alcance de coisa capaz de refazer o estado anterior da vítima, reconstituindo o seu patrimônio atingido.5 Como modalidade de dano patrimonial, o dano emergente é aquele resultante do que efetivamente perdeu a vítima em decorrência do ato ilícito, ou seja, é a diferença entre o bem jurídico que possuía antes e depois do evento danoso. O dano emergente é o dano certo, mensurável, é tudo o que se perdeu diretamente, conforme o que nos ensina Sérgio Cavalieri Filho.6

CASILLO, João. Dano e Indenização da Constituição de 1988. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 660, out. 1990, p. 37. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/ app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad818160000014962c101c7469359e9&docguid=I017a4520f25011dfab6f010000000000&hitguid=I017a4520f25011dfab6f010000000000&spo s=9&epos=9&td=1051&context=27&startChunk=1&endChunk=1#>. Acesso em: 30 out. 2014.

4

5

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil: Revista e Ampliada. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 74.

6

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil: Rev. e Ampl. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 74-75.

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O dano emergente está situado na esfera dos danos patrimoniais que são representados pela exata extensão do prejuízo imputado à vítima, devidamente mensurável. Corresponde à diminuição efetiva do patrimônio, esse é o entendimento de Antônio Jeová Santos.7 Na visão de Maria Helena Diniz o dano emergente consiste num déficit real e efetivo no patrimônio do lesado, ou seja, é aquele dano certo e quantificável que acarreta a diminuição de seu patrimônio. A chamada perda de uma chance, por sua vez, é a situação que guarda relação com os lucros cessantes, impossibilitando a vítima de obter uma situação futura melhor, desaparecendo a probabilidade de obter lucro ou de se evitar uma perda. A chance perdida reparável, entretanto, segundo Sérgio Cavalieri Filho, deverá caracterizar um prejuízo material ou imaterial resultante de um fato consumado, não hipotético. Entretanto, a jurisprudência ainda não firmou entendimento pacífico de que a perda de uma chance caracteriza lucros cessantes ou danos morais.8 Sobre o conceito de danos morais, Sérgio Cavalieri Filho nos ensina que, a partir do advento da Constituição Federal de 1988, o homem passa a ser o vértice de todos os sistemas jurídicos, pois com a proteção supranacional da dignidade da pessoa humana sendo elemento guia para todos os demais direitos inerentes ao homem, passa-se a uma mudança no entendimento do que seria o conjunto de bens jurídicos que estão afetos à personalidade do homem. A violação desses direitos, o ato ilícito causaria o dano moral, quaisquer que fossem as agressões lançadas contra a vida, a liberdade, a saúde, a liberdade à honra, o nome, a imagem, a intimidade, a privacidade, etc.9

7

SANTOS, Antônio Jeová. Dano Moral Indenizável. 4. ed. rev. ampl. e atual. de Acordo com o Novo Código Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 78.

8

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil: Revista e Ampliada. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 80.

9

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil: Revista e Ampliada. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 84.

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Adentrando no conceito de dano moral trabalhista, que trata do instituto dos danos morais no âmbito das relações de trabalho, podemos depreender que esses danos podem ocorrer por ofensas individuais ou coletivas impostas a uma ou um determinado grupo de pessoas, e consiste num sofrimento imposto de forma física ou psicológica ao seu nome, personalidade, honra ou valores culturais.10 Sobre o conceito de danos morais por ricochete, Raimundo Simão de Melo refere que se trata daquele tipo de dano que é gerado a partir de acontecimentos que atingem não somente a vítima, mas de forma reflexa também envolvem outras pessoas que foram indiretamente atingidas.11 A definição de danos morais indiretos para Wladimir Valler é que os danos morais sofridos por ricochete são aqueles que dependem da natureza jurídica do bem afetado, sendo que deve haver um ataque a um bem jurídico não patrimonial e esse ataque tem que repercutir na vítima lhe causando menoscabo.12 Assevera Raimundo Simão de Melo que este tipo de dano é um dano indireto. Porém, esta análise deve ser feita de forma diferente daquela utilizada para verificação dos efeitos do dano como patrimonial e extrapatrimonial em relação à vítima. Quando relacionados à vítima, o dano patrimonial é um dano direto e o dano moral indireto, porém o segundo somente ocorre como desdobramento do primeiro, sendo, portanto, indireto e secundário. Na análise do dano moral por ricochete, sendo este também um dano indireto, a ótica de observação deve ser feita não em razão da vítima, mas em razão das pessoas que com ela tinham alguma relação. Será, dessa forma, sempre um dano indireto, não por desdobramento de algum outro tipo de dano, mas porque o dano direto é causado à vítima, e os respingos do ato ilícito atingem terceiros de forma indireta.13

BELMONTE, Alexandre Agra. Responsabilidade por Danos Morais nas Relações de Trabalho. Revista TST. Brasília, v. 73, n. 2, abr.-jun. 2007, p. 158/159. Disponível em: <http:// siabi.trt4.jus.br/biblioteca/direito/doutrina/artigos/Revista%20do%20Tribunal%20Superior%20do%20Trabalho/2007/n%202/Revista%20do%20Tribunal%20Superior%20do%20 Trabalho,%20Porto%20Alegre,%20%20v.%2073,%20n.%202,%20p.%20158-185,%20abr.-jun.%202007.pdf>. Acesso em: 05 nov. 20014. 10

11

MELO, Raimundo Simão de. Ações Acidentárias na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTR, 2011, p. 175.

12

VALLER, Wladimir. A Reparação do Dano Moral no Direito Brasileiro. 5. ed. Campinas: E. V. Editora,1997, p. 39.

13

MELO, Raimundo Simão de. Ações Acidentárias na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTR, 2011, p. 176.

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SUMÁRIO

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Conforme lição de Antônio Jeová Santos é um dano moral indireto, reflexo, imputado a uma vítima mediata, ou seja, posterior à vítima imediata, que morreu. Parentes, cônjuge e amigos do falecido é que padecem o dano moral sofrido pelo efeito ricochete.14 Analisando a questão processual do dano moral por ricochete observa-se que ele tem como requisito a certeza. Sua existência deve ser comprovada, nada obstando que aqueles que se beneficiavam indiretamente daquele que foi a vítima direta do mal causado sejam legitimados a postular indenizações. Assim, dessa forma, depreende-se que o dano moral indireto ou reflexo é aquele que acomete pessoa a quem a vítima tinha relação de afeição, lhe causando uma mudança no seu estado jurídico. É o caso do alimentado, que deixou de receber alimentos por conta da morte ou invalidez permanente do alimentando, ou ainda o caso da mulher que perdeu o marido, e, por conta disso, entrou em depressão sofrendo da patologia que antes não existia. Isso significa que o dano não é de fácil caracterização por levar em conta elementos subjetivos que para um indivíduo podem representar sofrimento e para outros não. Porém, quando este dissabor lhe causar mal-estar de forma reflexa, por ser mediato e não imediato, será legitimado a postular a responsabilidade civil do causador do dano.15

DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO A Constituição Federal, com o advento da Emenda Constitucional 45 de 2004, em seu artigo 114, VI, atrai a para a Justiça do Trabalho a competência para o processamento e julgamento de ações indenizatórias de danos morais ou patrimoniais decorrentes da relação de trabalho.16 Esta análise deve ser feita considerando que anteriormente à Emenda Constitucional 45, os litígios acerca de indenização por danos morais ou patrimoniais decorrentes de relação de trabalho não eram tratados pela Justiça Especializada, mas sim pela Justiça Comum Estadual. Nesse

14

SANTOS, Antônio Jeová. Dano Moral Indenizável. 4. ed. rev. ampl. e atual. de Acordo com o Novo Código Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 218.

15

GAGLIANO, Pablo Stolfe; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade Civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 92.

16

Código de Processo Civil: Legislação Processual Civil e Constituição Federal. 13. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 54.

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sentido, uma condição necessária para que seja competente a Justiça do Trabalho para julgar questões relacionadas às indenizações de que estamos tratando é que, primeiramente, quando não houve contrato formal, deverá haver o reconhecimento de relação de trabalho. No tocante à expressão "relação de trabalho", contida no inciso I do novo art. 114, é indubitável que houve ampliação da competência judicial trabalhista pela EC n. 45/2004. É muito clara a intenção constitucional de estender a competência da Justiça do Trabalho no inciso I para algo mais amplo do que a relação de emprego. Nessa medida, em princípio, regra geral, todas as relações de trabalho se enquadram na competência da Justiça do Trabalho: relações de trabalho autônomo, relações de trabalho eventual, relações de trabalho ainda que reguladas por diploma jurídico específico estranho ao Direito do Trabalho e próprio do Direito Civil. Embora existam debates na jurisprudência, especialmente a respeito da ocorrência ou não de exceções a essa ampliação, a regra geral da Carta Magna tem sido firmemente aceita: de modo geral, relações de trabalho não empregatícias encontram-se sob o âmbito da competência de nossa Justiça Especializada desde dezembro de 2004.17 Nesse sentido, ao se analisar a abrangência da competência da Justiça do Trabalho para julgamento de pedidos envolvendo danos morais ou patrimoniais decorrentes da relação de trabalho, observamos que o reformador constitucional ampliou o campo jurídico de análise de conflitos pela Justiça Trabalhista, que passou a analisar não somente as questões relacionadas ao trabalho pessoal e subordinadas, mas as relações autônomas de âmbito civil, temporárias, avulsas ou eventuais.18 Importante análise há de ser feita quando se pretende adentrar no assunto da competência da Justiça do Trabalho. Inicialmente é necessário haver reconhecimento da relação de trabalho, que é diferente de relação de emprego.

CHAVES, Luciano Athalayde; STERN, Maria de Fátima Coêlho Borges; NOGUEIRA, Fabrício Nicolau dos Santos et al. Ampliação da Competência da Justiça do Trabalho. 1. ed. São Paulo: 2009, p. 58. 17

BELMONTE, Alexandre Agra. Responsabilidade por Danos Morais nas Relações de Trabalho. Revista TST. Brasília, v. 73, n. 2, abr.-jun. 2007, p. 158/159. Disponível em: <http:// siabi.trt4.jus.br/biblioteca/direito/doutrina/artigos/Revista%20do%20Tribunal%20Superior%20do%20Trabalho/2007/n%202/Revista%20do%20Tribunal%20Superior%20do%20 Trabalho,%20Porto%20Alegre,%20%20v.%2073,%20n.%202,%20p.%20158-185,%20abr.-jun.%202007.pdf>. Acesso em: 05 nov. 2014. 18

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Superada a questão acerca da relação de trabalho passa-se a analisar a competência da Justiça Trabalhista, de modo que inicialmente cabe fazer distinção entre competência e jurisdição. Fazendo uma analogia com um gráfico em forma de círculo imaginemos que a jurisdição seja o todo e a competência a fração, ou seja, a competência está inserida dentro da jurisdição. A competência é o alcance do Poder Judiciário e jurisdição são as limitações deste mesmo poder, podendo um magistrado ter jurisdição, mas não ter competência, porém nunca terá competência sem jurisdição.19 Em se tratando especificamente das ações indenizatórias, nas quais se postulam direitos de ressarcimento por danos sofridos, cabe analisar que o inciso VI do art. 144 da Constituição Federal tem por objetivo deixar pacificada a competência da Justiça do Trabalho para julgamento de pedidos de danos materiais e morais, mais do que propriamente ampliação da sua competência. Nesse sentido quando analisamos a letra da lei, o inciso VI é expresso: Compete a Justiça do Trabalho processar e julgar.....VI – As ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho. O legislador não faz uma restrição à análise da lesão, do ilícito, mas sim condição de análise é que haja relação de trabalho, ou seja, no caso dos danos em ricochete, ainda que seja o autor da ação estranho à relação de trabalho, buscando este um direito próprio, se o dano decorreu de relação de trabalho com outrem que lhe era próximo, será competente a Justiça do Trabalho, sendo a matéria regulada pela Súmula 392 do TST.20 DANO MORAL E MATERIAL. RELAÇÃO DE TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Nos termos do art. 114, inc. VI, da Constituição da República, a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ações de indenização por dano moral e material, decorrentes da relação de trabalho, inclusive as oriundas de acidente de trabalho e doenças a ele equiparadas.21

SCHIAVI, Mauro, O Alcance da Expressão “Relação de Trabalho” e a Competência da Justiça do Trabalho um no após a Emenda Constitucional nº 45/2004. Revista TST. Brasília, v. 72, n. 1, jan. / abr. 2006, p. 39-47. Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/2694/002_schiavi.pdf?sequence=5>. Acesso em: 07 nov. 2014. 19

MEIRELES, Edilton. Ações Indenizatórias e outras Controvérsias Decorrentes da Relação de Trabalho (Incisos XI e IX do art. 114 da CF). Revista TST. Brasília, v. 71, n. 1, jan. / abr. 2005, p. 275-278. Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/3731/018_meireles.pdf?sequence=5>. Acesso em 07 nov. 2014. 20

Brasil. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 392. Disponível em: < http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_351_400.html#SUM-392>. Acesso em: 07 nov. 2014.

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A expressão relação de trabalho deu amplitude à competência da Justiça Especializada Trabalhista, atraindo para sua jurisdição as causas entre empreiteiro de mão de obra, vendedor autônomo, representante comercial, corretores, entre outros. Isso demonstra que, anteriormente à extensão da competência, a Justiça Trabalhista ficava restrita às relações de emprego e com o advento da E.C. 45/2004, o art. 114 passou a apontar a expressão relação de trabalho, abrangendo o leque de relações jurídicas que são alvo de análise pela Justiça Especializada. Isso significa dizer que aquelas causas em que anteriormente não eram analisadas, conhecidas e processadas pela Justiça do Trabalho, como, por exemplo, as ações indenizatórias, agora passariam a ser. Natural que assim seja, eis que a Justiça do Trabalho é aquela que é especializada neste campo jurídico e nada mais correto que seja ela que conheça e processe as controvérsias decorrentes dessas relações.22 Parece-me que qualquer interpretação normativa que coloque no âmbito da Justiça Comum Estadual ou da Justiça Federal, se fosse o caso, uma matéria nitidamente trabalhista no sentido clássico, embora havendo Juizado Trabalhista no mesmo âmbito territorial, será interpretação que não só afronta a Constituição em sua lógica, em seu texto expresso do art. 114, I, que fala da competência explícita para relações de trabalho (conceito mais largo que necessariamente abarca a relação de emprego), como será interpretação que desrespeita o princípio constitucional basilar do "juiz natural". Não há sentido de que toda a organização judicial construída pela Constituição, baseada na especialização de conhecimento e de vivência, seja desprezada mediante esforço interpretativo notoriamente artificial. É evidente que a magistratura da Justiça Federal e a da Justiça Estadual são altamente preparadas, especializadas em suas constitucionais áreas de competência; mas também é notório que, desde 05.10.1988 toda e qualquer relação de emprego foi colocada estritamente sob o âmbito da competência judicial trabalhista. Não há qualquer justificativa consistente para se realizar, por artifícios interpretativos, a quebra de semelhante sistema especializado instituído pela Carta de 1988. Por que estamos tratando desse tópico aparentemente superado há décadas? É aspecto que está assentado desde 1946 e só foi eliminado no curto período da ditadura militar pelo texto constitucional espúrio de 1967, no caso das empresas federais, sociedades de economia mista ou empresas públicas.23

22

NETO, José Salem. A Constituição Federal pela EC 45 e a Reforma do Judiciário – Utopia, Contradição, Incoerência, Paradoxo. 1. ed. São Paulo: LTR, 2005, p. 10-12.

CHAVES, Luciano Athalayde; STERN, Maria de Fátima Coêlho Borges; NOGUEIRA, Fabrício Nicolau dos Santos et al. Ampliação da Competência da Justiça do Trabalho. 1. ed. São Paulo: 2009, p. 56. 23

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Analisando-se algumas decisões colegiadas que enfrentam a questão relacionada à competência, depreende-se o entendimento do desembargador Sérgio J. B. Junqueira Machado: Conforme se vê, não há, na previsão constitucional, restrição quanto ao dano moral ser direto ou indireto, sendo suficiente, para atrair a competência desta Justiça Especializada, que decorra da relação de trabalho. Como na hipótese dos autos. É irrelevante, pois, a inexistência de relação entre a genitora do de cujus e a reclamada, já que, no caso, o que importa é que, tal como prevê o art. 114 da CF, o dano moral pretendido decorre da relação de trabalho havida entre o de cujus e a reclamada.24

Conclui-se, nesse sentido que a Justiça do Trabalho passa a ter uma radical alteração de competência trazida pela Emenda Constitucional 45/2004. Porém, o legislador foi silente no que diz respeito aos dissídios individuais e coletivos relacionados ao acidente de trabalho, ao assédio moral e sexual, ao dano existencial entre outros, deixando que as demais controvérsias sejam adequadas ao inciso IX que trata de outras controvérsias decorrentes de relação de trabalho. Nesse sentido, a condição para atrair a competência à Justiça Especializada será o fato de ter havido relação de trabalho, ainda que não decorrente de contrato formal nos moldes da CLT, podendo ser verbal, eventual e prestado de forma indireta, quando subsidiariamente alguém toma o trabalho de terceiros através de um intermediário, que é o terceirizador de mão de obra.25 É indiscutível o fato de ter a competência material aumentado significativamente as demandas processadas naquela Justiça, já que, por exemplo, ações de indenização (por acidente de trabalho ou doença ocupacional, ou envolvendo dano), que antes eram processadas na Justiça Comum, passaram a tramitar na Justiça Especializada, aumentando significativamente o número de processos que passaram a ser submetidos ao conhecimento do juiz trabalhista.26 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Recurso Ordinário n. 0002709-49.2012.5.02.0311. Relator Des. Sérgio J. B. Junqueira Machado. Disponível em: http:// aplicacoes1.trtsp.jus.br/vdoc/TrtApp.action?viewPdf=&id=3143723. Acesso em: 17 fev. 2015. 24

SANTOS, João Batista dos. A Emenda Constitucional n. 45/04 – Uma Análise Superficial do art. 114 – Competência da Justiça do Trabalho. In: MEDEIROS, Benizete Ramos de Medeiros et al. A Emenda Constitucional n. 45-2004: Uma Visão Crítica dos Advogados Trabalhistas. 1. ed. São Paulo: LTR, 2006, p. 34-35. 25

TREVISA, Marco Aurélio Marsiglia. A Competência da Justiça do Trabalho, a incapacidade laborativa do trabalhador e o restabelecimento de benefícios previdenciários. 1. ed. São Paulo: LTR, 2012, p. 76-79.

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DA LEGITIMIDADE PARA COMPOSIÇÃO DO POLO ATIVO DA DEMANDA Superadas as questões relacionadas ao conceito de danos e suas modalidades, passando pela competência da Justiça do Trabalho para julgamento de pedidos de danos morais quando decorrente de relação de trabalho, importante adentrar no campo da legitimidade das partes a compor o polo ativo da demanda. Quando se fala em reparação por danos morais (especificamente na forma reflexa), o sujeito ativo não é o imediato, empregado, mas um terceiro alheio à relação de trabalho ou ao vínculo de emprego, devendo se fazer uma análise da amplitude do inciso VI do art. 114 da Constituição Federal a fim de identificarmos que embora se trate de uma relação tipicamente civil, de reparação, pelo fato ter sido gerada a expectativa de direito de uma relação de trabalho, a Justiça Especializada Trabalhista será a competente para conhecimento e processamento deste tipo de demanda com esse objeto, ainda que se se trate de reparação civil entre um terceiro, estranho à empregadora. Logo, decorre o entendimento de que os vínculos afetivos do trabalhador com seu núcleo de relacionamentos (familiares e amigos), os legitimam a pleitear direito quando houver lesão ao seu patrimônio jurídico, nas palavras de Sebastião Geraldo de Oliveira: “Se a Constituição, após a Emenda n. 45/2004, contemplou o gênero (Ações de indenização por dano moral e patrimonial decorrentes da relação de trabalho), todas as espécies de danos estão abrangidas”.27 O dano moral trabalhista segue em regra os preceitos estabelecidos no Código Civil Brasileiro, devendo haver necessariamente uma ação ou omissão do agente causador capaz de importar em dano a outrem. Para que seja esse dano objeto de reparação deve haver necessariamente um nexo de causalidade entre a conduta e o resultado de forma que haja uma redução no patrimônio jurídico da vítima do evento.28 No caso específico da relação de trabalho, com o advento da Emenda Constitucional 45/2004, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho para julgamento do dano moral decorrente das relações de trabalho, a análise dos elementos intrínsecos do dano passa a ser feita pela OLIVEIRA, Sebastião Geraldo. Revista TRT 3ª Reg. Belo Horizonte, v. 40, n. 70, jul.-dez. 2004, p. 115. Disponível em: http://as1.trt3.jus.br/bd-trt3/bitstream/handle/11103/1229/ Sebastiao_Oliveira.pdf?sequence=1>. Acesso em: 07 nov. 2014. 27

28

GUSMÃO, Rodrigo Cambará Arantes Garcia de Paiva e Xerxes. A Reparação do Dano Moral nas Relações de Trabalho. 1. ed. São Paulo: LTR, 2008, p. 55.

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Justiça do Trabalho, sendo liame, a afeição entre o empregado e aquele que foi lesado de forma indireta, ainda que não tenha uma relação de parentesco, podendo ser qualquer pessoa pela qual o empregado nutra relação de afeto suficiente para causar abalo nesta pessoa pelo dano por este sofrido.29 Ainda que não tenha ocorrido um contrato de trabalho formal, a análise será feita sob o aspecto da relação de trabalho que há ou houve entre as partes, de modo que o dano causado de forma reflexa desafia todos os elementos caracterizadores da responsabilidade civil e a existência de nexo de causalidade entre o evento e a diminuição do patrimônio jurídico, podendo compor o polo ativo da demanda qualquer um que tenha sido prejudicado de forma reflexa, em razão do evento ocorrido com o empregado.30

DO PRAZO PRESCRICIONAL Ao atrair a competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações indenizatórias com pedidos de danos morais, questiona-se qual o prazo prescricional aplicável a tais pedidos. Inicialmente deve se ter em mente que embora se trate de uma relação civil e não de uma relação trabalhista nos moldes da CLT, o prazo prescricional deverá ser regulado pelo Direito do Trabalho, já que com a ampliação da competência, se o fato que deu origem à lesão que se busca reparação nasceu de uma relação de trabalho, deverá ser aplicada a norma constitucional insculpida na Constituição Federal em seu art. 7º, que trata do prazo prescricional bienal, em outras palavras, o empregado ou os legitimados poderiam ingressar com demandas até dois anos após a extinção do contrato de trabalho ou relação de emprego. Porém, a leitura do prazo prescricional deve ter em conta o evento que lhe dá início, sendo a matéria submetida às normas próprias do Direito Trabalhista.31

29

GUSMÃO, Rodrigo Cambará Arantes Garcia de Paiva e Xerxes. A Reparação do Dano Moral nas Relações de Trabalho. 1. ed. São Paulo: LTR, 2008, p. 55.

30

GUSMÃO, Rodrigo Cambará Arantes Garcia de Paiva e Xerxes. A Reparação do Dano Moral nas Relações de Trabalho. 1. ed. São Paulo: LTR, 2008, p. 55.

LIMA, Taísa Maria Macena de. A Prescrição do Dano Moral Decorrente da Relação Emprego. Revista TRT 3ª Reg. Belo Horizonte, v. 28, jan.-dez. 1998, p. 56-57. Disponível em: <http://as1.trt3.jus.br/bd-trt3/bitstream/handle/11103/3856/taisa_macena_prescricao_no_dano_moral.pdf?sequence=1>. Acesso em: 07 nov. 2014.

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Afinal, as inúmeras leis civis editadas recentemente (desde o Código Civil de 2002 até as normas que já o têm modificado em parte) e as diversas leis processuais civis promulgadas a partir dos anos 90 até a atualidade aplicam-se ou não ao Direito do Trabalho e ao Direito Processual do Trabalho? A resposta tem de ser objetiva e segura, plenamente harmônica ao critério da especialidade que rege esta dinâmica normativa: a regra exterior somente irá se aplicar caso seja absolutamente compatível com a estrutura normativa do Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho, quer dizer, compatível com princípios, regras e institutos destes ramos jurídicos especiais do Direito.32

Especificamente no que tange ao ponto de início do prazo prescricional para buscar reparação pela lesão por danos morais, segundo Taísa Maria Macena de lima, quando o evento decorre de um fato pós-contratual, em uma relação de emprego formal com contrato escrito, por exemplo, o prazo começará a contar a partir do momento em que houver o ilícito, já que o contrato de trabalho já foi extinto. Porém, quando o contrato ainda estiver em vigor, novamente falando de relação de emprego, há um entendimento por parte da jurisprudência que declara que o prazo prescricional inicia a partir da ocorrência do fato e outra parte que consagra que somente quando houver a extinção do contrato de trabalho é que começará a fluir o prazo prescricional. Este mesmo entendimento é aplicável às situações decorrentes das relações de trabalho, eventualmente cabendo ao autor superar as questões relacionadas ao reconhecimento da relação de emprego, quando houver negativa total de prestação de serviços, por exemplo, para posteriormente ingressar no campo relacionado à prescrição.33

DELGADO, Maurício Godinho. A Prescrição na Justiça do Trabalho: Novos Desafios. Revista TST. Brasília, vol. 74, jan.-mar. 2008, p. 50. Disponível em: http://siabi.trt4.jus. br/biblioteca/direito/doutrina/artigos/Revista%20do%20Tribunal%20Superior%20do%20Trabalho/2008/n%201/Revista%20do%20Tribunal%20Superior%20do%20Trabalho,%20 v%2074,%20n%201,%20p%2047-60,%20jan-mar%202008.pdf. Acesso em: 03 jul. 2015.

32

LIMA, Taísa Maria Macena de. A Prescrição do Dano Moral Decorrente da Relação Emprego. Revista TRT 3ª Reg. Belo Horizonte, v. 28, jan.-dez. 1998, p. 56-57. Disponível em: <http://as1.trt3.jus.br/bd-trt3/bitstream/handle/11103/3856/taisa_macena_prescricao_no_dano_moral.pdf?sequence=1>. Acesso em: 03 jul. 2015.

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CRITÉRIOS UTILIZADOS PARA FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO DEVIDA EM RAZÃO DE LESÃO AO PATRIMÔNIO MORAL A natureza da indenização por danos morais ainda é controversa entre a doutrina e a jurisprudência, pois há pelo menos três correntes que se destacam nesse sentido: a primeira entende que o instituto possui somente a característica ressarcitória, ou seja, visa apenas à satisfação do sofrimento imposto à vítima; a segunda, que defende que o instituto possui característica punitiva, servindo para penalizar o ofensor pela sua conduta e lembrar-lhe para sempre que não deve mais causar dano a nenhum outro; já a terceira, entende que o instituto possui características mistas, servindo tanto para punir, como para compensar. De acordo com esse entendimento a indenização serve como forma de compensar a experiência traumática da vítima do evento danoso e, também, para desestimular a reincidência da conduta praticada pelo transgressor, de modo que seriam híbridas as características da natureza da indenização decorrente da lesão ao patrimônio moral de outrem.34 Nota-se, desta forma, que o quantum indenizatório cumpre duas funções, uma corretiva, que conjuga a natureza ressarcitória da indenização do dano moral para a vítima e outra punitiva para o agente do dano. A sua inserção no elenco do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, como um dos direitos fundamentais, desloca a análise da questão de uma visão individualista para uma visão publicista, em proteção à comunidade, que é a verdadeira razão de sua existência.35 O entendimento de Renato Mehanna Khamis, nesse sentido, é de que a reparação do dano moral trabalhista pode ser feita através de uma compensação pecuniária36, mediante o pagamento de uma indenização que seja capaz de compensar o dissabor que tenha a vítima enfrentado. 34

GUSMÃO, Rodrigo Cambará Arantes Garcia de Paiva e Xerxes. A Reparação do Dano Moral nas Relações de Trabalho. 1. ed. São Paulo: LTR, 2008, p. 84-85.

35

GUSMÃO, Rodrigo Cambará Arantes Garcia de Paiva e Xerxes. A Reparação do Dano Moral nas Relações de Trabalho. 1. ed. São Paulo: LTR, 2008, p. 86.

A compensação pecuniária poderá utilizar o sistema tarifário, que consiste na fixação de um valor determinado para casos análogos mediante análise de jurisprudência ou de previsão legal expressa e há ainda o sistema aberto, que é o utilizando no Brasil e consiste na fixação livre de um valor pelo juiz em relação ao quantum devido, de acordo com o caso concreto que seja necessário a reparação ou compensação do dano. In: KHAMIS, Renato Mehanna, Dano Moral – Dispensa Imotivada de Portador do Vírus HIV. 1. ed. São Paulo: LTR, 2002, p. 38.

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Destaca-se, nesse ponto, que a compensação poderia ser a reparação in natura, que consiste num tipo de reparação composta por retratação do ofensor, citando-se como exemplo um trabalhador que teve sua honra atingida e talvez não haja dinheiro algum que compense o fato, podendo ser para este mais importante uma retratação do agressor do que a própria indenização pecuniária, servindo a retratação como um meio de aproximar ao máximo o ofendido do seu estado anterior ao evento danoso.37 Quando reconhecida como devida a indenização por danos morais, esta deve levar em conta várias situações. Primeiramente, que não se trata de dano patrimonial, que é facilmente mensurável; trata-se, pelo contrário, de um dano extrapatrimonial que abrange os campos intangíveis dos sentimentos e sensações íntimas da vítima, sendo claro que a dor não tem preço e pode ocorrer em maior ou menor intensidade, sendo mais facilmente suportável para uns do que para outros.38 Os aspectos puramente subjetivos que compõe a análise do dano moral dificultam o cálculo de uma indenização, eis que não há fórmula pronta nesse sentido, devendo o magistrado se utilizar de critérios que levem em conta a extensão do dano, a natureza específica da ofensa sofrida, a intensidade real, concreta e efetiva do sofrimento do ofendido, a existência ou não de dolo por parte do ofensor, sua situação econômica e social e análise da possibilidade real do infrator voltar a cometer a conduta ilícita. Nesse passo, a análise de quanto vale a dor de uma pessoa é algo que não tem apenas uma lógica compensatória (já que a dor, se pudesse ser evitada, jamais teria sido experimentada), podendo a vítima pedir a indenização sem pedir um valor fixo para sua postulação.39 Sobre o fato de haver atualmente alguma norma posta que trate da matéria de forma atualizada no Direito Brasileiro podemos dizer que não, muito embora, ainda se utilize por alguns magistrados, ou pelo menos se utilizava, de forma subsidiária os critérios previstos no art. 84 do Código Brasileiro de Telecomunicações e no art. 53 da Lei de Imprensa, que tratavam de criar critérios para a fixação da indenização.40 37

KHAMIS, Renato Mehanna, Dano Moral – Dispensa Imotivada de Portador do Vírus HIV. 1. ed. São Paulo: LTR, 2002, p. 38-39.

38

KHAMIS, Renato Mehanna, Dano Moral – Dispensa Imotivada de Portador do Vírus HIV. 1. ed. São Paulo: LTR, 2002, p. 38-39.

39

GUSMÃO, Rodrigo Cambará Arantes Garcia de Paiva e Xerxes. A Reparação do Dano Moral nas Relações de Trabalho. 1. ed. São Paulo: LTR. 2008. p. 88-89.

40

GUSMÃO, Rodrigo Cambará Arantes Garcia de Paiva e Xerxes. A Reparação do Dano Moral nas Relações de Trabalho. 1. ed. São Paulo: LTR, 2008, p. 91.

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O princípio da razoabilidade41 termina por ser, no entanto, o cerne norteador da fixação do quantum indenizatório, restando superado que as verbas rescisórias trabalhistas, ainda que corretamente satisfeitas, não afastam o direito à indenização por danos morais decorrente de fato que tenha sido gerado durante a relação de trabalho ou após esta. Atualmente não há sistema “tarifado” para o cálculo da indenização devida, sendo arbitrada livremente pelo magistrado, não significando, porém, que poderá se constituir de arbitrariedade, sendo que o cálculo da indenização, em regra, deveria levar em consideração as condições em que ocorreram o ilícito, o poder econômico do ofensor e sua situação, a gravidade da conduta e repercussão da ofensa, de modo que a análise deve ser feita cautelosamente de modo a não onerar excessivamente o agressor e tampouco dar o magistrado um verdadeiro prêmio ao ofendido, que possa representar indevido enriquecimento sem causa.42 Ademais, a análise que o magistrado deve fazer para encontrar o valor devido à vítima deve sempre levar em conta vários elementos, passando por uma análise profunda dos fatos e das condições pessoais dos envolvidos, inicialmente com a natureza da ofensa, passando pela análise dos efeitos dessa, suas circunstâncias e grau de arrependimento do ofensor, ficando o magistrado brasileiro livre para fixar o valor que irá compensar a vítima no seu menoscabo, no seu íntimo sofrer, eis que não há sistema de tarifação legal em nosso ordenamento jurídico.43 O baixo preço da sanção funciona ao contrário: ao invés de desestimular a conduta negativa, até a incentivam, porque os causadores de danos morais poderão calcular que, diante do universo relativamente pequeno dos que reclamam, é melhor continuar na política errada e pagar o custo dela a quem se queixa, do que corrigir tal política e, assim, onerar a empresa generalizadamente. Em outras palavras, transgredir a lei pode ser mais barato do que cumpri-la.44

O princípio da razoabilidade é aquele que se extrai da análise de que para o cálculo da indenização, não poderá esta ser fixada de modo tão insignificante que não importe em sacrifício ao ofensor e nem de forma tão elevada que venha a dar causa ao enriquecimento ilício do ofendido. In: FELKER, Reginald Delmar Hintz. O Dano Moral, o Assédio Moral e o Assédio Sexual nas Relações de Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTR, 2010, p. 90-91.

41

42

FELKER, Reginald Delmar Hintz. O Dano Moral, o Assédio Moral e o Assédio Sexual nas Relações de Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTR, 2010, p. 93.

43

FELKER, Reginald Delmar Hintz. O Dano Moral, o Assédio Moral e o Assédio Sexual nas Relações de Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTR, 2010, p. 93.

44

FELKER, Reginald Delmar Hintz. O Dano Moral, o Assédio Moral e o Assédio Sexual nas Relações de Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTR, 2010, p. 94.

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Importante análise que se depreende, ainda, é que o quantum indenizatório pode ser um mescla de obrigações, ou seja, poderá ser pecuniária com não pecuniária, composta por uma obrigação de pagar cumulada com obrigação de fazer. Esse tem sido o posicionamento de muitos magistrados em nosso país, que consideram que uma indenização mais justa e equânime leva em consideração não somente a gravidade do dano e as circunstâncias ocorridas, devendo haver mais do que a compensação pecuniária para que o ofendido/empregado possa ter a sensação de uma justiça mais plena, a título de exemplo, muitas vezes, além do valor pecuniário a que é condenado o empregador a pagar ao empregado, aquele deverá ainda fornecer uma carta de bons antecedentes e de recomendação para que possa o empregado seguir procurando nova colocação no mercado de trabalho. Alexandre Agra Belmonte destaca que há hoje tramitando no Senado Federal o projeto de lei 150/99, que visa a tarifar o dano moral de acordo com a natureza da ofensa (leve, média e grave), com valores pré-estipulados (respectivamente, até R$ 20.000,00; de R$ 20.000,00 a R$ 90.000,00; e, de R$ 90.000,00 a R$ 180.000,00). O autor destaca que a tarifação do dano moral, a seu ver, não é uma forma adequada para fixação da indenização devida, já que a indenização tem caráter compensatório e punitivo, com a tarifação uma condenação (considerando o porte econômico do ofensor), pode não atingir ao fim para o qual se destina, ou seja, não coibir a conduta por parte do agente, já que a diminuição em seu patrimônio pode ser ínfima. Da mesma forma, a vítima do dano poderá necessitar de muito mais do que o valor tarifado, especialmente nas relações de trabalho nas quais é comum haver acidentes que muitas vezes mutilam empregados surgindo o dano moral por ofensa à sua integridade física e direito à vida e de condições adequadas de labor. Em uma situação dessas a indenização além de não compensar o sofrimento causado à vítima, poderá, por vezes, estimular o empregador a permanecer na inércia e na reincidência, simplesmente efetuando o pagamento e não investigando as causas da origem do dano, sendo comum, mesmo na realidade atual muitas empresas terem, por exemplo, acidentes recorrentes no mesmo equipamento sem que nada seja feito.45

BELMONTE, Alexandre Agra. Dosimetria do Dano Moral. Revista TST. Brasília, v. 79, n. 2, abr.-jun. 2013, p. 25. Disponível em: <http://siabi.trt4.jus.br/biblioteca/direito/doutrina/ artigos/Revista%20do%20Tribunal%20Superior%20do%20Trabalho/2013/n%202/Dosimetria%20do%20dano%20moral.pdf>. Acesso em: 05 dez. 2014. 45

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A indenização devida pelo ilícito pode ser quantificada pelo menos de três formas: consensualmente entre as partes, por arbitramento judicial e por arbitramento privado entre as partes, quando as partes utilizam o instituto para resolver o conflito. Quanto à reparação, poderá ser in natura ou in pecunia, servindo ambas para compensar o sofrimento imposto pelo agressor à vítima do dano. Sobre o cálculo da indenização a ser alcançada ao trabalhador, quando se trata de indenização por danos materiais, esta deve levar em conta o grau de comprometimento físico do empregado e o grau da redução da sua capacidade laboral, analisando ainda se essa redução é temporária ou definitiva; já quando se fala em danos patrimoniais (estes por terem um caráter mensurável), são facilmente calculados, objetivando a recomposição do bem ao seu estado anterior, acrescidos de juros e correção monetária. Porém, quando se trata de fixar a indenização pelos danos morais sofridos, ingressa-se num campo obscuro da composição do quantum indenizatório, que deve levar em conta, primeiramente, a dignidade da pessoa humana, por força da Constituição Cidadã, que consagra que todos são iguais perante a lei, sem distinções, independentemente de sua condição social ou remuneração.46 Assim, para se chegar a um valor justo, a indenização arbitrada pelo magistrado deve valer-se de princípios gerais que vão lhe orientar e lhe direcionar às diretrizes necessárias para o cálculo do valor, o primeiro princípio a ser analisado é o da integralidade, que justamente trata de que a indenização deve ser integral de modo a compensar a ofensa manifestada; o segundo princípio trata da proporcionalidade, não devendo o magistrado onerar excessivamente o devedor e nem promover o enriquecimento ilícito da vítima, servindo a indenização a compensar o dano, apenas; finalmente o terceiro princípio trata da razoabilidade, que analisa o efeitos do dano e sua extensão e capacidade econômica do ofensor, podendo haver idêntico ato ilícito com indenizações completamente diferentes, já que as causas e as circunstâncias e o poder econômico das partes não são iguais em todas as disputas judiciais, servindo o princípio da equidade a justificar justamente essas diferenças que são apontadas na jurisprudência. 47 NETO, Eduardo Simões. Dano Moral: (Im) Possibilidade de Utilização dos Critérios Socioeconômicos do Trabalhador-vítima para a Fixação do Valor da Compensação Pecuniária. Revista TST. Brasília, vol. 79, n. 4, out-dez. 2013. p. 40-43. Disponível em: http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/55985/002_simoesneto.pdf?sequence=1. Acesso em: 30 jan. 2015.

46

BELMONTE, Alexandre Agra. Dosimetria do Dano Moral. Revista TST. Brasília, v. 79, n. 2, abr.-jun. 2013, p. 28. Disponível em: <http://siabi.trt4.jus.br/biblioteca/direito/doutrina/ artigos/Revista%20do%20Tribunal%20Superior%20do%20Trabalho/2013/n%202/Dosimetria%20do%20dano%20moral.pdf>. Acesso em: 05 dez. 2014. 47

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De fato, é possível em cada um desses critérios gerais considerar aspectos internos que possam atuar como agravantes ou atenuantes na fixação da indenização. Por exemplo, se a ofensa incide sobre bem jurídico mais relevante do que outro (acidente de trabalho com perda de membro em comparação com um xingamento; acidente de trabalho com perda da vida em comparação com perda de membro), a indenização deve ser agravada, assim também quando decorre de dolo, em comparação com um ato de negligência. Se o empregador, todavia, toma imediatamente todas as providências para minimizar os efeitos de um acidente de trabalho, a indenização deverá ser atenuada, o que não ocorrerá se agir de forma negligente também no socorro e encaminhamento do acidentado ao INSS.48

A indenização devida à vítima de lesão causada por dano moral é construída a partir de cláusulas gerais abertas inseridas na Constituição Federal de 1988, que ao admitir a igualdade entre homens e mulheres, buscar construir uma sociedade livre, justa e solidária, e insere entre garantias fundamentais – cláusulas pétreas – a possibilidade de indenização por conta de danos sofridos na ordem moral ou patrimonial. Ocorre que, até então, as ações relativas à cobrança de danos dessa ordem não eram bem vistas nem pela sociedade, tampouco pelo Judiciário, eis que a honra, os princípios e a moral, por vezes, quando feridos, não eram bens jurídicos indenizáveis, pois eram vistos como bens jurídicos imaculáveis, que, em caso de violação jamais voltariam ao estado no qual se encontravam, nem mesmo mediante o pagamento de indenização.49 Por outro lado, a ideia de que ninguém pode lesar seu semelhante tem origem muito antiga e passou a ser uma regra de conduta já nos tempos do Império Romano, podendo-se dizer que, àquela época, já havia uma grande cláusula norteadora dos direitos dos cidadão e que constantemente era invocada – neminen laedere – devendo o descumprimento gerar reparação proporcional ao dano causado, o que necessariamente não correspondia a uma indenização, podendo ser uma retratação in natura, enfim aquela que melhor atendesse aos interesses do lesado.50 BELMONTE, Alexandre Agra. Dosimetria do Dano Moral. Revista TST. Brasília, v. 79, n. 2, abr.-jun. 2013, p. 28. Disponível em: <http://siabi.trt4.jus.br/biblioteca/direito/doutrina/ artigos/Revista%20do%20Tribunal%20Superior%20do%20Trabalho/2013/n%202/Dosimetria%20do%20dano%20moral.pdf>. Acesso em: 05 dez. 2014. 48

NETO, Eduardo Simões. Dano Moral: (Im) Possibilidade de Utilização dos Critérios Socioeconômicos do Trabalhador-vítima para a Fixação do Valor da Compensação Pecuniária. Revista TST. Brasília, vol. 79, n. 4, out-dez. 2013. p. 40-43. Disponível em: http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/55985/002_simoesneto.pdf?sequence=1. Acesso em: 30 jan. 2015.

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NETO, Eduardo Simões. Dano Moral: (Im) Possibilidade de Utilização dos Critérios Socioeconômicos do Trabalhador-vítima para a Fixação do Valor da Compensação Pecuniária. Revista TST. Brasília, vol. 79, n. 4, out-dez. 2013. p. 40-43. Disponível em: http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/55985/002_simoesneto.pdf?sequence=1. Acesso em: 30 jan. 2015.

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Já no que diz respeito ao ordenamento brasileiro, com o advento da carta de 1988, as garantias e direitos fundamentais foram consolidadas especialmente no art. 5º, que trouxe no texto constitucional, em seu inciso V, o comando geral de que é assegurado o direito de indenização pelo dano material, moral ou à imagem. Mais tarde, o diploma legal civil de 2002, a fim de regular o comando geral, reafirma o que indubitavelmente a Constituição Federal havia trazido como cláusula aberta, nos termos de que aquele que por ato ilícito causar dano a outrem fica obrigado a reparálo, sendo ainda ampliada a proteção pelo código no sentido de mesmo aquele que é detentor de um direito, se não o exercer dentro dos limites impostos, comete ato ilícito. Ou seja, dessa forma, o código civil e constituição federal tratam da inserção da indenização do dano moral no sistema jurídico, mas ainda não há referência quanto aos parâmetros utilizados para cálculo da indenização.51 Exatamente por ser o dano moral oriundo de bens que não possuem valor econômico surge a grande dificuldade de mensurar o valor da indenização e quais critérios que deveriam ser utilizados para calcular esse valor. Inicialmente, surgiu um sistema tarifado, com o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4117 de 1962) e com a Lei de Imprensa (Lei 5.250 de 1967), que positivavam parâmetros objetivos num sistema fechado de cálculo. O Código Brasileiro de Telecomunicações determinava que o juiz devesse observar a condição social do ofensor e do ofendido, intensidade da ofensa, gravidade e repercussão da mesma e, ao final, impunha valores mínimos e máximos para a indenização, de 5 a 100 salários mínimos nacionais, respectivamente.52 Em um segundo momento, com o surgimento da Lei de Imprensa, passam-se a introduzir outros critérios para cálculo da indenização, que levariam em conta além daqueles já destacados no Código Brasileiro de Telecomunicações, outros como o sofrimento do ofendido e a intensidade

NETO, Eduardo Simões. Dano Moral: (Im) Possibilidade de Utilização dos Critérios Socioeconômicos do Trabalhador-vítima para a Fixação do Valor da Compensação Pecuniária. Revista TST. Brasília, vol. 79, n. 4, out-dez. 2013. p. 39. Disponível em: http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/55985/002_simoesneto.pdf?sequence=1. Acesso em: 30 jan. 2015.

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NETO, Eduardo Simões. Dano Moral: (Im) Possibilidade de Utilização dos Critérios Socioeconômicos do Trabalhador-vítima para a Fixação do Valor da Compensação Pecuniária. Revista TST. Brasília, vol. 79, n. 4, out-dez. 2013. p. 40. Disponível em: http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/55985/002_simoesneto.pdf?sequence=1. Acesso em: 30 jan. 2015.

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desse sofrimento. Os artigos 51 e 52 traziam a tarifação do dano, que mais tarde foi declarada inconstitucional pelo STF por fixar valores mínimos e máximos para a indenização por danos morais, o que foi também rebatido pelo STJ, no sentido de que não estariam os magistrados vinculados à Lei de Imprensa para fixar valores de indenização por danos morais, como se depreende da Súmula 281 do STJ, que determina: “A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa”.53 Não mais recepcionados os argumentos utilizados pela Lei de Imprensa e do Código Brasileiro de Telecomunicações a doutrina e jurisprudência passaram a indagar quais os critérios que deveriam ser então utilizados. Atualmente, não obstante as novas disposições do Código Civil de 2002, não há critérios absolutos e incontroversos acerca da fixação do quantum devido, sendo que, na ausência de parâmetros e afastado há tempo o sistema tarifado, o magistrado deve utilizar de arbitramento para o cálculo da indenização, levando em conta todos os elementos caracterizadores do dano moral em suas várias espécies. Porém, importa destacar que os critérios hoje observados são fortemente influenciados pelos dois diplomas legais antes tratados, de modo que, em geral, a magistratura brasileira continua utilizando, na prática, quase todos os critérios elementares ali trazidos, ficando apenas em aberto o arbitramento livre de um valor de condenação pelo ilícito, que poderá ter valores complemente diferentes, no caso concreto, em razão dos critérios que já foram explorados.54 Nesse sentido, Eduardo Simões Neto assevera que a pena pecuniária deve ser capaz de inibir as agressões causadas à dignidade do ser humano, devendo servir para punir, educar e coibir a reincidência da conduta do ofensor.

NETO, Eduardo Simões. Dano Moral: (Im) Possibilidade de Utilização dos Critérios Socioeconômicos do Trabalhador-vítima para a Fixação do Valor da Compensação Pecuniária. Revista TST. Brasília, vol. 79, n. 4, out-dez. 2013. p. 40. Disponível em: http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/55985/002_simoesneto.pdf?sequence=1. Acesso em: 30 jan. 2015.

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NETO, Eduardo Simões. Dano Moral: (Im) Possibilidade de Utilização dos Critérios Socioeconômicos do Trabalhador-vítima para a Fixação do Valor da Compensação Pecuniária. Revista TST. Brasília, vol. 79, n. 4, out-dez. 2013. p. 40-41. Disponível em: http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/55985/002_simoesneto.pdf?sequence=1. Acesso em: 30 jan. 2015.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme visto, a questão da competência nos casos examinados no presente artigo não é mais objeto de incertezas. Já se encontra consolidado, inclusive com matéria sumulada entre os tribunais superiores, que - havendo o liame empregatício, ainda que se busque responsabilidade civil por ato praticado contra terceiro estranho à relação trabalhista – se dá a atração da competência da Justiça do Trabalho. Com o advento da Emenda Constitucional 45/2004, que alterou o art. 114 da Constituição Federal, o requisito para atrair a competência da Justiça do Trabalho passou a ser a constatação da existência de relação de trabalho, não importando se houve relação direta ou não, como é o caso dos danos morais reflexos. Essa matéria, em particular, depois de muito discutida, hoje encontra orientação pacificada, como versa a Súmula 392 do TST. Quanto ao reconhecimento dos elementos caracterizadores do dano moral reflexo e o dever de indenizar do demandado, a pesquisa realizada demonstrou que não há como se chegar a qualquer conclusão definitiva sobre o tema. O certo é que a responsabilidade civil exige, para reconhecimento do dever de indenizar, que obrigatoriamente seja constada a existência de: uma efetiva lesão, um nexo de causalidade e a culpa ou dolo do demandado. Mesmo em situações que não envolvam propriamente o óbito do empregado, desde que exista lesão direta e indireta, poderá a pessoa (que não precisa ser, necessariamente, um familiar) ser parte legitima para ingressar com a ação judicial cabível. O estudo realizado demonstra que o Judiciário Trabalhista tem dado forte guarida às pretensões de indenização por dano moral reflexo, sob o fundamento de preservação do direito de dignidade da pessoa humana e, também, em razão de haver expresso comando constitucional nesse sentido. A lesão ao patrimônio jurídico moral tem sido reconhecida pelo Judiciário quando atendidos os requisitos gerais ensejadores da responsabilidade civil, verificando-se que as decisões em geral buscam proteger os princípios relacionados à dignidade da pessoa humana, que compreendem sua saúde física, mental, seus vínculos afetivos e a forma como se vê e é visto na (e pela) sociedade.

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REFERÊNCIAS BASTOS, Guilherme Augusto Caputo. Danos Morais: Conceito, a Banalização e a Indenização. Revista TST, Brasília, v. 73, n. 2, abr.-jun. 2007. p. 88-104. Disponível em:http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/2311/005_bastos.pdf?sequence=3>. Acesso em: 07 nov. 2014. BELMONTE, Alexandre Agra. Dosimetria do Dano Moral. Revista TST. Brasília, v. 79, n. 2, abr.-jun. 2013, p. 25. Disponível em: < http://siabi. trt4.jus.br/biblioteca/direito/doutrina/artigos/Revista%20do%20Tribunal%20Superior%20do%20Trabalho/2013/n%202/Dosimetria%20do%20 dano%20moral.pdf>. Acesso em: 05 dez. 2014. BRANDÃO, Cláudio; A Responsabilidade Objetiva por Danos Decorrentes de Acidentes do Trabalho na Jurisprudência dos Tribunais: Cinco Anos Depois. Revista TST. Brasília, Vol. 76, n1, Jan./Mar. 2010. p. 78-96. Disponível em: http://siabi.trt4.jus.br/biblioteca/direito/doutrina/ artigos/Revista%20do%20Tribunal%20Superior%20do%20Trabalho/2010/n%204/A%20responsabilidade%20objetiva%20por%20danos%20 decorrentes%20de%20acidentes%20do%20trabalho%20na%20jurisprud%C3%AAncia%20dos%20tribunais%20-%20cinco%20anos%20depois. pdf. Acesso em: 29 mai. 2015. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil: Revista e Ampliada. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010. CHAVES, Luciano Athalayde; STERN, Maria de Fátima Coêlho Borges; NOGUEIRA, Fabrício Nicolau dos Santos et al. Ampliação da Competência da Justiça do Trabalho. 1. ed. São Paulo: LTR, 2009. COSTA, Dilvanir José da, O Sistema da Responsabilidade Civil e Novo Código. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 39, out.-dez. 2009, p. 215-217. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/826/R156-17.pdf?sequence=4>. Acesso em: 06 nov. 2014. DELGADO, Maurício Godinho. A Prescrição na Justiça do Trabalho: Novos Desafios. Revista TST. Brasília, vol. 74, jan.-mar. 2008, p. 47-70. Disponível em: http://siabi.trt4.jus.br/biblioteca/direito/doutrina/artigos/Revista%20do%20Tribunal%20Superior%20do%20Trabalho/2008/n%201/ Revista%20do%20Tribunal%20Superior%20do%20Trabalho,%20v%2074,%20n%201,%20p%2047-60,%20jan-mar%202008.pdf. Acesso em: 03 jul. 2015. ORGANIZADORES:

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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. FELKER, Reginald Delmar Hintz. O Dano Moral, o Assédio Moral e o Assédio Sexual nas Relações de Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTR, 2010. FONSECA, José Geraldo da. Dano Moral da Pessoa Jurídica. Revista TST. Brasília, v. 75. n. 4, out.-dez. 2009, p. 43-64. Disponível em: <http:// siabi.trt4.jus.br/biblioteca/direito/doutrina/artigos/Revista%20do%20Tribunal%20Superior%20do%20Trabalho/2009/n%204/Revista%20do%20 Tribunal%20Superior%20do%20Trabalho,%20v%2075,%20n%204,%20p%2043-64,%20out-dez%202009.pdf>. Acesso em: 25 set. 2014. GAGLIANO, Pablo Stolfe; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Responsabilidade Civil. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. GERALDO DE OLIVEIRA, Sebastião. Atualidades Sobre a Indenização por Dano Moral Decorrente de Acidente do Trabalho. Revista TST. Brasília, v. 73, n. 2, abr.-jun. 2007, p.121-157. Disponível em: <http://siabi.trt4.jus.br/biblioteca/direito/doutrina/artigos/Revista%20do%20 Tribunal%20Superior%20do%20Trabalho/2007/n%202/Revista%20do%20Tribunal%20Superior%20do%20Trabalho,%20Porto%20Alegre,%20 %20v.%2073,%20n.%202,%20p.%20121-157,%20abr.-jun.%202007.pdf>. Acesso em: 25 set. 2014. GUSMÃO, Rodrigo Cambará Arantes Garcia de Paiva e Xerxes. A Reparação do Dano Moral nas Relações de Trabalho. 1. ed. São Paulo: LTR, 2008. KHAMIS, Renato Mehanna, Dano Moral – Dispensa Imotivada de Portador do Vírus HIV. 1. ed. São Paulo: LTR, 2002. LIMA, Taísa Maria Macena de. A Prescrição do Dano Moral Decorrente da Relação Emprego. Revista TRT 3ª Reg. Belo Horizonte, v. 28, jan.-dez. 1998, p. 55-59. Disponível em: <http://as1.trt3.jus.br/bd-trt3/bitstream/handle/11103/3856/taisa_macena_prescricao_no_dano_moral. pdf?sequence=1>. Acesso em: 07 nov. 2014. MEDEIROS, Benizete Ramos de Medeiros et al. A Emenda Constitucional n. 45-2004: Uma visão crítica dos Advogados Trabalhistas. 1. ed. São Paulo: LTR, 2006. ORGANIZADORES:

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MEIRELES, Edilton. Ações Indenizatórias e outras Controvérsias Decorrentes da Relação de Trabalho (Incisos XI e IX do art. 114 da CF). Revista TST. Brasília, v. 71, n. 1, jan. / abr. 2005, p. 274-281. Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/3731/018_ meireles.pdf?sequence=5>. Acesso em 07 nov. 2014. MELO, Raimundo Simão de. Ações Acidentárias na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTR, 2011. NETO, Eduardo Simões. Dano Moral: (Im) Possibilidade de Utilização dos Critérios Socioeconômicos do Trabalhador-vítima para a Fixação do Valor da Compensação Pecuniária. Revista TST. Brasília, vol. 79, n. 4 , out-dez. 2013. p. 38-55. Disponível em: http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/ bitstream/handle/1939/55985/002_simoesneto.pdf?sequence=1. Acesso em: 30 jan. 2015. NETO, José Salem. A Constituição Federal pela EC 45 e a Reforma do Judiciário – Utopia, Contradição, Incoerência, Paradoxo. 1. ed. São Paulo: LTR, 2005. OLIVEIRA, Sebastião Geraldo. Revista TRT 3ª Reg. Belo Horizonte, v. 40, n. 70, jul.-dez. 2004, p. 115-120. Disponível em: http://as1.trt3.jus.br/ bd-trt3/bitstream/handle/11103/1229/Sebastiao_Oliveira.pdf?sequence=1>. Acesso em: 07 nov. 2014. SCHIAVI, Mauro, O Alcance da Expressão “Relação de Trabalho” e a Competência da Justiça do Trabalho um no após a Emenda Constitucional nº 45/2004. Revista TST. Brasília, v. 72, n. 1, jan. / abr. 2006, p. 36-59. Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/ handle/1939/2694/002_schiavi.pdf?sequence=5>. Acesso em: 07 nov. 2014. SANTANA, Hector Valverde. A Fixação do Valor da Indenização por Dano Moral. Revista de Informação Legislativa. São Paulo, v. 44, n. 175. jul.-set. 2007, p. 21-40. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/139968/Ril175%20-%20Hector%20V%20Santana. pdf?sequence=2>. Acesso em: 25 set. 2014. SANTOS, Antônio Jeová. Dano Moral Indenizável. 4. ed. rev. ampl. e atual. de Acordo com o Novo Código Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

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SILVA, Américo Luís Martins da. O Dano Moral e sua Reparação Civil. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2002. SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. A responsabilidade por Dano Moral no Direito do Trabalho. Revista de Informação Legislativa. Brasília, v.33. n.130. p. 253-265. abr.-jun. de 1996. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/176453/000509946.pdf?sequence=3>. Acesso em 25 set. 2014. VALLER, Wladimir. A Reparação do Dano Moral no Direito Brasileiro. 5. ed. Campinas: E. V. Editora, 1997. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2013. ZANGRANDO, Carlos Henrique da Silva. Curso de Direito do Trabalho II. 1. ed. São Paulo: LTR, 2008.

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Elisa Regina Knorst

dano moral decorrente do inadimplemento ou mora de verbas salariais

Especialista em Gestão Pública pela Universidade Gama Filho, cursando Especialização em Direito Previdenciário na ESMAFE, Graduada em Direito pela Universidade Feevale e em Matemática pela ULBRA, advogada e servidora pública no INSS. E-mail: elisarknorst@gmail.com.

E m e r s o n Ty r o n e M a t t j e

Doutorando em Diversidade Cultural e Inclusão Social pela Feevale, Mestre em Ciências Criminais pela PUC, Especialista em Ciências Penais pela PUC, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Unisinos, Auditor- Fiscal no MTE, Professor de ensino superior FEEVALE. E-mail: mattje@feevale.br.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS Este artigo tem por objetivo tratar da indenização por danos morais, nas situações de inadimplemento ou mora salarial. O estudo busca analisar os casos em que a empresa passa a atrasar de forma sistemática o pagamento de salários, verificando, assim, se tal conduta ultrapassa a esfera do simples descumprimento contratual, passando a configurar dano extrapatrimonial passível de reparação e, com isso, se o atraso reiterado gera ou não, transtornos que extrapolam o mero incômodo na vida do empregado, ocasionando lesão a direitos da personalidade. O interesse pelo assunto se dá em virtude de que atualmente são bastantes frequentes decisões da Justiça do Trabalho com relação à indenização por dano moral nos casos de assédio moral, e acidente de trabalho, todavia, ainda não está pacificado o entendimento no que tange ao descumprimento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho. Com base nesta análise, esta pesquisa irá estudar as duas correntes existentes, visto que uma primeira corrente entende que o inadimplemento de verbas salariais, não são, por si só, circunstâncias caracterizadoras de violação ao direito de personalidade do trabalhador, hábeis a gerar direito a reparação por danos morais. Desta forma, este artigo busca estudar o entendimento da justiça trabalhista sobre este tema, visto que a pesquisa jurisprudencial vem demonstrando o crescimento de uma segunda corrente que entende que a mora ou o inadimplemento do salário do empregado termina por provocar um forte sofrimento psíquico, já que, na grande maioria dos casos, ele possui apenas essa fonte de renda para prover o sustento próprio e de sua família, sendo inegável que este inadimplemento gera constrangimentos de toda ordem, inclusive situações vexatórias ao trabalhador que, desprovido de renda, fica completamente incapaz de sustentar sua família. Diante destas considerações, em que pese a discussão sobre o tema e as doutrinas estarem em construção, entende-se relevante buscar compreender o porquê de grande parte das sentenças e acórdãos trabalhistas sobre este tema, disporem que o inadimplemento ou a mora salarial do empregador não configura ofensa à honra objetiva do empregado e por isso não dá azo a ressarcimento por danos morais.

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No primeiro capítulo será abordada a evolução histórica dos direitos sociais e do trabalho no Brasil, e os princípios norteadores do direito do trabalho, que tornam este ramo do direito tão distinto dos demais. No segundo capítulo, será estudado o dano moral decorrente do inadimplemento de verbas salariais e como vem decidindo os tribunais a respeito deste tema que é bastante novo no âmbito da Justiça do Trabalho. Salienta-se que o presente estudo será realizado através de consulta à doutrina, jurisprudência e à legislação brasileira, que emprestaram as bases teóricas e paradigmáticas necessárias ao desenvolvimento seguro da pesquisa. Os níveis de pesquisa a serem desenvolvidos serão basicamente o descritivo e o explicativo, e o método de abordagem será o dedutivo. A técnica de pesquisa será principalmente a bibliográfica. O segundo capítulo terá como base principal o estudo das jurisprudências do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região e do Tribunal Superior do Trabalho.

O DIREITO DO TRABALHO EM PERPECTIVA HISTÓRICA E PRINCIPIOLÓGICA O trabalho tem na vida do homem fundamental relevância, seja para garantir sua sobrevivência seja para sua realização pessoal enquanto ser humano, dando-lhe dignidade e razão à sua existência. Por ser o trabalho o meio de atingir objetivos, sejam materiais ou meramente de satisfação interior, o homem, no decorrer da história, travou diversas batalhas com a finalidade de terminar com a escravidão, vencer a exploração e construir a cada dia um ambiente mais digno, conquistando mais direitos sociais e, em consequência disso, mais proteção nas relações de trabalho.1 Os direitos sociais e do trabalho, assim como os demais ramos do direito, foram construídos na medida em que determinados fatos passaram a ser relevantes para a sociedade e com isso, surgiu à necessidade da criação de normas que pudessem regular e prevê-los podendo assim, incidir sobre eles, seja através de sanções, seja através da garantia de direitos.2 AZEVEDO, André Jobim de. O direito do trabalho e as atuais relações de trabalho. Justiça do Trabalho: revista de jurisprudência trabalhista, Porto Alegre, v. 19, n. 217, p. 74-77, jan. 2002. 1

2

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da existência. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 21.

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Conforme leciona José Augusto Rodrigues Pinto: O trabalho humano e suas repercussões sociais são tão velhas quanto os primeiros impulsos de civilizações oriundas do racionalismo. Todavia, a relação do trabalho humano prestado pessoalmente em proveito de outrem e retribuído como forma sistemática de utilização da energia produtiva só foi, realmente, proporcionada pelo advento da chamada Revolução Industrial.3

A Revolução Industrial foi assim, a principal razão para que se iniciasse a criação do Direito do Trabalho. “A necessidade de pessoas para operar as máquinas a vapor e têxteis impôs a substituição do trabalho escravo, servil e corporativo pelo trabalho assalariado”.4 Com ela as condições de trabalho impostas pelo empregador eram extremamente difíceis, como a excessiva jornada de trabalho, a exploração da mão de obra das crianças e mulheres, por serem mais barata, os acidentes dentro das fábricas e a insegurança quanto ao futuro, em relação aos incapacitados, os que tivessem sequelas por acidentes, os doentes, os idosos, tudo isso aliado ao baixo salário.5 Todo este contexto passou a gerar o que se costuma chamar de “questão social”. Devido a estas condições adversas, os trabalhadores passaram a se unir com o fim de reivindicar melhores condições de trabalho, reforçando com isso os sindicatos.6 Estes fatos levaram o Estado a sair de sua posição de inércia e passar a intervir nas relações de trabalho, buscando assim, uma maior proteção aos trabalhadores através de legislação que proibisse os abusos feitos pelos empregadores.7

PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de direito individual do trabalho: noções fundamentais de direito do trabalho, sujeitos e Institutos do direito individual. 2. ed. São Paulo: LTr, 1995, p. 22-35.

3

4

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 4-5.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p 10.

5

6

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de direito do trabalho. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 2.

7 DINIZ, José Janquié Bezerra. O direito e a Justiça do Trabalho diante da globalização. São Paulo: LTr, 1999, p. 24-26. ORGANIZADORES:

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Enquanto o movimento da classe operária na Europa já estava bastante avançado em sua busca por melhores condições de trabalho e soluções para o desemprego, no Brasil, ainda não se falava em direitos sociais ou do trabalho. Só no final do século XIX, com a abolição da escravidão e a vinda de imigrantes europeus, iniciaram-se as primeiras discussões sobre como regulamentar o trabalho, em virtude das péssimas condições de trabalho e salários irrisórios da época. Porém, pode-se afirmar que o direito do trabalho no Brasil começou efetivamente após a Revolução de 1930, pois antes disso, mesmo no tempo do império, tinham-se leis sociais sobre o trabalho, porém não era ainda “legislação social”, mas apenas disposições legislativas fragmentárias.8

A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS SOCIAIS E DO TRABALHO NO BRASIL Tendo como pressupostos que para falar em trabalho subordinado, há que existir o trabalho juridicamente livre, não se pode falar, no Brasil, em Direito do Trabalho antes da abolição da escravatura, que ocorreu em 1888.9 O Brasil, ao longo de sua história, tem criado decretos, leis e normas constitucionais que evoluem de acordo com as mudanças ocorridas nos regimes políticos, bem como nas formas de governo, então cada período político determina avanço e/ou retrocesso em termos de conquistas sociais.10 Diante desta constatação, passa-se a discorrer sobre os fatos e leis que impactaram a história brasileira, em especial no que se refere às leis trabalhistas e o que trouxe cada constituição, desde a Constituição do Império, em 1824, até os tempos atuais, em que vigora a Constituição Federal de 1988. Os direitos sociais no Brasil somente começaram a surgir após a Lei Áurea, em 1888, com a abolição da escravatura e a proclamação da República. Tal período é conhecido como República Velha, sendo que nesta etapa ainda prevalecia o liberalismo, característica do período Imperial.11 8 CESARINO JUNIOR, Antônio Ferreira; CARDONE, Marly Antonieta. Direito social. 2. ed. São Paulo: LTr, 1993, p. 77. 9 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 11.ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 105. 10 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 73. 11

MAGANO, Octavio Bueno. Manual de direito do trabalho. São Paulo: LTr, v. 1, 1991, p. 23.

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Na concepção de Evaristo de Moraes Filho, a lei áurea de 1888 “significou, por si só, a primeira grande lei social entre nós, acabando com a escravidão e instituindo o regime do trabalho livre”.12 Em 1824, no Primeiro Império, entrou em vigor a primeira constituição brasileira, intitulada a “Constituição do Império”. De cunho liberal, tendo sido influenciada pela revolução francesa de 1789, consagrava amplamente as liberdades de expressão, religião, o princípio da legalidade, da inviolabilidade de domicílio, da propriedade, entre outros.13 Com a queda do Império, surge a nova constituição de 1891, também conhecida como “Constituição Rui Barbosa”. Uma das mudanças mais significativas da Carta de 1891 foi à garantia do livre exercício de qualquer profissão, assegurando também a liberdade de associação, fato importantíssimo, pois embasou o Supremo Tribunal Federal- STF a considerar lícita a organização dos sindicatos.14 Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, por meio da Revolução de 1930, inicia-se mais um período da evolução do direito do trabalho no Brasil. Em 24 de outubro de 1930, Getúlio Vargas tornou-se presidente da República, e neste mesmo ano, em 26 de novembro, criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio através do Decreto 19.443/30. Esse período foi marcado por uma enxurrada legislativa que marcou o intervencionismo estatal.15 A partir desta data, através de decretos legislativos, foram sendo criadas várias normas, tanto sobre previdência social, como também quanto às relações de trabalho (coletivas e individuais) até a promulgação da Constituição de 1934.16

12

MORAES FILHO, Evaristo de. Prefácio. In: MORAES, Evaristo de. Apontamentos de direito operário. 4.ed. São Paulo: Ltr, 1998, p. 32.

13

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 369-373.

14

CATHARINO, José Martins. Compêndio universitário de direito do trabalho. São Paulo: Ed. Jurídica e Universitária, 1972, v. 1, p. 21-23.

15

CATHARINO, José Martins. Compêndio universitário de direito do trabalho. São Paulo: Ed. Jurídica e Universitária, 1972, v. 1, p. 26-27.

16

CASSAR. Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 3. ed. Niterói: Impetus, 2009, p. 18.

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A Constituição de 1934 foi a primeira a abrir largo espaço à ordem econômica e social, fato que denota a influência do constitucionalismo social. Ela foi elaborada sob forte influência da Constituição de Weimar (social- democrata) e da Constituição americana (liberal-individualista). Criou a Justiça do Trabalho, e um de seus ápices foi proibir as diferenças salariais por discriminação de sexo, idade, nacionalidade ou estado civil. 17 Com o Golpe de Getúlio Vargas, em 1937, instalou-se o regime ditatorial. O Congresso foi fechado, tendo sido dada competência normativa aos tribunais trabalhistas. Esta Constituição de 1937 foi outorgada por Getúlio, com apoio das Forças Armadas, e tinha índole corporativa. No campo dos direitos individuais, a Carta de 37 manteve o elenco de direitos da Constituição anterior e garantiu direitos coletivos como: reconhecimento dos sindicatos, a imposição da contribuição sindical e a unicidade sindical, além da previsão para o contrato coletivo de trabalho. A greve e o lockout foram considerados recursos antissociais.18 Durante o período ditatorial da era Vargas, importantes conquistas trabalhistas ocorreram, como por exemplo: Em 1942, o Ministério do Trabalho nomeou comissão para elaborar uma Consolidação, sendo seu trabalho convertido no Decreto-lei n. 5.452, de 01.05.1943: Consolidação das Leis do Trabalho. 19 A CLT é o mais importante texto legal trabalhista no Brasil, sendo um divisor de águas, entre a fase encachoeirada das leis esparsas e a do seu represamento sistemático. É um marco do progresso técnico-legislativo brasileiro. Ainda hoje, apesar de retalhada, permanece como texto básico, e, a partir de seu advento, a produção doutrinária brasileira aumentou consideravelmente, e foi ganhando consistência e elevação.20

17

MAGANO, Octávio Bueno; MALLET, Estevão. O direito do trabalho na constituição. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 11.

18

MAGANO, Octávio Bueno; MALLET, Estevão. O direito do trabalho na constituição. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 17.

19

CATHARINO, José Martins. Compêndio universitário de direito do trabalho. São Paulo: Ed. Jurídica e Universitária, 1972, v. 1, p. 27-32.

20

CATHARINO, José Martins. Compêndio universitário de direito do trabalho. São Paulo: Ed. Jurídica e Universitária, 1972, v. 1, p. 26.

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Em 1945, a derrubada de Getúlio Vargas, levou a elaboração da Constituição de 1946. A despeito de sua função democrática, ela manteve íntegras as linhas mestras do corporativismo. O trabalho foi definido também como obrigação social e o sindicato concebido como ente apto a exercer funções delegadas pelo poder público.21 Um marco histórico para o Brasil ocorreu em março de 1964, quando se instalou o regime militar no país, cujo objetivo era o de priorizar a política econômica e combater a inflação, provocando com isso, a submissão da política trabalhista aos ditames da economia, assim, “a evolução do Direito do Trabalho é refreada, em benefício de medidas de economia pura, notadamente financeiras, com vistas a resultados de curto prazo”.22 Esta ditadura militar, implantada no Brasil em 1964 através do golpe militar, trouxe modificações significativas à sociedade. O golpe civil-militar que culminou com o retorno do regime ditatorial, por sua vez, produziu a Constituição de 1967.23 Idealizada sob a doutrina da segurança nacional, a carta de 1967 apresentou poucas inovações no campo do direito do trabalho, porém todas elas significativas. Dentre elas destaca-se o preceito relacionado com o direito social, a valorização do trabalho como condição da dignidade humana, bem como a retirada do rol dos princípios programáticos, o trabalho como obrigação social.24 A partir da metade da década de 80, mais especificamente no início de 1985 começou de forma lenta e gradual o processo de redemocratização do país.25 Esta redemocratização culminou com a Constituição de 1988, particularmente chamada de Constituição Cidadã. A nova Constituição, ao retomar o homem como figura principal a ser protegida, abandonou o conceito individualista e privatista, buscando priorizar o coletivo, o social 21

MAGANO, Octávio Bueno; MALLET, Estevão. O direito do trabalho na constituição. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 17-18.

SILVA, Walküre Lopes Ribeiro da. Direito do trabalho brasileiro: principais aspectos de sua evolução histórica e as propostas de modernização. Revista Tribunal Superior Do Trabalho, Brasília, v. 69, n. 2, jul./dez. 2003, p. 130-131.

22

23

SADER, Emir Simão. A transição no Brasil. São Paulo: Atual, 1991, p. 18.

24 MAGANO, Octávio Bueno; MALLET, Estevão. O direito do trabalho na constituição. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 20-22. “Art. 1º Fica instituído o vale-transporte, que o empregador, pessoa física ou jurídica, antecipará ao empregado para utilização efetiva em despesas de deslocamento residênciatrabalho e vice-versa, através do sistema de transporte coletivo público, urbano ou intermunicipal e/ou interestadual com características semelhantes aos urbanos, geridos diretamente ou mediante concessão ou permissão de linhas regulares e com tarifas fixadas pela autoridade competente, excluídos os serviços seletivos e os especiais”.

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e a dignidade da pessoa. Com isso, houve uma intensa evolução, pois ela arrola inúmeros direitos aos trabalhadores, visando a melhoria de sua condição ao social, porém, por outro lado, também forneceu instrumentos para a flexibilização de direitos trabalhistas.26 Nos últimos anos, o direito do trabalho vem passando por avanços, mas também por alguns retrocessos. Atualmente é possível observar que a tutela dos trabalhadores vem sendo apontada pelos empregadores, principalmente a classe empresarial, “como a responsável na criação de fatores de rigidez do mercado de emprego e dos altos custos nas relações de trabalho, contribuindo para o decréscimo dos índices de emprego e consequentemente, para um estímulo ao desemprego”.27 É utilizada a expressão flexibilização do Direito do Trabalho para se referir a um contexto de mudanças na legislação trabalhista, “enraizado no poder discricionário dos atores sociais sob a aplicação dos dispositivos legais, ocorrendo assim, a autorização para que as normas e leis possam ser alteradas de forma a diminuir sua abrangência, reduzindo, dessa forma, a proteção ao trabalhador”.28

PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO Em matéria de direito trabalhista, é recorrente o debate acerca dos fundamentos constitucionais de proteção ao trabalho, pois a Constituição de 1988 enquadra os direitos sociais em seu texto, e ao assumir posição em relação às garantias e direitos fundamentais do trabalho, automaticamente são reconhecidos os pressupostos filosóficos e políticos que vêm circundar seus processos de legitimação através da hermenêutica constitucional.

26

SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 54.

PORTELA, Liana Maria Mota Dos Santos Rocha. A flexibilização no direito do trabalho. Disponível em: <http://www.faete.edu.br/revista/Prof.%20Liana.pdf>. Acesso em: 06 nov. 2014. 27

GOLDSCHMIDT, Rodrigo. Flexibilização dos direitos trabalhistas: ações afirmativas da dignidade da pessoa humana como forma de resistência. São Paulo: LTr, 2009, p. 116-121. 28

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Assim, o direito do trabalho é erigido a status constitucional, devido a sua importância nas sociedades modernas, além de forma de inserção do ser humano no espaço sócio-político-econômico ao qual pertença.29 O direito do trabalho é resultado da conquista humana, oriundo de lutas pela busca de melhores condições trabalhistas, com o objetivo de resguardar a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, a proibição à discriminação, além da procura pela igualdade substancial do hipossuficiente através de uma efetiva proteção.30 Os princípios são amplamente utilizados neste ramo do direito, e segundo Amauri Mascaro do Nascimento, eles possuem uma tríplice função: Primeira, a função interpretativa, da qual são um elemento de apoio. Segunda, a função de elaboração do direito do trabalho, que auxiliam o legislador. Terceira, a função de aplicação do direito, na medida em que servem de base para o juiz sentenciar.31

Através desta divisão, observa-se que os princípios dão apoio para a interpretação das normas e fatos no contexto das relações de trabalho, além de auxiliarem o legislador na elaboração do próprio arcabouço jurídico do direito do trabalho e ainda servem de base para que o magistrado possa aplicar o direito quando emite sua decisão através da sentença. De forma bastante profunda, Cezar Brito, diz que: A caracterização do Direito ao Trabalho como princípio fundamental inerente à dignidade da pessoa humana é fruto do eterno aperfeiçoamento do conceito de humanidade. Direito ao Trabalho e humanidade fazem parte, nesta linha de caminhada, da mesma trilha evolutiva do ser humano enquanto razão de ser da política de Estado. Assim, não se tem dúvida de que história democrática

29 CARVALHO, Moisés Nepomuceno. Fundamentos constitucionais de proteção ao trabalho: análise de um julgado do Tribunal Superior do Trabalho e a definição dos núcleos essenciais dos direitos sociais. Brasília, set. 2013, p. 8. Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus .br/dspace/handle /1939/34359>. Acesso em: 03 nov. 2014. 30 GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Élson. Curso de direito do trabalho. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 10-11. 31 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 286. ORGANIZADORES:

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de um povo tem íntima relação com os mecanismos de controles sociais sobre o Direito ao Trabalho e à forma em que é regulada ou autorizada a sua defesa enquanto princípio fundamental.32

Portanto, o direito do trabalho, enquanto direito social elevado à categoria de direito constitucional precisa ser protegido, pois dele depende as garantias inerentes à dignidade da pessoa humana.33 No artigo 8º da CLT há previsão legal sobre a utilização de princípios na resolução de litígios, em que ocorram interesses divergentes. Assim, os princípios, quando integrantes da interpretação da CLT, têm a função de integrar, cabendo-lhes o papel de orientar a correta compreensão das normas que tenham presente alguma obscuridade.34 Eles são, no mínimo, valores construídos historicamente para pôr as pessoas à prova, isto é, para que se possa refletir o poder de compreensão do mundo e o compromisso de interagir com ele.35 A seguir passa-se a estudar o principal princípio do direito do trabalho, e sua classificação, segundo Américo Plá Rodriguez.

PRINCÍPIO PROTETOR Especificamente, no direito do trabalho, há um princípio maior, o protetor. Sua finalidade de origem é a proteção jurídica do trabalhador, buscando uma compensação para a posição inferior em que este se encontra na relação contratual trabalhista, devido à subordinação e dependência em relação ao empregador.36 32 BRITO, Cezar. Aspectos históricos e ideológicos na construção do direito ao trabalho. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 78, n. 1, jan. /

mar. 2012, p. 46.

33 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Curso de direito do trabalho: teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2011, v. 1, p. 154. 34 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 26.

ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 122.

35 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Curso de direito do trabalho: teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2011, v. 1, p. 156. 36

RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Traduzido por Wagner D. Giglio. 3. ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 25.

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É o princípio protetivo ou da tutela, o que mais caracteriza o Direito do Trabalho, em função da tentativa de nivelar desigualdades, objetivando dar um amparo preferencial a uma das partes, considerada hipossuficiente: o trabalhador.37 Para Alice Monteiro de Barros, O princípio da proteção é consubstanciado na norma e na condição mais favorável, cujo fundamento se subsume à essência do Direito do Trabalho. Seu propósito consiste em tentar corrigir desigualdades, criando uma superioridade jurídica em favor do empregado, diante de sua condição de hipossuficiente.38

Na visão de Mauricio Godinho Delgado, o princípio tutelar influi amplamente no direito individual do trabalho, na própria perspectiva de sua construção, no seu desenvolvimento e sua forma de atuar como direito.39 Na relação jurídica de emprego, o polo mais fraco deve receber tratamento jurídico superior, através de medidas protetoras, com a finalidade de ser alcançada a efetiva igualdade substancial, em vista que, normalmente, seus titulares se apresentam em posições socioeconômicas desiguais, assim, o equilíbrio que falta na relação de trabalho é buscado através do princípio protetor.40 Este ramo do direito se estrutura em regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia, o obreiro, visando atenuar, no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho.41

37

SUSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de direito do trabalho. 20. ed. São Paulo: Ltr, 2002, v.1, p. 145-147.

38

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2013, p. 142.

39

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 183.

40

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de direito do trabalho. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 35.

41

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 183.

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Por ter natureza profundamente diversa da dos demais ramos do direito, o direito do trabalho, imbuído de idealismo, não se limita a regular a realidade da vida da sociedade, mas procura sua transformação. Ele pressupõe a desigualdade das partes, e, tentando equipará-las, outorga superioridade jurídica ao trabalhador, para compensar sua inferioridade econômica e social diante do empregador.42 Américo Plá Rodriguez, em relação ao princípio da proteção, adota a clássica divisão: in dúbio pro operário; condição mais benéfica e norma mais favorável. Ele faz uma análise quanto à fundamentação do princípio da proteção e de que forma o direito do trabalho pode ser interpretado a partir da debilidade econômica e da inseparabilidade da prestação do trabalho da pessoa do trabalhador. Defende ainda a tese de que, num primeiro momento, o legislador não mais pôde manter a ficção de igualdade existente entre sujeitos do contrato do trabalho e inclinou-se para uma compensação jurídica dessa desigualdade econômica desfavorável ao trabalhador.43

O DANO MORAL NAS RELAÇÕES DE EMPREGO O dano moral no âmbito do direito do trabalho, embora ainda pouco debatido, apresenta um ambiente dos mais propícios para sua configuração, em vista das peculiaridades da relação contratual trabalhista e da dimensão que assume na defesa dos valores inerentes ao trabalhador empregado, como o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988.44 Tais valores, como o da personalidade, da dignidade, da privacidade, além de outros, “se sobrelevam quando aludem ainda à dignidade do trabalho, princípio basilar dos direitos sociais prescritos no art. 5º, inciso XIII e caput do art. 6º da Carta Magna”.45

42

GIGLIO, Wagner D. Direito processual do trabalho. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 84.

43

RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Traduzido por Wagner D. Giglio. 3. ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 38-39.

44

SUSSEKIND, Arnaldo. Dano moral na relação de emprego. Revista do Direito Trabalhista, jun./95, p. 45.

45

REIS, Clayton. A reparação do dano moral no direito trabalhista. Revista Tribunal Regional do Trabalho. 9ª Reg., Curitiba, a. 33, n. 60, jan./jun. 2008, p. 4.

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Inequivocamente, todas essas espécies de lesão a direito personalíssimo e, pois, passíveis de caracterizar dano moral, encontram no Direito do Trabalho o campo propício e fértil por excelência. O que bem se compreende, visto que o Direito do Trabalho confere especial dimensão à tutela da personalidade do trabalhador empregado, em virtude do caráter pessoal, subordinado e duradouro da prestação de trabalho.46

Até bem pouco tempo, as ações com o objetivo de indenização por dano moral não eram julgadas pela Justiça do Trabalho. Apesar da pretensão ser originada através da relação de trabalho, entre empregador e empregado, ela teria que ser julgada pela justiça estadual, o que prejudicava em muito o empregado, pois ele não estava, assim, protegido pelos princípios protetivos característicos da justiça do trabalho.47 Esta realidade só veio a mudar com a publicação da Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, que acrescentou o inciso VI ao art. 114 da Constituição Federal de 1988, definindo assim, de forma cristalina, a possibilidade de indenização dos danos morais em decorrência das relações trabalhistas.48 Notadamente, através do contrato de trabalho ocorre o vínculo entre dois sujeitos, que materialmente são desiguais, visto que entre ambos há uma relação de poder por parte do empregador. O empregado se subordina, é a parte mais fraca, situação inexistente em nenhuma outra espécie de contrato, que tem como princípio a igualdade entre as partes.49 Com isso, ao exercer o poder diretivo, o empregador utiliza um direito seu, contudo, ao fazê-lo, deve respeitar os limites da ordem jurídica, caso contrário, estando configurado o excesso, resta ultrapassado o limite da licitude. Do outro lado, em uma posição de inferioridade encontra-se

46

DALAZEN, João Oreste. Aspectos do dano moral trabalhista. Revista Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 65, n.1. Out./Dez. 1999, p. 69.

47

MIRANDA, Maria Bernadete. O Dano moral no direito do trabalho. Disponível em: <http://www.direitobrasil.adv.br/arquivospdf/aulas/dt/A8.pdf>. Acesso em: 27 set.14.

48

DALAZEN, João Oreste. Aspectos do dano moral trabalhista. Revista Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 65, n.1. Out./Dez. 1999, p. 72.

49

FLORINDO, Valdir. Dano moral e o direito do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2002, p. 126.

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o empregado, sendo que sua fragilidade caracteriza a sua hipossuficiência. A capacidade de dialogar, de opor-se, de resistir e de reagir, é mínima, fato que demonstra a necessidade de proteção jurídica do direito, tal como ocorre nas relações consumeristas.50 Consta na alínea “e” do art. 483 da CLT, que o ato praticado pelo empregador contra o empregado ou pessoa de sua família, lesivo da honra ou boa fama, que ofenda sua moral, é passível de rescisão indireta do contrato de trabalho, podendo o empregado requerer a devida indenização material.51 Porém, ao se estudar a responsabilidade civil chega-se à conclusão que ela advém de uma relação jurídica, como por exemplo, um contrato ou qualquer outra obrigação protegida pela lei, em que existe a garantia de, em caso de um dano, ocorrer a reparação civil deste dano, material ou patrimonial. Portanto, na esfera da responsabilidade trabalhista, o dano causado a uma das partes da relação de trabalho, em decorrência do vínculo trabalhista, também é passível de reparação, mesmo que moral. 52 Quando a ofensa repercute na própria pessoa do ofendido, algo que faça mal a sua alma, que produza dor íntima, interna, mesmo não sendo exposta às demais pessoas, o dano moral de natureza individual é considerado subjetivo ou interior. Porém, quando verificada a existência de projeção social das ofensas, isto é, ocorrendo repercussão em relação ao meio social, este dano será objetivo ou exterior.53

O DANO MORAL PELO INADIMPLEMENTO OU PELA MORA DE VERBAS SALARIAIS O salário é a remuneração que o trabalhador empregado recebe pelo serviço que executa, é a contraprestação pecuniária em consequência de sua dedicação e esforço, possuindo natureza alimentar. Essa pessoa física, que vive fundamentalmente de seu trabalho como empregado, tem JUCA, Francisco Pedro. Dano moral no âmbito trabalhista: algumas reflexões. Disponível em: <http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FDir/Artigos/francisco.pdf>. Acesso em:19 mar. 2014.

50

BRASIL. Presidência da República. Decreto-lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em 06 abr. 2014. 51

52

BELMONTE, Alexandre Agra. Responsabilidade por danos morais nas relações de trabalho. Revista Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 73, n. 2, abr./jun. 2007, p. 159.

53

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2013, p. 503.

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no salário o único meio de prover suas necessidades básicas e de sua família, como a alimentação, a educação, a moradia, o transporte, a saúde etc.54 A real importância social do salário quanto a sua finalidade alimentar na vida dos empregados é tamanha que o constituinte se preocupou em deixá-la transparente no texto constitucional através do art. 5º, LXVII55; art.7º, IV e X56 e art. 100, §1º.57 Neste sentido, corrobora Gilson Araújo ao afirmar que: Certo é que há uma expectativa da contraprestação pecuniária pelo esforço e dedicação do trabalhador. Por possuir finalidade alimentar, seu não pagamento causa grave perturbação na vida do trabalhador e na vida da própria sociedade em que está inserido. O trabalhador vive fundamentalmente do seu trabalho, se o mesmo não recebe o que lhe é devido há uma desestabilização em suas relações sociais. O atraso do salário implica prejuízo certo ao empregado, na medida em que as multas e os juros moratórios das obrigações não adimplidas pelo trabalhador consumirão boa parte do salário, senão todo, sem ter o obreiro ter tido a intenção de dar-lhe causa.58

54

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 494.

55

Art. 5º, LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;

56

Art. 7º, X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa.

Art. 100, § 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.

57

ARAUJO, Gilson. O dano moral pelo atraso dos salários. Disponível em: <http://gilsonjus. jusbrasil .com.br/artigos /112193961/o-dano-moral-pelo-atraso-dos-salarios>. Acesso em: 22 mar. 2015.

58

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Muitos são os casos vistos nos tribunais sobre o inadimplemento e a mora salarial. A CLT, no § 1º do art. 459, prevê o direito do empregado em receber o salário o mais tardar até o quinto dia útil do mês subsequente ao vencido, salvo o concernente a comissões, percentagens e gratificações. Essa regra permite que o empregado possa organizar-se financeiramente e pessoalmente para esta data. 59 No caso de ser ultrapassada esta data limite, a Súmula 381 do TST prevê a incidência da correção monetária: O pagamento dos salários até o 5º dia útil do mês subsequente ao vencido não está sujeito à correção monetária. Se essa data limite for ultrapassada, incidirá o índice da correção monetária do mês subsequente ao da prestação dos serviços, a partir do dia 1º.60

Apesar da incidência da correção, o inadimplemento salarial, ou mesmo o atraso reiterado provoca diversos prejuízos ao empregado, em vista da natureza alimentar do salário e o dano que o empregador pode causar ao não cumprir com sua obrigação. Assim leciona Amauri Mascaro do Nascimento: [...] ter um salário para prover as necessidades mínimas de subsistência é uma questão de dignidade do ser humano. O salário vital é um direito fundamental porque corresponde a uma renda mínima. Tendência essa necessária para que numa sociedade justa as pessoas desfavorecidas tenham um mínimo necessário que permita fazer frente aos gastos indispensáveis para sua manutenção e de sua família.61

“Art. 459 – O pagamento do salário, qualquer que seja a modalidade do trabalho, não deve ser estipulado por período superior a 1 (um) mês, salvo no que concerne a comissões, percentagens e gratificações. § 1º Quando o pagamento houver sido estipulado por mês, deverá ser efetuado, o mais tardar, até o quinto dia útil do mês subsequente ao vencido”

59

60

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. SÚMULA n. 381 do TST. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/sumulas>. Acesso em: 15 nov. 2014.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 812.

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Durante muito tempo, a justiça do trabalho resistiu em reconhecer como devida a indenização por dano moral, o inadimplemento ou a mora salarial. Não existe outra solução para coibir tais arbitrariedades do que a responsabilização do empregador pelo dano causado ao trabalhador.62 Duas correntes doutrinárias discutem o dano moral. A primeira leva em conta os pressupostos necessários para sua caracterização, defendendo a necessidade de se comprovar a dor, isto é, não é possível se restringir apenas à narrativa dos fatos, sendo indispensável à demonstração, pelo autor, da extensão da lesão sofrida, pois ela será o parâmetro para fixação da indenização caso se chegue a uma condenação. Já a segunda entende que basta comprovar o nexo causal entre o ato praticado pelo agente e o dano que, por sua vez, se presume, não estando assim em questão à prova do prejuízo, mas a violação de um direito constitucionalmente previsto.63 Nas próximas páginas, analisar-se-ão alguns acórdãos do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região e do Tribunal Superior do Trabalho. a) Posicionamentos desfavoráveis à concessão da indenização por dano moral decorrente do inadimplemento ou pela mora salarial. Processo originário da 1ª Vara do Trabalho de Santa Rosa, julgado pela 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, em 2007: DANO MORAL. ATRASO E PAGAMENTO PARCIAL DE SALÁRIOS. O atraso e/ou o não-pagamento de determinados salários não caracteriza dano com dimensão moral, embora presumíveis as consequências negativas daí advindas na vida do trabalhador. Imprescindível que, substrato do inadimplemento do salário, fique demonstrado o dolo na retenção dos salários. Hipótese em que a reclamada enfrentou dificuldades financeiras e, não se percebendo o dolo, é indevida a indenização por dano moral. Recurso Improvido. (TRT4. RO n. 0018600-70.2007.5.04.0751. Relatora Desemb. Maria Inês Cunha Dornelles. Data do Julgamento: 12/12/2007).64 (Grifouse) ARAUJO, Gilson. O Dano Moral pelo atraso dos salários. Disponível em: <http://gilsonjus. jusbrasil .com.br/artigos /112193961/o-dano-moral-pelo-atraso-dos-salarios>. Acesso em: 22 mar. 2015.

62

63

GABRIEL, Sérgio. Dano moral e indenização. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2821>. Acesso em: 21 mar. 2015.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região. Recurso Ordinário n. 0018600-70.2007.5.04.0751. Relator Desemb. Maria Inês Cunha Dornelles. Data do Julgamento: 12/12/2007. Disponível em: <http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/consulta_rapida/Consulta Processualindow?svc=consultaBean&nroprocesso=00186-2007-751-0400-0&operation =doProcesso &action=2&intervalo=90>. Acesso em: 06 mai. 2015. 64

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Segundo a decisão acima, apesar de ser presumível que o inadimplemento ou mora salarial traz consequências negativas na vida do trabalhador, não se entendeu ser o bastante para caracterizar dano com dimensão moral. A decisão levou em conta que a empresa enfrentou dificuldades financeiras, vinculadas à crise generalizada da economia, apesar do previsto no art. 2º da CLT, que determina que o risco da atividade é da empresa e não pode passar para a esfera do empregado, a alegação foi da inexistência de dolo na conduta da empresa ao não adimplir com as obrigações contratuais, entendendo-se indevida a indenização pelo dano moral.65 Processo originário da 2ª Vara do Trabalho de São Leopoldo, julgado pela 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, também teve o entendimento de não ser cabível a indenização pelo dano moral. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. INADIMPLEMENTO SALARIAL. A legislação trabalhista dispõe de meios próprios para reparar o atraso no adimplemento dos salários, sendo indevida a reparação por danos morais postulada. Recurso Improvido. (TRT4 - RO n. 0038700-08.2008.5.04.0332. Relatora Desemb. Cleusa Regina Halfen. Data do Julgamento: 04/03/2010.)66

Foi negado provimento ao recurso quanto ao pedido de indenização por danos morais decorrentes da mora ou inadimplemento salarial pelo argumento de que, neste caso, o empregado tem a opção à indenização prevista no art. 483 da CLT, que autoriza a rescisão do contrato de trabalho quando o empregador incorrer nas faltas apostadas na reclamatória trabalhista (mora habitual e inadimplemento dos salários). Entendendo-se que

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região. Recurso Ordinário n. 0018600-70.2007.5.04.0751. Relator Desemb. Maria Inês Cunha Dornelles. Data do Julgamento: 12/12/2007. Disponível em: <http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/consulta_rapida/Consulta Processualindow?svc=consultaBean&nroprocesso=00186-2007-751-0400-0&operation =doProcesso &action=2&intervalo=90>. Acesso em: 06 mai. 2015. 65

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região. Recurso Ordinário n. 0038700-08.2008.5.04.0332. Relatora Desemb. Cleusa Regina Halfen. Data do Julgamento: 04/03/2010. Disponível em: <http://gsa5.trt4.jus.br/search?q=cache:DzgzmUJJSyoJ:iframe.trt4.jus.br /gsa/gsa. jurisp _ sdcpi.baixar%3Fc%3D33733782+i nadimplemento+salarial+mero+dissabor+inmeta: DATA _DOCUMENTO:2005-06-07..2010-06-07++&client=jurisp&site=jurisp_sp&output=xml_ no_dtd &proxystylesheet=jurisp &ie=UTF-8&lr=lang_pt&proxyreload=1&access=p&oe=UTF-8>. Acesso em: 06 mai. 2015.

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o atraso no pagamento dos salários, por si só, não constitui agressão à personalidade do trabalhador, inexistindo lesão a ser reparada, nos termos do art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal. 67 Nota-se tal entendimento no acordão da 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho: RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – ATRASO NO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS. A jurisprudência que se consolida nesta Corte é no sentido de considerar que a mera presunção de que o atraso no pagamento dos salários gera prejuízo ao patrimônio imaterial do trabalhador não justifica a condenação do empregador ao pagamento de indenização por danos morais, devendo haver prova inconteste naquele sentido, o que não ocorreu na hipótese. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. Prejudicada a análise do tema dano moral - valor da indenização. [...] (RR-68500-95.2009.5.09.0562, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, 2ª Turma, DEJT 01/02/2013).68 (grifou-se)

É possível observar pelo julgado acima, que o entendimento dos julgadores foi de que o atraso no pagamento de salário, por si só, não determina a violação de direito reconhecível a ensejar a indenização por dano moral, pois não há provas, no processo, de que houve dano à honra do trabalhador. Assim sendo, não se pode banalizar, sob pena de esvaziá-los, os institutos criados pelo Direito para proteger o trabalhador contra condutas efetivamente lesivas a sua honra, aplicando-o de forma generalizada. Desta forma, a empresa não pode ser responsabilizada pelas obrigações pessoais do empregado.69 O mero atraso no pagamento de salários não produz nenhum dano ou abalo ao trabalhador, quanto aos BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região. Recurso Ordinário n. 0038700-08.2008.5.04.0332. Relatora Desemb. Cleusa Regina Halfen. Data do Julgamento: 04/03/2010. Disponível em: <http://gsa5.trt4.jus.br/search?q=cache:DzgzmUJJSyoJ:iframe.trt4.jus.br /gsa/gsa. jurisp _ sdcpi.baixar%3Fc%3D33733782+inadimplemento+salarial+ mero+dissabor+inmeta: DATA _DOCUMENTO:2005-06-07..2010-06-07++&client=jurisp&site=jurisp_sp&output=xml_ no_dtd &proxystylesheet=jurisp&ie=UTF-8&lr=lang_ pt&proxyreload=1&access=p&oe=UTF-8>. Acesso em: 06 mai.2015.

67

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista n. 68500-95.2009.5.09.0562. Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva. Data do Julgamento: 01/02/2013. Disponível em: http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR%20-%20 68500-95.2009.5.09.0562&base=acordao &rowid=AAANG hAAFAAAKGhAAF&dataPublicacao=01/02/2013&localPublicacao=DEJT&query= >. Acesso em: 07 abr. 2015. 68

LINS, Karina Braz do Rego. Atraso de salário não gera indenização por danos morais. Disponível em: <http://queirozcavalcanti.adv.br/publicacoes/atraso-de-salario-naogera-indenizacao-por-danos-morais-karina-braz/>. Acesso em: 23 mai. 2015.

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valores inerentes à personalidade da pessoa humana, quando desta conduta não tenha decorrido algum constrangimento pessoal, em vista de entender que o que gera o dano não é a mora salarial em si, mas as consequências eventualmente advindas desse atraso. Igualmente, a 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu, RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ATRASO NO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS. AUSÊNCIA DE PROVA. A Jurisprudência desta C. Corte é no sentido de que o mero atraso do pagamento de salários não enseja o pagamento de indenização a título de dano moral, até porque, por presunção, detém a parte de meio legal próprio para a reparação do descumprimento do pagamento no prazo, o que ocorreu no presente caso. Assim, deve haver prova inconteste da existência de dano moral, o que não ocorreu no caso dos autos. Precedentes. Recurso de Revista não conhecido." (RR-3450700-19.2007.5.09.0008, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, DEJT 15/02/2013).70 (grifou-se)

A alegação dos que defendem que o atraso no pagamento de salários não gera a presunção de que o trabalhador sofreu dano moral, é a de que para configurar-se o dano moral, o trabalhador precisa comprovar o inadimplemento das obrigações junto ao comércio, e que isto resultou em situação vexatória, ou que por este motivo foi inscrito junto ao cadastro de inadimplentes de órgão de proteção ao crédito.71 Desta forma, o entendimento desta primeira corrente, que se posiciona desfavorável à indenização por danos morais, é de que a empresa não tem nenhuma relação com as dívidas assumidas pelo empregado. Não sendo doloso o inadimplemento salarial, não há que se falar em

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista n. 3450700-19.2007.5.09.0008, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga. Data do Julgamento: 15/02/2013. Disponível em: <https://aplicacao5.tst.jus.br/consultaProcessual/resumoForm.do?consulta=1&numeroInt=46664&anoInt=2014 >. Acesso em 07 abr. 2015.

70

COSTA, Dora Maria. Atraso de salário não dá direito à indenização por danos morais. Disponível em: < http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI122047,81042TST+Atraso+de+ salario+nao+ da +direito +a+indenizacao+por+danos+morais>. Acesso em: 23 maio 2015. 71

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indenização por dano moral, visto que o empregado pode valer-se da rescisão indireta para romper o vínculo e pedir reparação pelos prejuízos materiais, como multas que tenha sido obrigado a pagar junto aos credores pelos atrasos salariais.72 A seguir passa-se a analisar a segunda corrente que vem crescendo nos últimos anos e entende que sim, a mora ou o inadimplemento salarial é motivo para o pagamento da indenização por dano moral. b) Posicionamentos favoráveis ao reconhecimento da indenização pelo dano moral. O acordão é do Recurso ordinário proveniente da Vara do Trabalho de Santiago, julgado pela 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. RECURSO ORDINÁRIO DA SEGUNDA RECLAMADA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO TOMADOR DE SERVIÇOS. ECT. Inteligência do entendimento constante da Súmula 331, itens IV, V e VI, do TST. Hipótese em que demonstrada a conduta culposa do ente público tomador dos serviços, no cumprimento da obrigação de fiscalização prevista na Lei nº. 8.666/93. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. O inadimplemento salarial enseja o pagamento de indenização por dano moral, independentemente da comprovação da existência e extensão do dano, uma vez que este é presumido, em virtude do caráter alimentar do salário. (TRT 4. RO n. 0000453-03.2014.5.04.0831.Relator Desemb. João Batista de Matos Danda. Data do Julgamento: 19/05/2015).73 (Grifou-se)

72 SOARES, Elisângela Diniz. A Indenização por dano moral pelo inadimplemento das verbas rescisórias. 2013. 155 f. TCC (Graduação em Direito). Centro Universitário Christus Curso de Direito. Ceará, Fortaleza. 2013. Disponível em: < http://www.fchristus.com.br/downloads/tcc-cursos/direito/2013/A%20INDENIZACAO%20POR%20DANO%20 MORAL%20PELO%20INADIMPLEMENTO.pdf>. Acesso em: 06 abr. 2015. 73 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região. Recurso Ordinário n. 0000453-03.2014.5.04.0831. Relator Desemb. João Batista de Matos Danda. Data do Julgamento: 19/05/2015. Disponível em: <http://gsa5.trt4.jus.br/search?q=cache:OHG6gnRIvzkJ:iframe.trt4.jus.br /gsa/gsa.jurisp_sdcpssp.baixar%3Fc%3D53408219+inadimplemento+salarial+ inmeta:DATA_DOCUMENTO:2014-06-07..2015-06-07++&client=jurisp&site=jurisp_sp&output=xml nodtd&proxystylesheet =jurisp&ie=UTF-8&lr=langpt&proxyreload= 1&access =p&oe =UTF-8>. Acesso em: 06 mai. 2015. ORGANIZADORES:

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No caso acima, as empregadoras, ao deixarem de adimplir os salários da empregada no prazo legal (art. 459, § 1º da CLT), causaramlhe prejuízo, na medida em que não pôde honrar seus compromissos financeiros. Ora, o salário é a fonte primária da subsistência e o seu não pagamento conduz o empregado a uma situação de vulnerabilidade incontornável. Com isso, fica claro o dano moral causado à empregada, porquanto tinha a expectativa de poder cumprir seus compromissos com os recursos advindos da relação laboral, o que não logrou atender em razão do ato patronal de deixar de pagar os salários. Desta forma, a atitude da empregadora, além do prejuízo econômico, causou à funcionária, insegurança e sofrimento, devendo ser reparado o dano extrapatrimonial. 74 Neste mesmo sentido tem-se o Recurso Ordinário da 2ª Vara do Trabalho de Bento Gonçalves, julgado pela 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. DANO MORAL. MORA SALARIAL. O não pagamento de salários, além de justificar a rescisão indireta do contrato de trabalho, traz implícita presunção de dano decorrente de tal conduta. Presumível que a reclamante, no caso, teve dificuldades em honrar compromissos financeiros básicos de modo a exigir a reparação por dano moral. Recurso provido. (TRT4 RO n. 000135307.2013.5.04.0512. Relator Desemb. Marçal Henri dos Santos Figueiredo. Data do Julgamento: 29/04/2015).75 (Grifou-se)

O argumento para o provimento do recurso é de que o não pagamento dos salários ou mesmo o atraso reiterado gera no empregado angústia e incerteza frente à sua necessidade básica de subsistência, dada a natureza alimentar do mesmo. Nesse caso, é dispensada a prova a este respeito, pois o dano é presumido. Desta forma, o inadimplemento salarial reiterado por culpa do empregador importa violação aos direitos 74 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região. Recurso Ordinário n. 0000453-03.2014.5.04.0831. Relator Desemb. João Batista de Matos Danda. Data do Julgamento: 19/05/2015. Disponível em: <http://gsa5.trt4.jus.br/search?q=cache:OHG6gnRIvzkJ:iframe.trt4.jus.br /gsa/gsa.jurisp_sdcpssp.baixar%3Fc%3D53408219+inadimplem ento+salarial+inmeta:DATA_DOCUMENTO:2014-06-07..2015-06-07++&client=jurisp&site=jurisp_sp&output=xml nodtd&proxystylesheet =jurisp&ie=UTF-8&lr=langpt&proxyreload= 1&access =p&oe =UTF-8>. Acesso em: 06 maio 2015. 75 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região. Recurso Ordinário n. 0001353-07.2013.5.04.0512. Relator Desemb. Marçal Henri dos Santos Figueiredo. Data do Julgamento: 29/04/2015. Disponível em: <http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/consulta_lista /ConsultaProcessual Window?svc=consultaBean&action=e&windowstate=normal&mode =view>. Acesso em: 06 mai. 2015. ORGANIZADORES:

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personalíssimos do empregado, sendo devido o pagamento da indenização em função do sofrimento experimentado pelo trabalhador e pelo caráter punitivo e educativo tendente a coibir a reiteração de práticas lesivas desta ordem.76 Outrossim, tem-se o Recurso Ordinário proveniente da 1ª Vara do Trabalho de Bagé, julgado pela 11ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. DANO MORAL. INADIMPLEMENTO SALARIAL. O inadimplemento de salário, gratificação natalina e verbas rescisórias, em período de final de ano, configura dano extrapatrimonial, sendo desnecessária a prova material da sua existência, pois presumido o abalo em face do fato em si (in re ipsa) e das implicações que o senso comum permite concluir dele tenham advindo ao autor e sua família. (TRT4. RO n. 0001170-12.2013.5.04.0811. Relator Desemb. Ricardo Hofmeister de Almeida Martins Costa. Data do Julgamento: 05/03/2015).77

Na situação do acordão acima, ocorreu o inadimplemento salarial dos meses de novembro e dezembro, da gratificação natalina e verbas rescisórias, em período de final de ano. Apesar do juiz de primeira instância ter negado o provimento à indenização, o entendimento da segunda instância foi de que tais circunstâncias configuram dano moral, sendo desnecessária a prova material da sua existência, pois é presumido o abalo em face do fato em si (in re ipsa) e das implicações que o senso comum permite concluir dele tenham advindo ao autor e sua família.78

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região. Recurso Ordinário n. 0001353-07.2013.5.04.0512. Relator Desemb. Marçal Henri dos Santos Figueiredo. Data do Julgamento: 29/04/2015. Disponível em: <http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/consulta_lista /ConsultaProcessual Window?svc=consultaBean&action=e&windowstate=normal&mode =view>. Acesso em: 06 mai. 2015.

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BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região. Recurso Ordinário n. 0001170-12.2013.5.04.0811. Relator Desemb. Ricardo Hofmeister de Almeida Martins Costa. Data do Julgamento: 05/03/2015. Disponível em: <http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/consulta _lista/Consulta Processual Window?svc=consultaB ean&nroprocesso=0001170-12.2013.5.04.0811 &operation=doProcesso&action=2&intervalo =90>. Acesso em: 06 mai. 2015. 77

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região. Recurso Ordinário n. 0001170-12.2013.5.04.0811. Relator Desemb. Ricardo Hofmeister de Almeida Martins Costa. Data do Julgamento: 05/03/2015. Disponível em: <http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/consulta _lista/Consulta Processual Window?svc=consultaBean&nroprocesso=0001170-12.2013.5.04.0811 &operation=doProcesso&action=2&intervalo =90>. Acesso em: 06 mai. 2015. 78

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Observa-se, através dos acórdãos examinados, que, no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, no último ano, a tendência predominante é a de conceder a indenização por dano moral nos casos de mora ou inadimplemento salarial. Conforme decisão da 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, observa-se: DANO MORAL. DISPENSA INDEVIDA. NÃO PAGAMENTOS DOS SALÁRIOS. INCLUSÃO DO NOME DO RECLAMANTE NO CADASTRO DE INADIMPLENTES DO SPC E SERASA. Presentes os elementos da responsabilidade civil, quais sejam, ato ilícito não pagamento dos salários do reclamante; o nexo de causalidade - o dano, inclusão do nome do demandante no cadastro de inadimplentes do SERASA e SPC, foi uma consequência do não recebimento dos salários pelo reclamante resultado da sua dispensa indevida; a culpa - caracterizada pela dispensa imotivada do reclamante (consoante premissas fáticas fixadas pelo egrégio Tribunal Regional Incidência da Súmula nº 126); e sendo o dano moral presumível, não há dúvida de que é devida ao reclamante indenização por danos morais. Recurso de Revista não conhecido." (TST; 2ª Turma; RR 101900-70.2007.5.13.0009; Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos; julgado em 30.11.2011).79 (Grifou-se)

A decisão acima levou em conta a comprovação do nexo causal entre o inadimplemento salarial e os prejuízos experimentados pelo trabalhador, demonstrando, com isso, ocorrência do evento danoso e do nexo de causalidade. Havendo, portanto, fato que tenha provocado alguma espécie de dano à esfera moral do trabalhador, é cabível reparação através de compensação pecuniária. Através da condenação por danos morais em dinheiro, busca-se uma compensação pela dor, vergonha e toda espécie de sofrimentos experimentados pela vítima.80

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista n.101900-70.2007.5.13.0009; Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos. Disponível em: < http://aplicacao5. tst.jus.br/ consultaunifi cada 2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&highlight=true&numero Formatado= RR%20-%20101900 -70.2007.5.13.0009&base=acordao&num ProcInt=508934&anoProcInt=2008& data Publicacao =10/02/ 2012%2007:00:00&query=>. Acesso em: 22 mar. 2015.

79

SCHIAVI, Mauro. Deve ser reparado o dano moral sofrido pelo empregado em razão do não pagamento de verbas salarias pelo empregador? Disponível em: <http:// www.lacier.com.br/artigos/periodicos/REPARACAO%20DOS%20DANOS%20MORAIS%20SOFRIDOS%20PELO%20EMPREGADO%20EM%20RAZAO%20DO%20NAO%20 PAGAMENTO%20DE%20VERBAS%20SALARIAS%20PELO%20EMPREGADOR.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2015.

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No sentido de também reconhecer o dano moral, observa-se o seguinte julgado da 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho: RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. ATRASO REITERADO NO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS. DANOS MORAIS. CARACTERIZAÇÃO. O atraso reiterado no pagamento dos salários não pode ser considerado mero inadimplemento contratual que gera dissabor ou aborrecimento decorrente da vida em sociedade. É lesão de natureza grave e, por isso, acarreta danos imateriais passíveis de reparação. Tal conduta do empregador atinge em cheio a dignidade do trabalhador, que faz do seu salário a fonte de subsistência, não raras vezes única, inclusive de sua própria família. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em casos de inadimplemento contratual, afirma a necessidade da configuração dos seguintes requisitos para autorizar o acolhimento do pleito: a) o ato ilícito deve ser capaz de irradiar-se para a esfera da dignidade da pessoa, ofendendo-a de maneira relevante; b) o dano moral indenizável é aquele que provoque sofrimento ou mesmo a humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, chegando a causar-lhe aflição, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Tudo isso está presente nessa hipótese. Recurso de revista de que não se conhece. (TST. RR nº 2279-63.2012.5.23.0004. Relator Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 20/03/2015) 81(Grifou-se)

Desta forma, o julgado acima vem demonstrar que existe uma tendência recente, também no Tribunal Superior do Trabalho, em conceder a indenização por dano moral nos casos de mora ou inadimplemento salarial. É inconteste que um mesmo fato pode gerar danos de ordem moral e patrimonial”82, como já está pacificado pela Súmula 37 Superior Tribunal de Justiça, “são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.83 BRASIL. Recurso de Revista nº 2279-63.2012.5.23.0004. Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/03/2015. Disponível em: <http://aplicacao5 .tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html& highlight =true& numeroFormatado=RR%20-%20 2279-.2012.5.23.0004&base=acordao&rowid =AAANGhAB IAAAG svAAR&dataPublicacao=20/03/2015&localPublicacao=DEJT&query= inadimplemento%20and% 20salarial%20 and%20dano%20and%20moral>. Acesso em: 28 mar. 2015. 81

SCHIAVI, Mauro. Deve ser reparado o dano moral sofrido pelo empregado em razão do não pagamento de verbas salarias pelo empregador? Disponível em: <http:// www.lacier.com.br/artigos/periodicos/reparacao%20dos%20danos%20morais%20sofridos%20pelo%20empregado%20em%20razao%20do%20nao%20pagamento%20de%20 verbas%20salarias%20pelo%20empregador.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2015.

82

83

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. SÚMULA n. 37 do STJ. Disponível em: < http://www.legjur.com/sumula/busca?tri=stj&num=37>. Acesso em: 15 nov. 2014.

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Com isso, é: [...] indiscutível que o empregador não tem dolo direto ou eventual para a causar do dano moral, entretanto, sua conduta em não pagar as verbas de caráter trabalhista ao empregado, máxime o salário, atenta contra a dignidade do trabalhador, sendo certo que incorre em culpa para a eclosão do dano moral, pois sem o salário, o empregado não paga as suas contas e em razão disso, tem seu direito de crédito abalado e colocação de seu nome nos Serviços de Proteção ao Crédito.84

Para José Affonso Dallegrave Neto, não há, tampouco, a necessidade de comprovação do dano moral sofrido, eis que “o dano moral se caracteriza pela simples violação de um direito geral de personalidade, sendo a dor, a tristeza ou o desconforto emocional da vítima sentimentos presumidos (presunção hominis) de tal lesão e, por isso, prescindíveis de comprovação em juízo”.85 Embora haja exceções, os empregados, em regra, vivem do salário do mês. O argumento utilizado por certos juristas de que é necessário provar o nexo causal entre a conduta do empregador e o prejuízo sofrido pelo empregado (perda de crédito, inclusão no cadastro de inadimplentes de órgão de proteção ao crédito etc.), cai por terra ao se tratar do salário, pois o mesmo tem natureza alimentar. A periodicidade máxima do salário é o mês, e não é por coincidência que a periodicidade mínima da maioria das prestações necessárias à subsistência também é mensal, como água, luz, fatura de cartão de crédito, entre outras. Esses fatos, por si só, já revelam a presunção de nexo de causalidade entre o inadimplemento de salário e o inadimplemento das obrigações pessoais e do prejuízo à subsistência do empregado.86

SCHIAVI, Mauro. Deve ser reparado o dano moral sofrido pelo empregado em razão do não pagamento de verbas salarias pelo empregador? Disponível em: <http:// www.lacier.com.br/artigos/periodicos/reparacao%20dos%20danos%20morais%20sofridos%20pelo%20empregado%20em%20razao%20do%20nao%20pagamento%20de%20 verbas%20salarias%20pelo%20empregador.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2015.

84

85

DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Controvérsia sobre o dano moral trabalhista. Revista Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 73, n. 2, abr. /jun. 2007, p. 186-202.

SCHIAVI, Mauro. Deve ser reparado o dano moral sofrido pelo empregado em razão do não pagamento de verbas salarias pelo empregador? Disponível em: <http:// www.lacier.com.br/artigos/periodicos/reparacao%20dos%20danos%20morais%20sofridos%20pelo%20empregado%20em%20razao%20do%20nao%20pagamento%20de%20 verbas%20salarias%20pelo%20empregador.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2015. 86

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Como ensina Jorge Luiz Souto Maior, [...] a evolução das relações sociais exige novas respostas do direito a cada momento. Exige, portanto, uma atividade atenta de legisladores, doutrinadores, juízes e dos vários centros de positivação do direito, no sentido de comporem um direito aplicável a seu tempo. Assim, o direito é uma construção consciente do homem, que está sempre em movimento, acompanhando a evolução social, exatamente para não morrer, e é, por isso mesmo, um sistema carregado de contraditoriedades, tendo a noção de princípios, precisamente, a função de inibir a ação destruidora dessa contradição.87

Neste sentido de transformação de conceitos e entendimentos, os tribunais têm evoluído, passando a reconhecer o dano moral nas situações de mora e inadimplemento salarial por parte das empresas.88 Este novo entendimento do Tribunal Superior do Trabalho leva em conta que o atraso no pagamento dos salários enseja, sim, a reparação por danos morais, não restando dúvidas quanto à apreensão e incerteza que tal conduta gera no empregado. Não saber ao certo da disponibilidade de sua remuneração causa-lhe sofrimento suficiente à caracterização de prejuízo ao seu patrimônio moral, como prevê o art. 5º, X, da Constituição Federal. Tal situação tem tamanha gravidade, pois o trabalhador, mesmo que de forma temporária, vê-se privado dos recursos indispensáveis à sua subsistência, não esquecendo da natureza alimentar e essencial do salário (art. 7º, X, CF).89 Apesar de ainda pouco se discutir sobre o caráter pedagógico através da indenização por dano moral pelo atraso de verbas salariais, é importante salientar que a Constituição Federal, em seu art. 1º, inciso III, prevê a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, e no art. 5º, incisos V e X, assegura a indenização por dano moral. Isto faz da reparação por danos morais um direito

87

Maior, Jorge Luiz Souto. O Direito do Trabalho como Instrumento de Justiça Social. São Paulo: LTR, 2000. p. 245.

88

SCHIAVI, Mauro. Ações de reparação por danos morais decorrentes da relação de trabalho. São Paulo: LTr, 2007, p. 130.

Configuração de dano moral na hipótese de mora salarial- entendimentos do TST. Disponível em: <http://www.trt18.jus.br/portal/bases-juridicas/jurisprudencia/jurisprudenciacomparada/1-1-dano-moral/1-mora-salarial/>. Acesso em: 06 abr. 2015. 89

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fundamental previsto na própria Constituição, o que vem ao interesse, não somente do indivíduo, mas de toda a sociedade, como manifestação de proteção da dignidade humana.90 Outrossim, a ilicitude, por si só, já é forte indício como prova dos danos morais ocasionados ao empregado. Corrobora o professor Carlos Alberto Bittar ao afirmar que, “na verdade, prevalece o entendimento de que o dano moral dispensa prova em concreto, tratando-se de presunção absoluta, não sendo, outrossim, necessária a prova do dano patrimonial”.91 Diante da análise dos julgados do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, bem como do Tribunal Superior do Trabalho, além de artigos sobre o tema, é possível observar que está sendo construído o entendimento jurisprudencial no sentido de reconhecer o direito do empregado quanto à indenização por dano moral decorrente da mora ou inadimplemento das verbas salariais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Analisados diversos acórdãos, de 2007 até 2015, observou-se que, no caso de pedido de indenização por dano moral decorrente de mora ou inadimplemento salarial, existem duas correntes distintas: a primeira prevê a necessidade de prova, alegando que somente com a comprovação da existência dos três requisitos, quais sejam, a conduta, o nexo e o dano é que se terá a conclusão da ocorrência de dano moral e a consequente condenação ao pagamento da indenização reparadora. Por outro lado, na leitura de outros julgados, alguns mais recentes, foi possível constatar uma segunda corrente que defende que, para a condenação compensatória do dano moral não é imprescindível a produção de prova das repercussões que o inadimplemento ou mora salarial

SOARES, Elisângela Diniz. A Indenização por dano moral pelo inadimplemento das verbas rescisórias. 2013. 155 f. TCC (Graduação em Direito). Centro Universitário Christus Curso de Direito. Ceará, Fortaleza. 2013. Disponível em: < http://www.fchristus.com.br/downloads/tcc-cursos/direito/2013/A%20INDENIZACAO%20POR%20DANO%20 MORAL%20PELO%20INADIMPLEMENTO.pdf>. Acesso em: 07 abr. 2015. 90

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BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3. ed. São Paulo: RT: 1998, p. 204.

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tenham causado, como ocorre no campo dos danos materiais. Basta o mero implemento do dano injusto para criar a presunção dos efeitos negativos na órbita subjetiva do empregado. O argumento de que é necessário o nexo causal entre a conduta do empregador e o prejuízo sofrido pelo empregado, ou seja, perda de crédito, ou inclusão no cadastro de inadimplentes de órgão de proteção ao crédito, cai por terra ao se tratar do salário, pois o mesmo tem natureza alimentar. Com isso, esta segunda corrente tem concedido a indenização pelo dano moral decorrente do inadimplemento salarial, por entender que o dano não necessita provas, que é presumível, eis que esta situação ultrapassa o mero aborrecimento e configura dano moral por ato ilícito e, sendo uma violação do direito de personalidade, damnum in re ipsa, não necessita prova de sofrimento ou do dano. Chega-se ao final desse trabalho sem a pretensão de esgotar o tema, pois muito se tem ainda a aprender e debater sobre o assunto, visto que se trata de uma matéria nova e que não existe um posicionamento consolidado pelo Tribunal Superior do Trabalho, notando-se ainda divergências dentro das próprias turmas do Tribunal Superior do Trabalho, como se observa na 2ª Turma, RR n. 68500-95.2009.5.09.0562, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, de 01/02/2013 – desfavorável à indenização pelo dano moral; RR n. 101900-70.2007.5.13.0009; Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, de 30/11/2011- favorável e RR n. 15-52.2013.5.04.0203, Rel. Delaíde Miranda Arantes, de 25/02/2015, também favorável. A conclusão a que se chega através dos julgados mais recentes é que existe uma tendência dominante da segunda corrente, isto é, de deferir a indenização sem a necessidade de prova do dano ou nexo, pois é presumido o prejuízo moral do empregado e é a esta corrente que a autora se filia, por entender que o dano moral, no caso estudado, não necessita de prova, ele é presumível.

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REFERÊNCIAS ARAUJO, Gilson. O dano moral pelo atraso dos salários. Disponível em: <>. Acesso em: 22 mar. 2015. AZEVEDO, André Jobim de. O direito do trabalho e as atuais relações de trabalho. Justiça do Trabalho: revista de jurisprudência trabalhista, Porto Alegre, v.19, n.217, p.74-77, jan. 2002. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2013. BELMONTE, Alexandre Agra. Responsabilidade por danos morais nas relações de trabalho. Revista Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 73, n. 2, abr./jun. 2007. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista n. 3450700-19.2007.5.09.0008, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga. Data do Julgamento: 15/02/2013. Disponível em: <https://aplicacao5.tst.jus.br/consultaProcessual/ resumoForm. do?consulta=1&numeroInt=46664&anoInt=2014 >. Acesso em 07 abr. 2015. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista n. 68500-95.2009.5.09.0562. Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva. Data do Julgamento: 01/02/2013. Disponível em: http://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/ inteiro Teor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=RR %20-%20 68500-5.2009.5.09.0562&base=acordao&rowid=AAANGhAAFAAAKGhAA F&dataPublicacao=01/02/2013&localPublicacao=DEJT&query=>. Acesso em: 07 abr. 2015. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região. Recurso Ordinário n. 0038700-08.2008.5.04.0332. Relatora Desemb. Cleusa Regina Halfen. Data do Julgamento: 04/03/2010. Disponível em: <http://gsa5.trt4.jus.br/search?q=cache:DzgzmUJJSyoJ :iframe.trt4.jus. br /gsa/gsa. jurisp _ sdcpi.baixar%3Fc%3D33733782+inadimplemento +salarial+mero+dissabor+inmeta: DATA _DOCUMENTO:200506-07..2010-06-07++&client=jurisp&site=jurisp_sp&output=xml_ no_dtd&proxystylesheet=&proxys tylesheet=jurisp&ie=UTF-8&lr=lang_ pt&proxyreload=1&access=p&oe=UTF-8>. Acesso em: 06 maio 2015. ORGANIZADORES:

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BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região. Recurso Ordinário n. 0018600-70.2007.5.04.0751. Relator Desemb. Maria Inês Cunha Dornelles. Data do Julgamento: 12/12/2007. Disponível em: <http://www.trt4.jus.br/ portal/portal/ trt4/ consultas/consulta_rapida/ ConsultaProcessualindow?svc=consultaBean&nro processo=00186-2007-751-04-00-0&operation=doProcesso&action=2&intervalo=90> . Acesso em: 06 maio 2015. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região. Recurso Ordinário n. 0000453-03.2014.5.04.0831. Relator Desemb. João Batista de Matos Danda. Data do Julgamento: 19/05/2015. Disponível em: <http://gsa5.trt4.jus.br/search?q= cache: OHG6gnRIvzkJ:iframe.trt4. jus.br/gsa/gsa.jurisp_sdcpssp.baixar%3Fc% 3D53408219+inadimplemento+salarial+inmeta:DATA_DOCUMENTO:2014-06-07..2015-0607++&client=jurisp&site=jurisp_sp&output=xml nodtd&proxystylesheet =jurisp&ie=UTF-8&lr=langpt&proxyreload= 1&access =p&oe =UTF-8>. Acesso em: 06 maio 2015. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região. Recurso Ordinário n. 0001353-07.2013.5.04.0512. Relator Desemb. Marçal Henri dos Santos Figueiredo. Data do Julgamento: 29/04/2015. Disponível em: <http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/ consultas/consulta_lista / ConsultaProcessual Window?svc=consultaBean &action =e&windowstate=normal&mode =view>.Acesso em 06 maio 2015. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho 4ª Região. Recurso Ordinário n. 0001170-12.2013.5.04.0811. Relator Desemb. Ricardo Hofmeister de Almeida Martins Costa. Data do Julgamento: 05/03/2015. Disponível em: <http://www.trt4.jus.br/ portal/ portal/trt4/consultas/consulta _lista/ Consulta Processual Window?svc =consulta Bean&nroprocesso=0001170-12.2013.5.04.0811 &operation =doProcesso &action =2&intervalo =90>. Acesso em 06 maio 2015. BRITO, Cezar. Aspectos históricos e ideológicos na construção do direito ao trabalho. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 78, n. 1, jan. /mar. 2012. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. CARVALHO, Moisés Nepomuceno. Fundamentos constitucionais de proteção ao trabalho: análise de um julgado do Tribunal Superior do Trabalho e a definição dos núcleos essenciais dos direitos sociais. Brasília, set. 2013, p. 8. Disponível em: <>. Acesso em: 03 nov. 2014. ORGANIZADORES:

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CASSAR. Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 3. ed. Niterói: Impetus, 2009. CATHARINO, José Martins. Compêndio universitário de direito do trabalho. São Paulo: Ed. Jurídica e Universitária, 1972, v.1. CESARINO JUNIOR, Antônio Ferreira; CARDONE, Marly Antonieta. Direito social. 2. ed. São Paulo: LTr, 1993. COSTA, Dora Maria. Atraso de salário não dá direito à indenização por danos morais. Disponível em: < http://www.migalhas.com.br/ Quentes/17,MI122047,81042-TST+Atraso+de+ salario+nao+ da +direito +a+indenizacao+por+danos+morais>. Acesso em: 23 maio 2015. DALAZEN, João Oreste. Aspectos do dano moral trabalhista. Revista Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 65, n.1. Out./Dez. 1999. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2012. DINIZ, José Janquié Bezerra. O direito e a Justiça do Trabalho diante da globalização. São Paulo: LTr, 1999. FLORINDO, Valdir. Dano moral e o direito do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2002. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de direito do trabalho. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. GIGLIO, Wagner D. Direito processual do trabalho. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. GOLDSCHMIDT, Rodrigo. Flexibilização dos direitos trabalhistas: ações afirmativas da dignidade da pessoa humana como forma de resistência. São Paulo: LTr, 2009. GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Élson. Curso de direito do trabalho. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

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JUCA, Francisco Pedro. Dano moral no âmbito trabalhista: algumas reflexões. Disponível em: <http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/ FDir/Artigos/francisco .pdf>. Acesso em:19 mar. 2014. LINS, Karina Braz do Rego. Atraso de salário não gera indenização por danos morais. Disponível em: <http://queirozcavalcanti.adv.br/ publicacoes/atraso-de-salario-nao-gera-indenizacao-por-danos-morais-karina-braz/>. Acesso em: 23 maio 2015. MAGANO, Octavio Bueno. Manual de direito do trabalho. São Paulo: LTr, v. 1, 1991. MAGANO, Octávio Bueno; MALLET, Estevão. O direito do trabalho na constituição. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. MAIOR, Jorge Luiz Souto. Curso de direito do trabalho: teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2011, v. 1. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2006. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da existência. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. MIRANDA, Maria Bernadete. O Dano moral no direito do trabalho. Disponível em: <http://www.direitobrasil.adv.br/arquivospdf/aulas/dt/A8.pdf>. Acesso em: 27 set.14. MORAES FILHO, Evaristo de. Prefácio. In: MORAES, Evaristo de. Apontamentos de direito operário. 4.ed. São Paulo: Ltr, 1998. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. PORTELA, Liana Maria Mota Dos Santos Rocha. A flexibilização no direito do trabalho. Disponível em: < http://www.faete.edu.br/revista/ Prof.%20Liana.pdf>. Acesso em: 06 nov. 2014.

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SUMÁRIO

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PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de direito individual do trabalho: noções fundamentais de direito do trabalho, sujeitos e Institutos do direito individual. 2. ed. São Paulo: LTr, 1995. REIS, Clayton. A reparação do dano moral no direito trabalhista. Revista Tribunal Regional do Trabalho. 9ª Reg., Curitiba, a. 33, n. 60, jan./ jun. 2008. RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Traduzido por Wagner D. Giglio. 3. ed. São Paulo: LTr, 2000. SADER, Emir Simão. A transição no Brasil. São Paulo: Atual, 1991. SCHIAVI, Mauro. Deve ser reparado o dano moral sofrido pelo empregado em razão do não pagamento de verbas salarias pelo empregador? Disponível em: <http://www.lacier.com.br/artigos/periodicos/reparacao%20dos%20danos%20morais%20sofridos%20pelo%20 empregado%20em%20razao%20do%20nao%20pagamento%20de%20verbas%20salarias%20pelo%20empregador.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2015. SILVA, Walküre Lopes Ribeiro da. Direito do trabalho brasileiro: principais aspectos de sua evolução histórica e as propostas de modernização. Revista Tribunal Superior Do Trabalho, Brasília, v. 69, n. 2, jul. /dez. 2003. SOARES, Elisângela Diniz. A Indenização por dano moral pelo inadimplemento das verbas rescisórias. 2013. 155 f. TCC (Graduação em Direito). Centro Universitário Christus Curso de Direito. Ceará, Fortaleza. 2013. Disponível em: < http://www.fchristus.com.br/downloads/tcccursos/direito/2013/A% 20indenizacao %20por%20dano%20moral%20pelo%20inadimplemento.pdf>. Acesso em: 06 abr. 2015. SUSSEKIND, Arnaldo. Dano moral na relação de emprego. Revista do Direito Trabalhista, jun./95. SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.

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hipóteses de extinção da punibilidade da pessoa juridica nos crimes ambientais

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Lisiane Cristina Jeckel

Pós Graduada em Marketing (ESPM). Graduada em Farmácia Industrial (UFRGS). Graduada em Direito (FEEVALE). Advogada. E-mail: lisjeckel@gmail.com.

Betina Heike Krause Saraiva

Doutora em Direito (PUCRS). Mestre em Ciências Criminais (PUCRS). Especialista em Ciências Penais (PUCRS). Professora de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia na Universidade Feevale. Advogada. E-mail: betinas@feevale.br.

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DIREITO 10

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SUMÁRIO

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS O meio ambiente é um bem que pertence a todos, entretanto, com a evolução da sociedade aumentou o uso indiscriminado dos recursos naturais em prol do desenvolvimento científico e tecnológico, o que gerou uma cultura consumista. Nesse contexto, as empresas, acabaram por produzir em larga escala e passaram a figurar como as principais geradoras de resíduos passíveis de contaminação ambiental. Muito embora atuem obedecendo aos parâmetros legais e diligenciem para a redução do impacto ambiental, estão sujeitas a causar danos passíveis de responsabilização. O presente artigo tem como objetivo identificar as hipóteses de extinção da punibilidade criminal da pessoa jurídica nos crimes ambientais e de que forma elas operam. O tema em questão merece a devida atenção por ser atual e de alto índice de incidência. Serão analisadas as formas de extinção da punibilidade nas hipóteses de extinção societária pelo encerramento, visto que na esfera criminal impera o princípio de que nenhuma pena passará da pessoa do condenado; extinção pela não comprovação do dano; extinção devido à falta de prova técnica; extinção pela impossibilidade da comprovação de autoria, a qual remete a necessidade da dupla imputação necessária e a negativa de autoria; e a extinção pela prescrição. Com o objetivo de concretizar o presente estudo, primeiramente, será utilizada a pesquisa exploratória, que tem por escopo a busca de elementos por meio de pesquisa bibliográfica e documental, com o intuito de obter subsídios elucidativos do tema proposto, bem como adquirir maiores informações, objetivando modificar os conceitos arraigados no sistema judiciário. Partindo do princípio que o tema escolhido é contemporâneo, polêmico e de entendimento diverso na doutrina, faz-se necessária também a utilização da pesquisa descritiva. O método utilizado será o dedutivo associado às técnicas de pesquisa bibliográfica e documental.

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DIREITO 10

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PELA EXTINÇÃO SOCIETÁRIA Durante o período de existência de uma sociedade poderão ocorrer inúmeras alterações que resultam em mudanças quanto à disciplina legal societária. O Código Civil Brasileiro preocupou-se em disciplinar a matéria, porém, de forma incompleta. Nos casos em que o Código é silente, aplicam-se, de forma subsidiária, as regras descritas na Lei n.º 6.404, de 15 de dezembro de 1976.1 A sociedade mercantil é constituída por contrato plurilateral no qual o prazo de existência é previsto por um determinado tempo, como, também, poderá ser definida a modalidade de prazo indeterminado. Todavia, a existência legal da pessoa jurídica de direito privado só ocorre após o arquivamento dos atos no Registro do Comércio e perdura até a sua extinção sob a égide do contrato, do estatuto social e da estrutura organizacional prevista em Lei.2 Em ocorrendo a extinção, as formas previstas estão dispostas no art. 2193 da Lei das Sociedades Anônimas e se dá pelo encerramento da liquidação, como, também, pela fusão, cisão ou incorporação com a versão de todo o patrimônio em outras sociedades.4 A fusão compreende a operação pela qual duas ou mais sociedades se unem com o objetivo de constituírem uma nova sociedade.5 As sociedades que participam da fusão desaparecem para que, então, surja uma nova empresa. Esse efeito é entendido, no âmbito do direito comercial, como efeito extintivo-associativo. Nessa esteira, a nova empresa sucede de forma universal em todas as obrigações e direitos. Mas, a questão que vem a baila, é quanto às sanções que não têm natureza obrigacional e tão pouco não decorrem de negócio jurídico, que é o caso das BRASIL. Presidência da República. Lei n.º 6404, de 15 de dezembro de 1976, dispõe sobre as sociedades por ações. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l6404consol.htm> Acesso em: 12 set. 2013. 1

2

PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e Liquidação de Sociedades. 2 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 53.

Art. 219. “Extingue-se a companhia: I - pelo encerramento da liquidação; II - pela incorporação ou fusão, e pela cisão com versão de todo o patrimônio em outras sociedades”. In: BRASIL. Presidência da República. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as sociedades por ações. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l6404consol.htm>. Acesso em: 12de setembro de 2013. (Acho dispensável citar a integridade do artigo na nota de rodapé, acredito que possa apenas citar o artigo no corpo do texto)

3

4

PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e Liquidação de Sociedades. 2 ed. rev. ampl. e atual.São Paulo: Saraiva, 2000, p. 285

5

ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Passivo Ambiental. In: FREITAS, Vladimir Passos de (Org.). Direito Ambiental em Evolução. n.2. 1. ed., Curitiba: Juruá, 2002, p. 126.

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sanções penais e administrativas. Por serem consideradas personalíssimas, a extinção da sociedade resulta na extinção da punibilidade criminal pela impossibilidade de ser transmitida a nova sociedade, em consonância com o art. 5º, inc. XLV da Carta Magna.6 A incorporação, por sua vez, é a absorção de uma sociedade, ou mais, por outra empresa.7 Essa operação altera as condições de existência das empresas participantes, sobretudo da sociedade incorporada, que transmite o seu patrimônio e literalmente desaparece, fato esse que poderá causar problemas aos sócios, acionistas minoritários, credores e terceiros interessados.8 Como preceitua o § 3º do art. 227 da Lei 6.404/76, “aprovados pela Assembleia-Geral da incorporadora o laudo de avaliação e a incorporação, extingue-se a incorporadora, competindo à primeira promover o arquivamento e a publicação dos atos da incorporação”. Dessa sorte, na incorporação também são transmitidas todos os direitos e obrigações da incorporada para a incorporadora, porém, assim como na fusão, as sanções personalíssimas são extintas juntamente com a empresa.9 No que se refere à cisão, nada mais é do que o desmembramento total ou parcial da sociedade e, por consequência, transferindo-se o patrimônio para sociedades já existentes ou que foram criadas para esse fim.10 Quanto às obrigações, quando há extinção da sociedade cindida, as novas responderão de forma solidária por suas obrigações advindas da aquisição de patrimônio.11 Já quando a companhia cindida permanece ativa, no entendimento de Luciana Vianna Pereira, a sociedade que recebe parte do patrimônio, responderá tão somente pelos direitos e obrigações que foram acordados no ato que formaliza a cisão.12

6

PEREIRA, Luciana Vianna. Sucessão de Responsabilidade Ambiental. Revista de direito Ambiental. Ano 16 v. 62. Abr./jun. São Paulo: Revista dos tribunais, 2011, p. 97-98.

7

ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Passivo Ambiental. In: FREITAS, Vladimir Passos de (Org.). Direito Ambiental em Evolução. n.2. 1. ed., Curitiba: Juruá, 2002, p. 126

8

BULGARELLI, Waldirio. Fusões, Incorporações e Cisões de Sociedades. 6. ed. atual. São Paulo: Atlas. 2000, p. 218.

9

PEREIRA, Luciana Vianna. Sucessão de Responsabilidade Ambiental. Revista de direito Ambiental. Ano 16 v. 62. Abr./jun. São Paulo: Revista dos tribunais, 2011. p. 95.

10

TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: teoria geral e direito Societário. v.1. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 593.

11

BULGARELLI, Waldirio. Fusões, Incorporações e Cisões de Sociedades. 6.ed. atual. São Paulo: Atlas. 2000, p. 225.

12

PEREIRA, Luciana Vianna. Sucessão de Responsabilidade Ambiental. Revista de direito Ambiental. Ano 16 v. 62. Abr./jun. São Paulo: Revista dos tribunais, 2011, p. 99.

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Conforme o art. 6º do Código Civil Brasileiro, a existência da pessoa natural extingue-se com a morte e com ela extingue-se a punibilidade penal. Para esgrimí-la torna-se indispensável examinar o princípio da mors omnia solvit, no qual a morte tudo apaga, bem como o descrito no art. 5º, inc., XLV, 1º parte da Constituição Federal, de que nenhuma pena passará da pessoa do delinquente.13 Agora, em havendo a extinção societária, a situação é análoga à morte da pessoa física e com ela extingue-se a sanção penal. Entretanto, a ação penal prosseguirá contra as pessoas físicas, uma vez que a imputação conjunta, até o presente momento, é obrigatória.14 Em sede ambiental, Vladmir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas advogam no sentido de que extinta a sociedade não há possibilidade de lhe imputar qualquer pena, e, portanto, resulta na extinção da punibilidade por analogia ao disposto no art. 107, inciso I, do Código Penal. A extinção da punibilidade ocorre ainda que a empresa for sucedida por outra, criada com o objetivo específico de extinguir a responsabilidade penal, devido à falta previsão legal no caso em questão.15 A jurisprudência tem negado a responsabilidade penal da pessoa jurídica baseado na imperfeição da Lei dos crimes ambientais.16 Essa causa de exclusão de culpabilidade é devido ao Direito Penal Ambiental construir muito dos seus tipos sobre normas penais em branco.17 Normas que necessitam ser complementadas por outras normas, geralmente administrativas e de caráter infralegal.18

13

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral, v.1. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 586.

14

PEREIRA, Luciana Vianna. Sucessão de Responsabilidade Ambiental. Revista de direito Ambiental. Ano 16 v. 62. Abr./Jun. São Paulo: Revista dos tribunais, 2011, p. 97-98.

15

FREITAS, Vladmir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes Contra Natureza. 6. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.65 .

SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela penal do meio ambiente: breves considerações atinentes à Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1988. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 71.

16

“[...] norma incompleta, com preceitos genéricos ou indeterminados, que precisam de complementação de outras normas [...]. Um exemplo claro pode ser encontrado no art. 268 do Código Penal, que descreve como conduta proibida ‘infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propaganda de doença contagiosa’. Para a delimitação do conteúdo exato dessa proibição torna-se necessário acudir às determinações dos Poderes Legislativo e Executivo em matéria de prevenção de doenças contagiosas”. In: BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado do Direito Penal: Parte Geral, v.1. 19. Ed. ver., ampli. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 201.

17

18

CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2009, p. 249

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EXTINÇÃO PELA NÃO COMPROVAÇÃO DO DANO IMPORTÂNCIA DA COMPROVAÇÃO DO DANO No que se refere ao dano ambiental, José Rubens Morato Leite entende que deve receber um tratamento diferenciado do dano clássico elencado no nosso ordenamento jurídico.19 É sabido que as normas ambientais brasileiras não trataram de conceituá-lo, cuidando, apenas, de apresentar as características básicas necessárias a sua identificação. O que de acordo com André Rafael Weyermüller é positivo, pois, se o conceito de dano fosse normatizado acarretaria o engessamento da incidência da norma nos casos previstos na lei, excluindo os danos oriundos de eventos e consequências que não foram, expressamente, descritas como suporte fático da norma ambiental.20 Nessa senda, é necessário avaliar em que momento os seres humanos ultrapassam o tênue liame entre usar e abusar do meio ambiente, definindo qual o limite de tolerância aplicado no reconhecido o dano ambiental, pois não é qualquer agressão que enseja prejuízo passível de reparação.21 O resultado danoso está intimamente associado aos conceitos de poluição e degradação, uma vez que o legislador definiu poluição como a degradação da qualidade ambiental advinda de determinados danos,22conforme pode ser observado no art. 3º, inc.III, da Lei 6.938/81:

19

LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 101.

20

WEYERMÜLLER, André Rafael. Direito ambiental e aquecimento global. São Paulo: Atlas, 2010, p.15.

MIRRA, 1997. apud LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.188-189.

21

22

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: A Gestão Ambiental em Foco. 7. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 1118-1119.

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SUMÁRIO

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Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: [...] poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos [...].23

De plano, o mesmo artigo, no inciso II, acentua que qualquer alteração diversa das características do meio ambiente resulta na degradação da qualidade ambiental. Entretanto, o dano propriamente dito poderá ser planejado e autorizado pelo Poder Publico através da licença ambiental, como, por exemplo, a retirada de vegetação nativa com o objetivo de construir uma estrada. Tal dano é tolerado devido à legislação estabelecer regras aceitas pela sociedade que permitem a configuração do dano em prol de benefícios sociais e econômicos.24 Maurício Motta, analisando a responsabilidade do Estado por dano ambiental, afirma que o dano ambiental deverá ser efetivo, economicamente quantificável, antijurídico, imputável ao Estado e, principalmente, provado. Em outras palavras, o dano deve ser real para surgir à responsabilização. Segundo o autor, não existindo sujeito determinado no dano ao meio ambiente, não há como considerar a existência do prejuízo. 25 Nesse sentido, versa o acordão da Quarta Câmara Criminal do nosso Estado assim ementado: APELAÇÃO CRIME. AMBIENTAL. ART. 68, CAPUT, DA LEI Nº 9.605/98. ELEMENTAR: RELEVANTE INTERESSE AMBIENTAL. ATIPICIDADE. BRASIL. Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm.> Acesso em: 07 nov. 203.

23

SÁNCHEZ, Luis Enrique. Danos e o passivo ambiental. In: PHILIPPI JR., Arlindo. ALVES, Alaôr Caffé. (Orgs.). Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Baueri, SP: Manole, 2005, p. 267-269. 24

25

MOTA, Maurício. Fundamentos teóricos do direito ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 140

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DIREITO 10

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SUMÁRIO

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Não obstante exista obrigação decorrente de termo de ajustamento de conduta, as matas nativas encontram-se em estágio de regeneração, restando descumprido, apenas, o isolamento da área ciliar ao curso d’água. O fato narrado não é suficiente para justificar a repressão penal, ausente a degradação ambiental intensa, sendo a conduta atípica. Precedente específico. APELAÇÃO DESPROVIDA.26

Contudo, cabe ressaltar que existem crimes que independem de resultado naturalístico, como os de mera conduta, regrados no art. 56 27

e art. 6028 da Lei dos Crimes Ambientais. Por óbvio, esses crimes são isentos da efetiva comprovação do dano ambiental. Regra que pode ser

observada na ementa subscritada: APELAÇÂO CRIME AMBIENTAL. TRANSPORTE DE PRODUTO PERIGOSO SEM LICENÇA. ARTIGO 56, CAPUT, DA LEI N.º 9.605/98. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. RESTOU AMPLAMENTE COMPROVADO QUE A RÉ TRANSPORTAVA CLORATO DE SÓDIO, PRODUTO PERIGOSO, SEM OBSERVÂNCIAS DAS NORMAS LEGAIS. TRATANDO-SE DE CRIME DE PERIGO ABSTRATO E MERA CONDUTA, MOSTRA-SE DESNECESSÁRIA A PERÍCIA DA CARGA, VEZ QUE SE CONFIGURA COM A SIMPLES REALIZAÇÃO DACONDUTA, SENDO PRESCINDÍVEL O RESULTADO. REANÁLISE DOS VETORES JUDICIAIS DO ARTIGO 59 DO CÓDIGO PENAL. READEQUAÇÃO DA PENA. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. 29 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime n.º 70055751127, da Quarta Câmara Criminal. Relator: Desembargador Rogério Gesta Leal. Data da Decisão: 03/10/2013. Diário de Justiça Eletrônica. Disponível em:<http://google8.tjrs.jus.br/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo. php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_ mask%3D70055751127%26num_processo%3D70055751127%26codEmenta%3D5484666+70055751127+&site=ementario&client=buscaTJ&access=p&ie=UTF-8&proxystylesheet =buscaTJ&output=xml_no_dtd&oe=UTF-8&numProc=70055751127&comarca=Comarca+de+Planalto&dtJulg=03-10-2013&relator=Rogerio+Gesta+Leal> Acesso em: 05 out. 2013. 26

“Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos.” 27

“Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes”: Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm>. Acesso em: 05 out. 2013.

28

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime n.º 70049185762, da Quarta Câmara Criminal. Relator: Desembargador Marcel Esquivel Hoppe. Data da Decisão: 09/08/2012. Diário da Justiça Eletrônica. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/ busca/?q=crime+ambiental+de+mera+conduta&tb=jurisnova&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao% 3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29.Secao%3Acrime&requiredfields=&as_q=>. Acesso em: 05 out. 2013.

29

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SUMÁRIO

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No corpo do acórdão, o voto condutor do julgado aduz que o fato incriminador é a conduta de transportar produto perigoso à saúde ou ao meio ambiente em desacordo com as exigências em lei. Reforça que o delito em tela é de perigo abstrato e de mera conduta, portanto, não é exigido o resultado lesivo para sua configuração.

AUSÊNCIAS DE PROVA TÉCNICA ADEQUADA A prova é o instrumento que busca a configuração real dos fatos a serem analisados e decididos no processo. É elemento que constrói e influencia a convicção do juiz.30 Quando se trata de meio ambiente há de ser levada em consideração a dificuldade na produção de prova adequada à instrução do processo.31As provas usualmente utilizadas são as documentais, testemunhais, periciais e a confissão.32 Contudo, vale dizer que a Lei dos Crimes Ambientais tipificou um universo de danos ao meio ambiente e determinou punições específicas a cada caso.33 Ocorre que o dimensionamento do dano ambiental “é extremamente difícil, por vezes impossível”.34 Ana Maria Moreira Marchesan, Annelise Monteiro Steigleder e Silvia Cappelli reconhecem as circunstâncias que dificultam a identificação do liame entre a causa, a condição e o resultado danoso, in verbis: [...] (1) a multiplicidade de fontes de contaminação, fazendo com que o resultado danoso decorra da concorrência de vários focos de poluição, que se combinam através da sinergia; (2) a distância entre a fonte de contaminação e os efeitos produzidos, como nos exemplos da chuva ácida e do aquecimento global; (3) o tempo para que o dano se manifeste e; (4) a dúvida científica que muitas 30

MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2 ed. v.2 Campinas: Millennium, 2000, p. 330.

31

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: A Gestão Ambiental em Foco. 7. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.1498.

32

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: A Gestão Ambiental em Foco. 7. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011,p.1498.

33

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: A Gestão Ambiental em Foco. 7. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.1498.

LAZZARINI, Walter. Introdução a Perícia Ambiental. In: PHILIPPI JR., Arlindo. ALVES, Alaôr Caffé (Orgs.). Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Baueri, SP: Manole, 2005, p. 161. 34

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SUMÁRIO

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vezes gera conclusões insatisfatórias nas perícias com, por exemplo, no que diz respeito aos organismos geneticamente modificados, na poluição eletromagnética ou na mudança climática revelam a magnitude do problema.35

Salvo a questão referente à dúvida científica da perícia em alguns casos mais complexos, essas dificuldades reforçam, de forma significativa, a necessidade de perícia ambiental.36 Dentro dessa perspectiva, a prova pericial e a prova documental recebem destaque na aferição das lides ambientais pelas características dos bens tutelados. 37 As provas destinadas a apuração dos crimes ambientais devem obedecer aos critérios estabelecidos nos art. 155 a 250 do Código de Processo Penal. Porém, nos casos em que o crime deixa vestígios a prova pericial será imprescindível para configurar a materialidade delitiva, com a aplicação subsidiária do art. 15838 do Código de Processo Penal, autorizado pelo art. 7939 da Lei n.º 9605/98,40 conforme pode ser observado no acordão abaixo ementado: APELAÇÃO. CRIME AMBIENTAL. ART. 56 DA LEI Nº 9.605/98. PRODUTO TÓXICO. NOCIVO À SAÚDE HUMANA OU AO MEIO AMBIENTE. PERÍCIA. NECESSIDADE.

35

MARCHESAN, Ana Maria Moreira; STEIGLEDER, Annelise Monteiro; CAPPELLI, Silvia. Direito Ambiental. 7. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013, p. 315-316.

LAZZARINI, Walter. Introdução à perícia ambiental. In: PHILIPPI JR., Arlindo. ALVES, Alaôr Caffé (Orgs.). Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Baueri, SP: Manole, 2005, p.181. 36

37

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 12 ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: Saraiva, 2011, p.648-649.

“quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. (De que autor tu tirou essa citação?)

38

Art. 79. “Aplicam-se subsidiariamente a esta Lei as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal”. (Acho dispensável citar a integridade do artigo na nota de rodapé, acredito que possa apenas citar o artigo no corpo do texto)

39

MARCÃO, Renato. Crimes ambientais: Anotações e interpretação jurisprudencial da parte criminal da Lei n.º 9.605, de 12-2-1998. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 423. 40

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SUMÁRIO

AVANÇAR

Para configuração do delito tipificado no art. 56 da Lei nº 9.605/98 é necessária prova de que o produto era perigoso ou nocivo à saúde humana ou ao meio ambiente, o que torna a perícia indispensável para comprovar a materialidade do crime. A ausência de perícia conduz à absolvição. Apelo provido. Unânime.41

Nos casos de danos a serem compensados com sanções penais, a perícia ambiental desempenha o papel de avaliar a compensação do bem impactado, criando a responsabilidade ambiental.42 Nesse sentido, faz-se mister que a prova técnica seja adequada. Sob esse tema discorre o acordão proferido pela Quarta Câmara Criminal do nosso Estado: APELAÇÃO. CRIME AMBIENTAL. ART. 56 DA LEI Nº 9.605/98. PERÍCIA. AUSÊNCIA. ELEMENTAR NÃO CONFIGURADA. Ausente perícia comprovando que o produto apreendido é tóxico, perigoso ou nocivo à saúde humana ou ao meio ambiente, impositiva a absolvição. Elementar não configurada. Apelação da defesa provida.43

Esse entendimento sedimenta a importância da perícia ambiental no dimensionamento correto do dano e no suporte adequado à condenação.44

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime n.º70053720462 , da Quarta Câmara Criminal. Relator: Desembargador Aristides Pedroso de Albuquerque Neto. Data da Decisão: 25/04/2013. Diário da Justiça Eletrônica. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/ busca/?q=70053720462&tb=jurisnova&pesq=ementario&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac% 25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29&requiredfields=&as_q=>. Acesso em:14/10/2013.

41

LAZZARINI, Walter. Introdução à perícia ambiental. In: PHILIPPI JR., Arlindo. ALVES, Alaôr Caffé (Orgs.). Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Baueri, SP: Manole, 2005, p. 165. 42

BRASIL Tribunal de Justiçado Rio Grande do Sul Apelação Crime n. 70040270175, da Quarta Câmara Criminal. Relator: Desembargador Gaspar Marques Batista. Data da Decisão: 25 /04/2013 Diário da Justiça Eletrônica. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=70040270175&tb=jurisnova & p e s q = e m e n t a r i o & p a r t i a l f i e l d s = t r i b u n a l % 3 AT r i b u n a l % 2 5 2 0 d e % 2 5 2 0 J u s t i % 2 5 C 3 % 2 5 A 7 a % 2 5 2 0 d o % 2 5 2 0 R S . % 2 8 T i p o D e c i s a o % 3 A ac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3A null%29&requiredfields=&as_q=> Acesso em: 14 set. 2013

43

LAZZARINI, Walter. Introdução à perícia ambiental. In: PHILIPPI JR., Arlindo. ALVES, Alaôr Caffé (Orgs.). Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Baueri, SP: Manole, 2005, p. 190. 44

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SUMÁRIO

AVANÇAR

Conforme reza o parágrafo único do art. 1945 da Lei n.º 9.605/98, igualmente admitida é a prova emprestada advinda do inquérito civil ou de ação pública. 46 Trata-se de prova colhida em um processo e transladada para outro. Essa prova poderá ser um documento, um testemunho, uma perícia, ou, enfim, qualquer prova cabível oriunda de outro processo.47 Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, conforme pode ser observado na ementa subscritada: HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO DECORRENTE DO NÃO CONHECIMENTO PARCIAL DA AÇÃO IMPETRADA NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DA NÃO INTIMAÇÃO DO DEFENSOR PÚBLICO PARA A SESSÃO DE JULGAMENTO DA APELAÇÃO E DA NULIDADE DA PROVA EMPRESTADA: IMPROCEDÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. Não há nulidade por terem sido juntadas aos autos do processo principal provas emprestadas de outro processo-crime. Precedentes. 2. Este Supremo Tribunal assentou que, no sistema processual-penal vigente, a declaração de nulidade depende demonstração de prejuízo efetivo para a defesa ou acusação, ou de comprovação de interferência indevida na apuração da verdade substancial e na decisão da causa; não se declara nulidade processual por presunção. Precedentes. 3. Não procede o argumento de inocorrência da intimação pessoal do Defensor Público. 4. Os fatos descritos na sentença penal condenatória caracterizam a dedicação da Paciente às atividades criminosas e foram sopesados pelas instâncias de mérito para o fim de afastar a causa de diminuição da pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343 /2006. 5. Ordem denegada.48

Art. 19. “A perícia de constatação do dano ambiental, sempre que possível, fixará o montante do prejuízo causado para efeitos de prestação de fiança e cálculo de multa. Parágrafo único. A perícia produzida no inquérito civil ou no juízo cível poderá ser aproveitada no processo penal, instaurando-se o contraditório”. In: BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm. Acessado em 14 set. 2013. (Acho dispensável citar a integridade do artigo na nota de rodapé, acredito que possa apenas citar o artigo no corpo do texto) 45

46

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: A Gestão Ambiental em Foco. 7. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 1498

47

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v.3. 35 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 238.

BRASIL Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.112341, da 2º Turma. Relator: Ministra Cármem Lúcia Data da Desisão: 27/08/2013. Diário da Justiça Eletrônica. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28+HABEAS+CORPUS+HC+112341+SP+%29%28112341%2ENUME%2E+OU+112341%2EACM S%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/k4pec4l> Acesso em: 11/10/2013

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SUMÁRIO

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Por fim, para que qualquer prova emprestada seja válida deverá submeter-se ao contraditório e a ampla defesa, pois, o legislador penal não admite prova sem essa natureza.49

EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA IMPOSSIBILIDADE DA NÃO COMPROVAÇÃO DE AUTORIA DUPLA IMPUTAÇÃO NECESSÁRIA Em matéria ambiental, a responsabilidade penal da pessoa jurídica, segundo a doutrina e a jurisprudência, tem sido admitida nos casos de coautoria com a pessoa física que atua em seu nome ou benefício.50 Segundo Édis Milaré, trata-se de uma coautoria necessária por força do parágrafo único do art. 3º da Lei dos Crimes Ambientais que não exclui a responsabilidade das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.51 Embora o Ministro Gilson Dipp afirme que a lei não impõe de forma absoluta a denúncia contra a pessoa física, pois apenas menciona que não as exclui,52 na relatoria de seus votos defende a aplicação da dupla imputação, conforme registra a ementa abaixo, in verbis: CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DO LEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO-AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA JURÍDICA. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME EPROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE

49

FREITAS, Vladmir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes Contra Natureza. 9. ed., São Paulo: Revista dos tribunais, 2012, p. 388.

50 MARCHESAN, Ana Maria Moreira; STEIGLEDER, Annelise Monteiro; CAPPELLI, Silvia. Direito Ambiental. 7. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. p. 253. 51

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: A Gestão Ambiental em Foco. 7. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 1292.

BRASIL Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 610.114/RN, da 5º turma. Relator: Ministro Gilson Dipp. Data da Decisão: 19/12/2005. Diário da Justiça Eletrônica. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=610114&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO> Acesso em 30.10.2013. 52

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SUMÁRIO

AVANÇAR

SOCIAL. CO-RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. ACUSAÇÃO ISOLADA DO ENTE COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. DEMONSTRAÇÃO NECESSÁRIA. DENÚNCIA INEPTA. RECURSO DESPROVIDO. I. [...] VII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. VIII. [...] XIII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral. XIV. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. XV. A ausência de identificação das pessoa físicas que, atuando em nome e proveito da pessoa jurídica, participaram do evento delituoso, inviabiliza o recebimento da exordial acusatória. XVI. Recurso desprovido.53

No excerto do acórdão, Sua Excelência explica o tema arrazoando a importância da identificação da atuação das pessoas físicas, que tem por objetivo verificar se a decisão danosa partiu dos representantes da pessoa jurídica, ou da ação isolada de algum funcionário, no qual a sociedade, nessa situação, responderia por delito culposo advindo das culpas in elegendo54 e in vigilando55. Assim, receberiam sanções menos severas que as imputadas por decisão e dolo dos seus representantes. Por fim, ratifica a posição do Tribunal a quo que não recebeu a inicial acusatória pela falta da indicação das pessoas físicas responsáveis pelo delito.

BRASIL Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 610.114/RN, da 5º Turma. Relator: Ministro Gilson Dipp. Data da Decisão: 17/11/2005. Diário da Justiça Eletrônica. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=610114&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO> Acesso em 30.10.2013.

53

54

“Decorre da má escolha do representante, preposto”. In: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. v.4. 8. ed., São Paulo: Saraiva, 2013, p. 54.

55

“Decorre da ausência de fiscalização”. In: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. v.4. 8. ed., São Paulo: Saraiva, 2013, p. 54.

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SUMÁRIO

AVANÇAR

Nesse sentido, Artur Mendes Lobo e Cláudio Júlio Fontoura destacam o dever do Ministério Público de apontar e provar de maneira individualizada, as pessoas físicas envolvidas no fato gerador do crime ambiental, demonstrando o grau de participação associado a sua culpabilidade. Tal a razão pela qual o ordenamento jurídico brasileiro não aceita acusações genéricas e da mesma forma não admite sentenças indeterminadas.56 Contudo, Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas, com base na interpretação do parágrafo único do art. 3º da Lei dos Crimes Ambientais, entendem que a denúncia pode ser apenas contra a pessoa jurídica, nos casos em que não se apure a pessoa física autora do crime. Aduzem, ainda, que na maioria dos fatos não eram identificados os autores e com isso a punição recaia sobre algum empregado no último grau de hierarquia da sociedade. Nesse sentido as pessoas jurídicas passaram a ser responsabilizadas.57 Ao contrário do que é sedimentado pela jurisprudência, recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu, segundo o posicionamento de Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas supracitado, em favor do não condicionamento à identificação e à persecução da pessoa física. Porém, com fundamento na interpretação do art. 225, § 3º,

58

da Constituição Federal, conforme o voto condutor do julgado de obra da

Ministra Relatora Rosa Weber tem-se

LOBO, Artur Mendes; FONTOURA, Cláudio Julio. Questão do Livre Arbítrio da Pessoa Jurídica: Da Culpabilidade no Direito Penal Ambiental. Revista Jurídica UNIJURIS. n.10. v.9. maio 2006 Uberaba, MG: Uniube, p.273. 56

57

FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes Contra Natureza. 9. ed., São Paulo: Revista dos tribunais, 2012, p. 72.

Art. 225, § 3º, CF: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativa, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. (Acho dispensável citar a integridade do artigo na nota de rodapé, acredito que possa apenas citar o artigo no corpo do texto)

58

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SUMÁRIO

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[...] em cotejo com as razões de decidir que desafiaram o extraordinário, entendo presente questão constitucional maior, qual seja a do condicionamento da responsabilização da pessoa jurídica a uma identificação e manutenção, na relação jurídico-processual, da pessoa física ou natural, exigência que me parece não existir no art. 225, § 3º, da Constituição Federal. 59

Posicionamento, esse, que enseja um novo olhar sob a arraigada teoria da dupla imputação.

ABSOLVIÇÃO POR NEGATIVA DE AUTORIA Regulada pelo art. 386, incs. IV e V60 do Código de Processo Penal, a negativa de autoria resulta na absolvição do réu pela não comprovação da participação do agente no crime, ou por falta de prova da concorrência do réu no ilícito penal.61 O Decreto Lei que instituiu o Código de Processo Penal é de 1941 e até pouco o legislador nivelava essas duas situações na previsão abrangente do inc. IV do referido artigo.62 Essa não distinção foi fortemente questionada por Araken de Assis conforme posicionamento in verbis:

BRASIL Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 548181/, da Turma. Relator: Ministra Rosa Weber. Data da Decisão: 14/05/2013. Diário da Justiça Eletrônica. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/ listarJurisprudencia.asp?s1=%28548181%2ENUME%2E+OU+548181%2EACMS%2E%29+%28%28ROSA+WEBER%29%2ENORL%2E+ OU+%28ROSA+WEBER%29%2ENORV%2E+OU+%28ROSA+WEBER%29%2ENORA%2E+OU+%28ROSA+WEBER%29%2EACMS%2E%29&base=baseAc ordaos&url=http:// tinyurl.com/ll2uwsz>. Acesso em: 30.10.2013.

59

Art. 386 O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: I [...] IV não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; V não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal. (Acho dispensável citar a integridade do artigo na nota de rodapé, acredito que possa apenas citar o artigo no corpo do texto)

60

61

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 10 ed. rev.,atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 732.

FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Absolvição Criminal por Negativa de Existência ou de Autoria do Fato: Limites de sua Influência sobre o Juízo Civil. Revista de Processo. v. 6 p. 7 1992. Disponível em:<http://revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad8181 600000142106a76b7d01f94de&docguid=I56fc3510f25711dfab6f0100000 00000&hitguid=I56fc3510f25711dfab6f0 10000000000&spos=35&epos=35&t d=238&context=11&startChunk=1&endChunk=1#> Acesso em: 25 out. 2013, p.5. 62

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SUMÁRIO

AVANÇAR

[...] os números do art. 386 do Cód. De Proc. Penal ostentam a curiosa particularidade de serem omissos quanto à cabal verificação de não ter o réu participado do fato típico. Em outras palavras, há descompasso entre uma das previsões contidas no art. 1.525, segunda parte, do Cód. Civil- declaração de que o réu não é autor do fato ilícito-, e o conteúdo dos pronunciamentos absolutórios impostos ao juiz no processo-crime e contemplados no art. 386.63

Com o advento da Lei n.º 11690, de 09 de junho de 2008,64 foi feita a distinção entre estar provado que o réu não concorreu para o fato delituoso e a falta de provas que o réu concorreu para a infração penal.65 Nesses casos, faz-se necessário que não existam indícios ou presunção de que o réu tenha dado causa ao ilícito penal por autoria, co-autoria ou participação.66 Nos casos de autoria incerta, o crime existe, porém paira a incerteza sobre quem produziu o resultado.67 Hipótese em que as provas acostadas no processo não são suficientes para comprovação da autoria do réu.68 A questão em preço já foi objeto de decisão pela Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, assim ementada:

63

ASSIS, Araken de. Eficácia Civil da Sentença Penal. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.105.

“Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prova, e dá outras providências”. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11690.htm> Acesso em : 06 nov. 2013.

64

65

Art. 386 do Código de Processo Penal. (Acho dispensável citar a integridade do artigo na nota de rodapé, acredito que possa apenas citar o artigo no corpo do texto)

66

MIRABETE, Júlio Fabrini. Código de Processo Penal Interpretado. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.847.

67

JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte geral. v. 1. 33 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 476.

68

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 10 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 732.

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APELAÇÃO. CRIME AMBIENTAL. A autoria sinalizada como mera possibilidade não é o bastante para condenação criminal, exigente de certeza plena e prova judicializada. Dúvida que enseja a absolvição. Decisão mantida. Apelo ministerial improvido. Unânime.69

Esse julgado refere-se ao corte de árvores no qual o réu nega a imputação do crime, alegando que o corte foi efetivado pela empresa de energia elétrica para a instalação da rede. Nesse caso, o Desembargador Relator Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, em seu voto, afirma que não existe certeza que o réu participou da remoção das árvores, como também a prova acolhida não é suficientemente segura para sustentar a condenação do réu, concluindo, ainda, que a mera sinalização de autoria não é suficiente para condenação criminal. Por fim, arrazoa que para ocorrer a efetiva condenação é necessário certeza plena e prova judicializada.70 A sentença penal que absolve pela negativa de autoria não produz efeitos de reparação na esfera civil. 71 A negativa de autoria também é observada quando for afastada a tipificação do delito, conforme o acordão ora ementado:

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação-crime nº 70053717971, da Quarta Câmara Criminal. Relator: Desembargador Aristides Pedroso de Albuquerque Neto. Data da Decisão: 13/06/2013. Diário da Justiça Eletrônica. Disponível em:<brasilhttp://www.tjrs.jus.br/busca/?q=70053717971&tb=jurisn ova&partialfields=tribunal%3atribunal%2520d e%2520justi%25c3%25a7a%2520do%2520rs.%28tipodecisao%3aac%25c3%25b3rd%25c3%25a3o%7ctipodecisao%3amonocr%25c3%25a1tica% 7ctipodecisao%3anull%29&requiredfields=&as_q=> Acesso em: 20 out. 2013. 69

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação-crime nº 70053717971, da Quarta Câmara Criminal. Relator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto. DJ: 13/06/2013 Data da Decisão: 13/06/2013. Diário da Justiça Eletrônica. Disponível em:<brasilhttp://www.tjrs.jus.br/busca/?q=70053717971&tb=juris nova&partialfields=tribunal%3atribunal%2520de%2520justi%25c3%25a7a%2520do%2520rs.%28tipodecisao%3aac%25c3%25b3rd%25c 3%25a3o%7ctipodecisao%3amonocr%25c3%25a1tica%7ctipodecisao %3anull%29&requiredfields=&as_q=> Acesso em: 20 out. 2013.

70

FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Absolvição Criminal por Negativa de Existência ou de Autoria do Fato: Limites de sua Influência sobre o Juízo Civil. Revista de Processo. v. 6 p. 7 1992. Disponível em:<http://revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad8181600000142106a76b7d01f94de&doc guid=I56fc3510f25711dfab6f010000000000&hitguid=I56fc3510f25 711dfab6f010000000000&spos=35&epos=35&td=238&context=11 &startChunk=1&endChunk=1#> Acesso em: 25 de out. de 2013. p.13

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APELAÇÃO. CRIME AMBIENTAL. CORTE DE VEGETAÇÃO PRIMÁRIA OU SECUNDÁRIA. Restou comprovado nos autos que as árvores cortadas eram fruto de reflorestamento pelo antigo proprietário da terra, afastando a tipificação do delito imputado ao réu. Sentença absolutória mantida. APELO DESPROVIDO.72

Nesse acórdão, o réu admite no seu depoimento que realizou corte de araucária na sua propriedade. Porém, alegou que as árvores eram fruto de reflorestamento efetivado pelo antigo proprietário. Na sequência, a alegação do acusado foi confirmada pelo Laudo de Cobertura Vegetal emitido por um técnico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMATER – excluindo, assim, a tipicidade do delito ensejando a absolvição do réu.73

EXTINÇÃO PELA PRESCRIÇÃO É consabido que com a prática do ilícito penal surge à pretensão punitiva do Estado, entretanto, não é ad aeternum. Destarte, o Estado estabelece critérios que delimitam o lapso temporal para a aplicação da sanção.74 Nessa senda, o instituto da prescrição é admitido como uma das

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação-crime nº 70053795043, da Quarta Câmara Criminal. Desembargador Relator: ROGÉRIO GESTA LEAL. Data da Decisão: 13/06/2013. Diário da Justiça Eletrônica Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=70053795043&tb=jurisnova &pesq=ementario&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520d e%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao% 3Anull%29& requiredfields=&as_q=> Acesso em 20 out. 2013.

72

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação-crime nº 70053795043, da Quarta Câmara Criminal. Desembargador Relator: ROGÉRIO GESTA LEAL Data da Decisão: 13/06/2013. Diário da Justiça Eletrônica Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=70053795043&tb=jurisnova&pesq =ementario&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDe cisao%3Amonocr%25C3%2 5A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29&requiredfields=&as_q=> Acesso em 20 out. 2013. 73

74

BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado do Direito Penal: Parte Geral, v.1. 19. Ed. ver., ampli. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 882.

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causas da extinção da punibilidade penal. Previsto no art. 107, inc. IV,75 do Código Penal Brasileiro, compreende na perda da capacidade punitiva do Estado frente à inércia da pretensão punitiva, ou executória, no decorrer do tempo.76 A Lei dos Crimes Ambientais é omissa quanto à prescrição, pois não apresenta preceito que disciplina a fluência de prazo para aferi-la.77 Esse vácuo legislativo remete a aplicação, por analogia, das regas de prescrição contidas no Código Penal Brasileiro,78 conforme reza o art. 79 da referida lei.79 A prescrição referente a crime ambiental cometido por pessoa jurídica, somente poderá versar sobre as penas elencadas no art. 21 da Lei n.º 9.605/88, quais sejam: multa, prestação de serviços à comunidade e restritiva de direitos. Não são admitidas penas privativas de liberdade devido à natureza do ente em questão.80

Art. 107, IV Extingue-se a punibilidade: [...] pela prescrição, decadência ou perempção. (Acho dispensável citar a integridade do artigo na nota de rodapé, acredito que possa apenas citar o artigo no corpo do texto)

75

76

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral, v.1. 14. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 612.

BARBOSA, Haroldo Camargo. O instituto da prescrição aplicado à reparação dos danos ambientais. Revista de direito ambiental. v. 59 p.124 jul/2010. p.4 Disponívelem:<http:// revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad8181500000141ec9ba09f9ed6f133&docguid=Ia2eca2e03e5e11e09ce30000855dd350&hitg uid=Ia2eca2e 03e5e11e09ce30000855dd350&spos=1&epos=1&td=258&context =3&startChunk=1&endChunk=1> Acesso em: 24 out. 2013.

77

HAMMERCHMIDT, Denise. Sanção penal e pessoa jurídica na Lei dos crimes ambientais brasileira: Algumas considerações. Ciências Penais. v.3 p. 212 jul/2005. p.9 Disponível em: <http://revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6007900000141ec87a55102350bc6&docguid=I12 a68ff0f25211dfab6f010000000000&hitguid=I12a68ff0f25211dfab6 f010000000000&spos=2&epos=2&td=946&context=10&startChunk= 1&endChunk=1> Acesso em: 24 out. 2013. 78

Art. 79. “Aplicam-se subsidiariamente a esta Lei as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal”. In: BRASIL. Presidência da República. Lei nº 9605, de 12 de Fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm> Acesso em: 20 out. 2013. (Acho dispensável citar a integridade do artigo na nota de rodapé, acredito que possa apenas citar o artigo no corpo do texto)

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FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes Contra Natureza. 9. ed., São Paulo: Revista dos tribunais, 2012.p. 87

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A pena de multa, se for a única aplicada, prescreve em dois anos conforme descreve o art. 114, inc. I,81 do Código Penal Brasileiro.82 A jurisprudência sedimentou essa analogia, conforme se vê da decisão da Quarta Câmara Criminal do nosso Estado, assim ementada: APELAÇÃO-CRIME. AMBIENTAL. PESSOA JURÍDICA. PENA RESTRITIVA DE DIREITO E PENA DE MULTA APLICADAS DE FORMA AUTÔNOMA. PRAZO DA PRESCRIÇÃO: ART. 114, INC. I, DO CP. Tendo em conta que a ré é pessoa jurídica, a pena restritiva de direito prestação pecuniária fora aplicada de forma autônoma (art. 21, da Lei nº 9.605/98), para a qual não há definição de prazo prescricional. Atenta a isto, esta Câmara passou a utilizar, por equiparação, o prazo aplicado à pena de multa, qual seja, de dois anos, como reza o art. 114, inc. I, do CP. Transcorrido o aludido período de tempo entre a data do recebimento da denúncia até a data da publicação da sentença, a pretensão punitiva estatal fora atingida pela prescrição da pena concretamente aplicada, nos termos do art. 107, inc. IV, c/c art. 114, inc. I, do CP. DECLARADA EXTINTA A PUNIBILIDADE.83

No que se refere às penas restritivas de direitos, a lei ambiental é silente, o que remete a aplicação do paragrafo único do art. 109 do Código Penal Brasileiro, igualando o prazo prescricional determinado às penas privativas de liberdade.84 Elas e a sanção de prestação de serviços à comunidade Art. 114 A prescrição da pena de multa ocorrerá: I em dois anos, quando a multa for única cominada ou aplicada. (Acho dispensável citar a integridade do artigo na nota de rodapé, acredito que possa apenas citar o artigo no corpo do texto)

81

HAMMERCHMIDT, Denise. Sanção penal e pessoa jurídica na Lei dos crimes ambientais brasileira: Algumas considerações. Ciências Penais. v. 3 p. 212, jul. 2005. p. 9 Disponível em: <http://revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6007900000141ec87a55102350bc6&docguid=I12a68ff0f25211dfab6f010000000000 &hitguid=I12a68ff0f25211dfab6f01 0000000000&spos=2&epos=2&td=946&context=10&startChunk=1&en dChunk=1> Acesso em: 24 out. 2013. 82

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação-Crime nº 70054678164, da Quarta Câmara Criminal. Relator Des. Rogério Gesta Leal. Data da Decisão: 18/07/2013. Diário da Justiça Eletrônica. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=crime+ambient al+prescri%E7%E3o&tb=jurisnova&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%2 5A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29&requiredfields=&as_q=> Acesso em: 21 out. 2013

83

Art.109 [...] Paragrafo único: “Aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade”. In: BRASIL. Presidência da República. Lei nº 9605, de 12 de Fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm>. Acesso em: 20 out. 2013.

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estão descritas, respectivamente, nos artigos 2285 e 2386 da Lei dos Crimes Ambientais, e abrem espaço para a prescrição nas modalidades in abstrato e in concreto. Em relação à prescrição in abstrato o prazo será contabilizado em relação a pena corporal prevista no tipo penal. No caso de uma empresa acusada de poluição de um rio por culpa, onde a pena varia de seis meses a um ano de detenção, segundo o art.54, § 1º, da Lei dos crimes ambientais. Por tratar-se da prescrição in abstrato é levado em consideração, para a verificação do prazo prescricional, o máximo da pena descrita no tipo, no caso um ano. Conforme reza o art. 109 do Código Penal Brasileiro, as penas de um ano prescrevem em quatro anos. Já no caso da prescrição in concreto, por tratar-se de pena advinda da sentença, a doutrina, hipoteticamente, define um prazo de seis meses de suspensão parcial das atividades da empresa. Transpondo essa pena para pessoa física, o prazo prescricional ocorreria em dois anos. Ainda, transcorrido o lapso temporal superior ao previsto no instituto da prescrição, entre o oferecimento da denúncia e a sentença, há extinção da punibilidade.87 O tempo previsto para o apenamento das sanções restritivas de direito, bem como as de prestação de serviços a comunidade, será o máximo de apenamento fixado na pena privativa de liberdade. O tema é sustentado do pelo Desembargador Federal Fábio Bittencourt da Rosa, quando do julgamento do no Mandado de Segurança nº 20020401013843-0, in verbis: Para que se evite a imprescritibilidade dos crimes praticados pela pessoa jurídica contra o meio ambiente é preciso estabelecer um parâmetro. Ora, do mesmo modo que se considerou para efeito de dosagem da pena restritiva, haverá de fazer-se com referência à prescrição, isto é, tomam-se os limites abstratos do tipo, embora a pena privativa de liberdade somente seja aplicável à pessoa física. Art. 22 “Compreendem na suspensão parcial ou total das atividades, interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade e a proibição de contratar com Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações”. ”. In: BRASIL. Presidência da República. Lei nº 9605, de 12 de Fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm> Acesso em: 20 out. 2013.

85

Art. 23 “Compreendem em custeio de programas e de projetos ambientais, execução de obras de recuperação de áreas degradadas, manutenção de espaços públicos e contribuições a entidades ambientais ou culturais”. In: BRASIL. Presidência da República. Lei nº 9605, de 12 de Fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm> Acesso em: 20 out. 2013.

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FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes Contra Natureza. 9. ed., São Paulo: Revista dos tribunais, 2012.p. 87-88.

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Não é analogia prejudicial, porque possibilita que se evite a imprescritibilidade do delito. Aplicada a sanção, considerada a extensão temporal, como acima se especificou, esse tempo haverá de constituir a base de cálculo da prescrição da pretensão punitiva pela pena concretizada. Assim, se a interdição temporária do estabelecimento for por um ano, a prescrição pela pena em concreto será de quatro anos, na forma do artigo 109, inciso V, do Código Penal.88

No caso das penas de prestação de serviços a comunidade, na modalidade de custeio de programas e projetos ambientais ou de contribuições a entidades ambientais ou públicas, apesar de ser determinado o tempo no qual a pessoa jurídica irá prestar esse serviço, trata-se de prestação pecuniária e, por essa razão, ocorre à incidência da prescrição prevista para a pena de multa.89

CONSIDERAÇÕES FINAIS A responsabilidade ambiental da Pessoa Jurídica é abrangente. Contudo, em razão da complexidade do tema, a lei dos Crimes Ambientais está distante de ser um diploma legal adequado ao cumprimento da finalidade proposta. Por vezes, as empresas erram, não por falta de vontade de agir conforme a legislação, mas por questões que versam como cumpri-la. Associado a essa circunstância legal, versa a questão quanto à falta de entendimento técnico, tanto por parte de quem instaura o inquérito, como na avaliação das provas. Um erro dessa estirpe pode acarretar danos irreparáveis às empresas que podem, inclusive, levá-las ao encerramento de suas atividades. Questões como essas conduzem à reflexão no quanto as empresas estão vulneráveis à atual legislação e de como, muitas vezes,

BRASIL Tribunal Regional Federal 4ª Região, Mandado de Segurança n. 20020401013843-0 Relator Desembargador Federal José Luiz Germano da Silva. Data da Decisão: 26 fev. 2003. Diário da Justiça Eletrônica. Disponível em: <http://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/resultado_pesquisa.php> Acesso em: 20 out. 2013.

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HAMMERCHMIDT, Denise. Sanção penal e pessoa jurídica na Lei dos crimes ambientais brasileira: Algumas considerações. Ciências Penais. v.3 p. 212 jul /2005. p.9 Disponível em: <http://revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6007900000141ec87a55102350bc6&docguid=I12a68ff0f25211dfab6f0100 00000000&hitguid=I12a68ff0f25211dfab6f010000000000&spos=2&epos=2&td=946&context=10&startCh unk=1&endChunk=1>. Acesso em: 24 out. 2013. 89

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são indevidamente processadas. Nesse quadro, gizado de desequilíbrio das partes, faz-se indispensável o conhecimento percuciente quanto às formas de extinguir a punibilidade criminal. A partir das análises realizadas sobre o tema, observou-se que a extinção pode ocorrer de diversas formas, entre elas a extinção societária pelo encerramento, pela fusão, pela cisão e pela incorporação. Isso ocorre devido a sanção penal ser considerada personalíssima. Portanto, na hipótese de extinção da sociedade, a punibilidade não poderá ser transmitida a nova empresa, uma vez que a Constituição Federal determina que nenhuma pena passará da pessoa do infrator. Entretanto, convém ressaltar que com a extinção societária extingue-se a sanção imputada a pessoa jurídica, em relação as pessoas físicas a ação penal prosseguirá. Na sequência, verificou-se que para a configuração do dano ambiental a degradação do meio ambiente deverá ser considerada intensa e real. Só dessa forma justifica-se a repressão penal. É prudente lembrar que alguns crimes são isentos da comprovação de dano, pois independem de resultado naturalístico, como os crimes de mera conduta. Nos crimes ambientais que deixam vestígios, a prova pericial é imprescindível para a configuração da materialidade delitiva. Tanto é verdade que a perícia do inquérito policial e da ação civil pública poderão ser aproveitadas, na qualidade de prova emprestada, desde que submetidas ao contraditório e a ampla defesa. Não havendo comprovação técnica que configure o ato delituoso será, igualmente, extinta a punibilidade. A dupla imputação necessária é mais uma questão a ser observada, pois o não atendimento a esse quesito pode resultar no não recebimento da inicial acusatória. Esse entendimento é sedimentado pela jurisprudência que destaca o dever do Ministério Público de apontar e provar de maneira individualizada as pessoas físicas envolvidas no fato gerador do crime ambiental, visto que o ordenamento jurídico brasileiro não aceita acusações genéricas. A negativa de autoria, por sua vez, resulta na absolvição pela não comprovação do agente no crime ou por falta de prova da concorrência do réu no ilícito penal. Nesse caso, o crime existe, porém, paira a incerteza sobre quem produziu o resultado. Não havendo certeza plena e prova judicializada não existe a possibilidade de condenação criminal. A negativa de autoria também pode ser observada quando for afastada a tipificação do delito.

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Por fim, a extinção da punibilidade da pessoa jurídica pela prescrição tem como resultado a eliminação de todos os efeitos do crime. Em relação a pessoa jurídica, a Lei dos Crimes Ambientais é omissa quanto a prescrição, razão pela qual são utilizadas, por analogia, as regras do Código Penal Brasileiro. Por se tratar de sanções que prescrevem em um curto espaço de tempo, não raro o juiz, ao proferir a sentença, decreta de ofício a extinção da punibilidade. Em análise, observou-se que as hipóteses de extinção da punibilidade criminal da pessoa jurídica, salvo a extinção societária e a ausência de prova técnica adequada, são oriundas de falhas do sistema judiciário, tanto pela atuação do Ministério Público, quanto pela morosidade da justiça brasileira. Mas, isso não importa dizer que as sanções na esfera penal possam ser suprimidas uma vez que já existem as sanções administrativas e civis. A imposição do apenamento é um empecilho mercadológico, uma vez que as empresas tem uma imagem a zelar em um sistema em que os clientes estão cada vez mais conscientes quanto à preservação ambiental. Nesse sentido, a esfera penal atua como um importante inibidor da prática do crime ambiental. O homem, desde os primórdios, vive em simbiose com o meio ambiente. Por consequência disso, o transforma, nem sempre de forma adequada, para suprir as necessidades criadas com o palmilhar histórico. Como corolário, é fundamental a normatização de preceitos que orientem, efetivamente, a utilização dos recursos naturais, principalmente no âmbito industrial, assegurando, assim, produções ecológicas e economicamente sustentáveis, em prol da sociedade.

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REFERÊNCIAS ADAMEK, Marcelo Vieira Von. Passivo Ambiental. In: FREITAS, Vladimir Passos de (org.). Direito Ambiental em Evolução. N. 2. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2002. ASSIS, Araken de. Eficácia Civil da Sentença Penal. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. BARBOSA, Haroldo Camargo. O instituto da prescrição aplicado à reparação dos danos ambientais. Revista de direito ambiental. v. 59 p.124 jul/2010. p.4 Disponível em:<http://revistadostribunais. com.br/maf/app/resultList/doc ument?&src=rl&srguid=i0ad8181500000141ec9ba09f9ed6f133&doc guid=Ia2eca2e03e5e11e09ce30000855dd350&hitguid=Ia2eca2e03e5e11e09ce30000855dd350&spos=1&epos=1&td=258&context=3&startC hunk=1&endChunk=1> Acesso em: 24 out. 2013. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado do Direito Penal: Parte Geral, v.1. 19. Ed. ver., ampli. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. BULGARELLI, Waldirio. Fusões, Incorporações e Cisões de Sociedades. 6.ed. atual. São Paulo: Atlas. 2000. BRASIL. Presidência da República. Lei n.º 6404, de 15 de dezembro de 1976, dispõe sobre as sociedades por ações. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404consol.htm> Acesso em: 12 set. 2013. BRASIL. Presidência da República. Lei n.º 6938, de 31 de ago.de 1981, dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, e dá outras providências. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6514.htm#art153> Acesso em: 07 nov. 2013.

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BRASIL Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 548181/, da Turma. Relator: Ministra Rosa Weber. Data da Decisão: 14/05/2013. Diário da Justiça Eletrônica. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/ jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28548181%2ENUME%2E+OU+548181%2EACMS%2E%29+%28%2 8ROSA+WEBER%29%2ENORL%2E+OU+%28ROSA+WEBER%29% 2ENORV%2E+OU+%28ROSA+WEBER%29%2ENORA%2E+OU+%28ROSA+WEB ER%29%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/ll2uwsz>. Acesso em: 30.10.2013. BRASIL Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 610.114/RN, da 5º turma. Relator: Ministro Gilson Dipp. Data da Decisão: 19/12/2005. Diário da Justiça Eletrônica. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_v isualizacao=null&processo=610114&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO> Acesso em 30.10.2013. BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime n.º 70055751127, da Quarta Câmara Criminal. Relator: Desembargador Rogério Gesta Leal. Data da Decisão: 03/10/2013. Diário de Justiça Eletrônica. Disponível em:<http:// google8.tjrs.jus.br/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site _php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTrib unal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetic a%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_proces so_mask%3D70055751127%26num_processo%3D70055751127%26codEmenta%3D5484666+70055751127+&site=ementario&client =buscaTJ&access=p&ie=UTF-8&proxystylesheet=buscaTJ&output=xml_no_dtd&oe=UTF-8&numProc=70055751127&comarca=Comarca+de+Pl analto&dtJulg=03-10-2013&relator=Rogerio+Gesta+Leal> Acesso em: 05 out. 2013. BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime n.º 70049185762, da Quarta Câmara Criminal. Relator: Desembargador Marcel Esquivel Hoppe. Data da Decisão: 09/08/2012. Diário da Justiça Eletrônica. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=crime+ambiental+de+me ra+conduta&tb=jurisnova&partialfields=tribunal%3ATribun al%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS .%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o% 7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29.Secao%3Acrime&requiredfields=&as_q=>. Acesso em: 05 out. 2013.

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BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação-crime nº 70053795043, da Quarta Câmara Criminal. Desembargador Relator: ROGÉRIO GESTA LEAL. Data da Decisão: 13/06/2013. Diário da Justiça Eletrônica Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=70053795043&tb=jurisnova &pesq=ementario&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520d e%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoD ecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipoDeci sao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull %29&requiredfields=&as_q=> Acesso em 20 out. 2013. BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação-Crime nº 70054678164, da Quarta Câmara Criminal. Relator Des. Rogério Gesta Leal. Data da Decisão: 18/07/2013. Diário da Justiça Eletrônica. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?q=crime+ambiental+prescri% E7%E3o&tb=jurisnova&partialfields=tribunal%3ATribunal% 2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28 TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A3o%7CTipo Decisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull %29&requiredfields =&as_q=> Acesso em: 21 out. 2013 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral, v.1.14. ed., São Paulo: Saraiva, 2010. CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A culpabilidade nos Crimes Ambientais. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2009. FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Absolvição Criminal por Negativa de Existência ou de Autoria do Fato: Limites de sua Influência sobre o Juízo Civil. Revista de Processo. v. 6 p. 7 1992. Disponível em:<http://revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/docume nt?&src=rl&srguid=i0ad8181600000142106a76b7d01f94de&doc guid=I56fc3510f25711dfab6f010000000000&hitguid=I56fc3510f2 5711dfab6f010000000000&spos=35&epos=35&td=238&contex t=11&startChunk=1&endChunk=1#> Acesso em: 25 out. 2013. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 12 ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: Saraiva, 2011. FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes Contra Natureza. 9. ed., São Paulo: Revista dos tribunais, 2012.

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HAMMERCHMIDT, Denise. Sanção penal e pessoa jurídica na Lei dos crimes ambientais brasileira: Algumas considerações. Ciências Penais. v.3 p. 212 jul. 2005. p.1. Disponível em: <http://revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&s rc=rl&srguid=i0ad6007900000141ec87a55102350bc6&docguid=I1 2a68ff0f25211dfab6f010000000000&hitguid=I12a68ff0f25211dfab 6f010000000000&spos=2&epos=2&td=946&context=10&startChun k=1&endChunk=1>. Acesso em: 13 ago. 2013. JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte geral. v. 1. 33 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. LAZZARINI, Walter. Introdução a Perícia Ambiental. In: PHILIPPI JR., Arlindo. ALVES, Alaôr Caffé (Orgs.). Curso Interdisciplinar de Direito Ambiental. Baueri, SP: Manole, 2005. LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. LOBO, Artur Mendes. FONTOURA, Cláudio Julio. Questão do Livre Arbítrio da Pessoa Jurídica: Da Culpabilidade no Direito Penal Ambiental. Revista Jurídica UNIJURIS. Uberaba, MG: Uniube, v.9. n.10. Maio. 2006. MARCÃO, Renato. Crimes Ambientais: Anotações e interpretação jurisprudencial da parte criminal da Lei n. 9.605, de 12.2.1998. 2ed. rev., atual. de acordo com o Novo Código Florestal. São Paulo: Saraiva, 2013. MARCHESAN, Ana Maria Moreira. STEIGLEDER, Annelise Monteiro. CAPPELLI, Silvia. Direito Ambiental. 7. ed., Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2 ed. v.2 Campinas: Millennium, 2000. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: A Gestão Ambiental em Foco. 7. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. MIRABETE, Júlio Fabrini. Código de Processo Penal Interpretado. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2001. ORGANIZADORES:

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MIRRA, Álvaro Luiz Valerry. Responsabilidade Civil Pelo Dano Ambiental e o Princípio da Reparação Integral do Dano. Revista de Direito Ambiental. v. 32, out./dez. 2003. MOTA, Maurício. Fundamentos teóricos do direito ambiental. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral: parte especial. 6 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e Liquidação de Sociedades. 2 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000. PEREIRA, Luciana Vianna. Sucessão de Responsabilidade Ambiental. Revista de direito Ambiental. Ano 16 v. 62. P. 57-114. Abr./jun. São Paulo: Revista dos tribunais, 2011. SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela Penal do Meio Ambiente: Breves Considerações Atinentes à Lei nº 9605, de 12-2-1998. 2. ed., rev. e Atual. São Paulo: Saraiva, 2002 TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: teoria geral e direito Societário. v.1. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v.3. 35 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. VADE MECUM. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 12. ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2011. WEYERMÜLLER, WEYERMÜLLER, André André Rafael. Rafael. Direito Direito ambiental ambiental ee aquecimento aquecimento global. global. São São Paulo: Atlas, 2010.

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Éverton Luis Comoreto

sociedade de risco e a responsabilização penal pelo crime ambiental

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Graduando em Direito pela Universidade Feevale; Bolsista de Iniciação Científica do Programa PROBIC- FAPERGS; Acadêmico pesquisador no Projeto de Pesquisa Função Promocional do Direito na Sociedade de Risco (Universidade Feevale). E-mail: evertoncomoreto@gmail.com.

Haide Maria Hupffer

Doutora em Direito (Unisinos). Docente e Pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale. Docente do Curso de Graduação em Direito da Universidade Feevale. Líder do Grupo de Pesquisa Direito e Desenvolvimento. E-mail: haide@feevale.br.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS A natureza há muito já vem dando sinais de revolta contra os danos causados pelo ser humano ao ecossistema como um todo. A partir da metade do século XX percebe-se uma mudança lenta e a constatação de que se o ser humano continuar degradando os recursos ambientais, os danos causados poderão ser irreversíveis e irreparáveis. A Conferência de Estocolmo de 1972 promovida pela ONU é considerada o marco da discussão ambiental no âmbito global. Um dos principais legados da Conferência de Estocolmo é a consciência coletiva de que são necessárias ações globais para diminuir os danos causados ao meio ambiente. A partir desta conferência temas como risco ambiental, princípio da prevenção/precaução, responsabilidade por danos ao meio ambiente, desenvolvimento sustentável, proteção da fauna e da flora, proteção dos recursos hídricos, passaram a integrar a pauta da ONU em prol do meio ambiente como um direito humano. Como decorrência, modernas constituições passaram a assumir princípios ambientais para proteger o meio ambiente e a saúde do ser humano e coibir/punir condutas lesivas. Como exemplo, cita-se a Constituição Brasileira de 1988, que em seu artigo 225 instituiu que “todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e a sadia qualidade de vida” e a Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais) que penaliza com sanções penais e administrativas condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. A responsabilização ambiental penal da pessoa jurídica e física, com o objetivo de garantir um meio ambiente sadio e equilibrado, é fator preponderante para responsabilizar criminalmente o causador do dano ambiental. Dentro desta perspectiva, será realizada uma breve contextualização da Sociedade de Risco com análise do conceito de risco ambiental, para na sequência examinar o conceito de dano ambiental com suas características e classificações. Por fim, será examinado o contexto da promulgação da Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/98) dirigindo ainda o olhar para a responsabilidade penal ambiental, seus propósitos, crimes previstos e se a mesma cumpre sua função de inibir condutas ambientais criminais.

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SOCIEDADE DE RISCO E RISCO AMBIENTAL A transformação paradigmática da sociedade industrial em sociedade de risco ampliou a moldura jurídica em relação ao quesito dano ambiental reparável, culminando em uma crise ambiental sem precedentes que se “situa no interior da crise de paradigma da modernidade” conforme apontado por Steigleder. A autora se apoia em Unger para mostrar que há uma crise civilizatória e espiritual que modificou a visão do mundo. Evidencia, ainda, que a “apropriação quantitativa e qualitativa do meio ambiente” está se tornando insustentável, bem como é capaz de provocar a extinção de espécies e o esgotamento dos componentes naturais do meio ambiente. Sem dúvida isso provoca o empobrecimento progressivo, tanto em termos materiais quanto espirituais do ser humano, reduzindo-o a ente despersonalizado, cujas relações sociais cada vez mais são mercantilizadas.1 É neste contexto, que Steigleder referenda o conceito de “Sociedade de Risco” desenvolvido por Beck argumentando que os riscos são marcados pelo paradoxo da sofisticação da tecnologia e da ciência, perfazendo um efeito “bumerangue”, pois os riscos voltam-se contra aqueles que os geraram e que deles se beneficiam, afetando de forma global a sociedade, ultrapassando fronteiras geográficas, bem como os limites temporais.2 No mesmo sentido, afirmam Morato e Ayala que: A tomada de consciência da crise ambiental é deflagrada, principalmente, a partir da constatação de que as condições tecnológicas, industriais e das formas de organização e gestões econômicas da sociedade estão em conflito com a qualidade de vida.3

1

STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no Direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 61-64.

2

STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no Direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 61-64.

3

LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. 2. ed. Rio de Janeiro: Forence Universitária, 2004, p. 23.

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Com a aceitação de que há uma crise ambiental surge uma nova visão de desenvolvimento humano, o qual reintegra valores e potenciais da natureza, baseado no discurso do desenvolvimento sustentável, pregando limites para a racionalidade do sistema econômico. O projeto civilizatório da modernidade e o crescimento da produção industrial deixam marcas profundas como a escassez global de recursos ambientais. Ou seja, há uma degradação acelerada e muitos dos recursos ambientais já estão no seu limite ou praticamente esgotados.4 Em meio a sua complexidade e a grande produção de riscos de proporções globais, a sociedade pós-industrial trouxe a percepção de perda das certezas e a necessidade de construir mecanismos de controle sobre o futuro que, embora incerto, exige a adoção de medidas preventivas na tomada de decisão. Controlar os danos e riscos ambientais é essencial para a construção do futuro. Com efeito, o controle de riscos exige estratégias jurídicos-dogmáticas para frear os efeitos colaterais da industrialização, que nesta transição caracteriza-se por apresentar uma conotação autodestrutiva.5 A distribuição e o incremento dos riscos para Beck carregam consigo situações sociais de ameaça e emergem com um componente político explosivo em o que “até há pouco tempo era tido por apolítico torna-se político – o combate às ‘causas’ no processo de industrialização”. Como exemplo cita que a “esfera pública e a política passam a reger na intimidade o gerenciamento empresarial – no planejamento de produtos, na equipagem técnica, etc.” Na sociedade de risco emergem níveis intoleráveis de poluição e degradação ambiental que passam a afetar a saúde humana, o meio ambiente e o sistema político e econômico. Para o autor a sociedade de risco “é uma sociedade catastrófica”.6

4

LEFF, Henrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade e poder. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 16-31.

5

CARVALHO, Délton Winter de. Dano Ambiental Futuro. A responsabilização civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p.1-5.

6

BECK. Ulrich. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. Traduzido por Sebastião Nascimento. São Paulo: Ed. 34, 2010, p. 27-28.

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A preocupação jurídica sobre o risco aumentou significativamente da Sociedade Industrial para a Sociedade de Risco. Na Sociedade Industrial falava-se de risco concreto, enquanto na Sociedade de Risco o risco assume uma dimensão abstrata, o que vem a exigir do Direito uma preocupação com o futuro e com a adoção de instrumentos jurídicos para a compensação de danos concretos e danos abstratos.7 Ou seja, A própria previsibilidade e concretude causal dos riscos industriais serviram de motivo para apenas responsabilizar riscos que repercutissem em danos, após sua concretização lesiva. Desta forma, a sociedade industrial produziu uma Teoria do Risco Concreto, em matéria de responsabilidade civil, segundo a qual o risco somente é levado em consideração como critério de imputação de responsabilidade civil por danos já concretizados.8

Os riscos ambientais possuem a magnitude de uma guerra, causando destruição, transformando e aumentando as formas de desigualdade social, ampliando a miséria e afetando muito mais as populações mais pobres. Por outro lado, alguns riscos próprios da sociedade de risco atingem todos indistintamente, ou seja, os detentores de poder aquisitivo mais alto também sofrem com os riscos ambientais, como exemplo cita-se o aquecimento global e a contaminação da água e do ar. Dito de outro modo, os riscos são democráticos e afetam a todos, cruzam fronteiras que separam os Estados e as regiões. Os novos riscos também têm potencial de afetar o mercado econômico e o sistema jurídico ao desestabilizar o sistema protetor-repressor não alcançando sua imperatividade, bem como podem acarretar ações demasiadas contra o governo em busca de medidas e ações para coibir ou amenizar ricos concretos e abstratos.9 Com a invisibilidade dos riscos ambientais decorrentes do progresso industrial constante, criou-se uma verdadeira fenda, uma lacuna na lógica do risco que preponderava nos sistemas de proteção anterior, que estavam mais baseados em perigos e acidentes probabilísticos. Os riscos CARVALHO Délton Winter de. Regulação constitucional e risco ambiental. Revista Brasileira de Direito Constitucional. n. 12, jul./dez., 2008, p. 15-16. Disponível em: <http:// www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-12/RBDC-12-013-Delton_Winter_de_Carvalho_(risco_ambiental).pdf>. Acesso em: 08 set. 2015. 7

CARVALHO Délton Winter de. Regulação Constitucional e Risco Ambiental. Revista Brasileira de Direito Constitucional. n. 12 – jul./dez. 2008. p. 15-16.. Disponível em: <http:// www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-12/RBDC-12-013-Delton_Winter_de_Carvalho_(risco_ambiental).pdf>. Acesso em 08 de set. 2015. 8

9

BECK, Ulrich. La sociedaddelriesgo mundial: En busca de laseguridad perdida. Traducción de Rosa S. Carbó. Barcelona: Paidós, 2008, p. 24-26.

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da Sociedade de Risco são imprevisíveis e de difícil controle. Os mecanismos de prevenção utilizados no passado para fazer frente a ameaças possíveis e conhecidas já não servem mais no presente. Este fato passa a exigir mecanismos mais sofisticados para integrar o futuro nas decisões que impactam sobre o meio ambiente.10 O principal exercício da Sociedade de Risco, não está no assumir que no futuro a sociedade terá de conviver com os riscos já existentes hoje, mas sim decidir em que mundo ela quer viver. Pois, o que se apresenta é um futuro predominado pela instabilidade e pela insegurança, fruto das ações e omissões do ser humano. A natureza não consegue controlar os danos causados pela modernização em escala desenfreada.11 Para Carvalho, a passagem da teoria do risco concreto para uma nova teoria do risco abstrato decorre do próprio poder de mutação da sociedade que evolui da sociedade industrial para uma sociedade de risco, onde as indústrias, principalmente, químicas e atômicas demarcam uma produção de riscos globais, invisíveis e de consequências ambientais inimagináveis.12 Carvalho aduz que: Em virtude das características da sociedade atual e dos conflitos por esta expostos ao Direito, tem-se a necessidade de que as decisões políticas e jurídicas levem em consideração os riscos não mais apenas após estes acarretarem em danos (como critério de atribuição de responsabilidade por danos), mas como elementos comunicacionais capazes de formar de vínculos jurídicos intergeracionais. A formação de uma Teoria do Risco Abstrato, forjada em resposta às necessidades estruturais impostas pelos novos direitos na sociedade pós-industrial, estabelece a existência de um dever de prevenção, obrigando à gestão dos riscos (ambientais) mediante tomadas de decisão que se antecipem à concretização destes em danos, uma vez considerada a relevância transindividual dos interesses envolvidos.13

10

LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. 2. ed. Rio de Janeiro: Forence Universitária, 2004, p. 17.

11

BECK, Ulrich. La Sociedad Del Riesgo Mundial: En busca de laseguridad perdida. Traducción de Rosa S. Carbó. Barcelona: Paidós, 2008, p. 25.

CARVALHO Délton Winter de. Regulação Constitucional e Risco Ambiental. Revista Brasileira de Direito Constitucional. n. 12 – jul./dez. 2008, p. 16. Disponível em: <http:// www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-12/RBDC-12-013-Delton_Winter_de_Carvalho_(risco_ambiental).pdf>. Acesso em 08 de set. 2015.

12

CARVALHO Délton Winter de. Regulação Constitucional e Risco Ambiental. Revista Brasileira de Direito Constitucional. n. 12 – jul./dez. 2008, p. 16. Disponível em: <http:// www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-12/RBDC-12-013-Delton_Winter_de_Carvalho_(risco_ambiental).pdf>. Acesso em 08 de set. 2015.

13

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Claro está que o sentimento de ameaça e a insegurança é uma condição da existência humana, desde o surgimento das civilizações, influenciado principalmente pela religião, costumes e cultura. Já na sociedade de risco o sentimento que se tem é de que os riscos são uma possibilidade e não mera especulação, são sempre acontecimentos futuros e possíveis de acontecerem, por isso, novamente o retorno ao argumento de que o risco ambiental possui a força destrutiva de uma guerra, capaz de transformar as formas de desigualdade social, imperando a economia do medo que se abastece na sensação de insegurança, gerando um sentimento profundo de desacomodação e, principalmente, de medo de que os riscos se convertem em realidade.14 Steigleider, ao analisar Beck, destaca que a origem dos riscos invisíveis e anônimos, resultantes do processo industrial, ocasionam o agravamento dos danos ambientais por sua característica de não previsibilidade. Bem como enfraquecem a possibilidade probatória por “exercem efeitos sobre o nexo de causalidade entre as atividades e os impactos”, uma vez que seus resultados podem chegar em proporções territoriais e temporais diversas e extensivas.15 Carvalho identifica duas espécies de riscos: “de um lado, os riscos concretos, característicos de uma sociedade industrial e, de outro, os riscos indivisíveis ou abstratos, inerentes à sociedade de risco (ou pós-industriais)”. Os riscos concretos para o autor são “riscos calculáveis pelo conhecimento vigente, sendo caracterizados pela possibilidade de uma ‘análise de risco determinística’ passível de uma avaliação científica segura das causas e consequências de uma determinada atividade”. No risco concreto o conhecimento científico disponível “é capaz de determinar sua existência” e a dimensão. Além do exposto, Carvalho enfatiza que os riscos concretos são “consequências nocivas de uma determinada atividade ou técnica, cujo conjunto de causalidade é provável e calculável pelo conhecimento científico vigente”.16

14

BECK, Ulrich. La Sociedad Del Riesgo Mundial: En busca de laseguridad perdida. Traducción de Rosa S. Carbó. Barcelona: Paidós, 2008, p. 25-27.

STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no Direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 63. 15

16

CARVALHO, Délton Winter de. Dano Ambiental Futuro. A responsabilização civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 66.

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Ao analisar a teoria da sociedade de risco desenvolvida por Beck, Carvalho referencia que a invisibilidade dos riscos, como reza a teoria do risco abstrato, se refere a não percepção destes riscos pelo ser humano através de seus sentidos, o que faz com que se passe despercebido os danos a sociedade está exposta, o que torna praticamente impossível a contabilidade das dimensões dos riscos abstratos, podendo, com base nesta teoria, ter um dano ambiental ocorrido em um país e o mesmo causar efeito em outro, extremamente distante. Outra característica do risco abstrato é sua “invisibilidade e hipercomplexidade causal”. Além do exposto, são riscos ecológicos que limitam a possibilidade de defesa da sociedade afetada, por simplesmente ser quase impossível calcular os danos, porquanto só se tem noção da abrangência de um dano abstrato quando suas consequências danosas começam a aparecer, diante de sua invisibilidade aos sentidos humanos. Neste contexto, citam-se os riscos que podem advir da biotecnologia, nanotecnologia, energia nuclear, entre outros, em que a incerteza científica impera.17

BECK TRAZ TRÊS AMEAÇAS GLOBAIS PRODUZIDAS NA SOCIEDADE DE RISCO a) As destruições ecológicas e os perigos tecnológico-industriais motivados pela riqueza das empresas e pelo poderio econômico, em que cita como exemplo a manipulação genética de plantas e seres humanos; b) Os riscos relacionados diretamente com a pobreza, em que refere que as ameaças ecológicas produzidas pela riqueza são exteriorizadas através dos custos (COSTES) de produção e as ameaças produzidas pela pobreza são interiorizadas, ou seja, concentram-se nos locais de origem, fazendo com que os pobres gerem prejuízos a si mesmos. c) As armas de destruição em massa, tais como armas nucleares, químicas e biológicas.18

17

CARVALHO, Délton Winter de. Dano ambiental futuro: A responsabilização civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 67.

18

BECK, Ulrich. La sociedaddelriesgo global. Madrid: Siglo Veintiuno de Espana Editores, 2002, p. 54.

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Ao compreender que os recursos advindos da natureza não são infinitos, experimenta-se uma apreensão que extrapola a singular preocupação de um Estado, adentrando na pauta global de discussões como tentativa de frear os danos ambientais.19 Por outro lado, na sociedade industrial pode-se dizer que há uma determinada previsibilidade dos efeitos colaterais da industrialização nos riscos distribuídos pela economia capitalista. Porém, na sociedade de risco “(que não deixa de tratar-se de uma sociedade industrial, potencializada pelo desenvolvimento tecnocientífico) há um incremento na incerteza quanto às consequências das atividades e das tecnologias empregadas no processo capitalista”. Ou seja, as ameaças ecológicas produzidas pelos processos produtivos possuem, também, um viés de incerteza quanto as consequências ao longo do tempo. Surgem assim riscos que ultrapassam barreiras temporais e físicas, com alcance globais, e principalmente invisíveis aos olhos dos homens, e com potencialidade catastrófica.20 Neste ponto, a teoria da sociedade do risco global desenvolvida por Beck surge como alternativa para refletir sobre os acontecimentos danosos ao meio ambiente. Danos com características mundiais que não se limitam a determinado espaço geográfico, cujas consequências não podem ser calculadas através de definição, não existem apenas no campo hipotético, tampouco podem ser compensados. Estes riscos estão e pertencem a todo o planeta, pois são globais e não de um determinado país. Outra característica é que os mesmos podem apresentar um grande período de latência, o que impede sua melhor avaliação e análise, eis que, muitas vezes, perduram no tempo, resultando em processos complexos que desencadeiam efeitos de longo alcance e para gerações futuras, não podendo ser tratados com precisão.21 Na atualidade, percebe-se um lento acordar da sociedade sobre os riscos por ela produzidos e um caminhar para buscar soluções para os danos ambientais, visando sua inércia e ou a minimização de seus efeitos. Na sequência, buscar-se-á conceituar dano ambiental.

LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 33-35.

19

20

CARVALHO, Délton Winter de. Dano Ambiental Futuro. A responsabilização civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 4-5.

21

BECK, Ulrich. La sociedaddelriesgo mundial:En busca de laseguridad perdida. Traducción de Rosa S. Carbó. Barcelona: Paidós, 2008, p. 84-85.

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DANO AMBIENTAL E A RESPONSABILIZAÇÃO PELO DANO AMBIENTAL Não há um conceito positivado de dano ambiental no sistema jurídico brasileiro, podendo ser construído a partir da interpretação do artigo 3º, inciso II, da Lei 6.938/1981.22 Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: [...] II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. [...]

Leite e Ayala ao realizar a análise do artigo 3º da Lei 6.938/81 argumenta que em uma concepção ampla, figura a posição de uma pessoa, grupo ou coletividade em relação ao bem natural, suscetível de satisfazer suas necessidades, sendo as consequências desta satisfação à origem dos danos ambientais. 23 Para os autores: 22

STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no Direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 103.

LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 111-112.

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O dano ambiental, por sua vez, constitui uma expressão ambivalente, que designa, certas vezes, alterações nocivas ao meio ambiente e outras, ainda, os efeitos que tal alteração provoca na saúde das pessoas e em seus interesses. Dano ambiental significa, em uma primeira acepção, uma alteração indesejável ao conjunto de elementos chamados meio ambiente, como por exemplo, a poluição atmosférica; seria, assim, a lesão ao direito fundamental que todos têm de gozar e aproveitar do meio ambiente apropriado. Contudo, em sua segunda conceituação, dano ambiental engloba os efeitos que esta modificação gera saúde das pessoas e em seus interesses. 24

Montenegro argumenta que é preciso ter presente que o dano ambiental se configura uma vez caracterizada a perda da capacidade funcional do bem natural protegido pelo sistema jusambiental.25 Por sua vez, Mirra expressa que dano ambiental é toda e qualquer lesão ao meio ambiente, seja ele cultural, artificial ou natural que viole o direito difuso e fundamental que a sociedade possui de viver em um ambiente ecologicamente equilibrado e sadio. Na sequência, o autor conceitua dano ambiental como: O dano ambiental pode ser definido como toda degradação do meio ambiente, inclusive os aspectos naturais, culturais e artificiais que permitem e condicionam avida, visto como bem unitário imaterial coletivo e indivisível, e dos bens ambientais e seus elementos corpóreos e incorpóreos específicos que o compõem, caracterizadora da violação do direito difuso e fundamental de todos à sadia qualidade de vida em um ambiente são e ecologicamente equilibrado.26

Nota-se que a degradação ambiental afeta todos indistintamente, mas os cidadãos menos favorecidos das classes sociais, principalmente os que estão vivendo em situação de miséria, são muito mais afetados pelos danos ambientais. Como grande parte destes cidadãos vivem em regiões já extremamente degradadas ou regiões de risco, a própria pobreza pode ser uma das causas de dano ambiental, eis que acarreta consequências no meio em que estão inseridos, conforme exposto também por Schonardie: LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. . ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 104. 24

25

MONTENEGRO, Magda. Meio ambiente e responsabilidade civil. 1. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 87.

26

MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e reparação do dano ao meio ambiente. 2. ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004, p. 94.

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A pobreza também é uma das causas de dano ao meio ambiente, pois dela decorrem as sequelas da fome, da falta de moradia, de roupa, de educação, o que, em efeito dominó, acarreta outros tipos de desgaste ambiental, como o exaurimento das terras marginais (pelo uso indevido do solo), o aumento do número de cidades congestionadas (pela população favela/marginalizada).27

Com a amplitude e complexidade do bem jurídico tutelado, o dano ambiental vem sendo fragmentado conceitualmente, visando melhor enquadramento na sua aplicabilidade. Para Leite e Ayala, o chamado de dano ecológico puro possui uma “conceituação restrita, relacionada com os componentes da natureza do ecossistema e não ao patrimônio cultural ou artificial”, ou seja, os que “atingem, de forma intensa, bens próprios da natureza”. Em maior amplitude conceitual, os autores observam que o dano ambiental lato sensu é aquele “concernente aos interesses difusos da coletividade”, que abrange “todos os componentes do meio ambiente”, incluindo o patrimônio cultural”. Desta forma, está-se protegendo o meio ambiente e seus componentes, num todo, em sua concepção singular.28 Por ser um elemento imprescindível para a caracterização da responsabilização, seja ela civil ou penal, o conceito e classificação de dano ambiental se faz necessário para a aplicação da tutela jurídica no caso prático. Ao não ter um conceito expressamente definido em lei, coube aos doutrinadores tal função, de modo a preencher as lacunas conceituais do direito ambiental.29 Diante destas lacunas conceituais, Carvalho defende ter acertado o legislador em não trazer expressamente em Lei uma definição do conceito de dano ambiental, sob pena de inevitáveis limitações da incidência do Direito e sua responsabilização sobre o caso concreto, vez que “os riscos oriundos de uma previsão normativa levariam a um enrijecimento conceitual incompatível com a dinâmica da evolução tecnológica e de

27

SCHONARDIE, Elenise Felzke. Dano ambiental: a omissão dos agentes públicos. 1. ed. Passo Fundo: UPF, 2003, p. 29.

LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 105.

28

PILATI, Luciano Cardoso; LEITE, José Rubens Morato. Responsabilidade Civil Ambiental. In: LEITE, José Rubens Morato (Coord.). Direito ambiental simplificado. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 65-66.

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seu potencial lesivo existente na sociedade contemporânea”.30 Nesta linha, é vasto o campo doutrinário quanto ao conceito de dano ambiental. Weyermüller argumenta que dano ambiental possui um conceito aberto, de difícil definição: Definir esse dano, porém, enfrenta certa dificuldade, uma vez que não existe na legislação pátria uma definição expressa sobre o que seria afinal o dano em matéria ambiental. [...] Essa circunstância de ausência de expressa previsão legislativa revela que o conceito de dano ambiental é um conceito aberto, que permite um maior dinamismo na construção de decisões judiciais conforme o caso concreto e suas peculiaridades dinâmicas e diversas nas formas em que se apresentam. Uma conceituação de dano prevista em lei poderia engessar a incidência da norma em relação a eventos e consequências que seriam considerados danos, deixando de fora outros não expressamente descritos, como suporte fático de uma norma ambiental.31

Tal amplitude conceitual decorre do fato de ser o dano ambiental um ato capaz de alcançar tanto a esfera singular, quanto coletiva, tendo modalidades próprias de enquadramento e soluções, o que indica a necessidade de uma análise mais atenta e cuidadosa.32 O dano ambiental é classificado por Carvalho quanto aos interesses oriundos de sua lesão (dano ambiental individual e dano ambiental coletivo) e quanto a natureza do bem violado (dano ambiental patrimonial e dano ambiental extrapatrimonial). No entendimento do autor “um mesmo dano ambiental pode compreender, simultaneamente, lesão de natureza individual, coletiva, patrimonial e extrapatrimonial, pois estas não são excludentes em relação umas às outras”.33 O dano ambiental individual, também conceituado como dano ambiental reflexo, indireto, autônomo, pessoal ou privado, é aquele que apresenta um dano ao meio ambiente na esfera privada. Seu objetivo elementar não é a guarida dos valores ambientais, mas sim os interesses

30

CARVALHO, Délton Winter de. Dano Ambiental Futuro: A responsabilização civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 79.

31

WEYERMÜLLER, André Rafael. Direito ambiental e aquecimento global. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 15.

32

SCHONARDIE, Elenise Felzke. Dano ambiental: a omissão dos agentes públicos. 1. ed. Passo Fundo: UPF, 2003, p. 26-29.

33

CARVALHO, Délton Winter de. Dano Ambiental Futuro: A responsabilização civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 82.

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singulares do próprio lesado.34 No entanto, como bem esclarece Sendim, a restauração do dano ambiental individual não se restringe apenas ao objetivo direto à proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadio, “mas sim de bens e interesses individuais cuja proteção não é determinada pela axiologia ambiental. Por isso, tal conjunto de prejuízos seria ressarcível independentemente da proteção jurídico ambiental”.35 Importante ter presente que na modalidade de dano ambiental individual, o dano e seus efeitos geram interesses na esfera patrimonial pessoal, sendo o meio ambiente tutelado de forma indireta pela atitude do demandante que ao sofrer o dano ingressa com uma ação e, a partir dessa demanda, a lesão ao meio ambiente também é objeto de decisão, ou seja, o interesse protegido, “de forma direta, é a lesão ao patrimônio e demais valores das pessoas; e, de forma mediata e incidental, o meio ambiente da coletividade, contribuindo para sua proteção e para o exercício indireto da cidadania ambiental”.36 É neste sentido também o dizer de Carvalho: Os danos ambientais individuais ou reflexos consistem nos danos ambientais que, ao atingirem o meio ambiente, lesam “por ricochete” a esfera de direito do indivíduo em seu patrimônio ou saúde. Tal espécie de dano ambiental configura-se como aqueles prejuízos que, atingindo o meio ambiente de forma imediata, repercutem deforma mediata na esfera individual de particulares (saúde, patrimônio ou bem-estar) ou lesam o ente público (bens públicos), singularmente considerado. 37

Para a efetivação da tutela jurisdicional reparatória do dano ambiental individual, o particular interessado, ou os legitimados pela Lei, podem se valer dos instrumentos processuais ofertados pela legislação brasileira, tais como os contidos no Código de Direito Civil e no Código de Processo Civil, da Ação Popular Ambiental; da Ação Civil Pública, nos termos da Lei n° 7.347/1985, juntamente com as alterações do Código de Defesa do Consumidor, em especial as que tratam especificamente de direitos individuais homogêneos, bem como as demais legislações pertinentes. Por ser 34

SILVA, Danny Monteiro da. Dano ambiental e sua reparação. 1. ed. Curitiba, PR: Juruá, 2012, p. 117.

35

SENDIM, José de Souza Cunhal. Responsabilidade civil por danos ecológicos. Coimbra: Livraria Almedina, 2002, p. 37.

LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 160.

36

37

CARVALHO, Délton Winter de. Dano Ambiental Futuro: A responsabilização civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 82.

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um direito subjetivo é possível a todos os indivíduos pleitear a sua defesa, inclusive na seara individual. Um exemplo clássico é a possibilidade de ingresso da Ação Popular, prevista na Constituição Federal, em seu art. 5°, inciso LXXIII, que possibilita a qualquer cidadão como parte legítima propor a ação, com vistas a postular a restauração ou a anulação de ato degradante ao meio ambiente e/ou ao patrimônio histórico e cultural.38 Para Schonardie a reparação do dano ambiental, em sua tutela jurisdicional individual, pode ser reparado sob duas formas: i] considerar “os bens e os interesses individuais próprios e reflexos ao meio ambiente no aspecto microbem”; ii] considerar “o meio ambiente como macrobem, em vista dos direitos subjetivos fundamentais, relativamente à proteção do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Neste sentido, para a autora é necessário indicar a relação direta entre o dano ao meio ambiente e o prejuízo sofrido pelo particular. Entretanto, essa reparação mesmo que de maneira indireta, protege o meio ambiente coletivo, tendo em vista que extrapola as esferas tradicionais da responsabilidade civil contidas no ordenamento civil pátrio, encontrando respaldo nas relações de consumo relacionadas com o meio ambiente. Assim, o dano ambiental individual está protegido pela lei n° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), pois “assoalha-se no direito ambiental, de modo a garantir a satisfação de um direito particular pelo exercício do direito da cidadania ambiental”. Ademais, para Schonardie, a garantia de proteção de forma incidental está no fato de que “o objetivo principal não é a restituição do status quo anterior ao dano, mas, sim, a indenização dos prejuízos sofridos pelos indivíduos na esfera particular”.39 Além do dano ambiental individual, há a previsão do dano coletivo, sendo este o dano que atinge de forma global e de forma direta o meio ambiente, não causando lesão, necessariamente, no direito patrimonial humano (microbem). Em outras palavras, trata-se de dano impessoal, por sua titularidade ser toda a coletividade (macrobem) e sua lesão afetar o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadio,

LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 159-160.

38

39

SCHONARDIE, Elenise Felzke. Dano ambiental: a omissão dos agentes públicos. 1. ed. Passo Fundo: UPF, 2003, p. 30-31.

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como previsto no artigo 225 da Constituição Federal da República Federativa do Brasil.40 Ratificando essa posição, Schonardie precisa que o dano ambiental coletivo é aquele em que: É discutida a lesão ao macrobem ambiental difuso, cuja titularidade pertence à coletividade‟. Nesse sentido, a proteção imediata recai sobre o meio ambiente em si e na urgente necessidade de reparação do dano sofrido. [...] Em suma, o dano ambiental coletivo é aquele que atinge os bens juridicamente tutelados pela norma ambiental, cuja titularidade pertence à coletividade. E a reparação desse dano ambiental tem por objeto imediato o interesse da coletividade, e não o do particular, pois a proteção da norma legal dirige-se a todos.41

Para Carvalho, os danos ambientais coletivos são aqueles que trazem prejuízos diretamente ao meio ambiente, sendo desnecessária repercussão danosa nos interesses humanos. Assim, para o autor: Os danos ambientais coletivos são aqueles que dizem respeito aos sinistros causados ao meio ambiente em si, sem a necessidade de qualquer comprovação de repercussão lesiva à esfera de interesses humanos. Esse preceito parte do pressuposto de que a lesão ao ambiente em si, já viola as condições e a qualidade de vida humana, atingindo negativamente os interesses transindividuais (difusos e coletivos) que envolvem os direitos de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.42

Milaré mostra a diferença dos direitos difusos e coletivos ao mencionar que o direito difuso é um direito transindividual, indivisível, tendo como titulares pessoas indeterminadas, mas conectadas pelo simples fato de residirem no mesmo local, consumindo os mesmos produtos, expondo-se aos mesmos riscos e perigos. O autor sintetiza que os danos ambientais coletivos possuem como titulares grupos, classes ou categorias de pessoas, interligadas com a parte contrária por uma relação jurídica base, que em suas palavras são: “o condomínio, o sindicato, os entes profissionais”.43 LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 177-183. 40

41

SCHONARDIE, Elenise Felzke. Dano ambiental: a omissão dos agentes públicos. 1. ed. Passo Fundo: UPF, 2003, p. 31-32.

42

CARVALHO, Délton Winter de. Dano Ambiental Futuro: A responsabilização civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 82.

43

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: A gestão ambiental em foco. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 1006.

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Estes conceitos, de direito coletivo e difuso, também vêm expressamente na Lei 8.078/90, em seu artigo 81, incisos I e II: Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.44

A importância de se ter de forma concreta e cristalina que os danos ambientais coletivos possuem caráter difuso e coletivo se faz necessário para compreender que sua tutela será demandada através de ação civil pública e de ação popular, diferentemente dos danos ambientais individuais, os quais possuem, também, alternativas particulares para a tutela de seus danos. Tendo esta percepção clara, é fácil compreender que o maior ator para as demandas ambientais será o Ministério Público, manipulando processualmente a tutela, com vistas a proteger o dano coletivo ou prevenir sua ocorrência.45 É neste sentido o fundamento de Milaré: Em virtude da importância desses interesses e da difusão das vítimas, cumpre fundamentalmente ao Ministério Público a manipulação das medidas processuais tendentes a garantir a reparação do dano ambiental coletivo ou mesmo a prevenir a sua ocorrência. 46 BRASIL. Presidência da República. Lei n° 8078, de 11 de setembro de 1990 (Código do Consumidor) .Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/l8078.htm>. Acesso em: 27 de ago. 2015.

44

45

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: A gestão ambiental em foco. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 813.

46

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: A gestão ambiental em foco. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 813.

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Ainda, quanto à natureza do dano ambiental, este pode ser classificado como patrimonial, quando causar diminuição no patrimônio ou ofender interesse econômico, e extrapatrimonial, também conhecido como não patrimonial ou moral que se configura na ofensa de ordem moral, quando a qualidade de vida é afetada por deterioração do ambiente.47 O dano ambiental patrimonial “é toda lesão ou prejuízo causado aos bens materiais e que efetivamente cause um dano material, que possui valor pecuniário, representada, na sua individuação, pelo dano emergente e pelo lucro cessante.”48 Diante desses fatores, Silva afirma que o dano patrimonial, também chamado de dano material pelo autor, está relacionado diretamente com o “status quo ante” dos bens e áreas, com a devida indenização das perdas sofridas.49 Por sua vez, o dano extrapatrimonial ou moral, é aquele que se ausenta da esfera material trazendo prejuízos imateriais, vinculado no plano subjetivo, como se observa em Montenegro: O dano moral consiste nos reflexos negativos das lesões a um bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade física e psíquica, a imagem, o nome, a intimidade, a privacidade. Carece de dimensão econômica, estando vinculado ao plano subjetivo, à dignidade pessoal e a outros atributos ligados à personalidade.50

Para Leite e Ayala, o dano extrapatrimonial ou moral ambiental está “relacionado diretamente com a lesão e seus efeitos na seara não patrimonial”, relacionando-se estreitamente com “a sensação de dor sofrida ou seu equivalente conceito mais amplo”, com todo seu prejuízo “nãopatrimonial causado à sociedade ou ao até mesmo ao indivíduo em sua esfera pessoal, em virtude da lesão do meio ambiente”.51 Em Carvalho o

47

FREITAS, Vladimir Passos. Direito ambiental em evolução. n. 2. Curitiba: Juruá, 2000, p. 168.

48

MIRRA, Álvaro Luis Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 98.

49

SILVA, Danny Monteiro da. Dano ambiental e sua reparação. 1. ed. Curitiba, PR: Juruá, 2012, p. 120.

50

MONTENEGRO, Magda. Meio ambiente e responsabilidade civil. 1. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 93.

LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 106.

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dano extrapatrimonial ambiental são os prejuízos a valores de ordem espiritual, psíquicos e moral “ocasionados ao indivíduo (aspecto subjetivo) ou à sociedade (aspecto objetivo), em razão dos danos ocasionados ao meio ambiente”.52 Do exposto, pode-se dizer que o dano ambiental, diferentemente dos demais danos tradicionalmente protegidos pelo ordenamento jurídico, possui “peculiaridades relacionada como o fator tempo na produção de seus efeitos”. Todavia, isto impõe uma série de dificuldades para “a comprovação do nexo causal entre a conduta e a lesão, dificultando a identificação e a imputação da responsabilidade aos agentes causadores do evento danoso”, o que vem apontando para a necessidade de redefinir juridicamente o tempo do dano, “visando atribuir maior eficácia na implantação dos princípios da precaução e prevenção, de modo a permitir que eventuais efeitos futuros sejam sempre considerados na implementação de qualquer conduta”.53 Deste modo, a responsabilização pelo dano ambiental não deve se ater somente em sua função repressiva, mas também na preventiva direta e indireta como instrumento para impor ao agente causador obrigações de fazer e muitas vezes de não fazer, antes mesmo da ocorrência do dano ambiental, objetivando a não ocorrência de dano futuro, baseado na teoria do risco abstrato.54 O controle dos danos ambientais é fundamental para que a garantia ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e a qualidade de vida, ambos previstos no “caput” do artigo 225 da Constituição Federal da República Federativa do Brasil sejam asseguradas para as presentes e futuras gerações. Ainda no contexto do § 3.º do art. 225 da CF há a previsão da tríplice penalização do poluidor quando a ocorrência de atos lesivos ao meio ambiente, ou seja, no ordenamento jurídico brasileiro a responsabilidade ambiental se dá na esfera civil, administrativa e penal. A responsabilidade civil ambiental é objetiva, independe do elemento culpa e está alicerçada na teoria do risco integral e na teoria do risco criado ou teoria do risco da atividade.

52

CARVALHO, Délton Winter de. Dano Ambiental Futuro: A responsabilização civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 84.

53

SILVA, Danny Monteiro da. Dano ambiental e sua reparação. 1. ed. Curitiba, PR: Juruá, 2012, p. 162-163.

54

CARVALHO, Délton Winter de. Dano Ambiental Futuro: A responsabilização civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p. 120-121.

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Esta transformação na seara ambiental se dá na passagem da sociedade industrial para a sociedade de risco quando há uma utilização desmedida de recursos ambientais e uma agressão aos mesmos sem precedentes na história da humanidade. Por ser objetiva, a responsabilidade ambiental alcança aquele que causar o dano – pessoa física ou jurídica – independente de perquirir sobre a existência de culpa ou não do agente causador. Mesmo no desenvolvimento de uma atividade lícita, se esta gerar perigo ou risco de dano, o degradador responde pelo risco sem a necessidade da vítima provar culpa do agente.

RESPONSABILIDADE PENAL AMBIENTAL E OS CRIMES AMBIENTAIS NA LEI 9.605/1998 A responsabilidade é um dos temas mais divergentes na doutrina, motivada pela grande expansão jurídica e seus reflexos diretos nas relações e atividades humanas. O ser humano ao causar um ilícito penal ambiental desestabiliza a relação jurídica-econômica anteriormente existente entre o causador e o meio afetado, impondo ao agente causador a necessidade e a responsabilidade de restabelecer o “status quo” e responder criminalmente pelo dano. 55 Em relação ao restabelecimento do “status quo” no campo ambiental na maioria das vezes esta reparação se torna impossível. Na esfera criminal, a responsabilidade configura-se como um mecanismo que o Estado possui para inibir ações consideradas ilícitas, e se diferenciar da responsabilidade civil, aplicando medidas coibidoras e punitivas para quem comete condutas vedadas pelo ordenamento jurídico ambiental brasileiro. Já a responsabilização civil almeja principalmente, indenizar o ofendido pelo dano causado.56

55

SCHONARDIE, Elenise Felzke. Dano ambiental: a omissão dos agentes públicos. 1. ed. Passo Fundo: UPF, 2003, p. 65-66.

LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryk de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 132-133.

56

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Com a internalização punitiva própria da sanção penal, a seara criminal contribui para inibir ações lesivas ao meio ambiente ao estabelecer sanções a pessoas físicas e jurídicas que cometem crimes ambientais, independente da obrigação de reparar os danos causados (responsabilização civil e administrativa). Ademais, a responsabilização penal por conduta ambiental lesiva deixa de ser uma simples compensação econômica para tornar-se um mecanismo privilegiado de sanções penais e administrativas. Neste sentido, a Lei dos Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/1998) chega para impor sanções penais e administrativas à ações resultantes de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Antes de tornar-se lei autônoma, foram encaminhadas várias propostas de integração dos tipos penais ambientais no próprio Código Penal Brasileiro, como tipos penais autônomos. Estas iniciativas e discussões certamente facilitaram a compreensão das condutas lesivas ao meio ambiente que deveriam ser tuteladas pelo Direito Ambiental, pela natureza mais gravosa de algumas condutas agressivas ao meio ambiente e que exigiam respostas duras do sistema penal. Nasce assim a Lei 9.605/98, denominada de Lei dos Crimes Ambientais.57 De referir que as leis penais ambientais anteriores, de uma forma geral, eram dispersas e confusas e não atendiam ao clamor pela proteção ambiental da CF de 1988. A relevância da Lei dos Crimes Ambientais não está apenas em seu aspecto punitivo. O que sobressai nela é o fato da mesma ser mais um importante mecanismo de proteção ao bem ambiental na sociedade de risco. Como já ponderado, o meio ambiente é um bem complexo, transindividual, coletivo e difuso e, por isso, também merecedor de uma tutela penal que dificulte ou impeça o comportamento de lesão e usurpação de forma livre e imoderada.58 O legislador nas palavras de Leite e Ayala não “pretendeu alterar a responsabilidade civil, mas, sim, a penal e a administrativa”. O que o legislador quis mostrar é “que os reflexos cíveis sobre responsabilidade do dano ambiental são, de fato, mecanismos interligados com responsabilidade civil, sendo que a função primária, aqui, ao contrário, é o exercício do jus puniendi”.59 Acrescenta-se que o conjunto da Lei 57

LEMOS, Patrícia Fraga Iglecias. Dano ambiental: responsabilidade civil e proteção ao meio ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 223-225.

58

PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 121-122.

LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryk de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 155.

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nº 6.938/81, somada com a Lei nº 7.347/85 e com a promulgação da Lei nº 9.605/98 formou-se o que se chama de tripé de proteção ao meio ambiente, que ao lado da Constituição Federal de 1988 tornaram-se o “núcleo de fundamentalidade do Direito Ambiental Brasileiro”, resultando em um notável o avanço na matéria legislativa ambiental, em termos quantitativos.60 Note-se que a Lei 9.605/98 optou por trazer em seu corpo textual os mesmos meios de sanções da denominada visão clássica, prevista no Direito Penal brasileiro: privativas de liberdade, restritivas de direito e multa, sendo as penas de multa e restritiva de direitos as mais adequadas na aplicabilidade ao analisar as condições subjetivas do autor da infração. Estas penas, em virtude do limite das suas sanções, poderão ser aplicadas em quase a totalidade dos casos envolvendo pessoas físicas, através da prestação à comunidade, da temporária interdição de direitos, da suspensão total ou parcial de suas atividades, da prestação pecuniária e do recolhimento domiciliar. 61 A grande novidade da Lei dos Crimes Ambientais e um de seus maiores avanços em relação a legislação anterior é a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica. O processo de industrialização e a sociedade de risco são reflexos, principalmente, da ação da pessoa jurídica. Para Leite e Ayala são as pessoas jurídicas que “provocam maior lesão e ameaça de perigo ao bem ambiental” ao assumirem o risco do empreendimento. Para os autores, a outra inovação da Lei 9.605/98 é o fato da mesma conferir ao “juiz competência para aplicar penas alternativas aos culpados, em substituição à restritiva de liberdade, e adaptou o direito penal à proteção do bem ambiental, que hoje é considerado de intensa conotação social”. 62

60

LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 139.

TEDARDI, Maurílio dos Santos. Proteção ao meio ambiente: considerações acerca dos aspectos penais. Revista Fapciência, Apucarana. Paraná, v.5, n. 6. 2009, p. 37–54. Disponível em: <http://www.fap.com.br/fapciencia/005/edicao_2009/006.pdf>. Acesso em: 27 ago. 2015.

61

LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryk de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 134.

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Para Sznick o ponto que permite a responsabilização da pessoa jurídica é sua capacidade de ser pessoa titular de direitos e deveres, ou seja, sua personificação, que a destinge de outras entidades semelhantes, sendo esta a personificação a porta para a obtenção da autonomia patrimonial, limitação ou suspensão em determinados objetivos práticos ensejadores da responsabilidade individual. 63 Essa mudança de posicionamento veio preencher uma lacuna interpretativa entre a lei, a sanção e as condutas praticadas, isto porque punir apenas pessoas naturais, nem sempre satisfaz o objetivo de intimidar a pessoa jurídica ao não cometimento de ilícitos penais ambientais, porquanto as condições financeiras do infrator natural induziria a própria pessoa jurídica honrar o pagamento em eventual culminação de pena de multa pecuniária em decorrência da atividade contrária a lei ambiental.64 Retomando novamente a análise geral da Lei de Crimes ambientais, Sznick registra que para a fixação da pena é necessária a análise do artigo 6º da Lei dos Crimes Ambientais que substitui a aplicação do artigo 59 do Código Penal, o qual descrevia de forma genérica as modalidades que devem ser levadas em consideração para a imposição da penalidade, quais sejam: i] a gravidade dos fatos analisando, os motivos e consequências da ação agressora; ii] os antecedentes do infrator para verificar eventual descumprimento da legislação; iii] a situação econômica, no caso da ponderação de arbitramento de multa.65 Outro fato relevante da lei é a separação dos crimes segundo os objetivos de tutela, como: i] crimes contra a fauna (arts. 29-37); ii] crimes contra a flora (arts. 38-53); iii] poluição e outros crimes ambientais (arts. 54-61); Iv] crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultura (arts. 62-65); iv] crimes contra a Administração Ambiental (arts. 66-69). Cabe indicar que na análise da Lei de Crimes Ambientais verificou-se o expressivo número de condutas criminalizadas dispostas em seu corpo de Lei que possuem preceitos com lacunas, tal como em seu artigo 29, § 4º, inciso I e VI, onde não há a taxatividade das espécies raras

63

SZNICK, Valdir. Direito penal ambiental. São Paulo: Ícone. 2001, p. 39.

64

MILARÉ, Édis; COSTA JUNIOR, Paulo José da; COSTA, Fernando José da. Direito penal ambiental. 2. ed. ver. Atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 42.

65

SZNICK, Valdir. Direito penal ambiental. São Paulo: Ícone. 2001, p. 121

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ou ameaçadas de extinção, tampouco a definição dos métodos ou instrumentos capazes de provocar destruição em massa como exigidos pelo tipo incriminador. Portanto, alguns preceitos necessitam de complementação em outras leis, inclusive extrapenais. Isto significa uma grande ameaça ao princípio da Legalidade eis que não cumpre com a obrigação do Direito Penal em trazer a definição de condutas, de modo completos e autônomos, buscando evitar a remissão em outros dispositivos normativos.66 Por fim, é preciso dizer que embora a lei 9.605/98 tenha surgido como uma mola propulsora nas diretrizes jurídicas penais ambientais, seus impactos, importância e relevância, são, na prática, muito inferiores aos objetivos da mesma quando de sua elaboração. Como exemplo, cita-se a proteção da biodiversidade, em que a mesma deixa a desejar no objetivo de proteger a fauna, a flora e a propriedade cultural, podendo colocar em risco a função ecológica e consequentemente a extinção destas espécies.67 Marchesan, Steigleder e Cappelli analisam a Lei dos Crimes Ambientais como um ato normativo brando, embora compartilham que a mesma prevê as três possibilidades de responsabilização do agressor da natureza (civil, administrativa e criminal). Para as autoras, do ponto de vista penal, essa lei não provê sanções graves, tendo como sanção de maior austeridade a supressão temporária da liberdade. As autoras registram ainda que esta pena é raramente aplicada nos casos a ela são submetidos, em face dos preceitos e benefícios contidos nas legislações externas, amplamente aplicadas aos seus tipos penais ambientais, tais como os benefícios da transação penal e a suspensão condicional do processo, ambos previstos na Lei 9.099/95. As autoras percebem, ainda, um tipo penal ambiental previsto na Lei 9.605/98 que não se enquadra nos benefícios despenalizadores que as autoras identificam como o delito de incêndio em mata ou floresta, tipificado em seu artigo 4168.69

66

MILARÉ, Édis; COSTA JR, Paulo José da; COSTA, Fernando José da. Direito Penal Ambiental. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 51.

67

PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 203-205.

68 “Art. 41. Provocar incêndio em mata ou floresta: Pena - reclusão, de dois a quatro anos, e multa. Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de detenção de seis meses a um ano, e multa”. 69

MARCHESAN, Ana Maria Moreira; STEIGLEDER, Annelise Monteiro; COPPELLI, Silvia. Direito Ambiental. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2008, p. 176-177.

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Além do já exposto, resta prejudicado o cumprimento da Lei nº 9.605/98 em seus efeitos punitivo e preventivo, pelo fato já analisado de que a grande maioria de seus tipos penais são considerados de menor potencial ofensivo. Cita-se como exemplo o artigo 2º da Lei nº 9.099/9570 que prioriza a conciliação e a transação penal e demais benefícios despenalizadores, mediante preenchimentos de certos requisitos legais.71 Para Prado a Lei dos Crimes Ambientais prevê uma intervenção penal limitada e cuidadosa. Justifica a sua visão pelo fato da referida lei filiar-se a corrente protetora do direito penal como ultima ratio. Ainda, ao analisar a relação entre as leis ambientais pretéritas que em parte ainda estão em vigor, o autor argumenta que as mesmas são catastróficas, complexas e tecnicamente imperfeitas comparadas com a Lei 9.605/98. Por isso, na visão de Prado, a Lei 9.605/98 ao agrupar os elementos que formam o meio ambiente, objetiva uma harmonia entre as normas incriminadoras e suas respectivas sanções, fruto de uma sensibilidade emergente. Por outro lado, o autor também tece críticas a Lei e traz como exemplo a possibilidade da aplicação do princípio da insignificância que tem o poder de afastar a aplicação das sanções penais à lesões individuais que podem parecer não lesivas, mas que a longo prazo ou realizada reiteradas vezes tem potencial de destruir bens ambientais.72 A aplicação pelos Tribunais do princípio da insignificância demanda grande cautela, porquanto o dano ambiental possuir a capacidade de alcançar toda a coletividade e possuir efeito cumulativo, o que no longo prazo pode tornar visível as agressões que hoje são tidas como irrisórias, e ser irremediável. Por fim, é de se questionar se o princípio da insignificância deveria ser aplicado à crimes ambientais, pelo fato de que se cada cidadão resolver abater animais da fauna ou cortar uma árvore o ecossistema seria gravemente afetado. Estas constatações corroboram com a indicação de que a Lei dos Crimes Ambientais ainda é muito branda e em algumas situações ineficaz.

“Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação”.

70

FIGUEIRÓ, Fabiana Silva. A lei federal n. 9.605/98 e a composição do dano ambiental: reflexões críticas. Revista Veredas do Direito, Belo Horizonte, v.8 n.15. Janeiro/Junho de 2011, p. 155-156. Disponível em: <http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/issue/view/21/showToc>. Acesso em: 05 set. 2015. 71

72

PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 163.

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Por fim, mesmo com a previsão constitucional em matéria de proteção penal-ambiental, é possível dizer que em grande parte dos casos, as sanções estipuladas na Lei dos Crimes Ambientais são ineficazes para proteger o meio ambiente. Por outro lado, o que se percebe é que a Constituição Federal de 1988 é mais eficaz em termos de reparação do meio ambiente pelas vias administrativa e civil. Isso se dá, em razão do rito nos delitos cuja pena máxima não ultrapassa o limite de dois anos. Além do mais, esse fato pode ser considerado uma benesse da Lei de Crimes Ambientais, o que em termos práticos não leva a restauração do dano ambiental praticado e a conscientização da importância dos bens ambientais para as presentes e futuras gerações.73

CONSIDERAÇÕES FINAIS A anuência da existência de uma crise ambiental sugere a existência de uma nova visão de desenvolvimento humano sobre o olhar atento do discurso do desenvolvimento sustentável. A consciência de que se está vivendo em uma Sociedade de Risco reflete na internalização de que são necessários limites à racionalidade do sistema econômico. O sistema jurídico também passa a admitir o risco por sua dimensão abstrata ao lançar em suas decisões forte preocupação com o futuro, adotando novos instrumentos jurídicos para compreensão dos riscos abstratos e completos. Por possuir a magnitude de uma guerra, Beck argumenta que os riscos ambientais causam destruição, desnivelando a régua da igualdade social, com a capacidade da ampliação da miséria. Por outro lado, pode se dizer que há certa previsibilidade dos efeitos colaterais da industrialização no sistema capitalista, não havendo fronteiras limítrofes para a expansão dos efeitos danosos com potencial escatológico de atingir todo o planeta Terra. Com efeito, a responsabilização pelo dano ambiental deve atender as funções repressivas e preventivas, em suas formas diretas e indiretas, objetivando a reparação da lesão praticada e a não ocorrência de dano futuro. No Brasil, antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 FIGUEIRÓ, Fabiana Silva. A lei federal n. 9.605/98 e a composição do dano ambiental: reflexões críticas. Revista Veredas do Direito, Belo Horizonte, v.8 n.15. Janeiro/Junho de 2011, p. 155-157. Disponível em: <http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/issue/view/21/showToc>. Acesso em: 05 set. 2015. 73

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não se tinha positivado a necessidade de uma norma repressiva para limitar e coibir os atos criminosos do ser humano em relação ao meio ambiente. Com a Constituição Federal de 1988, o Estado brasileiro assume-se como Estado Socioambiental de Direito ao internalizar princípios ambientais constitucionais, entre os quais destaca-se o princípio da responsabilização tanto na esfera civil, administrativa como na esfera penal. Como as sanções civis e administrativas não alcançando seus objetivos de diminuir as agressões e usurpações de bens ambientais, gerouse a necessidade de intervenção da área penal para coibir as ações humanas contra o meio ambiente, mantendo o principio de intervenção como ultima alternativa. Neste sentido, a Lei 9.605 de 1998 trouxe uma abordagem mais rigorosa, diferenciando-se das leis anteriores por ser de fácil compreensão e possuir menos lacunas. As sanções penais se constroem sob o estigma de serem a última alternativa para coibir os atos ilícitos ambientais. A Lei de Crimes Ambientais prevê a responsabilização de pessoas físicas e jurídicas que cometer ilícito penal ou deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evita-la. Passados 17 anos da promulgação da Lei de Crimes Ambientais pode-se inferir que as sanções previstas são ineficazes para coibir o dano e o risco ambiental. Um dos fatores de sua ineficácia está nas penas brandas aplicadas para determinados crimes ambientais e na utilização do princípio da insignificância frente a determinados crimes ambientais considerados isoladamente como de menor potencial lesivo.

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REFERÊNCIAS BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo mundial: En busca de laseguridad perdida. Traducción de Rosa S. Carbó. Barcelona: Paidós, 2008. _____, Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. Traduzido por Sebastião Nascimento. São Paulo: Ed. 34, 2010, p. 27-28. BRASIL. Presidência da República. Lei n° 8078, de 11 de setembro de 1990 (Código do Consumidor). Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil/leis/l8078.htm>. Acesso em: 27 de ago. 2015. CARVALHO, Délton Winter de. Dano Ambiental Futuro. A responsabilização civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. _____, Regulação constitucional e risco ambiental. Revista Brasileira de Direito Constitucional. n. 12, jul./dez., 2008. Disponível em: <http:// www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-12/RBDC-12-013-Delton_Winter_de_Carvalho_(risco_ambiental).pdf>. Acesso em: 08 set. 2015. FIGUEIRÓ, Fabiana Silva. A lei federal n. 9.605/98 e a composição do dano ambiental: reflexões críticas. Revista Veredas do Direito. Belo Horizonte, v.8, n.15, Jan./Jun. 2011. Disponível em: <http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/issue/view/21/showToc>. Acesso em: 05 set. 2015. FREITAS, Vladimir Passos. Direito ambiental em evolução. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2000. LEFF, Henrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade e poder. Petrópolis: Vozes, 2001. LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. 2. ed. Rio de Janeiro: Forence Universitária, 2004.

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_____, Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. LEMOS, Patrícia Fraga Iglecias. Dano ambiental: responsabilidade civil e proteção ao meio ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. MARCHESAN, Ana Maria Moreira; STEIGLEDER, Annelise Monteiro; COPPELLI, Silvia. Direito Ambiental. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2008. MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: A gestão ambiental em foco. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. MILARÉ, Édis; COSTA JR, Paulo José da; COSTA, Fernando José da. Direito Penal Ambiental. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e reparação do dano ao meio ambiente. 2. ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004. MONTENEGRO, Magda. Meio ambiente e responsabilidade civil. 1. ed. São Paulo: IOB Thomson, 2005. PILATI, Luciano Cardoso; LEITE, José Rubens Morato. Responsabilidade Civil Ambiental. In: LEITE, José Rubens Morato (Coord.). Direito ambiental simplificado. São Paulo: Saraiva, 2011. PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. SCHONARDIE, Elenise Felzke. Dano ambiental: a omissão dos agentes públicos. 1. ed. Passo Fundo: UPF, 2003. SENDIM, José de Souza Cunhal. Responsabilidade civil por danos ecológicos. Coimbra: Livraria Almedina, 2002. SILVA, Danny Monteiro da. Dano ambiental e sua reparação. 1. ed. Curitiba, PR: Juruá, 2012.

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SZNICK, Valdir. Direito Penal Ambiental. São Paulo: Ícone. 2001. STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no Direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. TEDARDI, Maurílio dos Santos. Proteção ao meio ambiente: considerações acerca dos aspectos penais. Revista Fapciência, Apucarana, v.5, n. 6. 2009. Disponível em: <http://www.fap.com.br/fapciencia/005/edicao_2009/006.pdf>. Acesso em: 27 ago. 2015. WEYERMÜLLER, André Rafael. Direito ambiental e aquecimento global. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

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DIREITO 10 a omissão administrativa como pressuposto de responsabilização civil do estado em matéria ambiental

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Laura Reinhardt Vicenzi Bacharel em Direito pela Universidade Feevale. E-mail: laura.vicenzi@hotmail.com.

Rafael Pereira

Advogado. Mestre em Qualidade Ambierntal e Especialista em Direito Ambiental pela Universidade Feevale. E-mail: rafaelpereira@feevale.br.

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DIREITO 10

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INTRODUÇÃO O presente artigo analisará a ordem constitucional ambiental, traçando um histórico acerca da responsabilidade civil do Estado até os dias atuais, conceituando as teorias e demonstrando as legislações pertinentes a cada período. A construção do trabalho abordará, ainda, as hipóteses de aplicação de cada uma das espécies de responsabilidade do Estado - objetiva e subjetiva - bem como a possibilidade de aplicação de excludentes ao ente público. Após, diferenciar-se-ão os princípios da prevenção e da precaução, suas diversas nomenclaturas, conceitos e hipóteses de incidência. Direcionando a pesquisa efetivamente ao seu objetivo específico, qual seja, a responsabilidade civil do Estado, será traçado um paralelo entre a obrigatoriedade de prevenção e as hipóteses de aplicação da responsabilidade civil por omissão. Dentro desse tema, serão abordadas e conceituadas as políticas públicas ambientais, em atenção ao dever de proteção imposto ao Poder Público, evidenciado no §1º do art. 225 da Constituição Federal. Por fim, nesse mesmo sentido, tratará do dever preventivo do Estado e da forma de efetivação deste dever constitucional, tendo em vista que nem todo dano ambiental é passível de recuperação. Com esse intuito, serão analisadas as formas de preventividade do Estado, sobretudo pela implementação de políticas públicas, como a Política Nacional dos Resíduos Sólidos e a Política Nacional do Saneamento Básico. A pesquisa se voltou para a verificação e análise integrada das diversas fontes do Direito, buscando-se uma abordagem de cenários em que o Estado eventualmente responderia – objetiva ou subjetivamente - pelos danos causados, ou pela omissão da fiscalização.

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DA ORDEM CONSTITUCIONAL AMBIENTAL – ART. 225, CF DA RESPONSABILIDADE POR OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO A responsabilidade civil do Estado evoluiu historicamente por diversas teorias, dentre as quais se destacam a teoria da irresponsabilidade, as teorias civilistas e as teorias publicistas, estas subdivididas em teoria da culpa administrativa, teoria do risco administrativo e teoria do risco integral (cuja aplicação sofre críticas ante a sua dificuldade de sustentação prática1). A teoria da culpa administrativa tem como fato gerador da responsabilidade do Estado o binômio falta de serviço/culpa da Administração, ou seja, não se analisa a culpa ou a responsabilidade subjetiva do agente para a atribuição de responsabilidade civil. Bastaria a falta2 do serviço em face de omissão culposa da Administração. Logicamente, em atenção aos demais pressupostos do dever de indenizar, para receber a indenização pelo dano sofrido em razão falta do serviço, a vítima deverá comprovar o efetivo prejuízo, pois é ônus que lhe toca.3 A teoria do risco administrativo, assemelhada à teoria do risco integral, se baseia na responsabilidade civil objetiva, ou seja, independe de comprovação de culpa, cabendo apenas à vítima comprovar o nexo de causalidade e o dano sofrido. Nessa teoria, ocorrendo uma das hipóteses de exclusão do nexo de causalidade, como culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior ou culpa de terceiro, quem deverá fazer a prova

Englobar-se-ia todo e qualquer dano, desde que dentro da esfera de serviços do Estado. Nesse caso, não se aplicaria nenhuma das hipóteses de exclusão da responsabilidade do Estado, ou seja, mesmo que se visualize a culpa da vítima, em se tratando de serviços prestados pelo Ente, seria dele a responsabilidade de reparar. Rizzardo sustenta ainda que, nesse contexto, até mesmo danos decorrentes de furtos e assaltos seriam de responsabilidade do Estado, “eis que lhe compete o serviço de proteção e vigilância”. Sob essa ótica, o Estado não conseguiria manter-se devido ao seu exorbitante custo subsistencial (RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 6. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2013, p. 354)

1

“Pode-se entender como a falta, o mau funcionamento, o tardio ou mesmo o não funcionamento do serviço Público” revista de direito do estado. MOTA, Mauricio. Pressupostos da Responsabilidade Civil do Estado por danos ao meio ambiente. In: Revista de Direito do Estado. Ano 2, nº 7, jul./set./2007. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 315.

2

3

MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito administrativo brasileiro. 39. ed. São Paulo, SP: Malheiros, 2013, p. 725-726.

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é o Estado. Caso comprovada qualquer das excludentes, poderá o Ente Público reduzir o valor de sua parcela na indenização, ou até mesmo se eximir da responsabilidade.4 Melo ressalta, porém, que: Não se deve confundir a responsabilidade do Estado e de seus agentes, que é fundada na teoria do risco administrativo, com a responsabilidade objetiva com base na teoria do risco integral. Conforme já asseveramos, a responsabilidade no primeiro caso é mitigada, podendo ser eximida mediante a prova das tradicionais excludentes, enquanto que no segundo caso não há falar-se em excludentes. Nesse sentido a Desembargadora Selene Maria de Almeida deixou assentado que, “ainda que se tenha adotado no Brasil a teoria do risco administrativo, isso não significa que o estado é responsável em qualquer circunstância; devem atentar-se às causas excludentes da responsabilidade do estado, quais sejam: culpa da vítima, força maior ou culpa de terceiro. Entender diferente seria levar a teoria do risco administrativo ao extremo do risco integral”.5

Meirelles aponta que se utilizará a regra geral da responsabilidade civil, ou seja, a responsabilidade subjetiva, quando se tratar de atos de depredações de multidões, bem como de fenômenos inevitáveis da natureza. Nesses casos, a jurisprudência vem impondo a comprovação de culpa por parte da Administração Pública, pois a responsabilidade objetiva prevista constitucionalmente só abrange a atuação funcional dos servidores públicos, e não os atos de terceiros e os fatos da Natureza. Face ao exposto não há o que se falar em responsabilidade objetiva pura ante a exigência de comprovação de culpa do Estado, ainda que através de omissão culposa.6 Conforme visto acima, a responsabilidade civil do Estado estará relacionada à sua ação comissiva ou omissiva, mas é preciso ter presente, no caso concreto, o não exercício de uma atividade capaz de comportar essas duas modalidades de ação. A omissão pode ser caracterizada também em uma hipótese de responsabilidade subjetiva, como por exemplo a não implementação de programas sociais de complementação 4

MELO, Nehemias Domingos de. Da culpa e do risco: como fundamentos da responsabilidade civil. 1. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005, p. 123.

5

MELO, Nehemias Domingos de. Da culpa e do risco: como fundamentos da responsabilidade civil. 1. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005, p. 123.

6

MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito administrativo brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 732-733.

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de renda. Se houver dano em virtude da falta do serviço, poderá o Estado ser responsabilizado, desde que comprovada a sua culpa. Destarte, observa-se que a falta de implementação de uma atividade corresponde a uma responsabilidade subjetiva em face da Administração Pública. Caso a atividade devidamente implementada venha a causar dano a terceiro, responderá o Estado objetivamente, pois ter-se-ia a prestação do serviço ao qual se relaciona o art. 37, § 6º da CF/88.7 Para que ocorra a reponsabilidade subjetiva por omissão, é necessário que o Estado tenha o dever de agir, bem como a possibilidade de agir. Essa possibilidade fica caracterizada por uma conduta que seja exigível, bem como possível de ser exigida da Administração Pública, devendo essa última hipótese ser analisada caso a caso. Geralmente, os danos acusados por omissão não são de atos de agentes públicos, mas muitas vezes decorrem de fatos de terceiros ou até mesmo fatos da natureza. Todavia, a atribuição de responsabilidade decorre justamente da possibilidade de terem sido evitados ou minorados se o Estado, tendo o dever de agir, não tivesse se omitido.8

PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO Ainda que as normas jurídicas sejam criadas em larga escala e em tempo hábil, não são suficientes para abranger todas as diversidades em matéria ambiental que surgem diariamente. Destarte, os princípios do Direito Ambiental ganharam maior importância, pois são eles que irão tratar das matérias ainda não definas em lei específica. Essa aplicação de princípio, porém, só será feita na ausência de precedente judicial e/ou norma jurídica, ou seja, em último caso.9 Nesse sentido:

SANTOS, Romualdo Baptista dos. Responsabilidade Civil do Estado. In: ARAÚJO, Vaneska Donato de (Coord.). Responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 190.

7

8

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 24. ed. São Paulo, SP: Atlas, 2011, p. 710.

9

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 22.

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A jurisprudência desempenha papel relevantíssimo na proteção ambiental, pois é a aplicação concreta das normas jurídicas e o freio às ações administrativas e privadas deletérias e nocivas. Por outro lado, a grande diversidade de hipóteses e a diferença dos casos concretos geram uma jurisprudência casuística e individualizada, a qual somente com grande dificuldade pode ser generalizada. Ademais, ainda que a produção legislativa ambiental cresça em velocidade exponencial, ela não é capaz de atender a todas as diferentes situações que surgem no dia a dia. Contudo, a jurisprudência não pode criar normas jurídicas, sob o pretexto de interpretá-las. Os princípios do Direito Ambiental, diante das dificuldades acima apontadas, tornam-se mais relevantes, pois é a partir deles que as matérias que ainda não foram objeto de legislação específica podem ser tratadas pelo Poder Judiciário e pelos diferentes aplicadores do Direito, pois, na inexistência de norma legal, há que se recorrer aos diferentes formadores do Direito, conforme expressa determinação da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro10 e ao Código de Processo Civil.11

Carvalho ensina que, nos primórdios do direito ambiental, os princípios da prevenção e da precaução eram abordados como se sinônimos fossem. Porém, com o passar das décadas, viu-se a necessidade de rompimento dessa ideia de equivalência. Apenas com essa distinção tem-se a possibilidade do direito conduzir de forma autônoma e específica os riscos concretos e os riscos abstratos12 Verifica-se que não há uma uniformidade entre os juristas acerca da denominação do princípio da prevenção, pois alguns o chamam de princípio da precaução e outros o chamam dos dois jeitos, nem sempre diferenciando um princípio do outro.13 Pode-se dizer ainda que esses dois princípios são irmãos da mesma família e dois lados da mesma moeda, pois ambos atuam expressivamente na gestão dos riscos ambientas e desta forma recebem grande importância na política ambiental. A maior diferença entre eles é quanto à avaliação do risco ao meio ambiente, ou seja, o princípio da precaução surge quando o risco é alto e já o princípio da prevenção constitui ponto inicial para “Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de Setembro se 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em: 13 jun. 2015. 10

11

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 22.

12

CARVALHO, Delton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental. 2. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 77.

13

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 7. ed., rev. atual. reform. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 1069.

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alargar o Direito Ambiental, especificamente, o Direito Ambiental Internacional, isso porque a maioria das convenções internacionais baseia-se na prevenção da degradação ambiental.14 Granziera ressalta ainda que as palavras precaução e prevenção, mesmo sendo sinônimas, na doutrina jurídica, há uma distinção entres elas. Assim, para o Direito Ambiental, o princípio da precaução ganha um entendimento limitado em comparação com o princípio da prevenção. Portanto, pode-se dizer que, baseado no princípio da precaução, tende-se a não autorização de determinado empreendimento, se não houver certeza científica de que ele não causará, no futuro, um dano irreversível. Já o princípio da prevenção determinará condições de aprovação para o projeto, pois ele buscará uma compatibilização entre a atividade a ser licenciada e a proteção ambiental.15 Sebastião define os princípios da prevenção e da precaução, nos mesmos termos de Granziera, em que o da prevenção visa evitar que uma atividade sabidamente perigosa venha a produzir danos ambientais, e o princípio da precaução se aplica a casos em que haja dúvida ou incerteza científica acerca da periculosidade, mesmo que potencial. Pode-se dizer que a prevenção está ligada diretamente a uma noção de perigo e já a precaução se relaciona com a noção de risco.16 Observa-se também uma segunda denominação referente ao princípio da precaução, chamando-o também de cautela, bem como que a prevenção é gênero das espécies precaução ou cautela, ou seja, é o agir antecipadamente. A precaução ou a cautela é a atitude ou o cuidado que se deve ter para evitar danos ao meio ambiente, enquanto a prevenção deve se antecipar ao fato. 17 Destarte, o princípio da prevenção é aplicado para os danos conhecidos dos quais se possa, com segurança, estabelecer um conjunto de nexo de causalidades que seja suficiente para a identificação dos impactos futuros mais prováveis, ou seja, aplica-se esse princípio para aqueles ARAGÃO, Alexandra; BENJAMIN, Antônio Herman; FERREIRA, Heline Sivini; BIANCHI, Patrícia Nunes Lima. Direito constitucional ambiental brasileiro. 5. ed., rev. São Paulo, SP: Saraiva, 2012, 502 p. 199.

14

15

GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. 2. ed., rev. atual. São Paulo, SP: Atlas, 2011, p. 60.

16

SEBASTIÃO, Simone Martins. Tributo ambiental: extrafiscalidade e função promocional do direito. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2006, p. 208.

17

SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 11. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2013, p. 142.

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danos em que há uma previsibilidade de que aconteçam. Assim sendo, a programação normativa desencadeada pela prevenção recai sobre aqueles riscos ambientais cujo conhecimento científico vigente é capaz de determinar relações completas de causa e de consequência. Pode-se dizer que este princípio decorre da lógica de que, em face da grande irreversibilidade dos danos ambientais, é melhor prevenir as degradações ambientais do que ter, posteriormente, de remediá-las.18

OBRIGATORIEDADE DE ATUAÇÃO DO ESTADO E RESPONSABILIDADE POR OMISSÃO A Constituição Federal atribui competência a todos os Entes Federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para proteção ao meio ambiente, conforme art. 23, em seus incisos III, VI e VII19. Essa competência é comum e parte do pressuposto de que ninguém tem direito a poluir e todos têm obrigação de impedir o dano ambiental. Porém, a problemática dessa coexistência de competências entre os Entes Públicos é que, apesar de todos serem competentes para implementarem políticas públicas ambientais, nenhum deles tem assumido efetivamente essa obrigação de proteção. Ocorre que atuar na preservação do meio ambiente é um dever geral com um sentido que se torna específico quando se

18 CARVALHO, Delton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental. 2. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 77-78. 19 Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; [...] VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; [...]” ORGANIZADORES:

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trata dos poderes públicos e dos responsáveis por atividades poluentes ou perigosas, isso em face ao dever de legalidade no qual se pauta a Administração Pública.20 No final do século XX, com a constitucionalização dos direitos sociais, viu-se o Estado obrigado a adotar uma postura mais positiva acerca de suas ações, aumentando assim a sua interferência a fim de efetivar esses direitos, afastando-se esse de um ideal de não intervenção. Com isso, surge o princípio da democracia econômica e social21, que obriga os Estados a criarem atividades e a desenvolverem transformações das estruturas de uma atividade econômica social. Essa imposição, com um sentido específico e identificado pela ordem constitucional, origina uma Política Pública, caracterizada como aquela que visa definir ou estabelecer uma meta de finalidade coletiva. 22 Ximena ainda traz que é através da implementação de políticas públicas que o Estado efetiva os direitos sociais entabulados na Constituição Federal de 1988. Políticas públicas podem ser resumidas como metas, diretrizes ou objetivos que direcionam a atividade estatal, ou seja, são programas de ação governamental cuja finalidade é regularizar os instrumentos ao alcance das atividades privadas e do Estado, para a promoção de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.23

20

HARTMANN, Analúcia de Andrade. Políticas Públicas Ambientais: Estudo em homenagem ao Professor Michel Prieur. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 48/49.

“A conferência do Rio destacou a inseparabilidade das dimensões econômicas, sociais e ambientais do desenvolvimento. A Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, em 1993, ressaltou a assimetria que hoje existe entre os instrumentos disponíveis para proteger os direitos políticos e civis e aqueles que garantem a implementação eficaz dos direitos sociais e econômicos. Apesar de a situação referente aos direitos civis ser mais que satisfatória, um quadro grotesco surge quando se trata dos direitos sociais e econômicos. No entanto, uma democracia forte englobaria todos esses direitos.” In: SACHS, Ignacy. O problema da democracia econômica e social. Estud. av. [online]. 1994, v.8, n.21, p. 7-20. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141994000200002 Acessado em: 10 jun. 2015.

21

22

HARTMANN, Analúcia de Andrade. Políticas Públicas Ambientais: Estudo em homenagem ao Professor Michel Prieur. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 44.

FERREIRA, Ximena Cardoso. A POSSIBILIDADE DO CONTROLE DA OMISSÃO ADMINISTRATIVA NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS RELATIVAS À DEFESA DO MEIO AMBIENTE. REVISTA DE DIREITO AMBIENTAL, REVISTA DOS TRIBUNAIS, V. 12 N. 47, JUL./SET. 2007, p. 1/2. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/ maf/app/widgetshomepage/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad818160000014dce7d6d1f47524b98&docguid=I57ee0160f25 211dfab6f010000000000&hitguid=I57ee0160f25 211dfab6f010000000000&spos=1&e pos=1&td=1&context=29&st artChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 18 abr. 2015.

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Em matéria ambiental, esse dever de proteção imposta ao Poder Público encontra-se evidenciado no §1º do art. 225 da Constituição Federal, ao incumbir ao Poder Público a asseguração e efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme caput do referido artigo. Verifica-se que o §1º, bem como seus incisos, são normas-instrumentos que prezam pela eficácia da aplicação do princípio exposto no caput. Nos parágrafos seguintes, encontra-se um conjunto de determinações particulares, em relação a objetos e setores, os quais detêm elevado conteúdo ecológico, necessitando, assim, de tutela e objetiva proteção Constitucional24. O cenário nacional tem como marco histórico de políticas ambientais a Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, batizada de Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA.25 A PNMA foi ratificada pela Constituição Federal de 1988, um fato que impressiona, pois, na história do Direito, outros valores ou bens não tiveram uma trajetória tão espetacular, passando, em poucos anos, de uma espécie de nada-jurídico ao ápice da hierarquia normativa. A norma constitucional, em aplicação conjunta com a PNMA, conduz a atividade do Estado, legitimando e propiciando a interferência em favor da manutenção e recuperação dos processos ecológicos essenciais. Destarte, observa-se que a Constituição Federal prega e exige prestações positivas a cargo do Estado.26 Acerca das políticas públicas, Bucci traz como ponto central da ideia de políticas públicas o uso do poder coativo do Estado a serviço da coesão social. Não se pode confundir princípios com as políticas públicas, visto que, conforme argumentações jurídicas, os primeiros traçam uma intenção baseada em padrão de conduta individual, já as políticas públicas visam a estabelecer uma meta ou finalidade coletiva. Desta forma, veem-se as políticas públicas como programa de ação, afastando-se do entendimento de normal geral e abstrata como referência central do aparelho burocrático do Estado.27

24

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 9. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 53-54.

PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. A concretização do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado e a ação popular ambiental. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie Souza; ARAÚJO, José Henrique Mouta; MAZZEI, Rodrigo Reis (coord.). Tutela jurisdicional coletiva: 2ª série. Salvador : Jus Podivm, 2012, p. 277-278. 25

ARAGÃO, Alexandra; BENJAMIN, Antônio Herman; FERREIRA, Heline Sivini; BIANCHI, Patrícia Nunes Lima. Direito constitucional ambiental brasileiro. 5. ed., rev. São Paulo, SP: Saraiva, 2012, p. 84-87-100.

26

27

BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo, SP: Saraiva, 2002, p. 252-253.

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As políticas públicas de caráter social ganharam destaque, mais uma vez, entre as décadas 80 e 90, em face da necessidade de buscar outros meios de vincular o Estado à sociedade civil e ao mercado. Com a estratégia de desenvolvimento sustentável, houve a necessidade de que as políticas públicas refletissem a real situação do dia a dia dos cidadãos. Destarte, a participação da comunidade no processo de decisão das políticas públicas ambientais e econômicas, buscando preservar a base ecológica do desenvolvimento é imprescindível, assim como, para que elas respondam às necessidades da comunidade é obrigatória a participação de todos os atores sociais (Estado, sociedade civil e mercado).28 D’Isep, disserta acerca das Políticas Públicas Ambientais quanto a sua motivação, o dever de proteção do Estado, bem como sobre a monitoração e fiscalização das mesmas. A motivação da exigência de implementação de ppas tem sua base de sustentação no mundo dos fatos, em sua essência na degradação e poluição ambiental, oriundas do processo de desenvolvimento quantitativo e qualitativamente destrutivo dos recursos naturais e depredadores dos valores socioeconômicos. Trata-se de um desenvolvimento insustentável, que provocou uma reação universal a favor do meio ambiente, dando origem a uma política ambiental mundial. A raridade dos recursos naturais é evidenciada na constatação de suas limitações, escassez e caráter e caráter finito, somada ao aumento de sua demanda em razão dos processos de produção e consumo. Fez-se necessária a gestão ambiental por meio de políticas ambientais, públicas e provadas, providas de fundamentos e instrumentos que sejam capazes de assegurar a todos o seu a cesso a preservação. O Estado, ainda que não isoladamente, mas de forma estrutural e diretiva, é titular da obrigação de proteção e defesa dos bens ambientais, de maneira preventiva e reparatória, e deve transformar e conservar o meio ambiente e seus elementos: o macro e os microbens ambientais. É a concretização do que se denomina Estado Democrático de Direito Ambiental. É ele o sujeito das ppas, que, se confrontada com om papel ambiental da sociedade, adiciona novos sujeitos e elementos na composição do Estado-gestor ambiental, que terá nos planos ambientais, notadamente nos planos de políticas ambientais setoriais seu instrumento-vetor de interação

28

ALMEIDA, Ana Paula de; ENGELMENN, João Gilberto. Meio ambiente, constituição & políticas públicas. Curitiba: Multidéia, 2012, p. 67-71.

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e integração ambiental, que deve ser monitorado e fiscalizado pelo controle ambiental, que se dá de diferentes formas e revela o Estado de Polícia Ambiental.29

A Política Nacional do Meio Ambiente, conforme art. 2º, caput, da Lei 6.938/1981, tem como objetivo geral a preservação, melhoria e recuperação do meio ambiente, são consequência dos incisos deste mesmo artigo, aspectos tidos como princípios gerais do sistema de proteção do Meio Ambiente. Milaré ainda acrescenta que, de certo modo, o meio ambiente se submete ao processo de desenvolvimento, como mero instrumento ou cenário favorável, ou seja, somente após uns 10 anos, com o desenvolvimento sustentável, poder-se-ia ter a ideia de qualidade ambiental como uma finalidade do desenvolvimento e não um meio do mesmo.30 Para Antunes, a maioria dos princípios relacionados nos incisos I a X do art. 2º da Lei 6938/1981 não são autênticos princípios jurídicos ambientais e sim uma orientação prática à ação governamental que decorre dos princípios do Direito Ambiental. Já o art. 4º da lei indica os objetivos

29

D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Políticas Públicas Ambientais: Estudo em homenagem ao Professor Michel Prieur. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 157

30

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 7. ed., rev. atual. reform. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 414-415

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específicos que serão alcançados por meio dos instrumentos indicados no art. 9º31, como por exemplo, o zoneamento ambiental, a avaliação de impactos ambientais, o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, entre outros instrumentos. 32 Sirvinska destaca como princípios mais importantes: os padrões de qualidade ambiental, que estabelecem as normas que definem os padrões de qualidade dos recursos naturais (água, ar e solo), bem como acerca da produção de ruídos no ambiente, na poluição visual; o zoneamento ambiental, que tem como foco a preservação do solo rural ou urbano da ocupação desenfreada; a avaliação de impactos ambientais, que é o estudo prévio dos impactos ambientais; licenciamento ambiental e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, que é o procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais; e a auditoria ambiental, que avalia a gestão ambiental.33 “Art 9º - São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: I - o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental; II - o zoneamento ambiental; (Regulamento) III - a avaliação de impactos ambientais; IV - o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; V - os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental; VI - a criação de reservas e estações ecológicas, áreas de proteção ambiental e as de relevante interesse ecológico, pelo Poder Público Federal, Estadual e Municipal; VI - a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas; (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989) VII - o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente; VIII - o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental; IX - as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental. X - a instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a ser divulgado anualmente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA; (Incluído pela Lei nº 7.804, de 1989) XI - a garantia da prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzí-las, quando inexistentes; (Incluído pela Lei nº 7.804, de 1989) XII - o Cadastro Técnico Federal de atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras dos recursos ambientais. (Incluído pela Lei nº 7.804, de 1989) XIII - instrumentos econômicos, como concessão florestal, servidão ambiental, seguro ambiental e outros. (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006).” 31

32

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 128/129.

33

SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 203/206, 215, 222, 224 e 236.

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Ao Estado cabe o papel de estabelecer os limites aos usos dos recursos no plano quantitativo e qualitativo por meio de vários mecanismos de verificação preventivos ou sucessivos (ou seja, via autorizações e licenças). Segundo Américo Luiz Martins da Silva, as atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais “consistem ponto sobre o qual deve incidir decisivamente o exercício regular do poder de polícia do Estado”. Além disso, a Administração poderá, inclusive, ser responsabilizada por omissão negligente caso não evite danos ambientais. Daí fazer sentido discutir a condição precária – ou não – das “autorizações e licenças” expedidas e a existência de termos e condições para seu exercício, pois “a questão não reside tanto (ou só) na delimitação de risco previsível, como (também) no estabelecimento das fronteiras do risco imprevisível ou residual”, este último relacionado à incerteza de grau máximo e à tolerabilidade, sendo de acordo com a doutrina e jurisprudência alemãs, o limite para a Administração traduzida na lei.34

Desta forma, observa-se que compete ao Estado agir de fato, visando impedir condutas lesivas ao meio ambiente, mantendo assim um meio ambiente saudável, para as presentes e futuras gerações. Essa efetivação da tutela ambiental pelo Estado, do ponto de vista da responsabilidade civil ambiental, tem como escopo controlar a conduta do administrado para que o mesmo não venha a causar danos ao meio ambiente, porém, verificados os pressupostos da responsabilidade civil, o Estado será considerado poluidor indireto35 e corresponsável pela recuperação/reparação do dano.36 SILVA, Kelly Cristina. A proteção ao meio ambiente - Uma revisão da literatura. Fórum de Direito Urbano e Ambiental, Belo Horizonte , v.12, n.68, p. 39-48, mar./abr./2013, p. 44/45.

34

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: [...] IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;” “Diante do texto literal apresentado, não restam dúvidas de que respondem solidariamente todos aqueles que contribuam (ação ou omissão) direta ou indiretamente para a ocorrência de danos ambientais. Assim, a responsabilidade civil por danos ambientais faz-se extremamente ampla, podendo vir a ser responsabilizados pelos danos ambientais pessoas físicas, pessoas jurpidicas de direito público ou privado e entes despersonalizados. Em outras palavras, todos aqueles que contribuam de qualquer forma para a ocorrência de um dano ambiental devem responder pela integralidade do dano, cabendo a repartição de prejuízos internamente entre os causadores do dano [...]”. In: CARVALHO, Delton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental. 2. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 134. 35

LEVADA, Felipe Antônio Marchi et al. A responsabilidade Civil do Estado por danos ao meio ambiente. REVISTA DE DIREITO PRIVADO, São Paulo: Editora dos Tribunais, ano. 08, n. 32, out./dez./2007, p. 57-59. 36

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Entende-se a responsabilidade do Estado por omissão é sempre ilícita, tendo em vista que o mesmo possui um dever legal de agir para evitar a efetividade do dano, mas se mantém inerte, infringindo assim uma determinação legal. Para que seja configurada a responsabilidade por omissão, contudo, deve ser apurado qual dos fatos foi decisivo para configurar o evento danoso, isto é, qual fato gerou decisivamente o dano e quem estava obrigado a evitá-lo. Assim, responderá o Estado indiretamente pelo dano causado. No caso de enchentes, por exemplo, responderá o ente não pelo dano e sim pela falta de zelo e cuidado, caso o fato não seja imprevisível. 37 Para Mello, a responsabilidade civil por omissão será sempre subjetiva, pois a falta de serviço por si só, como fato gerador do dano, não configurará pressuposto de responsabilidade civil do Poder Público. Tratando-se de responsabilidade por omissão Estatal, ou seja, se não for o causador direto do dano só caberá responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu o dever legal que lhe impunha obstar o evento. Destarte, a responsabilidade por omissão será uma responsabilidade por ato ilícito, e se tratando de ilícito estatal, será sempre face uma negligência, imprudência, imperícia ou até mesmo dolo, elementos esses (culpa e dolo) caracterizadores da responsabilidade subjetiva. 38 Graziera se posiciona no mesmo sentido ao dizer que não se pode aplicar a excludente de força maior para casos em que o evento danoso ocorrido era totalmente previsível, tendo em vista os princípios ambientais da prevenção e da precaução. Deve-se ter especial atenção apenas quanto à eventual área privada e sua respectiva responsabilidade, pois inviável que o Poder Público venha a fiscalizar todas as atividades no interior de uma empresa, aplicando-se assim o princípio do poluidor pagador. 39

GANDINI, Agnaldo Donizeti; SALOMÃO, Diana Paola da Silva. A Responsabilidade Civil do Estado por Conduta Omissiva. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeir: Renovar, v. 232, abr/jun, 2003, p. 2013. 37

DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. Revista e atualizada até à Emenda Constitucional 68, de 21.12.2011. 32. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p.1041 38

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GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. 2. ed., rev. atual. São Paulo, SP: Atlas, 2011, p.687-688.

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Assim como Mello, Di Pietro se identifica com a responsabilidade subjetiva diante da omissão do Estado. Para ela a existência de responsabilidade decorrente de omissão deve partir do dever de agir por parte do Estado e da possibilidade de agir para evitar o dano. A culpa estaria, portanto, subentendida na omissão. Quanto à possibilidade de agir, esse fato só seria passível de análise no caso concreto, tendo em vista a presença do princípio da razoabilidade, ou seja, o que seria razoável exigir do Estado para impedir o dano. Desta forma, para que haja responsabilização do Estado por ato omissivo, deverá haver omissão ilícita, cabendo assim ao Poder Público provar que, se não agiu, é porque a sua atuação estaria acima do que seria razoável exigir.40 Carvalho Filho segue nesta mesma linha de pensamento: [...] quando a conduta estatal for omissa, será preciso distinguir se a omissão constitui, ou não, fato gerador da responsabilidade civil do Estado. Nem toda a conduta omissiva retrata um desleixo do Estado em cumprir um dever legal; se assim for, não se configurará a responsabilidade estatal. Somente quando o Estado se omitir diante de um dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado e reparar os prejuízos. A consequência, dessa maneira, reside em que a responsabilidade civil do Estado, no caso de conduta omissiva, só se desenhará quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa. A culpa origina-se, na espécie, no descumprimento do dever legal, atribuído ao Poder Público, de impedir a consumação do dano. Resulta, por conseguinte, que, nas imissões estatais, a teoria da responsabilidade objetiva não tem perfeita aplicabilidade, como ocorre nas condutas omissivas.41

Já para Justem Filho, a omissão é dividida em dois grupos. Primeiro, os ilícitos omissivos próprios, que se equiparam aos atos comissivos do Estado, aplicando-se consequentemente a responsabilidade objetiva. Tais atos são caracterizados quando uma norma prevê o dever de atuação e a omissão corresponde à infração direta ao dever jurídico. Em segundo lugar, os ilícitos omissivos impróprios, que se caracterizam pela

40

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25. Ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 709-711.

41

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 571.

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omissão, ou seja, o que está previsto é um certo resultado danoso e não uma obrigação de um agir específica. Assim, quanto à sua omissão, será aplicada a responsabilidade subjetiva, devendo ser comprovado se houve ou não desrespeito ao dever de diligência.42 Para que haja responsabilidade por omissão do Estado, é necessária uma obrigação pré-existente. Deve haver uma norma que o obrigue a tomar atitudes. Em se tratando de proteção ambiental, fica fácil a imputação de responsabilidade ao Estado, pois o caput do art. 225 da Constituição Federal determina uma ação estatal e da sociedade, tanto preventiva como repressiva à proteção ambiental, ou seja, o Estado tem o dever legal de cuidado, não podendo assim, prejudicar o meio ambiente mesmo nos atos comissivos - deferindo as licenças ambientais - tampouco pela inércia de fiscalização, monitoramento e a realização de auditorias ambientas.43 A omissão estatal não é uma opção lógica, pois conforme Ximena: A teoria administrativa clássica divide os atos administrativos em vinculados e discricionários, segundo as opções de atuação colocadas à disposição do administrador pela legislação de regência. Em direito administrativo é cediço que à Administração Pública incube fazer o que a lei determina ou autoriza, não sendo dado ao administrador atuar fora das hipóteses legalmente previstas. Alguns atos, porém, exigem que uma certa margem de liberdade seja concedida ao governante, sob pena de engessamento da máquina administrativa e obstrução do alcance dos fins últimos do Estado (notadamente o interesse público). (...) Em matéria de direitos sociais impede reconhecer a vinculação da Administração Pública aos fins buscados pela ordem constitucional vigente, que pretende deliberadamente, em matéria ambiental, a preservação da qualidade de vida e a proteção do ambiente natural contra ações degradadoras. Assim, o agir administrativo está umbilicalmente ligado a tais pressupostos, sendo vedada qualquer atuação

42

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 1339-1342.

DE MEDEIROS, Marcelo Farina. Responsabilidade Civil do Estado nos Desastres Ambientais. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, Porto Alegre, v. 53, abr./maio./2014, p. 82-83.

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de ente estatal tendente a gerar danos ambientais ou a não evitar que estes sejam produzidos por terceiros. Incube à Administração Pública, pois, não somente não poluir, mas também evitar que a poluição seja levada a efeito por qualquer administrado. (...) A discricionariedade garantida ao administrador consiste tão-só em eleger a melhor forma de consecução dos objetivos já delineados pelo texto constitucional e pelas normas infraconstitucionais de integração. E diante do princípio constitucional da eficiência, a que está jungida a Administração Pública pelo caput do art. 37 da CF/1988 (LGL/1988/3), impede reconhecer que tal escolha tampouco estará imune ao controle externo, visto eu é imposição constitucional que a atuação administrativa se dê da melhor (mais eficiente) forma a alcançar o objetivo visado.”44

Ademais, o Estado não pode alegar que a falta de implementação das políticas públicas determinadas na Constituição Federal se deram pela falta de verba, ou seja, alegar a reserva do possível. É cediço que, sempre que a omissão vier a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais é inadmissível a argumentação de reserva do possível, comprovando, assim, a indiferença do Poder Executivo diante da preservação ambiental. Há, nesse sentido, o dever de responsabilização do Estado por omissão ao meio ambiente. Mesmo sendo direito fundamental já consolidado na Constituição Federal, o Poder Executivo deixa de agir, caracterizando a negligência, e não priorizando as políticas públicas de preservação e manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado. 45

FERREIRA, Ximena Cardoso. A POSSIBILIDADE DO CONTROLE DA OMISSÃO ADMINISTRATIVA NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS RELATIVAS À DEFESA DO MEIO AMBIENTE. REVISTA DE DIREITO AMBIENTAL, REVISTA DOS TRIBUNAIS, V. 12 N. 47, JUL./SET. 2007, p. 7/8. Disponível em:<http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad818160000014dce7d6d1f47524b98&docguid= I57ee0160f25211dfab6f010000000000&hitguid=I57ee0160f25211dfab6f010000000000&spos=1&epos =1&td=1&context=29&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 18 abr. 2015.

44

DE MEDEIROS, Marcelo Farina. Responsabilidade Civil do Estado nos Desastres Ambientais. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, Porto Alegre, v. 53, abr./ maio. 2014, p. 85/86. 45

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DO DEVER PREVENTIVO Como visto, o direito ambiental passou a ter tratamento especial na Constituição Federal de 1988 por pertencer à terceira dimensão de direitos fundamentais. Dessa forma, o empenho de todos para um desenvolvimento sustentável é de extrema importância à preservação, sendo esse um objetivo e um dever coletivo da sociedade e do Estado. Ocorre que nem sempre a reparação do meio ambiente é possível. Assim, tendo em vista os riscos de degradação ambiental e sua impossibilidade de recomposição, o direito passou exercer não somente de forma reparatória, mas também através da prevenção do dano ambiental. Diante dessa necessidade de prevenção, foram criados instrumentos de tutela ambiental, dentre os quais se pode citar, como exemplo, a Lei de Política Nacional de Resíduos Sólidos46 (PNRS).47 Antunes, ao falar da Política Nacional de Resíduos Sólidos, refere que a lei trouxe outro modo de aplicação da responsabilidade civil, implementando uma cadeia de responsabilidades amplas. O referido instrumento legal fixa obrigações e determina que responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos alcança os fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos. O art. 5º48 da PNRS justamente impõe uma responsabilidade compartilhada, devendo ser implementada de forma individualizada e encadeada. Para Antunes, a norma deixa margens à interpretação, uma delas é que deveria ser aplicado o regime de solidariedade passiva previsto no Código Civil, com os temperamentos que o tempo dirá49. O objetivo principal da lei 12.305/2010 é a prevenção e a

BRASIL. LEI Nº 12.305, DE 2 DE AGOSTO DE 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm> Acesso em: 20 mai. 2015.

46

OLIVEIRA, Romulo André Alegretti de; MARQUES, Cindy Graciolina Lopes. Política Nacional de Resíduos Sólidos: plano de gestão integrada de resíduos sólidos no Município de Gravataí/RS. Revista Brasileira de Direito Municipal – RBDM, Belo Horizonte, ano 14, n. 49, jul./set. 2013, p. 1. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006. aspx?pdiCntd=97771>. Acesso em: 28 mai. 2015.

47

“Art. 5º A Política Nacional de Resíduos Sólidos integra a Política Nacional do Meio Ambiente e articula-se com a Política Nacional de Educação Ambiental, regulada pela Lei no 9.795, de 27 de abril de 1999, com a Política Federal de Saneamento Básico, regulada pela Lei nº 11.445, de 2007, e com a Lei no 11.107, de 6 de abril de 2005.”

48

49

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 1021-1022.

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redução de resíduos. Ao buscar combater um dos maiores problemas ambientais resultantes do manejo inadequado dos resíduos sólidos, a lei visa à prática de hábitos de consumo sustentáveis, por meio de um conjunto de instrumentos para propiciar o aumento de reciclagem e da reutilização dos resíduos sólidos e a destinação adequada dos rejeitos. Em outras palavras, todo o material que não tiver mais utilidade será descartado de maneira apropriada e os que tiverem algum valor econômico e viabilidade de reciclagem serão reaproveitados.50 O Estado – como principal ator social nesse contexto - tem o dever legal de regulamentar a utilização dos bens naturais pelos atores econômicos, tornando-se responsável indireto caso não haja o efetivo cumprimento desse dever, bem como quando se omite do seu dever legal de controle e fiscalização do cumprimento das normas de proteção ambiental que edita. No entanto, caso o Estado tenha sido relapso em seu dever preventivo, aplicando de maneira precária os institutos previstos pela norma programática, deverá ser responsabilizado juntamente com o causador direto do dano ambiental.51 Assim como na Constituição Federal, a Lei de Política Nacional de Resíduos Sólidos institui uma responsabilidade comum com a população em geral. Desta forma, a tutela ambiental deve ser efetivada por ambas as partes, pois quando se refere à prevenção e à proteção do meio ambiente, deverá a Administração Pública, de maneira efetiva, implementar políticas públicas que barrem a degradação ambiental sem que haja necessidade de aprovação prévia do Poder Judiciário. Já a sociedade deve se utilizar, como instrumento de proteção, o judiciário, com a propositura de ações civis públicas e ações populares.52 OLIVEIRA, Romulo André Alegretti de; MARQUES, Cindy Graciolina Lopes. Política Nacional de Resíduos Sólidos: plano de gestão integrada de resíduos sólidos no Município de Gravataí/RS. Revista Brasileira de Direito Municipal – RBDM, Belo Horizonte, ano 14, n. 49, jul./set./2013, p. 4. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006. aspx?pdiCntd=97771>. Acesso em: 28 maio 2015.

50

OLIVEIRA, Joséfison Silva. O princípio do poluidor pagador enquanto instrumento de prevenção do dano ambiental. Revista da ESMAPE, Recife, v. 18, n. 37, jan./ jun./2013, p. 305/306.

51

OLIVEIRA, Romulo André Alegretti de; MARQUES, Cindy Graciolina Lopes. Política Nacional de Resíduos Sólidos: plano de gestão integrada de resíduos sólidos no Município de Gravataí/RS. Revista Brasileira de Direito Municipal – RBDM, Belo Horizonte, ano 14, n. 49, jul./set./2013, p. 5. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006. aspx?pdiCntd=97771>. Acesso em: 28 maio 2015.

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SUMÁRIO

Assim como a Lei de Política Nacional de Resíduos Sólidos, a Política Nacional de Saneamento Básico – PNSB

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(Lei 11.445/2007) é

instrumento legal que impõe obrigações específicas ao Estado. A referida política traz obrigações de regulação da água, do esgoto, da limpeza e da drenagem pluvial, especificando, inclusive, prazos, o que a caracteriza como um claro instrumento de prevenção do Estado face aos danos que eventuais omissões podem causar ao meio ambiente. Diferentemente da PNRS, que é respaldada pelo Ministério do Meio Ambiente, a PNSB é regulada pelo Estatuto da Cidade54 (lei 10.257/2001).55 Segundo Milaré, o Brasil tem consciência de que o progresso pode ser ameaçado pelo descuido com os serviços de base, dentre os quais o de saneamento. Ele ainda classifica a infraestrutura de saneamento como sendo um patrimônio ambiental e, sendo assim identificado, deve receber toda a proteção ambiental tal como as leis e a proteção que a Constituição lhe confere. Isso porque o saneamento básico tem dois elementos fáticos incontestáveis: (i) a fruição das citadas estruturas obrigatoriamente é coletiva; (ii) é irrelevante a propriedade e posse para fins de tutela. 56 Nesse sentido: As cidades são um habitat próprio e como tal possuem instrumentos e complicadas estruturas, semelhantes ou com as mesmas funções encontradas na natureza, assim, mais uma vez, mutatis mutandis, e com todas as vênias acadêmicas possíveis, uma estação de tratamento de esgoto, por exemplo, possui função semelhante ao mecanismo de autodepuração de um rio. Em outras palavras,

BRASIL. LEI Nº 11.445, DE 5 DE JANEIRO DE 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de maio de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a Lei no 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm> Acesso em: 20 mai. 2015. 53

BRASIL. Câmera Federal. LEI Nº 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponivel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 23 maio 2015. 54

55

SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 11. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2013, p. 451-452.

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 7. ed., rev. atual. reform. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 774775, 798.

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grosso modo, é simulacro de processo natural. Tal simulacro, como seu correspondente, desenvolve função num certo meio, garantindo equilíbrio e a vida dos seres que ali estão. Por este motivo, não é insólito se afirmar que estações de tratamento de água e esgoto, redes, reservatórios, galerias de drenagem de águas pluviais, sistemas de coleta e processamento, de resíduos sólidos, dentre outras incontestáveis instalações e equipamentos urbanos, são mecanismos que asseguram a vida e a perpetuação das “espécies urbanas”. Como consectário, são e devem ser considerados patrimônios ambientais na modalidade de meio ambiente artificial.57

O Estatuto das Cidades é outro claro exemplo de obrigatoriedade de prevenção do Estado, sobretudo no que toca à existência de moradia em locais impróprios. Conforme os incisos IV, VI, “g” e XIV do art. 2º58 da lei nº 10.257/01, as diretrizes do crescimento urbano devem respeitar as normas de direito ambiental, bem como tentar evitar os danos ambientais e garantir a sua preservação. O que se verifica, muitas vezes, todavia, é que o Estado acaba por acolher a ocupação irregular e ilegal, provendo aos moradores residentes em locais indevidamente ocupados com alguns serviços básicos de infraestrutura - tais como água potável, telefonia e eletricidade - ao invés de realocar as famílias ilegalmente instaladas. Diante de catástrofes ambientais e consequentes danos oriundos de ocupações irregulares - como enchentes, desmoronamentos -, deve incidir a omissão

57

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 7. ed., rev. atual. reform. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 798.

“Art. 2. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: [...] IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; [...] VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: [...] g) a poluição e a degradação ambiental; [...] XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais; [...]”

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do Estado, que tinha o dever legal de prevenir o dano, conferindo maior proteção ao meio ambiente. Trata-se de caso típico de responsabilização civil decorrente de danos causados pela omissão do ente público.59 Exemplos de obrigação de agir em matéria ambiental, como se vê, são justamente a materialização da prevenção de desastres ambientais. Nesse espectro foi criada a Lei 12.608/201260, que instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDC. Dentre outras providências, a legislação cria sistema de informações de monitoramento de desastres. Em seu art. 2º, § 2º61, mais uma vez, reforça a obrigatoriedade preventiva do Estado frente às situações de risco. Expressamente veda a falta de adoção de medidas frente à incerteza e ao risco envolvido. Segundo Carvalho, a PNPDC pratica a preventividade por excelência, pois abrange ações de mitigação, preparação, resposta e recuperação, sendo que a

BOEIRA, Alex Perozzo. O Direito Fundamental à Moradia em Zonas Seguras: a Prevenção e o Dever de Agir do Estado frente a Ocupações Irregulares. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, Porto Alegre, v. 37, ago./set./2001, p. 17/19, 21, 24, 26. 59

BRASIL. LEI Nº 12.608, DE 10 DE ABRIL DE 2012. Institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil - PNPDEC; dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil - SINPDEC e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil - CONPDEC; autoriza a criação de sistema de informações e monitoramento de desastres; altera as Leis nos 12.340, de 1o de dezembro de 2010, 10.257, de 10 de julho de 2001, 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.239, de 4 de outubro de 1991, e 9.394, de 20 de dezembro de 1996; e dá outras providência. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12608.htm>. Acesso em: 12 jun. 2015. 60

“Art. 2o É dever da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios adotar as medidas necessárias à redução dos riscos de desastre. (Regulamento) […] § 2o A incerteza quanto ao risco de desastre não constituirá óbice para a adoção das medidas preventivas e mitigadoras da situação de risco.” 61

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possibilidade de materialização dessas ações pode ser observada nos objetivos expostos pelo art. 5º62. Esse espírito é trazido claramente como objetivo pelo dispositivo legal, que trata sobre o restabelecimento ambiental das áreas devastadas, conservar e proteger a vegetação nativa e combater a ocupação irregular de áreas ambientais vulneráveis. Além dos objetivos, a PNPDC tem como uma de suas diretrizes63 o planejamento

Art. 5o São objetivos da PNPDEC: I - reduzir os riscos de desastres; II - prestar socorro e assistência às populações atingidas por desastres; III - recuperar as áreas afetadas por desastres; IV - incorporar a redução do risco de desastre e as ações de proteção e defesa civil entre os elementos da gestão territorial e do planejamento das políticas setoriais; V - promover a continuidade das ações de proteção e defesa civil; VI - estimular o desenvolvimento de cidades resilientes e os processos sustentáveis de urbanização; VII - promover a identificação e avaliação das ameaças, suscetibilidades e vulnerabilidades a desastres, de modo a evitar ou reduzir sua ocorrência; VIII - monitorar os eventos meteorológicos, hidrológicos, geológicos, biológicos, nucleares, químicos e outros potencialmente causadores de desastres; IX - produzir alertas antecipados sobre a possibilidade de ocorrência de desastres naturais; X - estimular o ordenamento da ocupação do solo urbano e rural, tendo em vista sua conservação e a proteção da vegetação nativa, dos recursos hídricos e da vida humana; XI - combater a ocupação de áreas ambientalmente vulneráveis e de risco e promover a realocação da população residente nessas áreas; XII - estimular iniciativas que resultem na destinação de moradia em local seguro; XIII - desenvolver consciência nacional acerca dos riscos de desastre; XIV - orientar as comunidades a adotar comportamentos adequados de prevenção e de resposta em situação de desastre e promover a autoproteção; e XV - integrar informações em sistema capaz de subsidiar os órgãos do SINPDEC na previsão e no controle dos efeitos negativos de eventos adversos sobre a população, os bens e serviços e o meio ambiente.”

62

“Art. 4o São diretrizes da PNPDEC: I - atuação articulada entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios para redução de desastres e apoio às comunidades atingidas; II - abordagem sistêmica das ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação; III - a prioridade às ações preventivas relacionadas à minimização de desastres; IV - adoção da bacia hidrográfica como unidade de análise das ações de prevenção de desastres relacionados a corpos d’água; V - planejamento com base em pesquisas e estudos sobre áreas de risco e incidência de desastres no território nacional; VI - participação da sociedade civil. 63

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estudioso e científico sobre áreas de risco, o que engloba também as bacias hidrográficas como unidade de análise das ações de prevenção de desastres relacionados a corpos d’água.64 Apesar dos referidos instrumentos serem relativamente recentes, não se pode deixar de observar que o Estado, já há muito tempo, tem o dever de exercer a preventividade objetiva por meio de processos de licenciamento ambiental como forma de instrumentalizar o aludido poderdever, utilizado para regularizar as atividades exploradoras de recursos ambientais. A preservação ambiental é de interesse comum da sociedade e do Estado, uma vez que a exploração sem os devidos cuidados provoca o desequilíbrio ambiental e, como consequência, inúmeros transtornos. Ainda que o licenciamento ambiental seja uma medida efetiva de prevenção, podem ocorrer impactos acima dos previstos, ocorrendo assim danos indesejáveis ao meio ambiente. Caso o dano seja proveniente da falta ou na falha da fiscalização, responderá solidariamente o Ente Público. Ademais, responderá objetivamente se os danos forem acobertados pelo licenciamento ambiental.65 Tessler refere que o ilícito ambiental é caracterizado pela violação da norma de proteção ao meio ambiente, prescindindo da demonstração da voluntariedade ou da culpabilidade. Sendo assim, é plausível concluir a existência de uma obrigação genérica e objetiva à preventividade ambiental. Todos têm o dever de evitar os danos ambientais, o que não significa dizer que o sujeito tenha obrigação de prever todos os acontecimentos que podem vir a causar dano ambiental, mas possui a obrigação de preveni-lo. Destarte, pela ótica do dever de preventividade objetiva, caso um dano ocorra por fato alheio à vontade do agente, como falha mecânica ou tempestade, serão estes fatos reconhecidos como ilícitos, salvo se comprovado que foram adotadas todas as medidas necessárias de prevenção.66

64

Carvalho, Délton Winter de ; Damacena, Fernanda Dalla Libera. Direito dos desastres. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 88/89.

PELOSO, Taciana Mara Corrêa Maia. Responsabilidade civil do Estado decorrente de licenciamento ambiental indevido. Fórum de Direito Urbano e Ambiental - FDUA. ano 8, n. 43, jan./fev. 2009. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 73.

65

TESSLER, Luciane Gonçalves. Tutelas jurisdicionais do meio ambiente: tutela inibitória, tutela de remoção, tutela do ressarcimento na forma específica. Temas atuais de direito processual civil, v. 9 São Paulo: Rev. dos Tribunais, 2004, p. 235/237.

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Observa-se que o Estado, ao não efetuar medidas ambientais preventivas, ou seja, sendo omisso, está violando normas constitucionais e infraconstitucionais que lhe impõem o dever de agir. Dessa forma, mesmo que a conduta seja caracterizada como omissão estatal, a sua responsabilidade será objetiva. Ocorre que, em caso de não cumprimento legal já fica subentendida a sua culpa, sendo que esta só será excluída no caso do Estado comprovar não haver obrigatoriedade quanto à omissão. Destarte, havendo a exigibilidade de conduta diversa do Estado (uma conduta comissiva) e estando omisso frente ao dever de agir, não poderá ele arriscar o interesse da coletividade no jogo da incerteza da omissão e, assim, deverá o mesmo assumir toda a responsabilidade dos riscos que poderão vir a ocorrer67. Nesses casos, a responsabilidade do ente Estatal é comissiva por omissão, pois tinha o dever legal de agir, prevenir, de ser comissivo, mas não o fez. Esse tipo de responsabilidade é objetiva, tendo em vista que o resultado do dano ambiental tem como causa a omissão do Estado, em atenção ao determinado no art. 225 da Constituição Federal, bem como pela aplicação dos princípios da prevenção e da precaução. Dessa forma, se o Estado tem o dever legal de prestar determinado serviço público e se omite, sendo esta omissão a causa adequada do dano, ocorre omissão na prestação de um serviço público essencial, como a destinação final do resíduo sólido. Steigleder reforça a ideia de que o Estado não pode alegar falta de verba pública como pretexto para faltar com a realização de alguma medida preventiva ou da efetivação ou para promover de políticas públicas, tendo em vista serem deveres constitucionais.68 Pode-se dizer que um Estado Social ambiental é aquele que faz da segurança do meio ambiente a sua obrigação, finalidade e seu meio, não excluindo a sociedade de trabalhar cooperativamente com o Ente Público, afinal, a preservação das bases naturais da vida, além de objetivo estatal, é um interesse geral. 69

67

HUPFFER, Haide Maria et al. Responsabilidade civil do Estado por omissão estatal. Revista Direito GV, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 109-129, jan./jun./2012, p. 115.

STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. 2. ed., rev. atual. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p.199-202. 68

WERNER, Eveline de Magalhães; AYALA, Patryck de Araújo. O Estado Socioambiental e o Dever de Proteção de Projetos de Vida Sustentável. PNMA: 30 anos da Política Nacional de Meio Ambiente / coords. Antonio Herman Benjamin, Eladio Lecey, Sílvia Cappelli, Carlos Teodoro José Hugueney Irigaray. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011, p. 121.

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Desta forma: A qualificação de um Estado como Socioambiental traduz-se no dever de assegurar, por todos os instrumentos que estejam ao seu alcance, o objetivo de durabilidade de todas as formas de vida, o que inclui diversas outras realidades; dentre elas, o dever estatal de assegurar a liberdade de escolhas sobre projetos complexos, diferenciados, baseados em uma cultura que envolva práticas sustentáveis, que conduzam à conservação do meio, proporcionando bem-estar em uma perspectiva intrageracional, e garantindo a transmissão de padrões de qualidade de vida para as gerações futuras, sob uma ótima de solidariedade intergeracional.70

A base teórica e doutrinária apresentada é reconhecida e aplicada pela jurisprudência sobre o tema. Para exemplificar tal posição, basta observar a referência ao dever de preventividade objetiva do Estado no julgado do REsp 1.071.741-SP. O julgado expressa caber ao Poder Público a responsabilidade de preservação e recomposição do meio ambiente, definindo, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. Proferida pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, a decisão teve como relator o Ministro Herman Benjamin, notório estudioso e dedicado à temática ambiental.71 O princípio da prevenção é um dos principais condutores do direito ambiental. Conforme já visto, a efetiva prevenção do dano se deve também ao papel exercido pelo Estado na punição correta do poluidor, pois dessa forma passa a ser um estimulante negativo contra a prática de agressões ao meio ambiente. Pode-se acrescentar como modo positivo de estímulo à prevenção os incentivos fiscais outorgados àqueles{

WERNER, Eveline de Magalhães; AYALA, Patryck de Araújo. O Estado Socioambiental e o Dever de Proteção de Projetos de Vida Sustentável. PNMA: 30 anos da Política Nacional de Meio Ambiente / coords. Antonio Herman Benjamin, Eladio Lecey, Sílvia Cappelli, Carlos Teodoro José Hugueney Irigaray. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011, p. 122.

70

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.081.741-SP. Relator: Min. Herman Bejnamin. Julgado em: 24 mar. 2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/ SCON/jurisprudencia/ doc.jsp?livre=REsp+1071741&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2> Acesso em: 04 jun. 2015.

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que atuem em parceria com o meio ambiente, assim como vantagens àqueles que utilizem tecnologias limpas, efetivando assim, o princípio da prevenção por parte do Poder Público. 72 De qualquer sorte, o Direito Ambiental exalta como pressupostos basilares os deveres de proteção e prevenção contra danos ambientais. Não se trata de uma faculdade do Poder Público, mas sim de um dever legal configurado tanto na Constituição Federal como na Política Nacional de Meio Ambiente. A implementação de políticas públicas ambientais não apenas é de suma importância para que haja um efetivo cumprimento aos dispositivos legais, mas é vital para a elaboração e implementação de mecanismos adequadas à salvaguarda do ambiente, garantindo, assim, a dignidade da pessoa humana73. Quando o Estado deixa de agir, fere um dever legal, ou seja, está agindo ilicitamente, sobretudo sob o enfoque ambiental, uma vez que a Administração Pública é regida pelo princípio da legalidade. Nesse contexto, deve fazer sempre e somente o que a lei mandar. Outrossim, age de forma ilícita quando peca pela omissão na efetivação de políticas públicas, incorrendo em culpa, excetuando-se eventuais casos em que possuía outra maneira de agir ou que não tinha como prever o dano, casos em que não se poderia vislumbrar a sua responsabilidade.74

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Prevenção ou precaução: O art. 225 da Constituição Federal e o dever de preservar os bens ambientais com fundamento na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) assim como nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV, CF). Mecanismos legais para o desenvolvimento sustentável. Belo Horizonte: Fórum, n. 1, mai./2013, p. 1/2. Cópia versão digital. 72

FERREIRA, Ximena Cardoso. A POSSIBILIDADE DO CONTROLE DA OMISSÃO ADMINISTRATIVA NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS RELATIVAS À DEFESA DO MEIO AMBIENTE. REVISTA DE DIREITO AMBIENTAL, REVISTA DOS TRIBUNAIS, V. 12 N. 47, JUL./SET. 2007, p. 2/3. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad818160000014dce7d6d1f47524b98&docguid=I57ee0 160f25211dfab6f010000000000&hitguid=I57ee0160f25211dfab6f010000000000&spos =1&epos=1&td=1&context=29&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 18 abr. 2015. 73

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 369.820-RS. Relator: Min. Carlos Velloso. Julgamento: 4 nov. 2003. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/ jurisprudencia/ listarJurisprudencia.asp?s1=%28RE%24.SCLA.+E+369820.NUME.%29+O U+%28RE.ACMS.+ADJ2+369820.ACMS.%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl. com/bdt5kzb. Acesso em: 01 jun. 2015.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS A implementação de políticas públicas ambientais faz parte do dever de preventividade objetiva, de observância obrigatória do Estado. O Poder Público tem o dever de agir, portanto, quanto à implementação de políticas públicas que visem à proteção ambiental. Ressalta-se, porém, que não basta a omissão frente ao dever de agir do Estado para que seja configurada a sua responsabilidade por omissão, sendo necessária a configuração de uma omissão ilícita, devendo-se verificar também se a conduta Estatal era exigível e possível. Os danos causados por omissão geralmente não são de atos de agentes públicos, mas decorrem de fatos de terceiros ou até mesmo fatos da natureza, os quais, contudo, poderiam ter sido evitados ou minorados se o Estado, tendo o dever de agir, não tivesse restado omisso. Ademais, quando se trata de prevenção em matéria ambiental, não pode o Estado alegar a reserva do possível como forma de se eximir da efetivação de políticas públicas ambientais, pois deveria haver previsão expressa de tal verba para a efetivação da proteção do meio ambiente. Dessa forma, conclui-se que compete ao Estado agir de fato, visando impedir condutas lesivas ao meio ambiente e sendo ator principal na condução do sistema de proteção ao meio ambiente. Porém, havendo omissão frente a um dever legal, estará o ente público agindo ilicitamente, uma vez que a Administração Pública se rege pelo princípio da legalidade. Nesse contexto, deve fazer sempre e somente o que a lei mandar, incluindo-se toda e qualquer previsão normativa quanto ao implemento de medidas capazes de fazer valer o art. 225 da Constituição Federal. Outrossim, eventual omissão na efetivação de políticas públicas deve ser analisada sempre a partir da ideia de culpa do Ente Estatal – pela forma omissiva -, verificando-se eventual possibilidade da administração agir de maneira diversa ou sobre a possibilidade de previsão do dano. Apenas nessas hipóteses admitir-se-ia a exclusão da sua responsabilidade de reparação civil, nos termos da interpretação sistemática dos institutos legais que regem o tema.

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REFERÊNCIAS ALMEIDA, Ana Paula de; ENGELMENN, João Gilberto. Meio ambiente, constituição & políticas públicas. Curitiba, PR: Multidéia, 2012. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2014. ARAGÃO, Alexandra; BENJAMIN, Antônio Herman; FERREIRA, Heline Sivini; BIANCHI, Patrícia Nunes Lima. Direito constitucional ambiental brasileiro. 5. ed., rev. São Paulo, SP: Saraiva, 2012. BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de Setembro se 1942 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado. htm> Acesso em: 13 jun. 2015. BRASIL. Câmera Federal. Lei nº 6.938 de 31 de agosto de 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm>. Acesso em: 21 nov. 2014. BRASIL. Câmera Federal. LEI NO 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/ l10257.htm>. Acesso em: 23 mai. 2015. BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm> Acesso em: 20 mai. 2015. BRASIL. Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm> Acesso em: 20 mai. 2015. BRASIL. Lei nº 12.608, de 10 de abril de 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12608.htm>. Acesso em: 12 jun. 2015.

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BOEIRA, Alex Perozzo. O Direito Fundamental à Moradia em Zonas Seguras: a Prevenção e o Dever de Agir do Estado frente a Ocupações Irregulares. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, Porto Alegre, v. 37, ago./set. 2011. BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo, SP: Saraiva, 2002. CARVALHO, Delton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental. 2. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. DE MEDEIROS, Marcelo Farina. Responsabilidade Civil do Estado nos Desastres Ambientais. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, Porto Alegre, v. 53, abr./maio. 2014. DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. Revista e atualizada até à Emenda Constitucional 68, de 21.12.2011. 32. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25. Ed. São Paulo: Atlas, 2012. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 24. ed. São Paulo, SP: Atlas, 2011. D’ISEP, Clarissa Ferreira Macedo. Políticas Públicas Ambientais: Estudo em homenagem ao Professor Michel Prieur. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. FERREIRA, Ximena Cardoso. A Possibilidade do Controle da Omissão Administrativa na implementação de Políticas Públicas Relativas à Defesa do Meio Ambiente. REVISTA DE DIREITO AMBIENTAL, REVISTA DOS TRIBUNAIS, V. 12 N. 47, JUL./SET. 2007. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/widgetshomepage/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad818160000 014dce7d6d1f47524b98&docguid=I57ee0160f25211dfab6f010000000000&hitguid=I57ee0160f25211dfab6f0100 00000000&spos=1&epos=1&td=1&context=29&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 18 abr. 2015.

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FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Prevenção ou precaução: O art. 225 da Constituição Federal e o dever de preservar os bens ambientais com fundamento na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) assim como nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV, CF). Mecanismos legais para o desenvolvimento sustentável. Belo Horizonte: Fórum, n. 1, mai. 2013. GANDINI, Agnaldo Donizeti; SALOMÃO, Diana Paola da Silva. A Responsabilidade Civil do Estado por Conduta Omissiva. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeir: Renovar, v. 232, abr/jun, 2003. GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. 2. ed., rev. atual. São Paulo, SP: Atlas, 2011. HARTMANN, Analúcia de Andrade. Políticas Públicas Ambientais: Estudo em homenagem ao Professor Michel Prieur. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. HUPFFER, Haide Maria et al. Responsabilidade civil do Estado por omissão estatal. Revista Direito GV, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 109-129, jan./ jun. 2012. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 10. ed., rev. atual. e ampl. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 2014. LEVADA, Felipe Antônio Marchi et al. A responsabilidade Civil do Estado por danos ao meio ambiente. REVISTA DE DIREITO PRIVADO, São Paulo: Editora dos Tribunais, ano. 08, n. 32, out./dez. 2007. MATOS JUNIOR, José Evaldo Bento. A responsabilidade civil ambiental por ato lícito. Lex : jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, v. 33, n. 389, maio 2011. MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito administrativo brasileiro. 39. ed. São Paulo, SP: Malheiros, 2013. MELO, Nehemias Domingos de. Da culpa e do risco: como fundamentos da responsabilidade civil. 1. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005. ORGANIZADORES:

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MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 7. ed., rev. atual. reform. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. MOTA, Mauricio. Pressupostos da Responsabilidade Civil do Estado por danos ao meio ambiente. In: Revista de Direito do Estado. Ano 2, nº 7, (jul./set. 2007). Rio de Janeiro: Renovar, 2006. OLIVEIRA, Romulo André Alegretti de; MARQUES, Cindy Graciolina Lopes. Política Nacional de Resíduos Sólidos: plano de gestão integrada de resíduos sólidos no Município de Gravataí/RS. Revista Brasileira de Direito Municipal – RBDM, Belo Horizonte, ano 14, n. 49, jul./set. 2013, p. 1. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=97771>. Acesso em: 28 maio 2015. PELOSO, Taciana Mara Corrêa Maia. Responsabilidade civil do Estado decorrente de licenciamento ambiental indevido. Fórum de Direito Urbano e Ambiental - FDUA. ano 8, n. 43, jan./fev. 2009. Belo Horizonte: Fórum, 2009. PESSOA, Flávia Moreira Guimarães. A concretização do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado e a ação popular ambiental. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie Souza; ARAÚJO, José Henrique Mouta; MAZZEI, Rodrigo Reis (coord.). Tutela jurisdicional coletiva: 2ª série. Salvador : Jus Podivm, 2012. RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 6. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2013. SACHS, Ignacy. O problema da democracia econômica e social. Estud. av. [online]. 1994, v.8, n.21. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141994000200002 Acessado em: 10 jun. 2015. SANTOS, Romualdo Baptista dos. Teoria Geral da Responsabilidade Civil. In: ARAÚJO, Vaneska Donato de (Coord.). Responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. SEBASTIÃO, Simone Martins. Tributo ambiental: extrafiscalidade e função promocional do direito. 1. ed. Curitiba, PR: Juruá, 2006.

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SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 9. ed., atual. São Paulo: Malheiros, 2011. SILVA, Kelly Cristina. A proteção ao meio ambiente - Uma revisão da literatura. Fórum de Direito Urbano e Ambiental, Belo Horizonte , v. 12, n.68, p. 39-48, mar./abr. 2013. SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 11. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2013. STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano ambiental no direito brasileiro. 2. ed., rev. atual. ampl. Porto Alegre, RS: Livraria do Advogado, 2011. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em:<http://www.stj.jus.br/portal/site/STJ>. Acesso em: 27 nov. 2014. SUPREMO TRIBUNAL DE FEDERAL. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp> Acesso em: 11 jun. 2015. TESSLER, Luciane Gonçalves. Tutelas jurisdicionais do meio ambiente: tutela inibitória, tutela de remoção, tutela do ressarcimento na forma específica. Temas atuais de direito processual civil, v. 9 São Paulo: Rev. dos Tribunais, 2004. VADE MECUM. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes e Juliana Nicoletti. 17. ed., atual. e ampl. São Paulo, SP: Saraiva, 2014. WERNER, Eveline de Magalhães; AYALA, Patryck de Araújo. O Estado Socioambiental e o Dever de Proteção de Projetos de Vida Sustentável. PNMA: 30 anos da Política Nacional de Meio Ambiente / coords. Antonio Herman Benjamin, Eladio Lecey, Sílvia Cappelli, Carlos Teodoro José Hugueney Irigaray. São Paulo:Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011.

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o direito fundamental à motivação das decisões judiciais: uma análise dos critérios para uma fundamentação suficiente na legislação brasileira e em ordenamentos estrangeiros ORGANIZADORES:

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Maicon Artmann

Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Feevale. E-mail: artmann.maicon@gmail.com.

Jonathan Iovane de Lemos

Advogado. Mestre em Direito e Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: jonathanlemos@feevale.br.

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INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 1988 caracteriza-se pela positivação de garantias e direitos fundamentais, possibilitando assim que a proteção do Estado alcance o direito do cidadão brasileiro de maneira mais efetiva. Entre outros aspectos, a Carta Magna estabelece que, no processo legal, o juiz não poderá proferir decisão em que não possa ser explicado ou fundamentado o seu raciocínio lógico traçado para a formulação do ato decisório. Essa motivação permite verificar a conformidade da decisão com a lei, a validade das provas que foram instrumentos na formação da convicção do juiz, encerrando assim o processo de forma justa e correta. Dentro desse contexto, o art. 93, inciso IX, da Carta Maior impôs ao julgador de qualquer instância a necessidade de motivar as suas decisões, sob pena de ser anulada a decisão imotivada. A relevância social do tema evidencia-se frente à constante busca pela segurança jurídica. Sabe-se que o mesmo evento pode, dependendo do ângulo de análise e da pré-compreensão do julgador, gerar diferentes fatos, com diferentes consequências jurídicas, o que deixa evidente que, sem fundamentação, o arbítrio parcial torna-se inevitável. Assim, o dever de fundamentação interessa à sociedade, que pode verificar como está sendo distribuída a justiça e, sobretudo, ao magistrado e ao sistema jurídico em si, que demonstram, dessa forma, a sua atuação. Para que se possa obter a resposta almejada, este estudo objetiva analisar o dever de motivação das decisões nos âmbitos nacional e internacional, realizando um exame de direito comparado entre a legislação brasileira e a de alguns outros países. Adicionalmente, analisa-se o princípio em estudo segundo suas funções endoprocessual e extraprocessual, verificando-se como a doutrina contemporânea tem reconhecido essas funções. Verifica-se, também, a estrutura da motivação, os critérios para uma fundamentação suficiente, os tipos de pronunciamento e as consequências decorrentes de uma decisão imotivada. Centrou-se a metodologia basicamente no método indutivo, culminando em uma pesquisa bibliográfica na legislação, na doutrina e na jurisprudência pátria, bem como em ordenamentos estrangeiros. Destaca-se que o presente estudo não esgota o tema, mas abre portas para que novas análises e pesquisam sejam realizadas acerca da problemática apontada, haja vista sua alta complexidade e abrangência. Afinal, o

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princípio da motivação está presente na rotina de grande parte dos operadores de Direito e constitui-se elemento inseparável do conceito de Estado Democrático de Direito, na medida em que legitima a atuação estatal perante a sociedade.

NOÇÕES CONCEITUAIS DO DIREITO FUNDAMENTAL À MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS No que se refere ao conceito e aos tipos de decisões judiciais, cumpre citar o Código de Processo Civil Brasileiro, que preceitua, em seu art. 162, que são atos do juiz as sentenças, as decisões interlocutórias e os despachos. Embora os atos judiciais compreendam também outros procedimentos relacionados ao juiz, este estudo abordará as decisões de que trata o artigo 93, IX, da Constituição Federal, ou seja, provimentos judiciais que devem ser fundamentados. Giuseppe Chiovenda, um dos autores mais prestigiados da doutrina jurídica italiana, entende que sentença é a disposição do juiz que recebe ou rejeita a demanda do autor e “afirma a existência ou inexistência de uma vontade concreta de lei que lhe garanta um bem ou respectivamente a inexistência ou existência de uma vontade de lei que garanta um bem ao réu”.1 No âmbito legislativo brasileiro, o Código de Processo Civil conceitua o termo sentença, em seu art. 162, § 1º, como ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 do CPC. O art. 267 trata da extinção do processo sem resolução de mérito, e o referido art. 269, por sua vez, trata das situações em que há resolução de mérito. O legislador brasileiro instituiu, assim como ocorre nos ordenamentos de alguns outros países, que esse pronunciamento do juiz deverá ser fundamentado, em consonância com o disposto no art. 93, IX, da Carta Magna.

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil: as relações processuais: a relação processual ordinária de cognição. Tradução de Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller, 1998, p. 198.

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O art. 162, em seus parágrafos 2.º, 3.º e 4.º, trata ainda das decisões interlocutórias, despachos e atos meramente ordinatórios. As decisões interlocutórias resolvem questões incidentes no curso da demanda, sem colocar fim ao processo, e devem ser motivadas, uma vez que possuem conteúdo decisório.2 Por outro lado, os despachos, em regra, não têm conteúdo decisório e não causam nenhum prejuízo ou gravame às partes. Objetivam simplesmente impulsionar o processo. Por fim, no que se refere aos atos meramente ordinatórios, também elencados no art. 162 do CPC, cumpre mencionar que esses são praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessário. Em regra, não se submetem ao dever de motivação, previsto no art. 93, IX, da CF. Contudo, tais atos podem gerar incidentes e, consequentemente, prejuízos às partes. Caso se solicite a “reconsideração de tal ato, deve o magistrado pronunciar-se a respeito, reconsiderando-o ou não”, fundamentando sua decisão. 3 Feitas essas conceituações, verifica-se que a motivação permite às partes identificar precisamente quais os motivos que levaram o juiz a julgar daquela forma, para avaliarem a conveniência de recorrer. O tribunal (ou o juiz), ao proferir suas decisões, deve justificá-las, apresentando as razões pelas quais determinou essa ou aquela medida.4 Nesse sentido, a fundamentação das sentenças revela-se, sobretudo, uma garantia de justiça, na medida em que reproduz o pensamento e o raciocínio lógico cursado pelo julgador para chegar à conclusão. Em suma, “a fundamentação é indispensável para a fiscalização da atividade judiciária, assegurando-lhe a transparência”.5

2

NOJIRI, Sérgio. O dever de fundamentar as decisões judiciais. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 35.

3

NOJIRI, Sérgio. O dever de fundamentar as decisões judiciais. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 37.

4

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 70.

5

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 70.

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Por outro lado, a decisão caracterizada pela ausência de motivação transforma-se num entrave ao exercício do direito ao contraditório, pela parte que se julgar prejudicada, mediante as dificuldades para expor adequadamente as razões de seu recurso. Cumpre, antes de avançar no estudo, analisar o dever de fundamentar as decisões judiciais em uma perspectiva endoprocessual. Sob essa ótica, a motivação configura como simples instrumento técnico processual para viabilizar o funcionamento do processo e da organização centralizada da magistratura.6 Por meio dessa visão endoprocessual, predominante por muito tempo, entende-se que a motivação possibilitava às partes uma melhor compreensão do julgado e da análise probatória feita pelo órgão julgador, possibilitando uma “melhor elaboração recursal, ao mesmo tempo em que auxilia o juízo superior”, no controle vertical sobre a mesma decisão. 7 Contudo, diversos autores têm defendido o caráter extraprocessual da motivação, no sentido de constituir um meio de controle democrático difuso por parte da população acerca do exercício do poder jurisdicional. Nesse sentido, o espanhol Juan Igartua Salaverría defende que a obrigação de motivar revela-se uma forma pela qual os sujeitos ou órgãos investidos de poder jurisdicional prestam conta de suas decisões à população, ou à fonte da qual deriva sua investidura democrática.8 Sérgio Nojiri, ao citar Michele Taruffo, no mesmo pensar, diz que a função extraprocessual da motivação consiste em assegurar o controle do modo pelo qual os órgãos jurisdicionais exercem seu poder, no âmbito de um princípio mais geral de controle que caracteriza a noção moderna do Estado de Direito. Contudo, nessa dimensão, a motivação não deve se limitar a fornecer um controle burocrático ou institucional do juiz de instância superior (dell’impugnazione), mas um controle democrático difuso exercido pelo povo, em cujo nome a sentença vem pronunciada.9

6

NOJIRI, Sérgio. O dever de fundamentar as decisões judiciais. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 30.

LEMOS, Jonathan Iovane de. Garantia à Motivação das Decisões. Temas Atuais de Processo Civil, v. 2, n. 5, mai. 2012. Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil. com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/194-garantia-a-motivacao-das-decisoes#_ftn19>. Acesso em: 2 fev. 2014.

7

8

SALAVERRÍA, Juan Igartua. La mativación de las sentencias, imperativo constitucional. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003, p. 25.

9

NOJIRI, Sérgio. O dever de fundamentar as decisões judiciais. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 65.

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Embora a justificativa endoprocessual revista-se de importância até os dias atuais, é essencial que se aponte o aspecto político do princípio, que se presta a demonstrar a correção, imparcialidade e lisura do julgador ao proferir sua decisão, como forma a legitimar politicamente sua atuação judicial. Permite-se, assim, o controle da atividade do julgador, não apenas do ponto de vista jurídico, como também do ponto de vista da própria coletividade.

A MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS NO BRASIL E EM ORDENAMENTOS ESTRANGEIROS O atual CPC de 1973, no art. 131, dispõe que o juiz pode apreciar livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias presentes nos autos do processo, mesmo que não tenham sido declarados pelas partes, “mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento”. Além disso, na atual Constituição de 1988, o legislador brasileiro instituiu o dever de motivação, conforme se lê no art. 93, IX, da Carta Magna. Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: [...] IX. todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). (Grifou-se)

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Na Espanha, a Constituição proclama formalmente a obrigação de motivar no seu art. 120.3, segundo o qual “las sentencias serán siempre motivadas”.10 Ainda que o texto constitucional faça referência a somente um tipo de decisão judicial (sentenças), “nadie considera que el derecho a la motivación quede limitado sólo a ese estrecho ámbito, pues sólo una lectura superficial del texto constitucional español podría llevarnos a esta conclusión”. 11 O texto constitucional de 1978 explicitou esse princípio pela primeira vez, conforme destaca Alfonso Murillo Villar: Hasta la vigente Constitución española de 1978 en la que definitivamente ha quedado plasmado en su art. 120.3 que las sentencias siempre serán motivadas, se observa que se ha producido un goteo legislativo disperso en el que se ha ido recogiendo la necesidad de que los órganos judiciales fundamenten sus decisiones. Con independencia de los ámbitos jurisdiccionales, la disposición constitucional está por encima de todos ellos; en consecuencia, como la Constitución incluye entre sus disposiciones el requisito de la motivación se está obligando a todos los órganos judiciales a fundamentar sus resoluciones. Por otro lado, merece destacarse que en ninguna de las distintas Constituciones históricas españolas se ha incluido la exigencia motivadora; así, ni en la Constitución de 19 de marzo 1812, ni en la de 18 de junio de 1837, ni en las de 23 de mayo de 1845 y 6 de junio de 1869, ni en la de 30 de junio de 1876, todas ellas durante el siglo XIX, ni tampoco en la Constitución de 9 de diciembre de 1931, ya en el siglo XX, se ha recogido semejante disposición.12

Também na Ley de Enjuiciamiento Civil vigente na Espanha é possível encontrar referências ao dever de motivação, especificamente no capítulo VIII, “De las resoluciones judiciales y de las diligencias de ordenación", na seção 1ª "De las clases, forma y contenido de las resoluciones y del modo de dictarlas, publicarlas y archivarlas”: ESPANHA. La Constitución Española de 1978. Disponível em: <http://www.congreso.es/consti/constitucion/indice/titulos/articulos.jsp?ini=117&fin=127&tipo=2>. Acesso em: 23 dez. 2013. 10

MILIONE, Ciro. El derecho a la motivación de las resoluciones judiciales en la jurisprudencia del Tribunal Constitucional y el derecho a la claridad: reflexiones en torno a una deseada modernización del lenguaje jurídico. In: CONGRESO ACE, XI, 2013, Barcelona. La tutela judicial de los derechos fundamentales. Barcelona: Asociación de Constitucionalistas de España, 2013. Disponível em: <http://www.acoes.es/congresoXI/pdf/M4Com-Ciro_Milione.pdf>. Acesso em: 26 abr. 14.

11

VILLAR, Alfonso Murillo. Antecedentes Hisóricos de la Obrigación de Motivar Las Decisiones Judiciales en el Derecho Español. Rivista Teoria e Storia del Diritto Privato. nº V, p. 62-63, 2012. Disponível em: <http://www.teoriaestoriadeldirittoprivato.com/media/rivista/2012/ contributi/2012_Contributi_Murillo_Obligacion.pdf>. Acesso em: 11 abr. 2014. 12

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1. Las diligencias de ordenación y las providencias se limitarán a expresar lo que por ellas se mande e incluirán además una sucinta motivación cuando así lo disponga la ley o quien haya de dictarlas lo estime conveniente. 2. Los decretos y los autos serán siempre motivados y contendrán en párrafos separados y numerados los antecedentes de hecho y los fundamentos de derecho en los que se base la subsiguiente parte dispositiva o fallo. 13 (Grifou-se)

E assim dispõe o artigo 209º, § 3º: [...] En los fundamentos de derecho se expresarán, en párrafos separados y numerados, los puntos de hecho y de derecho fijados por las partes y los que ofrezcan las cuestiones controvertidas, dando las razones y fundamentos legales del fallo que haya de dictarse, con expresión concreta de las normas jurídicas aplicables al caso. 14 (Grifou-se)

Voltando o olhar para o Direito Português, verifica-se que a fundamentação da sentença, como a de qualquer outra decisão judicial, constitui uma exigência muito antiga na legislação portuguesa. Atualmente, o princípio tem assento constitucional, por meio do texto do art. 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, no sentido de que as decisões dos tribunais (que não sejam de mero expediente) devem ser fundamentadas na forma prevista na lei. Observa Fernando Manuel Pinto de Almeida que não se trata de mera exigência formal, já que a fundamentação cumpre uma dupla função: de caráter objetivo (pacificação social, legitimidade e autocontrole das decisões); e também de caráter subjetivo (na medida em que concretiza a garantia do direito ao recurso e controle da correção material e formal das decisões pelos seus destinatários).15

13

ESPANHA. Ley 1/2000, de 7 de enero, de Enjuiciamiento Civil. Disponível em: <https://www.boe.es/buscar/pdf/2000/BOE-A-2000-323-consolidado.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2014.

14

ESPANHA. Ley 1/2000, de 7 de enero, de Enjuiciamiento Civil. Disponível em: <https://www.boe.es/buscar/pdf/2000/BOE-A-2000-323-consolidado.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2014.

ALMEIDA, Fernando Manuel Pinto de. Fundamentação da sentença cível. In: AÇÃO DE FORMAÇÃO DO CEJ PARA JUÍZES ESTAGIÁRIOS, (s.d.), Porto, Portugal. Disponível em: <http://www.trp.pt/ficheiros/estudos/pintoalmeida_fundamentacaosentencacivel.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2014.

15

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Seguindo o entendimento do mesmo autor, para cumprir a exigência constitucional, “a fundamentação há de ser expressa, clara e coerente e suficiente”. Em outras palavras, “não deve ser deixada ao destinatário a descoberta das razões da decisão; os motivos não podem ser obscuros ou de difícil compreensão, nem padecer de vícios lógicos; a fundamentação deve ser adequada à importância e circunstância da decisão”.16 Ademais, assim dispõe o artigo 154º, 1, do Código de Processo Civil Português: “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”. Refere o mesmo artigo, na sua segunda parte, que essa justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, exceto quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.17 No que toca ao direito alemão, apesar da constituição da República Federal da Alemanha não conter norma impondo o dever de motivação das decisões judiciais, a doutrina germânica entende tal princípio como pressuposto do Estado de Direito. A obrigatoriedade de fundamentar é exigida não simplesmente como fenômeno endoprocessual, mas em decorrência de certos preceitos que se encontram no texto constitucional alemão, entre os quais, em especial, o que assegura a garantia do rechtliches Gehör (direito a uma audiência justa)18 e aquele que prevê a subordinação do juiz ao texto legal. 19

ALMEIDA, Fernando Manuel Pinto de. Fundamentação da sentença cível. In: AÇÃO DE FORMAÇÃO DO CEJ PARA JUÍZES ESTAGIÁRIOS, (s.d.), Porto, Portugal. Disponível em: <http://www.trp.pt/ficheiros/estudos/pintoalmeida_fundamentacaosentencacivel.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2014.

16

17

PORTUGAL. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/0351803665.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2014.

Princípio mencionado no art. 103 da Constituição Alemã: “(1) Vor Gericht hat jedermann Anspruch auf rechtliches Gehör […]”. In: ALEMANHA. Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland. Disponível em: <http://www.gesetze-im-internet.de/bundesrecht/gg/gesamt.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2014. Esse princípio significa que, no tribunal, todos têm direito a uma audiência justa. In: CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 84. 18

19

CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 84.

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Também para Rogerio Licastro Torres de Mello, apesar do princípio em estudo não estar expresso no texto constitucional germânico, “a doutrina alemã identifica, na garantia de que todo cidadão tem de ser ouvido em juízo e na subordinação do magistrado à lei, a obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais”.20 Contudo, a Corte Constitucional já se posicionou no sentido de que a constituição não exige que os magistrados exarem explicita resposta a todos os argumentos deduzidos pelas partes, mas uma motivação mínima, que torne possível vislumbrar as razões da decisão. 21 O Código de Processo Civil Alemão (Zivilprozessordnung), no seu § 313, prescreve sob a rubrica Form und Inhalt des Urteils (forma e conteúdo da sentença), que a sentença conterá, entre outros elementos, o dispositivo, os fatos e os fundamentos da decisão. 22 No direito alemão, a motivação é desnecessária quando as partes, após encerramento da fase de instrução, mas antes da sentença, desistirem da interposição de recurso, exceto se a matéria controvertida estiver relacionada a questões de casamento, de interdição, ou se for de interesse de menores. Em casos de revelia, desistência da ação ou reconhecimento jurídico do pedido, torna-se também desnecessária a fundamentação da decisão.23 Não há, no ordenamento processual civil alemão, previsão concernente à motivação de atos decisórios interlocutórios. Contudo, os acórdãos proferidos pelo órgão ad quem devem conter expressa motivação, conforme § 557 do Zivilprozessordnung. 24

MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Ponderações sobre a motivação das Decisões Judiciais. Revista de Processo. v. 111, p. 273, jul., 2003. Disponível em: <http://www. revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6007a00000145c291ed4be27d3675&docguid=I320a97e02d5511e0baf30000855dd350&hitguid=I3 20a97e02d5511e0baf30000855dd350&spos=1&epos=1&td=91&context=20&start Chunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 11 abr. 2014. 20

21

CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 84.

22

ALEMANHA. Zivilprozessordnung. Disponível em: <http://www.gesetze-im-internet.de/zpo/__557.html >. Acesso em: 25 abr. 2014.

23

CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 83.

24

ALEMANHA. Zivilprozessordnung. Disponível em: <http://www.gesetze-im-internet.de/zpo/__557.html >. Acesso em: 25 abr. 2014.

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A falta de motivação acarretará a anulação do julgamento; e “de tal sorte que o apontado vício somente privará o ato de sua eficácia jurídica”, desde que a parte interessada o invoque expressamente nas questões de recurso. 25 Na Itália, a atual Constituição, em seu art. 111, explicita que todas as medidas jurisdicionais devem ser motivadas.26 Dessa forma, a dignidade constitucional atribuída ao princípio em estudo impede a introdução de norma ordinária desonerando os tribunais da tarefa de motivar, bem como complementa a legislação processual vigente, conforme se explorará a seguir. 27 Além disso, Gerson Lira aponta que Michele Taruffo, ao analisar o art. 111 da Constituição Italiana, ressalta que o princípio da obrigatoriedade da motivação está inserido no sistema das garantias. E também enfatiza a característica essencial de instrumentalidade da garantia da motivação, na medida em que a sua aplicação estabelece uma condição de efetividade de outros princípios, como o da imparcialidade do juiz e o princípio da defesa para a correta administração da justiça.28 O Codice di Procedura Civile, em seu art. 132 (Contenuto della sentenza) permite identificar a exposição das razões de fato e de direito como um dos elementos essenciais da sentença:

25

CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 84.

26

ITÁLIA. La Costituzione della Repubblica Italiana. Disponível em: <http://www.governo.it/Governo/Costituzione/2_titolo4.html>. Acesso em: 25 dez. 2013.

27

CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 92.

LIRA, Gerson. A Motivação na Valoração dos Fatos e na Aplicação do Direito. 2005. 191 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2005. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/7504/000546310. pdf?...1>. Acesso em: 23 mai. 2014, p. 20. 28

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[...] A sentença é pronunciada em nome do povo italiano e tem como título: "República Italiana", e é pronunciada "Em nome do povo italiano". Deve conter: 1 indicação do juiz que a pronunciou; 2 os nomes das partes e seus advogados; 3 as conclusões do Ministério Público e das partes interessadas; 4 uma declaração concisa das razões de fato e de direito da decisão; 5 dispositivo, a data da deliberação e da assinatura do juiz. A sentença proferida pelo juízo colegiado é assinada apenas pelo presidente e pelo extensor juiz. Se o presidente não pode assinar por morte ou outra causa, o julgamento deve ser assinado pelo componente mais velho do colegiado, desde que antes de subscrever mencione-se o impedimento; se o extensor não pode assinar a sentença por morte ou outro impedimento é suficiente assinatura do presidente apenas, desde que se mencione o impedimento antes da assinatura. (Traduziu-se)29

Dessa forma, o órgão colegiado de primeiro grau, em regra, depois do relatório da causa emitido pelo juiz instrutor e dos debates realizados pelos procuradores das partes, conforme determina o art. 275 do mesmo ordenamento, passa a decidir as questões prejudiciais deduzidas ou as que se pode conhecer de ofício, sendo possível, inclusive, chegar-se à análise do mérito da causa. 30 Subscrito o documento contendo o dispositivo da sentença, procede-se à motivação, conforme o art. 276 do Codice di Procedura Civile. Somente após a apresentação da íntegra dos fundamentos da decisão pelo relator é que a sentença poderá ser publicada, em atendimento ao artigo 133 do Código de Processo Civil Italiano.31 29

ITÁLIA. Codice di Procedura Civile. Disponível em: <http://www.studiocataldi.it/codiceproceduracivile/codicediproceduracivile.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2014.

30

ITÁLIA. Codice di Procedura Civile. Disponível em: <http://www.studiocataldi.it/codiceproceduracivile/codicediproceduracivile.pdf>. Acesso em: 25 abr. 2014.

31

CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 89-90.

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A motivação, não possuindo conteúdo mínimo indispensável, é tida como nula. Essa nulidade restará sanada se não for invocada pelas partes nas razões da apelação, conforme art. 161 do Codice di Procedura Civile. No que se refere à falta de fundamentação, parte da doutrina entende que, nesse caso, a decisão é nula, enquanto outro grupo de autores a considera “inexistente, de sorte a jamais adquirir autoridade de coisa julgada”.32 Voltando o olhar para o sistema jurídico anglo-americano, verifica-se relevantes diferenças em relação à Civil Law, na medida em que não há norma expressa impondo o dever de motivação nos julgados.33 Nos Estados Unidos, por exemplo, não existe qualquer norma determinando o dever de justificação das decisões. Contudo, o uso reiterado da motivação espontânea está, atualmente, generalizado nos países do Common Law.34 A Suprema Corte dos Estados Unidos motiva as suas decisões, salvo aquelas referentes ao writ of certiorari35, assim como as decisões de segunda instância naquele país também costumam ser motivadas. Isso ocorre porque “seria ilógico pensar em um sistema de precedentes sem a apresentação de fundamentos que ancorassem o julgado, haja vista que toda a estrutura do Common Law é embasada nas razões de decisão do Juízo”.36 José Rogério Cruz e Tucci afirma que, sobretudo na Grã-Bretanha, a exposição das razões da decisão é considerada elemento fundamental a um fair trial, de modo a desestimular decisões arbitrárias.37 32

CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 94.

33

PERO, Maria Thereza Gonçalves. A motivação da sentença civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 9.

34

CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 96.

Representa o meio processual por meio do qual o litigante pleiteia ao Tribunal que reexamine sua questão. Nesse caso, as decisões são tomadas em deliberação secreta e sem motivação.

35

OLIVEIRA, Humberto Santarosa de. A Garantia Fundamental de Motivação das Decisões Judiciais. Revista Ética e Filosofia Política. nº 15, v. 2, p. 141, dez., 2012. Disponível em: <http://www.ufjf.br/eticaefilosofia/files/2009/08/15_2_oliveira_8.pdf>. Acesso em: 03 mai. 2014. 36

37

CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 97.

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Registra Humberto Santarosa de Oliveira que, apesar de Estados Unidos da América e Inglaterra estarem ligados à mesma família de origem jurídica (a anglo-saxônica), na Inglaterra, mesmo não existindo previsão normativa escrita que obrigue a fundamentação das decisões judiciais, “é praxe no país, desde o século XII, a apresentação de justificativas no julgamento realizado (seja aquele realizado pelo juiz, seja aquele realizado pelo jurado)”.38 O “costume de motivar” ou a “motivação espontânea”, diferentemente do dever de explicitá-la, deixa a critério do juiz decidir se motiva ou não, se motiva oralmente ou se apresenta seus fundamentos por escrito, em que situações cabe motivação sucinta, se a motivação apresentada é suficiente, se deve expressar motivação de forma mais ampla e elaborada etc. Ou seja, a ausência de norma a respeito “faz com que a motivação não seja considerada, nos países da common law, requisito de validade da sentença civil ou penal, restando, pois, clara a seguinte regra: a sentença nesses países não pode ser impugnada por vício de motivação”.39 A análise do princípio em tela, no ordenamento jurídico brasileiro e nas leis de outros países, confirma a importância de que esse retorno jurisdicional seja devidamente fundamentado, de modo a satisfazer as partes litigantes e assegurar a transparência da atividade judiciária. Como próximo passo, torna-se essencial aprofundar a análise da tipificação do direito fundamental à motivação das decisões judiciais.

A TIPIFICAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS A necessidade de análise dos questionamentos de ordem racional, histórica e crítica, durante todas as etapas de elaboração dos atos decisórios, corrobora a complexidade que circunda as decisões judiciais. OLIVEIRA, Humberto Santarosa de. A Garantia Fundamental de Motivação das Decisões Judiciais. Revista Ética e Filosofia Política. nº 15, v. 2, p. 141, dez., 2012. Disponível em: <http://www.ufjf.br/eticaefilosofia/files/2009/08/15_2_oliveira_8.pdf>. Acesso em: 03 mai. 2014. 38

39

PERO, Maria Thereza Gonçalves. A motivação da sentença civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 11.

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Logo, como afirma José Rogério Cruz e Tucci, “a sentença não pode encerrar-se no esquema do silogismo clássico, que alçava a norma jurídica aplicável ao caso examinado como premissa maior e as quaestiones facti como premissa menor para chegar-se à conclusão resultante do ato decisório de mérito”.40 No que tange à sentença, por exemplo, como ato processual, ela resulta do processo, do método, cujo objetivo é a composição do litígio.41 Não sendo a sentença o resultado de um simples mecanismo de lógica jurídica, o magistrado deverá observar os aspectos formais dentro dos quais pode realizar o desenvolvimento do pensamento normativo do legislador, os princípios gerais norteadores do direito e os pressupostos processuais que regulamentam tal ato. 42 No que tange ao conteúdo e estrutura da motivação, o art. 458 do Código de Processo Civil decompõe a sentença em relatório, motivação e dispositivo. Essa divisão evidencia a existência de um modelo puramente formal, que distingue na sentença uma parte descritiva, uma parte justificativa e uma última parte propriamente decisória. Essa forma tripartida vem sendo adotada em várias partes do mundo e reveste-se de importância na medida em que a motivação apresenta uma aparência de rigor lógico na passagem das premissas de fato e de direito às conclusões, bem como na articulação dessa passagem. Não se pode admitir, portanto, que o juiz expresse suas razões de maneira tão liberal a ponto de priválas de uma forma particular, uma vez que não se trata de um discurso qualquer.43

40

CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 8-9.

41

NUNES, Elpídio Donizetti. Redigindo a Sentença. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 19.

42

CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 10.

43

PERO, Maria Thereza Gonçalves. A motivação da sentença civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 74.

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É necessário enfatizar que a tarefa de fundamentar compreende uma série de atividades mentais, orientadas pelos princípios do raciocínio lógico (formal ou argumentativo).44 Em se tratando de um ato humano, a forma como cada magistrado organiza seu raciocínio influencia na delimitação estrutural da motivação, porque “motivar com amplitude para um juiz, pode ser diferente da ideia de amplitude para o outro”.45 Jonathan Iovane de Lemos, ao analisar o texto do italiano Michele Taruffo, menciona que são três os requisitos da motivação: “razionalità, completezza e controllabilità”.46 A racionalidade (razionalità) consiste no discurso justificativo que apresenta as razões das escolhas realizadas pelo julgador, evidenciando que a decisão desenvolvida é a única que poderia ter sido tomada. A inteireza da motivação (completezza) está relacionada “à justificação total das escolhas que dão suporte à conclusão da decisão”, não se tratando de uma inteireza descritiva do pensamento lógico ou psicológico do julgador, mas da efetiva presença de argumentos que dão suporte à veracidade da escolha sob a qual a demanda deriva.47 Sobre a inteireza da motivação, cumpre ressaltar que, sendo ela obrigatória, não se pode pretender que nela esteja relatado, necessariamente, todo e qualquer ponto do processo. O juiz deve, para atender ao requisito da “completezza”, determinar pontos relevantes para sua decisão, ou seja, pontos prejudiciais, aqueles pontos que serviram de antecedente lógico-jurídico para formar a cadeia de raciocínio traçada pelo magistrado rumo à sua decisão final. Ademais, é preciso que o julgador, ao eleger esses pontos prejudiciais, mencione os critérios jurídicos ou hermenêuticos, cognoscitivos ou valutativos empregados que o induziram a tais escolhas.48 44

MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e precedente: dois discursos a partir da decisão judicial. Revista de Processo. n. 206, p. 61-78, abr. 2012, p. 61.

DIAS, Luciana Drimel. Motivação Sentencial como Garantia Constitucional em um Estado Democrático de Direitos. Revista CONPEDI/UFSC v. 2, n. 5, mai. 2012. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos>. Acesso em: 2 fev. 2014.

45

LEMOS, Jonathan Iovane de. Garantia à Motivação das Decisões. Temas Atuais de Processo Civil, v. 2, n. 5, mai. 2012. Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil. com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/194-garantia-a-motivacao-das-decisoes#_ftn19>. Acesso em: 2 fev. 2014.

46

LEMOS, Jonathan Iovane de. Garantia à Motivação das Decisões. Temas Atuais de Processo Civil, v. 2, n. 5, mai. 2012. Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil. com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/194-garantia-a-motivacao-das-decisoes#_ftn19>. Acesso em: 2 fev. 2014.

47

48

PERO, Maria Thereza Gonçalves. A motivação da sentença civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 74.

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A inteireza da motivação versa sobre a necessidade de que, na decisão, sejam expostos todos os argumentos que tornem insofismáveis/ irrepreensíveis as escolhas feitas pelo magistrado (tanto de fato quanto de direito), fazendo o requisito da racionalidade parte da estrutura do julgado justamente por ser o fechamento, a consequência que se extrai de todas as escolhas realizadas, constituindo uma segunda etapa para a conclusão do decisum.49 O parâmetro com o qual se deve avaliar a “inteireza” da motivação é constituído das exigências de justificação que surgem em razão da decisão. Motivação completa não é aquela que obedece a certos requisitos formais, mas as que abordam os seguintes requisitos: necessidade de interpretação das regras aplicadas, a averiguação dos fatos, a qualificação jurídica da fattispecie e a declaração das consequências jurídicas oriundas da decisão prolatada. O requisito da “inteireza” da motivação tem, portanto, um significado geral e não deve ser confundido, como diz Taruffo, com qualquer coisa estranha à justificação da decisão.50 As decisões, além de exigirem fundamentos que atendam aos requisitos supracitados, devem ser públicas, acessíveis e, também, compreensíveis aos cidadãos, e não apenas aos juristas e técnicos do direito, sobretudo considerando-as sob o ponto de vista extraprocessual. Trata-se do requisito controllabilità, de Michele Taruffo.51 “A exposição das razões jurídicas consiste na indicação expressa dos critérios lógicos que levaram o juiz a aplicar determinado preceito ou princípio legal”, tornando participantes o público e as partes da justiça do ato decisório, trazendo à tona a volutas legis.52

LEMOS, Jonathan Iovane de. Garantia à Motivação das Decisões. Temas Atuais de Processo Civil, v. 2, n. 5, mai. 2012. Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil. com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/194-garantia-a-motivacao-das-decisoes#_ftn19>. Acesso em: 2 fev. 2014.

49

50

PERO, Maria Thereza Gonçalves. A motivação da sentença civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 82.

LEMOS, Jonathan Iovane de. Garantia à Motivação das Decisões. Temas Atuais de Processo Civil, v. 2, n. 5, mai. 2012. Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil. com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/194-garantia-a-motivacao-das-decisoes#_ftn19>. Acesso em: 2 fev. 2014.

51

52

CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 17.

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No que se refere ao conteúdo da motivação, Jonathan Iovane de Lemos, ao debruçar-se sobre a obra de Michele Taruffo, explana que a fundamentação torna imperiosa a justificação de todas as escolhas que conferem embasamento à decisão, incluindo-se: a) a escolha da norma (ou das normas) que o juiz entende aplicável ao caso concreto; b) a escolha da interpretação de tais normas que se entende mais válida em relação ao caso em análise; e c) a escolha inerente às consequências que derivam da aplicação da norma jurídica a tal fato concreto.53 A divisão entre estrutura e conteúdo da motivação explanada pelo professor italiano Michele Taruffo não encontra delimitação técnica adequada, conforme entendimento de Jonathan Iovane de Lemos. Para o autor, são “ambos os critérios, na verdade, da forma em que foram conceituadas – irrepreensíveis, separadamente analisados, diga-se de passagem – uma simbiose, definidos para o consórcio de motivar adequadamente o caso”. 54 Pelos ensinamentos do doutrinador italiano, a falta de um dos requisitos elementares (razionalità, completezza e controllabilità) tornaria a decisão inexistente, uma vez que são considerados essenciais à fundamentação. Nessa lógica, por exemplo, os magistrados estariam obrigados a reconhecer a inexistência da decisão, quando ela estiver desprovida, por exemplo, do elemento “razionalità”, uma vez que tal ausência geraria “a impossibilidade de perfectibilização de um ato quando ausente qualquer de seus requisitos formadores”. Entretanto, uma análise mais minuciosa demonstra que uma sentença, assim outros atos decisórios, não deixa de existir pelo erro de motivação do magistrado, embora a falta de fundamentação constitua um vício à decisão.55

LEMOS, Jonathan Iovane de. Garantia à Motivação das Decisões. Temas Atuais de Processo Civil, v. 2, n. 5, mai. 2012. Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil. com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/194-garantia-a-motivacao-das-decisoes#_ftn19>. Acesso em: 2 fev. 2014.

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LEMOS, Jonathan Iovane de. Garantia à Motivação das Decisões. Temas Atuais de Processo Civil, v. 2, n. 5, mai. 2012. Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil. com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/194-garantia-a-motivacao-das-decisoes#_ftn19>. Acesso em: 2 fev. 2014.

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LEMOS, Jonathan Iovane de. Garantia à Motivação das Decisões. Temas Atuais de Processo Civil, v. 2, n. 5, mai. 2012. Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil. com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/194-garantia-a-motivacao-das-decisoes#_ftn19>. Acesso em: 2 fev. 2014.

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Corrobora-se, por fim, que “a fundamentação exige mais do que a mera indicação de dispositivos, requerendo a explicação de por que foram escolhidas as normas aplicadas no caso concreto, suas interpretações e suas consequências dentro do ordenamento”, sem deixar de ser acessível para as partes e sem deixar de contemplar as regras jurídicas invocadas pelos litigantes.56 Nesse contexto, verificados os requisitos analisados, torna-se imperioso, em suma, que o magistrado verifique as provas trazidas aos autos, extraindo delas as normas incidentes e a melhor interpretação para solução do caso (a inteireza da motivação), encontrando as consequências jurídicas alvitradas, de maneira racional (coerência e lógica), tudo disposto de maneira clara e inteligível às partes e à sociedade (de forma que se preencha o requisito controllabilità). Entretanto, a ausência de qualquer dos requisitos elencados não acarreta a inexistência do ato.57 A análise da estrutura das decisões e da motivação nelas contida poderia conduzir ao entendimento de que a sentença judicial constituise em um silogismo lógico. Contudo, o trabalho do órgão jurisdicional não se limita a subsumir debaixo de uma norma geral o caso particular formulado, e em extrair, em forma de conclusão silogística, a decisão. No pensamento jurídico contemporâneo, o silogismo aplicado à função judicial caiu em descrédito.58 Ademais, a fundamentação exige mais do que a simples indicação de artigos de lei. Requer-se a explanação de por que foram escolhidas as normas aplicadas ao fato, as interpretações realizadas e suas consequências dentro do ordenamento, tudo isso em uma linguagem que não conduza a um fenômeno de alienação social.

LEMOS, Jonathan Iovane de. Garantia à Motivação das Decisões. Temas Atuais de Processo Civil, v. 2, n. 5, mai. 2012. Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil. com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/194-garantia-a-motivacao-das-decisoes#_ftn19>. Acesso em: 2 fev. 2014.

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LEMOS, Jonathan Iovane de. Garantia à Motivação das Decisões. Temas Atuais de Processo Civil, v. 2, n. 5, mai. 2012. Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil. com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/194-garantia-a-motivacao-das-decisoes#_ftn19>. Acesso em: 2 fev. 2014.

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NOJIRI, Sérgio. O dever de fundamentar as decisões judiciais. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 77.

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CRITÉRIOS PARA UMA FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE A doutrina, de modo geral, entende que a motivação deve ser clara, expressa, coerente e lógica. Como sinaliza Ézio Luiz Pereira, as pessoas litigam justamente porque se encontram diante de dúvidas jurídicas. Se a decisão estiver desprovida da adequada fundamentação, a dúvida permanece, ou seja, a jurisdição não cumpre uma de suas funções, que é a de prover solução à lide, “pondo fim à demanda, depositando uma pá de cal na controvérsia suscitada”.59 Os motivos da decisão devem ser expressos, ou seja, deixará de cumprir o seu papel o magistrado que não revelar como interpretou e aplicou a lei ao caso concreto, ou se fizer simples remissão às razões expendidas em atos produzidos em outro processo. Todavia, é possível aludir aos fundamentos de outro julgado, aduzindo outros, próprios, caso em que se trata da motivação per relationem, como será analisado a seguir, neste estudo. Também, não há necessidade de o juízo examinar analiticamente todos os argumentos dos litigantes, em especial da parte que restar vencida (caso em que configurará a motivação implícita, como se estudará na sequência deste estudo). 60 Deve também a motivação ser clara, ou seja, inteligível de plano, afastando a possibilidade de interpretação dúbia ou equivocada. 61 O próprio estilo do julgador determina a maneira como essas premissas devem ser representadas em seu discurso, em face de cada caso concreto e da relevância que o próprio julgador lhe empresta. As formas são necessárias, mas o formalismo constitui deformação. 62 Ademais, deve a motivação ser coerente. Tal critério é, sobretudo, uma forma de instrumentalização do princípio da economia processual, considerando que a decisão atinente a uma singular questão pode exercer efeitos sobre os passos seguintes da atividade decisória. 63 59

PEREIRA, Ézio Luiz. Da motivação das decisões judiciais como exigibilidade constitucional. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1998, p. 43.

60

CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 18-20.

61

CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 20.

62

PERO, Maria Thereza Gonçalves. A motivação da sentença civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 81.

63

CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 20-21.

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Consoante entendimento de Daniel Mitidiero, a motivação da decisão, para que seja considerada completa e constitucionalmente adequada, requer em sua articulação mínima, de maneira resumida, os seguintes critérios: a) a enunciação das escolhas desenvolvidas pelo órgão judicial para: a.1) individualização das normas aplicáveis; a.2) acertamento das alegações de fato; a.3) qualificação jurídica do suporte fático; a.4) consequências jurídicas decorrentes da qualificação jurídica do fato; b) o contexto dos nexos de implicação e coerência entre tais enunciados e c) a justificação dos enunciados com base em critérios que evidenciam ter a escolha do juiz sido racionalmente correta.64 No que se refere ao ponto “a” dos critérios elencados pelo autor supramencionado, devem constar, obrigatoriamente, os fundamentos arrazoados pelas partes, de tal maneira que se possa conferir a consideração séria do órgão jurisdicional a respeito das razões levantadas pelas partes em suas manifestações processuais.65 Por fim, cumpre dizer que o magistrado deve guiar-se pelos princípios que regem o pensamento racional, na elaboração do ato decisório. Ou seja, a exposição dos fundamentos deve se dar por meio de uma análise lógica e congruente das alegações das partes e das provas produzidas.66

TIPOS DE MOTIVAÇÃO Verifica-se a motivação per relationem quando o órgão julgador, diante de um pedido da parte, fundamenta sua decisão em outro decisum ou em um parecer, existente nos autos.67 Ou seja, esse tipo de motivação ocorre quando, sobre um ponto decidido, o juiz não elabora uma

64

MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e precedente: dois discursos a partir da decisão judicial. In: Revista de Processo. n. 206, p. 61-78, abr. 2012, p. 61.

65

MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e precedente: dois discursos a partir da decisão judicial. In: Revista de Processo. n. 206, p. 61-78, abr. 2012, p. 61.

66

CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 21.

LEMOS, Jonathan Iovane de. Garantia à Motivação das Decisões. Temas Atuais de Processo Civil, v. 2, n. 5, mai. 2012. Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil. com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/194-garantia-a-motivacao-das-decisoes#_ftn19>. Acesso em: 2 fev. 2014.

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motivação autônoma, mas se serve do reenvio à motivação contida em outra decisão prolatada em caso anômalo (reconhecida, também, como motivação aliunde).68 Esse tipo de fundamentação encontra respaldo no princípio da economia processual, na medida em que se evita uma nova análise extensiva sobre a demanda quando o julgado paradigma tende a ser confirmado. Na doutrina, há autores que defendem a inexistência de fundamentação na técnica per relationem, a exemplo de Tereza Arruda Alvim Wambier, procurando equipará-la à ausência de fundamentação que é proibida pelo art. 93, IX da Constituição Federal, como também há opinião no sentido de incluir a sentença que utiliza a técnica de fundamentação per relationem no rol das sentenças arbitrárias.69 Jonathan Iovane de Lemos aponta uma crítica à utilização de tal tipo de fundamentação: “em relação aos acórdãos que copiam os fundamentos sentenciais, não se deve esquecer que a pretensão recursal é uma pretensão autônoma”, diferente daquela mencionada na exordial, “o que impede, pelo menos em relação ao desiderato recursal, a motivação per relationem com a decisão objurgada”.70 Assim, quando o órgão judiciário faz suas razões retiradas de outras decisões, essas manifestações de outros órgãos ou produzidas em outros autos deixam de ser alheias e passam a integrar, como suas, a própria decisão referente a um litígio específico, “referenciando às partes que seu entendimento coincide integralmente com outro já manifestado em caso análogo, daí porque desnecessário produzir, com outras letras,

FONSECA, Leonardo Alvarenga. A Fundamentação Per Relationem como técnica constitucional de racionalização das técnicas judiciais. Derecho y Cambio Social, n. 36, abr. 2014, p. 08. Disponível em: <http://www.derechoycambiosocial.com/revista036/A_FUNDAMENTACAO_PER_RELATIONEM_COMO_TECNICA.pdf>. Acesso em: 20 out. 2014.

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FONSECA, Leonardo Alvarenga. A Fundamentação Per Relationem como técnica constitucional de racionalização das técnicas judiciais. Derecho y Cambio Social, n. 36, abr. 2014, p. 08. Disponível em: <http://www.derechoycambiosocial.com/revista036/A_FUNDAMENTACAO _PER_RELATIONEM_COMO_TECNICA.pdf>. Acesso em: 20 out. 2014.

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LEMOS, Jonathan Iovane de. Garantia à Motivação das Decisões. Temas Atuais de Processo Civil, v. 2, n. 5, mai. 2012. Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil. com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/194-garantia-a-motivacao-das-decisoes#_ftn19>. Acesso em: 2 fev. 2014.

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uma decisão que veicule o mesmo conteúdo da anterior”. Obviamente, isso não exime o órgão judiciário de arcar com a responsabilidade pelos erros in procedendo ou judicando.71 Jonathan Iovane de Lemos defende que, se válida a motivação per relationem, “não seria ilegal o encaminhamento aos fundamentos da sentença/parecer que conste nos autos”. Entretanto, para os casos de jurisprudência utilizada em caso análogo, necessariamente deve-se ponderar sua adequação à realidade fática.72 Por fim, cabe destacar que a técnica de fundamentação per relationem gera, como efeito, a condução dos juízes de primeira instância a um necessário alinhamento em relação a paradigmas hermenêuticos de decisões-padrão, consolidando um sistema jurídico que precisa de coesão (ainda que com ressalva pessoal de entendimento do magistrado), “ao menos para evitar alimentar falsas expectativas aos jurisdicionados que demandem em sentido contrário aos nortes jurisprudenciais previamente estabelecidos”, preservando-se os princípios da segurança jurídica, da celeridade e da eficiência, valores atrelados pela Constituição ao Poder Judiciário brasileiro. 73 Importante classificar, ainda, a motivação implícita, aquela “embora não representada na sentença por símbolos gráficos, é dedutível por processo mental e lógico”.74 Essa fundamentação se dá por meio de argumentos primários e secundários, em termos de importância, abalizados no mesmo fato, as razões explícitas para o acolhimento, ou não, dos primeiros, prestam-se a justificar, implicitamente, idêntica solução dada aos segundos, motivo pelo qual se demonstra pacífica, hoje, a posição pretoriana acerca da desnecessidade de análise de todos os fundamentos

FONSECA, Leonardo Alvarenga. A Fundamentação Per Relationem como técnica constitucional de racionalização das técnicas judiciais. Derecho y Cambio Social, n. 36, abr. 2014, p.12. Disponível em: <http://www.derechoycambiosocial.com/revista036/A_FUNDAMENTACAO_PER_ RELATIONEM_COMO_TECNICA.pdf>. Acesso em: 20 out. 2014.

71

LEMOS, Jonathan Iovane de. Garantia à Motivação das Decisões. Temas Atuais de Processo Civil, v. 2, n. 5, mai. 2012. Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil. com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/194-garantia-a-motivacao-das-decisoes#_ftn19>. Acesso em: 2 fev. 2014.

72

FONSECA, Leonardo Alvarenga. A Fundamentação Per Relationem como técnica constitucional de racionalização das técnicas judiciais. Derecho y Cambio Social, n. 36, abr. 2014, p.21-22. Disponível em: <http://www.derechoycambiosocial.com/revista036/A_FUNDAMENTACAO_PER_ RELATIONEM_COMO_TECNICA.pdf>. Acesso em: 20 out. 2014.

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PERO, Maria Thereza Gonçalves. A motivação da sentença civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 95.

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suscitados pelas partes.75 Trata-se de situação em que não há necessidade de o magistrado examinar analiticamente argumento por argumento levantado pelos litigantes.76 A motivação concisa ou sucinta, também apontada pela doutrina, é admissível nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, previstas no art. 267 do CPC. Ressalve-se, contudo, que em muitas dessas hipóteses o julgador não poderá realizar uma motivação tão breve, ainda que exista autorização em lei, devido a questões intrincadas que a realidade prática pode trazer à tona. Cabe ao juiz, nesses casos, optar o não pela concisão de seus motivos, com bom senso. 77 Entretanto, a doutrina aponta uma tendência à excessiva concisão dos julgados. Em decisões concessivas ou denegatórias de liminar em mandado de segurança, cautelares, possessórias e ações civis públicas, tornou-se habitual a ausência de motivação, usando-se simplesmente a menção à presença ou ausência dos pressupostos legais para concessão ou denegação da liminar. O correto seria o julgador explanar porque entendeu presentes ou faltantes os pressupostos.78 Ainda que se permitam as fundamentações per relationem, concisa e implícita, no sistema brasileiro, tais formas não devem ser equiparadas às fundamentações inexistentes, que carecem de qualquer justificação lógica das razões que conduziram o magistrado na escolha de determinada questão.79

LEMOS, Jonathan Iovane de. Garantia à Motivação das Decisões. Temas Atuais de Processo Civil, v. 2, n. 5, mai. 2012. Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil. com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/194-garantia-a-motivacao-das-decisoes#_ftn19>. Acesso em: 2 fev. 2014.

75

LEMOS, Jonathan Iovane de. Garantia à Motivação das Decisões. Temas Atuais de Processo Civil, v. 2, n. 5, mai. 2012. Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil. com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/194-garantia-a-motivacao-das-decisoes#_ftn19>. Acesso em: 2 fev. 2014.

76

77

PERO, Maria Thereza Gonçalves. A motivação da sentença civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 105-106.

78

PERO, Maria Thereza Gonçalves. A motivação da sentença civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 107.

LEMOS, Jonathan Iovane de. Garantia à Motivação das Decisões. Temas Atuais de Processo Civil, v. 2, n. 5, mai. 2012. Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil. com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/194-garantia-a-motivacao-das-decisoes#_ftn19>. Acesso em: 2 fev. 2014.

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A motivação é pressuposto de validade da decisão judicial, devendo ser motivada toda a atuação estatal. Também, por isso, seu berço no art. 93, IX, da CF/88, que não distingue o tipo de provimento decisório, exigindo sejam justificadas “todas as decisões”.80 Entretanto, a omissão em relação a tal pressuposto envolve questões espinhosas na teoria do processo. Em que pese exista essa divergência doutrinária, prevalece o entendimento, consolidado a partir da Carga Magna de 1988, de que a omissão dos motivos gera a nulidade do julgado.81 Para Sérgio Nojiri, a decisão judicial sem fundamentação, mesmo contendo vício grave, é válida, até ser declarada nula. Isso se comprova na medida em que uma decisão judicial imotivada, não atacada pelas partes, pode transitar em julgado.82 A sentença desprovida totalmente de motivação pode ser impugnada, com fundamento no art. 513 do CPC, mediante a interposição de apelação. Se verificada a ausência de menção aos fundamentos da decisão, o recurso merecerá provimento, situação em que os autos devem ser devolvidos ao juízo de origem para que seja proferida uma nova sentença, agora motivada.83

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RMS: 25.462 - RJ (2007/0247038-2), Recorrente: SICAM. Recorrido: Sérgio Guilherme Nunes Saraceni e Outros. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília (DF), 02 de outubro de 2008. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/download?key=U1RKL0lUL1JNU18yNTQ2Ml9 SSl8wMi4xMC4yMDA4LnBkZg%3D%3D>. Acesso em: 27 ago. 2014. 80

81

PERO, Maria Thereza Gonçalves. A motivação da sentença civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 125-126.

82

NOJIRI, Sérgio. O dever de fundamentar as decisões judiciais. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 111.

83

CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 146.

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Caso o ato decisório imotivado já tenha transitado em julgado, dada a violação de norma expressa, é cabível, em dois anos, o ajuizamento de ação rescisória, com fulcro no art. 485, V, do CPC.84 Nesse caso, o órgão julgador, caso acolha o pedido de rescisão, deverá remeter o processo ao juízo que proferiu a sentença rescindida, para que outra, motivada, possa substituí-la. 85

CONSIDERAÇÕES FINAIS No Brasil, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o dever de fundamentar as decisões judiciais finalmente ganhou estatura jurídica compatível com os princípios constitucionais do devido processo legal e do acesso à justiça. Nesse cenário, para que se fosse possível analisar os critérios necessários para uma fundamentação adequada e suficiente, este estudo objetivou analisar o dever de motivação das decisões nos âmbitos nacional e internacional. Realizou, sobretudo, um exame de direito comparado entre a legislação brasileira e a de alguns outros países. Verificou-se também, por meio de uma exploração bibliográfica, com metodologia centrada no método indutivo, a estrutura da motivação, os critérios para uma fundamentação suficiente, bem como as consequências decorrentes de uma decisão imotivada. Assim, verifica-se que o dever de fundamentar as decisões judiciais atende tanto às funções endoprocessuais, de natureza técnica, como extraprocessuais, de natureza política, objetivando a imparcialidade e a independência do juiz e permitindo o controle social da legalidade e da legitimidade da função jurisdicional.

“Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: [...] V - violar literal disposição de lei; [...]”

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CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 145.

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Ademais, a decisão caracterizada pela ausência de motivação torna-se um obstáculo ao exercício do direito ao contraditório, mediante as dificuldades para identificar os pontos que poderiam ensejar um recurso da parte prejudicada, por exemplo. Conclui-se, apesar da divergência doutrinária, que o entendimento majoritário é o de que a ausência da motivação, elemento essencial da decisão, gera a nulidade do ato. A doutrina, de modo geral, define como critérios para uma fundamentação suficiente, a necessidade de que ela seja clara, expressa, coerente e lógica, sem deixar de mencionar as escolhas desenvolvidas pelo órgão judicial no que tange às normas aplicáveis, às alegações de fato, à qualificação jurídica do suporte fático e às consequências decorrentes dessa qualificação. Também constitui um critério a menção aos enunciados com base em elementos que evidenciam ter a escolha do juiz sido racionalmente correta. É inquestionável que um judiciário sólido e justo desempenha papel relevante em um Estado verdadeiramente soberano, embora não se conceba de forma isolada. Por isso, a sociedade deve participar da legitimação desse poder, a partir da fiscalização do cumprimento dos mandamentos constitucionais, em especial o princípio da motivação.

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REFERÊNCIAS ALEMANHA. Grundgesetz für die Bundesrepublik Deutschland. Disponível em: <http://www.gesetze-im-internet.de/bundesrecht/gg/gesamt. pdf>. Acesso em: 25 abr. 2014. ______. Zivilprozessordnung. Disponível em: <http://www.gesetze-im-internet.de/zpo/__557.html >. Acesso em: 25 abr. 2014. ALMEIDA, Fernando Manuel Pinto de. Fundamentação da sentença cível. In: AÇÃO DE FORMAÇÃO DO CEJ PARA JUÍZES ESTAGIÁRIOS, (s.d.), Porto. Disponível em: <http://www.trp.pt/ficheiros/estudos/pintoalmeida_ fundamentacaosentencacivel.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2014. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil: as relações processuais: a relação processual ordinária de cognição. Tradução de Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller, 1998. CRUZ E TUCCI, José Rogério. A motivação da sentença no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1987. DIAS, Luciana Drimel. Motivação Sentencial como Garantia Constitucional em um Estado Democrático de Direitos. Revista CONPEDI/UFSC v. 2, n. 5, mai. 2012. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos>. Acesso em: 2 fev. 2014. ESPANHA. Ley 1/2000, de 7 de enero, de Enjuiciamiento Civil. Disponível em: <https://www.boe.es/buscar/pdf/2000/BOE-A-2000-323consolidado.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2014. ______. La Constitución Española de 1978. Disponível em: <http://www.congreso.es/consti/constitucion/indice/titulos/articulos. jsp?ini=117&fin=127&tipo=2>. Acesso em: 23 dez. 2013. FONSECA, Leonardo Alvarenga. A Fundamentação Per Relationem como técnica constitucional de racionalização das técnicas judiciais. Derecho y Cambio Social, n. 36, abr. 2014, p. 08. Disponível em: <http://www.derechoycambiosocial.com/revista036/A_FUNDAMENTACAO_ PER_ RELATIONEM_COMO_TECNICA.pdf>. Acesso em: 20 out. 2014. ORGANIZADORES:

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GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011. ITÁLIA. La Costituzione della Repubblica Italiana. Disponível em: <http://www.governo.it/Governo/Costituzione/2_titolo4.html>. Acesso em: 25 dez. 2013. LEMOS, Jonathan Iovane de. Garantia à Motivação das Decisões. Temas Atuais de Processo Civil, v. 2, n. 5, mai. 2012. Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil.com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/194-garantia-a-motivacao-das-decisoes#_ftn19>. Acesso em: 2 fev. 2014. LIRA, Gerson. A Motivação na Valoração dos Fatos e na Aplicação do Direito. 2005. 191 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito. da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2005. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/ handle/10183/7504/000546310.pdf?...1>. Acesso em: 23 mai. 2014 MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Ponderações sobre a motivação das Decisões Judiciais. Revista de Processo. v. 111, p. 273, jul., 2003. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/ document?&src=rl&srgui d=i0ad6007a00000145c291ed4be27d3675&docguid=I320a97e02d5511e0baf30000855dd350&hit guid=I320a97e02d5511e0baf30000855dd350&spos=1&epos=1&td=91&context=20&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 11 abr. 2014. MILIONE, Ciro. El derecho a la motivación de las resoluciones judiciales en la jurisprudencia del Tribunal Constitucional y el derecho a la claridad: reflexiones en torno a una deseada modernización del lenguaje jurídico. In: CONGRESO ACE, XI, 2013, Barcelona. La tutela judicial de los derechos fundamentales. Barcelona: Asociación de Constitucionalistas de España, 2013. Disponível em: <http://www.acoes.es/ congresoXI/pdf/M4Com-Ciro_Milione.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2014. MITIDIERO, Daniel. Fundamentação e precedente: dois discursos a partir da decisão judicial. Revista de Processo. n. 206, p. 61-78, abr. 2012.

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direito do consumidor no mercosul: perspectivas de uniformização e harmonização das relações jurídicas de consumo na legislação dos países membros do mercosul ORGANIZADORES:

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Luciana da Silveira

Graduanda em Direito pela Universidade Feevale, assistente jurídico. E-mail: luciana_ da_silveira@hotmail.com.

Daniel Sica da Cunha

Doutor e Mestre pela UFRGS, Coordenardor do Curso de Direito e Professor na Universidade Feevale, e advogado no Rio Grande do Sul. E-mail: danielscunha@feevale.br.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS O presente artigo visa apresentar o Mercosul e seus tipos normativos, apontando a falta de regulamentação quanto às normas de Defesa do Consumidor no âmbito deste Bloco Econômico. E para que as diretrizes do Mercosul saiam do plano ideológico e se materializem é necessário, acima de tudo, que seja criado um caminho seguro, firme, alicerçado no ordenamento jurídico, que permita não só a integração dos Estados-membros, ou de suas leis internas, mas que torne viável ao cidadão comum a completa adaptação e satisfação quanto aos objetivos a serem praticados. Nesse contexto, mostra-se extremamente relevante realizar pesquisas nessa área, posto que se passaram duas décadas da assinatura do Tratado de Assunção e o bloco não realizou plenamente seu processo de integração, de maneira que ainda é classificado como uma união aduaneira. Além do mais, o tema atual está em constante desenvolvimento, e ainda necessita uma maior compreensão e adaptação tanto dos governantes como dos indivíduos. Diante dessa problemática, buscou-se apontar no presente trabalho as possíveis soluções de equacionamento das legislações internas dos Países-membros do Mercosul, através da eliminação dos diferentes graus de proteção ao consumidor, com vista ao estabelecimento de um standard legal em matéria de Direito do Consumidor no âmbito do Mercosul. Para tanto, foram apresentados os métodos de solução de equacionamento das normas de proteção ao consumidor, que são a Uniformização e a Harmonização, destacando os pensamentos de renomados autores sobre a possibilidade de utilização desses métodos. Para o desenvolvimento desta pesquisa foi adotado o método dedutivo e a pesquisa bibliográfica. Como resultado da presente pesquisa, foi constatado que é necessário um regulamento no âmbito do Mercosul, no que tange à proteção do consumidor, para fomentar a economia do Bloco, bem como promover a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos mercosulinos.

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A FORMAÇÃO E ESTRUTURA DO MERCADO COMUM DO SUL – MERCOSUL Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai assinaram o Tratado de Assunção em 26.03.1991, com vistas à integração regional, bem como o desenvolvimento econômico do Bloco.1 Após este acordo entre Estados surgiu o Mercado Comum do Sul – Mercosul. Em 17.12.1994, o Tratado de Assunção foi complementado com o Protocolo de Ouro Preto, que estabeleceu uma estrutura institucional ao Mercosul, bem como conferiu à personalidade jurídica a este Bloco Econômico, permitindo, com isso, a possibilidade do Mercosul elaborar acordos com outros blocos econômicos ou países.2 O Protocolo de Ouro Preto estabeleceu no seu Art. 1º a estrutura do Mercosul.3 Os órgãos que compõem a estrutura do Mercosul dividem-se em órgãos de atividade operacional/normativa e órgãos auxiliares.4 Dentre os órgãos de atividade operacional e normativa destaca-se o Conselho do Mercado Comum (CMC), o Grupo Mercado Comum (GMC) e a Comissão de Comércio do Mercosul (CCM), os quais possuem capacidade decisória, sendo estes órgãos intergovernamentais, conforme determinado no Art. 2º do Protocolo de Ouro Preto.5 Já os órgãos auxiliares se subdividem-se em “[...] órgãos com atribuições especializadas, e órgãos de apoio e assessoria com atribuições no domínio econômico e social [...]”.6 Dentre os órgãos que compõem a estrutura do Mercosul, destaca-se a Comissão de Comércio do Mercosul, que pode adotar, de acordo com suas necessidades, diretrizes – que obrigam o seu cumprimento pelos Estados-partes.7 E dentre as diretrizes adotadas pela CCM, destaca1

DORNELES, Renato Moreira. Tutela administrativa dos consumidores no Brasil como paradigma aos países do Mercosul. Curitiba: Juruá, 2003, p. 27.

2

BATISTI, Leonir. Direito do Consumidor para o Mercosul. 2. ed., 4. tir. Curitiba: Juruá, 2006, p. 71.

O Conselho do Mercado Comum (CMC); O Grupo Mercado Comum (GMC); A Comissão de Comércio do Mercosul (CCM); A Comissão Parlamentar Conjunta (CPC); O Foro Consultivo Econômico e Social (FCES); e A Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM). In: PERIN JUNIOR. Ecio. A Globalização e o Direito do Consumidor. Aspectos Relevantes sobre a Harmonização Legislativa Dentro dos Mercados Regionais. Baruerí, SP: Manole, 2003, p. 112.

3

4

DORNELES, Renato Moreira. Tutela administrativa dos consumidores no Brasil como paradigma aos países do Mercosul. Curitiba: Juruá, 2003, p. 33.

5

BATISTI, Leonir. Direito do Consumidor para o Mercosul. 2. ed., 4. tir. Curitiba: Juruá, 2006, p. 77.

6

DORNELES, Renato Moreira. Tutela administrativa dos consumidores no Brasil como paradigma aos países do Mercosul. Curitiba: Juruá, 2003, p. 34.

7

BATISTI, Leonir. Direito do Consumidor para o Mercosul. 2. ed., 4. tir. Curitiba: Juruá, 2006, p. 81.

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se a Diretriz n° 1/958, a qual criou os Comitês Técnicos.9 E dentre estes Comitês destaca-se o Comitê Técnico nº 7.10 O CT-7 ficou encarregado de editar o Regulamento Comum para a defesa do consumidor, bem como revisar as “[...] resoluções do Grupo Mercado Comum (GMC), abordando conceitos, direitos básicos, proteção à saúde e segurança, publicidade e, por fim, a garantia contratual”.11 As resoluções12 do Grupo Mercado Comum foram elaboradas em 1996, com o objetivo de compor os capítulos do projeto de Regulamento Comum, que visavam resoluções parciais sobre a defesa do consumidor.13

Comitê Técnico nº 1 – Tarifas, Nomenclatura e Classificação de Mercadorias; Comitê Técnico nº 2 – Assuntos Aduaneiros; Comitê Técnico nº 3 – Normas e Disciplinas Comerciais; Comitê Técnico nº 4 – Políticas Públicas que distorcem a Competitividade; Comitê Técnico nº 5 – Defesa da Concorrência; Comitê Técnico nº 6 – Defesa Comercial e Salvaguardas; Comitê Técnico nº 7 – Defesa do Consumidor. In: CARVALHO, Andréa Benetti. Proteção Jurídica ao Consumidor no Mercosul. Revista do Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB. Brasília, v. 2, n. 1, p. 116-137, jan./jun. 2005. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/32124-38017-1-PB.pdf>. Acesso em: 18 Abr. 2015.

8

9

DORNELES, Renato Moreira. Tutela administrativa dos consumidores no Brasil como paradigma aos países do Mercosul. Curitiba: Juruá, 2003, p. 34.

VASCONCELOS, Fernando Antônio de. Perspectivas do direito do consumidor no Mercosul. Revista Verba Juris: Anuário da Pós-Graduação em Direito. Ano 1, n. 1, jan/ dez. 2002, p. 99.

10

NETO, Roberto Grassi. A política de proteção do consumidor no sistema de integração regional do Mercosul. Revista de Direito do Consumidor. v. 66, p. 162, Abr. 2008. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad81815000001493f4f38683e0b6023&docguid=I50deeb60f25611dfab6f010000000000&hitguid=I50deeb60f25 611dfab6f010000000000&spos=1&epos=1&td=1&context=46&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 07 out. 2014. 11

[...] Resolução GMC 123/96: “Conceitos”; Resolução GMC 124/96: “Direitos Básicos”; Resolução GMC 125/96: “Proteção à Saúde e Segurança do Consumidor”; Resolução GMC 126/96: “Publicidade”; Resolução GMC 127/96: “Garantia Contratual”, [...], que deverão ser os cincos primeiros capítulos do “Regulamento Comum”. In: NETO, Roberto Grassi. A política de proteção do consumidor no sistema de integração regional do Mercosul. Revista de Direito do Consumidor. v. 66, p. 162, Abr. 2008. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad81815000001493f4f38683e0b6023&docguid=I50deeb60f25611dfab6f010000 000000&hitguid=I50deeb60f25611dfab6f010000000000&spos=1&epos=1 &td=1&context=46&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 07 out. 2014.

12

GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. O Consumidor e sua proteção na União Europeia e Mercosul. Pesquisa Conjuntural como Contribuição à Política Desenvolvimentista de Proteção Consumerista nos Blocos. Curitiba: Juruá, 2014, p. 199.

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O CT-7 elaborou em 1997 o Protocolo de Defesa do Consumidor do Mercosul, o qual seria incorporado às legislações nacionais dos Estados-partes do Mercosul, e “[...] funcionaria como um tratado internacional complementar ao Tratado de Assunção”.14 Este Protocolo, no entanto, será estudado quando for apresentados os métodos de equacionamento das normas de proteção ao consumidor. Por fim, apresentada a formação e estrutura do Mercosul, necessário demonstrar a importância do consumidor na integração dos Estadospartes do Mercosul.

A IMPORTÂNCIA DO CONSUMIDOR NA INTEGRAÇÃO DOS ESTADOS NO MERCOSUL O Tratado de Assunção estabeleceu elementos para atingir o modelo desejado – Mercado Comum, quais sejam: ·

a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países envolvidos

·

a criação de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação aos terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais;

·

a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados-membros, em termos de comércio exterior e políticas agropecuária, industrial, fiscal, monetária, cambial, de capitais, de serviços, aduaneira, de transporte e de comunicações;

·

a harmonização das legislações pertinentes por parte dos Estados-membros;

·

a adoção de politica comercial unificada com relação a terceiros países e/ou blocos comercias.15

FÁZIO, Márcia Cristina Puydinger de. Internalização e Harmonização das normas de Direito do Consumidor no Mercosul. Revista de Direito Constitucional e Internacional. v. 52, p. 289. Jul. 2005. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/ document?&src=rl&srguid=i0ad6007a0000014cceb086bd3b812420&docguid=I72f12d60f25311dfab6f010000000000&hitguid=I72f12d60f25311dfab6f010000000000&spos= 1&epos=1&td=1&context=6&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 18 Abr. 2015.

14

GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. O Consumidor e sua proteção na União Europeia e Mercosul. Pesquisa Conjuntural como Contribuição à Política Desenvolvimentista de Proteção Consumerista nos Blocos. Curitiba: Juruá, 2014, p. 164.

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Dentre os elementos citados acima, importante ressaltar a harmonização das legislações, já que a eliminação das diferenças legislativas é um dos maiores óbices para a efetiva integração do Mercosul.16 E para que isso se concretize serão necessárias regras homogêneas, dentre elas àquelas que dizem respeito aos consumidores.17 A proteção do consumidor é essencial para o sucesso dos processos de integração econômica, pois a segurança e o estímulo do consumo intrabloco, bem como o comércio internacional é o que movimenta a economia dos blocos econômicos.18 Beyla Esther Fellous ressalta que a falta de regulamentação da proteção do consumidor no âmbito do Mercosul é uma restrição ao livre comércio.19 Frisa-se que o consumidor destaca-se como um “[...] importante agente econômico dos mercados integrados, que deve ser incentivado a confiar em produtos e serviços estrangeiros no cenário de globalização [...]”, em especial, quando os produtos e serviços “[...] são provenientes ou são oferecidos nos mercados de Estados envolvidos em processo de integração econômica regional, como, por exemplo, é o caso do Mercosul.”20 O consumidor também se faz importante agente econômico “[...] à medida que todo o processo de importação e exportação tem como objetivo final o consumo”.21

PERIN JUNIOR, Ecio. A Globalização e o Direito do Consumidor. Aspectos Relevantes sobre a Harmonização Legislativa Dentro dos Marcos Regionais. Barueri – SP: Manole, 2003, p. 114. 16

17

BATISTI, Leonir. Direito do Consumidor para o Mercosul. 2. ed., 4. tir. Curitiba: Juruá, 2006, p. 533.

18

FELLOUS, Beyla Esther. Proteção do consumidor no Mercosul e na União Européia. Prefácio de Francisco Rezek. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 178.

FELLOUS, Beyla Esther. Proteção do consumidor no Mercosul e na União Européia. Prefácio de Francisco Rezek. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 185186. 19

GOMES, Joséli Fiorin. A Proteção do Consumidor do Mercosul e o Protocolo de Santa Maria: "La Trama y el Desenlace". Revista de Direito do Consumidor. v. 82, p. 213. Abril 2012. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad81 8150000014c44828d2819a5086e&docguid=I 5c6ff780967411e1934e000085592b66&hitguid=I5c6ff780967411e1934e000085592b66&spos=1&epos=1&td=1&context=5&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 22 março 2015.

20

LUNARDI, Fabrício Castagna. A necessidade de Harmonização das Legislações Consumeristas para o Processo de Integração no Mercosul. Revista AGU. Disponível em: <http:// webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:txX U-grhjfYJ:www.agu.gov.br/page/download/index/id/521917+&cd=2&hl =pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 19 maio 2015. 21

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Por isso, a proteção do consumidor tornou-se necessária nos processos de integração econômica, porquanto concilia os interesses da sociedade com o livre comércio, sob a proteção dos interesses do hipossuficiente na era global.22 Nesse sentido, a autora Joséli Fiorin Gomes menciona: [...] reconhece-se ao consumidor relevante papel no cenário da integração regional, pois é ele quem dará, em maio parte, vazão ao crescimento do livre comércio entre os Estados envolvidos, bem como promoverá o estabelecimento, pela sua proteção jurídica, de padrões de qualidade e segurança aos produtos e serviços realizados no bloco, o que auxiliará no desenvolvimento das relações comerciais deste com outros blocos e/ou Estados.23

Além do mais, segundo Beyla Esther Fellous, a proteção adequada do consumidor do Mercosul “[...] prepara a produção do bloco tornando-a compatível com o grau de proteção exigido por seus principais parceiros comerciais, a União Europeia e os Estados Unidos”. Como também, segundo a mesma autora, os consumidores “[...] não ficarão expostos à importação de produtos de qualidade inferior e até mesmo perigosos [...]”, até porque “[...] o objetivo final da integração não é apenas o desenvolvimento econômico que lhe é decorrente, mas também, e principalmente, a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos envolvidos neste processo”.24

GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. O Consumidor e sua proteção na União Europeia e Mercosul. Pesquisa Conjuntural como Contribuição à Política Desenvolvimentista de Proteção Consumerista nos Blocos. Curitiba: Juruá, 2014, p. 195.

22

GOMES, Joséli Fiorin. A Proteção do Consumidor do Mercosul e o Protocolo de Santa Maria: "La Trama y el Desenlace". Revista de Direito do Consumidor. v. 82, p. 213. Abril 2012. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resu ltList/document?&src=rl&srguid=i0ad818150000014c44828d2819a5086e&docg uid=I5c6ff780967411e1934e000085592b66&hitguid=I5c6ff780967411 e1934e000085592b66&spos=1&epos=1&td=1&context=5&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 22 março 2015.

23

24

FELLOUS, Beyla Esther. Proteção do consumidor no Mercosul e na União Européia. Prefácio de Francisco Rezek. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 186-189.

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A efetiva integração não se baseia somente num processo econômico, posto que há necessidade de uma maior justiça social no âmbito do bloco econômico, que promova melhores condições de vida aos habitantes dos Estados-partes desta integração.25 Portanto, o processo de integração significa “[...] uma chance de melhoria da qualidade de vida e garantia maior dos direitos sociais, econômicos e políticos básicos dos indivíduos [...]”.26 O próprio preambulo do Tratado de Assunção traz referência à justiça social quando menciona que: “[...] a ampliação das atuais dimensões de seus mercados nacionais, através da integração, constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social [...]”.27 Logo, pode-se dizer que a proteção ao consumidor, sob a égide da harmonização da legislação consumerista, elevaria o grau de qualidade de vida dos habitantes do bloco, bem como contribuiria para a defesa da competição e igualdade da livre concorrência no Mercosul, “[...] a partir de uma maior oferta de bens e serviços, certamente com melhor qualidade, alimentando, neste sentido, a própria existência deste mercado”.28

GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. O Consumidor e sua proteção na União Europeia e Mercosul. Pesquisa Conjuntural como Contribuição à Política Desenvolvimentista de Proteção Consumerista nos Blocos. Curitiba: Juruá, 2014, p. 165.

25

MARQUES, Claudia Lima. Regulamento Comum de Defesa do Consumidor do Mercosul - Primeiras observações sobre o Mercosul como legislador da Proteção do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. v. 24, p. 79. Jul. 1997. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document? &src=rl&srguid=i0ad6007a0000014cd8146c1b467ad479&docguid=I3 06a3420f25611dfab6f010000000000&hitgui d=I306a3420f25 611dfab6f010000000000&spos=4&epos= 4&td=5&context=6&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 20 Abr. 2015.

26

MARQUES, Claudia Lima. Regulamento Comum de Defesa do Consumidor do Mercosul - Primeiras observações sobre o Mercosul como legislador da Proteção do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. v. 24, p. 79. Jul. 1997. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/res ultList/document?&src=rl&srguid=i0ad6007a0000014c d8146c1b467ad479&docguid=I306a3420f25611dfab6f010000000000&hitguid=I306a3420f25611dfab6f010000000000&spos=4&epos=4&td=5&context=6&st artChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 20 Abr. 2015.

27

GAIO JÚNIOR. Antônio Pereira. Harmonização legal mínima para a proteção consumerista no Mercosul. Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo. Curitiba, v. 4, n. 13, p. 123-145, mar. 2014. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/bitstream/handle/2011/72470/harmonizacao_legal_minima_ga io.pdf?sequence=1>. Acesso em: 23 out. 2014. 28

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Conclui-se, portanto, que a proteção do consumidor no âmbito do Mercosul é necessária tanto para proporcionar uma maior qualidade de vida aos cidadãos pertencentes aos blocos regionais, como também para fomentar o crescimento econômico destes blocos, tornando-os mais competitivos no mundo globalizado. E para isso, necessário verificar os métodos de equacionamento (Uniformização e Harmonização) das normas de proteção ao consumidor dos Estados-partes.

A POSSIBLIDADE DE UNIFORMIZAÇÃO DAS NORMAS DE DIREITO DO CONSUMIDOR NO MERCOSUL O Mercosul, objetivando homogeneizar os “[...] procedimentos dentro do Bloco em relação à qualidade dos produtos e em defesa da segurança física (saúde) do consumidor [...]”, editou várias normas.29 Dentre essas normas, o GMC editou a Resolução 126/94, que dispõe nos seus Arts. 1º e 2º o seguinte: Art. 1 - Instruir a Comissão de Defesa do Consumidor a prosseguir em seus trabalhos destinados à elaboração de um regulamento comum para a defesa do consumidor no MERCOSUL e apresentar um projeto de regulamento ao GMC, em sua XVIII reunião ordinária, em meados do ano de 1995. O programa de trabalho, a ser desenvolvido pela Comissão de Defesa do Consumidor, com vistas à definição do regulamento comum para a defesa do consumidor, figura como Anexo à presente Resolução. Art. 2 - Até que seja aprovado um regulamento comum para a defesa do consumidor no MERCOSUL cada Estado Parte aplicará sua legislação de defesa do consumidor e regulamentos técnicos pertinentes aos produtos e serviços comercializados em seu território. Em nenhum caso, essas legislações e regulamentos técnicos poderão resultar na imposição de exigências aos produtos e serviços oriundos dos demais Estados Partes superiores àquelas vigentes para os produtos e serviços nacionais ou oriundos de terceiros países.30 29

BATISTI, Leonir. Direito do Consumidor para o Mercosul. 2. ed., 4. tir. Curitiba: Juruá, 2006, p. 536.

Grupo Mercado Comum do Mercosul. Resolução n. 126/94. Disponível em: <http://www.mercosur.int/msweb/Normas/normas_web/Resoluciones/PT/94126.pdf>. Acesso em: 31 maio 2015. 30

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A Comissão de Comércio do Mercosul, “[...] na esteira da Res. Mercosul 126/1994 [...]”, aprovou as Resoluções produzidas pelo Comitê Técnico n. 7, em 1996, as quais serviram de base para criação do Projeto de Regulamento Comum, conforme explica Joséli Fiorin Gomes. E dentre as resoluções criadas pelo CT-7, conforme relata a mesma autora, destaca-se a Resolução nº 123/9631, que definiu o conceito de consumidor, fornecedor, produto, serviço e relação de consumo.32 O Projeto de Protocolo de Defesa do Consumidor do Mercosul, por sua vez, tentou uma unificação das normas de direito do consumidor, modificando a tarefa inicial, que era a criação de “[...] normas que estabelecessem um patamar mínimo comum, normas básicas e não exaustivas

Resolução n. 123/96 do Grupo Mercado Comum do Mercosul: Art. 1 - Aprovar os Conceitos contidos no Anexo à presente Resolução em idioma Português e Espanhol, que integrarão o Regulamento Comum sobre Defesa do Consumidor. [...] ANEXO CONCEITOS I - Consumidor: Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final em uma relação de consumo ou em função dela. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, determináveis ou não, expostas às relações de consumo. Não se considera consumidor ou usuário aquele que, sem constituir-se em destinatário final, adquire, armazena, utiliza ou consome produtos ou serviços com o fim de integrá-los em processos de produção, transformação, comercialização ou prestação a terceiros. II - Fornecedor: Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, assim como os entes despersonalizados nos Estados Partes cuja existência esteja contemplada em seu ordenamento jurídico, que desenvolvam de maneira profissional atividades de produção, montagem, criação seguida de execução, construção, transformação, importação, distribuição e comercialização de produtos e/ou serviços em uma relação de consumo. III - Relação de Consumo: Relação de Consumo é vínculo que se estabelece entre o fornecedor que, a título oneroso, fornece um produto ou presta um serviço e quem o adquire ou utiliza como destinatário final. Equipara-se a esta o fornecimento de produtos e a prestação de serviços a título gratuito, quando se realizem em função de uma eventual relação de consumo. IV - Produto: Produto é qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial. V - Serviços: As precisões sobre o conceito de Serviços continuarão sendo objeto de harmonização pelos Estados Partes In: Grupo Mercado Comum do Mercosul. Resolução n. 123/96. Disponível em: <http://www.mercosur.int/msweb/Normas/normas_web/Resoluciones/PT/96123.pdf>. Acesso em: 31 maio 2015.

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GOMES, Joséli Fiorin. A Proteção do Consumidor do Mercosul e o Protocolo de Santa Maria: "La Trama y el Desenlace". Revista de Direito do Consumidor. v. 82, p. 213. Abril 2012. Disponível em: < http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList /document?&src=rl&srguid=i0ad818150000014c44828d2819a5086e&docguid=I5c6 ff780967411e1934e000085592b66&hitguid=I5c6ff780967411e1934e000085592b66&spos=1&epos=1&td=1&context=5&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 22 março 2015.

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para a proteção comum do consumidor nos quatro países [...]”, segundo observa Daniela Silva Fontoura de Barcellos.33 Tratava-se, visivelmente, de “[...] unificação e não harmonização das legislações”.34 No entanto, esta medida de uniformização das legislações consumeristas não chegou a se concretizar, haja vista que este “[...] projeto ultrapassava o escopo de harmonização, revestindo-se de caráter de verdadeira norma unificadora no seio do bloco”.35 A uniformização ou unificação, como menciona Beyla Esther Fellous, consiste em métodos de solução de equacionamento das legislações consumeristas dos Estados-partes do Mercosul. Segundo a mesma autora, a “[...] unificação é a adoção pelos integrantes do bloco de uma legislação comum, ou melhor, de uma norma única, em determinada matéria, em substituição às normas preexistentes [...]”. Acrescenta, ainda, a mesma autora, que “[...] a unificação pressupõe a substituição de direitos formalmente distintos em diferentes sistemas jurídicos [...]”.36 Claudia Lima Marques traz o conceito de uniformização, diferenciando-o da unificação. A autora ainda exemplifica a incidência das normas unificadas nas legislações dos países pertencentes ao bloco econômico, com vistas ao direito do consumidor no Mercosul: Uniforme, é o que só tem uma forma única. Em Direito, uniformizar é tornar textos normativos diferentes, de diferentes culturas, em um único texto, de uma só forma obrigatória para todos, as chamadas normas uniformes. Unificar significa adotar ou impor um corpo único de normas, um conteúdo uniforme para todos as leis nacionais, seja através de um Regulamento único ou através de um Tratado internacional impondo as normas de conteúdo uniforme (lei uniforme, tratado-normativo exaustivo)

BARCELLOS, Daniela Silva Fontoura de. O conceito jurídico de consumidor nos países do Mercosul. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS. v. 25, dez. 2005, p. 44-45. 33

34

FELLOUS, Beyla Esther. Proteção do consumidor no Mercosul e na União Européia. Prefácio de Francisco Rezek. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 203.

GOMES, Joséli Fiorin. A Proteção do Consumidor do Mercosul e o Protocolo de Santa Maria: "La Trama y el Desenlace". Revista de Direito do Consumidor. v. 82, p. 213. Abril 2012. Disponível em: < http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&sr c=rl&srguid=i0ad818150000014c44828d2819a5086e&docguid=I5c6ff780967411e1934e000085592b66&hitguid=I5c6ff780967411e1934e000085592b66&s pos=1&epos=1&td=1&context=5&startCh unk=1&endChunk=1>. Acesso em: 22 março 2015.

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FELLOUS, Beyla Esther. Proteção do consumidor no Mercosul e na União Européia. Prefácio de Francisco Rezek. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 193.

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A característica máxima deste método é decidir, ou pretender saber, como deve ser este texto ideal único, que será aplicado em vários países, e retirar dos países (pelo menos enquanto obrigação internacional) a possiblidade de modificar o texto unificado. Para funcionar, estima-se e decide-se, que o texto legal deve ser o mesmo em todos os países. Por exemplo, uma só definição de consumidor, de publicidade enganosa, de contrato de adesão, uma só norma sobre abusividade das cláusulas contratuais, mas somente as cláusulas “não claras”, de revogabilidade da oferta de serviços, de não necessidade de informação completa sobre produtos não perigosos, de prática abusiva de venda casada, um só texto legal para os 4 países do Mercosul.37

Beyla Esther Fellous faz uma ressalva quanto ao método da unificação, mostrando que este método é visto como radical, sendo utilizado somente em matérias não tão complexas, o que não é o caso do Direito do Consumidor: Ora, tratando-se de sistemas com fortes assimetrias este modelo poderia criar muitas resistências, pois significa uma modificação legislativa radical. Determinados agentes econômicos despreparados poderiam até mesmo sofrer consequências econômicas catastróficas, pelo que este método é normalmente utilizado em matérias menos sensíveis ou em matérias com assimetrias menos importantes.38

Dos conceitos percebe-se que a imposição de uma legislação consumerista uniforme aos Estados-partes do Mercosul, “[...] implicaria efeitos econômicos indesejáveis aos fornecedores dos países com proteção menos rígida, despreparados para enfrentar uma mudança radical e

MARQUES, Claudia Lima. Mercosul como legislador em matéria de Direito do Consumidor - Crítica ao Projeto de Protocolo de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. v. 26, p. 53, Abr. 1998. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad600790000 014cd83d17181cbc0bf2&docguid=Ic775b8a02d4111e0baf30000855dd350&hitguid=Ic775b8a02d4111e0baf30000855dd350&spos=2&epos=2&td=2&context= 19&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 20 Abr. 2015.

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FELLOUS, Beyla Esther. Proteção do consumidor no Mercosul e na União Européia. Prefácio de Francisco Rezek. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 194.

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custos mais elevados [...]”.39 Em contrapartida, os países com proteção mais rígida ao consumidor, como no caso do Brasil, a legislação uniforme acarretaria uma diminuição aos “[...] direitos do consumidor brasileiro, violando as garantias constitucionais destes cidadãos [...]”.40 Claudia Lima Marques faz críticas ao Projeto de Protocolo de Defesa do Consumidor do Mercosul ao mencionar que: “[...] em tempos pósmodernos a unificação é uma falácia, pois é em verdade desregulamentação e retrocesso; só a verdadeira harmonização, o estabelecimento de pautas básicas e mínimas, é evolução no Mercosul [...]”.41 Ademais, segundo observa Beyla Esther Fellous, “[...] esta imposição poderia torna-se inadequada e ineficaz, colocando em risco o desenvolvimento harmonioso e progressivo do bloco, baseado nos princípios da flexibilidade e da gradualidade”.42 No entanto, apesar da tentativa frustrada de uniformização das normas de Direito do Consumidor no âmbito do Mercosul, “[...] tentou-se chegar a um instrumento que, ao menos, trouxesse um critério para a resolução de conflitos consumeristas no bloco, no que tange ao conflito de jurisdição [...]”.43

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FELLOUS, Beyla Esther. Proteção do consumidor no Mercosul e na União Européia. Prefácio de Francisco Rezek. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 197.

MARQUES, Claudia Lima. Regulamento Comum de Defesa do Consumidor do Mercosul - Primeiras observações sobre o Mercosul como legislador da Proteção do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. v. 24, p. 79. Jul. 1997. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/ document?&src=rl&srguid=i0ad6007a0000014cd8146c1b467ad479&docguid=I306a3420f25611dfab6f010000000000&hitguid=I306a3420f25611dfab6f01000000000 0&spos=4&epos=4&td=5&context=6&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 20 Abr. 2015.

40

MARQUES, Claudia Lima. Regulamento Comum de Defesa do Consumidor do Mercosul - Primeiras observações sobre o Mercosul como legislador da Proteção do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. v. 24, p. 79. Jul. 1997. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srgu id=i0ad6007a0000014cd8146c1b467ad479&docguid=I306a3420f25611dfab6f010000000000&hitguid=I306a3420f25611dfab6f010000000000&spos=4&epos=4&td=5&context =6&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 20 Abr. 2015. 41

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FELLOUS, Beyla Esther. Proteção do consumidor no Mercosul e na União Européia. Prefácio de Francisco Rezek. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 197.

GOMES, Joséli Fiorin. A Proteção do Consumidor do Mercosul e o Protocolo de Santa Maria: "La Trama y el Desenlace". Revista de Direito do Consumidor. v. 82, p. 213. Abril 2012. Disponível em: < http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad818150000014c44828d2819a5086e&docguid=I5c6ff780967411e193 4e000085592b66&hitguid=I5c6ff780967411e1934e000085592b66&spos=1&epos=1&td=1&context=5&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 22 mar. 2015.

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Em 1996 foi assinado o Protocolo de Santa Maria sobre defesa do consumidor, o qual “[...] trata de competência judiciária, ao estabelecer o foro do domicílio do consumidor, o que representa um grande avanço [...]”, como afirma Paulo R. Roque A. Khouri. O mesmo autor faz uma ressalva ao afirmar que no mesmo protocolo há “[...] definição de consumidor equiparado, bem como a de fornecedor [...]”.44 Claudia Lima Marques, que criticou o Projeto do Protocolo de Defesa do Consumidor do Mercosul, simpatizou com o Protocolo de Santa Maria, mencionando em seu estudo que os especialistas em direito do consumidor deverão apoiar este Protocolo, conforme se verifica na citação abaixo: O Protocolo de Santa Maria sobre a jurisdição internacional em matéria de relações de consumo elaborado pela Reunião de Ministros em 17 de dezembro de 1996 prevê um regime especial de jurisdição mais protetivo dos consumidores nas suas relações contratuais no Mercosul, regime este que em sua generalidade, deve merecer apoio dos especialistas em direito do consumidor.45

No entanto, o Protocolo de Santa Maria não entrou em vigor até o presente momento tendo em vista a disposição do Art. 18, que “[...] condiciona a tramitação de sua internalização aos ordenamentos jurídicos dos Estados-partes, processo necessário para sua entrada em vigor nestes e no bloco como um todo [...]”, somente após a aprovação do Protocolo de Defesa do Consumidor.46

KHOURI, Paulo R. Roque A. A proteção do consumidor residente no Brasil nos contratos internacionais. Revista de informação legislativa, v. 41, p. 65-86, out./dez. 2004. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/1008>. Acesso em: 31 maio 2015. 44

MARQUES, Claudia Lima. Direitos do Consumidor no Mercosul: Algumas sugestões frente ao impasse. Revista de Direito do Consumidor. v. 32, p. 16. Out. 1999. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl &srguid=i0ad818150000014dbf69140a8cd5ee84&docguid=I3134fe30f25611dfab6f010000 000000&hitguid=I3134fe30f25611dfab6f010000000000&spos=3&epos=3&td=4&context=8&startC hunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 04 jun. 2015. 45

GOMES, Joséli Fiorin. A Proteção do Consumidor do Mercosul e o Protocolo de Santa Maria: "La Trama y el Desenlace". Revista de Direito do Consumidor. v. 82, p. 213. Abril 2012. Disponível em: < http://www.revist adostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad8 18150000014c44828d2819a5086e&docguid=I5c6ff780967411e1934e000085592b66&hitguid=I5c6ff780967411e1934e000085592b66&spos=1&epos=1 &td=1&context=5&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 22 mar. 2015. 46

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Frisa-se que “[...] a tentada unificação das leis nacionais através do Projeto/Mercosul tende a não ter sucesso [...]”47, pelas razões já demonstradas no presente estudo. Contudo, estudar-se-á uma nova perspectiva para o equacionamento das normas de Direito do Consumidor dos Estados-partes do Mercosul, a harmonização.

A POSSIBILIDADE DE HARMONIZAÇÃO DAS NORMAS DE DIREITO DO CONSUMIDOR NO MERCOSUL Os processos de integração econômica dos blocos regionais provocam conflitos de interesses entre a unificação da proteção ao consumidor, objetivando “[...] proporcionar a oferta de bens livres e desembaraçados [...]”, e a “[...] proteção que os consumidores merecem [...]”.48 No entanto, como “[...] o direito faz parte da cultura dos povos [...]”, os métodos de unificação e uniformização “[...] tendem a não resistir ao passar dos tempos [...]”, surgindo, então, “[...] um novo método, mais flexível [...]”, o de harmonizar.49 Neste novo método, a harmonização das “[...] legislações dos países permanecem autônomas, favorecendo a convergência de princípios e organização estrutural e eliminando ao máximo as divergências de soluções adotadas”.50 MARQUES, Claudia Lima. Mercosul como legislador em matéria de Direito do Consumidor - Crítica ao Projeto de Protocolo de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. v. 26, p. 53, Abr. 1998. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/docum ent?&src=rl&srguid=i0ad600790000014cd83d17181cbc0 bf2&docguid=Ic775b8a02d4111e0baf30000855dd350&hitguid=Ic775b8a02d4111e0baf30000855dd350&spos=2&epos=2&td=2&context=19&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 20 Abr. 2015. 47

VASCONCELOS, Fernando Antônio de. Perspectivas do direito do consumidor no Mercosul. Revista Verba Juris: Anuário da Pós-Graduação em Direito. Ano 1, n. 1, jan/ dez. 2002, p. 85.

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MARQUES, Claudia Lima. Mercosul como legislador em matéria de Direito do Consumidor - Crítica ao Projeto de Protocolo de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. v. 26, p. 53, Abr. 1998. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/d ocument?&src=rl&srguid=i0ad600790000014cd83d17181cb c0bf2&docguid=Ic775b8a02d4111e0baf30000855dd350&hitguid=Ic775b8a02d4111e0baf30000855dd350&spos=2&epos=2&td=2&context=19&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 20 Abr. 2015. 49

VASCONCELOS, Fernando Antônio de. Perspectivas do direito do consumidor no Mercosul. Revista Verba Juris: Anuário da Pós-Graduação em Direito. Ano 1, n. 1, jan/ dez. 2002, p. 85.

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Leonir Batisti aposta na harmonização da legislação dos países do Mercosul, mencionando que “[...] por conta da própria natureza jurídica do MERCOSUL, todos os esforços são conduzidos no sentido de harmonização da legislação e não, à unificação”.51 Claudia Lima Marques também acredita que o melhor método para equacionar as legislações dos Estados-partes do Mercosul é a harmonização: [...] harmonizar, de apenas aproximar as legislações para facilitar o comércio ou a integração, fixando objetivos (não textos!) únicos, deixando a cada um dos países, seu Executivo, seu Legislativo e o Judiciário, a tarefa de atingir o objetivo fixado, podendo usar até o texto como modelo, mas com liberdade de adaptação.52

Beyla Esther Fellous também concorda com o método de harmonizar as legislações dos Estados-partes do Mercosul: Este método mais flexível propõe a aproximação das legislações, fixando pautas mínimas e resultados a serem alcançados. Trata-se de um meio mais eficaz, tratando-se de sistemas de proteção dotados de fortes assimetrias, na medida em que admite a manutenção de peculiaridades relativas aos ordenamentos internos dos Estados-partes envolvidos.53

Victor Corrêa de Oliveira vai mais além ao afirmar que a harmonização “é imprescindível” para a integração e constituição do Mercosul em um Mercado Comum, conforme se observa na citação abaixo: Para que se consiga efetivamente uma integração econômico-comercial entre os Estados-partes é preciso se caminhar inevitavelmente em direção da harmonização jurídica, posto que só assim haverá equilíbrio e igualdade nas relações de consumo na esfera do Mercosul.

51

BATISTI, Leonir. Direito do Consumidor para o Mercosul. 2. ed., 4. tir. Curitiba: Juruá, 2006, p. 182.

MARQUES, Claudia Lima. Mercosul como legislador em matéria de Direito do Consumidor - Crítica ao Projeto de Protocolo de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. v. 26, p. 53, Abr. 1998. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/docum ent?&src=rl&srguid=i0ad600790000014cd83d17181cbc0bf2&docg uid=Ic775b8a02d4111e0baf30000855dd350&hitguid=Ic775b8a02d4111e0baf30000855dd350&spos=2&epos=2&td=2&context=19&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 20 Abr. 2015.

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53

FELLOUS, Beyla Esther. Proteção do consumidor no Mercosul e na União Européia. Prefácio de Francisco Rezek. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 193.

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Sem a devida e imprescindível harmonização jurídica das ralações de consumo entre os países membros do Mercosul que possa garantir a mais perfeita e livre circulação de bens e serviços, capitais e principalmente pessoas, não há como se falar em integração e perenização deste Mercado Comum supranacional.54

Claudia Lima Marques traz o conceito de harmonização com vistas ao direito do consumidor no Mercosul, ressaltando que este é o método mais adequado para ser aplicado no bloco econômico: Harmonizar não é unificar e sim aproximar de forma flexível, na medida do necessário para a consecução de determinados fins comuns, a legislação de diferentes países. Harmonizar é coordenar diferenças, é estabelecer um objetivo comum, de forma a diminuir e eliminar as diferenças que, por exemplo, impeçam a livre circulação de mercadorias e serviços entre dois mercados, em virtude das duas legislações diferentes existentes. A harmonização se faz propondo apenas algumas normas básicas, em alguns assuntos importantes e de forma flexível, seja através de listas não exaustivas, de normas modelos, de anexos exemplificativos, ou mesmo de algumas normas unificadas, cuja aceitação, porém, não será imperativa, mais é deixada a conveniência e oportunidade dos países membros.55

Nesse contexto, Beyla Esther Fellous ressalta que o método da harmonização busca “[...] estabelecer uma determinada equivalência entre as regras nacionais distintas [...]”, sendo, por conseguinte, “[...] uma técnica mais realista do que a unificação [...]”. A mesma autora acrescenta, ainda, que este método foi o “[...] instrumento central da construção europeia”.56 Ecio Perin Júnior, de acordo com o pensamento da autora Beyla Esther Fellous, acredita que “[...] o modelo adotado pela União Europeia poderia servir de referencial [...]” ao Mercosul, e explica o porquê de sua sugestão ao afirmar que se trata de um “[...] modelo bem-sucedido no OLIVEIRA, Victor Corrêa de. Direito do consumidor e Mercosul. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru. n. 27, p. 147-179, dez./mar. 1999/2000. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/20012>. Acesso em: 31 maio 2015.

54

MARQUES, Claudia Lima. Mercosul como legislador em matéria de Direito do Consumidor - Crítica ao Projeto de Protocolo de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. v. 26, p. 53, Abr. 1998. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/docum ent?&src=rl&srguid=i0ad600790000014cd83d17181cbc0bf2&docguid =Ic775b8a02d4111e0baf30000855dd350&hitguid=Ic775b8a02d4111e0baf30000855dd350&spos=2&epos=2&td=2&context=19&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 20 Abr. 2015.

55

56

FELLOUS, Beyla Esther. Proteção do consumidor no Mercosul e na União Européia. Prefácio de Francisco Rezek. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 195.

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intuito de estabelecer padrões mínimos a serem implementados pelos Estados-membros, dentro de certo prazo, sem prejuízo das normas nacionais que porventura sejam benéficas aos consumidores”. O mesmo autor, no entanto, apresentou cautela em sua sugestão ao afirmar que a “[...] União Europeia encontra-se em um patamar muito acima do Mercosul, contando com diversos órgãos normativos e fiscalizadores já em funcionamento, como por exemplo, o Parlamento Europeu [...] ”, bem como “[...] o Conselho da União Europeia, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, todos sem similares no Mercosul”.57 Leonir Batisti explica que a comunidade europeia se constitui em um organismo supranacional, ou seja, “[...] as regras emanadas de seus órgãos dispensam a internação no ordenamento jurídico dos países integrantes [...]”. Logo, as normas elaboradas pelo bloco da União Europeia são auto aplicáveis, não se exigindo que as decisões do bloco sejam tomadas por unanimidade de seus integrantes. Diferentemente ocorre no Mercosul, haja vista que este bloco “[...] não é uma entidade supranacional, mas sim, intergovernamental, segunda sustenta o mesmo autor [...]”. E, por ser uma entidade intergovernamental, as decisões emanadas deste bloco, pelos Estados-partes, precisam do consenso de todos os integrantes, por unanimidade, bem como a presença de todos Estados-partes quando tomadas estas decisões, como explica o mesmo autor. Essas decisões que forem aprovadas, por unanimidade, pelos Estados-partes presentes, deverão ser “[...] incorporadas aos ordenamentos jurídicos internos dos países integrantes do bloco, para então entrarem em vigor simultâneo em todos os Estados-partes [...]”, segundo sustenta o mesmo autor. E conclui mencionando que não existe “[...] uma auto aplicabilidade de normas. Estas devem ser primeiramente objeto de consenso dos órgãos do MERCOSUL e a seguir internadas nos ordenamentos jurídicos”.58

PERIN JUNIOR. Ecio. A Globalização e o Direito do Consumidor. Aspectos Relevantes sobre a Harmonização Legislativa Dentro dos Mercados Regionais. Baruerí, SP: Manole, 2003, p. 126. 57

58

BATISTI, Leonir. Direito do Consumidor para o Mercosul. 2. ed., 4. tir. Curitiba: Juruá, 2006, p. 531-532.

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Os Arts. 2° e 37 do Protocolo de Ouro Preto ilustram o entendimento de Leonir Batisti ao demonstrarem que o Mercosul é uma entidade intergovernamental.59 Em análise aos artigos mencionados, Ecio Perin Júnior explica que “[...] o primeiro artigo dispõe que os órgãos com natureza decisória possuem natureza intergovernamental [...]”, já o segundo artigo citado, “[...] ratifica essa situação determinando que as decisões no âmbito do bloco sejam tomadas pelo consenso e com a participação de todos os Estados-membros”.60 Percebe-se, então, que “[...] as normas produzidas pelo Mercosul, diversamente das normas comunitárias europeias, não possuem aplicação imediata, pelo que, após sua aprovação via consenso, deverão ainda ser internalizadas pelos respectivos ordenamentos dos Estados-partes”, o que diferencia os procedimentos de incorporação das normas da União Europeia dos procedimentos do Mercosul.61 Observa-se, no entanto, que a personalidade jurídica do Mercosul já foi reconhecida, como se comprova nas disposições dos Arts. 34 e 35 do Protocolo de Ouro Preto.62 E, possuindo personalidade jurídica, o Mercosul poderá “[...] praticar todos os atos necessários à realização de seus objetivos [...]”, como afirma Claudia Lima Marques. Diante disso, a mesma autora afirma que esta autorização conferida ao Mercosul, “[...] poderia ser o cerne do reconhecimento de alguma supranacionalidade ao Mercosul [...]”. Todavia, como avalia esta autora, a supranacionalidade

PROTOCOLO DE OURO PRETO: ARTIGO 2. São órgãos com capacidade decisória, de natureza intergovernamental, o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do Mercosul. ARTIGO 37. As decisões dos órgãos do Mercosul serão tomadas por consenso e com a presença de todos os Estados Partes. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto/D1901.htm>. Acesso em: 05 jun. 2015.

59

PERIN JUNIOR. Ecio. A Globalização e o Direito do Consumidor. Aspectos Relevantes sobre a Harmonização Legislativa Dentro dos Mercados Regionais. Baruerí, SP: Manole, 2003, p. 110-111. 60

61

FELLOUS, Beyla Esther. Proteção do consumidor no Mercosul e na União Européia. Prefácio de Francisco Rezek. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 200.

PROTOCOLO DE OURO PRETO: ARTIGO 34. O Mercosul terá personalidade jurídica de Direito Internacional. ARTIGO 35. O Mercosul poderá, no uso de suas atribuições, praticar todos os atos necessários à realização de seus objetivos, em especial contratar, adquirir ou alienar bens móveis e imóveis, comparecer em juízo conservar fundos e fazer transferências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D1901.htm>. Acesso em 05 jun. 2015.

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reconhecida ao Mercosul é uma supranacionalidade mínima, haja vista que não existe um órgão supranacional, com poder geral “[...] de fazer leis, de as impor em um território (coerção) e controlar (jurisdição) sua obediência por determinadas pessoas em determinado território”. Logo, há uma fragilidade jurídica no Mercosul, que está “[...] ligada à falta de autonomia e supranacionalidade dos órgãos do Mercosul inclusive a poderosa Comissão de Comércio [...]”, sendo, imperativo, portanto, “[...] uma análise institucional do Mercosul [...]”, como propõe a mesma autora.63 O fato é que hoje, segundo Paulo R. Roque A. Khouri, ante o impasse do regulamento comum, conforme demonstrado no presente trabalho, “[...] o Mercosul não dispõe de qualquer tratado que regule o direito aplicável em matéria de relação de consumo [...]”. A tendência hoje, conforme o mesmo autor, “[...] é que se faça uma harmonização das legislações mais parecida com a tendência das Diretivas adotadas pela União Europeia, ou seja, uma harmonização pontual e não uma unificação, como se propunha com o regulamento”.64 Não obstante, Eduardo Antônio Klausner sugere seja revisado o Protocolo de Santa Maria para fins de torná-lo um instrumento de aplicação harmônica das normas de Direito do Consumidor, bem como um instrumento efetivo de jurisdição: Entendemos ainda que, considerando que o Protocolo de Santa Maria não está em vigor ou em tramitação para aprovação nos órgãos competentes dos Estados-Partes - em razão do seu art. 18 - deveria a redação do Protocolo de Santa Maria ser revista no intuito de corrigir imprecisões, dúvidas e omissões que consideramos existir, bem como acrescentar algumas regras, de modo a torná-lo instrumento efetivo para obtenção da jurisdição e para proporcionar uma aplicação harmônica e uniforme de suas disposições pelos tribunais dos Estados-Partes, sem necessariamente alterar o seu conteúdo negociado diplomaticamente pelas Partes, o que

MARQUES, Claudia Lima. Regulamento Comum de Defesa do Consumidor do Mercosul - Primeiras observações sobre o Mercosul como legislador da Proteção do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. v. 24, p. 79. Jul. 1997. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/ document?&src=rl&srguid=i0ad6007a0000014cd8146c1b467ad479&docguid=I306a3420f25611dfab6f010000000000&hitguid=I306a3420f25611dfab6f0 10000000000&spos=4&epos=4&td=5&context=6&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 20 abr. 2015.

63

KHOURI, Paulo R. Roque A. A proteção do consumidor residente no Brasil nos contratos internacionais. Revista de informação legislativa, v. 41, p. 65-86, out./dez. 2004. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/1008>. Acesso em: 31 mai. 2015. 64

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certamente acarretaria novas dificuldades e obstáculos para a obtenção de um novo acordo para disciplinar a jurisdição internacional em matéria de relações de consumo.65

Claudia Lima Marques coaduna com o entendimento do autor citado acima, ao afirmar que o texto do Protocolo de Santa Maria já foi aprovado internacionalmente, necessitando, contudo, modificar seu texto quanto ao Art. 18, que limita sua aprovação à aceitação do Protocolo de Direito do Consumidor do Mercosul.”66 No entanto, para Joséli Fiorin Gomes o Projeto de Resolução sobre Defesa do Consumidor, no que tange aos conceitos de consumidor, fornecedor, produto, serviço e relação de consumo (Resolução 123/1996 do GMC), deve permanecer, haja vista que constitui numa proposta de harmonização mínima, permitindo aos Estados-partes a manutenção das normas mais rigorosas de Direito do Consumidor, como se verifica na citação abaixo: Já no que tange ao Projeto de Resolução sobre “Defesa do consumidor – Conceitos básicos”, este se constitui numa proposta de harmonização mínima, pois permite aos Estados-partes do bloco, a manutenção de disposições mais rigorosas de proteção ao consumidor, o que parece beneficiar Brasil e Argentina, países com legislações internas relativas a uma proteção consumerista mais abrangente, como visto anteriormente neste trabalho. Ainda, este Projeto de Resolução, que se aprovada a ata no qual foi proposto, se constituirá em normativa adotada pelo GMC, mantém-se razoavelmente na esteira da proteção contida no antigo Projeto de Regulamento KLAUSNER, Eduardo Antônio. Jurisdição Internacional em matéria de relações de consumo no Mercosul - Sugestões para a reedição do Protocolo de Santa Maria. Revista de Direito do Consumidor. v. 54, p. 116, Abr. 2005. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/ document?&src=rl&srguid=i0ad600790000014cd82e35c61cbc0988&docguid=Ie8670570f25211dfab6f010000000000&hitguid=Ie8670570f25211dfab6 f010000000000&spos=4&epos=4&td=4&contex t=8&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 20 Abr. 2015.

65

CARVALHO, Andréa Benetti. Proteção Jurídica ao Consumidor no Mercosul. Revista do Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB. Brasília, v. 2, n. 1, p. 116-137, jan./ jun. 2005. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/32124-38017-1-PB.pdf>. Acesso em: 18 Abr. 2015. MARQUES, Claudia Lima. Direitos do Consumidor no Mercosul: Algumas sugestões frente ao impasse. Revista de Direito do Consumidor. v. 32, p. 16. Out. 1999. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src= rl&srguid=i0ad818150000014dbf69140 a8cd5ee84&docguid=I3134fe30f25611dfab6f010000000 000&hitguid=I3134fe30f25611dfab6f010000000000&spos=3&e pos=3&td=4&context=8&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 04 jun. 2015.

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Comum, especialmente no que se refere à Res. Mercosul/GMC 123/1996, apenas estabelecendo em linguagem mais clara e concisa os conceitos de consumidor, fornecedor, relação de consumo, produto e serviço, bem como o de dever de informação clara e precisa do fornecedor para com o consumidor e o de oferta vinculante (precisão publicitária destinada a consumidores determinados ou indeterminados), em razão do já mencionado caráter de instrumento de harmonização mínima. Dessa forma, com este Projeto para nova Resolução do GMC, a normativa do bloco deixa o caráter unificador que permeavam as resoluções que formavam o anterior Projeto de Regulamento Comum, para adotar uma determinação mais precisa e sucinta, a qual atenda aos anseios dos Estadosmembros de preservar suas legislações internas, quando estas ofereçam proteção mais ampla ao consumidor.67

Márcia Cristina Puydinger de Fázio vai mais além ao afirmar que a harmonização “[...] deve ser feita com base nas leis mais avançadas do bloco, com vista a conceder a todos os consumidores do Mercosul o mesmo elevado grau de proteção”.68 Diante disso, mostra-se a importância do estudo dos ordenamentos jurídicos dos Estados-partes, em especial os elementos que compõem a relação jurídica de consumo, para se pensar na possibilidade de harmonizar as legislações, haja vista que o domínio da relação jurídica de consumo é a “[...] chave para entendimento e correta aplicação das leis do consumidor”.69 Como bem afirma Newton de Lucca: O primeiro passo a ser dado, a meu ver, nessa matéria - indispensável, mas nem por isso, inteiramente suficiente, é a tentativa de fazer com que as legislações de cada país signatário do Tratado sejam, tanto quanto possível, assemelhadas, pois passaremos a ter

67 GOMES, Joséli Fiorin. A Proteção do Consumidor do Mercosul e o Protocolo de Santa Maria: "La Trama y el Desenlace". Revista de Direito do Consumidor. v. 82, p. 213. Abril 2012. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad8181 5 0 0 0 0 0 1 4 c 4 4 8 2 8 d 2 8 1 9 a 5 0 8 6 e & d o c g u i d = I 5 c 6 f f 7 8 0 9 6 7 4 11 e 1 9 3 4 e 0 0 0 0 8 5 5 9 2 b 6 6 & h i t g u i d = I 5 c 6 f f 7 8 0 9 6 7 4 11 e 1 9 3 4 e 0 0 0 0 8 5 5 9 2 b 6 6 & s pos=1&epos=1&td=1&context=5&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 22 mar. 2015. FÁZIO, Márcia Cristina Puydinger de. Internalização e harmonização das normas de direito do consumidor no MERCOSUL. Revista de Direito Constitucional e Internacional. v. 52, p. 289, Jul 2005. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/docume nt?&src=rl&srguid=i0ad81816000001493f56f97fa44680b7&docgui d=I72f12d60f25311dfab6f010000000000&hitguid=I72f12d60f25311dfab6f010000000000&spos=1&epos=1&td=1&context=53&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 23 out. 2014. 68

BARCELLOS, Daniela Silva Fontoura de. O conceito jurídico de consumidor nos países do Mercosul. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS. v. 25, dez. 2005, p. 55. 69

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um “consumidor latino-americano”, com direitos iguais nas relações de consumo estabelecidas em tal âmbito, e não mais apenas um consumidor nacional de cada país, com atribuição de direitos distintos.70

Nesse sentido, para a efetiva constituição de um Mercado Comum, “[...] os países devem trabalhar em conjunto para reduzir as assimetrias, jamais à proteção aos consumidores”.71 Até porque, “[...] a pretensão maior a ser alcançada é a aproximação entre sistema institucional mercosulino e a coletividade conformadora do principal objeto de qualquer projeto ou processo integracionista, o ser humano”.72 Conclui-se, portanto, que dentre os métodos de equacionamento das normas de Direito do Consumidor, a harmonização se destaca. E, para dar início aos trabalhos de harmonização das normas consumeristas, necessário se faz o domínio da relação jurídica de consumo, haja vista que este entendimento, diante do estudo apresentado, seria o caminho para a aplicação correta das leis do consumidor, seja no âmbito das legislações internas de cada país membro do Mercosul, ou no âmbito deste bloco econômico. Com isso, se busca a proteção e a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos mercosulinos, bem como a contribuição para o alcance do principal objetivo do Mercosul, se tornar um Mercado Comum.

70 LUCCA, Newton de. A Proteção do Consumidor e o Mercosul. Revista de Direito do Consumidor. v. 12, p. 29. Out. 1994. Disponível em: <http://www.revistadostribunais. com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad818160000014dc5295e145fa30268&docguid=Ic8fd5590f25211dfab6f010000000000&hitguid=Ic8fd5590f25211dfab6 f010000000000&spos=5&epos=5&td=13&context=34&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 05 jun. 2015. 71 FÁZIO, Márcia Cristina Puydinger de. Internalização e Harmonização das normas de Direito do Consumidor no Mercosul. Revista de Direito Constitucional e Internacional. v. 52, p. 289. Jul. 2005. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document? &src=rl&srguid=i0ad6007a0000014cceb086bd3b812420&docguid=I72f1 2d60f25311dfab6f010000000000&hitguid=I72f12d60f25311dfab6f01000 0000000&spos=1&epos=1&td=1&context=6&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 18 Abr. 2015. 72 GIANASI, Anna Luiza de Castro. As Relações de Consumo e o Princípio da Transparência: uma proposta de integração jurídico-normativo para o Mercosul. Revista do Direito do Consumidor. v. 58, p. 7-54. Abr.- Jun. 2006. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src= rl&srguid=i0ad818160000014e68e12ad63b080593&docguid=Iee5a7570f25211dfab6f010000000000&hitguid=Iee5a7570f25211dfab6f010000000000&sp os=16&epos=16&td=19&context=36&startChunk=1&endChunk=1>. Acesso em: 04 jun. 2015. ORGANIZADORES:

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Verificou-se que o Mercosul não possui legislação no que se refere à matéria de proteção ao consumidor no âmbito do Bloco, o que acarreta insegurança aos consumidores dos Estados-partes e dificulta o desenvolvimento deste Bloco Econômico, pois o consumidor protegido corrobora com o desenvolvimento do Mercosul, melhorando a sua inserção competitiva no mercado internacional. Apontou-se, igualmente, que o Mercosul objetiva se constituir em um Mercado Comum, buscando a livre circulação de bens, serviços e fatores de produção, mantendo a igualdade de competição entre os países que fazem parte do Bloco econômico. Contudo, para ser alcançado este objetivo, foi demonstrado que o Mercosul deve harmonizar as legislações pertinentes dos Estados-partes, sendo a matéria de Direito do Consumidor uma das matérias essenciais para o sucesso dos processos de integração econômica. Diante dessa problemática, buscou-se apontar as possíveis soluções de equacionamento das legislações internas dos Países-membros do Mercosul. Os métodos apresentados, como passíveis de solucionar a ausência de legislação quanto à proteção do consumidor no âmbito do Mercosul, foram a Uniformização - com normas exaustivas, taxativas e impositivas, e a Harmonização - que apresenta normas de pautas mínimas e condicionadas à conveniência de cada país. Também foram apontadas as tentativas de se buscar uma proteção ao direito do consumidor no âmbito do Mercosul, mediante o Protocolo de Defesa do Consumidor do Mercosul, e o Protocolo de Santa Maria, os quais não entraram em vigência até os dia atuais, haja vista as problemáticas, por estes apresentados, quanto à sua internalização nas normas de direito interno dos Estados-partes. Após o estudo desta problemática, constatou-se que o método de equacionamento das normas de Direito do Consumidor dos Estadospartes do Mercosul, aprovado pela maioria dos autores, foi o método da harmonização, que sugere o estabelecimento de algumas normas básicas, de alguns assuntos importantes e de forma flexível, cuja aceitação é deixada a conveniência e oportunidade dos Estados-partes.

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Este estudo é de suma importância aos cidadãos do Mercosul, pois se busca a proteção e a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos mercosulinos. Igualmente, constata-se a importância deste estudo no âmbito internacional, uma vez que o consumidor protegido e seguro, através de normas, contribui para o desenvolvimento do Bloco Econômico, e, consequentemente, corrobora para o alcance do objetivo principal do Mercosul, se tornar um Mercado Comum.

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REFERÊNCIAS BARCELLOS, Daniela Silva Fontoura de. O conceito jurídico de consumidor nos países do Mercosul. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS. v. 25, dez. 2005. BATISTI, Leonir. Direito do Consumidor para o Mercosul. 2. ed., 4. tir. Curitiba: Juruá, 2006. CARVALHO, Andréa Benetti. Proteção Jurídica ao Consumidor no Mercosul. Revista do Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB. Brasília, v. 2, n. 1, p. 116-137, jan./jun. 2005. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/32124-38017-1-PB.pdf>. DORNELES, Renato Moreira. Tutela administrativa dos consumidores no Brasil como paradigma aos países do Mercosul. Curitiba: Juruá, 2003. FÁZIO, Márcia Cristina Puydinger de. Internalização e Harmonização das normas de Direito do Consumidor no Mercosul. Revista de Direito Constitucional e Internacional. v. 52, p. 289. Jul. 2005. Disponível em: <http:// ww.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/ document?&src=rl&srguid=i0ad6007a0000014cceb086bd3 b812420&docguid=I72f12d60f25311dfab6f010000000000&hitguid=I72f12d60f25311dfab6f0 10000000000&spos=1&epos=1&td=1&context=6&startChunk=1&endChunk=1>. FELLOUS, Beyla Esther. Proteção do consumidor no Mercosul e na União Européia. Prefácio de Francisco Rezek. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. O Consumidor e sua proteção na União Europeia e Mercosul. Pesquisa Conjuntural como Contribuição à Política Desenvolvimentista de Proteção Consumerista nos Blocos. Curitiba: Juruá, 2014. GAIO JÚNIOR. Antônio Pereira. Harmonização legal mínima para a proteção consumerista no Mercosul. Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo. Curitiba, v. 4, n. 13, p. 123-145, mar. 2014. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/bitstream/handle/2011/72470/harmonizacao_ legal_minima_gaio.pdf?sequence=1>. ORGANIZADORES:

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GIANASI, Anna Luiza de Castro. As Relações de Consumo e o Princípio da Transparência: uma proposta de integração jurídiconormativo para o Mercosul. Revista do Direito do Consumidor. v. 58, p. 7-54. Abr.- Jun. 2006. Disponível em: <http:// www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0 ad818160000014e68e12ad63b080593&d ocguid=Iee5a7570f25211dfab6f010000000000&hitguid=Iee5a7570f25211dfab6f010000000000 &spos=16&epos=16&td=19&context=36&startChunk=1&endChunk=1>. GOMES, Joséli Fiorin. A Proteção do Consumidor do Mercosul e o Protocolo de Santa Maria: “La Trama y el Desenlace”. Revista de Direito do Consumidor. v. 82, p. 213. Abril 2012. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com. br/maf/app/resultList/do cument?&src=rl&srguid=i0ad818150000014c44828d2819a5086e&docguid=I5c6ff78096741 1e1934e000085592b66&hitguid=I5c6ff780967411e1934e000085592 b66&spos=1&epos=1&td=1&context=5&startChunk=1&endChunk=1>. KHOURI, Paulo R. Roque A. A proteção do consumidor residente no Brasil nos contratos internacionais. Revista de informação legislativa. v. 41, p. 65-86, out./dez. 2004. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/1008>. KLAUSNER, Eduardo Antônio. Jurisdição Internacional em matéria de relações de consumo no Mercosul - Sugestões para a reedição do Protocolo de Santa Maria. Revista de Direito do Consumidor. v. 54, p. 116, Abr. 2005. Disponível em: <http://www.revistadostribunais.com.br/maf/ap p/resultList/ document?&src=rl&srguid=i0ad600790000014cd82e35c61cbc0988&docguid=Ie867 0570f25211dfab6f010000000000&hitguid=Ie867057 0f25211dfab6f010000000000&spos=4&epos=4&td=4&context=8&startChunk=1&endChunk=1>. LUCCA, Newton de. A Proteção do Consumidor e o Mercosul. Revista de Direito do Consumidor. v. 12, p. 29. Out. 1994. Disponível em: <http:// www.revistadostribunais.com.br/maf/app/resultList/document?&src=rl&srguid=i0ad818160000014dc5295e145fa30268&docguid=Ic8fd5590f2 5211dfab6f010000000000&hitguid=Ic8fd5590f25211dfab6f010000000000&spos=5&epos=5&td=13&context=34&startChunk=1&endChunk=1>. LUNARDI, Fabrício Castagna. A necessidade de Harmonização das Legislações Consumeristas para o Processo de Integração no Mercosul. Revista AGU. Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:txXU-grhjfYJ:www.agu.gov.br/page/download/index/ id/521917+&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>.

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André Rafael Weyermüller | Haide Maria Hupffer

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André Rafael Weyermüller | Haide Maria Hupffer ISBN

978-85-7717-192-7

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