Revista Gestão e Desenvolvimento / Agosto 2014

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Ano XI - Volume 11 - Nº 2 Agosto de 2014

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RELIGIÃO E POLÍTICA



Associação Pró-Ensino Superior em Novo Hamburgo - ASPEUR Universidade Feevale

Ano XI - Volume 11 - Nº 2 - Agosto de 2014

Instituto de Ciências Sociais Aplicadas


Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014 PRESIDENTE DA ASPEUR Luiz Ricardo Bohrer REITORA INTERINA DA UNIVERSIDADE FEEVALE PRÓ-REITORA DE ENSINO Inajara Vargas Ramos PRÓ-REITOR DE PESQUISA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO João Alcione Sganderla Figueiredo PRÓ-REITOR DE PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO Alexandre Zeni PRÓ-REITORA DE EXTENSÃO E ASSUNTOS COMUNITÁRIOS Gladis Luisa Baptista

COORDENAÇÃO EDITORIAL Inajara Vargas Ramos EDITORA FEEVALE Celso Eduardo Stark Graziele Borguetto Souza Adriana Christ Kuczynski CONTATOS ERS 239, 2755 - CEP: 93352-000 Novo Hamburgo/RS - Fone: (51) 3586.8800 Homepage: www.feevale.br/editora E-mail: editora@feevale.br REVISTA GESTÃO E DESENVOLVIMENTO ISSN: 1807-5436 Homepage: www.feevale.br/ revistagestaoedesenvolvimento E-mail: revistaicsa@feevale.br

CAPA E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Adriana Christ Kuczynski IMAGEM DA CAPA Disponível em: http://www.freepik.com/free-photo/olddoors_637500.htm. REVISÃO TEXTUAL Valéria Koch Barbosa IMPRESSÃO Gráfica Impressul - Jaraguá do Sul/SC INDEXAÇÃO ICAP - Indexação Compartilhada de Artigos de Periódicos (Disponível em: <http://www.pergamum.pucpr.br/icap/index.php>); LATINDEX (Disponível em: <http://latindex.unam.mx/>); Qualis - CAPES (Disponível em: <http://qualis.capes.gov.br>).

EDITOR CHEFE Dr. Valdir Pedde CONSELHO EDITORIAL EXECUTIVO Dr. Alexandre Panosso Neto (USP) Dr. André Weyermuller (FEEVALE) Dr. Clóvis Roberto Zimmermann (UFBA) Dr. Cristiano Max Pereira Pinheiro (FEEVALE) Dr.ª Cristina Dai Prá Martens (UNINOVE – SP) Dr.ª Denise Del Prá Netto Machado (FURB – SC) Dr.ª Doriana Daroit (UNB) Dr. Dusan Schreiber (FEEVALE) Dr. Ernani Ott (UNISINOS) Dr. Guilherme Kirch (UFRGS) Dr. João Batista Nast de Lima (FEEVALE) Dr.ª Mary Sandra Guerra Ashton (FEEVALE) Dr. Mauro Meirelles (UNILASALLE) Dr. Norberto Kuhn Jr (FEEVALE) Dr.ª Sandra Portella Montardo (FEEVALE) Dr.ª Susana de Araújo Gastal (UCS – RS) Dr. Vinícius Andrade Pereira (UFRJ) Dr. Walter Teixeira Lima Jr. (UMESP) Dr. Wilson Engelmann (UNISINOS) CONSELHO EDITORIAL Dr. Alejandro Frigério (CONICET/FLACSO – Buenos Aires, Argentina)

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REALIZAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO Instituto de Ciências Sociais Aplicadas - ICSA

Classificação

Gestão e Desenvolvimento (ISSN 1807-5436)

Expediente

DIRETORa DO Instituto de Ciências Sociais Aplicadas - ICSA Maria Cristina Bohnenberger

Dr. Aleš Gregar (Univerzita Tomáše Bati ve Zlíně – República Tcheca) Dr. André Corten (Université du Quebec à Montréal, Canadá e Université de Louvain, Bélgica) Dr. André Luis Martins Lemos (UFBA) Dr. Arnaud Sales (Université de Montréal, Canadá) Dr.ª Éricka Maria Costa de Amorim Almeida (Instituto Politécnico de Tomar, Portugal) Dr. Hilário Wynarczyk (Universidad Nacional de San Martín, Argentina) Dr. José Manoel Gonçalves Gândara (UFPR) Dr. Juremir Machado da Silva (PUC –RS) Dr.ª Keila Cristina Nicolau Mota (IFCE) Dr. Leonel Severo Rocha (UNISINOS/URI) Dr. Patryck de Araujo Ayala (UFMT) Dr. Paulo Lopes Henriques (Universidade Técnica de Lisboa) Dr.ª Sônia E. Herrera Reyes (Universidad de Valparaíso – Chile) Dr.ª Stefania Capone (CNRS/EHESS – França)

Qualis (CAPES)

Estrato

Área de Avaliação

B3

Planejamento Urbano e Regional / Demografia

B4

Administração, Ciências Contábeis e Turismo

B4

Ciências Ambientais

B4

Interdisciplinar

B5

Ciência Política e Relações Internacionais

B5

Engenharias III

B5

História

B5

Medicina I

B5

Psicologia

B5

Sociologia

C

Ciências Sociais Aplicadas I

C

Direito

C

Educação

C

Letras / Linguística

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Princípios Principles Editorial Editorial

dOSSIÊ DOSSIER

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APRESENTAÇÃO DO DOSSIÊ APRESENTATION OF THE DOSSIER Aspectos históricos sobre as metamorfoses do campo religioso: ou de como o púlpito virou palanque eleitoral e de defesa de interesses de grupos religiosos Historical aspects about religious field metamorphosis: or how the pulpitbecame electoral platform and advocacy of religious groups Valdir Pedde Mauro Meirelles

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ARTIGOS

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47 Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

De Movimiento Religioso a Partido Político: el caso del Movimiento Independiente de Renovación Absoluta – MIRA De Movimento Religioso a Partido Político: o caso do Movimento Independente de Renovação Absoluta – MIRA From Religious Movement to Political Party: the Independent Movement of Absolute Renovation case – MIRA Bibiana Astrid Ortega Gómez

El capital religioso evangélico en la cultura lotina O capital religioso evangélico na cultura lotina The evangelical religious capital in Lotina culture Sonia E. Reyes Herrera Juan Carlos Rodríguez Torrent 3


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Agentes religiosos e o enfrentamento ao regime civil-militar no Brasil Religious actors and the confrontation to the civilian-military regime in Brazil João Marcus Figueiredo Assis – UNIRIO

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Circunscripciones interaccionales del empresariado católico argentino. Ámbitos, redes y posicionamientos en torno a un tema central: el endeudamiento externo en la crisis del régimen de convertibilidade Circunscrições interacionais do empresariado católico argentino. Âmbitos, redes e posições em torno de um tema central: o endividamento externo na crise do regime de convertibilidade Interactional circumscriptions of the Argentinian Catholic Entrepreneurship. Ambit, networks and positions around a central theme: the external debt crisis in the convertibility regime Gustavo Javier Motta

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QUANDO A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA ATRAVESSA AS FRONTEIRAS NACIONAIS: A GUERRA SANTA ENTRE A IGREJA UNIVERSAL E AS AFRO-RELIGIÕES EXPORTADA DO BRASIL PARA A ARGENTINA When religious intolerance through the national borders: a holy war between the universal church and african religions exported from Brazil to Argentina Marcelo Tadvald ARTIGOS LIVRES FREE ARTICLES

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CAPITAL SOCIAL E DESENVOLVIMENTO REGIONAL NO EXTREMO OESTE CATARINENSE Social capital and regional development in the west of the state of Santa Catarina (Brazil) Alyne Sehnem Janaina Macke

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GESTÃO PARTICIPATIVA: UM ESTUDO DE CASO ANALISANDO A CAIXA DE SUGESTÕES COMO FERRAMENTA DE GESTÃO PARTICIPATIVE MANAGEMENT: A CASE STUDY ANALYZING THE SUGGESTION BOX AS A MANAGEMENT TOOL Fabiana Mendes Débora Vargas Ferreira Costa Victor Cláudio Paradela Ferreira

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GOVERNANÇA DE PROGRAMAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS: ANÁLISE DO PROJOVEM URBANO NO ESTADO DE MATO GROSSO – 2009/2010 Governance of programs of Public Policy: Projovem Urban analysis of in Mato Grosso - 2009/2010 José Kennedy Lopes Silva Mariluce Paes de Souza

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O CRÉDITO RURAL NO BRASIL: O PERFIL DAS PESQUISAS ACADÊMICAS Rural credit in Brazil: the profile of academic research Rodolfo Borges de Faria David Ferreira Lopes Santos

161

ANÁLISE DA SATISFAÇÃO DOS USUÁRIOS: CASO CRAS/MARCELINO VIEIRA-RN Análisis de la satisfacción de los usuarios: caso cras/marcelino vieira-rn Luiza Maria da Silva Maxmiliano de Souza Lima resenhAS reviews

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Sociologia: trabalho, ciência, cultura Régis Leonardo Gusmão Barcelos normas para apresentação de trabalhos standards for paper presentations

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Revista Gest達o e Desenvolvimento


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Princípios Principles

INTRODUÇÃO A Revista Gestão e Desenvolvimento é periódico semestral do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Feevale, cuja mantenedora é a Associação Pró-Ensino Superior em Novo Hamburgo – ASPEUR. Fundada em 28 de junho de 1969, a Aspeur é uma entidade comunitária, sem fins lucrativos, constituída por forças vivas da comunidade regional, que, com esforço solidário e comprometido, vem administrando a Instituição há mais de 40 anos. A Federação de Estabelecimentos de Ensino Superior em Novo Hamburgo – Feevale, hoje Universidade Feevale, foi instalada em 24 de março de 1970. Surgiu da vontade comunitária com a finalidade de formar, aperfeiçoar e especializar profissionais, propiciando a atualização permanente da sociedade. Localiza-se em Novo Hamburgo e está integrada ao Vale do Rio dos Sinos, o maior centro calçadista do País. A Feevale é uma entidade de caráter educativo e cultural com autonomia didática, científica, administrativa e disciplinar. Através do ensino e da graduação, da pós-graduação, da extensão e da pesquisa, a Feevale forma cidadãos nas mais diferentes áreas do conhecimento, colaborando para o desenvolvimento do país e contribuindo para a compreensão dos direitos e dos deveres das pessoas e do Estado.

MISSÃO DA FEEVALE Promover a produção do conhecimento, a formação dos indivíduos e a democratização do saber, contribuindo para o desenvolvimento da sociedade.

PRINCÍPIOS: REVISTA GESTÃO E DESENVOLVIMENTO Compromisso As publicações da Revista Gestão e Desenvolvimento, em consonância com a Instituição, norteiam-se pelo compromisso de contribuir para a promoção do desenvolvimento da sociedade,

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constituindo um espaço de divulgação e de difusão do conhecimento. Missão Difundir o conhecimento científico, tecnológico e cultural para contribuir com a democratização do saber e o desenvolvimento dos indivíduos e da sociedade. Visão Consolidar-se como veículo de divulgação acadêmica de reconhecido mérito técnico-científico-cultural, para que projete a Instituição Feevale em âmbito regional, nacional e internacional. Princípios e valores • Universalidade Tendo em vista sua missão, as publicações da Revista Gestão e Desenvolvimento acolhem a multiplicidade de saberes e a diversidade de perspectivas epistemológicas e metodológicas para construir um espaço plural e abrangente, cujo intuito é o de divulgar o conhecimento universal. • Ética A publicações norteiam-se por padrões e normas éticas pertinentes aos temas publicados; respeitam as idéias expressas por seus articulistas, desde que essas se orientem por princípios éticos, e preservam a identidade de seus avaliadores e o julgamento por eles emitido. • Originalidade e relevância Com o intuito de promover o avanço do conhecimento, as publicações privilegiam artigos que exponham o resultado de investigações relevantes, preferencialmente originais, desenvolvidas pela comunidade acadêmica da região, do país e do exterior, decorrentes das Ciências Sociais Aplicadas e que tenham por suporte perspectivas multi, inter ou transdisciplinares.

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Revista Gest達o e Desenvolvimento


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Editorial editorial

A Revista Gestão e Desenvolvimento (RGD) é o resultado de um processo de amadurecimento, não apenas da Revista e de seus artigos, cada vez mais qualificados, mas da própria instituição a qual ela está filiada. Neste ano, a Feevale comemora o seu quarto ano como Universidade. Todo esse processo, resultado de um longo caminho de investimento em pesquisa e no seu quadro de professores, busca brindar os leitores com uma maior gama de temas, mas todos eles ligados à área das Ciências Sociais Aplicadas. Enquanto revista científica, Gestão e Desenvolvimento reafirma seu compromisso de disseminação do conhecimento, de dar visibilidade aos avanços científicos, de ser um instrumento de preservação da memória educacional, bem como de aprimorar sua função social e política. Por conseguinte, busca dar espaço para a publicação de artigos que sejam resultados de pesquisa, a fim de tornar-se, tanto uma importante referência de consulta para aqueles que estão envolvidos no processo ensino-aprendizagem, quanto para o avanço da pesquisa científica. Perseguir estes objetivos significa, entre outras preocupações, valorizar cada artigo enviado à Revista, submetendo-o a um rigoroso processo de avaliação por pares. Por isso, a RGD amplia e aprimora constantemente o seu quadro de avaliadores. Neste décimo segundo número da RGD, que alcança o décimo primeiro ano de edições ininterruptas, temos como dossiê, o tema Religião e Política. Este dossiê foi organizado pelos pesquisadores, Dr. Valdir Pedde, professor da Universidade Feevale e do professor Dr. Mauro Meirelles, do Centro Universitário UNILASALLE, e conta com cinco artigos, sendo elaborados por pesquisadores do Chile, Colômbia, Argentina e Brasil. A apresentação dos artigos que compõem o dossiê fica a cargo dos organizadores do mesmo, a quem agradecemos o empenho e a dedicação despendida nesta tarefa. Na sessão de artigos com tema livre, temos a satisfação de, após rigorosa avaliação, contar com cinco significativos trabalhos. Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

O primeiro artigo, “Capital Social e Desenvolvimento Regional no Extremo Oeste Catarinense”, de autoria de Alyne Sehnem e Janaina Macke, procura mostrar, a partir da compreensão de Putnam sobre Capital Social, que nas cidades onde aparecem maiores níveis de capital social, os indicadores sociais são mais positivos, assim como o Capital Social mostrou-se maior nas comunidades em que há menor desigualdade social. O artigo intitulado “Gestão Participativa: um estudo de caso analisando a caixa de mensagens como ferramenta de gestão”, foi elaborado por Fabiana Mendes, Débora Vargas Ferreira Costa e Victor Cláudio Paradela Ferreira, todos da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG. O artigo parte do pressuposto de que para melhor enfrentar os desafios contemporâneos, as organizações precisam criar mecanismos que favoreçam o envolvimento dos seus trabalhadores com os objetivos corporativos, sendo a gestão participativa um desses mecanismos. Após a realização da pesquisa, os autores concluíram que os participantes avaliaram positivamente a ferramenta de gestão participativa, ou seja a caixa de sugestão, que tem se tornado um importante diferencial para a empresa, por ser uma ferramenta que favorece o comprometimento do trabalhador com a organização. O terceiro artigo desta sessão é de autoria de José Kennedy Lopes Silva e Mariluce Paes de Souza, ambos da Universidade Federal da Rondônia, intitulado “Governança de Programas de Políticas Públicas: análise do ProJovem urbano no Estado do Mato Grosso – 2009/2010”. O texto explora as práticas da Governança na execução de Políticas Públicas. A partir da pesquisa realizada, constataram a falta de alinhamento dos interesses entre os atores envolvidos, gerando uma Governança não satisfatória. O artigo mostra, como outros já o fizeram, a necessidade de uma avaliação de políticas públicas durante o processo de execução, a fim de poder fazer correções necessárias. O artigo seguinte trata sobre “O Crédito Rural No Brasil: o perfil das pesquisas acadêmicas”. O texto de 9


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autoria de Rodolfo Borges de Faria e David Ferreira Lopes Santos, e tendo como premissa que o setor primário, historicamente, sempre foi um motor da economia brasileira, realizaram um estudo bibliométrico a fim de identificar a produção científica na área da Administração. Chegaram à conclusão, dentre outras, de que os estudos sobre crédito rural denotam uma área de pesquisa em consolidação e, por isso mesmo, há necessidade de pesquisas empíricas que ampliem a análise do crédito rural nas cadeias do agronegócio. O quinto artigo, intitulado “Análise da Satisfação dos Usuários: caso CRAS/Marcelino Vieira - RN”, elaborado por Luiza Maria da Silva e Maximiliano de Souza Lima, tem como objetivo avaliar o nível de satisfação dos usuários do Centro de Referência da Assistência Social - CRAS de Marcelino Vieira – RN.

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Na sessão de resenhas, contamos com a contribuição de Régis L. G. Barcelos, que faz uma reflexão sobre o livro organizado por Mauro Meirelles; et al. Sociologia: trabalho, ciência, cultura e diversidade. Por fim, não podemos deixar de agradecer aos autores dos diversos artigos que compõem esse número pela confiança depositada. Os artigos, de forma singular e a partir de diferentes enfoques, enriquecem a disseminação do conhecimento, contribuindo para o avanço da ciência e do processo de ensinoaprendizagem.

Dr. Valdir Pedde Editor Chefe

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DOSSIÊ DOSSIER Religião e Política



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APRESENTAÇÃO DO DOSSIÊ APRESENTATIOn OF THE DOSSIER Religião e Política

Aspectos históricos sobre as metamorfoses do campo religioso: ou de como o púlpito virou palanque eleitoral e de defesa de interesses de grupos religiosos Historical aspects about religious field metamorphosis: or how the pulpitbecame electoral platform and advocacy of religious groups Valdir Pedde1 Mauro Meirelles2

1 INTRODUÇÃO Durante muito tempo, a religião e a política foram estudadas como campos separados pela maioria dos cientistas sociais, só mais recentemente, é que, no interior das Ciências Sociais, começaram a ganhar espaço as imbricações entre esses dois campos. Debate esse, balizado pelas discussões acerca do que ficou conhecido como processo de secularização/dessecularização. As razões para isso foram o avanço da modernidade ocidental que, pelo menos desde a Revolução Francesa, apregoava e conformava a prática do Estado, separada da esfera da Religião. Algo que, no século XX, com a constituição e o espraiamento de uma ideologia republicana, atinge uma enorme amplitude. Tal fato levou os pesquisadores das mais diversas áreas das Ciências Sociais a partirem do pressuposto de uma secularização nas relações sociais, políticas, econômicas, jurídicas, etc. Contudo, se, no nível macro, esta separação de esferas entre a Religião e o Estado podia ser sustentada/percebida, no cotidiano das relações entre o mundo religioso e o das outras esferas públicas, a questão se mostrava diferente. Não que não haja distinção entre os campos, mas essa distinção é bem mais fluida e porosa do que se imaginava, como escreve Birman (1996). Por exemplo, no campo do Direito, houve uma importante discussão de vários membros do judiciário sobre a permanência dos símbolos religiosos cristãos nas repartições públicas brasileiras, sendo aceito o argumento da Advocacia Geral da União, de que os símbolos religiosos fazem parte da “expressão cultural do povo brasileiro”. Outro exemplo são os movimentos sociais, como veremos mais adiante, também fecundados por reflexões de inspiração religiosa. Assim, sobretudo na América Latina, no mínimo a partir dos anos de 1960, a relação entre estes dois campos despertou atenção de um número cada vez maior de pesquisadores. As reflexões em torno da relação entre religião e política, incialmente, surgiram com mais força no seio das próprias igrejas históricas. Com a irrupção do Regime Militar no Brasil e em outros países de nossa América e com a repercussão do Concílio Vaticano II; abriu-se um campo de indagações e reflexões que possibilitaram à Teologia incorporar em suas reflexões as questões sociais e, 1

Professor da Universidade Feevale. E-mail: valpe@feevale.br.

2 Professor do UNILASALLE, Canoas, RS. E-mail: mauromeirelles@icloud.com.

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por conseguinte, políticas. Desse campo, emergiu com uma respeitável força, não apenas no catolicismo, mas em muitas igrejas históricas, como a Luterana, pensadores ligados a Teologia da Libertação e as Comunidades Eclesiais de Base (CEB). Esse impulso reflexivo e de novas práticas gerou um quadro político importante advindo das fileiras das igrejas históricas. Esse movimento das igrejas históricas rumo ao “povo de Deus”, os pobres, mostrou sua força pelo menos durante cerca de 20 anos. Para dar um panorama geral dessa relação entre a esfera religiosa e a esfera política no Brasil, nos próximos pontos iremos incursionar por alguns aspectos da história brasileira e pela constituição do campo religioso, hoje polifônico.

2 A chegada dos protestantes ao novo mundo: pluralismo religioso e modernidade no Brasil O catolicismo desembarcou na América Latina e no Brasil juntamente com os pertences dos europeus que aqui aportaram. Desde o início do século XVI, Portugal e Espanha eram detentoras do direito de Padroado, outorgado pelo Papa Leão X. O Padroado conferia ao monarca poder “sobre a administração das coisas eclesiásticas em seus territórios” (CATÃO; VILELA, 1994, p. 150). O Padroado garantia ao regente do Estado, dispor sobre todas as questões de fé nos territórios sob o seu domínio (ABREU, 2002). Esse documento possibilitava as Coroas portuguesa e espanhola, criarem cargos eclesiásticos, nomear os clérigos que melhor fossem ao encontro dos seus interesses, arrecadar o dízimo, entre outros (ESQUIVEL, 2003). Em retribuição, as Coroas desses países ficavam responsáveis por expandir a fé Católica por intermédio de subvenções pecuniárias às atividades eclesiais. De modo que, segundo Catão e Vilela (1994, p. 150), o sistema do Padroado atrelou as atividades religiosas às oscilações do poder real. Assim, acabou por transformar a Igreja Católica em instrumento legal a serviço, primeiro, da implantação dos mecanismos da exploração colonial e, posteriormente, da manutenção da ordem estabelecida.

Esse princípio de reciprocidade entre Estado e Igreja, delongou-se por séculos, assumindo configurações diferentes nos mais diferentes recantos da América Latina. De qualquer forma, sobretudo no início do século XX até aos dias de hoje, muita coisa mudou, uma vez que novas configurações na relação entre Estado e Igreja foram sendo assumidas. Neste sentido, movimentos migratórios, sobretudo de europeus não católicos que aportaram em terras latino americanas no decorrer dos séculos XIX e XX – em especial no Brasil, Uruguai, Argentina, Chile e Paraguai – favoreceram novas configurações denominacionais e, por conseguinte, ajudaram a estruturar um novo tipo de relação entre o Estado e a Igreja (DREHER, 1999). Disto decorre que o pluralismo religioso surgido nas terras do Novo Mundo, não era oriundo do próprio movimento religioso interno, mas exógeno, pois estava atrelado aos movimentos migratórios e, em alguma medida, também, ao trabalho missionário (ESQUIVEL, 2003). Com a abolição da escravatura, em 1888, e a Proclamação da República no Brasil, em 1889, a Igreja Católica brasileira perdeu força, com a interrupção do tráfico negreiro desde 1850 e, pouco a pouco, as necessidades econômicas do país acabaram por alterar a configuração da imigração e o modo como esses imigrantes eram incorporados a economia da época. Patrocinado pelos fazendeiros de café, o imigrante tornou-se, fundamentalmente, o substituto da mão-de-obra escrava. Mantendo-se, assim, a grande propriedade rural e a monocultura com o objetivo da exportação, de modo que, como assevera Dreher (1998), nesse tempo, os imigrantes eram, na verdade, escravos disfarçados. Com esse novo fluxo migratório vindo da Europa, inaugura-se no Brasil, um novo quadro religioso, de modo que, em 1890, os protestantes evangélicos, segundo Rolim (1994), já a essa época, atingiam 1% da população. Portanto, no apagar das luzes do século XIX, o pluralismo religioso era uma realidade e a relação institucional entre Governo e Igreja, sobretudo, Católica, começa a apresentar as primeiras fissuras e a dar sinais inerentes de uma possível ruptura. Há que se supor, então, que a proximidade desses dois eventos marcantes não é mera coincidência. A escravidão, que havia gerado toda a riqueza no Brasil até então, não mais podia sustentar o novo modelo econômico, jurídico e de política interna e externa. E, o Brasil, estava saindo de uma situação econômica colonial tradicional para relações do capitalismo de mercado, já colocadas no plano internacional. Os ideais liberais burgueses

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ingressavam no país, que, por fim, o conduziram ao capitalismo industrial. Assim como na questão econômica, as correntes liberais modernizadoras também alcançavam maior extensão no plano político. Essas ideias incentivaram, entre outros, o ingresso de europeus protestantes no país. De um modo geral, entre os liberais tinha-se a ideia de que o Protestantismo favoreceria a transição da sociedade brasileira à modernidade (DREHER, 1985).

3 O Brasil da Res Publica: religião e política depois do fim do Império Com o advento da República, mudaram a política e o Estado. Mudou também a Igreja Católica. Às portas do século XX, o Regime Republicano rompeu com a Lei do Padroado, “introduzindo o princípio do laicismo na ordenação jurídico-política do país” (MATOS, 2003, p. 18). A partir da República, o catolicismo precisou se reorganizar e se adaptar ao novo momento. De 1889-1890 em diante, o catolicismo precisou “acostumar-se ao fato de que os professores já não eram obrigados a fazerem o juramento Católico, para integrar o ensino público. [...] E os cidadãos não católicos já podiam candidatar-se e elegerem-se aos cargos políticos” (CATÃO; VILELA, 1994, p. 167). Nos anos que seguiram à Proclamação da República, inevitáveis controvérsias ocorreram no seio da Igreja Católica. Algumas vozes eram favoráveis à separação entre Igreja e Estado. A maioria, no entanto, não a via com bons olhos. Em 1900, a hierarquia eclesiástica publicou uma Carta Coletiva na qual reivindicava “o reconhecimento oficial da Igreja Católica com um tratamento privilegiado” (MATOS, 2003, p. 28). Nesse documento ficava explicitado o descontentamento da maioria dos clérigos com a República, afirmando algo que, durante muito tempo, ficou sendo referência, qual seja, que “a religião, embora tenha deixado de ser ‘oficial’, continuará a ser ‘nacional’” (AZZI apud MATOS, 2003, p. 29). Em suma, ser brasileiro era ser católico. Tal afirmação coloca em evidência que o regime de Padroado parece ter deixado profundas raízes na percepção da identidade nacional, da hierarquia Católica, evidentemente, mas também de uma expressiva maioria da população. Destarte, o modelo de cristandade aqui implantado igualava identidade territorial com identidade religiosa (ESQUIVEL, 2003). E, assim, o fim do regime de Padroado, portanto, não diminuiu a influência da religiosidade Católica na cultura nacional. E mais, mesmo com as mudanças constitucionais, o Estado continuou dando um tratamento diferenciado à Igreja Católica. A minoria dos clérigos que viu a separação entre Estado e Igreja como uma boa oportunidade para a Igreja parecia estar certa. Em 1889, no Brasil, havia apenas uma arquidiocese e onze dioceses. Em 1900, em apenas onze anos, foram criadas mais dezessete dioceses, e, após mais dez anos, em 1910, a Igreja Católica contava com trinta, e, em 1920, havia cinquenta e oito dioceses organizadas no país (MATOS, 2003). O crescimento foi espantoso. A separação ocasionou um resultado positivo a favor da Igreja Católica (Souza, 2003). Parece correta a conclusão de Esquivel, ao afirmar que o Padroado “ocasionou um sufocante abatimento do catolicismo no Brasil” (2003, p. 198). Essa separação entre Estado e Igreja terminou por delinear uma nova relação, a da religião com a sociedade (SOUZA, 2003). Após essa fase organizativa da instituição eclesiástica, iniciou-se, a partir de 1920, um novo período. Em 1921, Dom Leme foi instituído como Arcebispo-Coadjutor. Esse clérigo exerceu uma importante liderança no seio do catolicismo3. Segundo Matos (2003, p. 45), “Coube a ele articular as forças católicas nas décadas de 19201930. Preocupavam-no, sobremodo, a falta da influência da Igreja Católica e a inércia sociopolítica dos seus fiéis”. Para Dom Leme, o Brasil constituía-se em um país tradicionalmente Católico. Entretanto, a influência pública do catolicismo era praticamente inexistente. Para esse arcebispo, não era possível notar a presença dos católicos nos campos da ação social, da política ou da intelectualidade. Para ele, era necessário transformar a Igreja Católica numa “força moralizadora’, capaz de ‘regenerar a sociedade’”4 (MATOS, 2003, p. 58). Aqui é possível observar algo interessante. Ainda no início da década de 1920, trinta anos após a separação entre Igreja e Estado, o arcebispo nada mais percebe de influência pública da Igreja Católica. Isso mostra o quanto

3  Sebastião Leme da Silveira Cintra (1882-1942) entrou no seminário em 1894. Ele continuou seus estudos em Roma. Foi ordenado Sacerdote em 1904. Foi nomeado Bispo-auxiliar do Rio de Janeiro em 1911. Assumiu como Arcebispo de Olinda e Recife em 1916. Em 1920 ou 1921, tornou-se Arcebispocoadjutor do Cardeal Arcoverde (BARROS, 2003; Matos, 2003). 4

Veremos, a seguir, que esse pensamento alcança grande vigor entre os pentecostais.

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o processo secularizador, ou seja, a separação entre Igreja e Estado, já havia avançado sobre a sociedade brasileira. Por outro lado, essa preocupação com a influência pública era desdobramento de um novo projeto de cristandade que a Igreja Católica Romana procurava imprimir em todo o mundo5. Mas os esforços da Igreja Católica não pararam por aí. Mais e mais, esta igreja procurou estimular e orientar lideranças a que se envolvessem na política, no intuito de utilizar essa aliança para influenciar a sociedade6. Procurava, com isso, neutralizar a influência do Positivismo, que encontrava grande aceitação entre as camadas dirigentes do país (ESQUIVEL, 2003; FONSECA, 2002). Essa política foi seguida com intenso fervor até meados da década de 1940 (MATOS, 2003). Enfim, foram esses os grandes objetivos perseguidos pelo catolicismo de então; o qual, transformado em missão, redundou em um catolicismo de classe média, conservador e que procurou oferecer, o que a seu ver, seria uma contribuição ao país, salvando-o “do eminente perigo de subversão política e ideológica” (MATOS, 2003, p. 59). Na realidade, visava-se proteger o Brasil do fantasma que rondava a Europa: o comunismo. Percebe-se que, apesar da diferenciação de esferas, a Igreja Católica, que a essa época já notara os benefícios institucionais da separação entre Estado e Igreja, não deixou de, continuadamente, procurar manter os benefícios de Igreja oficial. Em 1930, o Presidente Washington Luís foi deposto e assumiu Getúlio Vargas. Desse episódio, nasceu uma grande amizade entre o já então Cardeal do Brasil, Dom Leme, e Getúlio Vargas (BARROS, 2003), momento em que o novo governo recebeu apoio explícito da Igreja. Efetivamente, a ênfase dada pelo estado varguista à ordem, ao nacionalismo, ao patriotismo e ao anticomunismo coincidia com o ideário católico da época, inspirado no modelo italiano [de Mussolini]. [...] Durante os quinze anos de Vargas, a Igreja Católica reconstituirá progressivamente o modelo de cristandade, com resultados práticos imediatos, sobretudo no campo social. O nacionalismo católico havia buscado explicitamente o reconhecimento do Estado para afirmar-se como religião ‘oficial’ do povo brasileiro, reivindicando um tratamento privilegiado (MATOS, 2003, p. 71-72).

Em 1931, foi inaugurada, no Rio de Janeiro, a estátua do Cristo Redentor. Tendo em vista a proximidade da elaboração de uma nova Constituição Federal, e aproveitando a presença do Presidente da República, de todos os seus ministros e do Corpo Diplomático (BARROS, 2003), Dom Leme entregou ao Presidente uma lista de dez reivindicações católicas. Ele o fez por intermédio do Bispo Dom João Becker, que mantinha com Vargas, estreita vinculação (FONSECA, 2002). Mas seu esforço foi além. No ano seguinte, em 1932, com a chegada das eleições para a Constituinte, a hierarquia católica criou a Liga Eleitoral Católica (LEC) (BARROS, 2003; MATOS, 2003). Esse foi um dos mais importantes momentos de inserção da Igreja Católica no campo político (SOUZA, 2003). Mas não detalharemos esse episódio e avancemos. A situação no país continuava no registro da instabilidade política. As forças desbloqueadas na Revolução de 1930 se confrontavam e provocavam um clima de tensão. Apesar do retorno da Democracia, através da qual Getúlio foi reconduzido à Presidência da República, a instabilidade, os conflitos e as tensões continuavam7. Em novembro de 1937, Getúlio Vargas, aproveitando o clima de grande tensão, desferiu o golpe de Estado, que ficou conhecido como Estado Novo (1937-1945) (ANDRADE, 1988). Sob alegação do perigo Comunista, o Presidente foi apoiado pela Igreja Católica. “Não houve ruptura nas relações entre a Igreja e o Estado com a implantação da ditadura” (MATOS, 2003, p. 82). Como é possível perceber, na ânsia de alcançar influência pública e política, a Igreja Católica reproduziu em seu seio, com mais força, o mesmo espírito autoritário exercido pela mão de Vargas. Assim, pensava o prelado brasileiro, poder-se-ia combater o laicismo que havia irrompido no advento da República. Na busca por sua reafirmação social, o cristianismo católico foi considerado “a maior garantia para um Brasil novo, pelo fato de o catolicismo constituir o elemento identificador da brasilidade” [grifo do autor] 8 (MATOS, 2003, p. 99).

5  No final século XIX e início do século XX, “as igrejas no Brasil orientaram-se preferencialmente para fora: os católicos, para Roma; os evangélicos de língua alemã, para a Alemanha; e os outros evangélicos, para os Estados Unidos da América” (FISCHER, 1989, p. 71). 6  Vale lembrar que a construção da estátua do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, data dessa época. Além disso, a partir de 1930, o Estado de Minas Gerais concede licença para a Igreja Católica ministrar o Ensino Religioso, e, em 1931, essa licença foi estendida a todo o país (MATOS, 2003). 7  Vale lembrar que foi neste contexto de crescente urbanização, proletarização e de tensão política, que o pentecostalismo avançou na região Sudeste, sobretudo, a partir de 1935, com a repressão às organizações e movimentos operários, é que o Pentecostalismo aumentou seu número de fiéis e sua visibilidade (ROLIM, 1985). 8  Sob inspiração do ideário modernista e da brasilidade, o Governo Vargas proibiu o uso de língua estrangeira para o ensino regular nas escolas a partir de 1930. Tencionava, entre outros, integrar as diversas etnias do país. Em 1939, essa prescrição foi estendida aos cultos, sendo, portanto, vetado o uso de língua estrangeira em ofícios religiosos. Para as denominações de base étnica, essa situação tornou-se extremamente difícil. (DREHER apud GERTZ, 1998).

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Desse modo, o período Vargas foi marcado pela sobreposição dos interesses do Estado e da Igreja. Ainda que juridicamente separados, a colaboração mútua entre essas duas esferas trazia enormes benefícios à estrutura da Igreja Católica, pois esta podia contar com subsídios do Estado. Em contrapartida, Vargas soube se aproveitar do catolicismo, sua simbologia e do status que usufruía ante a população para legitimar seu governo. A sociedade brasileira passou por grandes transformações nas décadas de 1940 e 1950. No campo econômico, ocorreu o avanço das indústrias de base. No campo social, deu-se a rápida urbanização e os problemas dela decorrentes. Essas mudanças trouxeram consigo a queda nas vocações sacerdotais, bem como o crescimento do espiritismo, das religiões afro e do pentecostalismo (ESQUIVEL, 2003). A Igreja sofreu uma corrosão em seu monopólio religioso. Ademais, a morte do cardeal Leme em 1942 e o fim da ditadura Vargas exigiram novas estratégias de ação por parte da Igreja Católica. Em 1952, foi criada a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), tendo como seu principal articulador Dom Helder Câmara. Apesar do clima tenso e conturbado da primeira metade da década de 1950, o período de 1952 a 1960 foi um “período de excepcional otimismo, desenvolvimento e renovação, tanto em termos de país no seu todo, como em termos da Igreja” (BARROS, 2003, p. 33). A CNBB, liderada por um grupo de bispos nordestinos, “assume uma forte preocupação pelos setores marginalizados” (ESQUIVEL, 2003, p. 212). Esse período teve seu auge com o Presidente Juscelino Kubitschek, quando a Igreja Católica esforçou-se por empreender uma “fecunda cooperação em prol do desenvolvimento” (BARROS, 2003, p. 33). A década de 1950 constituiu-se no segundo momento mais importante de atuação direta da Igreja Católica no campo político (SOUZA, 2003). Dessa cooperação surgiram algumas ações governamentais importantes, como o Serviço de Informação Agrícola, do Ministério da Agricultura, que culminou com a facilitação do processo de sindicalização rural por parte do Governo. Outra iniciativa resultante dessa parceria foi a criação do Movimento de Educação de Base que, financiado pelo Estado, era executado e coordenado pelas arquidioceses (BARROS, 2003). E, dessa forma, a presença na luta dos camponeses nordestinos, as iniciativas educacionais nesse setor, o acompanhamento dos conflitos da classe operária e, de um modo geral, a substituição da tradicional caridade cristã pelo engajamento e promoção de uma mudança social colocariam novamente a instituição eclesiástica no primeiro plano da cena nacional (ESQUIVEL, 2003, p. 211).

De total submissão nos anos do Império e “relativo atrelamento [ao Estado] durante a primeira metade do século XX, a Igreja Católica passa a adotar posturas que sinalizam seu desejo de assumir a posição de poder paralelo” (FONSECA, 2002). Nesse cenário, a Igreja foi ao encontro das camadas populares. Dom Helder Câmara despontou como figura importante e fundamental para essa nova orientação.

4 Igreja Católica e Movimentos Sociais A partir da década de 1950, e, particularmente, a partir do Golpe Militar no Brasil em diante, a Igreja Católica redimensionou a sua atuação religiosa que, por conseguinte, ensejou uma nova participação na vida pública e política. Notar-se-ia a presença pública da Igreja, não apenas nas manifestações críticas ao regime ditatorial e em defesa dos Direitos Humanos, mas, sobretudo, por transformar-se numa igreja “invisível”9. Sua presença pública fazia-se perceptível naqueles momentos em que a população das periferias se organizava e reivindicava. De modo geral, a Igreja Católica ensejou e fecundou uma multiplicidade de Movimentos Sociais (LÖWY, 1997). Ao lado da sua posição detratora da ditadura, essa foi a característica mais importante dessa Igreja nas décadas de 1970 e 198010. Juntamente com as Comunidades Eclesiais de Base11 – CEBs, muitos outros movimentos sociais

9  Além de as CEBs estarem espalhadas pelo Brasil e, nesse sentido, se encontrarem “em todo e em nenhum lugar”, a reflexão feita no interior dessas comunidades procurava estimular seus adeptos a uma prática política que os conduzissem a “participarem anonimamente nos sindicatos, partidos e associações laicas” (STEIL, 1999, p. 64).

Para Löwy (1997), a posição enérgica da CNBB foi um dos importantes fatores que levaram os militares a considerarem a possibilidade de implantarem uma gradual e controlada democratização no final dos anos 1970.

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No catolicismo, durante as décadas de 1970 e 1980, a Igreja Católica conheceu um grande reavivamento interno. A partir dos Concílios Vaticano II e de Puebla, o catolicismo foi conduzido por uma ala progressista, que fomentou e possibilitou o surgimento de inúmeros grupos conhecidos como CEBs. “No mesmo período, certos bispos católicos, ligados ao projeto Igreja/Povo de Deus, influenciaram politicamente a transição democrática. Por meio da politização de categorias religiosas, interpelavam os poderes políticos sem usurpar o espaço propriamente político” (NOVAES, 2002, p. 66).

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surgiram no seio da Igreja ou foram por ela motivadas. Entre estes movimentos sociais, podemos citar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST – como um dos mais importantes. Ademais, muitos católicos inseriram-se, de forma diversificada, na luta contra a Ditadura Militar. Esse, inclusive, é o tema do artigo que inicia nosso dossiê. Escrito por João Marcus Figueiredo Assis, o artigo procura refletir, através de entrevistas/depoimentos, bem como a partir de documentos históricos, a participação de “agentes religiosos e o enfrentamento ao regime civil-militar no Brasil”, a fim de compreender as diferentes experiências e o significado da vivência religiosa no envolvimento, e/ou, no impulso para o social e político. De qualquer forma, retomando a forma como a Igreja Católica passou a agir naquele momento histórico, importante destacar que havia uma vasta gama de iniciativas e ações que “priorizavam mais questões de ética política e menos de assuntos doutrinários e litúrgicos, pois mostrava com clareza o evoluir das mudanças iniciadas pela hierarquia eclesiástica” (ESQUIVEL, 2003, p. 213) nas décadas de 1950 a 1970. A seguir, nossa atenção estará voltada à emergência do Protestantismo no Brasil, que, além de diversificar o campo religioso do país, também teve atravessamentos na esfera política brasileira.

5 Evangélicos Pentecostais: alguns aspectos históricos O movimento pentecostal teve seu início em 1906, em um templo Metodista. Em seu interior, aglutinaram-se negros e brancos em torno de vigílias de oração, visando alcançar o batismo no Espírito Santo, caracterizado pelo falar em línguas estranhas. Contudo, a confluência étnica em torno da experiência religiosa durou pouco tempo. A realidade sociopolítica em que os negros viviam os fez unir a experiência religiosa com a experiência da luta político-racial. Assim, a partir de 1908, os brancos afastaram-se dos negros e cultivaram somente a experiência da oração e dos cultos. Os brancos exercitaram apenas a experiência religiosa como projeto de vida. E, é exatamente essa forma de viver a religiosidade, que se espalhou pelos EUA, pela América Latina e pelo Brasil (ROLIM, 1994). Posto isto, tem-se que os primeiros missionários que anunciaram o batismo no Espírito Santo trouxeram consigo a experiência religiosa da oração e dos cultos. Conforme Freston (1994a), o pentecostalismo pode ser compreendido como a história das três ondas. A primeira onda é identificada com a década de 1910, iniciando com a implantação da Congregação Cristã, em 1910, e da Assembleia de Deus, em 1911, tendo como ênfase o uso dos dons, principalmente a glossolalia, que servia de atestado do batismo do Espírito Santo. A Assembleia de Deus foi iniciada pelos suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg12. Saíram dos EUA como missionários, chegaram ao Brasil em 19 de novembro de 1910 (MAFRA, 2001) e, em junho de 1911, fundaram a Assembleia de Deus, juntamente com um grupo dissidente de evangélicos batistas. Da região Norte do país, a Assembleia de Deus se espalhou pelo Nordeste levada pelos migrantes pobres, chegando, mais tarde, à região Sudeste. Para Rolim (1994), o avanço da religiosidade pentecostal ocorreu por ter encontrado entre os nativos uma forte religiosidade mágica, proveniente do catolicismo popular. Outra razão importante apontada por este autor seria a ausência de acompanhamento da Igreja Católica na vida das massas empobrecidas. O crescimento se deu de forma rápida. Em 1915, a Assembleia de Deus se encontrava em três Estados brasileiros, um da região Norte e dois no Nordeste. Em 1920, se estabelecia em nove Estados da Federação; em 1925, em quinze estados, atingindo, em 1930, vinte estados (FRESTON, 1994a, 1994c). Já nos anos de 1940, a Assembleia de Deus se encontrava em todos os Estados da Federação (ROLIM, 1985). O fato da Assembleia de Deus ter iniciado no Brasil pelas mãos de dois imigrantes suecos, não ficou sem deixar expressivas marcas. Os missionários suecos vinham de um país no qual eram marginalizados em termos religiosos. Em vista disto, essa minoria desprezava o clero culto e teologicamente liberal dos luteranos do seu país. Assim, “eram portadores de uma religião leiga e contracultural, resistentes à erudição teológica e modesta nas aspirações sociais” (FRESTON, 1994a, p. 78). Essa condição sociocultural moldou estes missionários, o que, tanto no seu país de origem quanto no Brasil, traduziu-se em uma postura de humildade, aceitando o sofrimento, o martírio como inerente à vida, sabendo-se culturalmente marginalizados em um país predominantemente católico.

Berg era um operário qualificado que trabalhou como fundidor para sustentar a ele e a Vingren, enquanto este último aprendia português (FRESTON, 1994c).

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E, assim como no seu país de origem, os missionários suecos rejeitavam a necessidade de um clero bem preparado quanto à sua teologia, centrando seu foco em pessoas amplamente versadas na Bíblia13. Ou seja, a centralidade do conteúdo teológico estava no conhecimento bíblico, na articulação e na citação de versículos e na santificação da vida (MAFRA, 2001). Igualmente, como sua base de atuação foi sempre entre aqueles que estavam socialmente marginalizados e perseguiam as orientações bíblicas, eram severos no tocante aos costumes. Ou seja, em termos weberianos, eram portadores de uma ética com relação a valores. Sua ênfase na santificação redundou na criação das Escolas Dominicais, que se tornaram centros de alfabetização, o que, certamente, atraía muitas pessoas das camadas baixas da sociedade. Além disso, tornava cada membro um missionário em potencial, o que possibilitava a criação de novas igrejas sem maiores problemas burocráticos, imprimindo nas novas lideranças assim preparadas, “traços dos movimentos messiânicos tão presentes no arcabouço cultural nortista” (MAFRA, 2001, p. 33). Quanto à organização, a Assembleia de Deus é “uma complexa teia de redes compostas de igrejas-mães e igrejas e congregações dependentes” (FRESTON,1994a, p. 86). Esse tipo de organização gera uma fragilidade nos órgãos máximos que procuram traçar políticas para todas as congregações. No entanto, existe grande liberdade da parte de cada congregação e dos seus leigos na aceitação ou não dessas políticas. Evidentemente, esse modelo produz muitas tensões e possibilita dissidências. A mais importante dessas divisões foi a Assembleia de Deus de Madureira. Em vista das muitas tensões, Madureira foi excluída da Convenção Geral das Assembleias de Deus em 1989 (FRESTON, 1994c). A segunda onda do pentecostalismo ocorreu nos anos de 1950 e início da década de 1960. Neste período, surgiram a Igreja do Evangelho Quadrangular, em 1951, Brasil para Cristo, a primeira a ser fundada por brasileiros, em 1955, e a Igreja Deus é Amor, em 1962, todas acentuando o dom da cura (ORO, 1996). Na década de 1950, o Brasil se encontrava no auge do populismo. A urbanização se acelerava e havia um crescente interesse pela industrialização no país. Tomava conta do país um acentuado interesse pelo progresso e a modernização do Brasil. Nesse contexto, surgia, no campo pentecostal, um novo elemento, vindo por intermédio de missionários norte-americanos: a Igreja do Evangelho Quadrangular. Esta denominação pentecostal nomina-se como Quadrangular, pois procura, através do nome, evidenciar os seus princípios básicos de fé, tendo como referência Jesus Cristo: o Salvador, o Batizador, o Médico e o Rei. Essa Igreja foi fundada em torno do ano de 1918 por uma canadense, Aimée Semple MacPerson. Nos EUA, a denominação conheceu rápido crescimento, fruto do grande potencial de oratória da fundadora e do seu propagado poder de realizar curas. As curas serão a marca registrada desse novo ramo do pentecostalismo. No Brasil, a Igreja Quadrangular se espalhou a partir de cruzadas de evangelização realizadas em barracas de lona. Em 195114, o Missionário Harald Edwin Williams, que já vivia há algum tempo no Brasil, uniu-se com Raymond Botright, passando a levar suas barracas de cidade em cidade, primeiramente em São Paulo; depois a outros estados. No final da década de 1960, as barracas de cura divina já haviam alcançado as regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Na década seguinte, adentraram a região Nordeste do Brasil (ROLIM, 1994). Essa forma de evangelização itinerante centrada nas curas divinas tinha ainda outra novidade. Botright, ex-ator de filmes de cowboy, embalava as evangelizações ao som da sua guitarra elétrica. O culto deixava de ser espaço de simplicidade para evocar signos de modernidade, presente tanto nos cantos alegres quanto na vestimenta do pastor (MAFRA, 2001). As evangelizações causaram descontentamento entre pastores de muitas denominações, o que levou Williams a fundar, em 1954, a Igreja da Cruzada, mudando, em seguida o seu nome para Igreja do Evangelho Quadrangular (FRESTON, 1994a). A Igreja Quadrangular foi a única denominação Pentecostal fundada por uma mulher. Talvez por isso, ela seja menos repressora no que concerne à aparência e ao lugar da mulher na igreja. Conforme Freston (1994a), 35% do rol de pastores era constituído por mulheres. Atualmente, esse percentual subiu para 42% (http://www. quadrangularbrasil.com.br). Ademais, na Igreja Quadrangular, o tradicional discurso pentecostal começou a mudar, “O pecado e o inferno perdem a centralidade, em favor do apelo às necessidades sentidas de cura física e psicológica” (FRESTON,1994a, p. 113). As rígidas regras comportamentais tornam-se brandas. Havia também, um maior planejamento das ações e um estilo de comunicação e de estética de maior afinidade com o ambiente urbano e de massas (MAFRA, 2001).

Os seminários de preparação teológica se resumiam as escolas bíblicas frequentadas durante poucas semanas, as quais não emitiam qualquer certificado. Somente em 1978, a Assembleia de Deus exigiu a frequência nas referidas escolas para a admissão ao pastorado (FRESTON, 1994a).

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De acordo com Freston (1994a), o início das campanhas em tendas de lona ocorreu somente a partir de 1953. Já conforme a história oficial da Igreja Quadrangular, sua fundação ocorreu em 1951 (Igreja do Evangelho Quadrangular de Santos Dumont, s.d.).

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Nos anos de 1980 do século XX, a Igreja Quadrangular no Brasil experimentou um grande crescimento, forçando um rompimento com a igreja-mãe de Los Angeles. Sua organização burocrática é mais avançada que a da Assembleia de Deus e o ensino teológico foi sendo reforçado, mostrando a preocupação “em generalizar o conhecimento formal” (FRESTON, 1994a, p. 114). Isso repercutiu no seio da membresia da Igreja Quadrangular, uma vez que o nível social médio dos seus membros é ainda bem superior aos registrados em outras igrejas pentecostais (FRESTON,1994a). A terceira onda do pentecostalismo brasileiro ocorreu a partir da segunda metade dos anos de 1970 e na década de 1980, tendo como sua principal representante a Igreja Universal do Reino de Deus (1977) e, com menor representatividade, a dissidente da anterior, a Igreja Internacional da Graça de Deus (1980) (FRESTON, 1994a). Tratam-se de igrejas cariocas, fundamentalmente, iniciadas no período ditatorial do Brasil, que crescem em meio à estagnação econômica da década de 1980. Sua grande distinção em relação às duas ondas anteriores é que, sobretudo a Igreja Universal, centra sua pregação no exorcismo, no donativo e numa ambiciosa estratégia midiática. Esta última onda também é conhecida como Neopentecostalismo (ORO, 1996). Quanto à organização eclesiástica, a Igreja Universal segue um modelo episcopal. A Universal é uma Igreja que cresceu nos meios urbanos e possui uma estrutura centralizada. Esse fato também a ajudou a ter uma organização bem planejada e ousada. Ademais, sua centralização organizacional lhe permite grande flexibilidade e constante inovação, além de uma boa adaptação à cultura urbana moderna. Possui um estilo de mensagem agonística, e que garante uma interlocução muito grande com o meio cultural onde se coloca (MAFRA, 2001). Fundamentalmente, sua mensagem religiosa é individualista. As mazelas humanas são entendidas como sendo consequências da interferência de espíritos malignos na vida das pessoas. Este pentecostalismo agonístico elegeu, através da ideia de guerra santa (ORO, 1997), em primeiro lugar, as religiões afros como demoníacas, e, em segundo lugar, o catolicismo como idólatra, em virtude da sua veneração aos santos. Além disso, alimenta em seus fiéis, o desejo do enriquecimento, em parte fundada na fidelidade a Deus, tornada material por intermédio de contribuições à Igreja Universal; em parte pela sua insistente pregação baseada na fuga do trabalho assalariado, estimulando os fiéis a serem seus próprios patrões (FRESTON,1994a). Ademais, a centralidade organizacional da Igreja Universal, calcada sobre o Bispo Edir Macedo, permite uma disciplina eleitoral que tem sido um modelo perseguido por outras denominações. A relação dessa igreja com a política é fundamentalmente pragmática, colocando para seus fiéis a necessidade da Igreja Universal defender seus interesses (FRESTON, 1994a), assumindo uma posição de perseguida, em virtude de ser portadora das “verdades evangélicas”. Essa posição messiânica, persecutória e agonística, lhe confere legitimidade diante dos seus fiéis. Sua atuação política pragmática a faz se posicionar em apoio a candidaturas conservadoras e de grande hostilidade à esquerda. Aliás, nesse quesito, segue o mesmo caminho que as outras igrejas evangélicas. A mudança com relação à esquerda alterou-se somente nas eleições presidenciais de 2002, o que novamente evidencia o seu enorme pragmatismo. De todas as denominações pentecostais surgidas no Brasil, essas três – Assembleia de Deus, Quadrangular e Universal - são as mais significativas. Igualmente, a única denominação pentecostal que, desde o início, envolveu-se com a política é a Igreja Brasil para Cristo (BPC). Essa instituição religiosa, fundada em 1955, elegeu Levy Tavares como Deputado Federal pela legenda do PSD. Com o Golpe Militar, ele ingressou no MDB, reelegendo-se em 1966. Entretanto, não conseguiu mais legitimar sua candidatura entre os líderes da BPC. Em 1970, tentou a reeleição, sem obter sucesso (FRESTON, 1994b).

6 PENTECOSTAIS E SUA MUDANÇA EM RELAÇÃO À POLÍTICA A política institucional invadiu as igrejas a partir da Assembleia Nacional Constituinte de 1986. Até aquele momento, as igrejas pentecostais mantinham um baixo interesse pelo tema, condenando-o, inclusive. Como vimos, as igrejas evangélicas históricas elegeram alguns deputados após 1930. Um Metodista foi eleito para a Constituinte de 1934; e outro, em 1946. A partir de 1986, houve um constante crescimento no número de deputados estaduais e federais, bem como um incremento do número de igrejas inseridas nesse novo campo. A novidade ficou por conta tanto da quantidade de políticos evangélicos quanto da qualidade dos mesmos. Como afirma Freston (1992), nesse período, é gestado um novo tipo de político evangélico, bem como estratégias específicas de ação parlamentar. Para Rolim (1994), os interesses particulares das denominações pentecostais se sobrepuseram aos da cidadania e aos de uma visão política mais ligada aos problemas sociais trazidos pela própria estrutura do Estado e da economia 20

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capitalista. E, deste modo, a expressiva maioria de pentecostais em cargos públicos acaba por se aliar a partidos de centro-direita, normalmente em defesa do Governo, em busca de oportunidades que possam trazer benefícios materiais para suas igrejas. As preocupações centrais dos políticos evangélicos, quase em sua totalidade pastores, priorizavam, quase sempre, questões ligadas a moral sexual e a família, indicando um espírito conservador sobre os costumes, que se reflete sobre o campo político e econômico. A tendência dos evangélicos de se colocarem à direita em termos de política também pode estar ligada ao fato dos seus projetos políticos não passarem de uma estratégia para o seu próprio crescimento, aceitando, assim, com alguma facilidade, o fisiologismo presente na política tradicional brasileira. As razões da politização pentecostal têm o seu início no Regime Militar que, a partir de 1968, procurou apoio nos evangélicos, uma vez que se desentendera com a Igreja Católica (FRESTON, 1992). Por outro lado, Freston advoga ainda um outro motivo. Já na década de 1980, a crise econômica “tendia a neutralizar os efeitos tradicionais da conversão (a criação de uma força de trabalho honesta, dedicada e poupadora), restringindo as chances de ascensão social individual” (FRESTON, 1992, p. 39). Essa crise deixava os trabalhadores pobres mais abertos às reivindicações dos menos favorecidos da sociedade. Dessa forma, o autor afirma que a cúpula pentecostal adiantavase aos pedidos desses trabalhadores, a fim de que suas reivindicações fossem por eles controladas15, evitando, assim, que concorrentes (sindicatos e partidos) passassem a ter acesso e influência simbólica e cosmológica, através dos seus discursos, sobre os seus adeptos. Também não devemos nos esquecer do crescimento do pluralismo religioso, que coloca as instituições religiosas em concorrência aberta, sobretudo, entre evangélicos e católicos. É, nesse sentido, que Freston (1992) coloca essa concorrência como mais um elemento da tendência conservadora dos evangélicos, que se entendendo como anticatólicos, se posicionam igualmente em campo oposto àqueles. Assim, os evangélicos refutavam a Teologia da Libertação aceita pela Igreja Católica, devido à opção ideológica de esquerda que essa linha teológica preconiza. Essa tese parece fazer sentido, já que, em outro país, a relação de forças pode se inverter, como ocorreu em parte, por exemplo, na Nicarágua. Naquele país, a Igreja Católica aliou-se ao governo ditatorial, resultando numa aproximação entre evangélicos e sandinistas. De qualquer forma, essas mutações nacionais viabilizaram a afirmação da impossibilidade de um monopólio, tanto religioso quanto político, da parte dos evangélicos latino-americanos. Em decorrência do exposto, na Eleição de 1986 para deputado federal constituinte, elegeram-se 32 evangélicos, sendo 14 pertencentes aos quadros da Assembleia de Deus, dois da Igreja Quadrangular e um da Igreja Universal. De modo geral, esses evangélicos votaram a favor das propostas conservadoras, além de se envolverem em trocas de favores, recebendo concessões de rádio e televisão em favor do apoio às propostas do Governo. Evidentemente, essa troca de favores foi prática corrente entre os deputados federais da época. Contudo, depois de praticamente 30 anos de ditadura e alienação em relação às questões políticas, esta primeira experiência dos evangélicos com a política foi escandalosa e frustrante. Por conta disso, na Eleição de 1990, a Assembleia de Deus alçou para a Câmara Federal apenas oito deputados, e a Igreja Universal foi a única a sair-se bem no pleito, pois, de um representante, passou a contar com três (ROLIM, 1994). A partir de 1986, como muitos outros movimentos sociais, os evangélicos tornaram-se um grupo de pressão política. Pois, como assevera Mariz (1996, p. 172), “ao contrário dos pentecostais tradicionais criticados, no início dos anos de 1970, por separarem religião e política, os pentecostais autônomos são criticados por misturarem as duas e por usarem suas igrejas para obter votos”. Essa constatação não diminui em nada o fato dos evangélicos, de forma mais ou menos geral, usarem a política para interesses particulares e adotarem uma política clientelista. Entretanto, quando Mariz faz tais considerações, procura colocar o cenário do fazer político dos evangélicos dentro de uma cultura política já exercida previamente no contexto político de nossa sociedade. Acompanhando as eleições para a Constituinte de 1986, as municipais de 1988, o pleito presidencial de 1989 e, finalmente, para a Câmara dos Deputados de 1990, Freston (1992) percebe uma alteração no comportamento do eleitorado e das instituições evangélicas. Pois, nas eleições municipais de 1988, a tendência da preocupação evangélica de ocupar espaços na política institucional se confirmou. Somente no Rio Grande do Sul, “havia setenta candidatos pertencentes à Igreja do Evangelho Quadrangular, dos quais 69 pastores” (FRESTON, 1992, p. 31).

Essa interpretação nos remete às colocações de Patrick Michel (1997) sobre a ideologização do religioso. Por outro lado, nos conduz a um novo campo de lutas entre esferas diferenciadas, sugerindo a inserção da religião não apenas no campo político, isto é, estabelecendo uma luta entre campos de forças concorrentes.

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Essa onda de candidaturas evangélicas foi sentida em todos os recantos do Brasil. Entretanto, ainda conforme o autor, o sucesso desse empreendimento foi bem menor do que as instituições religiosas esperavam. Dessa situação, resultaram várias interpretações por parte dos evangélicos, mas um ponto ficou patente: os fiéis evangélicos não votavam somente nos interesses do grupo religioso16. Essa realidade alterou o projeto corporativista das igrejas e exigiu que seus projetos políticos não contrariassem em demasia as percepções políticas de seus adeptos (FRESTON, 1992). Outra questão surpreendente foi o denominado “voto fiel”. Por exemplo: a Igreja Universal consegue ter 95% de lealdade dos fiéis das suas comunidades com respeito aos candidatos por ela indicados (FERNANDES, 1996). Em virtude disto, para as eleições de 2002, a Igreja Universal escolheu quem receberia seu apoio por intermédio do Conselho dos Bispos nos vários Estados. Os escolhidos foram anunciados ao Bispo Rodrigues, a quem coube definir quantos seriam os postulantes, baseando-se no quociente dos partidos, bem como na quantidade de fiéis (FONSECA, 2001). A partir de 1986, a participação de evangélicos na política partidária acentuou-se significativamente no Brasil. Nas eleições de 1998, foram eleitos 44 deputados federais, dos quais, 17 pertenciam aos quadros da Igreja Universal. Para citar apenas o caso do Rio Grande do Sul, a Igreja Universal conseguiu eleger, naquele pleito, um deputado federal, um deputado estadual e, na eleição para as Câmaras Municipais, alçou dois vereadores à Câmara Legislativa do município de Porto Alegre, assim como 19 vereadores pelo interior do Estado. A Igreja do Evangelho Quadrangular, além de reconduzir um pastor ao cargo de deputado estadual, elegeu 17 vereadores por todo o Estado (ORO, 2001). Nas eleições de 2002, a Igreja Universal elegeu 20 deputados federais e 19 estaduais17, além de ter alçado ao Senado, Marcelo Crivela, como um fenômeno de 3.235.570 votos. A Assembleia de Deus teria elegido 23 deputados18 federais. Se levarmos em conta todos os deputados federais e senadores ligados a igrejas do ramo Protestante, teríamos um total de 59 deputados em 2003. Nas eleições de 2006, o número diminuiria para 53 e alcançaria 73 em 201019. Portanto, começando timidamente na década de 1970 e firmando-se na década de 1980, os evangélicos expandiram-se nos anos de 1990 e passaram de omissos e reticentes em relação ao posicionamento político a participantes ativos da vida política institucional. Com o advento da República e a separação Igreja/Estado, a Igreja Católica instaurou uma nova ordem interna e de relação com a esfera pública. Ao longo do século XX, sua transformação ocorreu a partir da sua desvinculação do Estado para alcançar as mais variadas articulações com a sociedade. Conforme a pesquisa aqui empreendida, podemos concluir que a secularização no Brasil ocorreu muito mais por conta da separação entre as esferas institucionais da política e do religioso, do que em função de uma separação ideológica. Ao contrário, vimos como, em diversos momentos históricos, houve uma recíproca influência entre as esferas política e religiosa. Isso não significa concluir que a secularização, enquanto separação das esferas da vida social, não tenha acontecido ou não ocorra no Brasil. Entretanto, o mapa histórico aqui levantado nos possibilita afirmar que a secularização no Brasil, não se constitui de autonomia e independência completas. De modo oposto, o estudo realizado apontou para uma realidade na qual as esferas sociais se conectam e se influenciam de forma recíproca. Em outras palavras, os evangélicos, na política, não representam um retrocesso nem tampouco uma falta no aprofundamento do processo de secularização. O caso do Brasil apenas confirma as alterações e reconfigurações que a religião e a própria sociedade sofrem nesses tempos ditos pós-modernos.

Essa análise deixa a descoberto as relações das organizações evangélicas com o seu povo. Como sugere Oro (2001c), a organização interna das igrejas possui uma influência decisiva no sucesso de seus projetos políticos. As igrejas menos centralizadas, como a Assembleia de Deus, sofreram maiores reveses que as igrejas mais centralizadas, como a Igreja Universal e a Quadrangular.

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Dados colhidos pela Folha de São Paulo (10/10/2002) junto à Igreja Universal dão conta de que eram 22 os deputados estaduais ligados a esta igreja, 18 membros diretamente ligados a ela e quatro apoiados pela mesma em Estados da Federação (ESCÓSSIA, 2002). Conforme Oro (2003c), “nas últimas eleições de 2002, a Igreja Universal elegeu 16 deputados federais e 19 deputados estaduais, todos egressos da própria igreja”.

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Também conforme a Folha de São Paulo de 10/10/2002, “a Assembleia de Deus contabiliza até agora 23 deputados que são membros da igreja ou apoiados por ela, informaram as coordenações políticas da CONAMAD (Convenção Nacional das Assembleias de Deus de Madureira) e da CGADB (Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil)” (ESCÓSSIA, 2002).

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Isso não significa que todos os políticos aqui contabilizados sejam pentecostais e comunguem do mesmo ponto de vista. Entretanto, é o caso da maioria. Dos 73 políticos considerados evangélicos, 4 não fazem parte da bancada evangélica. Da Frente Parlamentar Evangélica, participam 66 deputados federais e 3 senadores.

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Sob a perspectiva política e secular, a inserção dos evangélicos no mundo público, pelo menos por enquanto, não faz retroceder, mas pode, também, não ajudar a avançar a democracia em nosso país20, uma vez que se constitui um forte impeditivo a políticas de igualdade. Constitui-se, assim, em mais uma força, entre outras, que retira do seu discurso focado na ética a energia para a influência pública. Na ótica do pentecostalismo, a esfera política tem sido buscada para garantir uma ampliação da legitimidade social, maior segurança de atuação dessas denominações frente ao poder estatal e diante de outras esferas sociais, como, por exemplo, a Mídia. Torna-se, entre outras, uma medida de demonstração de vigor na disputa e nos conflitos no campo religioso. De qualquer forma, os artigos desse dossiê contemplam, não somente a relação entre o campo político institucional, mas também procuram mostrar o quanto vivências e práticas cotidianas da religiosidade se desdobram em relações com o político e a política. Assim, além da reflexão em torno dos depoimentos de militantes religiosos da época do regime ditatorial brasileiro, temos o texto de Gustavo Javier Motta, pesquisador argentino que procura decifrar as redes de sociabilidade existentes dentro e entre a Associação Cristã de Dirigentes de Empresas e certos atores do campo político, empresarial e episcopal da Argentina. Assim, o texto intitulado Âmbitos, redes e posições em torno de um tema central: o endividamento externo na crise do regime de convertibilidade, procura destacar os principais agentes desta rede de relações. O terceiro texto do dossiê de autoria de Bibiana Astrid Ortega Gómez, pesquisadora colombiana, mostra como a relação entre religião e política institucional é um fenômeno recorrente em vários países da América do Sul. O seu texto intitulad o De movimento religioso à partido político: o caso do Movimento Independente de Renovação Absoluta – MIRA, mostra como este partido, apesar de ancorado em um imaginário e mito fundador religioso, tem tido a sua consolidação no cenário político eleitoral moldada pela legislação partidária e eleitoral colombiana, o que diminui sua pretensa influência no campo político. O quarto artigo do dossiê, intitulado O capital religioso evangélico na cultura lotina, escrito por dois pesquisadores chilenos, Sonia E. Reyes Herrera e Juan Carlos Rodríguez Torrent, ambos da Universidade de Valparaíso, mostram como na cidade de Lota, Chile, cidade dedicada a extração do carvão, fundamentalmente Católica e com forte influencia do Partido Comunista, tornou-se, e isso desde o início do século XX, a Capital Evangélica do Chile. O texto, riquíssimo em seu apanhado histórico, mostra como a religiosidade evangélica tornou-se importante, juntamente com o Partido Comunista e os sindicatos em uma cidade que, atualmente, está danificada, decadente e abandonada. E por fim, encerramos o presente dossiê com o texto de Marcelo Tadvald, o qual, apesar de não se ocupar especificamente das relações entre o político e o religioso, nos impele a refletir sobre a intolerância religiosa que, dependendo do contexto, pode, rapidamente, se tornar uma questão de ordem política, na medida em que, a sua ocorrência fere o princípio constitucional da liberdade de credo. Reflexão essa, que aponta para possíveis desdobramentos que, mais cedo ou mais tarde, acabarão por ganhar a arena pública, como é o caso, por exemplo, do racismo das torcidas em alguns estados brasileiros. A todos desejamos uma boa leitura!

É também o que sugere o estudo de Steigenga sobre a relação entre o pentecostalismo e a política em dois países da América Central. Para o autor, o resultado deste intercâmbio é decorrente mais dos contextos políticos onde está inserida a religiosidade pentecostal do que propriamente o resultado das crenças religiosas em si. Este resultado foi obtido pela significativa diferença percebida pelo autor ao comparar as pesquisas realizadas na Costa Rica e na Guatemala, sendo o contexto político da primeira mais favorável aos movimentos sociais do que a segunda. Assim, seus resultados não tendem a mostrar que não há uma relação entre pentecostalismo e Autoritarismo, nem tampouco, significam um aprofundamento da Democracia. O contexto político parece ser mais determinante que as filiações religiosas e crenças específicas. “Links between religion and democracy are mediaded by regime type, and the degree of democratizing potential may be circumscribe by national or international factors that inhibit the transformation potential of social movements in general” (STEIGENGA 2001, p. 10).

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De Movimiento Religioso a Partido Político: el caso del Movimiento Independiente de Renovación Absoluta – MIRA1 De Movimento Religioso a Partido Político: o caso do Movimento Independente de Renovação Absoluta – MIRA From Religious Movement to Political Party: the Independent Movement of Absolute Renovation case – MIRA

Bibiana Astrid Ortega Gómez2

RESUMO O presente artigo visa a descrever a evolução de movimento religioso a partido político do Movimento Independente de Renovação Absoluta (doravante MIRA). Nesse sentido, mostra-se que, embora o MIRA esteja ancorado em um imaginário e mito fundador religioso, a consolidação no cenário político eleitoral tem sido moldada pela legislação partidária e eleitoral colombiana, pela situação política e pela aprendizagem no exercício do poder. Consequentemente, argumenta-se que as adaptações institucionais permitiram que o MIRA se constituísse um partido político menor, que alguns chamam de disciplinado e exemplo de processos democráticos. Palavras-chave: Religião. Política. Democracia. Processo eleitoral. MIRA. RESUMEN El presente artículo pretende describir la evolución del Movimiento Independiente de Renovación Absoluta (en adelante MIRA) de movimiento religioso a partido político. En este sentido, se intenta demostrar que si bien el MIRA está anclado en un imaginario y mito fundacional religioso, su consolidación en el escenario político electoral ha estado moldeada por la normativa partidista y electoral colombiana; por la coyuntura política y por los aprendizajes en el ejercicio del poder. En consecuencia, se afirma que las adaptaciones institucionales le han permitido al MIRA constituirse como un partido político minoritario que algunos han calificado como disciplinado y ejemplo de procesos democráticos. Palabras-clave: Religión. Política. Democracia. Processo electoral. MIRA. ABSTRACT The present article intends to describe the evolution of the Independent Movement of Absolute Renovation (hereinafter MIRA), from a religious movement to a political party. In this sense, we will try to show that although MIRA is anchored in an imaginary and myth religious founding, its consolidation in the electoral political scenario has been shaped by the Colombian partisan and electoral legislation, the political situation and by the apprenticeship in the exercise of power. Consequently, it has been argued that the institutional adaptations allowed MIRA to be constituted as a minor political party, which some call as disciplined and example of democratic processes. Keywords: Religion. Politics. Democracy. Electoral process. MIRA.

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Agradezco la retroalimentación recibida por Laura Wills y Juan Federico Pino en la elaboración de este documento.

Estudiante de doctorado en Ciencia Política. Universidad de los Andes. Docente de la Escuela de Política y Relaciones Internacionales, Universidad Sergio Arboleda. E-mails: ba.ortega32@uniandes.edu.com; bibianaa.ortega@usa.edu.com. 2

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1 INTRODUCCIÓN

2 EL MITO FUNDACIONAL

Le presente artículo pretende describir la evolución del Movimiento Independiente de Renovación Absoluta (en adelante MIRA) de movimiento religioso a partido político. En este sentido, se intentará demostrar que si bien el MIRA está anclado en un imaginario y mito fundacional religioso, su consolidación en el escenario político electoral ha estado moldeada por la normativa partidista y electoral colombiana, por la coyuntura política y por los aprendizajes en el ejercicio del poder. En consecuencia, se afirma que las adaptaciones institucionales le han permitido al MIRA constituirse como un partido político minoritario que algunos han calificado como disciplinado y ejemplo de procesos democráticos3. Para desarrollar la argumentación el documento está dividido en cuatro acápites: el primero describe el mito fundacional del MIRA desde la iglesia; los tres siguientes están orientados por los planteamientos de John Aldrich (2006), y Manuel Alcántara & Flavia Freidenberg (2003) para describir el comportamiento del partido como organización electoral, como organización política y como organización en el gobierno, con el fin de resaltar aquellos puntos de inflexión que han permitido la consolidación del MIRA en el sistema de partidos colombiano. Entiendo el término partido político de acuerdo a los referentes normativos4 como una organización política con personería jurídica reconocida por el Consejo Nacional Electoral, que presenta candidatos a elecciones; que refleja el pluralismo político, promueve y encauza la participación de los ciudadanos y contribuye a la formación y manifestación de la voluntad popular, con el objeto de acceder al poder y de influir en las decisiones políticas y democráticas de la Nación. Aun cuando el MIRA se identifica como un movimiento político5, adoptamos el término partido dado que son una institución permanente más que un conjunto significativo de ciudadanos que cumple con las características anteriormente enunciadas.

La Iglesia de Dios Ministerial de Jesucristo Internacional (en adelante IDMJI) nació en Bogotá (Colombia) en 1971 por iniciativa de María Luisa Piraquive y María Jesús Moreno, quienes decidieron comenzar a orar, invitando a hermanos que apreciaban la oración para congregarse todas las noches en su casa. En 1972 el Espíritu Santo a través de la hermana María Luisa le ministra a su esposo la primera profecía y le ordena comenzar la obra del Señor:

10 años de MIRA. En Semana.com consultado el 26/VII/2010, y <http://www.eltiempo.com/elecciones2010/movimiento-mira-daejemplo-en-procesos-democraticos_6150007-1>.

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4  Constitución Política de 1991, Capítulo II de los Partidos y de los Movimientos Políticos; Ley 130 de 1994. 5   Estatutos del Movimiento Independiente de Renovación Absoluta MIRA, artículo 1.

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Luis, sigue predicando, porque de este redil levantaré una iglesia muy grande, donde me manifestaré, prosperaré, traeré las almas de dos en dos, te enseñaré la doctrina y predicarás a mucha gente, te usaré, te daré todos los dones espirituales, impartirás el Espíritu Santo, te guardaré y te respaldaré, viajarás por muchos lugares, pueblos, ciudades y naciones, mi iglesia crecerá por el mundo, yo la levantaré…. No me manifestaré en otros lugares como lo voy a hacer en esta mi iglesia que comienza, yo os he llamado porque vosotros sois sinceros y amáis lo espiritual y en verdad he visto la rectitud e integridad en ti varón, y te he escogido desde el vientre de tu madre…”. …Toda persona que entre en mi lugar será bendecida materialmente para que crea que yo me manifiesto en la iglesia, traeré a los que han de ser salvos, manejaré mi iglesia y crecerá por muchos lugares en este país y en el extranjero… tienen que ser independientes de las demás congregaciones porque vosotros no podéis someteros a leyes y ordenanzas humanas, mi Espíritu los guiará, los dirigirá y les enseñará todas las cosas (PIRAQUIVE, 2007, p. 43 - 48).

Hacia 1977 bajo el liderazgo carismático de los esposos Moreno, comienzan las revelaciones sobre la participación en política a través de sueños y profecías: Se veía a don Luis Eduardo Moreno que él estaba en la Plaza de Bolívar y había un discurso del presidente en turno y cuando la gente vio a don Luis Eduardo Moreno ellos decían queremos que él sea el presidente. Y él no quería porque además él era muy tímido, muy penoso… él decía no quiero, pero la gente decía si queremos que gobiernen ustedes, y al fin el subió a la tarima y se dirigió al pueblo y el pueblo prácticamente lo legitimó como presidente. Seguido a eso el Señor a través de la profecía, Dios hablaba que habría una participación de esta Iglesia en el gobierno y que en su tiempo estarían llegando las personas preparadas para que se diera el cumplimiento. (RODRÍGUEZ, 2013)6. 6  La entrevista con Rodríguez se llevó a cabo en 20 de agosto de 2013, por la autora.

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Para el año 1989, empezaron a llegar personas preparadas a la Iglesia conforme a la profecía, entre ellos Carlos Alberto Baena7 quien con otros abogados del Externado, se consagraron y empezaron a querer participar mucho, aprender doctrina, aprender a cómo leer la biblia y vino todo el proceso de ellos, como de esa carrera en la iglesia, esa carrera religiosa, pero que Dios venía prometiéndoles a ellos que estarían trabajando con el gobierno y estarían haciendo muchas obras benéficas a través del pueblo colombiano… entonces ellos empezaron a preparase y fue así que en el año 2000 se decidió crear el movimiento político como tal, pues ya para el cumplimiento de las profecías y pues la preparación que traía la gente, digamos el dr. Baena, la dra. Alexandra que era lo que en el momento cuando la profecía era muy reiterativa, se repetía mucho, entonces don Luis Eduardo Moreno decía que la gente se ponga a estudiar jurisprudencia porque si Dios quiere que estemos en el gobierno se necesitan muchos abogados (RODRÍGUEZ, 2013).

En consecuencia, el proceso de creación del Movimiento es explicado por sus miembros a partir de dos lógicas8, de un lado, la lógica religiosa, que entiende que había llegado el momento para el cumplimiento de las promesas “enarbolad las banderas de la honestidad y participad en política”, y la lógica racional, que da cuenta del fenómeno como resultado de un ejercicio colectivo de un grupo de personas de la comunidad religiosa que en desarrollo de la labor social comprenden que para brindar mejores servicios era necesario llegar al Estado: Para ayudar a las personas en temas estructurales se necesita dinero, y el dinero lo tiene es el Estado y la razón de ser del Estado es esa. Cuando uno mira que las necesidades crecen y los recursos públicos también crecen pero no está funcionando, pues la conclusión fue participemos del proceso de toma de decisiones, entonces se decide empezar. Cómo se hace eso, pues a través de la política. Se analiza a través de qué y estudiando las diferentes alternativas que existían en ese momento, ninguna coincida con el anhelo, con el deseo de cómo se quería hacer la labor, entonces se saca la conclusión pues va a tocar crear

7   Actual presidente del Movimiento Independiente de Renovación Absoluta, MIRA y Senador para el periodo legislativo 2010-2014. 8  Me refiero con ello a que en el desarrollo de las entrevistas hay quienes explican el proceso de creación del partido sin hacer alusión explícita a las profecías, y hay otros quienes lo relacionan directamente con las manifestaciones espirituales en el interior de la comunidad religiosa.

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una organización propia, con los ideales propios, con la forma de trabajar propia (RIAGA, 2013)9.

Así, el proceso de creación del MIRA cubrió el primer semestre de 2000 y se inició bajo el liderazgo de Carlos Alberto Baena y Alexandra Moreno Piraquive, quienes junto a un grupo de veinticinco personas comenzaron a realizar un conjunto de encuestas y sondeos en el interior de la comunidad para establecer el mecanismo más idóneo para participar en política. Tras realizar el análisis normativo concluyeron que había que iniciar un proceso de recolección de firmas, el cual se despliega durante cuatro meses en los nichos naturales donde hay presencia fuerte de la Iglesia se recogen a nivel nacional una cifra más o menos de 250.000 firmas con énfasis en el Eje Cafetero, énfasis en Bogotá, el Valle, Cauca, Nariño, parte de la Costa y se cubre el mecanismo, y se da como el primer movimiento como tal de la sociedad ante el requerimiento de crear este movimiento o partido político (RODRÍGUEZ, 2013)10.

Este proceso de búsqueda de personería jurídica demandó una primera estructura organizativa, recursos locativos y conocer la vocación y fortaleza de cada persona para asignar labores, y empieza a surgir lentamente una institucionalidad pero muy desde lo pragmático, muy desde lo que la necesidad iba presentando, en la medida que se iba identificando una necesidad se iba ubicando la persona que podría asumirlo (RIAGA).

Estas actividades se sustentaron en el voluntariado de un gran número de personas de la comunidad religiosa que realizaban “trabajo de campo”11 en las noches después de la jornada laboral y los fines de semana. Cumplidos los requisitos de ley, fue reconocida la personería jurídica el 26 de julio de 2000 por la Registraduría Nacional del Estado Civil y el movimiento se preparó para participar en las primeras elecciones municipales dando prioridad a Bogotá, el Eje Cafetero, Tolima, Cundinamarca, Valle, Cauca y algunas zonas de la costa, donde era evidente el liderazgo de algunos de los miembros que se destacaban por su labor social.

9  La entrevista con Jairo Riaga se llevo a cabo en 5 de julio de 2013, por la autora.

La entrevista con Archila Rodríguez se llevo a cabo en 2 de agosto de 2013, por la autora.

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Expresión utilizada por los entrevistados en este caso para hacer alusión a la recolección de firmas.

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Gráfico 1 Fuente: (BATLE; PUYANA, 2011, p. 47)

En consecuencia, remontarnos a los inicios del MIRA nos permite destacar dos elementos que han sido constantes en su desenvolvimiento político, primero, el apego a la normatividad y segundo, la coyuntura política. Un hecho claro que evidencia esta interrelación es la discusión interna en torno al uso del concepto partido o movimiento político: inicialmente de acuerdo con la norma era un poco la aspiración, era como canalizar ese deseo social de diferentes actores dentro la sociedad que querían incidir en el proceso de toma de decisión que es como una de las características ahí claves de los movimientos, empezar a incursionar, pero la norma no es tan clara en la diferencia entre movimiento y partido, la ley 130 no es muy clara en los alcances, prácticamente son sinónimos desde el punto de vista legal y entonces, pues después viendo el uso común de las palabras vimos que de verdad los partidos hacen honor a la palabra que se emplea, están divididos, están fraccionados, no hay unidad comenzando por la unidad ideológica. Entonces dijimos nosotros lo que queremos hacer es movernos, estamos quietos como ciudadanos pero tenemos que empezar a movernos, empezar a actuar y es donde se concluye que la idea de un movimiento político sería lo más adecuado para la intención (RIAGA).

Esta cita coincide con lo que algunos analistas políticos han denominado la crisis de representación democrática (MAINWARING; BEJARANO; PIZARRO, 30

2008), que se caracterizó en América Latina por el desapego a los partidos políticos, la desconfianza de los ciudadanos frente a los partidos y en consecuencia la deslegitimación de estos últimos. Esto se tradujo en Colombia en el surgimiento de opciones independientes y transicionales (SANÍN, 2007) o de terceras fuerzas (LEONGÓMEZ, 1997), quienes entraron a competir en el escenario electoral al lado de los partidos tradicionales y buscaron presentarse ante la opinión pública como nuevas opciones políticas, diferentes o distantes de los partidos políticos tradicionales.

3 EL MIRA COMO ORGANIZACIÓN ELECTORAL El MIRA inició su participación electoral en las elecciones locales del año 2000 y desde ese momento ha mantenido la tendencia a nacionalizarse, es decir, a distribuir su apoyo electoral a lo largo del territorio nacional. Según Batle & Puyana (2011), resulta interesante observar cómo éste partido con un bajísimo nivel de nacionalización en 2002 (presentaron candidatos en el 21% de las circunscripciones) pasó a ser una organización que en 2006 ya presentaba niveles de nacionalización cercanos a los del Partido Conservador12, y en 2010 presentó candidatos en el

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Partido tradicional en Colombia junto al Partido Liberal

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88% de circunscripciones (Ver gráfico 1). Sin embargo, como señalan los autores es importante aclarar que “la nacionalización difiere del éxito electoral y, sobre todo, que el último no necesariamente conduce a la primera” (BATLE; PUYANA, 2011). Para entender el proceso de nacionalización del MIRA es importante comprender que éste ha estado acompañado de un conjunto de estrategias electorales que han buscado responder de un lado, a los cambios normativos tales como la Reforma Política de 2003 y de 2009, de otro, a los aprendizajes en el ejercicio del poder. Así, como ya lo señalamos, el MIRA presentó candidatos en el año 2000 para las elecciones locales, en una primera experiencia que estuvo relacionada directamente con su posicionamiento en ciertas regiones como el Cauca, Valle del Cauca, Cundinamarca, Quindío y Bogotá, inscribiéndose para esta última, la candidatura de Carlos Alberto Baena al Concejo de Bogotá e inspirada en unos principios básicos como la política es para servir y no para servirse de ella, la independencia, el servicio social, el trabajo continuo y el ser autodidactas. En esta ocasión MIRA obtuvo la curul del Concejo de Bogotá, así como dos curules de diputados para Bernardo Valencia Cardona y Martha Cecilia Alzate, en Quindío y Risaralda, respectivamente (CELY, 2013), alcanzando un total de 53 curules entre Juntas Administradoras Locales, Concejos Municipales, Distritales y Asambleas Departamentales (GÓMEZ, 2012). La incursión en esta experiencia con los resultados que generó la posición en el Concejo y la opción por las comunidades vulnerables, animó dados los resultados electorales anteriores y la comprensión de que el trabajo territorial, es decir, en los municipios, en los departamentos indiscutiblemente nace del Plan de Desarrollo Nacional y aterriza en las políticas a lo territorial, entonces si no hay congresistas que impulsen las políticas y las iniciativas, pues difícilmente se quedan ahí en un concejo, en una asamblea o en junta administradora local que poco puede hacer, entonces necesitamos ese apalancamiento para poder lograr el éxito o el resultado e impulsar iniciativas del orden nacional (BUITRAGO, 2013)13.

A presentar la candidatura al Congreso de la República en el año 2002. Este fue uno de los primeros aprendizajes del ejercicio en el poder y que aún hoy se mantiene vigente con la conciencia del MIRA de incidir en la elaboración de los planes de desarrollo en todos los niveles territoriales y en la elaboración de políticas públicas.

La participación en los comicios del año 2002 estuvo liderada en la lista al Senado de la República por Alexandra Moreno Piraquive (hija de los pastores que fundaron la IDMJI), y en la Cámara de Representantes por Bogotá, por Andrés Felipe Arbeláez, aunque también hubo candidatos en los departamentos de: Cauca, Huila, Quindío, Risaralda, Santander, Valle y Bogotá. En general la votación por las diferentes listas del MIRA en los departamentos mencionados arrojó un total de 55.121 votos (REYES, 2010). Esta experiencia fue positiva para el MIRA por cuanto la candidata Moreno Piraquive, fue la mujer más votada en esas elecciones alcanzando la cifra de 81.061 votos y obteniendo su respectiva curul. En el interior del movimiento este logro tuvo un efecto muy significativo, dado que les permitió “soñar” con la consolidación y el crecimiento de esta opción política y dar testimonio del cumplimiento de las profecías. La campaña estuvo marcada por la sencillez de su estrategia política dados los altos costos de una campaña política; básicamente se hizo la difusión a través de “los militantes, [de] vocear, [de] hablar, [de] sacar fotocopias muy normales, muy sencillas, así hicimos la campaña y fue exitosa” (UITRAGO). Sin embargo, la Reforma Política de 2003 la cual modificó el sistema electoral colombiano en lo relacionado con: el establecimiento de un umbral14; la cifra repartidora15, el voto preferente16 y la determinación de listas únicas por partido17, supuso un ingente obstáculo para el Movimiento y en general  Umbral: consiste en el establecimiento de una proporción o cuota mínima de votos que cada partido debe superar para poder entrar al proceso de asignación de curules. La Reforma de 2003 introdujo tres umbrales según el tipo de cuerpo colegiado: para las elecciones del Senado el umbral se estableció en el 2% de los votos sufragados para esa corporación. Para los restantes cuerpos colegiados, la reforma definió un umbral equivalente al 50% del cuociente electoral. Finalmente, para aquellos distritos electorales que eligen dos representantes, el umbral electoral se definió en el 30% del cuociente electoral (GARCÍA, 2006. p. 116 -117).

14

Cifra repartidora: es un mecanismo de conversión de votos en escaños. Con la Reforma de 2003 Colombia adoptó este mecanismo que opera dividendo por uno, dos, tres o más el número de votos obtenidos por cada lista; posteriormente ordena los resultadlos en forma decreciente hasta que se obtenga un número total de resultados igual al número de curules a proveer. El resultado menor se llama cifra repartidora. Cada lista obtendrá tantas curules como veces esté contenida la cifra repartidora en el total de los votos (Acto legislativo Nº 001 del Senado, 2003: Art. 13).

15

Voto preferente: permite al elector expresar su preferencia por un candidato dentro de la lista de su partido, de esta forma, los candidatos dentro de una lista son reorganizados de acuerdo al número de votos preferentes que obtenga en las elecciones. Este mecanismo es optativo (GARCÍA, 2006: 116).

16

Listas: forma en que el partido presenta a la ciudadanía a sus candidatos y forma de selección de los mismos. La Reforma estableció que el número de candidatos no puede ser superior al número de cargos a proveer.

17

A entrevista com Alarcón Buitrago foi relalizada em 11 de agosto de 2013, pela autora.

13

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para las terceras fuerzas. Pues “las reformas al sistema electoral dejaron un nuevo panorama político en donde nuevamente las fuerzas minoritarias se ven obligadas a cumplir con requisitos mucho más exigentes a los que configuraron en la Constitución de 1991” (HOLGUÍN, 2006: p. 54). De este modo, el Movimiento enfrentó las elecciones locales de 2003 guiados por los alcances de esta Reforma aunque éstas no fueron aplicables para este periodo electoral. La estrategia electoral en 2003 estuvo conformada por varios pilares. Primero, incrementar la participación en un mayor número de distritos electorales en comparación con las elecciones anteriores. Segundo, difundir a la opinión pública los reconocimientos recibidos en particular, por Carlos Alberto Baena como el mejor concejal de Bogotá. Tercero, el trabajo directo con los ciudadanos a través del puerta a puerta, el voz a voz, las reuniones en casas de voluntarios para abrir espacios de difusión con la comunidad para los candidatos, y finalmente, la entrega de piezas publicitarias que difundían las iniciativas propuestas por el MIRA en el Congreso y el Concejo de Bogotá. En estas elecciones el MIRA

presentó más de 250 candidatos a elección popular y alcanzó un escaño en las asambleas departamentales, 9 concejales y 74 ediles (GÓMEZ, 2010b). Para el año 2006 el MIRA organizó su campaña con el lema “lo imposible es real”, la cual destacó su decisión de mantenerse como un partido independiente. En este encuentro electoral enfrentó dos grandes obstáculos, primero, la superación del umbral. Segundo, las limitaciones de ser un partido minoritario para darse a conocer a nivel nacional. Ahí la estrategia mantuvo los lineamientos generales del partido: el trabajo de los voluntarios y el trabajo con las bases, sin embargo, también dio cabida para el aprovechamiento de los espacios públicos permitidos por la ley, el establecimiento de la página Web como un medio clave de interrelación con la comunidad y el uso de estrategias de publicidad, tales como las vallas y la publicidad en prensa. Los resultados fueron satisfactorios, el MIRA consiguió nuevas curules para Manuel Antonio Virgüez Piraquive (primo de la senadora Moreno) en el Senado de la República y para Gloria Stella Díaz en la Cámara de Representantes, además de ratificar la curul de

Tabla 1 - Relación templos - sedes - votos año 2006 (continua)

32

Departamento

Número de templos

Número de Sedes

Votos obtenidos Senado

Amazonas

1

0

199

Antioquia

9

5

10407

Arauca

3

3

2337

Atlántico

6

2

3256

Bogotá

10

N.D.

52461

Bolívar

6

3

4474

Boyacá

20

12

6844

Caldas

14

9

8557

Caquetá

13

10

3178

Casanare

1

1

635

Cauca

11

5

13032

Cesar

8

4

1074

Choco

3

1

1266

Córdoba

5

3

4010

Cundinamarca

21

7

12143

Guainía

N.D.

N.D.

23

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Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014 (conclusão)

Guaviare

2

0

517

Huila

17

11

4770

La Guajira

2

0

374

Magdalena

6

5

3562

Meta

10

5

3170

Nariño

6

3

5384

Norte de Santander

8

6

2151

Putumayo

6

1

484

Quindío

14

10

15875

Risaralda

7

6

12883

San Andrés

1

1

525

Santander

11

11

7760

Sucre

2

1

463

Tolima

19

13

18957

Valle

30

20

29898

Vaupés

N.D

N.D.

42

Vichada

1

0

257

Exterior Total

273

N.D.

6544

158

237.512

Fuente: Elaboración propia a partir de información de las páginas www.webmira.com; www.webiglesia.net; www.registraduria.gov.com (2006)

Alexandra Moreno Piraquive. El desempeño electoral se destacó incluso en departamentos en los que no había presencia de sedes del MIRA pero sí de templos de la Iglesia, como fue el caso de Amazonas, Vichada, La Guajira y Guaviare, lo cual se puede apreciar en el cuadro Nº 1, que relaciona el número de iglesias, con el número de sedes y el número de votos alcanzados por el partido en el Senado (Ortega Gómez, 2010b). Este incremento fue visible en numerosos departamentos, tal como se aprecia en la tabla No. 2 que compara el crecimiento del MIRA entre los comicios electorales 2002 – 2006 en el Senado de la República y que permite esbozar algunas hipótesis de este salto cuantitativo18. En primer lugar, el trabajo del Movimiento se basó inicialmente en la delimitación de focos poblacionales que se proyectaron desde los programas desarrollados a través de los diferentes espacios de la obra material y que confluyeron en la

Algunas de estas reflexiones se expusieron y relacionaron con la doctrina de la Iglesia en el texto: El Hilo Invisible entre el Creer y el Poder. De las relaciones entre política y religión en el caso del MIRA y la IDMJI.

atención de población vulnerable, específicamente: Juventud; Mujer, niñez y familia; Adulto Mayor, los cuales se concretaron en el caso del MIRA a través del Programa de Capacitación MIRA, el Programa de Formación Empresarial MIRA y el Centro de Estudios Políticos y Sociales. Segundo, el apoyo de los voluntarios que con “profunda convicción” asumieron el reto de participar en política, generó una dinámica de empoderamiento en el interior del Movimiento que se reflejó en la presencia del MIRA en espacios urbanos y rurales a lo largo del año y no solo en épocas electorales. Tercero, hubo una apertura de sedes en aquellos lugares en que ya se encontraba posicionada la IDMJI19, hecho que a juzgar por los datos electorales permite concluir que hubo una expansión del movimiento hacia los departamentos frontera, es decir, en aquellos departamentos en los que hay una débil presencia del Estado, entre

18

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Esta estrategia se observó en el trabajo de campo realizado y en el análisis de los resultados electorales de las elecciones de los años 2002 – 2006.

19

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Tabla 2 - Crecimiento en la votación por MIRA según departamento 2002-2006 (continua)

Votación Senado

34

Departamento

2002

2006

Diferencia de votos

Porcentaje de crecimiento

Amazonas

39

199

160

410%

Antioquia

1.659

10.407

8.748

527%

Arauca

631

2.337

1.706

270%

Atlántico

691

3.256

2.565

371%

Bogotá

19412

52.461

33.049

170%

Bolívar

1.686

4.474

2.788

165%

Boyacá

1.630

6.844

5.214

320%

Caldas

4.671

8.557

3.886

83%

Caquetá

1.993

3.178

1.185

59%

Casanare

130

635

505

388%

Cauca

4.301

13.032

8.731

203%

Cesar

193

1.074

881

456%

Córdoba

999

4010

3.011

301%

Cundinamarca

4.478

12.143

7.665

171%

Chocó

24

1.266

1.242

5175%

Guainía

25

23

-2

-8%

Guaviare

30

517

487

1623%

Huila

2.353

4770

2.417

103%

La Guajira

113

374

261

231%

Magdalena

516

3.562

3.046

590%

Meta

754

3170

2.416

320%

Nariño

1.120

5.384

4.264

381%

Norte de Santander

1.016

2.151

1.135

112%

Putumayo

64

484

420

656%

Quindío

9.570

15.875

6.305

66%

Risaralda

5.919

12.883

6.964

118%

San Andrés y Providencia

99

525

426

430%

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Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014 (conclusão)

Santander

3.767

7760

3.993

106%

Sucre

112

463

351

313%

Tolima

3.496

18.957

15.461

442%

Valle

8.411

29.898

21.487

255%

Vaupés

15

42

27

180%

Vichada

39

257

218

559%

Fuente: (REYES, 2010)

los que se destacan: Vichada, Vaupés, San Andrés y Providencia, Putumayo, Magdalena, Guaviare, La Guajira, Chocó y Casanare. Esta tendencia no se presentó únicamente en el Senado, en la Cámara de Representantes en los departamentos con mayor presencia institucional, se incrementó el número de votos, especialmente en Bogotá, consolidándose la Zona Andina y el Eje Cafetero, como la principal zona de influencia del partido, tal como se observa en el gráfico No. 2, que compara el incremento en votos entre las elecciones 2002 – 2006. Aunque se realiza la presentación de listas por primera vez en Antioquia, Arauca, Atlántico, Bolívar, Boyacá, Caquetá, Cesar, Chocó, Córdoba, Huila, Guaviare, La Guajira, Magdalena, Meta, Nariño, Norte de Santander, Putumayo, San Andrés, Sucre, Vaupés (HOUTEN, 2007). Sin embargo, aún con esta estrategia de dispersión el Movimiento no logra alcanzar ningún otro escaño fuera de Bogotá y mantiene bajos índices de concentración electoral (DAZA, 2010).

Con este panorama, se prepararon las elecciones locales de 2007. Dados los resultados electorales en Bogotá, se decidió realizar una consulta para establecer la viabilidad de lanzar la aspiración de Carlos Alberto Baena a la Alcaldía de Bogotá. Tal consulta se efectuó el 8 de julio de 2007 y dado que los resultados no fueron los esperados se decidió que Baena continuara liderando la lista al concejo, obteniendo esta vez una curul adicional para Humberto Quijano. Para estas elecciones un criterio importante para incrementar el número de candidatos a presentar a las diferentes corporaciones fue tener los líderes con perfiles, y tener en el territorio un trabajo social y de difusión del trabajo del movimiento y de los logros en gestión por una parte, de control político y por el otro, de resultado en el Congreso de la República con las leyes, con los pronunciamientos y también con el conocimiento cercano… de la gestión de otros territorios (BUITRAGO).

Gráfico 2 - Crecimiento de Caudal Electoral en Elecciones a la Cámara de Representantes Fuente: Elaboración propia a partir de datos de la Registraduría Nacional

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Así en 2007, el Movimiento amplió su representación política en el nivel territorial con un Alcalde electo en el municipio de Calarcá, tres Diputadas en las Asambleas Departamentales de Valle, Risaralda y Quindío; 35 Concejales Municipales y 264 Ediles en Juntas Administradoras Locales en todo el territorio nacional (MIRA). Esto le permitió al partido implementar no solo la ley de bancadas en el Congreso y Concejos, sino lo que ellos denominan la bancada vertical, (a la que nos referiremos en el aparte siguiente) y que es parte constituyente del punto de inflexión que dio lugar a su evolución de movimiento a partido político. En este sentido, hechos de la coyuntura política conocidos como los escándalos de la parapolítica, condujeron a que el Gobierno Nacional presentara un proyecto de ley que se conoció como la Reforma Política de 2009, cuyo fin era fortalecer los partidos después de esta nueva crisis de legitimidad. Esta iniciativa buscaba que los partidos desarrollaran procesos de democracia interna, consultas internas para selección de candidatos, un marco disciplinario de responsabilidades para los directivos, sanciones más drásticas desde perdida de la financiación estatal hasta la suspensión o cancelación de la personería jurídica, la prohibición de tener nexos con cualquier grupo de esos so pena de perder la curul… y en ello metieron el tema de crecer el umbral (BUITRAGO).

Paralelamente a estos procesos, la evolución interna del movimiento condujo a que en el 2008 se realizaran una serie de reflexiones y en consecuencia se tomaran un conjunto de decisiones para consolidar los procesos de democracia interna basados en la meritocracia y en la formación del capital humano, que se tradujeron en iniciativas como el curso-concurso

cuyo objetivo era formar en temas relacionados con la cosa pública a las bases, a los líderes del movimiento en todos los niveles territoriales. Por medio de este proceso se seleccionaron los precandidatos para las elecciones del Congreso de la República 2010, los cuales se sometieron a una consulta interna en 2009 con el fin de medir la capacidad de convocatoria de cada líder y así establecer las listas definitivas que incluyeron como novedad el sistema cremallera, que consistió en que la lista estaría formada por la intercalación entre hombres y mujeres. Esta vez la campaña estuvo enmarcada bajo el lema “nuestro compromiso es con todos”, el cual dio cuenta de la transformación del partido y su volcamiento a la sociedad colombiana como un todo, superando la opción de trabajar únicamente con las poblaciones vulnerables. Con el fin de crecer en el Senado, Carlos Alberto Baena renunció a su curul en el Concejo y se presentó como tercero en la lista con el fin de sacar réditos a su reconocimiento como mejor concejal en Bogotá en cinco periodos consecutivos. Estas elecciones fueron pensadas igualmente con la proyección para las elecciones locales de 2011 y el objetivo de hacer más visible al partido. Los resultados fueron positivos pero no los esperados, se alcanzaron tres curules en el Senado y se mantuvo la curul en la Cámara de Representantes, sin embargo, las expectativas depositadas en la posibilidad de alcanzar una curul en el departamento del Valle del Cauca, así como la curul de los colombianos en el exterior, planteó igualmente las limitaciones de luchar contra la política tradicional. No obstante, el crecimiento de la bancada en el Congreso significó una consolidación de la Bancada Miraísta, una especialización temática de cada congresista, y una mayor visibilidad en medios

Gráfico 3 - Votos a Corporaciones Públicas Locales Fuente: Elaboración propia con base en datos de la Registraduría Nacional del Estado Civil

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Gráfico 4 - Número de candidatos elegidos en elecciones locales Fuente: Elaboración propia con base en datos de la Registraduría Nacional del Estado Civil, documentos institucionales del MIRA

de: los posicionamientos, proyectos de ley y el control político liderados por el Partido Político MIRA. Con estos resultados se enfrentó la contienda electoral de 2011, la cual significó para el MIRA un incremento tanto en el caudal de votos, como en el número de candidatos elegidos. Esta tendencia se puede observar en el gráfico No. 3, que compara los votos a favor del MIRA en las últimas dos contiendas electorales locales, y permite afirmar que hay una propensión a aumentar la participación y representación en corporaciones locales, especialmente a nivel de las JAL y la elección de comuneros. Esta misma tendencia se puede observar en el gráfico No. 4 que ilustra el número de curules obtenidas desde el año 2000 y que permite afirmar que la estrategia de arraigamiento del partido a nivel local comienza de abajo hacia arriba, es decir de las JAL a concejos y de ahí en adelante. De este modo, el MIRA alcanzó en las elecciones 2011, la Alcaldía de Paujil (Caquetá), la Gobernación de Caquetá, la elección de 47 concejales, 7 diputados y 345 ediles y comuneros. Sin embargo, aún con estos logros la entrada en vigencia de la Reforma 2009 estableció un nuevo reto para el MIRA. El incremento del umbral al 3%, el cual ha supuesto, primero, una defensa jurídica ante la Corte Constitucional aduciendo “que el aumento del umbral al 3 por ciento “sustituyó” la Constitución al eliminar los derechos de los partidos minoritarios a tener representación política” (POLÍTICA, 2013)20. Segundo, una estrategia electoral con miras a las elecciones a Congreso de 2014.

Si se quiere consultar el proceso y papel del MIRA ante este proceso se recomienda consultar <http://movimientomira.com/noalumbral/>.

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En la Convención del partido realizada los días 23 y 24 de febrero de 2013 con miras a las elecciones legislativas de 2014 y con una participación de 580 miembros se decidieron postular algunos precandidatos de acuerdo a un conjunto de directrices: El Movimiento no tendrá candidato Presidencial, y sus esfuerzos se concentrarán en conservar la Personería Jurídica, que se obtiene con la votación a Congreso;… Mira no presentará candidatos a Parlamento Andino; La lista al Senado de la República será cerrada y la encabezarán, en su orden, los actuales Senadores de la República: Alexandra Moreno Piraquive, Manuel Antonio Virgüez y Carlos Alberto Baena López. El cuarto renglón será para la actual Representante a la Cámara por Bogotá, Gloria Stella Díaz Ortíz; el quinto para Heyder Gómez, ex candidato al Senado y a la Alcaldía de Cali y el sexto para Jacqueline Toloza, ex candidata a la alcaldía de Medellín. Las listas a Cámara de Representantes serán abiertas y lideradas por los siguientes candidatos: Bogotá: Carlos Eduardo Guevara (nominado durante la Convención); Valle del Cauca: Guillermina Bravo; Risaralda: Martha Cecilia Alzate, Caquetá: Yimmer Botero, Tolima: Carlos Andrés Ramírez, Quindío: Aidee Lizarazo, Caldas: Armando Ramírez, Risaralda: Martha Cecilia Alzate; Cundinamarca: José Joaquín Guzmán y Eufemia Martínez Guzmán. La curul a Cámara de Colombianos en el exterior, MIRA presentará el nombre de Jorge Muños (el Ángel de Queens) (MIRA, 2013).

Estas decisiones dieron continuidad a los procesos de democracia interna establecidos en el interior del partido, sin embargo, también pusieron de manifiesto algunos aprendizajes en el ejercicio

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del poder como por ejemplo la participación con listas abiertas y cerradas. Así lo señala Plinio Alarcón cuando afirma: a medida que el movimiento va creciendo y va madurando… la experiencia en el ejercicio político electoral va enseñando, el movimiento siempre ha creído que las campañas son institucionales... pero también el movimiento tiene en cuenta mucho la opinión de sus líderes y también del desarrollo de los contextos… el recoger esas experiencias y ya las iniciativas de los líderes en el territorio hace que el movimiento y sus directivas analicen la viabilidad de ir en listas cerradas… entonces el movimiento a raíz de eso toma esa decisión de esa apertura, y en el 2011 pues se da cuenta uno que hay un incremento electoral (2013).

Igualmente, la apuesta para esta nueva contienda electoral es el fortalecimiento de las bases y el trabajo que los líderes deben desarrollar en la difusión de la ideología, la propuesta programática y los alcances que en términos de representación se han logrado. Acompañado de un proceso de reconocimiento de los representantes en el Congreso a través del voz a voz, el trabajo social comunitario, el crecimiento de líderes con profundización en los territorios con respaldo electoral consolidado. Finalmente, acorde con sus proyecciones de crecimiento y consolidación, no habrá participación para la Presidencia pues el proceso comprende aún un profundo conocimiento de la cosa pública y un reconocimiento nacional que el partido trabaja con su militancia desde las bases.

De este modo, se argumenta que antes de dicho punto de inflexión, la estructura organizativa estuvo influenciada por el grupo de voluntarios de la IDMJI que trabajaban por el cumplimiento de la profecía. Es decir, los primeros seis años de participación en política estuvieron marcados por las redes de colaboración de voluntarios que bajo el liderazgo de Carlos Alberto Baena y Alexandra Moreno Piraquive, donaron tiempo y conocimientos para ir estructurando la organización política. Esto se puede corroborar si se tiene en cuenta, de un lado, la evolución del proceso de nacionalización del partido que fue descrito en el aparte anterior y que expresa como en sus inicios la apuesta se llevó a cabo en aquellas zonas con influencia de la iglesia21 hasta ir diversificando la presencia de sedes del partido. De otro lado, hay una serie de elementos que forjaron la identidad de la organización directamente vinculados con la iglesia como el nombre22, el himno23, y una definición de principios éticos que fueron señalando algunas pautas de comportamiento, a saber: Renuncia a privilegios; buen ejemplo y coherencia; uniformidad; trabajo en equipo; sin contraprestación y renovación absoluta. Así lo expresó María Luisa Moreno Inesperadamente Dios propició las cosas, movió los corazones e incitó la creación del Movimiento Político MIRA. Por mi mente jamás pasó que nos fuéramos a ver envueltos en semejante labor, realmente el Plan de Dios así lo dictaminó. Entendí que la enseñanza de Isaías 60:3 cuando afirma respecto de la Iglesia que los pueblos andarán a tu luz y los reyes al resplandor de tu nacimiento, se vivifica con MIRA que tiene como fin último inspirar y sembrar el buen comportamiento y la honestidad en las gentes de Colombia y de las naciones, con su manera de pensar, de hablar y de actuar por medio de sus representantes (PIRAQUIVE, 2001, p. 150).

4 EL MIRA COMO ORGANIZACIÓN POLÍTICA Para entender la estructura organizacional del MIRA hay que tener como referencia un punto de inflexión que está constituido por su segundo periodo de participación y representación en el Congreso de la República 2006-2010. Como se enunció en el aparte anterior, hubo dos situaciones que indujeron a un proceso de reflexión en el interior del partido y que dieron paso a una serie de cambios organizacionales: el proceso de parapolítica que se vivió en el Congreso y la conformación de la bancada miraista. Estos sucesos fortalecieron la identidad miraista, confirmaron el principio de independencia y forjaron la idea de mejorar el trabajo no solo como bancada sino en relación con las otras agrupaciones políticas, con el fin de asegurar mejores resultados en términos de leyes de la República. 38

“Los principales electores del movimiento son los miembros de la iglesia. En las pasadas elecciones para Senado, MIRA obtuvo las votaciones más altas en las regiones donde existe mayor concentración de sedes de la Iglesia de Dios Ministerial de Jesucristo Internacional (…) En el eje cafetero, donde existen templos en 7 municipios y es la segunda región con más presencia después de Bogotá, se obtuvieron 20.160 votos, casi la cuarta parte de la votación nacional. En el Valle, la tercera región en importancia para la iglesia, se consiguió el 10% de la votación (…) En Bogotá y Cundinamarca, donde la iglesia tiene el mayor número de templos la votación llegó a 24.000” En: <www.terra. com.co/elecciones_2006/partidos/>. citado por (HOUTEN, 2007).

21

El Movimiento Independiente de Renovación Absoluta en términos espirituales significa Movimiento Imitador de la Rectitud del Altísimo.

22

MIRA, MIRA, MIRA es el movimiento, que cambiará el rumbo de nuestra nación, porque con el MIRA iremos venciendo ese mal terrible que es la corrupción. Coro: MIRA nos conviene corramos la voz, porque MIRA tiene la renovación (Bis). Luis y María Luisa son nuestro baluarte, sigamos sus pasos con seguridad, porque con su ejemplo veraz y constante, será el futuro paz, justicia y verdad.

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En este sentido, las características iniciales que adoptó el movimiento estuvieron muy marcadas por la doctrina de la IDMJI, que enfatiza entre otros elementos24: primero, que son ellos la iglesia de Dios y que en ellos se cumplen las promesas del Señor. Segundo, que es la profecía el don especial a través del cual se manifiesta el poder de Dios25. Tercero, que el testimonio es evidencia de la gracia. Cuarto, que la sinceridad es una virtud que tiene aquél que se esmera por cumplir la voluntad de Dios. Finalmente, que el ejercicio de la obediencia implica fe, confianza en las promesas del Señor, sabiduría y temor de Dios. Elementos que son evidentes a la luz de su objetivo que “es, salvar almas para Dios, dando cabida también a aquellos seres que abriguen su ideal en pos de un mundo renovado por completo y gobernado por Cristo y su iglesia” (PIRAQUIVE, 2001, p. 152). En consecuencia, en sus orígenes se definieron como un movimiento de carácter cívico y social,

elementos sagrados y la comunidad de fieles se replica en una comunidad electoral”, elemento clave en sus primeros años. Sin embargo, sin desconocer ni menospreciar el vínculo entre religión y política, sostenemos que el segundo periodo de participación en el legislativo se caracterizó por el giro del MIRA de movimiento religioso a partido político teniendo en cuenta el establecimiento de importantes elementos de carácter organizativo que han plasmado en su lema “hacia un nuevo rumbo” y que se pueden enumerar así: primero, creación de su ideología política; segundo, elaboración del Sistema de Gestión Miraista; tercero, el desarrollo de mecanismos de democracia interna, y por último, el aprovechamiento de las nuevas tecnologías para acercar la política a los ciudadanos. En ese orden de ideas el MIRA, decidió establecer y patentar una ideología26 ante la necesidad de identificación dentro del espectro político. Así lo describe Jairo Riaga:

que pretende dar buen ejemplo, demostrando que sí es posible participar en un gobierno o en la toma de decisiones, de manera transparente y de forma totalmente independiente, por medio del cual los hijos de Dios, los miembros de la Iglesia del Señor, aspiran a cargos de elección popular, para dar buen testimonio y ejemplo en medio de las gentes (Piraquive, 2001, p. 151).

¿ustedes son de derecha o de izquierda? Pues nos gustan algunas cosas de la derecha, nos gustan algunas cosas de la izquierda pero realmente no nos definimos como ninguno de los dos, porque precisamente por eso se puso como parámetro la independencia. No somos nada de lo que viene antes pero siempre la tendencia es pero ¡encasíllese!, ¡encasíllese!, en alguna cosa que ya viniera y pues no, porque si alguna de las cosas que ya estaban nos hubiera gustado nos hubieramos metido allá y punto. Entonces es dónde viene pero qué son Liberalismo, Conservadurismo, Comunismo, Socialismo, venga por favor ayúdenos a entender. Es que no somos nada de eso, somos algo nuevo, somos Miraísmo punto. ¿Pero qué es el Miraismo? Y entonces era siempre la explicación: el Miraismo es básicamente los compartamientos virtuosos, una ética aplicada en la vida privada que trasciende a la vida pública, y en la vida pública desde el ejercicio del poder orientado al servicio (RIAGA).

En cuanto a su estructura ésta reproduce la estructura jerárquica de la comunidad religiosa: según la historia de la iglesia y las listas y los candidatos elegidos es, en esencia, familiar (HOUTEN, 2007).

Finalmente, cabe destacar que Álvaro Cepeda van Houten (2007) al caracterizar al MIRA como un tipo de clientelismo emocional, el cual define como el intercambio de votos por bienes de salvación, en el que “el lider religioso asegura una clientela cautiva por medio del discurso religioso, que transforma el voto de un dispositivo político de participación ciudadana en una forma de adhesión religiosa fundamental para la salvación del fiel”, destaca su carácter nepotista dado que para el autor “el poder lo heredan los miembros más cercanos de las familias fundadoras de los movimientos religiosos y políticos, se legitima por  Para una lectura más profunda de la doctrina de la IDMJI se puede ver: El Hilo Invisible entre el Creer y el Poder. De las relaciones entre política y religión en el caso del MIRA y la IDMJI. A CSOnline Revista Eletronica de Ciencias Sociais, 4(11), 176-205.

En consecuencia, el Miraísmo es un sistema de valores y principios que rigen comportamientos políticamente virtuosos, orientados al disfrute de la dignidad humana y la calidad de vida de todas las personas. Para ello, procura el equilibrio entre lo social, lo económico y lo ambiental, a partir de las instituciones formales y no formales promovidas desde el accionar político (MIRA).

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Culto de enseñanza Bogotá 22 de abril de 2010.

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Para profundizar en este aspecto se sugiere ver en YouTube el video Miraísmo: El día que hará historia (Ginebra, Suiza). 19/10/2011.

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Junto a la ideología se modificaron los principios que regían el accionar del MIRA, justificado también por el crecimiento del partido, sus niveles de descentralización y la necesidad de mantener unos criterios para la toma de decisiones y la actuación hacia afuera. Tal como se observa en la tabla No. 3, son quizas las transformaciones de los principios del partido, las que mejor dan cuenta de los procesos de organización y reflexión interna, así como su apertura de adentro (comunidad religiosa) hacia afuera (sociedad) del MIRA. El segundo elemento que nos puede dar pistas de este giro organizativo, es la creación del Sistema de Gestión Miraista, que responde igualmente a la necesidad de estandarizar los procesos con la mayor eficiencia posible ante la complejidad del proceso político y las exigencias del trabajo social. El sistema de gestión que lleva ya veintiseis versiones acoje la reglamentación de las normas ISO 9000 e ilustra el proceso de interacción de los voluntarios, líderes y representantes políticos con los ciudadanos para garantizar su relación con el Estado. Igualmente, contiene la síntesis de su estructura organizacional, los valores, procesos y metas que van desde la transformación del individuo hasta su impacto en la sociedad. Este sistema de gestión influyó en el establecimiento y cambio de los organigramas

institucionales, pues buscó involucrar los procesos que en poblaciones y territorio orientaba el sistema. Sin embargo, existe una estructura general que de acuerdo a los Estatutos está conformada por una Dirección Nacional de la que hacen parte los cuatro congresistas, la secretaría general, el representante legal y el vicepresidente. La interacción entre la dirección nacional y las regional está fundamenta en los lineamientos planteados desde Bogotá a través de correos regionales con instrucciones precisas de lo que se debe priorizar en cada época, pero con altos niveles de flexibilidad. Así lo describe Jairo Riaga: Bueno el lineamiento es este, pero si usted considera que no aplica, no lo hace; y si considera que si aplica pero no tiene gente, pues búsquela y si no la encuentra, pues ni modo, entonces no lo haga. No es una relación de órdenes, si no es, venga le recomendamos esto que son como las buenas prácticas y el norte es este, porque eso sí el direccionamiento estratégico sale de la sede nacional pero fruto de las discusiones, de las deliberaciones en Convención Nacional.

Las direcciones regionales son tres y el criterio de agrupación es su capacidad electoral no la proximidad geográfica. Cada director tiene a su cargo un grupo de departamentos y está encargado de transmitir los lineamientos a las direcciones departamentales y de apoyarlos de acuerdo a las

Tabla 3 - Evolución de los Principios Institucionales

Lo imposible es real (2002 – 2006)

Hacia un nuevo rumbo (2006 – 2010)

Nuestro compromiso es con todos (2010-2014…)

Renuncia a privilegios

Movimiento Independiente y Abierto

Veracidad

Buen ejemplo y coherencia

Movimiento con garantías éticas

Coherencia

Uniformidad

Movimiento con vocación social y

Practicidad

Trabajo en equipo

pedagógica

Sin contraprestación

Movimiento democrático

Renovación Absoluta

Movimiento uniforme y unitario Movimiento con equidad de género Movimiento que valora las regiones Movimiento ambientalista Movimiento multiétnico Movimiento con enfoque internacional

Fuente: Elaboración propia con base en información www.webmira.com (2006 – 2010); www.movimientomira.com

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Gráfico 5 - Sistema de Gestión Miraísta Fuente: Documentos institucionales MIRA

necesidades. La interacción entre estas unidades se realiza a través de un software que permite la interconexión de forma remota. Igualmente, existen varias direcciones departamentales de acuerdo a la capacidad de generación de recursos propios de cada departamento, sin embargo, existen los cargos de líder político y director financiero que están a cargo de la sede nacional. En últimas, esta organización representa el modelo en red que incluye conexiones horizonatales (regionales) que a su vez contienen diferentes territorios del país y dinámicas de interacción entre los líderes. Las sinergias entre los liderazgos locales y nacionales confluyen inicialmente a nivel departamental en un proceso de abajo hacia arriba que comprende al líder local, al líder político departamental, a la dirección regional hasta llegar a la sede nacional, siempre y cuando sobre una materia no haya lineamientos determinados. De manera análoga, funciona la bancada vertical, que supone que todos sus líderes desde el edil hasta el congresista, trabajan los mismos temas (REVISTA SEMANA, 2009). Esto ha sido posible dada la organización local, que de acuerdo al número de líderes miraístas y del tipo de municipio, supone la existencia de estructuras de voluntarios que bajo la coordinación del líder político conforman los comités de barrio, que a su vez hacen parte de comunas y/o agrupación de barrios y que finalmente componen el municipio. Todo ello a la luz de su máxima de crear relaciones perdurables con la comunidad. Por otro lado, tenemos los procesos de democracia interna. Éstos se desarrollaron bajo el Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

liderazgo de la Escuela de Gobierno que coordino el curso-concurso, que estuvo orientado a capacitar a los líderes comunitarios que sobresalían en todo el país. Este proceso fue catalogado como un proceso meritocrático, que reconoció las competencias y compromiso de los militantes del Movimiento y que sin lugar a dudas significó un empoderamiento de las bases. El contenido del curso se desarrolló en tres ejes: El primer eje giró en torno al papel del líder miraísta y a lo que significa la Ideología Miraista; el segundo, se enmarcó en la explicación del sistema de gestión y su importancia: tanto de conocerlo como de aplicarlo y vivirlo, es decir, visto como una manera de pensar, que rige el comportamiento y la actitud del miraísta. El tercero estuvo constituido por la explicación sobre el funcionamiento del Congreso, el sistema electoral y las reglas electorales27. De este curso-concurso, como ya se mencionó, surgieron los aspirantes a candidatos para las elecciones a Congreso 2010, quienes participaron de la primera consulta interna del partido realizada el 27 de septiembre de 2009. Así, quienes resultaron electos participaron en la contienda electoral y quienes no, se constituyeron en los líderes políticos de sus municipios y dieron inicio a procesos de especialización temática como por ejemplo, en servicios públicos o movilidad, constituyéndose en líderes temáticos. Esta experiencia no se ha vuelto a repetir, pues a criterio del partido fue tal el éxito y participación de militantes, que existen en la

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Descripción de diario de campo.

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Gráfico 6 - Número de Proyectos de Le y y Citaciones Políticas a 2012 Fuente: Elaboración propia con base en datos de Congreso Visible

Gráfico 7 - Proyectos Radicados por el MIRA Fuente: Elaboración propia con base en datos de Congreso Visible

actualidad un buen número de líderes para hacer parte de las listas a elecciones locales o nacionales desde 2010. Igualmente, el partido ha realizado convenciones desde sus inicios por mandato estatutario. Sin embargo, desde que surgió la regulación normativa, se realizan cada dos años con la participación de los líderes territoriales a nivel nacional e internacional. Esto también ha conducido a la realización de convenciones temáticas o poblacionales, como la de jóvenes y ha permitido que la convención política determine: lineamientos en términos de gestión, en términos electorales, en términos

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de campaña o políticos y en términos estratégicos. Pero la mayor parte de estos lineamientos ya están dados… la última convención por ejemplo, fue más para llenar ese vacío de lineamientos o de posturas ante la coyuntura ¿vamos a ir a presidencia sí o no? ¿Le conviene al movimiento?... porque lo otro ya está en gran medida resueltas esas preguntas, porque no son lineamentos coyunturales sino son cosas estructurales de largo plazo, por ejemplo, por convención se establecieron la estructura programática, los principios, la estrategia, las tácticas (RIAGA).

Finalmente, el partido ha desarrollado toda una infraestructura tecnológica soportada en las

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Gráfico 8 - Trayectoria de los Proyectos de Ley Fuente: Elaboración propia con base en datos de Congreso Visible

Gráfico 9 - Número de proyectos de ley presentados 2002-2012 Fuente: Elaboración propia con base en datos de Congreso Visible

nuevas tecnologías. Su página Web, el manejo de las redes sociales y el Sistema de Información Miraista, se han convertido en una herramienta fundamental de gestión, información y rendición de cuentas. Su página Web, ha evolucionado al mismo ritmo que Internet lo ha hecho. Inicialmente, la plataforma de Internet fue destinada al libre acceso a la información. En el 2006, su web se centra en el objetivo de comunicar y darse a conocer. Se trataba de una plataforma plana que solo contenía la información general del movimiento: historia, misión, los principios y datos de contacto. Superada la crisis del punto com y con la entrada de la Web 2.0 y sus instrumentos de interacción (blog, chats, encuestas en línea, redes Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

sociales), el Movimiento empezó a reconstruir su plataforma en Internet, hasta llegar a ser una de las mejores páginas web en política en Colombia (MAYA, 2011). Actualmente, la página Web no solo es un mecanismo de difusión de información sino que se ha constituido en un recurso de posicionamiento del partido, de sus representantes y en medio de interacción entre militantes y simpatizantes. Las redes sociales como el Twiter y el Facebook han garantizado una fluida interacción con la ciudadanía y acceso informativo a posiciones, proyectos de ley, acciones de control político, es decir, a tímidos ejercicios de rendición de cuentas. Finalmente, el Sistema de Gestión Miraista se ha configurado como

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una herramienta útil para realizar un seguimiento a la participación de ciudadanos, simpatizantes y militantes, así como un mecanismo alternativo de “veeduría de votos” que le suministra al partido información sobre las tendencias electorales en tiempo real el día de los comicios.

5 EL MIRA COMO ORGANIZACIÓN EN EL CONGRESO Finalmente tenemos al MIRA como organización en el gobierno. Teniendo en cuenta las limitaciones en la información sólo hablaremos del trabajo del partido en el Congreso28. De este modo, el MIRA se ha caracterizado por tener un gran dinamismo a la hora de presentar proyectos de ley. Tal como lo muestra el gráfico No. 6, a diciembre de 2012 el partido había presentado un total de 641 proyectos de ley, en 40 categorías temáticas entre las que sobresalen: derechos fundamentales (37 proyectos); comercio, industria y turismo (39 proyectos); rama legislativa; seguridad social y salud (41 proyectos); tránsito y transporte (53 proyectos); seguridad, defensa y fuerza pública; familia (57 proyectos) y justicia (58 proyectos). Llama la atención como estas temáticas parecen ser transversales a los grupos poblacionales que priorizó MIRA en sus inicios, pues proyectos de ley por ejemplo, sobre mujeres y minorías étnicas solo tienen 17 y 6 proyectos de ley, respectivamente. Igualmente, si prestamos atención a la evolución del número de proyectos tal como se puede observar en la gráfica No. 7, el incremento del número de congresistas ha significado a su vez un aumento del número de proyectos de ley radicados, tendencia que también se puede observar en las citaciones de control político que comienzan a ser utilizadas desde la conformación de la bancada miraísta a partir del año 2006. Así las temáticas que han centrado la atención de los debates de control político, han sido principalmente: desastres y calamidades, todos relacionados con la “ola invernal” y el Plan Nacional de Desarrollo del gobierno Santos. Sin embargo, si se observan el estado de los proyectos de ley a corte de 31 de diciembre, se puede apreciar que la radicación de proyectos no necesariamente augura que se conviertan en una ley de la República. Así, tal como se aprecia en el gráfico No. 8, el número de proyectos de ley sancionados tan solo

28  Para este aparte se utilizó información del Programa Congreso Visible, Universidad de los Andes. Base de datos de Votaciones del Congreso de la República de Colombia. [base de datos en formato excel]. [20 septiembre 2013]. Disponible en <www.congresovisible.org>. Agradezco al equipo liderado por Nicolás Santamaría su gran colaboración.

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es de 32, han sido archivados 206 y 39 retirados por el autor, lo cual nos permite afirmar que el MIRA tiene una alta tasa de radicación de proyectos de ley, sin embargo, esto no garantiza su transformación en ley. Finalmente, es importante señalar que el MIRA como fruto de su aprendizaje en el ejercicio del poder, comprendió que para garantizar la aprobación de un proyecto de ley, es necesario, además de trabajar en bancada, realizar coaliciones con los representantes de otros partidos, hecho que ha sido claro a partir del año 2006, desde cuándo se han presentado 119 proyectos de ley con participación de políticos de otros partidos y 366 proyectos de ley en bancada tal como se puede apreciar en el gráfico No. 9. Este fenómeno es denominado por ellos como participación en coaliciones programáticas, el cual diferencian de las coaliciones electorales que a la fecha, son incompatibles con su proyecto ideológico y que cuestionarían su principio de independencia.

6 CONCLUSIONES En suma, este artículo como trabajo exploratorio ha buscado argumentar que el MIRA es un partido político, que si bien tiene un origen religioso, ha sufrido profundos cambios en su interior, si se analiza como organización política, organización electoral y organización en el poder. Se ha sugerido que estos cambios han sido fruto de la interacción de los cambios normativos, de la coyuntura política y del aprendizaje en el poder. Igualmente, se ha demostrado que el punto de inflexión para tales cambios ha sido el periodo legislativo 2006-2010. Sin embargo, también ha dejado abiertas algunas inquietudes como por ejemplo, ¿cuál es la relación entre templos, sedes y votos? ¿cómo funciona el modelo red? ¿cuál ha sido el papel del MIRA en los cargos ejecutivos que ha liderado?

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El capital religioso evangélico en la cultura lotina1 O capital religioso evangélico na cultura lotina The evangelical religious capital in Lotina culture

Sonia E. Reyes Herrera2 Juan Carlos Rodríguez Torrent3

RESUMEN4 La ciudad de Lota en términos cuantitativos es la capital evangélica de Chile. De acuerdo al Censo 2002, el 60% de la población declaró pertenencia a esa religión, cuestión que es reforzada en los registros de campo, en la prensa y en alguna literatura social. No obstante, ello, en términos cualitativos, es el capital evangélico religioso lo que se realza en la vida cotidiana de una ciudad disminuida en su repertorio sociopolítico. Sostenemos, que éste opera como un recurso comunitario que al ser propiedad de todos, inclusive aquellos no creyentes, se reconoce por todos y se le atribuye un valor. Es un “bien” al que todos pueden acceder, siendo el más visible, duradero e inmediato, y opera como un articulador del tejido social, instancia de control y medio de salvación para los habitantes de una ciudad que se encuentra dañada, en decadencia y abandono. Palabras-claves: Religión. Política. Trabajo. Sindicatos. Capital religioso. RESUMO A cidade de Lota, em termos quantitativos, é a capital evangélica do Chile. De acordo com o Censo de 2002, 60% da população se declarou pertencente a esta religião, uma questão que é reforçada nos registros de campo, na imprensa e em alguma literatura social. Ela, no entanto, em termos qualitativos, é a capital religiosa evangélica que é destacada no cotidiano de uma cidade diminuída em seu repertório sóciopolítico. Afirma-se que funciona como um recurso comunitário para ser propriedade de todos, incluindo os não crentes, é reconhecida por todos e lhe é atribuída um valor. É um “bem” que todos podem acessar, sendo mais visível, durável e imediato e funciona como um articulador da malha social, instância de controle e meio de salvação para os habitantes de uma cidade que está danificada, decadente e abandona. Palavras-chave: Religião. Política. Trabalho. Sindicatos. Capital religiosa. ABSTRACT Lota city, in quantitative terms, is Chile’s Evangelical capital. According to the 2002 Census, 60% of the population reported themselves as belonging to that religion, an issue that is reinforced in the field records, in the Press and 1  Este trabajo presenta resultados parciales del Proyecto DIUV N° 67/2011 Esperanza y movilización social en Lota: Iglesias, Partidos y Sindicatos. Análisis de las relaciones entre política y religión en un contexto de transformaciones productivas, socio-políticas y culturales. 2

Doctora en Sociología. Académica del Instituto de Sociología Universidad de Valparaíso-Chile. E-mail: sonia.reyes@uv.cl.

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Doctor en Antropología. Académico de la Escuela de Diseño Universidad de Valparaíso-Chile. E-mail: juancarlosrodriguezt@yahoo.com.

Ponencia presentada en las XVII Jornadas sobre alternativas religiosas na América Latina. Pluralismo e interculturalidade. Fluxos e itinerários religiosos. Grupo de Trabalho 22: Religião e Política ao Sul da América Latina: novos arranjos político institucionais. Brasil-Porto Alegre: 11-14 de novembro de 2013. 4

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in some social literature. However, in qualitative terms, it is the evangelical religious capital that is highlighted in the daily life of a diminished city in its socio-political repertoire. It is stated that it works as a community resource to be the everyone’s property, including the non-believers, it is recognized by everyone and it is assigned a value. It is a “good” that everyone can access, being more visible, immediate, durable and works as an organizer of the social web, control instance and a means of salvation for the inhabitants of a city that is damaged, decadent and abandoned. Keywords: Religion. Policy. Work. Labor union. Religious capital.

1 Trabajo, Religión y Política en Lota a finales del siglo XIX e inicios del siglo XX Casi sin excepción, la producción literaria, documental, histórica, sociológica y etnográfica, es convergente al pensar Lota y describirla como la ciudad del carbón; en la medida que simbióticamente la extracción del mineral, primero en superficie, y luego de modo subterráneo bajo el océano, se transforma en el atractor de fuerza de laboral para que el pequeño poblado en 1852 diera paso a la ciudad industrial, con el trabajo de campesinos que cumplían su ciclo estacional en faenas agrícolas y que buscaban otras oportunidades para generar ingresos. Con intermitencias entre estas dos actividades, menos de 150 hombres se transformaron en miles, y poco a poco la actividad en torno a la mina hizo que el poblado se transformara en ciudad y la ciudad hizo sostenible a la actividad minera, hasta generar una dependencia superlativa entre el habitar y el trabajar especializado, generando una cultura laboral única. Louta, el caserío insignificante en lengua mapuche, se transforma por antonomasia en la ciudad chilena de la revolución industrial, en la que se registra el trabajo minero, forestal, naviero y ferroviario; el desarrollo de la hidroelectricidad, la luz eléctrica, la telefonía, una producción de gas, cañerías, vidrios, cerámicas y ladrillos, en lo que sería un temprano fordismo. Como centro urbano convivió con lo que hoy llamaríamos un holding que, a partir de 1852, avanza a conformarse entre los lomajes de su geografía en el sector de Lota Alto en formato de una company town, es decir, una ciudad planificada con servicios, viviendas, equipamiento e infraestructura para que trabajadores y familias puedan permanecer y estar siempre disponibles al servicio de la compañía. La importancia del carbón radica en el uso obligado como energía para todos los navíos que venían desde el Estrecho de Magallanes y los locales (antes de la construcción del Canal de Panamá), las calderas de ferrocarriles y de las fundiciones en el norte del país (Rodríguez; Medina, 2011). 48

Una primera cuestión importante en esta conjunción de elementos productivos y laborales, es el proceso de desarrollo de una cultura laboral sincronizada bajo la lógica del tiempo industrial, única, inédita y repetitiva: el trabajo de extracción de carbón de manera subterránea. Fueron sistemas de turnos rotativos durante 24 horas, los que casi un siglo y medio forjaron un saber y un hacer que se traspasó de generación en generación, otorgando identidad laboral a una actividad reiterativa y especializada. Abuelos, padres e hijos se sumergieron en el territorio subterráneo y construyeron un habla para descifrar los arcanos, establecer confianzas básicas y reconocer en las honduras la riqueza y el peligro. El hombre que entró a la mina, no es el mismo que salió de ella, tanto por la concentración requerida y los largos soliloquios abstraídos del mundo al internarse 14 kilómetros bajo el mar, lo que era alterado sólo por la hora de la comida. Como sino de la existencia, su cuerpo se agota de manera dramática por la silicosis, gases tóxicos, enfermedades a la columna, el estomago, las rodillas, amputaciones de extremidades, por lo que cada día desfallece un poco más en la búsqueda del pan: “Salir de la mina es salir a morir”. Estos hombres asalariados, sometidos al rigor del tiempo industrial, y durante décadas desprovistos de sistemas de protección social y seguridad, constituyen una nueva clase social: son los primeros proletarios de Chile. La vida minera es masculina y se articula en la combinación ritual de trabajo, cantina y deporte como elementos de asociatividad permanentes; como identificación de la ciudad con la actividad laboral, lo femenino es narrativamente subalterno e invisibilizado. Una segunda cuestión, es que en la base de la ciudad existe una herencia cultural religiosa foránea en su origen, con marcado desarrollo local, que se construye en paralelo a la cultura laboral. En Lota, existe una temprana conexión con el mundo evangélico. En 1852, llegaron desde Cornwall (Inglaterra) técnicos que fueron parte del personal especializado en las Revista Gestão e Desenvolvimento


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actividades mineras del carbón y que se incorporaban a la empresa en un mundo de campesinos que incursionaban en el trabajo asalariado. Ya en Valparaíso, existía la Iglesia Unión Church, dirigida por el Pastor David Trumbull, quien en 1885 envió a Lota al pastor Charles Blake para asistir a los mineros ingleses y sus familias. También se registra la presencia anglicana desde 1860, con la llegada del pastor Allen Gardiner a la ciudad. Éste, ofició como capellán consular anglicano, atendió a los ingleses residentes, celebrando sus cultos en inglés. A finales del siglo XIX, la ciudad también recibió la visita del pastor Juan Bautista Canut de Bon, posteriormente reconocido como uno de los fundadores del pentecostalismo chileno. Sin embargo, fue en 1904, cuando se constituyó la primera Iglesia Evangélica en Lota. En la década del 20 del siglo pasado, se formó la Segunda Iglesia Evangélica, esta vez Pentecostal (RIVERAS, 2006). De esta forma, hacia 1926-1927 se pueden encontrar cuatro actores institucionalizados configurando ejes de orientación normativa en el espacio citadino: la compañía carbonífera, la Iglesia Católica, el Partido Comunista y la Iglesia Metodista Episcopal de Lota. La Iglesia Católica y los comunistas constituyen los principales opositores para el mundo evangélico. Esta Iglesia protestante define su tarea evangelizadora como “Lota para Cristo”, para un pueblo “escaso de orientación espiritual y carente de ética cristiana”; instala culturalmente un nuevo saber y una nueva forma de acceder a él entre trabajadores analfabetos, ya que no se requiere de una gran reflexión teológica para participar, validándose en el grupo las experiencias de sueños, revelaciones y visiones, que serán cuestiones que, sociológicamente y antropológicamente, forjan una nueva identidad y conciencia en el estrato bajo, al ofrecerles un “nuevo nacimiento” como obra del “Espíritu Santo”. Este consiste, y siguiendo la fórmula de su fundador, Juan Wesley, “en la experiencia que tiene el creyente del Don de la justificación, experiencia que, gracias a su certeza, lleva al arrepentimiento y a la santificación” (Ossa, 1990: 46), lo que ofrece la posibilidad de una nueva vida, es decir, de una conversión a través de una disciplina grupal. Las actividades fundadoras partieron en 10 locales, donde permanecieron abiertas las casas de oración durante 30 días seguidos, se formó una liga juvenil, y sus fieles predicaban los domingos a las 10 de la mañana en la plaza principal; de igual forma, se dieron en este mismo espacio público las primeras polémicas con el mundo católico. La actividad socializadora de estas nuevas ideas se realiza también dentro de la mina; primero, utilizando la pausa para Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

comer el pan de mina y beber agua, y luego, cuando se introducen vagones de transporte del personal, en el que apagaban sus lámparas, oraban, cantaban y se expresaba un sermón. En clave religiosa, al interior de la mina cualquier fenómeno, señal o evento positivo o negativo, fausto o infausto, pueda tener sentido y explicarse desde lecturas particulares de los textos bíblicos. Hay una audiencia y una escucha que convive con estos misioneros-mineros por décadas, y frente a la indefensión, al silencio y al temor en las cavernas, y la incertidumbre diaria a la que todos estaban expuestos, compartían la palabra, anunciaban el evangelio y las bondades de creer en Jesucristo. Lo importante en este punto, es que al interior de la mina se iguala la condición humana, destacando como diferenciador sólo los atributos del liderazgo; todos, creyentes y no creyentes se encuentran en la indefensión, diluyéndose todo tipo de diferencias políticas, religiosas, económicas, y otras posibles. Todos son mineros e indefensos, y nada más. Testimonialmente, se sostiene con cierta reiteración: “Siempre dentro de los grupos de trabajo había gente con conocimiento”; “siempre a la hora de la comida se predicaba o conversaba sobre la iglesia y el evangelio”, “la vida en el temor ayuda mucho5, “adentro de la mina lo político no era fundamental. Lo político se discutía en el sindicato y eso está en el exterior, abajo éramos trabajadores. La diferencia es que el evangelio es uno solo y los partidos son varios. Tienen objetivos distintos”6. En 1928 se produce una primera división, fundándose la Misión Wesleyana Nacional. Ésta, dirigida por el Pastor Víctor Mora, avanza hacia una cuestión evangélica política, ya que no se trata sólo de lo espiritual y moral, es decir, de una cierta rectitud conforme a principios religiosos, sino hacia una idea de “justicia social” (OSSA, 1995: 66; RIVERAS, 2006), de acciones sociales y populares. Se trataría de rehabilitar a quienes andan perdidos en el “alcoholismo y la inmoralidad”, en un mundo como el lotino, donde existen “los desperdicios sociales” (ibid. 67). Es en este 5  Algunas expresiones comunes que dan cuenta de la fe de los mineros son: “el de arriba dirá”, “el flaquito sabrá”, “me queda la esperanza de estar con Dios”. 6  “De toda esa gente ya habían que tenían conocimiento del evangelio, entonces abajo cuando nos sentábamos a servirnos un poco de pan con un poco de agua que era el alimento, agua con te, y siempre alguien empezaba a predicar o a conversar de las cosas de dios, eso me pasó a mí, yo trabajaba con un compañero que era cristiano, el era evangélico, entonces cuando trabajamos, él me empezó a conversar a mí de lo que era el evangelio, la iglesia, lo que uno podía tener…. La gran garantía que nosotros tenemos es el señor…” (Pastor Iglesia Wesleyana).

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punto, donde el trabajo religioso y político comienzan a estrecharse a través de un trabajo orientado a un “pueblo oprimido”, lo que indica una lectura más social del evangelio y un relevamiento de las condiciones generales de vida y de trabajo de la población. Por tanto, la iglesia pertenece a ése pueblo, se debe a él, lo que se resalta más cuando tempranos pastores como Víctor Mora, además son líderes y carismáticos. Así, aparece en la agenda religiosa un deber, una forma de expresión en términos religiosos de los padecimientos (hambre, pobreza, higiene, condiciones de trabajo, vivienda) y que se confronte y litigue con la Compañía empleadora con argumentos religioso-políticos, de modo que “lo que le pasa al pueblo” queda incluido en un universo de sentido. Esta lectura y esta acción, es lo que establece un puente entre iglesia y sindicato, y entre evangelio (Metodista y Misión Wesleyana, fundamentalmente) y socialismo desde los años 30 y 40, y que hacen que éste Pastor, sea uno de los fundadores del Partido Socialista en Lota y la zona del Carbón; más tarde, Regidor y Presidente del Frente Popular en 19377, Presidente de la Sociedad de Pobladores, y que miembros de la iglesia Metodista y Wesleyana sean dirigentes sindicales o tengan decidida participación sindical. Esto, aún cuando se mantendrán las diferencias con el Partido Comunista, por su ateísmo doctrinario, y frente a la Compañía, pues ésta despidió a trabajadores wesleyanos y optó por fuerzas conservadoras “católicas”. Doctrinariamente, los metodistas abrazan lo que se conoce como “evangelio social”, cuyos antecedentes se encuentran en Estados Unidos de Norteamérica, y donde uno de sus principios rectores estuvo en su posición antiesclavista antes de la Guerra de Secesión, el apoyo a la revuelta agraria de campesinos pobres en las dos últimas décadas del siglo XIX, y de un grupo de metodistas que se incorporan a principios del siglo XX al Partido Socialista en Oklahoma, pero fundamentalmente de impulso de intelectuales populares (Ossa, 1990: 145146). Estos antecedentes contribuyen a la elaboración del marco teológico, de una iglesia en expansión con rasgos populares, caracterizada por: 1. su conciencia de los problemas sociales, materiales y abusos de la Compañía, a partir de la contradicción entre capital y trabajo, ya que es ésta y su holding quien ofrece las fuentes laborales, elige discrecionalmente a sus trabajadores, vende alimentos y entrega en comodato la vivienda;

7  Coalición de partidos en los que se encontraba el partido comunista y socialista.

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2. su identidad, en el sentido de consolidar un proceso de diferenciación respecto de la Compañía, los católicos y su asociación filiatoria a una capa social más acomodada, y al Partido Comunista. Lo importante en esta posición, es que lo propiamente teológico va de la mano o de manera subordinada a la cuestión social y política; no se trata de la salvación sólo del alma. La preocupación se orienta, por un lado, a la denuncia de la proliferación de cantinas y burdeles, la precaria urbanización de la parte de la ciudad que corresponde a la empresa y la periferia que le circunda tanto en Lota Alto y Lota Bajo8, la autoconstrucción, las prácticas de los habitantes asociadas a su pasado rural (tenencia de animales domésticos como cerdos y su faenamiento en los propios domicilios), las dificultades para la extracción de basura, los insuficientes baños públicos, las aguas servidas, los incumplimientos de ley, niños indigentes y trabajadores con escasa protección; asimismo, la observación de cómo se va creando una marginalidad en torno a la industria y sus instalaciones fabriles y habitacionales. Por otro lado, se orienta a la toma de conciencia de la condición de injusticia y falta de derechos sociales. En la misma perspectiva, los partidos y los sindicatos se organizaron siempre por una Lota más digna y más justa; lucharon con grandes movimientos huelguísticos contra el mundo polar entre capital y trabajo, de la riqueza sin límites de la familia Cousiño (dueña del holding) y de la pobreza infinita de la que habla Baldomero Lillo (un narrador de pluma dura y retratista de los padecimientos de la vida minera). El primer estudio sociológico realizado en nuestro país sobre Huachipato y Lota, referido comparativamente a la formación de la conciencia obrera en la compañía del acero y la industria del carbón, en el que se trata de establecer el sistema general de estratificación social, el comportamiento demográfico, la movilidad social y la situación de la clase obrera, termina por ratificar todos los antecedentes. Éste estudio coordinado por Di Tella, Brams, Reynaud y Touraine (1966), indica cuestiones tales como: en 1952 Lota contaba con 29.852 habitantes, siendo un 89% urbanos y un 10% rurales; el paisaje urbano se constituye con unas 3.500 familias en Lota Alto, 3.200 en Lota bajo, y unas 1.700 callampas. De acuerdo a los autores, la ciudad presentaba “síntomas de desorganización social relativamente acentuadas”, destacando las callampas, que entre su población un 80% 8  Corresponde a la ciudad informal y ajena a la company town, en la que se situará el aparato administrativo del Estado.

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no tenía instrucción escolar (4% sin instrucción, 43% 0-3 años, 49% 4-6, y 2% con tres primeros años de estudios secundarios o técnicos), que 1/3 en edad escolar no frecuentaba la escuela, y que las estadísticas oficiales hablaban de un nivel de mortalidad infantil de 210 x 1000, los que morirían antes de un año. Mención aparte, y como en toda la zona del carbón, el alcoholismo es uno de los problemas más agudos9. El cuadro es bastante elocuente, quizá también suficiente para explicar por qué en Lota “siempre se protestó por todo” y por qué se manifestaron grandes movimientos huelguísticos desde el siglo XIX hasta la segunda mitad del XX, o indicar que la afiliación sindical y política era un punto de partida y una necesidad, y tuvo mucho sentido para explicarse por qué se era pobre y en tal magnitud10. Contextualmente, debemos señalar que los trabajadores del carbón son hijos del siglo polar, de la Guerra Fría, de la contradicción entre comunismo y capitalismo, y también de las mayores esperanzas. Abrazaron no sólo el comunismo sino el internacionalismo, por lo que Lota fue pensada desde y más allá de sí misma. De modo que, el sindicato y el partido nutridos de experiencias del otro lado de la cortina de hierro, asumieron como proyecto el modelo soviético de sociedad; este permitía que la vida también tuviera sentido en la adversidad, así como para otros la vida tuvo tempranamente sentido en la iglesia.

relevantes para explicar las relaciones entre iglesias, sindicatos y partidos: 1. “El movimiento obrero fue crítico de la condición moral de los obreros, y denunció la incapacidad de la religión, del catolicismo en particular, para modificar tal situación. Las organizaciones obreras consideraban el progreso moral como condición necesaria para superar la postergación social11. Este discurso y esta acción son compartidos por los evangélicos, también comprometidos con la dignificación de las personas hijos de Dios, degradados por su postración moral, poniendo como ejemplo, el propio cambio conductual experimentado por los propios evangélicos “convertidos”; 2. “tanto las organizaciones obreras, como las iglesias evangélicas se fundan en un fuerte carácter comunitario, caracterizado por el respeto, el afecto, la igualdad y la solidaridad entre sus miembros. Las mancomunales eran definidas como un refugio en el cual son mitigadas las penas de los hermanos12, un ejemplo de la igualdad y solidaridad. Este mismo sentido comunitario es característico de las iglesias evangélicas; y, 3. la gestión comunitaria sería un último aspecto donde estas organizaciones se aproximan: “en los hechos, tanto en el movimiento obrero como en los grupos evangélicos se cuidaron de cualquier forma de dependencia de organizaciones mayores que pudieran condicionarlas. De igual forma, en ambos casos al interior del grupo todos podían acceder a cargos de dirección, de modo que quienes dirigen, han compartido y comparten las mismas experiencias del resto, y por último, ambas organizaciones dependían exclusivamente del aporte de sus miembros, lo que les permitía mantener su autonomía” (RIVERAS, 2006, p. 9).

2 Iglesias, Sindicatos y Partidos: una misma reivindicación desde perspectivas diferentes Tres aproximaciones entre el evangelio y el mundo obrero son señaladas por Riveras (2006) como

9  Muchas de estas condiciones de pobreza dura y extrema que se mantienen como constante hasta hoy, se encuentran ampliamente documentadas desde el siglo XIX en trabajos de Lillo (2009), Muñoz (1953), Román (1970), Alcalde (1973), Muñoz (1953) Corvalán (1992), Marambio (1996), Grandón (1998), Vega 2000, Touraine et al. (1966), Figueroa (2009), Rodríguez y Medina (2011). Todas las referencias hablan, unas más unas menos, de la dependencia respecto del carbón, las condiciones de riesgo, de los accidentes, de la mínima alfabetización, de la mortalidad infantil, de la insalubridad, el hambre, de la estrechez de la vivienda, las enfermedades profesionales, el alcoholismo. Gran parte de estas cuestiones han sido trabajadas en el marco del proyecto Fondecyt 10955037, a través de entrevistas, historias de vida e información secundaria.

Políticamente, en las elecciones parlamentarias de 1945, la distribución de votos era la siguiente: 2.490 votos izquierda; 563 de centro y 434 de derecha. En las elecciones presidenciales de 1946, Gabriel González Videla alcanza la mayoría absoluta: 2.935 votos izquierda, 707 derecha. En las elecciones municipales de 1947 se observa el siguiente escenario: 2.432 Partido Comunista/ 81.6%, 142 Partido Democrático, 238 Partido Radical.

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Todo lo anterior, nos lleva a proponer que, las iglesias evangélicas, los sindicatos y los partidos políticos han ayudado a construir una suerte de ADN local, solidario, gregario, afectivo y trascendente, que configuran hoy un “comunitarismo socio-religioso” que tiene sus orígenes en el evangelio social y el  Siempre estuvo presente en la cultura comunista chilena la idea de la rectitud moral, el compromiso con el perfeccionamiento educativo y con el trabajo.

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Cabe destacar que en su clásico estudio sobre el pentecostalismo chileno, Lalive D’ Epinay (1968), establece una comparación entre la hacienda y la comunidad pentecostal en la medida que ambas integran a un grupo de relaciones personales y de dependencia. Sin embargo, al comparar las mancomunales con las iglesias, lo que resalta es su carácter comunitario, de igualdad y solidaridad.

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movimiento obrero y sería el resultado de un proceso acumulativo histórico de dispositivos teleológicos; habría una orientación práctica a la unidad y a la agregación que permite los tránsitos de lo político a lo religioso, porque la identidad minera, es decir, la de la igualdad por indefensión (asociado a los riesgos del trabajo minero y del desempleo en la actualidad) relativizan cualquier condición política o religiosa, subordinando ideologías laicas o religiosas a la condición de ser y de reconocerse como mineros o ex. Es este mismo atributo, de par y de igual en la indefensión y adversidad, el que coincide con la noción de igualdad promovida por la lectura particular del evangelio de estas iglesias. En este sentido, un influyente miembro de la comunidad evangélica lotina nos señala: “comunistas y evangélicos son iguales, son un peligro vivo por el poder de la palabra, los une la parte social, ya que los comunistas son estudiosos igual que los evangélicos” (Mario). Entonces, en el subsole iglesias evangélicas, sindicatos y partidos realizaron históricamente actividades pedagógicas para conformar sus cuadros y difundir sus ideologías. La diferencia entre ambas instituciones se ubica en que las iglesias, primero marginales y estigmatizadas, nunca fueron perseguidas por el Estado, pero sí recibieron fuertes presiones por parte de los comunistas, por ejemplo, para que la población evangélica no contribuyera con el diezmo13. A diferencia de la actividad sindical y política que tiene su momento emblemático con la promulgación de la llamada “ley maldita” o “ley de defensa de la democracia”, la que aplicada en el gobierno de Gabriel González Videla significa el destierro de dirigentes sindicales, y la proscripción del Partido Comunista. Más tarde, vendrán tres golpes letales para el movimiento social: la dictadura militar en 1973, la caída de los socialismos reales en 1989 y el cierre de las minas en 1997 (MEDINA 2010; RODRÍGUEZ; MEDINA 2011),

“Pero siempre en las reuniones sindicales, siempre, se paraban los enemigos de la fe y comenzaban a decir que no era posible que a los pastores se les entregara el diezmo, que a la gente pobre se les estaba robando, se les robaba cuando se les pedía el diezmo y cosas así. Entonces la gente comenzó a recepcionar lo que le decían los dirigentes sindicales y dejar de lado lo que se les compartía a través de lo que la Biblia decía. Entonces se hizo una costumbre aquí en Lota de que cada vez que se habla del diezmo la gente se pone muy reacia, usted lo ve en la gente antigua, no toda, porque si hay gente que ha entendido el mensaje ese, pero hay mucha gente antigua, usted le habla del diezmo y tiene serios problemas en relación a eso, pero la gente nueva, la gente creyente hoy, los jóvenes, ellos lo han entendido, no es una obligación, pero es un deber, se fija, es un deber porque, nosotros no deberíamos vender empanadas ni cosas por el estilo, porque se supone que el diezmo es para suplir necesidades de la iglesia” (Pastor Iglesia Jabes).

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momentos que impactan también la actividad religiosa en Lota, ya que se crean nuevas iglesias y lugares de culto14. Estos eventos instalados en la memoria como actos existencialmente dramáticos, porque constituyen la derrota de una clase y el fin de una cultura laboral, generan una nueva gran expansión del mundo evangélico, ya que los templos se convierten en lugar de refugio para el perseguido político y de mitigación del dolor debido al cierre definitivo de las faenas; el fin de la actividad minera aumenta la dependencia del alcohol, la violencia intrafamiliar y las separaciones de las parejas15. Desde lo político y/o lo religioso, situar la reivindicación de la dignidad humana en el centro conlleva a que algunos miembros de las iglesias sean considerados comunistas, y que algunos, rompiendo la ortodoxia lo sean efectivamente. De este modo, la idea del “evangelio social” es el argumento principal para observar un cruce específico entre política y religión, que con mayor predominio de actores como la iglesia, de los partidos y los sindicatos, va manifestándose desde el origen ligado a la industria y al desarrollo de una cultura del carbón, y hoy en un mundo pos minero, en la industria forestal y en la ciudad de cesantes y jubilados. Entonces, será lo potente y desgarrador del mundo laboral del trabajo minero detallado en la literatura (Lillo, 2009), en el documental (Roman 1970), en el testimonio y la memoria colectiva, y la deuda social detallada por Touraine (1966) lo que abre las puertas para la organización social, la protesta, la huelga, además del crecimiento local de las iglesias, como espacios de asociatividad y acogida, lo que realzará la imagen de Lota por todo el país como la Capital Evangélica de Chile y que sostenemos constituye un capital social comunitario. Los cuerpos exhaustos, enfermos, gastados y disminuidos del territorio del subterra constituyen el insumo y la impronta proyectada que permite el advenimiento de movimientos sociales y asociaciones políticas y religiosas que terminarán por reforzar la imagen de la ciudad más allá de ella. Durante el siglo XIX e inicios del XX, las tempranas luchas, las huelgas, el contenido reivindicativo de clase y las distintas manifestaciones y acciones del movimiento obrero encuentran inspiración en movimientos  Entre éstas: Iglesia evangélica San Pablo (1974), Unión Cristiana (1976), Ejército Evangélico de Chile (1976), Eben Ezer Pentecostal (1976), Segunda Iglesia Misión del Señor (1978).

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En los registros de campo, muchos definen a Lota post carbón como una “ciudad de amazonas” por la gran cantidad de mujeres solas y abandonadas.

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socialistas y comunistas, con marcadas utopías y teleologías históricas claramente definidas, las que, permanentemente, con sus racionalizaciones los motivaron en estas acciones sociales, construyendo su quehacer y su destino en un marco simbiótico entre movimiento social, religión y ciudad. A estas historias y luchas está ligado el partido, el sindicato y la iglesia, como formas principales de la organización social (MEDINA 2010; RODRÍGUEZ; MEDINA 2011; DI TELLA et al. 1966, FIGUEROA 2009; MARAMBIO 1996). La estructura de la esperanza religiosa, reforzada en la idea de semejanza entre sus miembros, los ritos de culto desarrollados varias veces por semana y la red de vínculos más allá de los templos (ORELLANA s/f), se amalgama con la forma y contenido de la estructuración de la utopía socialista y comunista que dominó durante gran parte del siglo XX y que hemos desarrollado en varios trabajos (MEDINA 2010, RODRÍGUEZ 2010, RODRÍGUEZ; MEDINA 2011), especialmente en la idea de los eutópos (buenos lugares), pero que agotados éstos en términos fácticos (socialismos reales como referencias) en el marco del fin de la actividad minera local, el fin de los sindicatos y el debilitamiento del Partido Comunista, hace que “el siglo corto” de los trabajadores y sus organizaciones, mantenga un siglo largo de las iglesias evangélicas; éstas continúan siendo las sostenedoras de la idea de esperanza y sobretodo de cambio. Entonces, los distintos eventos estructurantes, acumulativos, residuales y traumáticos en la vida de lotinos y lotinas, requieren de lugares de integración para biografías que necesitan reescribirse y encontrar nuevos sentidos para una vida y cultura del carbón devaluadas social, familiar y generacionalmente, caracterizadas por la nostalgia más que por un sentido de realidad. Y, en esta fórmula, no hay interpretaciones profesionales para la Biblia, no hay discriminación social, se establecen vínculos de comunidad, hay expresividad y emotividad (ORELLANA s/f, 248), lo que pone a las iglesias como las instituciones más visibles, con mayor agenciamiento, amplia cobertura, acogedoras e integradoras, y con mayor capacidad de convocatoria actualmente.

3 La formación de un capital religioso evangélico en la cultura lotina

permitió definir a la ciudad como “ciudad roja”16. El sindicato y el Partido Comunista marcan en gran medida la vida cotidiana de la ciudad de Lota17, opacando en la historiografía el lugar de las iglesias, que constituyen un segundo imaginario y eje de sociabilidad ritual que marcará la vida de la ciudad. Ser minero, en general única opción laboral, implicaba la afiliación al sindicato y al partido como instancias de movilización y generación de expectativas de los trabajadores y las familias; y, toda demanda expresada en huelgas y conquistas en el plano de la seguridad, en las jornadas de trabajo, en las prestaciones y en lo salarial, se experimentaba de manera inmediata en Lota, ya que se producía y se gastaba en ella. Cuando se devalúan estos referentes, son las iglesias las que alcanzan su mayor visibilidad. Si actualmente, casi 60% de población declara ser evangélica en Lota (CENSO 2002), la interrogante que surge es cómo se expresa en la vida cotidiana de sus habitantes la presencia de la mayoría de la población que declara su adscripción religiosa al mundo evangélico y en particular al pentecostal. Postulamos que si bien Lota es, en términos cuantitativos, “la capital evangélica de Chile”, creemos que en términos cualitativos es el capital evangélico religioso y colectivo lo que se realza en su vida cotidiana. Es un recurso comunal al que todos pueden acceder, es el más visible, el más duradero, el más inmediato y el que puede ser utilizado en cualquier momento para hacer frente a la desaparición definitiva de la cultura minera y la desaparición de la ciudad con el carbón. El que al ser propiedad de todos, inclusive aquellos no creyentes, se reconoce por todos y se le atribuye un valor. Son atributos objetivados de este capital: una forma de organización y gestión eficiente, conocimiento pormenorizado de la realidad local, credibilidad y reconocimiento por parte de los distintos actores y organizaciones de la comuna; Este capital opera como recurso y sostén de una ciudad perdedora, melancólica y disminuida desde el punto de vista de su repertorio de posibilidades en todos los ámbitos y de lo que significa la derrota de clase (RODRÍGUEZ; MEDINA 2011). Articula el tejido social, opera como instancia de control y se constituye como medio de salvación para los habitantes de la

En distintos registros de campo hemos apreciado esta condición: “si los comunistas volaran como las gaviotas, Lota estaría siempre nublada, o la playa sería roja”.

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La pequeñez frente a la naturaleza bajo el océano en las galerías, que iguala la humanidad en la condición de minero, en el subsole alcanza una institucionalización de corte político y gremial que Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

El Partido Comunista, fiel a las enseñanzas de Luis Emilio Recabarren, tuvo siempre una actitud pedagógica para con sus militantes, distribuyendo el diario El Siglo, fomentando el desarrollo de las artes y haciéndose presente con su banda instrumental en la ciudad.

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ciudad. Los locales de culto además de las funciones tradicionales tales como: la orientación valórica, la educación de líderes, el cultivo del afecto y la solidaridad, se han incorporado otras nuevas, por ejemplo: la realización de actividades artísticoculturales que constituyen a las iglesias en la principal y casi única instancia recreativa de la comuna; asumen funciones de carácter social que son de responsabilidad del gobierno local, el cual transfiere recursos públicos para la ejecución de estas actividades (programas de prevención de consumo de drogas y alcohol). Recrea la imagen de la ciudad desde lo negativo “la ciudad de los excesos”, a una nueva ciudad que “con el cierre de la mina termina con la “maldición intergeneracional” que ha pesado sobre la ciudad (alcohol, violencia, etc.)

4 La expresión “subjetiva y objetiva” del capital religioso evangélico pos cierre de la mina. a) Capital religioso y biografía Los lugares de culto evangélico, en un número que oscila entre los 140 y 300 locales18, constituyen un espacio de sociabilidad por excelencia para el encuentro y reencantar la vida pos laboral, pos dictadura, pos sindical, pos partidos y pos eutópos19. “El sindicato 6, el más importante que se identificaba con el Partido Comunista se refugió en las iglesias (…) pero, la parte política quedó atrás, la dictadura provocó un salto del sindicato a la iglesia, porque era un espacio de seguridad” – señala un pastor. Otro gran elemento movilizador desde lo político a lo religioso se da posterior al cierre definitivo de la mina, donde los hombres a pesar de todos los anuncios de cierre, “no lo podían creer”… “Iban y venían, mirando la entrada de la mina (…) No sabían qué hacer, la mina era lo único cierto que existía en sus vidas”. Esta suerte de extravío los deja sin disciplina, sin proyecto laboral, sin interlocutores frente a quienes manifestar las contradicciones, y sin ritos; su saber no tiene posibilidades de hacer, se quedan sin rumbo, en un estado de situación, con las manos en los bolsillos.

La cifra es de manejo de los pastores y muchos fieles. Sin embargo, no se dispone de un registro oficial que indique el número de Iglesias (y sus respectivos locales de culto) distribuidas por la ciudad. Es una tarea pendiente, pero es necesario señalar que los pastores usan ese dato “como estrategia” para graficar la presencia del evangelio en la comuna.

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Nos referimos al lugar que tenía la antigua URSS en el imaginario comunista e internacionalista local.

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Como consecuencia de lo señalado, frente a lo que podemos llamar la siniestración de la vida, se recurre al patrimonio simbólico colectivo que siempre ha estado disponible en Lota. Las familias apelan al recurso cultural religioso como insumo mitigador, para contenerse a sí mismas y dar orden a la ciudad, que puede ser tomado en cualquier momento. Se trata de un capital religioso heredado y objetivado, cuya disponibilidad permite transitar hacia la iglesia, salir de ella y volver cuando es necesario. El reciente Informe publicado por el PNUD (2012), pareciera confirmar cómo operan las Iglesias en Lota, en la subjetividad y bienestar de sus miembros. Al interior de las iglesias, que son el lugar dónde se dan las interacciones y prácticas institucionalizadas más intensas y cercanas, los fieles y la comunidad a la que pertenecen, realizan procesos y trabajos permanentes de “apropiación, adaptación y transformación de las condiciones, tanto objetivas como subjetivas”, lo que les ayuda a procurarse “bienestar subjetivo y reducir su malestar objetivo” (ibid: 221), especialmente a los jóvenes y adultos en edad productiva ya que la ciudad les ofrece solo factores de expulsión. Aunque se expresa de manera muy marginal en el Informe el bienestar subjetivo en relación a la participación en las iglesias, esta pertenencia entrega “plenitud y tranquilidad” (ibid: 247), porque fe, esperanza y expectativas proveen una imagen de futuro, también de “afecto, amistad, recreación, orientación valórica y de enlaces de pareja”. En la particularidad del mundo pos carbón, la filiación a los distintos lugares de culto constituye un espacio de alta frecuencia integrativa, y son por excelencia el lugar donde se mitiga real o simbólicamente toda o gran parte de la adversidad, el daño, los déficit, y el abandono público y privado de la ciudad, y se llevan a cabo acciones prácticas “para ser felices”; la ritualidad y formalidad de la interacción ordena y orienta la relación con la familia y el trabajo, le provee de sentido a la vida; el compromiso colectivo, la responsabilidad con la comunidad de fieles, el sentirse apreciado, y la incondicionalidad ante todo, otorgan identidad, fortalecen la autoestima y propician condiciones de autonomía. Cada grupo etáreo tiene su lugar, porque también son un espacio lúdico en una ciudad que no los tiene. Permitiría además, la reescritura de una identidad biográfica diferente, donde la referencia a la identidad citadina y laboral minera tiende a diluirse, e inclusive a estigmatizarse. En este sentido, así como las iglesias acogen a todo exminero, exsindicalista y expolítico, también las iglesias inician una relectura de la relación entre Revista Gestão e Desenvolvimento


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el trabajo en la mina y la ciudad, y por tanto de la cultura del carbón. Ahora, consolidadas e indiscutidas institucionalmente, copando todos los espacios posibles (escuelas, hospitales, gobierno local), y conscientes de su poder de movilización y convocatoria para efectos de inclinación de la balanza política, éstas hablan de “la maldición de la mina”. Ésta posee una doble representación: 1) el sacrificio intergeneracional de los cuerpos (abuelos, padres e hijos), ya que quién entraba a las faenas metafóricamente moría muy joven; y, 2) que el trabajo minero era el causante de todos los males, vicios y lacras sociales que recorrieron las calles de Lota: alcoholismo, prostitución, violencia, segregación. Conforme ello, la ciudad pos carbón es una ciudad nueva, más cristiana, renovada y purificada, caracterizada por “el cariño, el amor al prójimo y la solidaridad” (Luisa). Pero, también es una ciudad más ilustrada, con fieles escolarizados, que rompen con los estigmas del evangélico pobre, analfabeto e ignorante; es una ciudad más integrada en términos religiosos, ya que hay un paso “de la iglesia subterránea propia de hombres” a una “iglesia de superficie”, la que es más familiar, menos íntima, menos masculina y más femenina. b) Capital religioso y participación social La salida de la mina de los trabajadores los dejó sin representación política, derrotados, sin elementos identificatorios de agregación, porque su vida se desinstitucionalizó. Salir de la mina los obligó a entrar al mundo desde otro lado; tras el fin de la actividad extractiva en 1997 se quedaron sin sus espacios de sociabilidad y ritualidad (cantinas, sindicatos, asociaciones deportivas y partidos políticos)20; con ello, la cultura laboral desaparece como cuestión colectiva, por tanto (re)emerge lo religioso como un componente histórico cultural de la identidad lotina, siendo las iglesias lo único que queda más institucionalizado, constituyéndose en un espacio de organización social-local por excelencia, aunque para algunos de sus integrantes sea un espacio solamente religioso y no reconocido como político. Entre las fortalezas que gozan hoy las iglesias, pueden visualizarse tres hechos importantes que gatillaron su posicionamiento: mayor acceso a la escuela (básica, media, técnica y universitaria), el

Según Sorj&Martucelli (2008:17) “con la pérdida del peso relativo de los grandes aglutinadores sociales del siglo XX: el mundo del trabajo, los sindicatos, los partidos e ideologías, el reconocimiento y la comprensión de otros espacios de sociabilidad y de sentido pasa a ser una cuestión fundamental para entender la cohesión social en nuestras sociedades”.

servicio militar que permitió disciplina y alfabetización, y lo que llaman “la castellanización de la biblia”21 Sostenemos que las Iglesias y/o el capital evangélico, han actuado más allá de la dimensión subjetiva-biográfica, del bienestar individual y familiar, involucrándose de manera creciente en el espacio público comunal, por tanto, como un actor social relevante que, de alguna manera, “reemplaza” la actividad de los referentes político/sindicales. Esta participación se objetiva en prácticas concretas. Según Palma&Villela, (1997: 98), “en el caso de las iglesias y organismos interdenominacionales en la zona del carbón, la involucración en los problemas sociales de la comunidades locales aparece simultáneamente a la evangelización y, por tanto a la promoción de la conversión personal”. Sin embargo los autores también observan que tal involucramiento conlleva una modificación importante, y es precisamente este aspecto el que nos interesa resaltar, la sociedad local se constituye en objeto de reflexión − descripción e interpretación de la situación − y en la posibilidad de una acción inmediata orientada a prevenir un deterioro mayor. Desde tal reflexión y acción aparece el tema de la política, es decir, de la acción intencional orientada a modificar las relaciones y los comportamientos sociales en un sentido determinado (Palma; Villela, 1997: 98). La relación entre política y religión en el mundo evangélico chileno, ha sido analizada en diferentes momentos y los estudios han demostrado los cambios que ha experimentado (D´EPINA; 1968; LAGOS, 1988, FEDIAKOVA, 2002, 2004, 2010). Si desde sus “orígenes” el pentecostalismo se caracterizó por su “apoliticismo y salida del mundo”, hoy, un amplio segmento de evangélicos se encuentra en busca de la participación política. Según (FEDIAKOVA, 2002:36) “los últimos cambios al interior del mundo evangélico pentecostal, su consolidación como el nuevo protagonista del escenario nacional y la mayor conciencia social han provocado una notoria politización y el crecimiento de ambiciones políticas entre los líderes pentecostales”. Lo cierto, es que actualmente la participación de los evangélicos en los asuntos públicos y de la agenda política del país es cada vez mayor. La intervención del Obispo Hédito Espinoza, en el Te Deum celebrado el día 16 de septiembre en Santiago (2011) señala lo siguiente: Hace un tiempo se dio a conocer la encuesta Casen22 y el país fue testigo de un debate

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La “castellanización de la biblia”, significa poner una biblia “más fácil de leer” y sintácticamente más amistosa, para generaciones que eran escasamente alfabetizadas en los años 60 y 70.

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Encuesta de caracterización socioeconómica.

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Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014 éticamente reprochable y estéticamente indecoroso, centrado en la forma y no en el fondo”. Se cuestiona la metodología “mientras los pobres permanecen en la sala de las soluciones”. (…) nos parece una falta de respeto, la pobreza no puede ni debe ser jamás utilizada como una herramienta para confrontaciones electorales. Con desazón contemplamos que la discusión de políticas públicas de alto interés nacional y de bien común, como son el caso energético, el sueldo mínimo, la seguridad, la educación y la salud se practica en trincheras con discurso grandilocuente que pueden ser agradables de escuchar, fáciles de creer pero difíciles de realizar (…) percibimos que algunos están más preocupados de la próxima elección que de la próxima generación.

Fediakova sostiene la hipótesis “que las trasformaciones políticas, económicas y socioculturales que han ocurrido en Chile, entre 1970-1990, también tuvieron su impacto en el mundo metodista pentecostal, provocando cambios tanto en la autopercepción de la iglesia como en las relaciones entre el pentecostalismo y el resto de la sociedad” (2002: 34). Además, identifica tres formas de relaciones entre los evangélicos y la sociedad: 1) En busca de la participación política el sector tradicional; 2) Cambiar la sociedad desde abajo, comunidades cristianas neopentecostales (abstencionismo político y social); y, 3) La espera del segundo advenimiento: fundamentalismo protestante separatista (profesan el separatismo absoluto de los cristianos del quehacer político tradicional). De esas tres formas de relación, en la primera se sitúan las iglesias evangélicas en Lota, cuya presencia e impacto en la comunidad local está fuera de discusión y ha reemplazado y/o superado las asociatividades existentes del mundo del carbón. Son un referente en la ciudad y para la ciudad23, ya que hoy se observan cambios en su orientación, que apuntan hacia un proceso de transición desde el cambio personal al cambio social, de lo privado a lo público, por lo que

En el marco del mes de la Biblia, el Consejo Evangélico de Lota (COEL)organizó diversas actividades. La jornada comenzó con una Conferencia Nacional de Líderes que contó con la participación de José Henríquez, uno de los 33 mineros atrapados en la mina San José, quien contó su testimonio de fe a los líderes cristianos de Lota. Además, realizaron caminatas con murgas, batucadas y cánticos hasta la plaza de armas, donde expusieron un mensaje de amor y bendición para la comunidad. Por su parte, el alcalde de Lota, Jorge Venegas, compartió un almuerzo con el pueblo evangélico de Lota, y valoró las iniciativas que han llevado a cabo en beneficio del bienestar de la ciudad, además, del trabajo solidario que realizan a diario”. (Departamento de Comunicaciones, Ilustre Municipalidad de Lota, 26 de septiembre de 2011). 23

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es un tema que merece ser analizado en profundidad, dado que se puede proyectar a partir de este universo evangélico los cambios que experimentará Lota en las próximas décadas, especialmente en su participación política o inserción en el campo de la política institucional. El trabajo evangélico se despliega en varias direcciones: 1. A través de la captación de recursos públicos, asignados mediante el municipio por la vía de la Oficina de Asuntos Religiosos, el trabajo se expande a diferentes ámbitos de la vida cotidiana. Se organizan Festivales de música que incorporan a predicadores o “rockstars” que forman parte de un circuito artístico; se crea la primera Biblioteca comunal cristiana24; en términos de asistencia médica, personas de las diferentes iglesias se integran al sistema oficial de salud y son reconocidas como interlocutores válidos en ese campo (hospitales); en Educación se imparten clases de religión evangélica que hasta hace poco tiempo eran mayoritariamente católicas, con profesores especializados en esta cultura religiosa y acreditados oficialmente; en lo político, el COEL constituye un actor relevante que, aunque no se alinee con un partido político, inclina cualquier elección en el plano local y regional. 2. La iglesia opera como “comunidad terapéutica”, ya que los “hermanos” han trabajado más eficientemente que todos los servicios del Estado en la rehabilitación de alcohólicos y consumo de drogas. 3. Hay una internacionalización de la Iglesia, lo que se expresa en el envío de dinero a Sudáfrica para construcción de Iglesias y viajes de pastores a otros países como Brasil, ya que se está “exportando el modelo de Lota”. 4. Existe un uso importante de tecnología: canal de televisión local, Radio, Internet (redes sociales: Facebook, páginas web). El mundo cristiano se está profesionalizando en términos de los soportes utilizados para difundir su mensaje. La fragmentación de las iglesias, que no es de orden ideológico o teológico, sino, principalmente, de liderazgos, y que puede ser una dificultad para su participación política institucional, implica dos estrategias que tienen consecuencias prácticas en términos de su reproducción y de su participación en el espacio público. Por un lado, en cuanto estrategia

24  “Se hizo con el fin de que uno se prepare más, para estudiar, leer y quitar el estigma de la ignorancia que existía hacia los evangélicos. En el pasado se decía la letra mata, y hoy la letra mantiene”, sostiene un pastor entrevistado.

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de reproducción significa un control territorial por excelencia y biopolítico de los cuerpos y mentes, ya que la división de una iglesia conlleva a que en un espacio próximo se instale un nuevo local que atraerá a nuevos fieles, y que además permitirá el tránsito de estos entre la “variada oferta religiosa” que ofrece la ciudad25. Por otro lado, constituye una estrategia de visibilización y participación en el espacio público, dado que las iglesias evangélicas han tenido fuerte presencia en los procesos de reconversión laboral, social y cultural que experimenta la zona minera, ayudando a rescatar a los mineros de su drama existencial, económico y de salud. Hay un involucramiento político asumido como una responsabilidad política (social y divina) derivada del ser parte de una zona evangélica y hay una estrategia más orgánica y concertada entre las actividades públicas de las organizaciones de iglesias y la vida congregacional de cada una de las iglesias y denominaciones particulares. Dos formas de expresión del capital evangélico acumulado dan cuenta de la participación social y de la posibilidad de actuar en la política local. El Consejo Evangélico de Lota (COEL) y la visión acerca de la participación de los evangélicos en la política servirán como referencias empíricas para analizar lo anterior.

5 El mensaje político de las iglesias evangélicas: “No hay decisiones sin nosotros” Copados los espacios simbólicos y territoriales en la zona del carbón por parte de las iglesias evangélicas, para poder crecer y multiplicar sus objetivos necesitan posesionarse como interlocutores en el espacio público comunal, el que fue y es disputado por los partidos políticos y sindicatos, es decir, ahora se demanda ser escuchados como actores relevantes, y por eso resuena el “somos mayoría”, o “no hay decisiones sin nosotros”, porque ya han trabajado en el mundo público y demandan al Estado reconocimiento mayor de derechos sociales, culturales y civiles, o de ciudadanía, que los ya alcanzados a través de la Oficina de Asuntos Religiosos de la Municipalidad de Lota. Lo anterior se puede graficar en el discurso reiterativo de los pastores: “el Estado está en deuda con las iglesias, y que nadie, ni ninguna colectividad política ni organismo público o privado ha realizado más trabajo social que los evangélicos”; que “han tenido  En la expresión del Presidente del Consejo Evangélico de Lota “hay iglesias para todos los lotinos y lotinos para todas las iglesias” (Entrevista, 09/09/2012).

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más éxito que todas las instancias de prevención contra las drogas, el alcohol y la violencia”; que a través de su presencia “Lota es más vivible y más humana, y que puede ser menos sucia, más justa y más equitativa”; que porque están ellas “Lota es segura; que no hay asaltos, que se puede transitar tarde por la ciudad y sin problemas”. Además, se indica que a partir de su trabajo aumenta el bienestar individual y colectivo, porque por una parte, hay una construcción biográfica y un relato de cada fiel que habla de la superación y de renovadas expectativas al conocer a Dios y a la comunidad cristiana; y, por otra, existe una identidad colectiva evangélica, legitimada socialmente, que tiene efectos prácticos y visibles en la vida cotidiana de los habitantes de Lota. El Consejo Evangélico de Lota (COEL), tiene su origen en la Unión de Iglesias, creada en Lota el 29 de agosto de 1956. En el relato del Pastor Cea el Consejo Tiene 53 años de vida, nace precisamente de la necesidad de los pastores de poder unirse y poder tratar de darle a la iglesia evangélica un status mayor, hasta ese entonces la iglesia en Lota no era muy bien reconocida muy bien considerada, porque en Lota así como es la capital del evangelio, también es el centro del partido Comunista, acá se desarrolló muy fuerte lo que era el partido Comunista.

que eran como los dos polos opuestos en este caso, y eso hacía que la iglesia en cierta medida no era, fuera mal considerada por parte de los Comunistas. La relación, observa él que ha ido cambiando con el transcurso del tiempo, podemos relacionarnos, podemos compartir, podemos conversar, de hecho nosotros tenemos muy buena relación con algunos personeros del partido comunista, de hecho hay hermanos de iglesias que fueron comunistas o que mantiene todavía tal vez alguna relación.

En septiembre de 1973, entró en receso por petición del mayor de carabineros de Lota. En octubre del mismo año, se reorganiza con el nombre de Concilio de Iglesias y asume como presidente Daniel Reinoso de la Iglesia Asamblea de Dios. En 1988, fue elegido como presidente el pastor Bernardo Gutiérrez de la Iglesia Ejército Evangélico de Chile en este período la organización se “resiente” y entra en receso nuevamente (Plebiscito). Cuatro años más tarde se reorganiza (1992) con un nuevo nombre, esta vez Unión de Iglesias Evangélicas de Lota. De las actividades que realizan destacan cursos de capacitación a pastores, cursos de prevención de 57


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drogas a jóvenes de iglesias, comedores abiertos, aportes a la comunidad de mineros, visitas a cárceles y hospitales, Oficina de asuntos religiosos, agrupación de profesionales evangélicos al servicio de las iglesias de Lota… (RIVERAS, 2006). Muchas de las actividades realizadas han contado con el apoyo/colaboración del Servicio Evangélico para el Desarrollo (SEPADE)26. Actualmente, según el mismo Pastor, uno de los objetivos del COEL, es la búsqueda de mayor representatividad del “pueblo evangélico”, porque la iglesia evangélica siempre ha sufrido lo que es la discriminación hasta el día de hoy, pero hemos tratado nosotros de ir ganando terreno. Entonces hoy estamos también trabajando con la intención de posicionar la iglesia evangélica y que tenga su participación dentro de lo que es la comunidad que sea respetada en la comuna”. La participación en el espacio comunal se fundamenta en el auto-reconocimiento que formulan en relación a las capacidades con que cuentan para asumir cargos y con ello, la posibilidad de tener “un buen gobierno”. Pero además, se fundamenta en la experiencia social que ellos tienen en relación al conocimiento de la problemática de la comuna: “nosotros visualizamos los problemas que hay, yo te hablo de los problemas reales que tenemos como iglesia evangélica y como comunidad lotina”. En razón de lo anterior, a través del tiempo, reconocen que ellos son convocados por las autoridades, como señal de la confianza que el Alcalde ha depositado en los evangélicos. Estuvimos trabajando como garantes aquí en Lota cuando ocurrió el terremoto en conjunto con el sacerdote, estuvimos trabajando en lo que es la entrega de los alimentos, o sea el Alcalde nos confió eso, y estuvimos 15 días trabajando a full en eso, entonces de alguna manera la iglesia ha ido logrando la confianza de las autoridades, en este caso, y de la gente, la gente confía.

“El Servicio Evangélico para el Desarrollo, SEPADE, es una institución ecuménica privada de interés público, con 35 años de trayectoria en la gestión y desarrollo de iniciativas sociales, educativas, culturales y productivas. Su estatuto jurídico corresponde a una Corporación de Derecho Privado sin fines de lucro. Actualmente, sus programas se desarrollan en las regiones de la Araucanía, del Biobío y Metropolitana. Mediante su acción, aspira a contribuir a la construcción de una sociedad chilena más acogedora, solidaria e inclusiva. Una sociedad que no limite el desarrollo de las personas y comunidades, ni las discrimine arbitrariamente por motivos sociales, culturales, étnicos, religiosos, políticos, sexuales, de género, edad, salud, discapacidad física o mental. La Corporación fue fundada a partir de la iniciativa de una iglesia evangélica, y su Asamblea está integrada por personalidades de diversas iglesias evangélicas chilenas. No obstante, en coherencia con el llamado bíblico a ''no hacer acepción de personas'' (Hechos 10:34), su trabajo se caracteriza por una orientación ecuménica y pluralista, sin motivaciones proselitistas”. Disponible en: <http://www.sepade. cl/presentacion/>.

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No solamente en actividades asistenciales han reconocido su participación, sino también en conflictos políticos como mediadores cuando las mujeres de los programas de empleo se tomaron el Chiflón del diablo27, “Hace unas semanas atrás también fui llamado por parte de la Intendencia a mediar o ser garante en el conflicto que hubo de las señoras que se tomaron la mina el Chiflón del diablo”. Por lo anterior, sostenemos como hipótesis que el COEL opera como referente aglutinador, una suerte de parlamento y voz de representación frente a las autoridades. Este proyecto (representación organizada) los constituye en actores políticos; y como tal deben ser convocados cuando se discuten y adoptan decisiones comunales y regionales. Al mismo tiempo, mediante esta instancia formal se fortalece la presencia de la población evangélica, proyectan unidad, se defienden de las agresiones y discriminación, establecen vasos comunicantes entre las denominaciones, lo que se traduce por una parte en una iglesia moderna, vanguardista y de lecturas de la Biblia que les permiten una interpretación más libre y con mayor sintonía del tiempo presente, con uso de recursos tecnológicos, y por otra, en la legitimación de un nuevo espacio y relaciones en el que se reencuentran política y religión, en la que el texto sagrado indica las claves estructurantes que deben regir los deberes y obligaciones de todo representante en el gobierno local. Por tanto, lo que se observa es un proceso de transición en la forma y contenido del quehacer de las iglesias, proceso que entre otros factores está asociado a un cambio generacional y educacional (formación universitaria), especialmente visible en los jóvenes pastores que actualmente lideran el Consejo. Si bien a éste no se le atribuyen “funciones políticas”, los evangélicos de la comuna se muestran proclives hacia la participación en la política institucional (fenómeno que no sería nuevo en el caso de Lota, por la experiencia del Pastor Mora y su militancia socialista).

6 Salir del templo: “Con ese 58% en Lota deberíamos tener un alcalde cristiano” Como se señaló anteriormente, la relación entre política y religión en el campo evangélico chileno, ha mostrado variaciones en el decorrer del siglo XX. En el caso de los pastores entrevistados, se observa  Corresponde a una mina de carbón, hoy convertida en parte de un circuito turístico.

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una disposición favorable, justificándose tal vínculo a partir de: primero, antecedentes históricos; por muchos años, históricamente, la iglesia evangélica cometió el error de separar la política de lo que es la iglesia evangélica y si nosotros hacemos un análisis histórico, nos vamos a encontrar que hace muchos años atrás, el año 1800 hubo hombres que fueron evangélicos y que hicieron aportes tremendos a la constitución de nuestra nación, David Trumbull, los hijos de él y otro tantos más, ellos fueron influyentes en la política chilena.

Segundo, de la (auto)crítica a la creencia que política y religión no eran compatibles, entonces con el tiempo se separó y se comenzó a decir que la política no iba con la religión, en este caso que los evangélicos no podían participar en política y la gente comenzó a dar crédito a eso, desde mi punto de vista creo que equivocados, porque creo que nosotros podríamos perfectamente hacer un aporte bastante importante desde el punto de vista político, bien informados con gente con fundamento y una fe sólida se puede hacer un gran aporte dentro de lo que es la política.

La gente en Lota no está alineada, los pastores podrían decir vamos a apoyar esta persona al cargo de alcalde, pero nunca lo van hacer… el pastor Garrido decía que eran libres de votar pero insinúan para que lado votar… el lado derecho lleva a dios, otros dicen por el lado izquierdo sale el sol (CONCEJAL).

El pastor José Ramírez, expresidente de la Unión de Iglesias Evangélicas en Lota (actual COEL), señala que el tema de la participación en elecciones ha sido discutido, sin embargo, para él “sería muy difícil participar en la política contingente. Tengo otras aptitudes. Eso sí, debemos reconocer que dentro de nuestra iglesia hay hermanos que tienen esa vocación política. A su juicio, quienes se postulen deben reunir tres condiciones importantes: “Uno es su identidad, que aunque estén en un cargo público no pierdan su identidad evangélica. Lo otro es la integridad, debe ser un hombre honesto y sincero. Y por último, debe ser responsable”. Manifiesta su confianza en la posibilidad de elegir un alcalde en términos cuantitativos, sin embargo menciona la falta de capacidad para asumir cargos públicos, pero sobre todo, sucede que hay pastores de diferentes tendencias. Nos falta unirnos bajo un mismo ideal político. Uno puede decir que como evangélicos vamos a apoyar tal o cual candidato, unos van a decir amén, otros se van a sentir mal. Entonces, para evitar cualquier tipo de confrontación entre nosotros, preferimos que cada miembro de la iglesia vote según su conciencia. Sería maravilloso tener un alcalde evangélico, pero todavía no ha llegado el momento… Quizás, en cuatro años más yo creo que podría ser28.

En esa misma dirección apunta el Pastor y Concejal en la comuna de Lota, (Renovación Nacional) Anselmo Cea Rodríguez, de la Iglesia Evangélica Universal. En el pasado la iglesia era muy reacia a que un hermano estuviera en la junta de vecinos, con la política general, en organizaciones (…) la iglesia estaba muy encerrada en si misma, pero con el paso del tiempo empezaron a haber jóvenes evangélicos, empezaron a llegar a los liceos, a la universidad, y en este conocimiento, en esta apertura permitió que la iglesia, los pastores jóvenes ellos tienen una visión distinta, renovada, todo puede ser. En mí caso, los hermanos me autorizaron para ser concejal, hoy en todas las comunas van evangélicos postulando a cargos públicos (Entrevista, 09/09/2012).

No obstante, se observe una actitud favorable a su inserción en el campo de la política, al mismo tiempo se reconocen las dificultades que ellos enfrentan para que en Lota, por ejemplo, pueda haber un Alcalde evangélico. Por un lado, “el costo de las campañas es elevado, y en media cada candidato invierte entre 70 y 80 millones de pesos, dinero que no dispondrían los pastores. Por otro lado, la mayoría de los entrevistados tiende a coincidir en lo complejo que es lograr la unidad del “pueblo evangélico” en torno a un candidato… Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

Y por último, de la necesidad del cambio en el sistema binominal, dado que este opera como límite a su inclusión en el sistema político formal29. Sin embargo, aquello no ha sido posible, por la permanente búsqueda de autonomía que las iglesias han tratado de mantener en relación a los partidos políticos y el actual sistema binominal no les permite presentar candidatos dada su falta de filiación política. Con claridad se señala: tenemos un sistema binominal que a nosotros no nos permite, aunque somos

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Disponible en: <http://www.sepade.cl/noticias/display.php?id=90>.

El sistema binominal ofrece posibilidades de participación política a quienes se encuentren integrados a coaliciones políticas. Asimismo, al elegirse dos candidatos por circunscripción para que una coalición gane los dos cupos debe alcanzar el 66,6% de la votación.

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Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014 el 58%, con el 58% tendríamos un alcalde, tendríamos concejales acá en Lota30, pero no nos permite, por qué razón, porque nuestros hermanos tienen que venir y participar por un partido político” si se terminase el sistema binominal, nosotros los evangélicos tendríamos una posibilidad clara, real de tener un concejal, de tener un alcalde.

Y a diferencia de otro entrevistado, si reconoce la que cuentan con profesionales calificados: porque también tenemos profesionales en nuestra iglesia, tenemos médicos, todo tipo de profesional usted lo encuentra en la iglesia, si nosotros tuviésemos la oportunidad desde La Moneda poder tratar de hacer cambios sustantivos acá en Lota, se podría porque los profesionales están, la gente está, solamente que el sistema no lo permite ya que cada persona que va, ya sea evangélica o no, va a representar los ideales de un partido, no los ideales nuestros, entonces a nosotros no nos conviene que vaya una persona por un partido político porque va a representar los ideales del partido.

Esta disyuntiva, ha sido una constante en el mundo evangélico chileno, y a diferencia de otros países donde se han organizado en partidos políticos y han logrado su inserción en la política formal (Brasil es un buen ejemplo), los evangélicos de Lota, a pesar de ser mayoría, aún no han logrado constituirse o transitar de actor social relevante a actor político en la arena institucional. Aunque algunas señales apunten en el mediano plazo hacia esa posibilidad. La renovación generacional en las iglesias, el cierre de la mina y la “pérdida paulatina” de una narrativa política sindical del mundo obrero minero, gestada en los albores del siglo XX, podrían dar paso a la creación de otra narrativa pos carbón, donde la dimensión cultural religiosa de Lota, objetivada en un capital colectivo evangélico sirva de referencia para reconstruir no solo la identidad de los lotinos sino también de la ciudad.

“Con ese 58% de gente evangélica y otros tantos credos que hay en Lota, se supone que esta ciudad debería ser diferente y esa es la deuda que tenemos es la gran deuda que tiene la iglesia con la comuna, se supone que nosotros deberíamos tener autoridades evangélicas, cosa que no la tenemos, no tenemos un representante, si bien hay un hermano que es concejal, pero él representa su partido político, no representa nuestras ideas, con ese 58% de porcentaje en Lota deberíamos tener un alcalde cristiano, deberíamos tener concejales cristianos, autoridades que fueran cristianos, si es evangélico o no, a uno le gustaría que fuera evangélico porque conoce la realidad , la discriminación, conoce todo, hablamos desde la experiencia, entonces, puede ser cristiano o puede ser católico”.

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7 Conclusiones Frente a la desinstitucionalización del mundo sindical y partidario, su retirada, la falta de presencia, su dispersión y la existencia remanente entre los intersticios de la nostalgia, son las iglesias evangélicas, cual más cual menos, las que se vuelven gravitantes al contener el presentismo de las urgencias de una ciudad sumida en la pobreza y el desempleo. Lota sigue estando dominada por el sino de la espera: mejor trabajo, salud, educación, vivienda y alimentación. Declarar cuáles son los imperativos morales y éticos del mundo político y exigir su cumplimiento, constituye un nuevo reclamo y una voz de autoridad de los pastores y sus iglesias frente a la desatención del Estado, aun cuando lo que las debilita son los liderazgos internos y la tendencia a la fragmentación. Pero, más allá de la tendencia a la alta diferenciación interna del mundo evangélico, las iglesias en su diversidad han incorporado la idea del “cambio posible”, generando resiliencias entre sus fieles, renovando los imaginarios y restituyendo un sentido utópico y quizá milenarista al ser Lota y la zona del carbón el lugar más gravitante y fecundo para el desarrollo de la Palabra evangélica. La fuerza y presencia de las iglesias es tan potente que permite sostener a los lotinos creyentes y no creyentes que, en el terremoto y posterior tsunami del 27 febrero de 2010, el mar no entró en Lota por la fuerza religiosa que opera como anillo protector. “Dos dedos o todas las manos habrían detenido la entrada del mar”. Pero, esta arremetida de la naturaleza, es lo que realza la pequeñez humana tanto como acontecía en la mina. Si la literatura ha tendido a enfatizar la división entre lo político y lo religioso en las iglesias evangélicas, especialmente en las pentecostales, un análisis de larga duración indica que la dirección ha ido en sentido contrario. Claramente el evangelio en Lota ha tenido una presencia marcante en el escenario político local, y eso se explica por la legitimidad cultural y política que las iglesias han ido “conquistando” en ambos campos de acción a lo largo del siglo XX y, pareciera, que con nuevos brios en la primera década del presente. La voz unívoca de todas las fracciones religiosas, es que ellas han tenido más presencia que todas las organizaciones del Estado; y han acompañado a su pueblo en las horas más tristes: la dictadura y el cierre de la mina. También son un intangible cultural como ha sido para generaciones la vida en la mina y la cultura del carbón. “Lo que le pasa al pueblo” queda incluido en un universo de sentido.

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El ADN solidario y gregario de una población única, en lo que han sido sus convicciones políticas y religiosas, es que quizá lo que refuerza y da mayor realce al descriptor de la comuna: “Lota, sorprendente”. No es sólo su historia; es también su presente. No deja de ser pobre, precaria en sus recursos y olvidada por los centros de poder; pero está rebosante de esperanza con su fe multiplicada en decenas de lugares de culto.

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Agentes religiosos e o enfrentamento ao regime civil-militar no Brasil Religious actors and the confrontation to the civilian-military regime in Brazil

João Marcus Figueiredo Assis1

RESUMO A religião, como aspecto constituinte da identidade nacional, é uma instituição importante para a análise da sociedade brasileira, especialmente em determinados períodos históricos. Este artigo verifica como determinados agentes religiosos enfrentaram o regime ditatorial no Brasil. Para tanto, essa reflexão centra-se em depoimentos de agentes religiosos católicos e seu enfrentamento ao Regime. Mas, para além de centrar-se apenas em memórias, o artigo procura cotejar esses relatos com os arquivos do Grupo Cultura Documental, Religião e Movimentos Sociais e financiado pela FAPERJ. Na busca da compreensão das diferentes experiências e do significado da vivência religiosa no envolvimento e/ou no impulso para o social e político, organizaram-se as narrativas e as representações dos entrevistados. Com isso, pensou-se ser possível apontar um saber compreensivo sobre as suas atitudes naquele período. Palavras-chave: Igreja Católica. Regime Militar. Memória. Movimentos sociais. História oral. Abstract Religion, as a constituent aspect of national identity, is an important institution for the analysis of Brazilian Society, especially in certain historical periods. This article intends to investigate how certain religious actors faced the dictatorship in Brazil. For this, this discussion focuses on the testimony of Catholic religious actors and its confrontation to the Dictatorial Regime. But beyond focusing only on memories, the article attempts to collate these reports with files from Documental Cultural, Religion and Social Movements Group and financed by FAPERJ. In the pursuit of understanding the different experiences and the meaning of religious life in the involvement and/or on the impetus for the social and political, we organized the respondents narratives and representations. Thus, it was thought to be possible to point an understanding knowledge about their attitudes in that period. Keywords: Catholic Church. Military Regime. Memory. Social movements. Oral history.

1  UNIRIO - Professor Adjunto do CCH da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e do Mestrado em Gestão de Documentos e Arquivos. Coordenador do Grupo de Pesquisa “Cultura Documental, Religião e Movimentos Sociais”, no qual desenvolve pesquisas e orienta alunos em temáticas que envolvem esses três eixos temáticos. Essas pesquisas têm financiamento da FAPERJ e do CNPq, instituições às quais agradeço pelo apoio. E-mail: jmfassis@yahoo.com.br.

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1 INTRODUÇÃO Parece ser consenso que a religião no Brasil apresenta aspecto indissociável da constituição social, política, econômica e cultural mais abrangente. Seguindo tal raciocínio, não podemos dispensar a análise da sociedade brasileira sem levarmos em conta a presença de determinadas instituições religiosas. Queremos aqui analisar um período político recente no Brasil denominado nas rodas intelectuais como Regime Ditatorial Civil-Militar, o qual compreende mais estritamente, embora haja variações, os anos de 1964 a 1985. De uma forma mais estrita, ater-nos-emos ao enfrentamento de agentes religiosos católicos ao regime instaurado naquele período. O presente texto é resultado de informações advindas de nossa pesquisa em andamento sobre a temática. Essa pesquisa é desenvolvida no conjunto do Grupo Cultura Documental, Religião e Movimentos Sociais e possui financiamento da FAPERJ. Ressaltaremos justamente os diálogos possibilitados pelos encontros e confrontos entre os documentos arquivísticos e a oralidade na (re)constituição dos fatos ligados a nossos depoentes. Esses podem ser considerados mais do que depoentes, mas colaboradores, uma vez que somente por intermédio das lembranças de suas experiências algumas informações relevantes podem ser repassadas. Na construção deste texto, consideramos relevante identificar elementos que nos ajudem a compreender as relações entre documento e oralidade na constituição das memórias sobre o período. Cremos que, mais do que contradições, a oralidade e a escrita podem apresentar aproximações criativas para a construção de um pensamento sobre a realidade, em que nenhuma das duas esferas possui a completude da verdade. Firmamos nossa análise para além da estreiteza de um único campo de sedimentação das memórias. Portanto, não optamos por uma polarização entre o oral e o escrito, ou pela submissão de um sobre o outro. Na busca da compreensão das diferentes experiências e do significado da vivência religiosa no envolvimento e/ou no impulso para o social e político, tentamos organizar as narrativas e suas representações até aqui apresentadas pelos entrevistados. Com isso pensamos poder apontar um saber compreensivo sobre suas atitudes naquele período. A pesquisa sobre arquivos e narrativas visa a dar continuidade à nossa perspectiva interdisciplinar, que tem como interesse geral as inter-relações da Religião, 64

dos Arquivos e dos Movimentos Sociais.2 Abordamos as vinculações entre práticas sociais e universo religioso, de forma especial em seus aspectos de construção do conhecimento popular pela produção, disponibilização, circulação, utilização e reapropriação de produtos documentais entendidos aqui como uma extensa forma de registros de informação, tanto institucionais quanto pessoais ou vinculados a práticas de coletividades de agentes sociais, os quais constituem redes de pertencimento e de circulação de conhecimentos. Buscamos ainda pesquisar os referenciais institucionais vinculados à produção, organização e disponibilização do documento e sua relevância social, de forma especial os arquivos, em sua relação com movimentos sociais e populares, no que tange aos enfrentamentos de agentes e instituições ao regime ditatorial civil-militar instalado no Brasil a partir do ano de 1964. Como perspectiva específica, propomos como estudo as ações de agentes religiosos no enfrentamento dos aparelhos estatais durante o regime militar. Nosso esforço é por compreender como as diversas narrativas (documentais ou orais) constroem registros identitários religiosos em torno da figura referencial do comprometimento social e suas memórias. A presença de setores das Igrejas cristãs, em especial da Igreja Católica, apresenta-se como significativa no sentido de se constituir, juntamente com diversos outros segmentos culturais, sociais e políticos, em expoente de resistência ao regime ditatorial. Nosso campo de investigação teve início pela Diocese de Nova Iguaçu, devido a seu caráter politizado de religião desde os anos sessenta e a nossas abordagens anteriores sobre esse espaço. Entretanto, passamos a perceber a relevância da ampliação desse universo espacial. Estamos nos voltando, atualmente, para a complexidade de formas e grupos de ação que partem ou se vinculam ao universo católico no Brasil. Passamos a perceber a importância dos movimentos estudantis e operários, de forma mais direta nas ações de enfrentamento do regime ditatorial. Nosso trajeto de pesquisa vem se voltando para a identificação das narrativas sobre a perseguição e o enfrentamento ao regime ditatorial no Brasil e as significações apresentadas pelos agentes na construção de elementos identitários tanto no que se refere ao âmbito pessoal, assim como no âmbito institucional religioso ou sociopolítico.

2   Tal perspectiva foi iniciada com o Projeto Arquivo, Religião e Movimentos Sociais: Dom Adriano Hypólito como modelo identitário católico na Baixada Fluminense-RJ – Financiado pela FAPERJ.

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Por outro lado, faz-se necessário pesquisar conjuntos documentais sobre tais agentes, em especial aqueles produzidos pelos órgãos de repressão. Interessa compreender o caráter de controle sobre ações religiosas, culturais, sociais ou políticas imputado ao documento arquivístico. Dessa forma podemos melhor compreender reivindicações atuais sobre acesso à informação. É necessário ainda avaliar essa produção e utilização documental tanto pessoal de tais agentes quanto de associações, sindicatos ou partidos, em vista da compreensão de questões ligadas ao acesso à informação; Fundamental para nossa pesquisa é abordar a penetração atual da projeção das memórias coletivas desse enfrentamento sobre as diversas construções identitárias pessoais e coletivas, assim como sobre os processos de solidificação dos Direitos Humanos delas decorrentes.

2 ARQUIVOS E NARRATIVAS Em seu trabalho sobre a Igreja Católica e a Política no Brasil, Mainwaring (1989) aponta a Diocese de Nova Iguaçu como exemplo no trabalho desenvolvido com os movimentos populares. Embora reconheça o papel da Igreja como instituição, nesse processo de estruturação das lutas populares, ressalta, referindo-se à Diocese, que O apoio do bispo às atividades progressistas na base tem sido decisivo, mas são as organizações de base e não o bispo que têm mais importância no apoio aos movimentos populares. Além disso, foi através da capacidade de fortalecer a sociedade civil (especialmente os movimentos populares) e não de suas negociações com a elite política local, que a Igreja teve mais impacto político (1989, p. 208-209).

Nesse período conturbado da história do Brasil, o regime de exceção instaurado em 1964, a Igreja Católica iniciou um processo de mudanças que levou a uma aproximação com os movimentos reivindicatórios. Foram relevantes os espaços de conscientização e mobilização por meio de diversos trabalhos pastorais, como Círculos Operários, Clubes de Mães, Grupos de Jovens, entre outros. O mesmo autor expõe ainda uma legitimidade física por parte de setores da Igreja Católica, que foi a abertura de espaços de reunião, como salões, igrejas e capelas. Por último, referindo-se à Diocese de Nova Iguaçu, cita um apoio ou uma legitimação moral, pela confiabilidade creditada à Diocese como instituição, Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

pela presença de padres nos meios populares e pela ação do bispo já falecido Dom Adriano, que expressava claramente seu apoio aos movimentos populares. A partir dos estudos das ações do referido bispo, percebemos que elas são ampliadas pela adesão de diversos outros agentes religiosos, como leigos/leigas, padres, religiosos/as. O estudo sobre o conjunto de suas ações permite-nos conhecer estratégias e táticas de enfrentamento ao Regime Civil-Militar pelo viés das práticas religiosas. Possibilita ainda compreendermos a constituição das Memórias Sociais (HALBWACHS, 1990, 1994; POLLAK, 1989, 1992; POMIAN, 2000) que contribuem para a construção de identidades religiosas, sociais e políticas em perspectiva interrelacional, em especial na Baixada Fluminense. Outro aspecto que nos parece importante é o entendimento das ações de controle e repressão dessas atividades indicadas acima pelos aparelhos dos órgãos de repressão. O estudo sobre processos documentais será imprescindível para essa análise (FICO, 2008; ANTUNES, 2008). A necessidade e a urgência desse trabalho encontram-se firmadas na possibilidade de coletarmos informações deveras relevantes para a compreensão dos sentidos de tais ações, em especial pela idade avançada em que se encontram nossos depoentes. De outra forma, as lembranças dessas pessoas poderão estar fadadas ao desaparecimento na impossibilidade dos contatos diretos com os depoentes. Nesse sentido, o recurso à História Oral é de fundamental importância. O diálogo com as narrativas orais e a memória possibilita não uma hierarquização de fontes, entre o escrito e o oral, mas um reforço de suas especificidades e suas aproximações. Portanto, as memórias dos agentes religiosos revelam, em consonância com as fontes documentais, um acesso não somente ao passado, mas às representações sobre tal passado, tomando como base as experiências dos depoentes e seu lugar no presente. Aspecto destacado por Paul Thompson (2002) é o caráter interdisciplinar da História Oral. Como Grupo de Pesquisa composto por áreas de conhecimento em diálogo3, tal metodologia possibilita a ampliação da análise das falas dos entrevistados. O autor destaca, em sua experiência com a História Oral, a necessidade de atenção para com interesses próprios da Sociologia, da Antropologia, da História, da Psicologia e da Psicanálise, uma vez que as narrativas abrem espaço para diferentes abordagens sobre as ações humanas.

3  Os componentes do Grupo responsável pelo desenvolvimento desta pesquisa pertencem a diferentes áreas de conhecimento, como Psicologia, Sociologia, Educação, Ciência da Informação.

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A compreensão da realidade bastante complexa como a desse período histórico brasileiro exige uma ampliação nas perspectivas de pesquisa. Verificamos a necessidade de estarmos atentos às consequências da perspectiva política de tais agentes religiosos, seu envolvimento subjetivo na luta pela redemocratização política e pela organização popular, assim como a constituição de estratégias informacionais via produção, organização e utilização documental. Nossa principal meta é a identificação e a análise de práticas e táticas de agentes religiosos. Na perspectiva de Certeau (1994), as práticas e as táticas transformam-se em modos de constituição de formas de sobrevivência em meio a adversidades cotidianas. Duas referências serão fundamentais: os documentos e as narrativas. As ações de tais agentes religiosos identificam modos de pensar e de adesão a projetos reivindicatórios e de cunho crítico em relação ao regime ditatorial. Pensamos que chegar ao conhecimento das intenções desses agentes por meio de suas práticas nos permite relacionar as implicações religiosas na condução dos movimentos sociais, associativos e políticos daquele período. Entretanto, nossa meta não se destina exclusivamente ao recorte temporal do período ditatorial civil-militar no Brasil. Pelo viés dos estudos da Memória, buscamos relacionar as narrativas e os documentos à constituição de expectativas quanto ao presente e ao futuro pensado por tais agentes. Suas ações atuais, seus engajamentos políticos, o desenvolvimento de projetos sociais, culturais e religiosos devem motivar a reconstrução dos fatos por meio de suas lembranças. Portanto, entendemos que a Memória nos permite elucidar aspectos mais amplos sobre as identidades construídas por pessoas e coletividades. Pelo aspecto documental, podemos compreender como tais ações eram representadas tanto pelos agentes envolvidos quanto para as instituições que os abrigavam, como a Igreja Católica, por um lado, e os órgãos de controle e repressão por outro. Portanto, o documento, seja aquele entendido mais especificamente como arquivístico, ou como aquele mais geralmente entendido como uma ampla gama de registros (pessoais ou coletivos), é um elemento fundamental para o conhecimento das estratégias de manutenção e duração temporal tanto do controle de atividades consideradas como perigosas ou subversivas quanto de maneiras de articulação e envolvimento em processos sociais de mobilização e conscientização religiosa em perspectiva sociopolítica. A investigação sobre as memórias dos agentes religiosos acontece, portanto, por meio de pelo menos 66

dois veículos: os documentos e as narrativas. No primeiro grupo, estão as Instituições Arquivísticas de guarda de documentação sobre ações de indivíduos e de coletividades. Tais instituições seriam os Arquivos da Diocese de Nova Iguaçu e da Cúria Arquidiocesana do Rio de Janeiro e o Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. São igualmente relevantes para nossa investigação outros conjuntos documentais, como os pertencentes a pessoas, a Sindicatos, a Associações e a Partidos Políticos. A princípio mapearemos os conjuntos documentais existentes em tais instituições, não deixando de estar atentos para a possibilidade de ampliação desse quadro. Como segundo veículo de informações pertinentes, temos as narrativas dos agentes envolvidos, assim como de outros agentes que com eles tiveram contato, caso seja necessário. Identificamos nesses dois veículos nossos meios principais para coleta de informações. Entretanto, queremos identificar ainda outros processos comunicativos ou informacionais pelos quais esses dados são transmitidos, tais como eventos e encontros de formação, folhetos, celebrações, cartas, relatórios, diários, fotografias, entre outros, que se fizerem presentes, em especial, a partir dos contatos diretos com os agentes entrevistados. Em vista do exposto acima, os procedimentos metodológicos adotados nesta pesquisa são, privilegiadamente, a Pesquisa Documental e a História Oral, a partir da qual lançamos mão da coleta de narrativas orais por meio de entrevistas semiestruturadas. A História Oral é aqui entendida não somente como instrumento de complementação da ausência do documento arquivístico, mas em uma situação de diálogo com esse. Nossa análise levará em conta, sobremaneira, a visão de mundo apresentada pelos narradores a partir de suas impressões sobre a experiência relatada. Nesse aspecto buscamos mais aproximar do que distanciar as metodologias da História Oral e da etnografia. A coleta das entrevistas é feita por meio de filmagem e não somente por gravação de voz, dependendo de nossas condições e do aceite do entrevistado. Dessa forma pretendemos ampliar nossas categorias de análise incorporando à narrativa oral toda a dinâmica corporal, como bem alertou Walter Benjamin (1986) ao tratar do narrador. As filmagens e as falas, sendo que as narrativas orais serão transcritas visando, sempre que possível, à disponibilização de seu conteúdo em vinculação com a imagem filmada. Nossa amostragem de entrevistados foi iniciada com a indicação dos principais nomes de agentes Revista Gestão e Desenvolvimento


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religiosos que tiveram atuação de mobilização social e popular durante o período ditatorial. Hierarquizamos os nomes em vista da relevância de sua participação. A partir de um depoente inicial, iremos confirmando os nomes da listagem, seu grau de importância, bem como montando a rede de entrevistados, mapeando de forma mais completa os possíveis entrevistados. Nossa amostragem seguirá, portanto, os moldes não aleatórios, mas direcionadas pela contribuição dos próprios depoentes.

3 DOCUMENTOS E NARRATIVAS – APROXIMAÇÕES PELA HISTÓRIA ORAL As reflexões intelectuais produzidas na utilização da metodologia da História Oral permitem-nos ampliar a análise sobre a temática, uma vez que se aproxima do universo arquivístico por sua expectativa documental. Um dos recursos de análise em História Oral se encontra na produção documental. Por outro lado, ou de forma complementar, a relevância da História Oral está em não se constituir em um puro método de produção documental a partir de uma “fala verdadeira”. Isso significa que o foco se encontra na produção sobre a visão de mundo dos entrevistados mais do que na pureza objetiva dos fatos por eles narrados. Nesse ponto nosso debate se concentra no questionamento sobre os limites das análises arquivísticas sobre formas de interpretar ou apresentar o mundo sem o interesse precípuo ou irremediável de constituição de verdades. Levando-se em consideração o trabalho de constituição de memórias a partir de determinados grupos ou agentes, podemos entender que, diversas vezes, a narrativa está menos interessada no fato tomado como verdadeiro e mais na sua inscrição no campo da reflexão sobre experiências e vivências. Sem a intenção da verdade, como entender a validade de tais narrativas, se formos levados pela captura da veracidade? O trabalho de pesquisa sobre o acervo de Dom Adriano Hypólito ajuda-nos a refletir sobre tal temática. A utilização de seu acervo documental potencializa a constituição, a manutenção e a difusão de um ideário católico para a Baixada Fluminense. Tal pesquisa leva em conta como os agentes, direta ou indiretamente vinculados à memória desse bispo, (re)assumem e (re) transmitem ou questionam esse ideário. Arquivologia é um saber que se compõe de práticas, procedimentos e teorias milenares, ajustadas, revistas e aplicadas desde a antiguidade. Entretanto, tais elementos foram consolidados em um campo próprio Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

de conhecimento a partir dos interesses emanados do nacionalismo e do historicismo do século XVIII. A Revolução Francesa é um marco fundamental para a afirmação do conhecimento arquivístico, uma vez que inaugura, na era moderna, a consciência da acessibilidade aos documentos de interesse nacional. Nesse período afirma-se a noção de um Arquivo Nacional contendo os documentos que não mais representariam uma classe privilegiada, da qual seriam seu suporte. Mesmo que tal ideia não seja completamente satisfeita na prática, os documentos passam a ser compreendidos como suporte para a consolidação da cidadania, para a constituição da identidade nacional. Os documentos passam a ser entendidos como um patrimônio nacional, o qual todo cidadão poderia acessar para reivindicar ou consolidar seus direitos. Ao lado do valor administrativo dos documentos de arquivo, consolidado durante milênios, o valor de prova (histórica, jurídica, testemunhal) passa também a se afirmar. A Arquivologia, em seu início e durante décadas, passa a ser compreendida como suporte para o conhecimento histórico. Os Arquivos são entendidos por alguns como um depositório de elementos de valor administrativo ou histórico cujos documentos são fundamentais para a compreensão da realidade. Podemos pensar que uma forma de pensamento positivista presente em diversos campos científicos atribuiu aos Arquivos e à Arquivologia uma função especial no que concerne à guarda de instrumentos para a elaboração de um conhecimento tomado como verdadeiro e certo. Tal sucesso se deve também à consolidação de longa duração da escrita como forma privilegiada de inscrição de verdade. Por outro lado, pensando em uma “História dos Arquivos”4, podemos perceber as transformações das práticas e do pensamento arquivístico conforme as visões sobre o documento e suas funções foram sendo modificadas, revolucionadas, transformadas. Na ampliação do conceito de documento, os conhecimentos histórico e sociológico foram percebendo os limites do trabalho estritamente documental, escrito, arquivístico. A arquivologia passa, então, a se perceber em meio a uma crise de suas atribuições quanto à guarda documental. Os apelos pela disponibilização e pelo acesso documental, as tecnologias de informação e comunicação foram, paulatinamente, agravando essa crise. A arquivologia contemporânea encontra-se em busca de soluções, revisões e transformações de 4   SILVA et. al. Arquivística. Teoria e prática de uma ciência da informação. Lisboa: Edições Afrontamento, 2002.

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seus quadros teóricos e práticos para responder às exigências do mundo hodierno. O fazer e o saber tradicionais devem ser equilibrados com as exigências e cada vez mais rápidas transformações. Pensamos que talvez esse aspecto seja o mais impactante, a rapidez com que acontecem as mudanças nos diferentes quadros sociais, políticos, econômicos, culturais, informacionais. Mudanças e adequação a novas formas de proceder e pensar a administração dos documentos foram sempre uma constante na organização dos arquivos. Em determinadas épocas, mais lentas, em outras, mais ligeiras. As revisões e as mudanças, porém, de certa forma constantemente ocorreram. Nossa preocupação aqui é pensar que as crises na Arquivologia aconteceram com menores ou maiores impactos conforme as condições sociais de cada época. Quando novas tipologias documentais exigiram ingresso no rol dos documentos arquivísticos, revisões e adequações tiveram que ocorrer. A mudança de postura da História quanto aos conjuntos documentais relevantes para o trabalho de interpretação do passado trouxeram mudanças também na Arquivologia, área muitas vezes entendida como subsidiária daquela. Portanto, uma nova postura frente aos documentos, ou ao entendimento sobre o que deve ser considerado dentro da conceituação de documentos trouxe também significativas mudanças na postura dos arquivistas. Se não por convicção desse profissional, então por exigências renovadas dos usuários. A busca por soluções de uma crise causada pelas novas exigências sociais deve tomar cuidado para não descaracterizar o papel do arquivista e dos Arquivos. Entretanto, além de prudente, deve ser arrojada no sentido de entabular diálogos com os diversos campos de conhecimento científico sem, no entanto, diluir-se neles. Os segmentos da Arquivologia que hoje buscam afirmar um caráter de reflexão científica podem investir em apoios teórico-metodológicos que ajudem a ampliar a análise de sua situação social, seus limites e suas perspectivas. Tomamos como ponto de partida de nossa reflexão a abordagem de Luciana Duranti (1994) sobre as novas perspectivas para a Arquivologia contemporânea. Sua preocupação para com os fazeres e os saberes arquivísticos tradicionais aponta um caminho de diálogo do contemporâneo com o tradicional. O tradicional é entendido pela autora como um saber consolidado, ao mesmo tempo que pode ser reavaliado. Serve como ponto de inflexão. Os conceitos nos quais os arquivistas se encontram hoje apoiados não perdem sua validade em meio às exigências de transformação acelerada. 68

Duranti retoma, portanto, os principais elementos que identificam o documento arquivístico, visando a demonstrar os recortes necessários para entender com qual universo documental lida o arquivista. Sua preocupação parece ser a de clarificar em que pontos a Arquivologia deve se fixar para entabular o debate. As características de organicidade, veracidade, originalidade, unicidade e autenticidade vinculam-se às exigências administrativas para as quais o documento arquivístico deve se reportar. Tal tipologia apresenta o diferencial arquivístico para com outros entendimentos sobre o aporte documental. Tais exigências garantem a confiabilidade necessária para o qualificativo testemunhal de prova documental. Esquecendo tais características, o fundamento arquivístico seria diluído em noções por demais amplas. A preocupação da autora é a de reafirmar a relevância do arquivista em continuar se comprometendo com o resguardo desses elementos como fundamentais para a confiabilidade do documento. Apresenta diversos contextos legais em que o documento arquivístico, resguardadas suas características essenciais, apresenta-se como prova de algum ato. Este parece ser o foco principal de sua argumentação: a preservação da confiança de que o documento de Arquivo possa se comportar dentro dos parâmetros legais, identificando assim sua função social. Sua argumentação segue em direção à confusão causada pelas transformações contemporâneas no que diz respeito a processos documentais e informacionais. Nesse caso é que os processos e as teorias tradicionais devem ser retomados. Servem como suporte para o debate no contexto das transformações. Segundo Duranti, somente a partir dessa base é possível entabular um diálogo sobre o papel do Arquivista e da Arquivologia. O que nos interessa é contribuir para o diálogo, propondo uma análise das fronteiras da função documental como caráter de prova para a composição da investigação de contextos sociais. Estamos interessados em abordagens nas quais o documento arquivístico dialogue com outras formas de composição do real sem a fixação nos critérios de verdade. A História Oral tem nos permitido avaliar tais condições. Portanto, longe de propormos um desligamento entre documento e narrativa, ou o abandono dos critérios de prova documental, apresentamos nosso interesse justamente nas interfaces possíveis entre os dois universos de montagem de visões sobre a realidade. Para isso as relações entre fontes escritas e fontes orais se fazem necessárias. Cônscios Revista Gestão e Desenvolvimento


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da impossibilidade de esgotamento do assunto, apresentamos algumas proposições já iniciadas sobre as relações entre oralidade e escrita. Chamam nossa atenção as condições apontadas por Luciana Duranti para que o documento arquivístico possa ser caracterizado como prova em um processo legal. O cercamento da veracidade do documento é um processo bastante intrincado e complexo. As fontes orais passam por processos semelhantes de cercamento, talvez até com maior intensidade. A confiabilidade para com a escrita foi formada ao longo dos séculos, especialmente dentro do contexto denominado como ocidental. Tal acento na confiabilidade para com a escrita forçou a oralidade para um papel secundário e marginal na construção da realidade. Sua função acabou por se vincular consideravelmente com a pessoalidade, a intimidade, a subjetividade (PORTELLI, 1996). A História Oral, metodologia contemporânea de coleta, análise e teorização sobre processos narrativos, contribui para evidenciar seu caráter social. Obviamente sob diferentes aspectos, tanto a narrativa quanto a escrita necessitam responder a critérios de confiabilidade, veracidade, manipulação, originalidade, recorrências, etc. Essas aproximações podem nos levar a pensar mais em complementaridade do que em distanciamentos intransponíveis. São formas de construção social em que seus elementos devem passar por crivos específicos de verificação. No que tange à História Oral, Teresa Haguette (2005) aponta que, como qualquer recurso metodológico, apresenta potencialidades e limitações. Por encontrar-se envolvida na perspectiva da memória dos depoentes, a utiliza “como fator dinâmico na interação entre pasado e presente, fugindo ao aspecto estático do documento escrito que permanece o mesmo através do tempo” (p. 93). Tal dinamicidade é justamente apontada como qualificativo da fragilidade da História Oral. Entretanto, a autora aponta que aí também se encontram suas potencialidades. Da mesma forma que o documento, como apontado anteriormente, as narrativas necessitam de atenção quanto ao seu conteúdo ideológico, manipulatório. O ponto de confluência com o destacado no início deste texto sobre a veracidade do documento arquivístico encontra-se na perspectiva metodológica da História Oral. Como afirma Haguette, “precisase considerar que a HO está preocupada com o que é relevante e significante para a compreensão da sociedade e não na acumulação anárquica de supostas peças de evidência que não acrescentam nada aos Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

dados já existentes” (2005, p. 93). Isso significa que a intenção de organizar os dados apresentados pelos entrevistados, fornecendo elementos de compreensibilidade do real apontado, assemelhase à perspectiva arquivística de organização das informações registradas. As narrativas, no entanto, condutoras de intenções baseadas nos “quadros da memória”, como apontava Halbwachs (1990, 1994), não se encontram presas a necessidades estritas de objetividade, veracidade e verificabilidade. Na própria intenção de manipulação, podem ser verificadas as conduções ideológicas do narrador. Seus planos de apresentação de uma determinada visão do mundo devem ser compreendidos no contexto de inserção de suas memórias no plano coletivo. Abrem potencialidades na apreensão do observador sobre as estruturas do que é narrado. A História Oral, portanto, não deve ser confundida como uma simples técnica de produção de material residual que completará as lacunas documentais. Está justamente para além de uma perspectiva reducionista do papel da oralidade. Documento, oralidade e memória podem confluir com seus apontamentos particulares sobre a realidade reconstruída pela contribuição dos seus produtores e de seus analistas. Tratando da questão documental, podemos entender como componentes materiais da memória e da construção narrativa. Quanto aos materiais ou suportes da memória, autores como Pomian (2000) afirmam tratar-se de vestígios de épocas passadas eleitas no presente como conteúdo de referenciais desse passado. Vestígios ou fragmentos de épocas passadas não representam, por si, referenciais de memória. O autor exemplifica com o fóssil. Este não passa de uma decomposição e modificação de um corpo animal ou vegetal. É o interesse do pesquisador, no presente, que confere a tal fóssil um sentido referencial ao tempo passado. A tais vestígios irão se juntar outros, projetados, estes sim, para transmitirem à posteridade lembrança de feitos, personalidades ou acontecimentos. São os denominados “documentos-monumentos” (LE GOFF, 1996; GLÈNISSON, 1961), forjados para se tornarem vestígios programados do passado. No processo de transmissão da memória, a linguagem é um elemento fundamental, sendo considerada como diferenciadora principal da transmissão da memória entre os seres humanos. É uma das características de diferenciação da memória animal ou vegetal transmitidas geneticamente (POMIAN, 2000). A memória transgeracional é aquela transmitida por meio das narrativas, dos vestígios e dos

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documentos-monumentos. À medida que a narrativa é substituída pela informação (BENJAMIM, 1986) e que os vestígios, os fragmentos ou as relíquias passam a fazer parte das coleções, destacadas de suas funções de uso e resguardadas da degradação, tornam-se formas de transmissão seletivas, atendendo a interesses e perspectivas institucionais de centros ou instituições de memórias, tais como museus, bibliotecas e arquivos. Passam, assim, a ser entendidas como memórias transindividuais, em que os objetos destacados da experiência direta dos indivíduos remetem à memória como estimuladores que se encontram exteriores aos indivíduos (POMIAN, 2000). Memória é, pois, entendida por nós a partir da sua multiplicidade de possibilidades, como criação, projeção de quadros sociais, transmissão transgeracional ou transindividual. Ora as narrativas reproduzem as perspectivas da oficialidade, ora são reinterpretadas pelas projeções subjetivas, ora transmitem-se pelos vestígios e pelos monumentos erigidos e eleitos a partir do presente para interpretar o passado.

4 ARQUIVOS DO REGIME MILITAR NO BRASIL E O ACERVO DE DOM ADRIANO HYPÓLITO Dentre os vestígios e os objetos do passado, destacamos o documento arquivístico como elemento fundamental para a reconstrução do período que nos interessa: o regime ditatorial. Nas últimas décadas, a questão do acesso às informações contidas nos documentos produzidos pelos órgãos de repressão vem ganhando vulto. A discussão deixa de ser exclusiva dos acadêmicos para surgir nos meios de comunicação social. O pesquisador Carlos Fico aponta algumas dessas ocorrências que impulsionaram a discussão em âmbito mais amplo na sociedade brasileira. Tais acontecimentos teriam favorecido a discussão sobre a abertura dos documentos daquele período. O primeiro acontecimento foram os procedimentos para a busca pelo paradeiro dos restos mortais dos que lutaram na chamada “guerrilha do Araguaia”. Outro acontecimento foi provocado pelas controvérsias em torno das indenizações pagas a ex-presos políticos. O terceiro acontecimento foi a publicação, pela imprensa, de supostas fotografias do jornalista Vladmir Herzog, as quais teriam sido tiradas antes de sua morte pelos órgãos de repressão. As notícias sobre a queima clandestina de documentos sigilosos na Base Aérea de Salvador, Bahia, compõem esse 70

quadro que levou a discussões mais amplas sobre a necessidade de preservação e acesso aos documentos arquivísticos. Por fim, os debates sobre a abrangência da Lei da Anistia de 1979, que beneficiava também os torturadores, foi outro acontecimento que contribuiu para incrementar as discussões (FICO, 2008). Acrescento a esse quadro a entrada no poder, principalmente em instâncias federais, de quadros de militantes que atuaram no período de repressão e que foram presos e torturados. Posteriormente, com a intensificação dos debates e a presença de Dilma Roussef na Presidência da República, ex-presa política, assim como os avanços nos encaminhamentos legais, chegamos à publicação da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527, 19 de novembro de 2011). No momento é a legislação com a qual nos deparamos para buscar acesso aos documentos arquivísticos produzidos naquele período. Juntamente a isso foi instalada a Comissão Nacional da Verdade em 16 de maio de 2012. Muitas críticas e apoios têm sido manifestados a essas duas instâncias, o que vem motivando posicionamentos diferenciados e análises acadêmicas jurídicas e sociológicas. De qualquer forma é possível, por esses movimentos, compreendermos a relevância e a urgência em que se colocam os documentos arquivísticos e as instituições de guarda no momento atual. Autores como Carlos Fico (Op. cit., 2008) não creem que os documentos do período ditatorial irão esclarecer determinados aspectos sobre aquele período, como a expectativa da opinião pública faz crer em alguns momentos. Por outro lado, os órgãos ditatoriais no Brasil foram dos que mais documentaram seus atos, o que favorece a ampliação do conhecimento sobre aquele período e, principalmente, as possibilidades de diálogos com as narrativas coletadas até o momento. Outro aspecto importante a ser lembrado é que, em 2008, somente 5% dos documentos liberados haviam sido estudados na perspectiva histórica profissional, conforme estimativas de Fico (Op. cit., 2008). Esse aspecto aponta para as inúmeras possibilidades de novas descobertas e de revisões sobre os acontecimentos. Os documentos administrativos sem relações diretas com as perseguições ou com as torturas podem, por sua vez, ser importantes no esclarecimento de rotinas administrativas dos órgãos ditatoriais e de seus agentes. Os documentos arquivísticos sobre o regime ditatorial podem ainda esclarecer sobre divergências internas do regime, demonstrando a heterogeneidade entre os grupos. Ajudam também no confronto com a memória sobre o período. Revista Gestão e Desenvolvimento


Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014 Talvez mais importantes, tais pesquisas têm servido para que a história do período enfrente questões delicadas, notadamente quando em confronto com a memória sobre o período, como é o caso da responsabilidade, sempre negada, dos oficiais-generais pela tortura e pelas mortes de prisioneiros, ou da inexistente relação de causalidade entre o endurecimento do regime e a opção da esquerda pela luta armada.

A complexidade da rede de arquivos no Brasil, além de suas relações com as divisões político-administrativas, demonstram a relevância dos documentos no processo informacional e memorialístico. Temos ainda os arquivos privados de interesse público e social e a existência de parcelas de acervos públicos em instituições privadas e centros de documentação ligados a universidades e institutos de pesquisa. Motivados por esse aparato documental e pela potencialidade de seus usos, o direito à memória torna-se hoje parte dos direitos do homem, em uma perspectiva mais ampliada do que a de cidadania (ANTUNES, 2008). Com a transição democrática, os arquivos dos organismos de repressão se tornaram uma fonte singular, como testemunhos da atuação de tais entes a serviço do Estado autoritário. As informações contidas nestes acervos demonstram práticas que foram usadas no exercício das atividades repressivas. Nos tempos atuais, servem como instrumento essencial para o fortalecimento de novas relações sociais e, conseqüentemente, para a consolidação do processo democrático. (p. 15)

Tratando do processo de busca e recolhimento dos documentos do período ditatorial por vias legais, Ishaq e Franco (2008) apresentam o resultado de pesquisas sobre os órgãos de informação, identificando suas diferentes funções, o progresso e as mudanças na coleta e na utilização das informações. Mostram que havia intensa circulação de informações entre esses órgãos. Portanto, podemos compreender a relevância do contato com essa documentação. As principais dificuldades são os órgãos que afirmam desconhecer o paradeiro de documentação, órgãos que afirmam terem seus documentos destruídos, sendo que esses mesmos órgãos não apresentam nenhum relatório sobre o fato ou os termos de destruição. A não localização dos acervos dos serviços secretos das forças armadas, por exemplo, representa uma importante lacuna, a qual deve ser preenchida (ISHAQ; FRANCO, Op. cit., 2008).

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Lembro aqui de países como Uruguai e Peru, onde a História Oral e os depoimentos foram fundamentais para suprir a ausência de documentos. Foram importantes para a reconstituição dos fatos sobre aquele período. Nosso interesse pela atuação dos agentes religiosos no enfrentamento ao regime ditatorial passa pela compreensão da importância da reconstituição dos relatos e da produção e organização de documentos para a manutenção e a disseminação de memórias sobre o período.

5 MEMÓRIAS DE ENFRENTAMENTO: RELIGIÃO E MILITÂNCIA – FORMAÇÃO E CONSCIÊNCIA POLÍTICA O acervo de Dom Adriano Hypólito, em Nova Iguaçu, o qual vem sendo estudado por nós desde 2009, é um exemplo de constituição deliberada de memórias. Ele é composto por fotografias, cartas e recortes de jornais produzidos ou coletados ao longo dos anos em que passou pela Diocese. O incentivo para a constituição do arquivo e o apoio dado à sua organização possibilitam compreendermos a importância a ele atribuído. Além de constituir-se em relato sobre o período, em que sofreu perseguição, sequestro e tortura psicológica, o acervo é uma possibilidade de construção identitária de si projetada para a manutenção da fidelidade dos adeptos na militância pelos direitos humanos e pela organização popular. O próprio Dom Adriano foi quem criou o Arquivo da Diocese. Destinou todo um andar do prédio da Cúria Diocesana para as suas instalações. O atual bispo também parece apoiar a existência do Arquivo, continuando a reservar um andar inteiro para ele com a mudança da Cúria para uma nova sede. O responsável pelo Arquivo diz ficar impressionado com o fato, mas apresenta uma justificativa a partir de sua visão: Dom Adriano foi o terceiro bispo de Nova Iguaçu. Ele teve um papel muito importante. Ele criou o Arquivo. Todo esse andar aqui foi destinado para ser o Arquivo, o que é uma coisa rara no Brasil, um bispo, que num prédio administrativo reserva um andar todinho para ser um arquivo, isso é raro. (...) A gente vai pra nova sede, toda a Diocese, toda a Cúria. A gente vai lá para Moquetá, outro bairro. Este prédio vai ser alugado. O Arquivo vai ser a mesma coisa disso aqui, o andar todo do prédio como

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Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014 aqui, o andar todo. Então, lá também vai ser a mesma coisa, o andar todo, porque o quinto [andar] não funciona, então vai ser a mesma coisa, vai ser o quarto andar de um prédio. Vai ser um espaço grande também. Mas muita gente da Diocese não sabe da existência do Arquivo... E é muito questionado também... Porque precisa ter um arquivo, com dois funcionários? Quem paga meu salário, o salário da G.? Pra que isso? É despesa. Ainda mais como a Diocese está com dificuldades econômicas. Então é difícil as pessoas compreenderem isso, ver que é importante. A vantagem que nós temos [atualmente], é que temos um bispo que é italiano, e a Itália, tem uma tradição na área de patrimônio histórico. Então ele tem essa sensibilidade. Tudo ele passa pra mim. Ele não me atrapalha em nada, ele valoriza.

Mesmo não tendo sido italiano ou espanhol, Dom Adriano Hipólyto, naquele período, talvez tenha descoberto o valor da preservação da memória como forma de manutenção da própria identidade da Diocese. Talvez tenha projetado a continuidade de sua missão nos seus recortes guardados, destinados à perenidade por meio de uma instituição de memória: o Arquivo. Tendo o bispo tido ou não tal projeção, Lacerda acredita que o Arquivo cumpre a missão de ser um guardião da memória da Diocese. Segundo ele, diversas pastorais, grupos e Movimentos recorrem aos documentos quando ocorre a preparação de algum evento relevante. A recordação de algum fato, a celebração de alguma data relevante e o reforço de algum tema serão muitas vezes buscados nos documentos guardados naquele setor da Diocese. Para ele, o Arquivo cumpre sua missão ao Preservar a memória da Diocese, a memória histórica da Diocese, subsidiar a Diocese na sua ação pastoral. Vamos supor, agora está tendo muita violência, voltou de novo, então, a Diocese quer desencadear a campanha contra a violência, então no Arquivo a gente vê o que a Diocese já produziu no passado desde a década de sessenta sobre a violência, dossiês, tudo. Então eu mando esse material para o encontro de pastoral. Quando uma paróquia está fazendo cinquenta anos, aí eu faço um levantamento. Às vezes um padre morre... Agora dois padres morreram e a gente não tinha nada da vida desses padres, porque quando esses padres estavam vivos, eu não podia ficar pegando coisas da vida pessoal deles, só depois que morre. Então agora eu tenho que levantar a vida desses dois padres. O Arquivo tem uma função pastoral que é estar subsidiando a Diocese em sua ação, a ação pastoral. Então essa é a função do Arquivo, dar subsídios, estar orientando.

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Há também uma produção literária e jornalística que é feita para circular nos diversos espaços da Diocese. Há colunas no jornal informativo da Diocese, o Jornal Caminhando, que possuem um cunho memorialístico, reafirmando os fatos do passado, os lugares e as pessoas selecionadas por sua relevância. Assim, um padre que falece ou que celebra bodas de ordenação sacerdotal, um templo considerado como patrimônio cultural da região, entre outros. A produção mensal do jornal permite selecionar e difundir material a partir do acervo do Arquivo. Dom Adriano é uma figura que, praticamente todo mês, aparece no informativo. Partimos da perspectiva dos documentos arquivísticos e seus sentidos de existência e de uso visando a ampliar a questão. Pelo que vimos anteriormente, a História Oral possibilita o diálogo com tais documentos em vista de uma compreensão mais ampla dos períodos, das pessoas, dos acontecimentos e das construções memorialísticas sobre eles. As narrativas são fundamentais, pois apresentam visões de mundo por vezes convergentes, por vezes divergentes e mesmo contraditórias sobre o mesmo fato. Vimos tentando ampliar nossas bases empíricas para outros acervos documentais e para agentes religiosos diferenciados em termos de experiências, perspectivas e campos de ação. Nosso quadro de entrevistados é composto por agentes leigos, padres, sacerdotes dispensados do ministério e bispos. Todos passaram, direta ou indiretamente, pelo enfrentamento ao regime civil-militar. Exercem hoje funções ligadas a direitos humanos, formação de consciência crítica, partidos políticos, sindicatos, Organizações não governamentais. Estamos lidando, portanto, com pessoas que continuam a atuar em frentes vinculadas ao universo religioso e sociopolítico. Nossos entrevistados se encontram hoje entre os sessenta e um e oitenta e quatro anos. Compõem um quadro variado de militância nas diferentes regiões e dioceses em que se encontram, concentrandose na Arquidiocese da Capital e em Dioceses da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A coleta de entrevistas, até o momento, abrangeu um padre, uma religiosa, dois leigos e dois ex-sacerdotes. O padre atualmente é atuante na co ordenação da antiga Ação Católica Operária (ACO), hoje conhecida como Movimento de Trabalhadores Cristãos (MTC). O nome foi trocado, segundo ele, para abranger outros trabalhadores vinculados ao universo mais amplo do cristianismo, não se limitando ao catolicismo. O entendimento sobre o trabalhador e suas problemáticas e reivindicações também teria Revista Gestão e Desenvolvimento


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mudado. Não se identificaria mais com o conceito de operariado, preferindo-se o termo mais abrangente: “trabalhador”. Esse padre foi perseguido e preso junto com outros padres e militantes cristãos. Aponta que foi responsável, juntamente com outros padres de sua congregação, por esconder e por ajudar a fugir para a clandestinidade e para o exílio inúmeros perseguidos políticos. A paróquia onde atuava servia como esconderijo para os perseguidos. A religiosa entrevistada, hoje uma senhora de oitenta e dois anos, atua no Movimento de Trabalhadores Cristãos e no Sindicato das Domésticas. Não chegou a ser presa, mas teve vários membros de sua família presos, torturados, sendo que um teve que se autoexilar, e um sobrinho veio a falecer devido à tortura. Informou que, mesmo em pleno processo de redemocratização, sua correspondência estava sendo vigiada, sendo até mesmo aberta e lida antes de ser entregue em sua casa. Sua família foi intensamente vigiada durante o período ditatorial. Uma leiga entrevistada era uma jovem professora naquela época. Conta que, aos poucos, foi se envolvendo nos movimentos reivindicatórios por meio do contato com o bispo de sua diocese, Dom Adriano Hypólito, com padres e com outros agentes de pastoral. Tanto ela quanto seu irmão foram vigiados e abordados por militares em determinados momentos. Ressalta ter vivido um misto de entusiasmo em meio à atuação social e de medo quando foi abordada diretamente pelos militares na loja de seu pai e na escola em que trabalhava. Depois que o bispo foi preso e torturado psicologicamente, deixado nu em uma rua deserta da cidade do Rio de Janeiro, pintado de vermelho em referência ao comunismo e à bomba colocada no altar do sacrário na catedral de Nova Iguaçu, o medo intensificou-se. “Se fizeram isso com um bispo, o que não fariam com qualquer outra pessoa?”, interroga a entrevistada. O outro leigo, hoje um senhor de oitenta e dois anos, embora não tenha lidado diretamente com a perseguição do regime ditatorial, naquela época foi progredindo em consciência política, como ele mesmo afirma. Isso foi possibilitado devido a seu envolvimento com os sindicatos. Como trabalhador do comércio, envolveu-se, desde jovem, em lutas reivindicatórias. Posteriormente, a partir do aprofundamento do conhecimento sobre a atuação da Igreja católica em sua região, passou a acompanhar os trabalhos da Pastoral Operária, vindo a integrá-la mais tarde. Aponta que sua entrada nesse movimento ocorreu depois de um curso sobre Bíblia no qual se propunha uma leitura das Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

escrituras tendo como base a realidade social, política e econômica em que se vivia. Outro entrevistado havia sido religioso e hoje integra uma Organização não governamental que desenvolve estudos sobre religião. Seu contato com o regime ditatorial não passou pelo enfrentamento direto devido às condições de sua formação religiosa. Recorda de alguns momentos, na juventude, como estudante de Teologia, que foram significativos. Embora soubesse de forma nebulosa o que acontecia no contexto nacional, algumas notícias sobre perseguição e tortura acabaram chegando de forma clandestina por um ou outro colega de congregação. Lembra-se de seu contato com alguns religiosos dominicanos que haviam sido libertados da prisão por terem envolvimento com grupos revolucionários e que foram estudar no mesmo instituto de Teologia. Ressalta que, mesmo assim, a realidade desses ex-prisioneiros políticos passava ao largo do conjunto de estudantes. Eram, inclusive, observados com desconfiança. Outro fator marcado como relevante foi o contato com o Frei franciscano Leonardo Boff, tendo esse terminado recentemente seu doutorado na Alemanha e trazia ideias inovadoras para o estudo teológico, como sua vinculação com a análise social. Um fato marcou uma reviravolta em sua trajetória. Em dado momento, depois de terminados os estudos e de ser ordenado padre, ocupando o cargo de colaborador na paróquia onde morava, resolveu, juntamente com estudantes de Teologia e Filosofia e alguns leigos, encabeçar uma passeata de protesto sobre uma situação ocorrida na cidade. Conseguiu convencer o pároco a negociar diante do bispo uma “procissão”. Essa procissão escondia a real intenção de uma marcha reivindicatória até a prefeitura da cidade. Tudo organizado, ao iniciarem a procissão, começaram a aparecer cartazes de reivindicação e, à medida que se aproximavam da prefeitura, algumas palavras de ordem começaram a surgir dentre os participantes. Quando chegaram à prefeitura, o bispo, vários participantes e os militares descobriram se tratar de uma passeata. Conta que foram rapidamente cercados por um pelotão militar e forçados a se dispersarem. O acontecido custou a ele e ao pároco a transferência. Ele foi enviado para a Baixada Fluminense. Afirma que ali pode ter contato com outro tipo de organização da Igreja católica, voltada para a organização popular. Concorda que daí por diante passou a conhecer e a participar de maneira mais direta os processos reivindicatórios vinculados à Igreja católica. O último entrevistado foi religioso e integra também uma Organização não governamental de

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estudos sobre religião. Seu trajeto se voltou desde cedo à participação na Ação Católica pela Juventude Estudantil Católica (JEC). A princípio, no Colégio onde estudava, a JEC mantinha um perfil conservador, ritualista e celebrativo. Era mais uma associação religiosa e menos um movimento de reivindicação estudantil. Mais tarde envolveu-se com a JEC de sua diocese e percebeu a diferença entre as duas realidades. No contexto descoberto, agora havia um nível de conscientização política inimaginável na JEC da qual era oriundo. Logo se instalou uma crise, pois passou a levar para lá as críticas que eram desenvolvidas na nova instância da qual agora participava. Desse encontro, afirma, surgiu sua tendência a se vincular a grupos que passaram à oposição ao regime ditatorial. Ingressou posteriormente em uma ordem religiosa juntamente com diversos colegas da JEC diocesana. Lá passaram a estabelecer vínculos mais estreitos com grupos de oposição, tornando-se o convento onde moravam em uma referência para militantes de esquerda e da luta armada. Esse fato transformou a ele e a seus colegas de ordem em inimigos do Estado ditatorial e em suspeitos constantes. Por descuido das normas de segurança que circulavam entre os grupos de esquerda, foi preso junto com seus colegas e torturado durante vários dias. Eles foram processados e continuaram presos durante anos. Talvez seja muito cedo para falarmos de táticas e das estratégias desenvolvidas por esses agentes religiosos, mas é nosso interesse evidenciarmos como esses agentes articulavam trabalho religioso e militância política e de enfrentamento. Podemos somente vislumbrar alguns, uma vez que a análise das entrevistas não foi completada e o quadro de entrevistados ainda não está esgotado. Alguns entrevistados, ao falarem de seu período na prisão, aderem graça e riso à narrativa. Outros indicam que hoje é possível rir, mas que naquele momento havia muito medo, incerteza e indefinição quanto ao futuro. Preferiam pensar que aquilo iria passar e que o contexto iria mudar. Pensavam que algum bem deveria vir daquela situação. Estariam promovendo mudanças sociais, por isso era preciso resistir. Um dos entrevistados fala da simulação de uma doença para escapar da tortura. Disfarçava desmaios depois dos choques, alegando que sua idade já não permitia suportar aquele comportamento. Entre risos, afirma ter dado certo. Outros, tendo sido presos ou não, desenvolveram ou aprenderam táticas para continuar fazendo circular informações entre os encarcerados e os militantes 74

que continuavam em atividade. Era necessário fazer passar informações para a continuidade da atuação ou da esperança de mudança. Nesse sentido, quando não era possível passar informações em pedaços de papéis enrolados em canetas, as quais eram trocadas na prisão, a memória deveria ser a salvaguarda dessa transmissão. Conta-nos a religiosa que, ao visitar os presos, tinha que guardar tudo na memória, pois a revista era severa. Fazia também a transmissão de informações entre presos de regiões geográficas bastante distantes. Mesmo não sendo envolvida diretamente com esses grupos, aprendia ou percebia os códigos de segurança com seus familiares envolvidos com organizações contrárias ao regime ditatorial. Havia senhas, lugares e disfarces a serem aprendidos e seguidos. Podemos ainda compreender como tática a transformação do que antes era pensado como procissões religiosas e estritamente espirituais em caminhadas de reivindicação e protesto de cunho religioso, ao mesmo tempo sociopolítico.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nossa investigação propõe o esclarecimento sobre as práticas de agentes religiosos no enfrentamento do regime ditatorial civil-militar no Brasil, especialmente compreendido a partir dos sentidos apresentados pelos próprios depoentes para suas práticas. Buscamos compreender ainda como as memórias sobre esse período são reapropriadas para a reafirmação identitária de um tipo de catolicismo vinculado à organização popular. Entretanto, não temos uma consideração a qual possamos denominar como final, mas apontamentos que nos levam à necessidade do aprofundamento das questões e a novas interrogações. O princípio de incorporação de categorias reivindicatórias ao contexto religioso desses agentes não possui contradição. Devido a todo processo pelo qual passava a Igreja católica com a abertura proposta pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) e pela própria sociedade ocidental de um modo geral, muitos religiosos passaram a compreender como parte de sua missão o envolvimento com questões sociais e políticas mais abrangentes. Devemos compreender que o religioso não passava a ser entendido como menor em relação ao social e ao político, mas eles parecem se retroalimentar. A questão da memória é fundamental para esses depoentes. Alguns deles, em geral os leigos, os quais não participaram diretamente de instâncias mais amplas Revista Gestão e Desenvolvimento


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na hierarquia católica, assustam-se com a relevância de suas narrativas. Porém, ao ingressarem no universo da entrevista, vão ampliando o autoentendimento de sua participação naquele período, redescobrindo fatos e eventos os quais não haviam considerado como fundamentais para a concretização da participação eclesial diante de processos ditatoriais. Os entrevistados que já possuem uma trajetória intelectual acadêmica diferenciada, ou que estiveram à frente de organismos sindicais ou eclesiais, que estão acostumados a redigir suas memórias sobre o período ou a organizar documentos que tratem de acontecimentos sobre a ditadura, apresentam narrativas mais coesas e, muitas vezes, sem grandes sobressaltos. Há ainda outros aspectos a considerar na constituição das memórias, como questões de gênero, as diferenciações profissionais, a diversidade de formação acadêmica, a procedência e a estrutura familiar. Todos esses elementos não esquecidos em nossas análises contribuirão para desvendarmos não só o ocorrido no período ditatorial no Brasil, mas as visões e as narrativas provenientes das diferentes experiências particulares e coletivas desses agentes.

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Recebido em: 20 de março Aceito em: 07 de junho

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Circunscripciones interaccionales del empresariado católico argentino Ámbitos, redes y posicionamientos en torno a un tema central: el endeudamiento externo en la crisis del régimen de convertibilidade Circunscrições interacionais do empresariado católico argentino Âmbitos, redes e posições em torno de um tema central: o endividamento externo na crise do regime de convertibilidade Interactional circumscriptions of the Argentinian Catholic Entrepreneurship Ambit, networks and positions around a central theme: the external debt crisis in the convertibility regime

Gustavo Javier Motta1

Resumen La presente comunicación se propone rastrear y descifrar los espacios y redes de sociabilidad existentes dentro y entre la Asociación Cristiana de Dirigentes de Empresa y ciertos actores del campo político, empresarial y episcopal. Busca, además, revelar e interpretar la producción y circulación de significados acerca de un elemento central de la crisis de convertibilidad: el endeudamiento externo. Plantea una lectura relacional entre el posicionamiento del empresariado católico y de la jerarquía eclesiástica nacional. Entre los dos núcleos fundamentales del condensado teórico conceptual, red social (Mitchell, 1969; Requena Santos, 1989; Lozares et al., 2011) y elite (Mosca, 1923 [1896]; Pareto, 1923; Mills, 1956), el trabajo incorpora la noción de subuniverso de sentido (Berger; Luckmann, 1979) para introducir circunscripciones interaccionales a un conjunto delimitado de actores cuyas lógicas temporales difieren en términos prácticos. Intenta, aún, superar el primigenio sesgo estructuralista de la teoría de redes triangulando metodológicamente con la Teoría de las Representaciones Sociales (Moscovici, 1961), la Teoría del Núcleo Central (Abric, 1976) y ciertos elementos del análisis discursivo. Para abordar la morfología y estructura de los ámbitos y redes y los posicionamientos político-económicos apelamos a documentos institucionales, memorias anuales, folletos informativos, periódicos nacionales y entrevistas a informantes y actores claves del periodo. Palabras-clave: Redes de sociabilidad. Endeudamientino. Empresariado católico; Representaciones sociales.

RESUMO Este artigo tem como objetivo acompanhar e decifrar os espaços e redes de sociabilidade existentes dentro e entre a Associação Cristã de Dirigentes de Empresas e certos atores do campo político, empresarial e episcopal. Também objetiva identificar e interpretar a produção e circulação de significados sobre um elemento central da crise de conversibilidade: a dívida externa. Apresenta uma leitura relacional entre o posicionamento do empresariado católico e da hierarquia eclesiástica nacional. Entre os dois principais centros da condensação teórico conceitual, rede social (Mitchell, 1969; Requena Santos, 1989;. Lozares et al., 2011) e elite (Mosca, 1923 [1896], Pareto, 1923, Mills, 1956), o artigo incorpora a noção de subuniverso de significados (Berger; Luckmann, 1979), para introduzir circunscrições interacionais à um conjunto delimitado de atores cujas lógicas temporais diferem em termos práticos. Tenta, até mesmo, superar a tendência estruturalista primária da teoria das redes triangulando metodologicamente com a Teoria das Representações Sociais (Moscovici, 1961), a Teoria do Núcleo Central (Abric, 1976) e certos elementos da análise do discurso. Para abordar a morfologia e estrutura dos âmbitos, redes e posições político-econômicas, serão utilizados documentos institucionais, relatórios anuais, folhetos, jornais nacionais e entrevistas com informantes-chave e atores do período. Palavras-chave: Redes de sociabilidade. Endividamento externo argentino. Empresariado católico. Representações sociais.

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CONICET-IDAES/UNSAM. E-mail: gustavojmotta@gmail.com.

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ABSTRACT This paper aims to track and decipher the sociability spaces and networks within and between the Business Executives Christian Association and certain actors in the political, business and episcopal field. It will also seek to reveal and interpret the production and circulation of meanings around a central element of the convertibility crisis: foreign borrowing. We will raise a relational reading between the Catholic entrepreneurship positioning and the national ecclesiastical hierarchy. Between the two main theoretical conceptual condensation centers, social network (Mitchell 1969; Requena Santos, 1989; Lozares et al., 2011) and elite (Mosca, 1923 [1896]; Pareto, 1923; Mills, 1956), we will incorporate the subuniverse notion of meaning (Berger and Luckmann, 1979), to introduce international electoral constituencies for a bounded set of actors whose temporal logics differ in practical terms. We will try to overcome the network theory primal structuralist tendency methodologically triangulating with the Social Representations Theory (Moscovici, 1961), the Central Core Theory (Abric, 1976) and certain elements of discourse analysis. In order to deal with the morphology and structure of the ambits and networks areas, networks and political-economic positions and political-economic positions we will appeal to institutional documents, annual reports, newsletters, national newspapers and interviews with key informants and actors of the period. Keywords: Sociability networks. Argentinian external indebtedness. Catholic entrepreneurship. Social representations.

1 Introducción El objetivo del presente trabajo será analizar relacionalmente los ámbitos de sociabilidad, las redes interpersonales desplegadas y los posicionamientos políticos de la Conferencia Episcopal Argentina (CEA) y la Asociación Cristiana de Dirigentes de Empresa (ACDE) en torno a una coyuntura especial: la crisis y salida del régimen de convertibilidad (1999-2003). El recorte nos abre una dimensión transversal dado que el hecho de asistir al enfrentamiento político entre dos bloques de los sectores dominantes en torno a la construcción de un consenso respecto de la interpretación de la crisis, nos introduce en un contexto de fuerte recomposición en términos de nuevas alianzas: el sector financiero y las empresas privatizadas adquirirán relevancia por su férrea lucha en defensa del modelo, mientras que el autodenominado “Grupo Productivo”2 lo cuestionará. Por otro lado, con relación al estudio de los posicionamientos políticos hemos tomado el caso del endeudamiento externo dado que es un tópico que atravesó todo el periodo y que adquirió, claramente, un carácter condensador dada la naturaleza y dinámica del ciclo de endeudamiento inaugurado en 1976 y que fue absolutamente inherente al modelo de acumulación. Ahora bien, resulta necesario advertir que asociar en un mismo marco las palabras episcopales con las empresariales entraña ciertos riesgos si no se asumen y explicitan a priori las diferentes motivaciones y fines de los actores involucrados, tanto en términos espaciales como históricos. El hecho fundamental que debemos  Cámara Argentina de la Construcción, Unión Industrial Argentina y Confederaciones Rurales Argentinas. 2

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notar es que las temporalidades en que se inscriben tanto la jerarquía episcopal como los empresarios católicos de la ACDE no necesariamente coinciden. Es decir, los caracteres, motivaciones y fines de sus acciones obedecen a lógicas divergentes. Cuando nos referimos a las temporalidades divergentes y a la necesidad de analizar la constitución morfológica de las redes, los marcos de acción, las oportunidades políticas y la circulación de sentidos en cada subuniverso (BERGER; LUCKMANN, 1979), se debe también a la existencia de una temporalidad secular o, más precisamente, a la tendencia a la secularización de las temporalidades de diversos subuniversos de sentido. La lógica de cada uno surge de las herramientas conceptuales y clasificatorias que fueron forjándose mediante la constitución de prácticas cristalizadas. No obstante, ocurre que los individuos en su actuar cotidiano lo hacen en diferentes subuniversos o planos de realidad, difusamente separados y que obligan al sujeto a comprender y actuar coherentemente en dichas multiplicidades ambientales e interaccionales.3 La pregunta que motiva nuestra investigación y de la cual este artículo constituye un breve recorte, atraviesa dichas lógicas y centra su atención en la zona de frontera entre el subuniverso económico empresarial y el episcopal. Se tratará de captar e interpretar, en definitiva, cómo opera morfológica y procesualmente la permeabilidad de esa difusa frontera. Para ello nos detendremos en las representaciones (Moscovici, 1961) - en parte adquiridas, pero en constante producción y

3  Para nuestro caso de estudio, el subuniverso económico-empresarial intercepta en su lenguaje experto elementos que pueden pertenecer, por ejemplo, al orden del sentido común.

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reelaboración - en torno a las herramientas conceptuales que son hegemónicas en los subuniversos de sentido de los actores involucrados. En especial, hemos trabajado con la Teoría del Núcleo Central (ABRIC, 1984 [1976]; FLAMENT, 1994), que nos fue muy útil a la hora de indagar e interpretar las representaciones sociales del colectivo de empresarios católicos y de la jerarquía episcopal. Este andamiaje teórico nos permitió identificar los elementos cognitivos del núcleo central y los periféricos de las representaciones respecto del campo económico de ambos actores. Sin embargo, dado que el problema no se reduce sólo al orden simbólico, pues la producción y circulación de significados se lleva a cabo mediante la constitución y despliegue de una serie de mecanismos formales e informales en donde la interactuación toma cuerpo, expandimos el horizonte hacia el análisis de las redes de sociabilidad que se constituyen en torno a los actores estudiados. El abordaje de las redes de sociabilidad y la circulación de sentidos en cada subuniverso puede aportar a la comprensión de la imbricada relación entre catolicismo (o religión) e ideas políticas, más aún cuando el acceso a posiciones de privilegio en términos de capacidad de influencia en la toma de decisiones, que es la condición para constituirse en elite (Mosca, 1923 [1896]; Pareto, 1923; Mills, 1956), tiene como plataforma un reducido círculo de sociabilidades. Esta posición nos sitúa en un campo de estudio tan diverso como enriquecedor: aquel que se propone interpelar las relaciones o mediaciones entre interpretación y acción.

2 El anclaje institucional-católico de la intervención política: la Conferencia Episcopal Argentina. Estructura, nodos y relaciones La CEA representa la cúspide de la pirámide institucional de la Iglesia Católica argentina al congregar de manera permanente a la totalidad de los obispos de las diócesis del país. Durante la crisis y salida del régimen de convertibilidad existían en todo el territorio nacional un total de 69 circunscripciones eclesiásticas, entre arquidiócesis, diócesis, vicariato (obispado castrense), exarcados, eparquías y prelaturas. Son 6 los organismos que la componen: 1. Asamblea Plenaria; 2. Comisión Ejecutiva; 3. Comisión Permanente; 4. Secretariado General; 5. Comisiones episcopales y otros organismos; y 6. Delegaciones episcopales. Además, durante nuestro periodo de estudio hubo dos elecciones episcopales para la integración de las Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

diferentes posiciones en la estructura jerárquica: la correspondiente al trienio 1999-2002 y a 2002-2005.4 Si bien analizar cómo se completa cada lugar de la jerarquía eclesiástica permite observar las posiciones individuales en dicha estructura, en la teoría de redes sociales (MITCHELL, 1969; REQUENA SANTOS, 1989; LOZARES5 et al., 2011) el objeto analítico central son las relaciones entre los actores/nodos. En general, en dicho campo podemos advertir la coexistencia entre estudios de carácter técnico o estadístico que utilizan el término en sentido matemático y otros de carácter normativo que generalmente apelan al uso metafórico. Aquí buscaremos complementar el primigenio sesgo estructuralista que arrastra la teoría de redes, en general, y la de grafos (CARTWRIGHT; ZANDER, 1953; HARARY; NORMAN; 1953; BAVELAS, 1948; 1950; FESTINGER, 1949), en particular, intentando contribuir a los recientes esfuerzos por superar esta encrucijada.6 Hemos utilizado, en tal sentido, la teoría de grafos para brindar la exacta imagen reticular de las diferentes redes, donde observamos la centralidad ocupada por los nodos (actores y ámbitos cuando se trate de redes modo 2, y sólo actores cuando apelemos a redes interpersonales o de modo 1) y las relaciones establecidas en cada caso.7 Respecto de la morfología y estructura de una red social, la posición o localización de un actor dentro de ésta reviste un papel central dado que la mayor o menor posibilidad de acción está vinculada, en parte, a 4  Para 1999-2002, la Comisión Ejecutiva estuvo integrada por Mons. Estanislao Esteban Karlic, arzobispo de Paraná (presidente); Mons. Eduardo Vicente Mirás, arzobispo de Rosario (vicepresidente 1°); Mons. Jorge Mario Bergoglio, arzobispo de Buenos Aires (vicepresidente 2°); y Mons. Guillermo Rodríguez-Melgarejo, obispo auxiliar de Buenos Aires (secretario general). La Comisión Permanente en esa oportunidad estuvo integrada por 19 obispos. Durante el trienio 2002-2005 la Comisión Ejecutiva no sufrió grandes modificaciones. El presidente fue Mons. Eduardo Mirás, como vicepresidente 1° estuvo el ya Cardenal Jorge Mario Bergoglio, como vicepresidente 2° Mons. Domingo Castagna y continuó al frente del secretariado general Mons. Guillermo RodríguezMelgarejo. La Comisión Permanente estuvo integrada por 22 obispos. 5  Este artículo es parte de la investigación cuya referencia es CSO200801470, subvencionada por el Ministerio de Educación y Ciencia en el marco del VI Plan Nacional de Investigación Científica, Desarrollo e Innovación Tecnológica 2008-2011. Los autores de este artículo pertenecen a dicho proyecto.

Se trata de líneas de investigación que se proponen ampliar el marco analítico, especialmente con la introducción de fuentes documentales para los análisis de redes en historia, muy ligados a los estudios sobre elites (PADGETT, 2011; ROSÉ, 2011; ARTOLA RENEDO, 2011) y la revalorización de la dimensión cognitiva a partir del interaccionismo simbólico, el análisis del discurso y la teoría de las representaciones (IÑIGUEZ et al., 2006; MARTÍ, 2006; VÉLEZ CUARTAS, 2006; MIQUEL VERD, 2006).

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7 Para la construcción de las imágenes reticulares de cada red utilizamos el software VISONE v. 2.6.5. La elaboración de los mapas surge de la confección de diversas matrices de datos basadas en las fuentes que dispusimos, como balances anuales, documentos aportados por el Departamento de Archivo de la CEA, prensa especializada de cada institución, diarios nacionales, folletos informativos, etc.

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si el actor ocupa posiciones relativamente centrales o periféricas con relación al resto, en función del mayor o menor número de puntos adyacentes a una posición dada (REQUENA SANTOS, 1989:140). Las figuras siguientes expresan la red episcopal de modo 2 (obispos y ámbitos de sociabilidad episcopales) para el trienio 1999-2002:

episcopal) y vinculación (puente) son: 1) Comisión Permanente; 2) Comisión redactora para las Líneas Pastorales para la Nueva Evangelización; 3) Comisión Ejecutiva; 4) Comisión para el Gran Jubileo; y 5) Comisión para el estudio de los Estatutos. A continuación presentamos el análisis en las redes interpersonales de modo 1 (sólo actores), para el mismo periodo:

Figura 1 - Red Total Fuente: elaboración propia en base a información proporcionada por el episcopado nacional

Figura 3 - Red interpersonal Total Fuente: elaboración propia en base a información proporcionada por el episcopado nacional

Figura 2 - Detalle de los nodos centrales Fuente: elaboración propia en base a información proporcionada por el episcopado nacional

La figura 1 muestra la imagen reticular de la CEA para 1999-2002, donde los nodos aparecen de dos colores, celeste y verde. El verde refiere a los obispos y el celeste a los ámbitos o comisiones, de allí que las flechas partan de los primeros hacia los segundos. En la figura 2 se aprecia que las posiciones de mayor centralidad están ocupadas por los obispos integrantes de la Comisión Permanente, los cuales logran relacionarse, además, con otros que no la integran. Así, los ámbitos que presentan mayor centralidad debido a su capacidad de convocatoria (sociabilidad 80

Figura 4 - Nodos centrales Fuente: elaboración propia en base a información proporcionada por el episcopado nacional

Del análisis reticular se concluye que resulta clave para acceder a estas posiciones el formar parte de la Comisión Permanente y, a su vez, ocupar uno o varios ámbitos junto con obispos que no formen parte de ella, lo cual permite constituirse en big linker dentro del conjunto episcopal. Revista Gestão e Desenvolvimento


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Para la nueva conformación de autoridades, la imagen reticular de actores y ámbitos de sociabilidad episcopal (modo 2) para el trienio 2002-2005 es la siguiente:

Figura 5 - Red total Fuente: elaboración propia en base a información proporcionada por el episcopado nacional

interpersonales permite observar con mayor precisión la red total de la CEA durante 2002-2005 contemplando sólo a los actores y los vínculos creados:

Figura 7 - Red interpersonal total Fuente: elaboración propia en base a información proporcionada por el episcopado nacional

Figura 6 - Detalle de los nodos centrales Fuente: elaboración propia en base a información proporcionada por el episcopado nacional

Los nodos de color rojo representan a los obispos, mientras que los de color celeste a los espacios. Nuevamente, aparece la Comisión Permanente como el ámbito clave para alcanzar una mayor centralidad en la red total. De esta forma, los ámbitos que sirven de “puente” para este trienio son: 1) Comisión Permanente; 2) Comisión Ejecutiva; 3) Comisión de Asuntos Jurídicos; 4) Catequesis; 5) Consejo Episcopal Latinoamericano; 6) Pastoral familiar; 7) Universidad Católica Argentina; 8) Ministerios; y 9) Educación Católica. Por otro lado, 23 obispos ocupan posiciones privilegiadas respecto de un total de 81 para ese periodo. El análisis reticular de las relaciones Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

Figura 8 - Detalle de los nodos centrales Fuente: elaboración propia en base a información proporcionada por el episcopado nacional

La figura 7 muestra la red interpersonal (modo 1) total, teniendo en cuenta la cantidad y calidad - en tanto mayor capacidad de intermediación - de vínculos de la totalidad de los obispos, cada uno en relación con el resto. Cabe resaltar este punto, dado que el hecho de que un obispo obtenga “más cargos” u ocupe “más espacios” no deviene actor central ipso facto, sino sólo en relación con la capacidad que le otorga cada cargo o espacio de poder relacionarse 81


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con el mayor conjunto posible de actores sin intermediaciones. Así, teniendo a los big linkers episcopales de los dos periodos (1999-2002 y 2002-2005) podemos apreciar que: a) los obispos que se mantuvieron como actores centrales de la red total fueron Karlic, Mirás, Giaquinta, Maccarone, Maulión, Bergoglio, Villalba, Arancibia, Radrizzani, Rovai, Rodríguez-Melgarejo, Bianchi Di Cárcano, Cargnello, Castagna y Rodríguez; b) aquellos que alcanzaron centralidad en este último periodo fueron Garlatti, Pozzi, Delgado, Martínez, Aguer, Ñáñez y Casaretto; c) los obispos que perdieron centralidad respecto del periodo anterior fueron Puíggari, de Elizalde, Di Stéfano, García, Primatesta, Colomé, Di Monte, Arancedo, Eichhorn, Storni y Mollaghan.

3 La Asociación Cristiana de Dirigentes de Empresa: una exploración de la morfología interaccional de la elite empresarial católica argentina La Asociación Cristiana de Dirigentes de Empresa (ACDE) fue fundada en 1952 por empresarios pertenecientes a la Acción Católica Argentina, siendo su primer presidente el laico, marino y empresario nacional Enrique Ernesto Shaw (19211962). Conforma, además, un nodo más –aunque de gran importancia en términos cuantitativos- de la extensa y diversificada red mundial UNIAPAC (Union Internationale des Associations Patronales Chrétiennes), federación internacional nacida en 1931 bajo el nombre “Conférences Internationales des Associations de Patrons Catholiques”. Actualmente, ACDE es jurídicamente una “Asociación Civil sin fines de lucro”. Su órgano superior de gobierno es el Consejo Directivo,8 cuyo mandato más importante quizás sea elegir a los integrantes de la Mesa Ejecutiva.9 8  Lo integran entre 12 y 24 miembros, elegidos por la Asamblea ordinaria de socios por un período de 3 años y con renovación anual por tercios. El Consejo Directivo tiene los siguientes cargos: presidente, vicepresidente 1°, vicepresidente 2°, secretario, tesorero, prosecretario, protesorero y el resto son vocales. Las reuniones del Consejo son mensuales. Durante nuestro recorte, ACDE estuvo presidida por Jorge Matheu (Alto Palermo S.A.), entre 1997 y 2000; José María Simone (CEO de Banco Velox), entre 2000 y 2003 y Alejandro Preusche (Pte. de Adeco Agropecuaria), entre 2003 y 2006. 9  Ésta se compone de: presidente, vicepresidente 1°, vicepresidente 2°, secretario, tesorero, prosecretario y protesorero. La Comisión Directiva tiene a su cargo todas las funciones ejecutivas de la Asociación. El presidente es nombrado por un periodo de tres años y sin posibilidad de reelección, mientras que los miembros restantes sí pueden ser reelectos –en sus mismos cargos o en otro-, pero sus mandatos duran un año.

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A su vez, los órganos de gobierno que están por debajo de la Mesa Ejecutiva son los Consejos, que tienen el carácter de órganos consultivos cuyo objetivo principal es el asesoramiento a la Comisión Directiva y emitir opiniones calificadas; los Grupos de Trabajo, que desarrollan actividades específicas de acuerdo a la misión con la que fueron creados; las Comisiones de Trabajo, que son unidades específicas y permanentes que tienen a su cargo la consecución de programas y planes de carácter anual; y los Equipos de Trabajo, que están encargados de ejecutar determinadas actividades dentro de un programa preestablecido. Hemos identificado un total de 100 actividades/ reuniones en todo el periodo, llevadas a cabo en diferentes lugares, algunos de los cuales aparecen típicamente como ámbitos privilegiados de interacción: hoteles y restaurantes para los almuerzos y after jobs, y la Universidad Católica Argentina para las actividades relacionadas con la formación, tanto doctrinaria como profesional. De las 100 reuniones, pudimos localizar y reconstruir los ámbitos y dinámicas para 86 de ellas. Este relevamiento nos mostró la presencia de 226 actores que han formado parte de la red. Si miramos la totalidad, la frecuencia de participación asciende a 324, dando un promedio de 1,43 participaciones por actor. Sin embargo, la varianza de todo el universo es de 4,86 y el rango de 29. Esto supone la existencia de una fuerte concentración en la participación en un grupo privilegiado de actores, aunque siempre desde una perspectiva individual, no relacional. Ahora bien, si incorporamos la perspectiva del análisis de redes sociales a nuestro objeto podremos observar la capacidad de vinculación que cada uno de ellos pudo generar en el periodo, determinando las posiciones relativamente centrales y las periféricas, por un lado, y detectando los ámbitos estratégicos de sociabilidad, por el otro. A continuación, presentamos la estructura reticular de la red social de ACDE de modo 2 (actores y ámbitos), correspondiente a todo el periodo y de acuerdo a las 100 actividades detectadas: de modo 2 (actores y ámbitos), correspondiente a todo el periodo y de acuerdo a las 100 actividades detectadas (Fig. 9): Las empresas, identificadas con sus respectivos logos, son aquellas que auspiciaron los encuentros

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Figura 9 - Red total Fuente: elaboraci贸n propia en base a memorias anuales de ACDE, prensa ACDE y diarios nacionales

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anuales.10 Los nodos que aparecen en color violeta y con forma triangular corresponden a los actores, mientras que los de color verde de forma cuadrangular representan los diferentes ámbitos de sociabilidad. Al observar la red total podemos notar que existen zonas donde aparecen subredes marginales en torno a un aglomerado central mucho más denso. Aquellos nodos que se encuentran en la parte inferior de la red son actores individuales que fueron invitados una sola vez y en calidad de único participante o, a lo sumo, acompañados por otro más. Este hecho hace que en la imagen reticular que devuelve el software una vez cargada la matriz coexistan un conjunto de relaciones más o menos directas entre escasos actores y ámbitos puntuales con un complejo rizoma compuesto por actores centrales y periféricos.

Ahora bien, un acercamiento más preciso a los nodos centrales nos permitirá comprobar, efectivamente, si los actores principales hallados desde una perspectiva individual – cantidad de reuniones que el actor mantuvo en todo el periodose corresponden o no con los resultados que arroja la perspectiva relacional:

Figura 11 Fuente: elaboración propia en base a memorias anuales de ACDE, prensa ACDE y diarios nacionales

Figura 10 Fuente: elaboración propia en base a memorias anuales de ACDE, prensa ACDE y diarios nacionales

Este primer recorte nos permite observar que los ámbitos más destacados en términos de construcción de vínculos son los Encuentros Anuales, lo cual es lógico dado el extenso programa de invitados que a lo largo de generalmente tres días participan de las diferentes mesas y paneles. Los Desayunos de Formación, de Actualización Profesional, los Foros Almuerzo y las actividades de ACDE Joven parecerían servir más como “ámbitos puente” para aquellos actores que participan de los Encuentros Anuales y aquellos que no. Es el mismo fenómeno que ocurría con la CEA, cuando ciertas comisiones servían de nexo a determinados obispos que integraban la Comisión Permanente.

Ellas son: Telefónica, Coca-Cola/FEMSA Argentina, Mapfre, diPaola/ WPP, Santander Río, Arcor, Minera Alumbrera, AGD, Edesur, Konrad Adenauer Stiftung, Loma Negra, Edenor, Galicia, Grupo Clarín, Cablevisión, La Nación, Bagó, TZ Terminales Portuarias, Urbano, Bulló-Tassi-Estebenet-Lipera-Torassa (estudio jurídico), Organización Techint, FIAT, Ernst&Young, Banco Ciudad, QuickFood, Grupo ASSA, Syngenta, American Express y Deloitte.

Luego de los resultados del análisis relacional, aparecen ocupando posiciones centrales en torno a los ámbitos de reunión más importantes 4 actores: a. Rafael Braun, el Asesor Doctrinal de ACDE; b. José María Simone, su presidente; c. Emilio Cárdenas, consejero académico de Libertad y Progreso, Director Ejecutivo de HSBC, profesor de Derecho en UBA, UCA y en la Universidad de Illinois y ex embajador ante la ONU durante el gobierno de Carlos Menem; y d. Etienne Wibaux, presidente de UNIAPAC durante el periodo. Tanto Cárdenas como Wibaux no adquirieron centralidad debido a la cantidad de participaciones, dado que ambos fueron invitados en dos oportunidades,11 pero la cantidad de vínculos potenciales que pudieron establecerse en cada una de ellas hace que se posicionen comparativamente en la zona más densa de la red. Si despejáramos ahora los ámbitos de reunión y contáramos sólo la cantidad de vínculos que cada actor pudo erigir, tendríamos la red total interpersonal (de modo 1) de ACDE. Dicha red nos brinda la siguiente imagen reticular:

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Emilio Cárdenas participó del V Encuentro Anual y del XXI Congreso de UNIAPAC (26 de abril de 2001 y 8 de mayo de 2002), mientras que Wibaux fue invitado a la Reunión del Comité Ad Hoc del “XXI Congreso Mundial de UNIAPAC” en Buenos Aires, realizada el 24 de febrero de 2001, además de participar en dicho Congreso, en mayo de 2002.

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Figura 14 Fuente: elaboración propia en base a memorias anuales de ACDE, prensa ACDE y diarios nacionales

Figura 12 - Red total interpersonal Fuente: elaboración propia en base a memorias anuales de ACDE, prensa ACDE y diarios nacionales

La imagen devuelta nos muestra un muy denso rizoma de relaciones sólo entre actores, conformado por los 226 que participaron de las actividades institucionales. Los menos vinculados aparecen en las posiciones marginales, mientras que los nodos centrales representan a quienes necesitan menos intermediaciones para llegar a cualquier actor de la red. Acercándonos a dichas posiciones, comenzamos a distinguir aquellos que detentan mayor capacidad de movilización de recursos para cualquier estrategia de incidencia dentro de la red total:

Figura 13 Fuente: elaboración propia en base a memorias anuales de ACDE, prensa ACDE y diarios nacionales

La imagen anterior nos permite observar cuatro zonas de la red que adquieren mayor densidad relacional, tres periféricas y una central que logra intermediar entre aquellas. En la siguiente figura veremos quiénes se ubican en la zona central: Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

Finalmente, hemos llegado a los actores centrales de ACDE desde la perspectiva de la teoría de redes. Si comparamos con los resultados alcanzados desde la perspectiva individual, tendríamos tres grupos: a. los que continúan siendo centrales; b. los que aparecen como centrales individualmente pero no relacionalmente; c. los que aparecen centrales relacionalmente aunque no individualmente. En el primero se encuentran Rafael Braun, José María Simone, Alejandro Preusche, Carlos Tramutola y Luis Miguel Bameule. En el segundo: Luis Riva, Manuel Solanet, Orlando Ferreres, Alejandro Llorente, Juan José Llach, Adolfo Ablático, Jorge Forteza y Pablo Condrac. Mientras que adquieren centralidad en función de los vínculos establecidos un nutrido conjunto de actores: Emilio Cárdenas, Marco Antonio Stefanini, Sergio Bivort, Claudio Giomi, Mons. Jorge Bergoglio, Nicolás Ducoté, Juan Carr, Eduardo Braun, Arnaldo Valazza, Juan Sabogal, Verónica Viel Temperley, Carlos Velazco Suárez, Eduardo Casabal, Enrique Olivera, Jorge Matheu. José Ignacio López, Alan Manoukian, Fernán de Elizalde, Etienne Wibaux, José O. Bordón, Dominique Peccoud, Héctor Salamanco, Giovanni Scanagatta, George Molenkamp, Graciela Martini, Eduardo Casabal, Oscar Cecchi, Jorge Costa, Eugenio Maschwitz, Jorge Sangiovanni, Guillermo Jaim Etcheverry, Norberto Padilla, José Luis Machinea, Ricardo Raúl Gutiérrez, Juan Peirano, Gustavo E. Charbonnier Rivoir y Leandro Patricio Martino.

4 La CEA y sus posicionamientos políticoreligiosos en la crisis y salida del régimen de convertibilidad: entre la deuda externa y la social El problema de la deuda externa, como dijimos en la introducción, resulta fundamental por su capacidad condensadora, dado que la naturaleza y dinámica 85


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que adquirió el endeudamiento representó uno de los sostenes principales de la convertibilidad junto con la fuga de divisas, siendo ambos la contracara financiera del modelo en oposición a la social, que es bien conocida. Pero este tópico contiene otros elementos que le otorgan un interés aún mayor, dado que en su seno coexisten múltiples tensiones y temporalidades: los objetivos vaticanos, los de la Iglesia Católica Argentina y la lógica del campo empresario en la que se inscriben los miembros de ACDE. El año 2000 fue muy especial para la Iglesia Católica por ser el Año Jubilar. En la Argentina, las actividades relacionadas con el Jubileo se realizaron bajo un contexto signado por el creciente nivel de conflictividad social a la vez que una mayor visibilización de los sectores afectados. El episcopado nacional venía advirtiendo sobre los problemas económicos, señalando la “existencia de desequilibrios económicos, muchas veces fruto de pautas internacionales, que perturban y degradan las relaciones sociales” (Declaración, 14/4/1999). Pero además, esta situación coincidió con un pedido vaticano que venía contenido en la Bula de convocatoria a las celebraciones. En efecto, el Papa Juan Pablo II incorporó dentro de los “signos jubilares” a la “indulgencia”, y la relacionó con la condonación de deudas: Muchas naciones, especialmente las más pobres, se encuentran oprimidas por una deuda que ha adquirido tales proporciones que hace prácticamente imposible su pago. Resulta claro, por lo demás, que no se puede alcanzar un progreso real sin la colaboración efectiva entre los pueblos de toda lengua, raza, nación y religión. Se han de eliminar los atropellos que llevan al predominio de unos sobre otros: son un pecado y una injusticia (Incarnationis mysterium, § 12)

Este hecho resultó clave, dado que tanto la CEA como ACDE construyeron sus argumentaciones relacionadas con la deuda externa en función del pedido papal. La repercusión de Incarnationis mysterium tuvo sus primeros ecos en el clero de la mayor economía mundial, al año siguiente. El 24 de marzo de 1999 fue aprobada por la Junta Administrativa de la Conferencia Católica de los Estados Unidos una Declaración sobre la deuda externa en los países pobres, que había sido redactada por el Comité sobre Política Internacional. Reconocieron que es la “volatilidad del flujo de capital internacional” la que contribuía a la inestabilidad del intercambio y que este fenómeno podría “devastar financieramente a un país”. Diferenciando la situación 86

de fin de siglo con la crisis de la deuda en América Latina y la situación de la banca transnacional que dio lugar al denominado Consenso de Washington, señalaron que ad portas del Gran Jubileo los países más endeudados están “preponderantemente en África y sus préstamos vienen en su mayoría de Estados Unidos y otros gobiernos, y de instituciones multilaterales tales como el Banco Mundial, el FMI y los Bancos Interamericano, Asiático y Africano para el Desarrollo.” Este hecho tuvo inmediato impacto en el campo político argentino. Tanto fue así que en el ámbito legislativo se creó, hacia fines de 1999, una comisión bicameral denominada “Jubileo 2000”. Este espacio organizó durante todo el Año Jubilar una serie de encuentros en los que se trataron diferentes tópicos. En mayo se convocó en el Congreso Nacional a discutir sobre “libertad religiosa” en una audiencia pública; en junio se discutió sobre “dignidad humana”, encuentro del que participó Mons. Karlic, Mons. Novak, Estela de Carlotto y los secretarios de ambas CGTs (“oficial” y “disidente”), Rodolfo Daer y Hugo Moyano, respectivamente. Sin embargo, el debate más esperado y seguramente también el más polémico tenía que ver con el pedido papal. El comienzo de las audiencias públicas para debatir el problema del endeudamiento externo estaba previsto para agosto de 2000. Era evidente, por otro lado, que no todo el arco católico compartía la visión indulgente, que contaba con el apoyo explícito de Mons. Karlic y el presidente de la Pastoral Social, el cardenal Raúl Primatesta. Precisamente, tal como veremos más adelante, fue ACDE quien encabezó la contraofensiva por el laissez faire respecto de la reconsideración de la deuda externa, al señalar que: esa vía perjudica la calificación del país. ‘Hay que bregar por la eliminación de los subsidios agrícolas de EE.UU. y la Unión Europea, dicen […] Lo cierto es que hasta no hace mucho tiempo, parecía impensable una sociedad entre el Congreso y la Iglesia ante un asunto tan delicado como la deuda externa. (Diario Clarín, 3/7/2000, Sección Política, “Legisladores pedirán el alivio de la deuda y hasta irán a Luján”, por Sergio Rubin)

De esta forma, el problema de la deuda externa tuvo la capacidad de traspasar la frontera del saber experto, monopolizado autoasignadamente por los economistas liberales de ACDE, para transformarse en una encrucijada moral: Lo novedoso es que la polémica creció últimamente a raíz de declaraciones y gestos de no pocos obispos en favor de una

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Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014 reconsideración de la deuda […] Monseñor Estanislao Karlic apoyó a la Bicameral por el Jubileo; el titular de la Pastoral Social, cardenal Raúl Primatesta, respaldó una marcha contra las políticas de ajuste del FMI que organizó la CGT disidente de Hugo Moyano, y la cúpula de la Iglesia que encabeza Karlic recibió a la delegación del Fondo, a principios de junio, y le pidió un alivio del peso del endeudamiento […] Se afirma, incluso […] que monseñor Jorge Bergoglio no asistió a la reunión con los representantes del FMI por considerar que sus diferencias con el organismo eran demasiado grandes y ameritaban una mayor preparación del encuentro […] Más aún: el arzobispo de La Plata, monseñor Héctor Aguer, cree que la deuda ya fue pagada debido a la fuerte suba que experimentó en las últimas décadas la tasa de interés, lo que convirtió al pasivo en una bola de nieve […] El debate promete seguir caldeándose. (Diario Clarín, 24/7/2000, Sección Política, “El alivio de la deuda externa, tema de debate en la Iglesia”, por Sergio Rubin)

En este marco, fue el arzobispo de La Plata, Mons. Héctor Aguer, quien intervino en nombre de la CEA en dos oportunidades. La primera fue el 22 de agosto, durante la apertura de la audiencia pública celebrada en el Salón Azul del Senado de la Nación, mediante una alocución titulada “La deuda argentina a la luz del Año Jubilar”; la segunda fue el 10 de octubre, en otra audiencia celebrada en la Legislatura de la provincia de Buenos Aires: “La deuda externa y la convocatoria papal”. En la primera oportunidad, Aguer señaló que la problemática no era una cuestión “eminentemente económica ni comercial”, sino que por sobre todo involucraba a la “ética” y a la “teología moral”. Refiriéndose a la suma que en concepto de intereses el Estado argentino debía pagar ese año (“equivalente al 18,8 por ciento de su Presupuesto General”) advertía que es “cada vez más difícil aplicar remedios a la desocupación y al empobrecimiento colectivo”. En ese sentido, y revirtiendo la secuencia del argumento neoliberal respecto de que la condición para retomar el crecimiento era el aumento de las exportaciones y la reducción del déficit fiscal, opinó que: […] nada de ello sucederá sin que antes la Argentina asegure para sus habitantes niveles de vida más elevados, porque sólo así se reiniciarán la actividad productiva, el trabajo para todos y los modos de convivencia honesta propios de un pueblo desarrollado y en paz […] Una pesada lápida amenaza caer sobre nosotros sepultando nuestro propósito y deber de constituir efectivamente una Nación libre, justa y soberana. Ya puede adivinarse la inscripción mortuoria: ‘Aquí yace la

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República Argentina. Vivió pagando, murió debiendo’. No corresponde a la Iglesia aportar las soluciones técnicas al problema de la deuda externa, pero sí recordar a políticos y economistas la obligación que les corresponde de dedicar sus esfuerzos a las cuestiones concretas que afectan a los pueblos.

Fue evidente la distancia política entre la jerarquía y ACDE en torno a la deuda externa. Mientras Michel Camdessus asistía como invitado de honor a la reunión anual de la entidad empresaria, los obispos contraponían a la concepción neoliberal de estabilización y ajuste basada en la situación fiscal como condición de posibilidad de pago y refinanciación de deuda, la consecuencia moral. Dicha dimensión, no obstante, se basó en la reapropiación de la tradición clásica de la Economía Política, sustentada en la teoría objetiva del valor. Esta circunstancia se notó mucho más en la intervención de Aguer del 10 de octubre, donde habló del dinero como expresión del valortrabajo y de la esfera financiera en tanto dimensión desfasada de la economía real mundial. La crítica profunda a los pilares básicos de la escuela neoclásica, es decir, a la noción de equilibrio, al individualismo metodológico y al papel de la competencia pura y perfecta como basamento epistemológico, contrastó fuertemente con las argumentaciones desplegadas por ACDE en consonancia con su fuerte tradición liberal.

5 Los costos de la valorización financiera: la deuda externa y la visión del empresariado católico nacional Si intentáramos formular una conjetura inicial bien podríamos apoyarnos en la reveladora declaración de Rodolfo Iribas, asesor de ACDE, durante una entrevista realizada algunos años antes de la explosión del régimen de convertibilidad: “algunos obispos nos tildan de demasiado liberales” (La Nación, 30-071997, Suplemento “Cultura”). Las intervenciones de la CEA sobre el tema de la deuda motivó a ACDE a sugerirles a los obispos que la Iglesia “actúe con cautela en la búsqueda de una condonación o reducción sustancial de la deuda externa de los países del Tercer Mundo”.12 En ese sentido, los empresarios expresaron que países como

Diario Clarín, 2/1/1998, Sección El Mundo, “Actuar con cautela”, por Sergio Rubin.

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la Argentina, pequeño en términos de ahorro interno, “necesitan más que otros ahorro externo para financiar su crecimiento (…) [Así], para crecer al 6% anual [la Argentina] necesita unos 80 mil millones de dólares por año, que no llega a cubrir con ahorro interno” (Ibid). En las notas periodísticas de los diarios Clarín y La Nación (ambos auspiciantes de las actividades llevadas a cabo en ACDE), se dejaba en claro que el pedido papal no era compartido por todos los católicos, especialmente por los empresarios de ACDE: un grupo de economistas de la Asociación Cristiana de Dirigentes de Empresa […] insistieron en que aquella posición provocaría un aumento del riesgo país y el consiguiente aumento del crédito (Diario Clarín, 7/6/2000, Sección Política, Los obispos reclaman al FMI alivio para la deuda, por Sergio Rubin); desde esa perspectiva la solución al drama que hoy se expresa en desocupación, limitación del crecimiento y de la expansión económica no llegará ‘a través del perdón de las deudas ni por la aplicación de políticas proteccionistas’. La prédica de ACDE apunta a denunciar la iniquidad del comercio internacional, posición que no hace mucho cosechó el aval del Consejo Episcopal Latinoamericano (Diario La Nación, 28/6/2000, Sección Economía, Deuda, subsidios y visita de Camdessus, por José Ignacio López); ACDE cree que esa vía perjudica la calificación del País (Diario Clarín, Sección Política, 3/7/2000, “Legisladores pedirán el alivio de la deuda y hasta irán a Luján”, por Sergio Rubin)

En efecto, el 14 de julio de 2000, el titular de la entidad, José María Simone, hizo pública una carta: “Con serenidad, firmeza y esperanza”. La misiva tenía un doble objetivo: 1. intentar desprender a la Argentina de la categoría “países pobres endeudados”, utilizada por Juan Pablo II al referirse a la condonación de deuda; y 2. polemizar con las exhortaciones episcopales, pero desde una argumentación estrictamente económica, haciendo hincapié en el perjuicio a la confianza del país, que terminaría horadando la seguridad jurídica. Este incremento en la frecuencia de visibilidad de ACDE en los grandes medios asociados tiene para nosotros una posible interpretación, y es que una semana antes de ser difundida masivamente, la carta “Con serenidad, firmeza y esperanza” fue puesta en consideración de los asociados durante un Almuerzo de la entidad para que sus recomendaciones tuvieran una legitimación aún mayor. En esa ocasión, quien se

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expresó elogiosamente respecto de su contenido fue el invitado de honor, Michel Camdessus, quien había dirigido el FMI hasta febrero de ese año: Lo mejor para ustedes es ser vistos como excelentes pagadores y de bajo riesgo, más que sumarse al reclamo del papa Juan Pablo II para que en este año, el del Jubileo, se les perdone la deuda a los países más pobres […] Habiendo cruzado la barrera de un ingreso per cápita de 7000 u 8000 dólares anuales, lo que la Argentina necesita del resto del mundo no es ayuda, sino justicia en las condiciones del comercio internacional […] La deuda del país es importante, pero no impide el crecimiento. Todas las naciones del mundo tienen que refinanciar el capital de su deuda, hasta Estados Unidos. Si la Argentina reduce su riesgo país podrá crecer aunque desde luego deberá tener una férrea disciplina fiscal. No podrá hacer disparates. Reducir el déficit es lo que permitirá bajar la deuda en el futuro (La Nación, 6/7/2000, Sección Economía, “Camdessus: el ajuste debe ser incesante”).

Así, la visión empresaria se sostenía en el cumplimiento de las metas fiscales como único requisito para lograr los excedentes. El margen para una última maniobra dependía exclusivamente del control del gasto público. El supuesto fundamental era, más allá de reducir el problema económico a una cuestión financiera y dejando de lado las consecuencias sociales del ajuste, que la reducción del gasto público y el mantenimiento de la presión tributaria no impactaría en la recaudación, variable que está estrechamente vinculada con la actividad económica. La visión monetarista del empresariado católico reducía el papel del Banco Central a la preservación del nivel de reservas para mantener la paridad cambiaria. Asegurar esa paridad y cumplir con las metas fiscales para consolidar el superávit primario constituían, no obstante, las acciones de corto plazo. Esto terminaría apoyando la estrategia que el empresariado se planteaba como objetivo de largo plazo: el investment grade.13 El ideologema  Existen diversos rankings en los que se clasifican a distintas instituciones (desde empresas hasta municipios y países) según su “riesgo crediticio”. Son básicamente tres las agencias calificadoras de riesgo más conocidas en el campo financiero (Fitch Ratings, Standard & Poor's y Moody's,) que colocan una “nota” a los países en función de distintos indicadores. Estas notas van de AAA hasta D, existiendo en total 26 categorías. A su vez, estas pueden ser reagrupadas en dos: 1. grado especulativo o “junk bonds” (abarca 16 categorías que van de D hasta BB+); 2. grado inversor o “investment grade” (abarca 10 categorías que van de BBB- hasta AAA).

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se construye a partir de la ‘buena impresión’ que la Argentina daría ‘al mundo’ si cumpliera con estos objetivos, lo cual se plasmaría en una mejora de la ‘nota’ crediticia. Mundo, en este caso, es un eufemismo para referirse a las calificadoras de riesgo y a los organismos multilaterales de crédito. En noviembre de 2001 se llevó a cabo el III Foro Nacional de Laicos, organizado en la Universidad Católica Argentina y auspiciado por la Acción Católica, ACDE y la Comisión Episcopal de Pastoral Universitaria, con donaciones del Banco de Galicia y del Banco Nación. Casi en simultáneo con las alocuciones referidas a “la política en la Argentina actual”, tal el lema del encuentro, ACDE adhirió el 18 de noviembre de 2001 a una solicitada publicada en todos los medios gráficos de alcance nacional.14 En ella los empresarios reclamaron la urgente sanción del presupuesto para el año 2002 y la reestructuración consensuada del endeudamiento público externo e interno, con el propósito de estimular una baja generalizada de las tasas de interés, avalando las políticas del ministro Domingo Cavallo. Por ese motivo justificaron las imperfecciones del modelo bajo el argumento del excesivo gasto público, sostenido impertérritamente por la fracción del bloque dominante que mejor estaba posicionada estructuralmente – sector financiero y empresas privatizadas- y con la que ACDE, tanto desde el punto de vista relacional como discursivo, tuvo mayor afinidad durante todo nuestro recorte. Luego del estallido de la crisis en diciembre, comenzó a funcionar la Mesa del Diálogo Argentino,15 aunque sin la asistencia de aquellos sectores que más  El texto fue firmado por las siguientes organizaciones: ACDE, la Asociación de Bancos de Argentina (ABA), la Bolsa de Cereales de Bahía Blanca, Bolsa de Comercio de Buenos Aires y la de Rosario, la Cámara Argentina de Comercio (CAC), la Cámara Argentina de Supermercados, la Cámara Argentina de Shoppings Centers, el Capítulo Argentino del Consejo Empresario de América Latina (CEAL), el Consejo Empresario Argentino (CEA), la Coordinadora de Productos Alimenticios (COPAL), el Instituto para el Desarrollo Argentino (IDEA) y la Sociedad Rural Argentina (SRA).

se desfavorecieron con la devaluación del peso, sobre todo la banca transnacional y las empresas privatizadas de servicios públicos, es decir, los “ganadores” del modelo anterior. Después de la publicación, en el mes de julio, del documento “Bases para las Reformas: principales consensos”, comenzaría la segunda etapa de ese ámbito con otros objetivos, expectativas y perspectivas: la Mesa del Diálogo Ampliada. El 10 de septiembre, ACDE difundió un nuevo documento institucional, “La Nación está en grave riesgo”, anticipando el tópico del Encuentro Anual del año siguiente. Allí los empresarios lamentaron “verificar que las condiciones en que se encontraba la Argentina a principios de 2001 -desde las cuales se proponía comenzar a construir un proyecto nacional - han cambiado drásticamente y en dirección opuesta a lo deseado”. En diciembre de 2002, el Grupo de Economistas de ACDE publicó Desiderata”.16 De 37 páginas, el extenso documento contiene un primer párrafo justificatorio de las visiones y recomendaciones que, proclamadas de manera insistente, no hicieron más que acelerar la huida de capitales que terminó provocando la devaluación del peso con las terribles consecuencias sociales. Es decir, el argumento del escaso ahorro interno siguió imperando para sostener la necesidad de liberalizar el comercio, promover las exportaciones, acrecentar la productividad y disminuir el gasto público. Evidentemente, esto debe comprenderse dentro de un programa de acción mucho más amplio que contempla, para cumplir con el objetivo de “recuperar un mínimo de credibilidad externa”, una particular concepción de lo público y de lo estatal en el sistema económico.

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El lanzamiento formal fue el 14 de enero de 2002 en la Iglesia Santa Catalina de Siena de la ciudad de Buenos Aires. Fueron tres los convocantes o facilitadores – tal fue su autodenominación: el Gobierno Nacional, la Conferencia Episcopal Argentina (CEA) y el Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo (PNUD). La participación estuvo distribuida de la siguiente forma: Las ONGs representaron el 12%; el sector ligado a la gran burguesía industrial nacional, entre ellos la UIA, el 16%; el de la mediana, pequeña y micro empresa el 6%; los sindicatos el 6%; los llamados “grupos emergentes”, entre los que se contaban numerosas agrupaciones piqueteras, el 10%; y el sector agropecuario el 4%. Si agrupamos a los sectores empresarios industriales, las ONGs, los sindicatos, las organizaciones populares y el sector agropecuario, tenemos el 54%. El resto se repartió en: bancos (4%); profesionales y universidades (12%); cultos (4%), gobiernos provinciales y municipales (12%); sectores de la cultura (2%); y partidos políticos (12%) (AA.VV., 2004: 17).

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6 Conclusiones Como primera cuestión a resolver, ¿podemos hablar de una “zona de frontera relacional entre los empresarios de ACDE y los obispos?, ¿existe una especie de zona mixta de interacción entre ambos colectivos? Si analizamos detalladamente todos los datos recabados y las diferentes reconstrucciones de las redes interpersonales, hallamos el siguiente fenómeno:

Al cual retornaremos en el siguiente apartado referido al rol del Estado en la postconvertibilidad. En la elaboración de “Desiderata” trabajaron: Santiago Bergadá, Alicia Caballero, Juan José Ezama, Orlando Ferreres, Enrique Folcini, Martín Lagos, Héctor Mario Rodríguez y Ludovico Videla

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Figura 15 Fuente: elaboraci贸n propia en base a memorias anuales de ACDE, prensa ACDE y diarios nacionales

Figura 16 Fuente: elaboraci贸n propia en base a memorias anuales de ACDE, prensa ACDE y diarios nacionales

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De la red total interpersonal de modo 1 que da cuenta de todos los actores y sus relaciones en el periodo, hemos identificado con colores diferentes los nodos correspondientes a miembros de la jerarquía católica nacional. Detectamos cuatro actores en total, dos de los cuales ocupan posiciones absolutamente periféricas y sin ningún tipo de vínculo, mientras que los otros detentan cierto grado de centralidad en el entramado. Por otro lado, tres están representados de color rojo con formas triangular y hay un cuarto que está de azul y con forma romboidal. Los vínculos de ambos actores están, también, resaltados para facilitar la detección. Los dos nodos rojos que se sitúan abajo a la derecha, sin ninguna vinculación, son Mons. Carmelo Giaquinta y Mons. Jorge Casaretto, quienes fueron invitados por separado y en solitario a dar una charla cada uno. Giaquinta habló en el Foro Almuerzo del 10 de noviembre de 2000, llevado a cabo en el Hotel Castelar y con presencia de 90 asistentes. Por su parte, Casaretto disertó en el Foro Almuerzo del 26 de julio de 2002, realizado en el NH City Hotel, ante 115 asistentes. El nodo de color azul, vínculos rosa y de forma romboidal que está en la parte superior es el Card. Jorge Mejía, quien nació en 1923 y fue ordenado sacerdote en 1945. Es archivista y bibliotecario emérito del Vaticano. Dado que Mejía no integra la CEA lo diferenciamos con el color azul. La centralidad en la red se debe, más allá de su participación solitaria en un Foro Almuerzo de la entidad, el 26 de abril de 2000, a que formó parte del Congreso Mundial de UNIAPAC llevado a cabo en Buenos Aires el 8 de mayo del 2002, junto a otros 33 invitados. Quien sí integró la CEA, constituyendo así el único caso en que un miembro de la jerarquía episcopal estableció vínculos y compartió diferentes ámbitos de sociabilidad con los empresarios católicos, fue el Card. Jorge Mario Bergoglio, representado de color rojo con vínculos en azul. El 1 de septiembre de 1999, Bergoglio asistió a un Foro Almuerzo de ACDE junto a otros 5 invitados: David Leake (obispo anglicano), Rafael Braun (Asesor Doctrinal y el principal big linker), Jorge Aceiro (expresidente de ACDE entre 1969-1973; 1979-1982), José Antonio Aranda (vicepresidente del Grupo Clarín y miembro del Consejo Directivo de ACDE) y Eduardo Casabal (expresidente de ACDE entre 1990; 1993). Así, podemos concluir en la inexistencia de una “zona de frontera relacional”, en el sentido físico y espacial, entre los miembros de la jerarquía episcopal y los empresarios católicos. En su lugar parecería haber un delgado límite reservado a muy pocos actores; en nuestro recorte, sólo Bergoglio alcanzó cierto grado de intensidad relacional. Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

Por último, estas bien delimitadas circunscripciones interaccionales de la CEA y ACDE, con su casi nula frontera de sociabilidad, ¿se correspondieron en el mismo sentido con una frontera simbólica de similares características para ambos subuniversos de sentido?, es decir, sabiendo la diferente naturaleza de las lógicas temporales de ambos subuniversos, y habiendo demostrado la escasa relación de sociabilidad entre los dos colectivos, ¿se cristalizó este fenómeno de ‘distanciamiento relacional’ en sus discursividades políticas? Para ello abordamos la problemática del endeudamiento externo. En general, notamos reacciones rápidas y contundentes de los empresarios de ACDE cuando el nivel de la crítica hacia el neoliberalismo iba más allá de cuestionamientos genéricos de orden moral, ante los cuales ningún empresario se mostró en contra, sino todo lo contrario. Las dimensiones que aparecieron como un claro quiebre entre ambos fueron la fiscal y la financiera. Por ese motivo, el debate más álgido lo constituyó la propuesta de condonación de la deuda externa. El ideologema empresario de que “sin crecimiento económico sostenido no hay posibilidades de revertir el proceso de fragmentación de nuestra sociedad”, estuvo apoyado en el referente máximo del establishment financiero mundial, Michel Camdessus, asiduo invitado a las reuniones de ACDE. Los argumentos allí expuestos, por otro lado, eran replicados por los dos mayores diarios nacionales, auspiciantes de las actividades de ACDE, La Nación y Clarín. Como conclusión general, podemos afirmar que durante el periodo estudiado no existió, en primer lugar, una “zona de frontera relacional”, en el sentido físico y espacial, como supusimos cuando diseñamos la investigación. Y, precisamente, esa distancia relacional reducida a un muy delgado y ‘privilegiado’ límite, fue correspondida con una similar distancia simbólica materializada en sus posicionamientos políticos respecto del problema del endeudamiento externo.

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Recebido em: 21 de março Aceito em: 16 de junho

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QUANDO A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA ATRAVESSA AS FRONTEIRAS NACIONAIS: A GUERRA SANTA ENTRE A IGREJA UNIVERSAL E AS AFRO-RELIGIÕES EXPORTADA DO BRASIL PARA A ARGENTINA WHEN RELIGIOUS INTOLERANCE THROUGH THE NATIONAL BORDERS: A HOLY WAR BETWEEN THE UNIVERSAL CHURCH AND AFRICAN RELIGIONS EXPORTED FROM BRAZIL TO ARGENTINA

Marcelo Tadvald1

RESUMO Nas últimas três décadas, grandes igrejas neopentecostais brasileiras lograram maior sucesso no processo de transnacionalização religiosa graças a um modelo institucionalizado e peculiar de expansão e de estabelecimento em países estrangeiros. Dentro do universo neopentecostal, a Igreja Universal do Reino de Deus consiste na denominação com maior representatividade no exterior, estando a Argentina dentre os países em que a denominação atingiu maior sucesso. Partindo de estudos de campo realizados junto aos templos iurdianos daquele país, este trabalho procura mostrar, a partir da perspectiva dos rituais, algumas estratégias de alocação e de manutenção dessa religiosidade brasileira naquele contexto receptor, analisando a dimensão da “guerra santa” promovida pela Igreja Universal no Brasil contra os afro-religiosos, mas que, no exterior, necessitou receber uma ressignificação importante. Palavras-chave: Brasil e Argentina. Transnacionalização religiosa. Neopentecostais e afro-religiosos. Guerra Santa. ABSTRACT In the last three decades, Brazilian neo-pentecostal churches succeeded most successful religious in the transnationalization process thanks to an institutionalized and peculiar expansion model in foreign countries. Within the Pentecostal universe, the Universal Church of the Kingdom of God is the denomination with the largest representation abroad, with Argentina among the countries where that church came greater success. Starting from field studies along the iurdianos temples of that country, this paper seeks to show from the perspective of some rituals allocation and maintaining strategies this Brazilian religiosity that receiving context, analyzing the extent of “holy war” promoted by the Universal Church in Brazil against african-religious, but abroad needed to receive a significative redefinition. Keywords: Brazil and Argentina. Religious transnationalization. Neopentecostals and african-religious. Holy War.

Não sabe o que é a paz, nem a estima Quem não viu antes o que é a guerra. Ludovico Ariosto

1  Doutor em Antropologia Social, pós-doutorando e pesquisador associado ao Núcleo de Estudos da Religião (NER-UFRGS). E-mail: marcelotadvald@ gmail.com.

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1 A TÍTULO DE INTRODUÇÃO: A GUERRA SANTA COMO PRODUTO DA RELIGIOFAGIA IURDIANA Especialmente nas últimas duas décadas, diversos estudos acadêmicos que se ocuparam da IURD2 atestam a sua intrínseca relação com o campo das religiões de matriz africana desenvolvidas em solo brasileiro desde a chegada dos navios negreiros e a mão de obra escrava que serviria por séculos ao empreendimento colonial ibérico deste lado do Atlântico. Se, por um lado, as diferentes religiões presentes no Brasil puderam ser categorizadas em grandes grupos ou movimentos religiosos, como o catolicismo, o pentecostalismo, o africanismo ou o campo mediúnico em geral, etc., a partir do advento da IURD, em 1977, atesta-se um relativo rompimento com tais modelos estabelecidos, devido ao fato de a Universal construir o seu sistema doutrinário e litúrgico mediante articulações, aproximações, desvios e sincretismos com diferentes referências simbólicas e litúrgicas comuns a outras religiosidades, propriedades que permitem a sua caracterização como uma igreja religiofágica, malgrado a sua proclamação neopentecostal, ou de uma situação de fronteira inter-religiosa conforme a categorização consagrada pelo campo acadêmico (ALMEIDA, 2003; FRESTON, 2004; ORO, 2007). Tida como a mais católica das igrejas evangélicas ou como uma reedição urbana do catolicismo popular tradicional (VALLE; SARTRI, apud ORO 2007), a IURD soube articular internamente e de forma sincrética essa e outras cosmologias, como no caso particular daquelas de matriz africana, que se colocaram desde a sua fundamentação mais elementar como rivais e adversárias (MARIANO, 1995), o que permite que a Universal também seja situada entre o cristianismo evangélico e a mediunidade afro-religiosa (ALMEIDA, 2003). Conforme atestou Oro (2007), não há conotação pejorativa em considerar a IURD uma igreja religiofágica, uma vez ser de fácil reconhecimento a sua apropriação e ressignificação de constructos, crenças, modelos litúrgicos e simbólicos originários e característicos de outras religiosidades, como 2  Uma lista de teses e de dissertações sobre a IURD até 2003 podem ser consultadas em Oro et al. (2003). Além desses estudos, a partir desse ano, é possível encontrar outros materiais nos bancos de teses e de dissertações disponíveis na Internet, como o da CAPES – disponível em: <http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses>. – ou do portal governamental de Domínio Público – disponível em: <http:// www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaPeriodicoForm.jsp>.–, além dos bancos disponibilizados online por diferentes universidades brasileiras.

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a Teologia da Prosperidade, originada dentro do movimento evangélico estadunidense na primeira metade do Século XX e implementada no Brasil pela igreja Vida Nova, modelo teológico que se tornou uma espécie de “carro-chefe” da Universal como oferta própria dentro do mercado religioso brasileiro e, consequentemente, mundial decorrente do seu processo de internacionalização. Além da Teologia da Prosperidade, outro exemplo de religiofagização advém do uso extensivo de símbolos, de objetos e de uma imagética católica utilizados pela Igreja como elementos mediadores com o sagrado e, especialmente aqui no Brasil e ainda que de maneira menos frequente, também com o profano. No caso da presença iurdiana na Argentina, país eminentemente católico, a apropriação da imagética desse discurso cristão é pragmática e estrategicamente utilizada de forma positiva, objetivando a ampliação de seu capital religioso e a adesão de fiéis junto àquela sociedade nacional. Para além do escopo material, em países como a Argentina, a figura de Nossa Senhora é largamente utilizada pela Universal, estratégia que se refere diretamente à importância dessa Santa no imaginário católico, em geral, e argentino em particular (UTTER, 1981; DE ALMEIDA, 2003). O dízimo de origem dentro do catolicismo e a utilização de noções de origem católica, como “inferno”, “pecado”, “milagre”, “demônio” e “exorcismo”, são imprescindíveis à Universal (ORO, 2007). Entretanto, é em sua religiofagia junto ao campo afro-religioso que a IURD constituiu a sua faceta teológica e litúrgica mais intrigante e polêmica. As múltiplas religiões afro-brasileiras existentes são consideradas religiões mediúnicas, assim como o espiritismo kardecista, por utilizarem, em sua matriz litúrgica, o expediente da possessão de entidades sobrenaturais em seus adeptos. As afro-religiões: Estruturaram-se no Século XIX como religiões étnicas, dos escravos africanos e seus descendentes, mas com o passar do tempo tornaram-se religiões multiétnicas ou universais. Recebem diferentes nomes regionais, tais como: Candomblé na Bahia; Xangô, em Pernambuco; Batuque, no Rio Grande do Sul. São ainda incluídas na expressão ‘religiões afro-brasileiras’ a Macumba, a Quimbanda e a Umbanda, entre outras (ORO, 2007, p. 30).

A investida neopentecostal contra as afroreligiosidades teve origem desde sua gênese a partir do surgimento e do estabelecimento da IURD como um novo modelo de evangelismo e tal investida constitui-

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-se em mais um capítulo histórico de ações diretas ou indiretas que afrontam o campo afro-religioso. Se, fundamentalmente, o sincretismo religioso no Brasil teve origem no terreno das religiosidades de matriz africana junto a certas referências católicas e de forma positiva, de maneira a garantir o exercício das crenças dos escravos que por aqui se viram obrigados a permanecer, os elementos do universo afro-religioso sincretizados pela Universal também servem para propósitos litúrgicos e teológicos, contudo foram semantizados pela IURD à sua maneira, resultando numa espécie de simulacro tido como profano e que, portanto, deve ser combatido. A semântica católica apropriada pela Universal necessita de inimigos que se tornem referências simbólicas a serem combatidas pelo modelo em questão. O exorcismo, tido como a ação litúrgica mais preponderante da Universal, não poderia se ocupar meramente da noção católica de “demônio”, esta deveras porosa e com pouca capacidade de mobilização do imaginário atual, mas, uma vez no Brasil, onde as crenças em entidades sobrenaturais encontram poucos paralelos mundiais, especialmente, devido ao imaginário decorrente das afro-religiosidades e de sua presença no espaço público urbano (VELHO, 1994), haveria um potencial mobilizador distinto deste lado da fronteira. Desde o começo de sua atuação, o campo neopentecostal soube, principalmente a partir da Teologia da Prosperidade, arregimentar as camadas mais empobrecidas da população, especialmente, dentro do cenário urbano e com aspirações de crescimento material. As afro-religiosidades, tanto no Brasil quanto na Argentina, por sua parte, reconhecidamente são integradas entre esses setores populares, de maneira que o sincretismo iurdiano para com as religiões afro soube se colocar como um contraponto e uma nova oferta dentro do disputado mercado religioso brasileiro e transnacional. Processo semelhante poderá ser observado na Argentina, ainda que com certas diferenças no nível da realidade observável devido ao contexto receptor estrangeiro. Em seu simulacro constituído, em vez de atacar aos “demônios” como conceito subjetivo, a Universal ressignificou tal noção, de maneira a objetivá-la e representá-la como as entidades e deuses cultuados pelas religiões afro, de sorte que: O argumento central, que permeia toda a manifestação, é o de que o candomblé e a umbanda seriam cultos satânicos que, através de práticas sacrificiais cruéis, visariam agradar entidades espirituais maléficas com o objetivo de alcançar

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determinados favores materiais e espirituais. Esse seria um engano mortal, já que a única fonte saudável e legítima de poder sobrenatural seria o Deus cristão, e a única forma de salvar essas pessoas das terríveis conseqüências dos seus erros [...] seria aproximá-las da ‘palavra de Deus’ através do poder interventor do Espírito Santo (REINHARDT, 2007, p.11-12).

Ademais: Há muito tempo os rituais, as crenças, os deuses e guias dos cultos afro-brasileiros e espíritas são percebidos e classificados como demoníacos pelos evangélicos e até por alguns expoentes da Igreja Católica. Os rituais de exorcismo também não são novidade nos meios pentecostais (MARIANO, 1995, p. 98).

A significação do campo afro-religioso como inimigo e reduto de manifestações demoníacas que atingem diretamente a vida cotidiana das pessoas originou no Brasil o que ficou conhecido como Guerra Santa Brasileira, manifestada em diferentes ações institucionais ou pessoais de evangélicos contra o campo afro, seus adeptos, seus deuses, suas cerimônias, seus símbolos, seus locais, seu sistema de representações, assim por diante. O ataque evangélico que hoje extrapola a atuação iurdiana e que pode ser verificado nos mais variados exemplos e instâncias da vida social ao longo do tempo é resultado de vários fatores, entre os quais se destacam: A disputa por adeptos de uma mesma origem socioeconômica, o tipo de cruzada proselitista adotada pelas igrejas neopentecostais – com grandes investimentos nos meios de comunicação de massa e o conseqüente crescimento dessas denominações, que arregimentam um número cada vez maior de “soldados de Jesus” – e, do ponto de vista do sistema simbólico, o papel que as entidades afrobrasileiras e suas práticas desempenham na estrutura ritual dessas igrejas como afirmação de uma cosmologia maniqueísta (DA SILVA, 2007, p. 9-10).

Esse modelo de Guerra Santa apresenta-se de formas variadas, desde o combate direto aos terreiros e suas cerimônias, ou a utilização de expedientes midiáticos largamente difundidos entre os evangélicos como canais de televisão, emissoras de rádio, jornais, materiais panfletários, sítios na Internet, assim como a disputa pelo espaço público em geral. Conforme rotulado por diversos setores da sociedade brasileira, o resultado dessas diferentes ações manifesta uma intolerância religiosa importante

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a partir da radicalidade com que os elementos da cultura afro-religiosa são captados e ressignificados de maneira a mobilizarem uma perseguição insistente e racionalizada, diferente dos preconceitos cotidianos habituais por conduzir a uma ação contemporânea visivelmente estratégica, tal qual a repressão policial de tempos passados (REINHARDT, 2007). Assim, a religiofagia iurdiana que constrói a unidade fragmentada de sua própria identidade decorre da ressemantização de conteúdos das religiões de origem alterados pelos conteúdos das localidades e dos grupos que os adotam. No caso dos conteúdos afro-religiosos fagotizados pela Universal, não ocorre a negação deles, mas antes a apropriação de elementos sedimentares de sua própria ordem cosmológica e ritualística, os quais servem para propósitos de conversão a partir de expedientes litúrgicos, como o exorcismo ou outros elementos simbólicos difundidos das mais diferentes formas. Portanto, no processo de expansão da Universal para outros países, o conteúdo afro-religioso sintetizado pela igreja viaja junto consigo, por fazer parte indelével, pois que estruturante de sua cosmologia. Entretanto, os usos institucionais promovidos pela IURD e a apropriação desse conteúdo por cada contexto transnacional receptor merecem ser avaliados de forma particular por abrirem novas possibilidades de entendimento desse produto da religiofagia iurdiana que é a Guerra Santa entre os evangélicos e os afro-religiosos.

2 APONTAMENTOS HISTÓRICOS E SOCIAIS DA TRANSNACIONALIZAÇÃO IURDIANA E AFRO-BRASILEIRA NA ARGENTINA 2.1 A IGREJA UNIVERSAL A Igreja Universal do Reino de Deus (doravante IURD ou simplesmente Universal) abriu o seu primeiro templo na Argentina no final da década de 1980, momento em que a investida apresentou diversas dificuldades de estabelecimento, especialmente em função da fraca assistência refletida no baixo índice de conversões. O quadro começou a mudar de forma mais favorável a partir de 1995 devido ao aperfeiçoamento do processo evangelizador da igreja no país, de maneira que o crescimento no número de templos e de fiéis tem aumento desde então, sem a constatação de refluxos. Se, em 1998, a IURD possuía cerca de quarenta templos naquele país, em 2002, o número já havia aumentado para setenta (Semán, 96

2003). Conforme levantamento atual, em menos de dez anos, a IURD possui mais de 277 templos e 133 anexos, constituídos por salas e auditórios que são alugados para cultos e reuniões esporádicas, o que totaliza 410 espaços da igreja na Argentina. Atualmente, portanto, a IURD possui ao menos um espaço disponível em todas as províncias e regiões do país. Se, em um primeiro momento, a Universal construiu seus templos na periferia, passando posteriormente a construí-los na periferia da periferia, nos dias atuais, ela já está presente não somente nas capitais das províncias, mas em alguns casos, inclusive, em cidades do interior dessas províncias. Assim como no Brasil, a IURD dirigiu-se às classes médias e baixas da população, logrando parte de seu sucesso à Teologia da Prosperidade veiculada junto a esse contingente, apelando, dessa forma, ao imaginário dessas camadas relativo à ascensão social, ainda mais depois do período das fortes crises econômicas que assolaram o país entre o final da década de 1990 e o início da década de 2000, as quais aproximaram camadas médias às camadas baixas em virtude do acentuado empobrecimento da população no período. No plano organizacional, a exemplo do que ocorre em outros países em que a IURD se faz presente, o controle da instituição como um todo, desde as questões administrativas e burocráticas até o ministério nos cultos e as demais ações evangelizadoras, está ao cabo de servidores, pastores e bispos brasileiros, salvo raras exceções, de ajudantes nativos que possuem papel mais preponderante do que o corpo de obreiros voluntários composto por fiéis do país local. Alguns ajudantes podem, inclusive, servir de pastores junto a grupos jovens, especialmente devido a sua fluência na língua nativa, que permite maior alcance evangelizador junto a esses grupos. Não por acaso alguns desses ajudantes poderão auxiliar como tradutores/mediadores dos pastores brasileiros nos cultos ou nos programas de rádio e de televisão, mas não mais do que isso. O número de fiéis iurdianos na Argentina é de difícil constatação, especialmente por esses dados não serem cotejados pelas encuestas oficiales do país, o que também ocorre com relação aos afro-religiosos. Entretanto, alguns observadores estimam, a partir do considerável potencial mobilizador da Universal, que o seu número de fiéis esteja próximo das maiores denominações evangélicas da Argentina, que contam atualmente com pouco menos de 10% da população total do país, de modo que a IURD possuiria uma fração menor desse percentual (SEMÁN, 2003). Revista Gestão e Desenvolvimento


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A peculiar política iurdiana de inserção nos meios de comunicação (jornal, rádio e televisão) realiza-se próxima do modelo aplicado no Brasil - e com o mesmo discurso marcado pela “Teologia da Prosperidade” trabalhado pela IURD de forma a reconhecer o peso das ideologias psicologizantes, assim como da matriz católica deveras difundida no país. A conversão iurdiana na Argentina pode ocorrer motivada pelas mais diferentes razões, ainda que seja possível mensurar boa parte delas sob a égide da Teologia da Prosperidade oferecida pela Igreja e que possui considerável simpatia junto às camadas populares do país. Ainda que a literatura especializada sobre o assunto indique que é na Argentina o país onde a IURD logrou o seu maior sucesso fora do Brasil – e os números absolutos de templos e de fiéis notoriamente sustentam tal prerrogativa – é preciso relativizá-la. Na Argentina, a IURD é vista sem muita confiança pelas camadas médias e altas da sociedade, tampouco pelas demais denominações evangélicas nacionais, reunidas sob a bandeira de diferentes organizações, como a Federación Consejo Nacional Evangelista Pentecostal (FECEP) ou a Federación Argentina de Iglesias Evangelistas (FAIE), justamente devido as suas tentativas, como instituição religiosa estrangeira, de almejar ou apoiar candidaturas a cargos públicos. Devido em parte ao seu projeto até então fracassado de inserir-se na política do país, o governo argentino reluta há mais de dez anos em liberar a concessão para que a Igreja adquira um canal de televisão (TV America), rede na qual a Universal tem se contentado em alugar parte da programação diária nas madrugadas e nas manhãs para veicular seus programas televisivos, dimensão essencial de sua estratégia de evangelização (Almeida, 2003; Bandeira, 2006; Rocha, 2006). Não obstante, a Universal possui ainda programas radiofônicos permanentes, como os veiculados pela Red Aleluya, de sua propriedade e que começou a transmitir em frequência modular (Rádio Alfa, FM 106.3) desde Buenos Aires para toda a América Latina desde 29 de setembro de 2009, ainda que já transmitisse programas evangélicos por outras rádios da capital federal, como a Radio de La Familia, AM 1350. Dessa forma, a IURD tem se notabilizado em evitar o conflito aberto com outras religiões do país, tanto evangélicas, que sequer a reconhecem como tal, quanto, especialmente, a igreja católica, confissão majoritária no país e representativa junto às instituições estatais. Por isso também, na Argentina, a Universal combate tanto entidades sobrenaturais, como ocorre no Brasil, quanto apela para certas condições Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

psicológicas negativas, como o estado de ânimo, a depressão, as maldições hereditárias, etc., nenhuma das quais inéditas em seu repertório original, mas que, na Argentina, adquiriram um papel importante em seu discurso e sua atuação. Assim, não foi impossível para a IURD desenvolver a guerra espiritual contra as entidades afro-religiosas brasileiras, mesmo que tenha que ensinar sobre a mitologia afro-brasileira ao público platino que pouco ou nada conhece a respeito, para, depois, atacá-la.

2.2 AS AFRO-RELIGIÕES Credita-se principalmente às atividades de sacerdotisas e de sacerdotes religiosos brasileiros gaúchos a entrada das religiões afro-brasileiras na Argentina, especialmente a partir das décadas de 1950 e 1960 através de cidades fronteiriças entre os dois países, dinâmica que também pode ser estendida para entendermos a entrada dessas religiões no Uruguai. As motivações mais gerais que podem explicar o início do movimento transnacional dessas religiões podem ser mais bem compreendidas sob a luz das disputas e das competições internas ao sistema de alianças inerentes desse campo entre seus sacerdotes e sacerdotisas, que, ao buscarem maiores recursos e adeptos, acabaram buscando nesses espaços fronteiriços a ampliação de suas redes originais de sociabilidade religiosa. Na cena platina em geral, desde o período citado, alguns agentes religiosos afro-gaúchos, especialmente advindos de Porto Alegre, viajaram sistematicamente para cidades limítrofes do Brasil com a Argentina, como no caso de Paso de Los Libres – Uruguaiana, e do Brasil com o Uruguai, como no caso de Santana do Livramento – Rivera, alguns, inclusive, tendo se estabelecido nessas localidades (DE BEM, 2012). O fluxo de pessoas que estabeleceram os primeiros terreiros transnacionais na região do Prata não foi promovido unicamente por motivações religiosas, sendo motivado, em alguns casos, por diferentes questões profissionais ou familiares. Na realidade, o fluxo entre pessoas desses países sempre foi intenso nessas localidades, mesmo porque essas cidades constituem polos comerciais e turísticos importantes, de contato transnacional permanente, tanto que a sua própria geografia e a urbanidade se confundem: Uruguaiana e Paso de los Libres estão ligadas desde a década de 1960 por uma ponte internacional, e Santana do Livramento e Rivera dividem seu traçado urbano e sua região rural, bastando atravessar a rua para se estar em um ou noutro país, por exemplo. 97


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O estabelecimento dos terreiros transnacionais nessa região, que posteriormente se espraiariam para o interior dos países, chegando as suas respectivas capitais e regiões metropolitanas, decorre da formação de alianças entre sacerdotes e sacerdotisas porto-alegrenses com agentes afro-religiosos locais que fomentaram importante intercâmbio religioso. Em um primeiro momento, a Umbanda constitui-se na primeira religião afro-brasileira a se estabelecer na região, a ponto de poder ser considerada hegemônica naquele período embrionário, para, em seguida, adentrar por lá o Batuque, modalidade afro-religiosa característica do Rio Grande do Sul. Com o passar do tempo, a frequência e o ingresso de argentinos e uruguaios nessas religiões não somente contribuíram para o estabelecimento das redes afro-religiosas entre os países em questão, como também principiaram a difusão afro-religiosa transnacional platina, atingindo, em poucos anos, a capital Buenos Aires e o seu conurbado, em realidade a região de maior expressão econômica e demográfica do país. Devido à atuação de argentinos que se iniciaram em alguma religião de matriz africana no Brasil ou no próprio Uruguai e à de sacerdotes brasileiros e uruguaios3, desde meados dos anos 1960, já se pode observar a existência de terreiros pela região de Buenos Aires e mesmo em outras províncias do país, de maneira que as mais recentes estimativas apontam entre três e quatro mil casas de religião na Argentina4 (FORNI; CÁRDENAS, 2003; FRIGERIO; LAMBORGHINI, 2011). Esses números se tornaram possíveis após 1983 e o decorrente processo de redemocratização, já que, na década de 1970, havia poucos terreiros registrados na região, que sofreram com severas dificuldades de estabelecimento devido aos frequentes problemas com as forças da lei e a sociedade envolvente. Em realidade, a sensibilidade nacional relativa à semântica da diversidade adquirida com o final dos anos de chumbo contribuiu para o crescimento e para a visibilidade das afro-religiões na Argentina, estima-se que atualmente seja menos de 1% da população geral o percentual de adeptos no país. Apesar de os números apontarem uma espécie de crescimento da cena afro-religiosa argentina, a realidade é que a sociedade nacional desse país, educada a partir de um modelo de nação branca e de

3  Uma lista mais completa desses sacerdotes pode ser consultada em De Bem, 2012. 4  Atribui-se ao templo Ilê Oxalá e Oxum o primeiro terreiro fundado na Argentina, em 23 de abril de 1966, registrado sob o número 29 no Registro Nacional de Cultos do país (FORNI; CÁRDENAS, 2003).

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ascendência europeia, tem muitas dificuldades para compreender as religiões de matriz africana e algumas de suas práticas, como, por exemplo, o sacrifício ritual de animais promovido por algumas de suas correntes. Em medida diferente, mas em natureza semelhante, o mesmo ocorre no Brasil. A constituição socioeconômica das redes pioneiras dessa transnacionalização, as quais puderam ser mapeadas por diferentes pesquisadores ao longo das últimas décadas, indica alguns elementos referenciais, como a presença corriqueira de pessoas provenientes das classes populares, muitas delas homossexuais ou homoafetivas. Tal constituição não se resume meramente a certos aspectos de identidade econômica ou sexual, mas a atravessa e ultrapassa na forma da consolidação de políticas de identidade coadunadas direta ou indiretamente com processos de reafricanização e reetnização (SEGATO, 1991, 2007; DE BEM, 2008; FRIGERIO; LAMBORGHINI, 2011). Diferentes sensibilidades e aspirações serão buscadas na construção do eu e de sua orientação na realidade por parte dos sujeitos. No caso das classes populares argentinas, as religiões transnacionais acabaram se tornando ofertas para sensibilidades e aspirações diferentes: a Teologia da Prosperidade, oferecida pela Universal, tornou-se sedutora para aqueles que desejam se ajustar ao modelo de sujeito-nação, próspero, embranquecido, moderno, heterossexual, cristão; por outro lado, muitas pessoas não desejam, não reconhecem nem legitimam esse modelo, as quais, no campo das ofertas religiosas transnacionais e por razões múltiplas, tornam-se afro-orientadas. Assim, o conflito entre a IURD e os afro-religiosos propaga-se também em terrenos transnacionais onde a presença de ambos se faz notar, como no caso argentino.

3 GUERRA SANTA E INTOLERÂNCIA NOS TEMPLOS E NOS RITUAIS IURDIANOS NA ARGENTINA O modelo expansionista da IURD prima pela estratégia da “homogenização adaptável” de suas práticas e de seu discurso no contexto exterior receptor, em seu caráter teológico, político, litúrgico ou empresarial, conforme suas necessidades de estabelecimento material e simbólico e da conversão do maior número possível de fiéis, processo que convoca a uma luta espiritual (CORTEN, 2004), em que diferentes expedientes presentes em diferentes instâncias poderão manifestá-la e propagá-la. Revista Gestão e Desenvolvimento


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Na instância litúrgica, sabemos que os rituais são organizados de forma temática (familiar, empresarial, saúde física e/ou espiritual, exorcista, etc.), cada tema sendo trabalhado em um dia da semana, em três rituais diários, um pela manhã, outro à tarde e outro a noite. No Brasil, as reuniões destinadas ao exorcismo são primordialmente as de terça-feira (Sessão do Descarrego) e de sexta-feira (Corrente da Libertação). Na Argentina, a reunião de exorcismo ocorre tradicionalmente nas sextas-feiras, dia consagrado à Sesión de la Descarga Espiritual. Como subsídio reflexivo da Guerra Santa a partir dos rituais de exorcismo iurdianos no contexto transnacional, ofereço o relato etnográfico de um ritual na Argentina em que aparecem elementos que contribuem na visualização da cena litúrgica transnacional da Guerra Santa de exportação. Dentre diversas experiências de campo semelhantes, propositalmente não optei pela descrição de uma Sesión de la Descarga Espiritual destinada diretamente à prática do exorcismo, mas sim para uma sessão destinada “à família”, para, assim, referendar representações e performances que alimentam a Guerra Santa, como o exorcismo, usado tecnicamente em diferentes rituais iurdianos que ocorrem no contexto transnacional.

3.1 ETNOGRAFANDO A INTOLERÂNCIA EM UM RITUAL IURDIANO NA ARGENTINA Em um final de noite tipicamente escaldante do verão portenho, cheguei ao templo da Calle Lavalle, no microcentro de Buenos Aires, para assistir ao ritual conhecido por Cadena de la Sagrada Familia, destinado, como o nome sugere, a trabalhos espirituais para os familiares, que costumam comparecer juntos nessas sessões. Uma vez dentro do templo, caminho pelo corredor central até a sua metade. Até o momento, poucas pessoas se encontram por ali. Receoso, fico parado no corredor aguardando até que algum dos seguranças venha me importunar, o que felizmente não acontece. Como a passagem para as fileiras de assentos estão interrompidas por fitas coloridas, retorno até o fundo da nave que resguarda algumas poucas fileiras abertas. Ao lado esquerdo, encontro numa delas um lugar para ficar e para observar. As pessoas chegam ao templo tendo música gospel cantada em espanhol como som ambiente. Muitos dos cerca de quarenta obreiros, obreiras e pastores auxiliares que consegui contar circulam pelo templo cumprimentando e conversando com algumas pessoas. Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

Com algumas delas parecem ter mais afinidade, quando a conversa se estende por mais tempo. Pouco depois, aparece o pastor. Todos se levantam e erguem suas mãos para a primeira oração. Como de costume, aos gritos e acompanhado de sonoplastia condizente, ele ora por aqueles que lá se encontram para pedir por sua saúde e por suas famílias. Ele clama também contra os demônios, a macumba, a feitiçaria e a bruxaria, que, como se sabe, possuem significados flutuantes, apesar de sua semântica comum. “Envia tua unção. Todos os demônios hoje vão sair”, esbraveja o pregador em portunhol sofrível, que procurarei reproduzir eventualmente neste relato. Percebo certo tom de perplexidade em alguns, mas de resto o auditório responde de forma uníssona com o já tradicional “sale, sale”, jogando as mãos por sobre os ombros. Ao comando do pastor, as pessoas permanecem de pé e com os braços levantados por oito minutos consecutivos, e isso logo no início do ritual, o que causa um cansaço terrível, ao menos àqueles que, como eu, não estão acostumados com tal prática. A música gospel tocada em alta frequência embala as palmas e os corpos dos presentes, em movimentos coletivos ritmados e repetitivos. Alguns obreiros passam pelos corredores laterais derramando sal grosso em torno das fileiras, de modo a circundar todo o auditório. Terminado o trabalho, a música e os gritos do pastor diminuem para que ele nos instrua a formar a corrente, que quem quiser pode tirar os sapatos e pisar sobre o sal nos corredores. Todas as pessoas do templo, que a essa altura estava praticamente lotado, e com aquela que seria a sua lotação final, se dirigem para o corredor. A maioria está descalça. Assim como a minoria, permaneço calçado. Formamos um grande círculo em torno da nave central e, a pedido do pastor, damos as mãos formando uma grande corrente. Quando formamos o círculo, uma mulher evita a minha mão a fim de que sua amiga chegue a tempo para formar a corrente conosco. Tomo a mão desta mulher e esta, de sua amiga que me evitara. Com minha outra mão, seguro a de outra mulher. A maioria dos presentes são mulheres, entre 30 e 60 anos, acompanhadas de seus filhos e, em alguns casos esporádicos, de seus companheiros. Poucos dos homens presentes eram solteiros, ou estavam sozinhos como eu. A iluminação é atenuada, deixando quase às escuras a nave do templo. O pastor ordena aos gritos que os demônios se manifestem. A música ambiente acompanha em tom a dramaticidade exigida. A espetacularização é extraordinariamente impactante, 99


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para não dizer assustadora. Escutam-se muitos gritos envolvidos por uma atmosfera terrificante. A poucos metros de mim, um senhor desmaia. Alguns dos obreiros que se revezam no atendimento ao público vão ao seu socorro. Ao meu lado esquerdo, a mão da robusta mulher que eu seguro começa a tremer e a suar. Ela aperta a minha mão com força. Está de olhos fechados e aparentando não se sentir muito bem. Fico temeroso por ela e por mim. O pastor manda-nos permanecer de olhos fechados. Espio. Primeiro o homem desmaiado sendo assistido. Depois a mulher que segura minha mão esquerda. Minha outra mão permanece segura pela outra mulher de forma mais suave, contudo não menos firme. O pastor ainda esbraveja contra os demônios. Ordena aos obreiros para assistirem àqueles que manifestam algum demônio. O senhor que desmaiara se recobra, mas com dificuldade. Em seguida, uma senhora ao seu lado manifesta um demônio, curvando seu corpo para frente, a exemplo de exus afrobrasileiros, e grunhindo sons intraduzíveis. O círculo que naquela altura havia se rompido pelo homem que desmaiara, agora, é rompido pela tal senhora. Obreiras a assistem. A mão da mulher robusta ao meu lado esquerdo começa a tremer de forma desmesurada. Um obreiro se aproxima de mim. Segura minha cabeça e minha nuca e profere os comandos de ordem exorcista: “manifesta! Sale!”, assim ordena para os meus demônios. Eles não respondem, permaneço calado. Em seguida, abandona-me a fim de se concentrar na mulher ao meu lado, a robusta, que treme sem parar. Reparo que o obreiro não se dirige e segura todas as pessoas como fez comigo. Enquanto devemos estar de olhos fechados, apenas assimilando os sons do ritual exorcista, esse obreiro, assim como seus colegas, percorre o círculo e detém-se em algumas pessoas, não em todas. Sempre espiando, procuro acompanhá-lo ao mesmo tempo que observo meu lado direito, onde se recobrara o senhor que desmaiara e que agora voltara a formar a corrente, além da assistência àquela senhora possuída performaticamente ao modo afro-religioso, possivelmente da forma que aprendeu dentro dos templos argentinos da IURD. Nesse momento, recebo um solavanco em meu braço esquerdo. A robusta mulher joga-se em direção a mim, sem que soltemos nossas mãos. Também não solto a da outra mulher. A amiga da mulher robusta havia rompido bruscamente a corrente. Manifestara seu demônio, o qual partira para cima do obreiro que há pouco viera até mim e até a mulher robusta. Então, esse demônio desfere uns dois socos contra o obreiro, que tenta se esquivar, até conseguir escapar o suficiente do alcance de seu rival. 100

Ficamos todos perplexos ao ver a mulher endemoniada subir nas poltronas como um animal acuado que tenta se livrar das investidas de outros obreiros, que rapidamente se dirigem ao nosso lado para acudir ao colega que tenta em vão segurá-la. Esta, com olhar feroz (endemoniado) luta contra todos eles. Tenho a impressão de que tudo acontece em fração de segundos, até que a mulher robusta solta bruscamente a minha mão para também manifestar um demônio. A manifestação realiza-se a partir de performances peculiares das possessões de exus do campo afroreligioso: corpo estendido para frente e uma das mãos voltadas para trás, fazendo o sinal do demônio com os dedos. Com a outra mão, tenta rechaçar a investida de outros três obreiros que prontamente viriam se unir para conter o demônio da amiga. Os obreiros têm muitas dificuldades para a conter. Três homens conseguem dominá-la e encaminhá-la para frente do palco, onde será exorcizada pelo pastor, que, nesse ínterim, permanece gritando ordens de comando para os demônios, ainda cercado pela sonoplastia peculiar desse momento específico do ritual: alta, vibrante e aterrorizadora. Por comparação, sua amiga fora contida com mais facilidade. Alguns obreiros haviam conseguido se aproximar dela sobre as poltronas e, antes de sua amiga robusta, ela já fora conduzida para o palco. O pastor ordena que somente obreiras mulheres acudam as mulheres possuídas. A outra senhora que havia sido possuída, próxima ao homem que desmaiou, está recobrada e vem para perto de onde me encontro, até tomar minha mão esquerda agora liberada para refazermos a corrente. A pedido do pastor, oramos “con fuerza”, para então assistirmos ao exorcismo dos demônios previamente selecionados que se encontram à frente do palco. Minhas mãos são presas com força. Apertadas. Sinto intensa vibração, especialmente em minha mão direita, tomada desde o início da corrente pela mesma mulher, que não a soltou nem mesmo no instante mais dramático do ritual, ocorrido precisamente em nosso elo da corrente. Existem cerca de vinte possuídos em frente ao palco, mas o pastor concentra-se nas duas mulheres que pouco antes formavam a corrente junto a mim. Naturalmente, nesse momento, a música alta cessa e as luzes são reacendidas. O pastor promove o exorcismo de maneira semelhante àquela que observei em templos no Brasil e mesmo em outros templos argentinos, porém, nesse caso, o mesmo não ocorre sobre o palco, mas na parte de fronte a ele, entre ele e a primeira fileira de poltronas. Primeiro com a mulher que desferira os golpes contra os obreiros. Não demora Revista Gestão e Desenvolvimento


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muito para esse exorcismo se consumar, o que em parte me deixa frustrado em função do poder aparente daquele demônio que tanto lutara contra os obreiros antes de ser conduzido ao pastor. Com a mulher robusta é diferente. O demônio que a habita desafia a todos. Além do pastor que a segura pela nuca, enquanto profere aos gritos os insultos contra seu demônio junto ao microfone, cerca de quatro obreiras tentam com dificuldades conter a mulher/encosto. O exorcismo com ela dura mais do que o habitual. Quanto mais o pastor desafia esse demônio, mais ele resiste, até que por fim a mulher aparentemente se acalma e volta a si. O foco da atenção da plateia é desviado pelo pastor, o qual agora se dirige para cima do palco a fim de retomar o ritual, que entraria em outra etapa. Terminada essa parte do ritual exorcista, as mulheres vão embora. A mais robusta, visivelmente contrariada, caminha até o seu assento desabitado e recolhe as suas sacolas. Sai em passo largo, rompendo a corrente humana que atrapalhava a saída. Também exorcizada, a amiga reaparece pouco depois. Vai até sua poltrona vazia e recolhe a sua bolsa. Aparenta procurar a amiga, mas em seguida se dispersa para reaparecer duas ou três vezes durante o restante do ritual perambulando pelos corredores, até não ser mais vista por mim. Passados 27 minutos, somos convocados a nos sentarmos novamente, agora, ao som de música alegre. O pastor provoca brincadeiras: “que lado é mais animado? Quem canta mais, os homens ou as mulheres?”, assim por diante. Passamos do terror à alegria, do inferno ao céu, em fração de segundos, conforme a vontade do pastor, ministro cerimonial. Quase uma hora depois de iniciado o ritual, este adentra em sua fase final, a de pedir pelos sacrifícios e pelas oferendas da plateia. Diz o pastor: “para quem já conhece, não preciso ficar explicando... Vocês vão passar o envelope que os obreiros entregam na cabeça dos seus familiares e, se ele não quiser, é porque tá ‘carregado’... Agora, é a hora dos votos!”. O pastor começa pedindo àqueles que podem contribuir com 100 pesos. Depois pede, regressivamente, 50, 30, 20 e 10 pesos. À medida que diminui o valor, aumenta a quantidade de pessoas que oferecem. Para tanto, deve-se percorrer os corredores até a frente do palco para depositar o dinheiro nos sacos suspendidos pelas obreiras, de forma que seu sacrifício também seja notado pela plateia da qual o sujeito faz parte. Na frente do palco, perfilam-se obreiros com bacias repletas de água e sal. O pastor explica que existe um trabalho de “macumbaria” realizado todo ano na Bahia por “una tal de chica de lo Cantoá”. Finge não saber, ou não conseguir falar ao certo o nome de Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

Mãe Menininha do Gantois, famosa – e já falecida – mãe de santo da Bahia que se tornou alcunha de demoníaca corrente dentro do discurso iurdiano no Brasil. Dado que o discurso deve ser exportado levando em consideração o contexto receptor, nesse caso absolutamente alheio ao imaginário afro-religioso significado pela IURD como nefasto, o pregador explica que se trata de um trabalho de feitiçaria que ocorre no Brasil todos os anos para consagrar os demônios. Explica que o trabalho também alcança a Argentina. Prova disso é que pelo país também encontramos certos expedientes utilizados nesse tipo de trabalho, como cédulas de dinheiro rasuradas com pedidos, correntes, simpatias, assim por diante. Explica o pastor que quem as tocar tocará em desgraça. As notas rasuradas devem sempre ser entregues para a Igreja, que saberá como purificá-las, e todos aqueles que algum dia as tocaram devem lavar suas mãos nas bacias com água e sal trazidas pelos obreiros. Muitos se levantam para lavar as mãos, mas antes devem oferecer alguma quantia em dinheiro sobre o altar. Recordo que eu mesmo já toquei em cédulas assim, mas prefiro arriscar e permaneço sentado. As pessoas que vão lavar as mãos deixam antes algum dinheiro sobre o palco. A pregação estende-se por mais alguns minutos até que somos todos convidados a nos aproximarmos do altar para a reza final. Junto à maioria de mulheres, havia muitas crianças presentes, de diferentes idades, desde bebês de colo até pré-adolescentes. Boa parte delas é convidada a subir no palco enquanto permanecemos amontoados de pé em torno deste. Assim pude perceber melhor a quantidade de crianças presentes: quase cem (ao menos um número aparente daquelas que subiram no palco a pedido do pastor). O pastor, explica-nos, irá orar para afastar os “erês”5, os demônios infantis daquelas crianças, que serão, “Dios quiera, hombres del Señor no futuro”. A oração final também pede pela família de todos. Ao final da oração, o pastor despede-se e, ao seu pedido, também nos despedimos, acenando-lhe com

5  Para o pastor, espécie de demônios infantis. Na cosmologia afrobrasileira, como no caso do Candomblé, os erês são considerados os intermediários entre a pessoa e o seu Orixá. Simbolizam assim o “aflorar da criança” que cada um guardaria dentro de si, o ponto exato entre a consciência da pessoa e a inconsciência do Orixá, que, por meio do erê, pode expressar a sua vontade, e o noviço pode aprender elementos básicos da religião como as danças e os ritos específicos de seu Orixá. O termo significa em yorubá algo como “divertimento” e “brincadeira” e foi sincretizado no Brasil com os santos gêmeos católicos Cosme e Damião, sendo assim entendidos como as entidades infantis do campo afro-religioso brasileiro, que, em seu calendário anual, reserva-lhes rituais festivos no mês de setembro, quando os adeptos são possuídos por entidades de crianças ou que se apresentam como tal.

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as mãos para o palco. Caminho junto à multidão com tempo ainda de receber, no corredor que percorro em direção à saída, o envelope do dízimo das mãos de uma obreira qualquer.

4 PALAVRAS FINAIS: EXPORTANDO A INTOLERÂNCIA Na Argentina, a IURD tornou possível ressemantizar o campo afro-brasileiro para o terreno dos curandeiros, da pajelança e de outras manifestações de natureza semelhante e com pouca precisão societal. Assim, também foi possível manter parte importante de sua cosmologia, outra vez ressignificada, de forma a manter o seu equilíbrio discursivo. Ao evitar as polêmicas e as afrontas diretas, especialmente contra o campo católico, que se trata da religião mais legítima do país e contra quem não convém se antepor, a IURD conseguiu relativo êxito ao promover “para seus crentes termos de identificação que convergem com o resto dos pentecostais e evangélicos da Argentina: evangélicos e crentes” (SEMÁN, 2003, p. 74), mas também que lidam muito bem com o referencial ordinário católico. A seu modo, a IURD parece “ensinar” o seu simulacro do campo afro-religioso para os seus adeptos argentinos, que aprendem assim a demonizálo conforme apregoa o cânone iurdiano transmitido a partir dos mais diferentes expedientes. Para pensarmos a metáfora da Guerra Santa no expediente litúrgico, Rita Segato (2007) compreende que a própria conversão de um novo adepto pela Universal pode ser entendida como uma ação de guerra, nesse caso, a partir da vitória de um espírito – Jesus Cristo ou o Espírito Santo – sobre o espírito “derrotado”, ou “demônio”, este representado por algum dos simulacros iurdianos de entidades afroreligiosas. Ao derrotá-lo, a IURD o reduz e o elimina do corpo-território do fiel, que passa, a partir desse momento, a ser incorporado a sua nova coletividade. Conforme o interesse do espectador, tal efeito pode lhe ser transmitido através de sua religiosidade emotiva. Entretanto, nesse brutal processo de inclusão, o corpo do atual ou futuro membro que está sendo exorcizado pelo pastor é tratado como um território habitado, pois que literalmente possuído por: Espíritus ajenos, extranjeros, por lo tanto enemigos, y, por encima de todo, africanos (del atraso, de la religiosidad disfuncional con los preceptos del mercado en el capitalismo avanzado, incompatilbles con la lógica de la producción). Este sujeto-territorio debe ser liberado de

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los mismos, en una verdadera acción de conquista, para ser incorporado a la red. La oración violenta con la que se derrota y se expulsa El epíritu ajeno es descripta por los protagonistas de esta escena ritual bélica como ‘oracción de guerra’, y toda la alegoría construye la conversión como acto guerrero de conquista de un fiel-cuerpoterritorio que se encontraba ocupado por un universo religioso para ser anexado a outro. La conversión es vivida como forma extrema de tránsito entre una jurisdicción y otra que resulta de um proceso de derrota y capitulación (SEGATO, 2007, p. 330-331).

Trata-se, portanto, de um intenso jogo dramático e teatral de signos que visa à erradicação de um logo, uma marca, do corpo do fiel para que este esteja “limpo”, a fim de lhe serem marcados outros signos que testemunhem o seu pertencimento junto ao seu novo grupo, junto a sua nova rede de experimentação religiosa. Nas palavras de Segato (2007), a “oração de guerra” iurdiana representa uma das tantas ações de uma conquista a ser realizada palmo a palmo: a de um território indissociavelmente espiritual e material, que, portanto, inclusive se encontra para além dos corpos-territórios dos sujeitos-fiéis. Não por acaso, nesse tipo de ritual observado tanto no Brasil quanto na Argentina seja comum que outro sujeito imprescindível dessa liturgia faça uso absoluto do poder que a própria liturgia lhe consagra. Graças a isso, os sujeitos-pastores ou bispos, a fim de expulsarem os demônios, frequentemente se dirigirem aos sujeitos-encostos de maneira debochada e mesmo humilhante, quando voltam a sua atenção à subjugação física, submetendo com violência os corpos-territórios desses sujeitos, por exemplo. Como no caso que relatei, por vezes a plateia assiste estarrecida ou admirada à contenção pelo pastor, com apenas uma das mãos (já que a outra está invariavelmente segurando o microfone), de um sujeito-encosto pela nuca, a ponto de lhe dobrar o corpo até quase atingir o rosto no chão, quando dois ou três obreiros juntos não foram capazes de contê-lo. A percepção que o ritual promove desse ato não incide maiores constrangimentos para o sujeito-fiel, pois se presume que, no momento do ritual que transcorre no altar, exista uma clara separação entre personalidades diferentes, entre o sujeito-fiel e o sujeito-encosto, ainda que ambos coabitem o mesmo corpo-território. Assim, os escárnios do sujeito-bispo ou pastor podem ser claramente dirigidos ao encosto, restando-lhe o prestígio junto ao sujeito-fiel que se livrou do referido demônio e, consequentemente, junto ao restante da audiência. Mas, em ambos os países, o que levaria o sujeito-fiel a se dispor a esse Revista Gestão e Desenvolvimento


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tipo de situação? Dentro da discursividade da IURD, seria o encosto que se manifesta graças ao poder do Espírito Santo ali presente. Mas, quanto aos sujeitosfiéis, seria somente por tal motivo? Alejandro Frigerio (1993) sugeriu que seriam as personalidades mais vulneráveis do ponto de vista emocional e social aquelas que permitiriam com maior facilidade processos de conversão. Conforme observei em rituais iurdianos em ambos os países, o papel litúrgico dos sujeitos-fiéis que recebem encostos pode inclusive lhes conferir - visibilidade social perante essa comunidade de sentido (BACZKO, 1985) da qual fazem parte. O ritual permite algum tipo de ressignificação de uma situação aprioristicamente vexatória para o fiel, de sorte que a manifestação de um encosto nas sessões iurdianas de exorcismo pode ser compreendida a partir deste aspecto: no momento em que o sujeitobispo esbraveja algo do tipo “se manifestem!”, todas as atenções se voltam para os corpos-territórios coabitados pelos sujeitos-encostos e pelos sujeitos-fiéis. Relatei, em outra oportunidade (TADVALD, 2005), que certa vez, em uma Sessão do Descarrego no Brasil, quando o pastor que orientava o ritual já havia expulsado alguns encostos e falava sobre outro assunto, de forma absolutamente repentina, uma mulher começou a gritar próxima de mim. O pastor parou o que estava fazendo e então disse a todos pelo microfone: “olha aí os exus se manifestando”! Uma obreira correu e agarrou a mulher, deixou-a sentada, contida. “Tá amarrado, tá amarrado!”, gritava o pastor, ao que o auditório começou a simbolizar isso com as mãos, passando uma sobre a outra, circularmente. Depois que a obreira se afastou, a mulher possuída permaneceu no mesmo lugar, sentada, impassível, como se nada tivesse acontecido. Permaneci observando-a e pude constatar que muitos fiéis seguiram olhando para aquela mulher que, ao que parece, havia ido desacompanhada ao culto. Naquela noite, estimo ter participado da sessão com quase duas mil pessoas. Para toda aquela gente, essa mulher saiu do anonimato, de sua invisibilidade social, ao menos, por alguns preciosos instantes. De outra forma, minhas próprias observações referendadas por outros tantos estudos mostraram a existência de níveis de resistência que configuram a negatividade e o antagonismo das entidades no momento do exorcismo, quando os sujeitos-encostos resolvem enfrentar a autoridade dos sujeitos-bispos, o que, dentre outros motivos, pode servir para agregar valor à visibilidade social do sujeito-fiel, ou como resistência ao simulacro afro-religioso criado pelo

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discurso iurdiano (RIBEIRO, 2005). No ritual observado na Argentina, essa última prerrogativa teve de ser relativizada, uma vez desconhecermos o nível de entendimento dos sujeitos-fiéis em questão para com o discurso genuinamente afro-religioso que se encontra para além do simulacro apresentado no ritual. Se a conversão individual iurdiana consiste na construção de um tipo evangélico a partir de uma luta espiritual (CORTEN, 2004), tal prerrogativa aclara um dos principais projetos da IURD que se ocupa da construção desse “eu”, sujeito-fiel, sob a égide de um modelo previamente constituído. Portanto, faria sentido, para efeito de conversão, a apropriação pela IURD de elementos das religiões afro-brasileiras, quando tais sujeitos da conversão compartilham desses significados previamente, mesmo que a própria IURD tenha de lhes ensinar algo a respeito, como no caso de uma sociedade que, por quase um século, construiu uma imagem de si mesma a partir da ideia de nação branca nascida da imigração europeia e que, portanto, tem muitas dificuldades de entendimento do universo religioso e cultural afro-orientado disponível em seu país.

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Recebido em: 05 de abril Aceito em: 06 de junho

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Capital Social e Desenvolvimento Regional no Extremo Oeste Catarinense Social Capital and Regional Development in the West of the State of Santa Catarina (Brazil)

Alyne Sehnem1 Janaina Macke2

Resumo O capital social é entendido como uma característica das organizações sociais e tem como principais elementos a confiança, as normas e as redes. O conhecimento desses elementos e a sua utilização podem melhorar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas. O desenvolvimento desta pesquisa inspirou-se inicialmente nas abordagens de Putnam e seu trabalho nas regiões da Itália. Esta pesquisa objetivou mensurar os níveis de capital social, relacionando-os com os indicadores socioeconômicos na região composta por três Secretarias de Desenvolvimento Regional do Estado de Santa Catarina. Para atingir o objetivo, foi desenvolvida uma pesquisa descritiva, com caráter quantitativo, utilizando o método do tipo survey nos municípios de abrangência das três SDRs da fronteira Oeste catarinense. Os resultados demonstram que as regiões com os melhores resultados nos indicadores sociais possuem também os maiores níveis de capital social e que o capital social é maior nas comunidades em que há menor desigualdade social e diferenças étnicas. Palavras-chave: Capital social. Desenvolvimento regional. Survey. Brasil. ABSTRACT Social capital is understood as a characteristic of social organizations, where the main elements are trust, norms and networks. To knowthese elements and how they can be used improve the efficiency of a society by facilitating coordinated actions. The development of this research was initially inspired by Putnam’s approach in his work in the regions of Italy. This research aimed to measure the level of social capital in order to relate it with socio-economic indicators in the area composed of three regions in the west of the State of Santa Catarina (Brazil). We conducted a descriptive research using the survey method. The results show that regions with better results in social indicators have also the highest levels of social capital and that social capital is higher in communities where there are less social inequality and ethnic differences. Keywords: Social Capital. Regional development. Survey. Brazil.

1  Mestre em Administração pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Professora e coordenadora do Curso de Administração da UNOESC - Campus de Maravilha. E-mail: alyne_smo@yahoo.com.br. 2  Pós-doutorado em Desenvolvimento Territorial pela Université Joseph Fourier (França). Doutorado em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade de Caxias do Sul (UCS). E-mail: jmacke@terra.com.br.

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1 INTRODUÇÃO O capital social é um componente da teoria social considerado um elemento-chave para o ser humano e para o desenvolvimento econômico das comunidades. As razões que contribuem para o interesse nesse são: o valor das relações sociais na vida social e as discussões econômicas; as transformações da sociedade e o papel do Estado; a importância das relações em rede para melhorar o desempenho econômico e a necessidade de conceitos para a compreensão da complexidade do ser humano (MACKE et al., 2012). Apesar de um número crescente de pesquisas científicas se dedicar ao processo de mensuração do capital social, muitas dessas pesuisas não têm focado no capital social em si, mas sim nos resultados advindos do seu fortalecimento. Isso evidencia que há espaço para desenvolver instrumentos de mensuração do capital social. Ao invés E de fazer com que o interesse pelo assunto esmaeça, esse cenário tem efeito contrário: faz com que as pesquisas e os estudos sobre o significado do capital social e sua mensuração sejam estimulados no meio científico (BAQUERO, 2003). Em pesquisa realizada no ano de 2009, tendo como fonte de pesquisa os artigos da base de dados Business Source Premier no período compreendido entre os anos de 2006 a 2009, observou-se que o capital social está sendo mais pesquisado nas suas relações com empreendedorismo, economia social, estudos regionais. Percebe-se que os autores relacionam o capital social com temas como empreendedorismo, desenvolvimento econômico e regional, redes sociais, trabalhos teóricos sobre autores, como Bourdieu, Putnam e Coleman. Em sentido semelhante, as pesquisas sobre o desenvolvimento local também estão ocupando um espaço significativo no cenário acadêmico. Essas pesquisas inferem acerca da relação existente entre os ativos intangíveis, que englobam capital social, capital institucional, capital humano, capital cívico, capital sinergético (HADDAD, 2001). Boisier (1992) defende a idéia de que, no longo prazo, o desenvolvimento de uma região depende da sua capacidade de organizar-se social e politicamente, a fim de modelar o seu próprio futuro (processo de desenvolvimento endógeno), relacionando-se com a disponibilidade das diferentes formas de capitais intangíveis. O estudo conjunto do capital social e do desenvolvimento local objetiva a verificação de sua importância e influência nas políticas e projetos que visam ao desenvolvimento local. Os estudos que 108

relacionam esses dois conceitos são importantes por contribuírem com novos conhecimentos sobre os temas, além de auxiliar na compreensão acerca da influência do capital social nos projetos de desenvolvimento local (SILVA; CÂNDIDO, 2009). Bandeira (1994, 1999, 2007), Pase (2012) e Monastério (2002) realizaram pesquisas em que foi comprovada a existência de desigualdades nas regiões do Rio Grande do Sul. Utilizando-se dos resultados das pesquisas sobre capital social realizadas por Bandeira (1994), Monastério (2002) aprofundou-se no tema traçando um comparativo com os indicadores de desenvolvimento econômico dessas regiões. Além disso, observou o contexto histórico cultural de colonização e desenvolvimento da região sul do Rio Grande do Sul, a fim de justificar as diferenças existentes entre ela e as demais regiões gaúchas. Pase (2012, p. 55), em seu estudo, focou esses conceitos no Corede Nordeste, concluindo que “o capital social parece ser essencial para o desenvolvimento endógeno que exige a cooperação permanente entre os atores regionais para criar e manter um ambiente econômico competitivo e cooperativo”. Assim sendo, o presente estudo tem por objetivo avaliar os níveis de capital social, relacionando-os com os indicadores socioeconômicos em três Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDR) do Estado de Santa Catarina. O estudo descritivo teve como base a realização de uma survey nos municípios da regiao em estudo, bem como a compilação de indicadores socioeconômicos desses municípios. Esse estudo se mostra relevante quando se leva em consideração que as variáveis econômicas não são suficientes para o desenvolvimento econômico e para a construção de um ambiente sustentável (MILANI, 2003; CREMONESE, 2012).

2 CAPITAL SOCIAL: CONCEITOS A difusão do conceito de capital social no meio acadêmico ocorreu devido à valorização das relações e das estruturas sociais no discurso político e na ótica econômica em introduzir uma dimensão normativa em sua análise; ao reconhecimento dos recursos embutidos em estruturas e redes sociais não contabilizados por outras formas de capital; ao ambiente político-econômico emergente que levou a um reposicionamento dos papéis do Estado e da sociedade; à compreensão e à utilização transversal do termo capital social por diferentes disciplinas; e ao potencial de alavancagem política do conceito (ALBAGLI; MACIEL, 2002). Revista Gestão e Desenvolvimento


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Desde o princípio, o uso do conceito foi utilizado para elucidar uma gama de fenômenos sociais, no entanto, com o passar dos anos, os pesquisadores concentraram sua atenção não só no papel do capital social como influenciador do desenvolvimento do capital humano (COLEMAN, 1988), mas também sobre a sua influência no desenvolvimento das regiões geográficas (PUTNAM; LEONARDI; NANETTI, 2002) e no desenvolvimento das nações (FUKUYAMA, 2000). O termo capital social tem sido alvo de pesquisas desde o início do século XIX. No entanto, somente a partir da década de 1990, o tema passou a receber maior destaque. Nessa época, o Banco Mundial (2010) começou a utilizar o conceito de capital social vinculado às questões relacionadas à pobreza, bem como a sua utilização no processo de avaliação dos projetos a ele submetidos. Para o Banco Mundial, o capital social e a cultura são as “chaves para o desenvolvimento”, logo, seus projetos devem levar em consideração os valores sociais do meio onde serão efetivados (ARAÚJO, 2003). De acordo com Nahapiet e Ghoshal (1998), o capital social pode ser definido como a acumulação dos recursos reais e potenciais incorporados, disponíveis e derivados da rede de relacionamentos possuída por um indivíduo ou uma unidade social. Nesse contexto, a unidade social pode ser entendida como uma equipe, um grupo ou mesmo uma organização (LEE; SUKOCO, 2007). O capital social de um indivíduo depende do tamanho da rede que ele é capaz de mobilizar e também do capital econômico, cultural e simbólico possuído pelos membros da rede a que ele está conectado. Por capital simbólico entende-se qualquer forma de capital que pode ser representada ou apreendida numa relação de conhecimento (BOURDIEU, 1986). Para o autor , um fator essencial para o desenvolvimento do capital social é o tempo, uma vez que constitui uma forma de história e é fruto de um processo contínuo e estável. Em função da natureza do estudo, optou-se por adotar a vertente do capital social no sentido “coletivo”, defendido por Coleman, ao invés de trabalharmos esse conceito sob o olhar individual, de acordo com Bourdieu (1986, 1996, 2000). Diferentes tipos de capital social foram identificados pelos pesquisadores do tema, são eles: bonding social capital (união), bridging social capital (ponte) e linking social capital (ligação) (PASSEY; LYONS, 2006). Os tipos de capital social refletem os diferentes papéis que as redes podem desempenhar no desenvolvimento econômico de uma sociedade (SABATINI, 2008). Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

O bonding social capital refere-se às relações mais próximas dos indivíduos. É caracterizado pelos laços fortes existentes entre os grupos de pessoas que partilham valores semelhantes, como, por exemplo, nas relações entre familiares e amigos, pessoas mais próximas do círculo de convivência. Devido a essa proximidade, os indivíduos refletem semelhanças nos hábitos e nos comportamentos (MACKE et al., 2012). O bridging social capital representa a conexão existente entre os diferentes grupos, tais como os amigos dos amigos, os sócios, os conhecidos. Esse tipo de capital social descreve os laços horizontais das pessoas com grupos de diferentes origens (MACKE et.al., 2009). Esse tipo de capital social assume a forma de laços mais fracos que atravessam os grupos sociais e são mais comumente encontrados em modernos cenários urbanos (PASSEY; LYONS, 2006). Por fim, o linking social capital refere-se à ligação existente entre os vínculos do capital social que conectam pessoas, ou o grupo a que pertencem; a pessoas ou grupos em situação de poder político ou financeiro. Esse tipo de capital social é bom para acessar instituições formais, podendo fomentar a ligação intra e intergrupos do bridging (SABATINI, 2008). Considera-se também que o capital social do tipo linking está relacionado às relações entre os indivíduos e os grupos em diferentes estratos sociais, ou seja, em uma hierarquia na qual o poder, o status social e riqueza são acessados por diferentes grupos. No contexto do desenvolvimento local, a literatura sobre capital social caracteriza o bonding como uma “cola social” e o bridging como o “óleo social”. O linking é incorporado pelos laços entre os indivíduos e as organizações, ocupando diferentes níveis de poder ou de status, que muitas vezes são mediados pelas instituições (PASSEY; LYONS, 2006; CAROLIS; SAPARITO, 2006).

3 DESENVOLVIMENTO REGIONAL: EXPERIÊNCIA DE DESCENTRALIZAÇÃO Para este trabalho, observou-se a questão do desenvolvimento regional relacionado com o capital social no contexto de 18 municípios da região do Extremo Oeste catarinense. As análises procedentes dos dados coletados nos municípios perpassam pelo entendimento de desenvolvimento citado por Abramovay (2000), uma vez que é levada em consideração a trama de relações históricas, de configurações políticas e de identidades existentes nas regiões compreendidas pelas três SDRs em estudo. 109


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Dessa forma, o estudo realizado não se reduz a uma equação matemática ou algo semelhante, mas se propôs a investigar como os elementos do capital social permearam as relações sociais nas regiões e favoreceram o desenvolvimento. O desenvolvimento regional é resultado da orquestração de projetos de desenvolvimento e de cooperação. No Brasil quatro estados implementaram essa experiência baseada no modelo italiano das províncias: Rio Grande do Sul, Ceará, Minas Gerais e Santa Catarina. No entanto, nenhuma tentativa brasileira chegou ao estágio de criação de um governo intermediário (CASAROTTO; PIRES, 2001). No estado de Santa Catarina, no ano de 1996, surgiram os Fóruns de Desenvolvimento Regional Integrado (FDRIs). O primeiro Fórum foi criado na cidade de Chapecó, localizada no Oeste do estado, como iniciativa da Associação dos Municípios do Oeste de Santa Catarina (BIRKNER, 2006). A Associação dos Municípios do Oeste de Santa Catarina promoveu a mobilização dos prefeitos filiados à Federação Catarinense de Municípios (FECAM), a fim de formar uma comissão e viajar para a Itália com o intuito de conhecer a experiência de desenvolvimento regional implementada no norte daquele país. Essa comissão percebeu, na região da Bolonha, condições socioeconômicas que se assemelhavam às da região oeste catarinense, representando um modelo que poderia ser reproduzido. Assim, estabeleceu contato com o Instituto de Pesquisa Nomisma, que, posteriormente foi contratado para realizar um estudo das potencialidades de desenvolvimento regional no Oeste catarinense (FECAM, 2009). Constatou o Instituto ser necessária uma integração entre o setor público e a sociedade civil (BIRKNER, 2008). Assim, em decorrência dessa iniciativa, surgiram os referidos fóruns, primeiramente, na cidade de Chapecó, o Fórum do Oeste. Esse fórum criou uma agência própria de desenvolvimento regional: o Instituto de Desenvolvimento Regional Saga. Essa agência era formada por técnicos da Empresa de Pesquisa Agrícola de Santa Catarina (Epagri), da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc) e por professores da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc). O Instituto Saga consiste em uma organização não governamental sem fins lucrativos, criada para atuar como braço operacional do FDRI, com o objetivo principal de planejar e executar as ações estratégicas para o desenvolvimento da microrregião priorizadas através do Fórum Regional (AMOSC, 2009). Seguiu-se a essa iniciativa uma movimentação de técnicos e políticos concentrados em 110

Florianópolis, capital do Estado, no sentido de formar uma organização que passou a fomentar a criação dos fóruns nas regiões. Criou-se assim o Fórum Catarinense de Desenvolvimento Regional (Forumcat), composto oficialmente por cerca de 60 entidades civis e governamentais. Desde sua criação, em 1996, o Forumcat exerceu a função de articulador para a formação de redes locais de cooperação entre os atores políticos nas regiões do estado (FORUMCAT, 2009). Vigentes em Santa Catarina até o ano de 2002, os FDRIs podem ser considerados uma experiência concreta na tentativa promover, ou mesmo de resgatar o capital social (ilustrado com alguns valores como a cooperação, a confiança e o fortalecimento da identidade territorial), com o intuito de estimular o desenvolvimento regional e sustentável. Os FDRIs foram interrompidos pela sucessão governamental (BIRKNER, 2006). As Agências de Desenvolvimento Regional de Santa Catarina são fruto da organização da sociedade civil catarinense em fóruns de Desenvolvimento Regional Integrado. Esses fóruns, de caráter não governamental, perduraram nos anos de 1996 até 2002, quando, por iniciativa do governo do estado, foram implantadas as Secretarias de Desenvolvimento Regional, a fim de assistir as microrregiões catarinenses com uma política de descentralização governamental. Para Reina et al. (2010, p. 1), o processo de descentralização procura “promover a transferência e a redistribuição do poder social, político e econômico, incorporando a aprovação dos processos de tomada de decisão acerca dos temas de interesse público”. Conforme Birkner (2008), essa ação não se contrapôs aos fóruns, no entanto tiroulhes o papel de protagonistas, fazendo com que diminuísse a participação da sociedade civil, objetivo da criação dos fóruns. Assim, no ano de 2003, foi criada a primeira Secretaria de Desenvolvimento Regional, situada na cidade de São Miguel do Oeste, no Extremo Oeste de Santa Catarina, fazendo divisa com a Argentina. Essa região ocupa uma área de 2.225,44 km² e possui uma população estimada em 154.112 habitantes, abrangendo um total de 12 municípios: Bandeirante, Barra Bonita, Belmonte, Descanso, Guaraciaba, Iporã do Oeste, Itapiranga, Paraíso, Santa Helena, São João do Oeste, São Miguel d’Oeste e Tunápolis (GOVERNO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, 2013). O governo que atuou em Santa Catarina no período de 2003 a 2006 criou para o estado uma estrutura governamental de descentralização políticoRevista Gestão e Desenvolvimento


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administrativa. As Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDR) passaram a atuar como “braços operacionais” do governo nas regiões do interior. Essas SDRs são coordenadas por um secretário geral, e as suas ações são definidas pelo Conselho de Desenvolvimento Regional composto pelos prefeitos, pelos presidentes da câmara de vereadores e por dois representantes da sociedade civil dos municípios de abrangência da SDR (GOVERNO DE SANTA CATARINA, 2009).

4 MÉTODO DE PESQUISA A mensuração dos níveis de capital social nos municípios de abrangência das três Secretarias de Desenvolvimento Regional deu-se por meio de uma survey, bem como pelo levantamento dos indicadores socioeconômicos para corroborar na análise dos resultados encontrados. Igualmente foi realizada uma abordagem geral sobre os aspectos econômicos e sociais das Secretarias de Desenvolvimento Regional de Itapiranga, São Miguel do Oeste e Dionísio Cerqueira, a fim de explicar, com base em fatos históricos e culturais, os cenários encontrados.

Para atingir o objetivo de mensurar os níveis de capital social relacionando-os com os indicadores socioeconômicos de três Secretarias de Desenvolvimento Regional do Estado de Santa Catarina, foi desenvolvido um estudo de caráter descritivo, em que o pesquisador se limita a descrever o que observa, sem modificar ou interferir na realidade estudada, adotando uma postura de neutralidade (TRIVIÑOS, 1987). A obtenção do número de questionários que deveriam ser aplicados foi definida levando-se em consideração uma população finita de 151.854 habitantes. A confiança desejada para essa pesquisa foi de 95% e o erro amostral considerado foi de 0,05%. A amostra resultante foi de 385 participantes. Optouse por arredondar a amostra para 400 questionários distribuídos nos municípios de acordo com os dados do IBGE no que tange ao número de habitantes, a gênero, local de moradia, renda e escolaridade. No entanto, com o intuito de garantir a confiabilidade do instrumento, foram distribuídos 530 questionários, dos quais retornaram 512 e foram considerados válidos 499.

Figura 1 - Matriz conceitual do capital social Fonte: Halpern (2008, p. 27)

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O questionário foi elaborado tendo como base a matriz conceitual do capital social elaborada por Halpern (2008). Essa matriz engloba o que o autor chama de dimensões transversais do capital social, visualizadas na figura abaixo. O autor apresenta o conceito em três dimensões que abrangem: componentes (redes, normas e sanções), níveis de análise (micro, meso e macro) e funções (bonding, bridging e linking). O capital social, de acordo com David Halpern (2008), consiste nas redes sociais, normas e sanções que facilitam a ação cooperativa entre os indivíduos e as comunidades. Para o autor, qualquer estrutura social que facilita a cooperação e a confiança entre os indivíduos pode ser considerada como uma forma de capital social. Halpern (2008) trabalha com a existência de três dimensões transversais do capital social: componentes, níveis de análise e funções. Os componentes do capital social, que interagem, influenciam e reforçam-se mutuamente, consistem em redes (relações de interconexão entre os indivíduos), normas (regras, valores e expectativas que norteiam as relações sociais) e sanções (punições e recompensas). Os níveis de análise do capital social dividem-se em micro, meso e macro. No nível micro, o capital social é constituído pelos estreitos laços com a família e com os amigos. O nível meso caracteriza as comunidades e as organizações associativas, e o nível macro do capital social refere-se às relações de nível estadual e nacional. Para o autor, existem equivalências funcionais entre os diferentes níveis, ou seja, a diminuição do capital social em um nível pode ser compensada pelo aumento em outro nível (HALPERN, 2008). As principais funções do capital social, para Halpern (2008), são conhecidas também como tipos de capital social: bridging, bonding e linking. Para Halpern (2008), há inter-relação entre os três aspectos de cada dimensão (redes, normas e sanções; níveis micro, meso e macro; tipos bridging, bonding e linking), assim como há relação entre as três dimensões (componentes, níveis de análise e funções). Para o autor, o entendimento dessas interrelações pode orientar melhor a análise do capital social. Os dados foram complementados com a caracterização do quadro socioeconômico da região por meio do levantamento de indicadores referentes ao Produto Interno Bruto – PIB, de Dados Populacionais, do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH (Educação, Renda, Longevidade) e de indicadores dos Objetivos de Desenvolvimento Mundial. 112

5 ANÁLISE DOS RESULTADOS CAPITAL SOCIAL E INDICADORES SOCIOECONÔMICOS A região objeto de estudo desta pesquisa é constituída pelas três Secretarias de Desenvolvimento Regional do Extremo Oeste Catarinense: Itapiranga, São Miguel do Oeste e Dionísio Cerqueira. Essa região tem sua população distribuída em faixa etária cujo maior percentual se encontra entre 10 e 19 anos. Os questionários aplicados junto à população das três SDRs observaram essa distribuição. A região da SDR de Itapiranga possui índices de desenvolvimento humano municipal que podem ser considerados médios e altos (entre 0,700 e 0,799). O maior IDH-M é do município de Itapiranga (0,775), que ocupa a 39º colocação no ranking estadual do ano de 2010. Esse índice também é o melhor nas três SDRs analisadas (Figura 1). O índice brasileiro nesse ano encontra-se no intervalo considerado de médio desenvolvimento (0,727) e o estado de Santa Catarina possui um alto índice para o IDH (0,774) (PNUD, 2013). Na SDR de São Miguel do Oeste, os índices do IDH-Municipal também demonstram que o índice de desenvolvimento pode ser considerado entre médio e alto, uma vez que o indicador está entre os valores de 0,700 e 0,799. O município de São Miguel do Oeste é o único da região que possui o índice superior a 0,799, considerado alto, assim como a melhor classificação estadual do IDH-M das três SDRs do Extremo Oeste Catarinense (10ª posição) (PNUD, 2013). A região da SDR de Dionísio Cerqueira possui igualmente índices de desenvolvimento humano municipal que podem ser considerados médios e altos (entre 0,700 e 0,799). O maior IDH-M é do município de São José do Cedro (0,761), que ocupa a 155ª colocação no ranking estadual do ano de 2010 (PNUD, 2013). Na análise dos números que demonstram o porte das empresas estabelecidas na região, observou-se que há mais microempresas estabelecidas na região, no entanto elas geram poucos empregos formais. Há municípios que possuem mais microempresas (ME) abertas do que empregos gerados, o que pode indicar que há pessoas que possuem mais de uma empresa registrada, ou que há empresas que não estão em funcionamento e que continuam com o registro ativo. As pequenas (PE), as médias (MDE) e as grandes empresas (GE), embora em número menor na região, apresentam uma maior capacidade de geração de empregos (SEBRAE, 2010). Na região da SDR de Itapiranga, destaca-se que as grandes empresas possuem uma significativa Revista Gestão e Desenvolvimento


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Figura 2 - Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, segundo Brasil, Santa Catarina e municípios das SDRs - 1970/2010 Fonte: PNUD (2013). Notas: (*) Para obter os indicadores de cada SDR, foi calculada a média do IDH dos municípios que a integram

capacidade de geração de empregos: em média, 1.000 empregos por empresa. Outro aspecto relevante é a relação de habitantes por emprego que existe na região da SDR de Itapiranga (7,3). Com exceção do município de Itapiranga (2,6), a média dos municípios é maior do que as médias estadual (3,4 habitantes por emprego) e nacional (4,8 habitantes por emprego). Na SDR de São Miguel do Oeste, estão os maiores valores para a relação habitante por emprego, chegando ao índice de 23,7 no município de Bandeirante. Observa-se que os municípios que têm maior quantidade de habitantes possuem a menor quantidade de habitantes por emprego (SEBRAE, 2010). A relação de habitantes por emprego média que existe entre os municípios que compõem a região da SDR de Dionísio Cerqueira é maior do que as médias estadual e nacional, totalizando oito habitantes por emprego. Esses valores representam a existência de grande desigualdade e concorrência na busca por empregos formais na região. A maior relação de habitantes por emprego está no município de Dionísio Cerqueira (12,1). Após a apresentação dos indicadores socioeconômicos, será feita a discussão sobre o seu desempenho à luz dos resultados encontrados sobre a avaliação do capital social das comunidades. Como é possível analisar na tabela 1, na qual são apresentados os resultados da mensuração do capital social, as regiões das SDRs analisadas apresentaram comportamentos distintos nos níveis de capital social mensurados. Houve diferenças estatisticamente significativas (p<0,05) nos níveis micro, meso e macro e nos tipos de capital social. Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

A SDR de Itapiranga obteve maior média no nível micro do capital social do tipo bonding. Nessa região, há maior prevalência de relações entre grupos homogêneos, tais como familiares, amigos próximos e comunidades fechadas, numa convivência “voltada para dentro”, reforçando a identidade entre os membros (MONASTÉRIO, 2002). O nível micro enfatiza os laços fortes intracomunitários, a identidade e os projetos comuns. Esse resultado confirma que, na SDR de Itapiranga, os laços fortes e o associativismo estão mais presentes, demonstrando que, nessa região, os laços fortes estão muito presentes. De acordo com Granovetter (1973), esses laços, formadores da conexão social, são formados por uma combinação de tempo, intimidade, intensidade emocional e serviços recíprocos. Aspectos histórico-culturais referentes à colonização, aos costumes e às tradições preservados no decorrer dos anos na região justificam esse comportamento. Para Putnam et al. (2002), esse tipo de capital social propicia a criação de um ambiente de lealdade e reciprocidade entre seus membros, tendo grande utilidade na resolução de problemas de ação coletiva e para o mútuo apoio dentro dos grupos. No nível micro, a região da SDR de Dionísio Cerqueira apresentou maior estoque do capital social do tipo linking. Uma maior presença de capital social do tipo linking pode indicar que, nessa região, há governos permeáveis às questões provenientes dos estratos inferiores da pirâmide social. A capacidade de alavancar recursos, ideias e informações das instituições formais, além da comunidade, é uma função fundamental desse tipo de capital social. Esse 113


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nível reflete que o voluntariado está mais presente nessa regiao. O bridging reflete uma região em que, apesar das diferenças sociais, há confiança entre pobres e ricos, compartilhando informações. A mensuração do capital social demonstrou que as pessoas dos municípios das SDRs de São Miguel do Oeste e de Dionísio Cerqueira demonstram manter relacionamentos que transpassam “as fronteiras sociais, e as virtudes cívicas se mostram mesmo entre pessoas com distintas situações demográficas, étnicas ou ocupacionais” (MONASTÉRIO, 2002, p. 30). Quanto maior a capacidade dos cidadãos de confiarem uns nos outros e quanto maior o número de laços associativos numa comunidade, maior será o volume de capital social (SANTOS; BARQUERO, 2007). Com uma maior presença desse tipo de capital social,

as regiões demonstram a tendência de atrair pessoas e grupos de diferentes círculos e contextos sociais, no entanto não se estabelecem nesses grupos relações de laços fortes. No nível meso, em que há prevalência dos laços fracos e a participação dos indivíduos em redes sociais extracomunitárias, a região da SDR de Itapiranga apresentou as maiores médias nos tipos de capital social bridging. Para Putnam (2002), o capital social do tipo bridging reforça as características inclusivas, ou seja, tende a atrair indivíduos e grupos de diferentes meios e contextos sociais com os quais não se estabelecem ligações fortes. Na SDR de Itapiranga, evidencia-se também grande presença de ações de associativismo. O fomento ao associativismo e às organizações sociais são ações

Tabela 1 - Comparativo dos níveis de capital social por SDRs

SDR Itapiranga média

desvio

SDR São Miguel do Oeste média

desvio

SDR Dionísio Cerqueira média

desvio Média Fator

Micro * Bonding

4,62

0,428

4,36

0,533

4,29

0,670

4,40

*Bridging

4,21

0,753

4,51

0,498

4,50

0,563

4,43

*Linking

3,55

0,783

3,76

0,813

3,90

0,785

3,75

Média nível

4,13

4,21

4,23 Média Fator

Meso Bonding

1,94

0,472

1,95

0,565

1,95

0,524

1,95

Bridging

3,68

0,655

3,51

0,696

3,54

0,688

3,56

Linking

1,94

0,417

1,93

0,519

1,89

0,488

1,92

Média nível

2,52

2,46

2,46 Média Fator

Macro Bonding

2,00

0,442

1,97

0,448

1,94

0,448

1,97

*Bridging

3,66

0,638

3,42

0,802

3,57

0,736

3,53

*Linking

4,00

0,757

3,41

1,091

3,50

1,112

3,59

Média nível

3,22

2,93

3,00

Média SDR

3,29

3,20

3,23

* Testes de médias com diferença significativa (p<0,05) Fonte: autoria própria (relatório do grupo de pesquisa)

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do Oeste e de Dionísio Cerqueira obtiveram médias altas nos tipos bridging social capital e linking social capital, o que parece indicar que, nessas regiões, as pessoas valorizam e respeitam a diversidade existente entre os grupos que formam essa SDR. A região da SDR de São Miguel do Oeste é conhecida como uma região de passagem de pessoas de diferentes origens. Na região, está localizada a BR282, que dá acesso ao estado do Paraná e à Argentina, por ela passando produtos transportados por via rodoviária de origem gaúcha, paranaense e argentina. A tolerância à diversidade mais presente nessa região pode estar justificada por essa característica regional. Em suma, os resultados de mensuração do capital social encontrados apontam para a mesma direção dos indicadores de desenvolvimento detalhados nesta fase do estudo. De modo geral, pode-se observar que a região que obteve o melhor desempenho nos tipos de capital social – a SDR de Itapiranga - também apresenta o melhor desempenho nos indicadores de desenvolvimento, detalhados na tabela 2, a seguir. Os indicadores analisados (Variação da população, IDH-M, IDH-Longevidade, IDH-Renda, IDH-Educação, Ideb e PIB) apresentaram os melhores resultados

previstas no Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira. Essas ações têm como objetivo “apoiar a organização social de atores, objetivando a gestão compartilhada do desenvolvimento” (MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, 2010, p. 46). Aspectos relativos à migração proporcionaram à região essa característica. No princípio da colonização, as pessoas (das colônias velhas) que possuíam acesso a um imigrante no destino poderiam encontrar a fonte de apoio necessária para a concretização do projeto de migrar. Os laços sociais tiveram grande influência nesse processo colonizador, uma vez que, se a rede pessoal de um indivíduo não ultrapassasse o limite de fronteira, possivelmente ele permaneceria na região em que estava. Assim, o capital social exerceu uma função seletiva. A inserção em redes sociais possibilitava ao indivíduo sua inserção na associação que promoveu a colonização da região, assim como o pertencimento a um grupo social. No nível macro, as médias mais altas estão presentes na SDR de Itapiranga. Nesse nível, as ações cooperativas e o diálogo entre as instituições e a sociedade são favorecidos. As SDR de São Miguel

Tabela 2 - Classificação das SDRs de acordo com a média dos indicadores

SDR de Itapiranga

SDR de São Miguel do Oeste

SDR de Dionísio Cerqueira

Variação da população 2000/2010

5,05

2,63

-0,58

Classificação estadual do IDH-M (média)

88ª

167ª

199ª

IDH-M

0,755

0,725

0,718

IDH-E

0,689

0,625

0,626

IDH-L

0,845

0,841

0,824

IDH-R

0,740

0,725

0,716

Classificação nacional Ideb – anos iniciais

89ª

1005ª

1196ª

Classificação nacional Ideb – anos finais

176ª

598ª

923ª

PIB per capita

217,49

199,77

206,77

Classificação estadual PIB (média)

163ª

192ª

160ª

Fonte: elaboração própria, a partir dos dados disponibilizados pelas SDRs

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na região da SDR de Itapiranga. Nessa região, foram encontradas também as melhores médias na mensuração do capital social, confirmando as constatações dos estudiosos de que a diminuição das desigualdades pode promover aumento nos estoques de capital social (há divergências sobre as relações causais ou não no processo de geração de capital social). No entanto, manteremos a posição coerente com a vertente do capital social coletivo, no sentido proposto por Coleman (1990) e por Putnam (2002), que defendem que os indicadores sociais precedem a economia. A educação apresentou bons resultados da SDR de Itapiranga, demonstrando a atenção dispensada à educação nessa região. Para o CFCUL (2011), o conhecimento é um fator de diferenciação, não só no nível macro, que determina o grau de desenvolvimento das sociedades, mas também no nível micro, que aponta o desenvolvimento individual. O investimento em educação gera benefícios econômicos e sociais quando proporciona um incremento na produtividade, o surgimento de novas competências, a competitividade entre as empresas e a empregabilidade dos cidadãos, resultando na inclusão social. Se, por um lado, a formação e a qualificação dos recursos humanos são condição sine qua non para o desenvolvimento econômico e social na sociedade do conhecimento, por outro lado, a sociedade do conhecimento influencia o processo de aquisição de conhecimento e de competências. A região da SDR de Dionísio Cerqueira, com exceção do valor do PIB per capita, apresentou os resultados mais baixos das três regiões analisadas (os indicadores de desenvolvimento humano do município, longevidade, renda e educação estão no patamar considerado de médio desenvolvimento) (IPEA, 2010). Nessa região, pode-se observar que há maiores médias nos níveis de estoque do capital social dos tipos bridging e linking, havendo um maior envolvimento extracomunitário e institucional. Comparativamente à região da SDR de Itapiranga, pode-se afirmar que as características da colonização podem ter tido alguma influência nesses aspectos. As disputas territoriais (Brasil e Argentina, Santa Catarina e Paraná) que aconteceram nesse território e o processo colonizador (que não foi idealizado e realizado com base numa “imunidade étnica” ou “colmeia étnica”) podem interferir no sentimento de pertencimento e na identificação das pessoas com a região. A localização da região da SDR de Dionísio Cerqueira num território de fronteira (onde existe o Marco das Três Fronteiras, onde se pode colocar um 116

pé no Paraná, outro em Santa Catarina e esticar o braço em território argentino) foi rota de passagem, em 1636, das Bandeiras Paulistas, por volta de 1759, as expedições portuguesas e espanholas percorreram o Rio Peperi-Guaçú. A definição de Dionísio Cerqueira como pertencente ao estado de Santa Catarina se deu com o fim da Guerra do Contestado, em 1916. A região constituía uma rota internacional de comércio, basicamente de erva-mate. A partir de 1946, com a passagem dos migrantes gaúchos, o desenvolvimento econômico passou a receber maior impulso, principalmente em atividades de extrativismo e exportação da madeira. A maioria dos migrantes era das etnias alemã, italiana e portuguesa e grande número era dos chamados “caboclos”, advindos inclusive da região de conflitos do Contestado (SDR DIONÍSIO CERQUEIRA, 2010). A instalação do porto seco em 2003, Ponto de Fronteira Alfandegado, único integrado entre dois países em território brasileiro, favoreceu a passagem de maior fluxo de pessoas e cargas nessa região. O Porto Seco é a principal rota interoceânica, sendo a rota que possui as menores distâncias entre as principais metrópoles do Mercosul. Dionísio Cerqueira possui a única passagem terrestre de Santa Catarina com o Mercosul, aumentando o número de importações e exportações (SDR DIONÍSIO CERQUEIRA, 2010). A partir deste estudo, pode-se observar que as regiões com os melhores resultados nos indicadores possuem também as melhores médias nos níveis do capital social, confirmando a hipótese de que os municípios que possuem maior estoque de capital social apresentam também os maiores valores para os indicadores de desenvolvimento. A SDR de Itapiranga tem como principal característica a homogeneidade de sua população, destacando-se pelos grupos “fechados”, próprios do capital social do tipo bonding. A SDR de São Miguel do Oeste também possui características de população homogênea, porém de menor intensidade, devido às oportunidades empresariais geradas pela localização geográfica da região, que propicia o recebimento de pessoas de diferentes regiões (agroindústrias, universidade, exército). A homogeneidade nos grupos e nas etnias que compõem essas comunidades favorece a construção do capital social (WOOLCOCK, 2001). Na região da SDR de Dionísio Cerqueira, a característica de fronteira está mais presente devido à constante presença de fiscalização federal e estadual na Aduana (apesar de toda a região estudada estar localizada em território de fronteira). A homogeneidade Revista Gestão e Desenvolvimento


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da população nessa região mostra-se ainda menor por causa da presença de pessoas provindas de diferentes regiões do país (concursadas em órgãos federais e estaduais de fiscalização de fronteira).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES AOS GESTORES PÚBLICOS A abordagem do capital social muito tem a contribuir para a compreensão do desenvolvimento das regiões. O conhecimento dessa teoria pelos administradores públicos pode caracterizar um ponto de partida para o planejamento de intervenções bemsucedidas tendo em vista o desenvolvimento regional. Da mesma forma, o capital social pode evidenciar as políticas que devem ser evitadas, sob o risco de provocar um efeito não desejado. Assim, o capital social também pode “alertar para os riscos de que certas políticas contribuem para a destruição do capital social e consequente piora das condições de vida dos cidadãos” (MONASTÉRIO, 2002, p. 180). Os municípios que fazem parte das três SDRs da fronteira Oeste catarinense demonstraram ter como característica a organização em redes sociais informais e formais que resultou em um importante estoque de capital social. Assim, pode-se afirmar que o capital social pode se constituir em importante fator que coopera para o avanço econômico e social adquirido por uma comunidade, por uma região ou por uma nação. Dessa forma, pode-se afirmar que devem ser fortalecidas todas as políticas que proporcionam um equilíbrio entre os três tipos de capital social: bonding, bridging e linking. Da mesma forma, devem ser evitadas aquelas políticas que promovem os desequilíbrios no capital social. Assim, são consideradas importantes as ações que promovem as atividades em grupos, inserindo as pessoas no contexto de discussão de ideias e manutenção da cultura e dos hábitos das comunidades, tais como grupos de idosos, grupos de mães, grupos de mulheres agricultoras, grupos de damas, grupos promovidos pelos clubes, a exemplo de grupos de jogos (bochas, baralho, bolão...), entre outras possibilidades. Interessante seria a promoção da integração entre os diferentes grupos, como, por exemplo, a “transmissão” de habilidades das pessoas dos grupos de idosos para grupos de estudantes e viceversa. Com isso, há a possibilidade de preservação e manutenção das características culturais das comunidades, além da integração entre diferentes grupos. Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

Outra ação que poderia ser promovida nas comunidades seria o fomento à formação de mais associações nas comunidades e nos bairros. Essas associações teriam suas atividades focadas nos interesses locais, partindo das necessidades percebidas pelos próprios moradores, tais como preservação ambiental, recolha e seleção do lixo, reciclagem, cuidados com a segurança, ornamentação e preservação dos espaços públicos, entre outros. Em suma, observa-se que existem algumas relações sociais que favorecem a criação e o fortalecimento do capital social nas comunidades. A associação dos indivíduos propicia a formação de relações de confiança mútua que pode ser direcionada para a conquista de objetivos comuns. Um aspecto relevante é que o capital social, ao contrário de outras formas de capital, não se desgasta com o uso. Muito pelo contrário: se fortalece, tornando as relações mais duradouras quando continuamente ativadas. De maneira geral, pode-se afirmar que o fomento dessas relações, além de promover o capital social, poderá proporcionar também o desenvolvimento da região.

7 AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao apoio de suas respectivas afiliações, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

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Recebido em: 02 de janeiro Aceito em: 07 de maio

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GESTÃO PARTICIPATIVA: UM ESTUDO DE CASO ANALISANDO A CAIXA DE SUGESTÕES COMO FERRAMENTA DE GESTÃO PARTICIPATIVE MANAGEMENT: A CASE STUDY ANALYZING THE SUGGESTION BOX AS A MANAGEMENT TOOL

Fabiana Mendes1 Débora Vargas Ferreira Costa2 Victor Cláudio Paradela Ferreira3

RESUMO As características do atual ambiente de negócios têm levado um crescente número de empresas a investir na aquisição de maior competência na gestão de pessoas. Para melhor enfrentar os desafios contemporâneos, as organizações precisam criar mecanismos que favoreçam o envolvimento de seus trabalhadores com os objetivos corporativos. A gestão participativa é vista, por diversos estudiosos, como um dos possíveis instrumentos para o alcance desse objetivo. O presente artigo aborda o caso de uma siderúrgica situada na cidade de Juiz de Fora – MG, que tem investido em programas participativos. Enfoca especificamente a ferramenta caixa de mensagens, buscando identificar de que forma tem sido percebida pelos funcionários. Após um levantamento bibliográfico e documental, foi efetuada uma pesquisa de campo, com aplicação de questionário em uma amostra de trabalhadores da empresa, buscando entender a forma como a caixa de mensagens tem sido percebida e utilizada pelos trabalhadores, apresentando ao final algumas sugestões para o seu aprimoramento. Os participantes avaliaram positivamente a ferramenta de gestão participativa, que tem se tornado um importante diferencial para a empresa, por ser uma ferramenta que favorece o comprometimento do trabalhador com a organização. Palavras-chave: Gestão de pessoas. Gestão participativa. Caixa de sugestões. ABSTRACT The characteristics of the present business environment have led a growing number of companies to invest in the acquisition of greater competence in People Management. To better address contemporary challenges, organizations need to create mechanisms that encourage the involvement of its employees with corporate objectives. Participatory management is seen by many scholars as one of the instruments to achieve this goal. This article discusses the case of a steel plant located in the city of Juiz de Fora - MG, which has invested in participatory programs. Specifically focuses on the messages tool box, seeking to identify how it has been perceived by employees. After a bibliographical and documental survey, it was conducted a field survey applying a questionnaire in a sample of the company employees, seeking to understand how the message box has been perceived and used by the employees, presenting at the end some suggestions for its improvement. Participants positively evaluated the participatory management tool, which has become an important differential for the company, being a tool that favors the worker commitment to the organization. Keywords: Management of people. Participatory management. Suggestion. 1

MBA em Gestão de Pessoas pela UFJF. E-mail: fabiana.mendes@amcontratos.com.br.

2

Mestrado em Administração, atua como professora da UFJF. E-mail: debora1@powermail.com.br.

3

Doutorado em Administração, atua como professor da UFJF. E-mail: victorclaudio@uol.com.br.

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1 INTRODUÇÃO Diante do contexto vivenciado pelas organizações contemporâneas, determinado por mudanças de ordem econômica, social e tecnológica, torna-se essencial o desenvolvimento de maior competência na gestão de pessoas. É fundamental alavancar a capacidade competitiva para enfrentar a concorrência dos mercados globalizados, o que tem feito os gestores perceberem a importância de investir e valorizar o capital humano. Robbins, Judge e Sobral (2010) afirmam que os principais estimuladores de inovação de uma organização são os seus funcionários. Robbins (2000, p. 342, apud ALVES, 2002, p. 4) expressa que o termo motivação pode ser entendido como “a disposição de exercitar um nível persistente e elevado de esforço na direção de metas organizacionais, condicionada pela capacidade do esforço de satisfazer certa necessidade individual”. A motivação para o trabalho seria, assim, um processo que busca o comprometimento de todos com as causas e os objetivos da empresa. A motivação representa um fenômeno complexo e que não pode ser controlado por outras pessoas. Como bem observaram pioneiros do estudo desse tema, como Maslow e Herzberg, trata-se de um movimento intrínseco, que tem como origem os desejos de cada indivíduo. Isso não quer dizer, todavia, que as empresas não possam, por meio de suas políticas de gestão de pessoas, favorecer a elevação da motivação para o trabalho. Para tanto, é necessário um bom conhecimento das expectativas mantidas pelos trabalhadores (TACHIZAWA; FERREIRA; FORTUNA, 2006). As organizações que instituem práticas participativas tendem a apresentar maior produtividade, redução de custos, qualidade no atendimento, criatividade, redução do absenteísmo, menores índices de rotatividade e um clima interno mais favorável, dentre outros (VALLADARES; FILHO; ROMAN, 2005). Nesse contexto, o presente artigo examina o caso de uma empresa siderúrgica situada em Juiz de Fora, que tem despendido esforços nessa direção. O foco repousa especificamente no programa de caixa de mensagens, que é um canal de comunicação criado para que os empregados possam expor suas dúvidas e preocupações. Foi instituído em 2003, como parte do esforço da empresa em atender aos critérios estabelecidos pela norma SA 80004.

4  A SA 8000 é uma norma internacional de avaliação da responsabilidade social para as empresas. É baseada em convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos (SAI, 2008).

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Na percepção da empresa, essa ferramenta seria uma boa opção para promover a gestão participativa. Cabia, porém, perguntar, se essa seria também a opinião dos funcionários. Assim, a pesquisa procurou responder à seguinte questão central: “De que forma o uso da caixa de mensagens tem sido percebido pelos trabalhadores da empresa em estudo?”. O presente artigo está estruturado em seis seções, incluindo a introdução. A próxima seção destaca a contribuição de alguns estudiosos da gestão participativa e de temas correlatos, constituindo o referencial teórico da pesquisa. A terceira apresenta o percurso metodológico utilizado. Na sequência, é desenvolvida uma caracterização da empresa estudada, sendo, contudo, preservada sua identidade. Na quinta seção, são apresentados e analisados os resultados obtidos no levantamento de campo. Na sexta e última, são destacadas as conclusões a que o estudo permitiu que se chegasse.

2 A EVOLUÇÃO DOS MODELOS DE GESTÃO: DA VISÃO MECÂNICA À PERSPECTIVA HUMANISTA O bom desenvolvimento de uma empresa está relacionado ao modelo de gestão adotado. Assim, é fundamental a busca de um modelo adequado às necessidades inerentes à gestão organizacional de cada organização. De acordo com Ferreira et al. (2009), um modelo de gestão é composto, basicamente, de duas dimensões: a forma e a função. A forma engloba as configurações organizacionais adotadas, e a função, as tarefas que precisam ser cumpridas. Tais modelos podem se agrupados em três grandes categorias: perspectiva estrutural, com ênfase na forma; perspectiva humanística, em que a ênfase reside na forma, apesar de já se deslumbrar o deslocamento para a função, e perspectiva integrativa, na qual a preocupação dominante prevalece com a função. A ênfase das teorias administrativas vem se deslocando, no decorrer dos anos, da forma para a função, alterando significativamente o modo pelo qual os modelos são criados e aplicados. Enquanto prevaleceu a forma sobre a função, a modelagem adotada na maioria das organizações pouca ênfase dava aos aspectos humanos (FERREIRA et al., 2009). Os primeiros trabalhos sistemáticos desenvolvidos para propor modelos organizacionais foram publicados no início do século XX, destacando-se autores como Frederick Taylor e Henri Fayol. Tais modelos adotaram as máquinas como paradigma de excelência, Revista Gestão e Desenvolvimento


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buscando atribuir às organizações e aos trabalhadores características mecanicistas, como previsibilidade, padronização, regularidade e passividade. O ser humano é considerado, em tais modelos, apenas como um insumo produtivo (FERREIRA et al., 2009). Já de acordo com Rodrigues e Anastácio (2002), alguns fatores, como o desafio da competitividade e a evolução tecnológica, fragilizaram o modelo tradicional, estimulando muitas organizações, em especial as empresas industriais, a buscarem alternativas na autogestão, ou na gestão participativa. A partir da década de 1930, surgem novas perspectivas, com uma visão distinta quanto aos trabalhadores, que passam a ser encarados como seres mais complexos, possuindo dimensões psicológicas e sociais que precisam ser contempladas. Um marco inicial nessa abordagem, conhecida como humanística, foi o estudo de Hawthorne, que revelou a relação entre estímulos psicossociais e a elevação da produtividade. A pesquisa investigou a influência das condições físicas de trabalho na produtividade e na eficiência dos trabalhadores. O estudo foi realizado com uma série de experimentos, sendo o primeiro estágio do projeto realizado com as várias condições de trabalho, particularmente a iluminação fabril, que foi alterada para se determinar os efeitos dessa mudança na produtividade. Não foram encontradas, porém, relações sistemáticas entre a iluminação fabril e os níveis de produção. Assim, os pesquisadores concluíram que os trabalhadores desempenhavam e reagiam de maneira diferente, principalmente por estarem sendo observados pelos pesquisadores, denominando essa reação de Efeito Hawthorne (BATEMAN; SNELL, 1998). Aprofundando a investigação, os pesquisadores chegaram à conclusão de que a produtividade poderia ser mais afetada por efeitos psicológicos e sociais do que por influências físicas. Após Hawthorne, diversos outros estudos foram promovidos, corroborando a constatação de que a produtividade e o comportamento dos trabalhadores são influenciados pelo grupo informal, pela qualidade da liderança, pelo sentimento de pertencimento ao grupo e pela valorização dos funcionários, dentre outros fatores (SOUZA; FERREIRA, 2006, apud FERREIRA et al., 2009, p. 79). Assim, a teoria das relações humanas começa a salientar as necessidades sociais do ambiente de trabalho. Após a ênfase nas relações entre indivíduos e grupos, esta se direciona para a questão da motivação no trabalho, sugerindo que os seres humanos são motivados por uma hierarquia de necessidades que progride através de diferentes tipos, dando foco às necessidades que precisam ser satisfeitas, Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

caso a organização queira sobreviver (RODRIGUES; ANASTÁCIO, 2002). Os teóricos da abordagem das relações humanas passaram a defender que os administradores deveriam enfatizar primeiramente o bem-estar, a motivação e a comunicação dos empregados, confiando que as necessidades sociais tinham precedência sobre as necessidades econômicas. Em decorrência disso, os gestores deveriam conquistar a cooperação do grupo e promover a satisfação no trabalho para que os objetivos da organização fossem mais facilmente alcançados (BATEMAN; SNELL, 1998). O conhecimento passou a ser mais valorizado, e novas técnicas de trabalho começaram a ser exigidas devido ao crescimento observado nas empresas e à crescente demanda dos mercados em expansão. Nesse contexto, surgiram as primeiras propostas de gestão participativa, as quais, no entanto, nem sempre se mostram de fato favoráveis aos trabalhadores, conforme será destacado a seguir.

2.1 FUNDAMENTOS DA PARTICIPAÇÃO: UMA ABORDAGEM CRÍTICA Para Faria (2009), na fase primitiva do capitalismo, não foi por superioridade técnica que os capitalistas privaram os produtores do controle sobre o produto e o processo de trabalho, mas porque a organização hierárquica do trabalho não visa à eficácia técnica, mas sim à dominação e à acumulação. Assim, à medida que o capitalismo expande e amplia a complexidade orgânica e operacional das unidades produtivas, é necessário aumentar o escopo do controle, reforçar regras de condutas disciplinares e ampliar níveis hierárquicos. Surge assim uma categoria especial de gestores: diretores, presidentes, altos executivos. A concepção da forma de gestão e de produção, bem como dos procedimentos inseridos em relações capitalistas de produção leva à preparação técnica dotada de características específicas que correspondem às condições nas quais tais técnicas se produzem e às funções a que são destinadas. Assim, dominando os diferentes processos de trabalho e direcionando-os em seu beneficio, o capital reproduz as condições de sua dominação sobre as diferentes frações do trabalho social em que se decompõe o produto. Atualmente, com a terceirização propiciada pela integração viabilizada pelas tecnologias de base microeletrônicas, o controle do capital sobre todo o processo e sobre o trabalho social encontra-se no domínio das tecnologias físicas e de processo. Nesse sentido, Faria (2009, p. 123


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75) destaca que “a gestão participativa pode ser uma resposta a esse domínio desde que se caracterize como estratégias dos trabalhadores e não como tecnologia de gestão sob o comando do capital”. Portanto, para que a participação na gestão alcance um sentido mais pleno e não manipulativo, deve resultar na expansão do espaço do poder que os trabalhadores precisam conquistar através do controle sobre os elementos constitutivos do processo de trabalho em toda a cadeia de produção, para fazer existir o seu poder como prática e não apenas como potência (FARIA, 2009). Aliado à participação da gestão, o desenvolvimento das habilidades interpessoais dos gestores auxilia na manutenção de funcionários qualificados. Assim, as habilidades interpessoais dos gestores são fundamentais para a permanência de funcionários qualificados e a manutenção de um ambiente agradável de trabalho. Os processos participativos utilizam a capacidade dos funcionários para aumentar seu comprometimento com o sucesso das organizações, uma vez que, envolvidos nas decisões que lhes dizem respeito, aumentam sua autonomia e seu controle sobre o próprio trabalho, tornando-os mais motivados, comprometidos, produtivos e satisfeitos com o emprego (RUBBINS; JUDGE; SOBRAL, 2010). De acordo com Tragtenberg (1980, apud FARIA, 2009), a participação dos trabalhadores nos grupos de acesso à informação e de pequenas decisões operacionais tem por finalidade a melhoria do processo, perpetuando as relações de controle nas organizações, de forma que, quanto mais tal forma de gestão participativa desce na escala hierárquica, mais sólida se torna a estrutura de comando da organização pela direção. A despeito das críticas que podem ser formuladas, conforme aqui destacado, a gestão participativa pode ser do interesse das empresas e dos trabalhadores em geral. Se, por um lado, há autores que percebem na participação uma forma de manipulação e de aprofundamento da exploração capitalista, outros a defendem como importante para o bem-estar dos trabalhadores, conforme se destaca a seguir.

2.2 A IMPORTÂNCIA DA GESTÃO PARTICIPATIVA As estratégias participativas acentuaram-se, com o passar do tempo, como formas eficientes para a administração dos conflitos e o aumento nos índices de produção e produtividade. Além disso, melhoraram a distribuição dos benefícios do trabalho e redistribuíram o poder da organização (VALLADARES; FILHO, 2003). 124

De acordo com Hermel (1990), tanto os executivos quanto os trabalhadores de grandes empresas apontam a gestão participativa como uma opção muito válida para os processos de gestão. Segundo Novo, Chernicharo e Barradas (2008), o estilo de gestão participativa pressupõe que as pessoas desejam dar um sentido ao seu trabalho e que a responsabilidade no planejamento e na direção do trabalho pode tornar as funções mais significativas. Logo, esse estilo de gerenciamento tem a tarefa de liderar, e não controlar e pressionar. A gerência participativa busca integrar aptidões, contribuições e o relacionamento entre as equipes, incorporando na prática as competências de liderança. Ferreira et al. (2009) afirmam que o sistema participativo é o mais eficaz e ressaltam algumas características como desejáveis para esse tipo de sistema de gestão. Dentre elas, destaca-se a necessidade da manutenção de um eficiente fluxo de comunicação com os subordinados, de modo que recebam informações sobre a execução de suas tarefas. Os gestores, por sua vez, devem mostrar-se receptivos às informações. Outra necessidade seria garantir que as decisões sejam tomadas consultando-se todos os envolvidos, de forma participativa. Também o bemestar do indivíduo precisa ser alcançado, por meio de melhores condições de trabalho. Precisam, ainda, ser privilegiados o planejamento conjunto e a coordenação de esforços, o intercâmbio de informações, o desejo pela busca dos objetivos, a confiança e o crédito dos membros. Finalmente, os autores apontam ser importante que as organizações busquem oferecer condições favoráveis aos trabalhadores, para que se sintam satisfeitos com os colegas, os superiores, as tarefas, a organização, quando comparam com outras empresas, além de uma remuneração justa e da perspectiva de crescimento profissional. Faria (2009) destaca que, para tornar precisas as várias concepções sobre participação dos trabalhadores nas decisões das organizações, é necessário considerar, ao mesmo tempo, os objetivos a serem alcançados, os métodos escolhidos e o domínio em que a participação pode se aplicar. Dessa forma, existem outros modelos participativos que podem ser benéficos para gestores e trabalhadores: a participação popular no desenvolvimento, que está ligada ao esforço pelo desenvolvimento; a participação nos benefícios da empresa, que assegura uma integração maior dos trabalhadores na vida da organização; e a participação no capital da empresa, que visa a assegurar, igualmente, melhor integração através da participação acionária dos trabalhadores. Revista Gestão e Desenvolvimento


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Todos esses modelos reforçam a participação nas decisões da empresa, que tende a favorecer o desenvolvimento e o amadurecimento da personalidade humana. Destaca-se, ainda, que, através da ideia de democracia industrial, a participação remete à intervenção pelo trabalhador na elaboração de decisões que lhe são concernentes, assegurando sua participação e afirmando a aplicação dos princípios da democracia. Assim, reconhece aos trabalhadores e a seus representantes o direito de negociar as condições de trabalho com a empresa e de proteger seus interesses contra as repercussões das decisões da direção que possam lhes ser prejudiciais (FARIA, 2009). Predebon e Souza (2003) consideram que a participação com o foco nos objetivos e na produção faz com que os trabalhadores se interessem cada vez mais pela empresa e, de certa forma, promovam discussões permanentes com a administração, seja diretamente ou por meio de mecanismos representativos. Para Robbins, Judge e Sobral (2010), trabalhos interessantes que fornecem treinamento, variedade, independência e controle favorecem a manutenção de funcionários mais satisfeitos. Também a interdependência, o feedback, o apoio social e a interação com os colegas fora do trabalho estariam, segundo esses autores, relacionados à satisfação no trabalho. Nesse sentido, destacam: Os gestores devem se interessar pelas atitudes de seus funcionários, pois elas sinalizam potenciais problemas e influenciam comportamentos. Funcionários satisfeitos e comprometidos, por exemplo, têm menores taxas de rotatividade, absenteísmo e comportamentos desviantes. Eles também têm melhores desempenhos (ROBBINS; JUDGE; SOBRAL, 2010 p. 83).

Dessa forma, o sistema participativo contribui para o crescimento da produtividade, o maior engajamento e a satisfação dos empregados, bem como para a melhoria significativa da capacidade de resolver os conflitos de forma construtiva (NOVO; CHERNICHARO; BARRADAS, 2008). Enfim, mesmo com a existência de críticas que podem ser formuladas aos programas participativos, eles têm se tornado uma realidade para um crescente número de organizações. O foco do presente artigo repousa não no aprofundamento da discussão a respeito da validade da participação, mas sim na verificação da eficácia de uma das principais ferramentas participativas adotadas na empresa estudada, a qual será apresentada na quarta seção.

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2.3 A CAIXA DE MENSAGEM COMO FERRAMENTA DE GESTÃO PARTICIPATIVA Dentre as diversas ferramentas que podem ser utilizadas nos programas de gestão participativa, as caixas de mensagem representam uma das mais simples e antigas, sendo utilizadas por diversas empresas. Barbieri e Álvares (2005) afirmam que, embora não haja consenso sobre a origem dos sistemas de sugestão, a Japan Human Relations Association (JHRA) considera como experiência precursora a colocação de uma caixa na entrada do Castelo de Edo, localizado no Japão, em 1721, na qual qualquer pessoa podia colocar sugestões, pedidos e reclamações por escrito. No campo empresarial, o primeiro programa de sugestões documentado seria o da Eastman Kodak, implantado em 1898. Como destacam Souza e Yonamine (2002), a adoção dessa ferramenta, assim como ocorre com outras similares, proporciona algumas importantes vantagens para a empresa. Como efeitos diretos, podem ser apontados, entre outros, a possibilidade de aperfeiçoamento dos métodos de trabalho, com a consequente redução de custos e o aumento de produtividade. Também contribui para a melhoria do ambiente corporativo, à medida que os trabalhadores se sintam mais valorizados, reconheçam na utilização desse sistema o interesse da empresa em saber suas opiniões. Os autores também apontam como importantes efeitos educacionais o estímulo ao hábito de pensar, com a expansão da consciência dos problemas existentes e o sentimento de que não cabe apenas aos gestores procurar saná-los. Também apontam como prováveis efeitos interpessoais a melhoria na comunicação entre os supervisores e seus liderados e o fortalecimento do espírito de equipe. É certo, todavia, que a simples adoção de uma caixa de sugestões não é capaz de gerar esses efeitos benéficos. Como aponta Floriano (2007), há empresas que usam esse tipo de ferramenta como uma espécie de prova de sua boa vontade em ouvir o que seus funcionários têm a dizer, mas que, na verdade, não a gerenciam de forma adequada, nem fazem uso correto dos insumos que ela proporciona. Nesses casos, podem ocorrer dois tipos de distorção: a caixa virar quase que um “enfeite”, sem maior utilidade ou, ainda pior, pode ser vista como um ato demagógico dos gestores, gerando, assim, efeito contrário ao desejado no clima organizacional. Böhmerwald (1996) destaca que a implantação de sistemas de coleta de opiniões de trabalhadores que

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funcionem de fato representa um grande desafio. Pouca contribuição tais sistemas trarão para a organização caso os funcionários não se sintam estimulados a gerar novas ideias, a buscar soluções para os problemas apontados. Quanto mais as ideias apresentadas forem incorporadas pelas empresas, maior a probabilidade de que aumentem as contribuições. Pode ocorrer, assim, um ciclo virtuoso, em que boas sugestões levem a mudanças significativas, as quais, por sua vez, vão estimular o surgimento de mais contribuições. O contrário também pode ocorrer, todavia, com um reduzido volume de ideias levando a poucos efeitos práticos, o que desestimulará ainda mais a apresentação de sugestões. O que se percebe, portanto, é que as caixas de mensagem podem sim ser uma importante ferramenta de gestão participativa, desde que adequadamente gerenciadas. A pesquisa realizada, nos moldes apresentados na próxima seção, procurou investigar como tem sido a utilização dessa ferramenta na organização estudada, na percepção do público diretamente envolvido com seu funcionamento: os funcionários.

3 METODOLOGIA A pesquisa, cujos resultados estão aqui apresentados, caracterizou-se pela utilização de técnicas qualitativas e quantitativas. A investigação qualitativa ocorreu por meio da análise de conteúdo, sendo adotadas categorias temáticas ou reunião de significados semelhantes, das respostas apresentadas, visando à posterior análise e interpretação. A análise quantitativa baseou-se na utilização de procedimentos de estatística descritiva, tanto na coleta como no tratamento dos dados, tendo como objetivo medir a relação entre as variáveis. A coleta de dados foi feita a partir de um questionário semiestruturado, contendo questões fechadas e abertas. Para isso, foi utilizada também a técnica de análise de conteúdo, que visa a obter indicadores (qualitativos ou não) que permitam a interferência de conhecimento, relativos à condição de produção/recepção dessas mensagens (BARDIN, 1979, apud CAPPELLE et al., 2003). Quanto à sua finalidade, com base na divisão proposta por Vergara (2005), trata-se de uma pesquisa explicativa, pois procurou compreender melhor o fenômeno estudado através da análise dos dados coletados. Também é aplicada, uma vez que se direcionou para a busca de resolução de problemas concretos.

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Em relação aos meios, a pesquisa pode ser classificada, com base na mesma taxonomia, como bibliográfica, pois teve como ponto de partida uma revisão de literatura. Também, como pesquisa documental, tendo em vista que foi necessário desenvolver o estudo com base em documentos da própria organização, e como de campo, por terem sido aplicados questionários na empresa. Também é um estudo de caso, uma vez que retrata especificamente a realidade de uma determinada organização. A pesquisa de campo contou com a aplicação de questionários mediante a distribuição pessoal. O questionário possuía algumas questões fechadas e outras abertas, conforme será detalhado na seção que apresenta os resultados obtidos no campo. O universo pesquisado está constituído pelos 1.229 trabalhadores da unidade de Juiz de Fora da empresa. Foi constituída uma amostra de 177 sujeitos, correspondente a um intervalo de confiança de dois desvios-padrões e margem de erro de 5%. A seleção dos participantes foi feita pelo critério de acessibilidade, tendo participado aqueles que estavam disponíveis no momento de aplicação. Uma das limitações do método adotado foi o receio de participação na pesquisa, que foi conduzida pela pesquisadora, a qual é funcionária da área de Recursos Humanos da empresa. Alguns trabalhadores não concordaram em preencher o questionário, alegando que temiam que a empresa tivesse acesso às respostas oferecidas, a despeito de não ser necessário se identificar. O fato de a pesquisadora trabalhar na própria empresa e atuar diretamente com a ferramenta analisada também representa uma limitação que merece ser destacada.

4 A ORGANIZAÇÃO ESTUDADA E SEU SISTEMA DE GESTÃO DE PESSOAS A siderúrgica estudada foi fundada em 1984 e possui, atualmente, 1.229 trabalhadores e capacidade produtiva de um milhão de toneladas/ano. O foco de seu negócio é o fornecimento de produtos de aço para a construção civil e as indústrias de trefilação. O discurso adotado pela organização insere-se na tendência observada atualmente, em diversas empresas, de destacar a valorização dos trabalhadores nos modelos de gestão adotados. Pode-se fazer, no entanto, restrições a esse posicionamento, conforme destacado na seção que trata da crítica aos modelos participativos (FARIA, 2009). Revista Gestão e Desenvolvimento


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Em 2003, a empresa estudada tornou-se a primeira siderúrgica brasileira certificada na norma SA 8000 criada pela Social Accountability International (SAI), baseada em convenções da Organização Internacional do Trabalho e das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos. A SA 8000 é uma norma internacional desenvolvida pela SAI, uma organização não governamental, de avaliação da responsabilidade social para empresas produtoras e fornecedoras. Essa norma avalia o comportamento das empresas em relação a nove temas: trabalho infantil, trabalho forçado, segurança e saúde no trabalho, liberdade de associação e direito à negociação coletiva, discriminação, práticas disciplinares, horário de trabalho, remuneração e sistemas de gestão A SA 8000 possibilita uma definição clara das normas trabalhistas, possui métodos de auditoria especificados que garantem consistência ao longo das auditorias e uma abordagem de sistemas de gestão que estabelece a responsabilidade social como um legítimo interesse do negócio. Em decorrência das normas estabelecidas para a obtenção e a manutenção da certificação SA 8000, foi instituída a caixa de mensagens, com formulários próprios para serem preenchidos pelos empregados, por terceiros e visitantes. As caixas de mensagens são encontradas em todas as áreas de produção e nos principais pontos da empresa, como terminal rodoviário, refeitório e nas localidades dos relógios de marcação de ponto. A caixa de mensagens é utilizada para perguntas, reclamações, elogios ou sugestões. O representante dos empregados é responsável por recolher, controlar e enviar os questionamentos para o representante da alta direção. Uma equipe subordinada ao representante da alta direção, na Usina de Juiz de Fora, é responsável por analisar e separar as perguntas que são relacionadas à SA 8000. Também é responsável pela identificação da gerência (Aciaria, Laminação, Altos Fornos, Manutenção, empresas terceirizadas etc.) com que as perguntas estão relacionadas. Em seguida, as questões levantadas são encaminhadas aos gestores, para que possam avaliá-las e respondê-las. Para que o sistema não perca sua credibilidade, todas as perguntas são respondidas. As perguntas, com suas respectivas respostas, retornam para o representante dos empregados para verificação, posteriormente, são enviadas ao representante da alta direção. Após crivo da alta direção, as perguntas e as respostas são encaminhadas para a área de Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

comunicação da empresa, que é a responsável pela divulgação mensal. Essas são publicadas no “Fique Ligado”, ou seja, fixadas no quadro de avisos, que é um canal de comunicação entre a empresa e os empregados, localizado em diversas áreas da empresa. Como são feitas perguntas sobre todos os temas, a empresa está estudando um meio em que aquelas relacionadas à SA 8000 e a outros assuntos sejam divulgadas separadamente, para que os empregados comecem a diferenciar os temas ligados à norma SA 8000. A divulgação tem que ser dentro do próprio mês. No entanto, a empresa não está cumprindo com o prazo, o que vem acarretando a insatisfação dos empregados. Para garantir a credibilidade do sistema, a organização está buscando melhorar o prazo das respostas e da divulgação.

5 RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO A seguir, é apresentada a tabulação das respostas obtidas no questionário aplicado na empresa estudada. Responderam ao questionário 177 pessoas, incluindo empregados, estagiários e terceiros. A primeira questão versou sobre o sexo dos participantes. Conforme resultado da pesquisa, há uma discreta participação de trabalhadores do sexo feminino (7%). A amostra segue o que se observa na empresa, que possui forte predominância de trabalhadores do sexo masculino em seu quadro de pessoal. Tal fato pode ser explicado pelo tipo de trabalho predominante, que exige muita força física, como é típico da siderurgia. A segunda questão direcionou-se para o levantamento da faixa etária dos envolvidos. Foram adotadas cinco categorias: 18 a 25 anos; 26 a 35 anos; 46 a 55 anos e 56 anos ou mais. Identificou-se que a maior parte (32%) está compreendida na faixa entre 46 a 55 anos. Apenas 1% dos participantes possui idade igual ou superior a 56 anos. Essa concentração em pessoas mais jovens pode ser explicada pelo fato de que os ocupantes de diversos cargos de siderurgia se aposentam com 25 anos na função. Além disso, a idade-limite para permanência na empresa, incluindo a parte administrativa, é de 60 anos. Em seguida, foi solicitado que os respondentes identificassem sua função na empresa. Foram apresentadas as funções: operacional, administrativa, supervisão, terceirizado e estagiário. Verificou-se que 50% dos participantes trabalham na área operacional 127


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da empresa estudada. A amostra representa bem a divisão observada no universo estudado. A quarta questão abordou o nível de escolaridade dos participantes. As opções de respostas foram: ensino fundamental, médio ou técnico, superior incompleto, superior completo e pós-graduação. O resultado mostrou que 59% dos entrevistados possuem ensino médio ou técnico e 18% declararam que estão fazendo curso superior. A predominância do ensino médio ou técnico pode ser compreendida devido ao fato de a empresa necessitar de mão de obra técnica, voltada para a área produtiva. A pergunta seguinte questionou quantas vezes os trabalhadores utilizaram a caixa de mensagens no ano de 2012. Assim, foi verificado que 70% dos participantes não postaram mensagens. Esse fato revela que essa ferramenta tem sido utilizada por uma minoria dos trabalhadores da empresa. Aqui, evidencia-se o ponto destacado por Ferreira et al. (2009) de que, para a ferramenta ser bem aproveitada, deve haver estímulo à participação e incentivo por parte dos gestores. Essa pode ser uma ação tomada para melhorar sua utilização Em seguida, foi perguntado, para os que não postaram mensagens, por que não fizeram uso dessa ferramenta. Destacou-se que 33% disseram não ter motivo para postar mensagens, já 16% preferem buscar soluções diretamente com seus superiores e 14% declararam não confiar na ferramenta ou consideram as respostas evasivas. Predebon e Souza (2003) afirmam que quanto mais a empresa está engajada com programas participativos, mais os funcionários tendem a participar. Aqui, evidencia-se o contrário, a participação dos funcionários está pequena e os motivos apontam que a ferramenta ainda pode ser mais bem trabalhada. A sétima questão abordou a percepção geral que os funcionários possuem da caixa de mensagens. A maioria dos participantes (54% Boa e 12% Excelente) avaliou de forma positiva a caixa de sugestões e poucos fizeram restrições mais sérias (avaliações ruim + péssima). Notase, assim, que boa parte dos empregados está satisfeita com a ferramenta disponibilizada pela empresa, uma vez que todos os questionamentos postados na caixa de mensagens são respondidos e solucionados pela empresa. Chama a atenção a dissonância entre as respostas obtidas nessa questão e as referentes à quinta questão, que revelou que a maioria não utilizou a ferramenta estudada no ano anterior. Pesquisas posteriores poderão investigar os motivos que levam pessoas que consideram a caixa de mensagem um bom canal de comunicação a não fazer uso dele. 128

Em seguida, solicitou-se aos respondentes que apresentassem uma justificativa para a avaliação que atribuíram. Não foram apresentadas opções prévias de resposta. Fez-se necessária, portanto, a categorização posterior das respostas obtidas, reunindo-se as manifestações similares em grupos. Houve 18% que se abstiveram de tecer comentários. Outros 6% apresentaram comentários vagos. Dentre os demais, os que marcaram comentários positivos ficaram em torno de 47%, que tiveram suas respostas agrupadas em três categorias. Os comentários daqueles que avaliaram positivamente a caixa de mensagens se concentraram fortemente na alegação de que se trata de uma forma eficaz de apresentação de reivindicações à empresa. Como a empresa não estabelece os assuntos que deveriam ser tratados, naqueles ligados à SA8000, são postados diversos tipos de perguntas. Dessa forma, muitos se sentem seguros ao utilizar a caixa de mensagens para realizar suas reivindicações. E, para que o sistema não fique desacreditado, a empresa se preocupa em tratar todos os assuntos abordados nas postagens. Logo, todos recebem um retorno (feedback) sobre o assunto abordado. Já entre os respondentes que teceram comentários em uma perspectiva crítica, correspondente a 29% dos participantes, verificou-se que alguns consideram que a empresa demora a dar retorno, que as respostas apresentadas são evasivas e que o sistema não possui credibilidade. Também, destacaram que os problemas levantados não são solucionados. Aqui, percebese a mesma ideia apontada por Floriano (2007): a ferramenta não pode parecer enfeite aos funcionários, eles precisam acreditar na efetividade dela para potencializar sua utilização. Na questão seguinte, foram apresentadas seis assertivas, sendo solicitado aos participantes que se manifestassem a respeito do quão frequente cada postura ali representada era observada na empresa. A tabela 1 apresenta as respostas obtidas. Como se vê, os respondentes concentraram as avaliações das assertivas apresentadas na opção “quase sempre”. Para mensurar o grau de satisfação dos participantes, foi necessário fazer uso de técnicas estatísticas. Na tabulação das respostas, procedeu-se ao seguinte tratamento estatístico: foram atribuídos três (3) pontos à opção que revelava uma avaliação mais positiva (resposta “sempre”), dois (2) pontos à reposta “quase sempre”, um (1) ponto à resposta “raramente” e nenhum (0) ponto à resposta “nunca”. A intenção foi estabelecer uma escala de satisfação com o aspecto abordado em cada assertiva. Revista Gestão e Desenvolvimento


Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014 Tabela 1 - Qualidades atribuídas à ferramenta avaliada

Assertiva

Nunca

Raramente

Quase Sempre

Sempre

O retorno é claro, fácil de ser entendido

5

48

91

29

As respostas são esclarecedoras das dúvidas levantadas

11

51

87

25

Percebo sinceridade nos posicionamentos da empresa

18

44

75

38

A empresa se preocupa em efetuar mudanças a partir das sugestões ou reclamações

8

54

74

36

O prazo de resposta (dentro do próprio mês) é respeitado

7

40

80

46

Sinto confiança nas respostas dadas pela empresa

13

52

69

39

Fonte: Elaborado pelos autores Tabela 2 - Grau de satisfação ponderado

Assertiva

Pontos

Máx.

Satisfação

O retorno é claro, fácil de ser entendido

317

519

61%

As respostas são esclarecedoras das dúvidas levantadas

300

522

57%

Percebo sinceridade nos posicionamentos da empresa

308

525

59%

A empresa se preocupa em efetuar mudanças a partir das sugestões ou reclamações

310

516

60%

O prazo de resposta (dentro do próprio mês) é respeitado

338

519

65%

Sinto confiança nas respostas dadas pela empresa

307

519

59%

Fonte: Elaborado pelos autores

Na sequência, calculou-se o valor que representaria o máximo de satisfação possível, o qual representa a multiplicação de todas as respostas obtidas por três, ou seja, a situação hipotética em que todos os respondentes tivessem escolhido a opção “sempre”. Esse valor representa o que seria 100% de satisfação com a situação avaliada. Finalmente, foi calculado o percentual obtido, considerando-se os pontos alcançados em cada assertiva e o que seria o máximo possível de se obter. Chegou-se, assim, aos números expostos na tabela 2. Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

Nota-se, portanto, que todos os aspectos considerados nas assertivas apresentadas estão com um nível razoável de satisfação, uma vez que nenhum ficou abaixo de 50%. Há, no entanto, um espaço considerável para melhorias, tendo em vista que o máximo obtido foi de 65% de satisfação. No que tange às assertivas “O retorno é claro, fácil de ser entendido” e “As respostas são esclarecedoras das dúvidas levantadas”, pode-se entender que a forma de elaboração das respostas não está sendo esclarecedora o suficiente, podendo ser melhorada pela empresa.

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Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014

Sobre as afirmativas “Percebo sinceridade nos posicionamentos da empresa” e “A empresa se preocupa em efetuar mudanças a partir das sugestões ou reclamações”, percebe-se que os empregados esperam mais transparência da empresa em se posicionar frente aos questionamentos e que busque não apenas responder, mas também resolver os assuntos abordados. Percebe-se, também, que os trabalhadores estão satisfeitos, de certa forma, com o prazo das publicações, que ocorre dentro do próprio mês. Apesar do considerável nível de satisfação, a empresa vem buscando melhorar o prazo de divulgação dos assuntos postados na caixa de mensagens. Também a afirmativa “Sinto confiança nas respostas dadas pela empresa” mostra que os empregados apresentam certo grau de satisfação quanto a essa abordagem. No entanto, a confiança ainda precisa ser mais bem conquistada pela empresa. A última questão abordou sugestões de melhoramento para o funcionamento da caixa de mensagens. Como resultado, 34% abstiveram-se de sugerir como melhorar o funcionamento da caixa de mensagens. Dentre os participantes, 29% sugeriram que a empresa tivesse mais sinceridade no tratamento dos assuntos abordados, que aperfeiçoasse a elaboração das respostas e que melhorasse o prazo de divulgação dos questionamentos postados na caixa. Outros 11% ressaltaram que os problemas apontados precisam de retorno e solução. Os demais apresentaram sugestões como as apresentadas na figura. No geral, tem-se um entendimento de que os empregados estão satisfeitos com a ferramenta disponibilizada pela empresa. Ainda existe, no entanto, um espaço considerável para melhoria por parte da empresa no que diz respeito à divulgação da utilização dessa ferramenta e seus benefícios. Verificou-se, também, que os participantes esperam por respostas mais transparentes, de fácil compreensão, mais intervenção por parte da empresa na solução dos problemas questionados. Através da mudança na percepção da empresa por melhorias, tem-se que, ao longo do tempo, o sistema venha adquirir uma maior credibilidade entre os usuários.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do exposto no presente artigo, pode-se considerar que a ferramenta de gestão participativa abordada na pesquisa tem se tornado importante 130

como diferencial para a empresa estudada, tendo em vista que é um canal de comunicação relevante entre funcionários e gestores e, também, entre os terceiros/ fornecedores/clientes e a empresa. Esse tipo de participação promove a valorização do empregado, tornando-os mais produtivo e mais comprometido com seu trabalho, pois se sente mais motivado. É importante destacar que o modelo participativo é um processo que aumenta o comprometimento do trabalhador com a organização. A participação não é somente nas decisões, na participação dos lucros, mas principalmente na responsabilidade por seu próprio comportamento e desempenho. Os dados coletados permitiram que se chegasse a algumas respostas à questão central adotada: “De que forma o uso da caixa de mensagens tem sido percebido pelos trabalhadores da empresa em estudo?”. Concluiuse que, no geral, os participantes estão satisfeitos com a ferramenta disponibilizada pela empresa, pois consideram que é uma forma eficaz de reivindicação. Alguns, porém, consideram que o sistema não possui credibilidade e que os problemas apontados não são resolvidos. Apesar da avaliação positiva sobre esse instrumento, verificou-se que a maioria dos participantes não postou mensagens no ano de 2012. Nota-se, com isso, uma discrepância entre as informações coletadas. Pesquisas posteriores ajudarão a compreender o motivo que levou os empregados a avaliarem positivamente a ferramenta, mesmo não fazendo uso dela. Foram apresentadas pelos trabalhadores sugestões para o aprimoramento da caixa de mensagens. Uma das questões que mereceram maior destaque foi a expectativa de que os questionamentos apresentados nas mensagens colocadas na caixa sejam tratados com mais seriedade pela empresa. Também consideram que as respostas necessitam ser mais elaboradas, almejam que os problemas levantados sejam solucionados e que o prazo de divulgação seja melhorado. Com a finalidade de potencializar o uso da ferramenta e de seus resultados, sugere-se que seja elaborado e apresentado um fluxo de funcionamento da caixa de mensagens, para que os funcionários entendam melhor seu funcionamento. Outro ponto de sugestão seria incluir trabalhadores de todos os níveis na avaliação das sugestões, envolvendo-os mais na decisão, contribuindo para a gestão participativa. E, por fim, divulgar e estimular a utilização da ferramenta, não deixando, em hipótese alguma, de dar retorno a todos os participantes. Uma ferramenta como essa abordada no presente artigo é importante e aproxima Revista Gestão e Desenvolvimento


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a empresa de seus funcionários. No entanto, se não for bem utilizada, pode trazer um efeito negativo pior do que não a ter implementada. Apesar da avaliação satisfatória sobre a ferramenta disponibilizada, conclui-se que a empresa ainda pode explorar melhor essa ferramenta de gestão participativa. É importante que se faça um trabalho de inovação e divulgação, para que todos venham a se envolver e contribuir com suas experiências e seus conhecimentos de forma responsável.

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Recebido em: 02 de março Aceito em: 15 de junho

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GOVERNANÇA DE PROGRAMAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS: ANÁLISE DO PROJOVEM URBANO NO ESTADO DE MATO GROSSO – 2009/2010 GOVERNANCE OF PROGRAMS OF PUBLIC POLICY: PROJOVEM URBAN ANALYSIS IN MATO GROSSO - 2009/2010

José Kennedy Lopes Silva1 Mariluce Paes de Souza2

RESUMO Este artigo tem como objetivo descrever as práticas da Governança na execução de Políticas Públicas por meio do caso do Programa ProJovem Urbano no Estado de Mato Grosso - 2009/2010, cuja função foi fomentar a reinserção educacional de 7.200 jovens com idades entre 18 e 29 anos em onze municípios do Estado. O objetivo deste trabalho é descrever as práticas estabelecidas de Governança no Projeto pelos atores envolvidos: Governo Federal, representado pela Coordenação Nacional do ProJovem Urbano, Governo do Estado de Mato Grosso, representado pela Secretaria de Estado, Emprego, Trabalho e Assistência Social, e a organização da sociedade civil de interesse público contratada para ser a responsável pela execução do projeto no Estado de Mato Grosso, identificada neste estudo como OSCIP A. Na base teórica, a discussão versa sobre Governança, Política Pública e Governança Pública. O método utilizado privilegia a abordagem qualitativa e a descritiva com pesquisa participante para coleta e análise de dados, documental e discussão entre os autores sobre a Governança praticada no Programa. Constatou-se a falta de alinhamento dos interesses entre os atores envolvidos, o que resultou na assimetria de informação e na ausência de uma boa Governança. Concluiu-se que houve falhas de Governança entre os atores, o que comprometeu os resultados do projeto. Palavras-chave: ProJovem Urbano. Governança. Política Pública. Mato Grosso. ABSTRACT This article aims to describe the practices Governance in implementing Public Policy through the case Program ProJovem Urban in the state of Mato Grosso - 2009/2010 whose function was to foster the educational reintegration 7,200 young people aged between 18 and 29 years, in eleven municipalities of state. The objective of this paper is to describe the practices established in Governance Project of the stakeholders: Federal Government, represented by the National Coordination of Urban ProJovem, Government of Mato Grosso, represented by the Secretary of State for Employment, Labour and Social Welfare and the organization of civil society in the public interest contracted to be responsible for implementing the project in the State of Mato Grosso, identified in this study as OSCIP A. On a theoretical basis, the discussion is about Governance, Public Policy and Public Governance. The method focuses on qualitative and descriptive approach with participant to collect and analyze data, document and discussion among authors on Governance practiced in the research Program. It found a lack of alignment of interests among stakeholders, resulting in information asymmetry and lack of good governance. It was concluded that there were failures of governance between the actors, which compromised the results of the project. Keywords: Urban ProJovem. Governance. Public Policy. Mato Grosso.

1  Especialista em Planejamento e Ger. Estratégico. Estudante do Programa em Pós-graduação Mestrado em Administração da UNIR (PPGMAD-UNIR). E-mail: kennedysilv@gmail.com. 2

Pós-doutorado em Administração. Docente do PPGMAD-UNIR. E-mail: mariluce@unir.br.

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1 INTRODUÇÃO O Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária – ProJovem Urbano (PJU) é voltado para a população juvenil com idade entre 18 e 29 anos que não concluiu o ensino fundamental, que não se encontra preparada para o mercado de trabalho e sem acesso ao atendimento de Políticas Públicas. O PJU tem o intuito também de promover a inserção social por meio da qualificação profissional e acontece em quase todo o território nacional, sendo executado conforme as características culturais de cada região (COORDENAÇÃO NACIONAL DO PROJOVEM URBANO, 2010). A constituição desse Programa está vinculada à Secretaria Nacional de Juventude, do Conselho Nacional de Juventude, órgão colegiado integrante da estrutura básica da Secretaria Geral da Presidência da República, composto por representantes de órgãos governamentais, organizações juvenis não estatais e personalidades reconhecidas pelo seu trabalho com jovens. O PJU foi criado em 2005, por meio da Medida Provisória n° 238, de 01/02/2005, transformada na Lei 11.129, de 30/06/2005 (COORDENAÇÃO NACIONAL DO PROJOVEM URBANO, 2010). No desenvolvimento no Estado de Mato Grosso, a matriz pedagógica do curso estava dividida em Unidades Formativas, num total de seis unidades. Cada unidade durava três meses e, a cada uma delas, correspondia um eixo temático que se relacionava aos objetivos de Formação Básica, Cidadã e Profissional do PJU. A cada ciclo (seis meses), era realizado um Exame Nacional, cujo propósito era avaliar o conhecimento adquirido pelo jovem e também a quantidade de alunos no programa. Ao todo, foram três exames. Um em agosto de 2009, outro em abril de 2010 e o último em outubro de 2010. Para a CNPJU colocar em prática esse Programa, era preciso que se ativesse à necessidade de aprendizado dos mecanismos de Governança entre os atores participantes e, por isso, este trabalho tem como mote teórico a discussão de Governança, que, para Rosenau (2000), são as ações orientadas por objetivos que podem ou não ser oriundas de responsabilidades formais. Complementa o autor dizendo que Governança tem seu conceito mais amplo que governo, pois engloba as instituições governamentais, mas também mecanismos informais das organizações privadas. Partindo do pressuposto do estabelecimento de Governança na implementação e na execução dessa

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política pública, Fontes Filho (2003) destaca que há várias semelhanças entre Governança aplicada nas organizações privadas e nas públicas, pois em ambas se constatam os mesmos problemas da teoria de agência e da teoria de stakeholders. A partir da percepção de que se fazia necessário um alinhamento de interesses entre os participantes executores do PJU para que este fosse executado da melhor maneira possível, fez-se o seguinte questionamento: quais as características da Governança praticada entre os atores envolvidos na execução do PJU em Mato Grosso? Para responder a esse questionamento, foram investigados os seguintes pressupostos teóricos: Bresser-Pereira (1997; 2007); Rosenau (2000); Alves (2001); Fontes Filho (2003); Kissler e Heidemann (2006); Gomides e Silva (2009); Silveira (2004; 2010) e também as informações oferecidas no sítio da CNPJU. Este artigo tem como objetivo descrever as práticas de Governança no Projeto pelos atores envolvidos: Governo Federal, representado pela Coordenação Nacional do ProJovem Urbano (CNPJU), Governo do Estado de Mato Grosso, representado pela Secretaria de Estado, Emprego, Trabalho e Assistência Social (SETECS), e a organização da sociedade civil de interesse público contratada para ser a responsável pela execução do projeto no Estado de Mato Grosso, identificada neste estudo como OSCIP A. O trabalho foi construído sob o método de pesquisa qualitativa e descritiva, com o uso de técnicas interpretativas praticadas pelos pesquisadores para a produção deste estudo, por meio das coletas de dados utilizadas, tais como: observação-participante, pesquisa documental e pela forma com que foi conduzida a análise de dados. Este texto está dividido em cinco seções. Na seção 2, fazem-se as discussões referentes à análise teórica de Governança e Política Pública. Na 3, encontramse a abordagem metodológica de como este estudo foi desenvolvido e também as análises por meio dos métodos de pesquisa. Na seção 4, apresenta-se o PJU, sua estrutura organizacional e descreve-se como o Programa foi gerido. Por último, apresentam-se as considerações finais do trabalho com inferências sobre a Governança praticada no PJU em Mato Grosso.

2 REFERENCIAL TEÓRICO-EMPIRICO Para fundamentar a discussão sobre Governança, Governabilidade e Governança Pública, bases teóricas deste artigo, foram utilizados os estudos de Bresser-

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Pereira (1997; 2007); Rosenau (2000); Alves (2001); Fontes Filho (2003); Kissler e Heidemann (2006); Gomides e Silva (2009); Silveira (2010), entre outros. Para compreender o objeto estudado, foi necessário discutir o que são Políticas Públicas, com a utilização dos estudos de Santos (2009), Secchi (2010) e Dias e Matos (2012).

2.1 CONCEITOS DE GOVERNANÇA: SÍNTESE HISTÓRICA E AS SUAS CARACTERÍSTICAS A discussão de Governança é algo recente na academia. Trata-se de um debate ainda incipiente, no entanto inicia-se a partir da década de 1970 com os estudos de Jensen e Meckling sobre Governança Corporativa (SILVEIRA, 2010). Alves (2001) e Frey (2007) apontam que Governança é um conceito muito difuso e pode ser aplicado aos diversos métodos de gestão, seja para órgãos públicos, privados e também relacionados ao meio ambiente. Araújo (2002) vem corroborar as afirmações de Alves e Frey, porém acrescenta que Governança não possui uma definição muito clara entre os autores, porque deriva de suas nacionalidades, posições ideológicas e das prioridades que cada um aponta em seus conceitos. Barcellos et al. (2007) trazem a aplicação do conceito de Governança no Brasil e concordam com os demais autores dizendo que o conceito é bastante amplo, com diversas aplicações e referendam que o termo é mais usado no país para apontar a participação dos movimentos sociais nos processos decisórios. Consequentemente, há a necessidade de se aprimorar ainda mais a discussão na academia sobre o tema Governança, para que se possa compreender de forma mais concisa o estabelecimento de Governança tanto nas instituições públicas como nas privadas, na participação dos movimentos sociais e na sociedade. O ponto de partida é o conceito geral de Governança discutido por Rosenau (2000, p. 16): “um sistema de ordenação que depende de sentidos intersubjetivos, mas também de constituições e estatutos formalmente instituídos”. Já para Alves (2001), Governança busca a melhoria dos resultados das pessoas e das instituições. Compreende-se, então, que deve haver uma harmonia entre os conceitos desses autores, os quais determinam a junção das práticas das pessoas dentro das organizações. Para Santos (2009), Governança é a capacidade do Estado de formular e implementar as Políticas Públicas para a melhoria da sociedade e com o apoio da governabilidade para o alcance de resultados, Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

sendo que esse conceito corrobora a indagação sobre Governança local de Dias e Matos (2012). Para eles, Governança local é o compartilhamento de responsabilidades para implantação de Políticas Públicas entre o setor público, o privado e o terceiro setor. Nesse sentido, Bresser-Pereira (1997) apresenta quatro processos básicos da reforma do Estado dos anos de 1990: a) delimitação das funções do Estado; b) a redução da interferência do Estado; c) o aumento da Governança do Estado e d) o aumento da Governabilidade. Destacam-se os processos que tratam de Governança e Governabilidade e da capacidade do Estado de tomar decisões efetivas para a formação de Políticas Públicas e que garantam às instituições políticas a capacidade de gerenciar os interesses do Estado e da sociedade de forma mais democrática. Santos (1997) avalia a capacidade governativa de criação de Governança entre o executivo e legislativo no Brasil pós-constituinte e pontua três fatores contemporâneos que influenciaram os governos e as práticas de Governança no país: ajuste da economia e reforma do Estado; resgaste da dívida social e enfrentamento dos desafios anteriores, mantendo-se a ordem democrática. Para a autora, essa avaliação perpassa também transformações econômicas e culturais. Fontes Filho (2003) estuda a prática de Governança nas organizações públicas. De acordo com seus estudos, faz-se necessário o uso das teorias das agências e institucional, pois nessas organizações há algumas diferenças e semelhanças na Governança praticada em organizações privadas, com destaque para a explanação sobre propriedade e gestão. Gomides e Silva (2009) apontam que Governança é a capacidade de a sociedade dotar de sistemas de representação, de instituições e processos para se gerirem de forma voluntária sem o uso de poder, o que necessita da transparência das decisões políticas e do envolvimento para a tomada de decisão. Araújo (2002) diz que Governabilidade são as próprias relações de poder e de postura diante da legitimidade do Estado para a sociedade civil. Corroborando, Bresser-Pereira (1997) aponta que os conceitos de Governança e Governabilidade são mal formulados, por isso bastante confundidos e, consequentemente, mal aplicados. Entretanto, na concepção de Matias-Pereira (2010), Governabilidade provém da capacidade do Governo de legitimar os seus interesses, e Governança é oriunda de uma parcela dessa legitimidade que é responsável por elaborar e implementar Políticas Públicas em parcerias com 135


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grupos específicos. Por outro lado, Santos (1997) afirma que, com a ampliação dos conceitos de Governança, fica cada vez mais difícil distingui-la do conceito de Governabilidade e é comum a confusão dos conceitos pelos pesquisadores dos temas. A autora acredita que é importante, acima dos conceitos de Governabilidade e Governança, a discussão de Capacidade Governativa. A Capacidade Governativa apresenta o potencial de colocar em prática as discussões apontadas nas definições de Governabilidade e Governança. Desse modo, Santos destaca como a capacidade de um sistema político de produzir Políticas Públicas que resolvam os problemas da sociedade, ou, dizendo de outra forma, de converter o potencial político de um dado conjunto de instituições e práticas políticas em capacidade de definir, implementar e sustentar políticas (SANTOS, 1997, p. 4).

É parte deste artigo a discussão sobre Políticas Públicas. Santos (2009, p. 31) conceitua Política Pública “como resultado de uma complexa interação entre agências estatais e organizações não-estatais. Rejeita-se com isso a abordagem que parte do Estado como o único ator relevante neste processo”. Situação semelhante à abordagem de Bresser-Pereira (2007), ao dizer que Governança envolve um processo mais amplo, pois busca a participação de organizações públicas não estatais, empresas comerciais e organizações internacionais (stakeholders) para participar do processo de decisão em Políticas Públicas, sendo que o governo ainda é o ator central (agente principal) do processo. Dias e Matos (2012) acompanham as ideias discutidas por Santos (2009) e Bresser-Pereira (2007), ao conceituarem Políticas Públicas como um conjunto de princípios que contribuem para que o Estado consiga gerir ações que solucionem problemas da sociedade por meio de um programa de ação governamental executada por seus próprios órgãos ou por organizações do terceiro setor, que, no caso do PJU, foi executado em parceira com setores das três esferas governamentais e com uma OSCIP. Política Pública encaixa-se em duas abordagens: estáticas e multicêntricas. As primeiras são originalmente pautadas pelo Estado, e as multicêntricas envolvem outros atores em sua implementação e execução; o essencial de uma política pública é resolver um problema público, para isso, é necessário buscar a participação de vários atores não estatais para a solução de problemas (SECCHI, 2010). 136

O estudo aborda uma política pública que envolve vários atores de serviços públicos, na busca de compreender como é realizada a Governança Pública do objeto estudado. Nessa tentativa, os conceitos de Kissler e Heidemann (2006) são importantes para entender como as Políticas Públicas se orientam por determinados elementos de gestão e princípios de Governança Corporativa, como transparência e legitimidade. Transformar o antigo Estado de serviço em moderno Estado que produz bens sociais perpassa por transformações de Governança e relação entre novos atores. Para Bresser-Pereira (2007), a Governança Pública no Brasil foi influenciada pelo modelo britânico de gestão pública, no qual a sociedade exige novos serviços. Esses não são executados diretamente pelo Estado, e sim por organizações não estatais (ONGs, OSCIP, entre outros) e solicitam um modelo de Governança que envolve outros atores no processo de governar. Para o processo de Governança Pública, é necessário o envolvimento dos atores e das instituições, cada um em sua área específica, para aprimorar as possibilidades de negociação e de participação na execução de uma política pública. Nesse sentido, a noção de Governança Pública deve sempre ser pautada pela coletividade dos interesses dos participantes para alcançar resultados efetivos e o bem comum social (FONSECA; BURSZTYN, 2009). Na prática de Governança Pública, é necessário verificar algumas ferramentas de Governança efetuadas na iniciativa privada, como a discussão de Fontes Filho (2003), que aborda a teoria de agência e as suas limitações, partindo da separação de propriedade e gestão. Dessa discussão surge a assimetria de informação e é nesse ponto que a teoria de agência deve procurar agir. Bresser-Pereira (2007) diz que a assimetria de informação para serviços sociais é enorme e envolve importantes questões de direitos humanos, o que remete à política pública estudada neste trabalho. Já Carvalho (2002) conceitua Governança como normas e princípios para corrigir os problemas de agência e apresenta os problemas inerentes à assimetria de informação entre os atores envolvidos em projetos produtivos, como é o caso do PJU. Com base na discussão desses autores sobre Governança, relacionados à teoria de agência e ao problema de assimetria de informação, é percebida a necessidade da aplicação coerente dessas teorias no PJU para que o Programa possa alcançar os resultados propostos em seu planejamento. Revista Gestão e Desenvolvimento


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O horizonte de planejamento é outro ponto delicado na teoria de agência nas organizações privadas, pois nestas pode ser de longo prazo, mas nas públicas é de curto prazo (mandato do governante), o que pode comprometer a efetividade das Políticas Públicas de médio e longo prazo. De acordo com vários autores, a teoria da agência apresenta problemas ao ser aplicada nas organizações públicas e sem fins lucrativos, pois há muito dificuldade em aplicar os mecanismos de controle interno e externo e é complexo abordar os objetivos desses tipos de organizações. Em se tratando da teoria institucional, conforme Fontes Filho (2003), esta busca a legitimação da organização independentemente de sua forma (pública, privada ou terceiro setor), o que na teoria da agência é mais difícil. Nessa teoria, presentificam-se os fatores do comportamento humano para a prática da Governança. Silveira (2010) relata sobre a essência da teoria da agência, que facilita a compreensão dos papéis do agente, do principal e dos mecanismos de Governança, conforme a figura 1. Pensa-se que essa

teoria nos aponte o trabalho dos interesses do agente e do principal, que é caracterizado neste artigo pelos atores Governo Federal (principal) e Governo do Estado e OSCIP A (agentes). Os custos de agência, elencados por Silveira (2010), são: custos de estruturação de contratos entre o agente e principal; gastos de monitoramento das atividades do agente pelo principal; gastos promovidos pelo próprio agente para mostrar ao principal os seus atos e se estão a contento do contrato, bem como as perdas residuais decorrentes da diminuição da riqueza do principal e as divergências entre as decisões que maximizariam a riqueza do principal. Há tipos de instituição que são os atores para a implementação e a execução de Políticas Públicas: secretaria formuladora de Políticas Públicas que participam do núcleo estratégico do governo junto com ministérios e as agências executoras que executam as políticas definidas pelo governo (BRESSER-PEREIRA, 1997). Com isso, o Estado contrata as organizações públicas não estatais para executar seus serviços sociais e científicos, o que aconteceu no PJU com a contratação da OSCIP A.

Figura 1 - A Governança Corporativa e o problema do agente-principal Fonte: Silveira, (2004, p. 32)

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3 METODOLOGIA

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

O estudo foi efetuado no PJU executado pela OSCIP A, que, por meio de licitação pública, foi escolhida para a implantação desse Programa em Mato Grosso. Uma das funções dessa OSCIP era a contratação da equipe administrativa para a execução do Projeto, sendo que um dos autores deste estudo era contratado pela OSCIP A, o que, portanto, possibilitou a observação do processo de gestão, tendo acesso direto às informações. O método de investigação utilizado neste estudo é caracterizado como qualitativo-descritivo, com fenômeno estudado em ambiente natural. Foi utilizada análise indutiva, interpretativa e holística. Foram realizadas observações das práticas de Governança no PJU, coleta e análise de dados do programa, utilizando-se da estratégia da pesquisa participante, uma característica da pesquisa indutiva, que se caracteriza pela interação do pesquisador e dos atores do objeto pesquisado (SIENA, 2007; FLICK, 2009). A coleta de dados também foi realizada por meio de estudos e análises de documentos, reuniões e situações vivenciadas durante a experiência do pesquisador como membro da equipe gestora do Projeto nos anos de 2009, 2010 e no ano de 2013, no decorrer desta pesquisa, por meio de aprofundamento no referencial teórico sobre Governança e características do PJU utilizando o levantamento e a pesquisa documental, o que valida as situações, os exemplos e as práticas apontadas neste estudo. No decorrer da pesquisa, em todo o ano de 2013, o sítio da CNPJU foi acessado com o intuito de ter informações em documentos que normatizam e orientam a gestão do PJU. A partir da seleção desse material, reuniram-se os pesquisadores para a leitura e a discussão de quais eram as características da Governança praticada entre os atores PJU e, com isso, relatar as práticas de gestão desse Programa. A análise de dados foi desenvolvida por meio das seguintes categorias: (1) características e (2) orientações que deveriam ser aplicadas na execução do Projeto. A partir desse levantamento, comparou-se com as aplicações identificadas na construção do PJU realizado em Mato Grosso e, assim, foram analisadas e descritas pela segunda categoria, que foram as abordagens discutidas no referencial teórico sobre Governança, Governabilidade e Política Pública. Por meio da combinação dessas categorias, foram tratados os resultados e as discussões do trabalho.

4.1 APRESENTAÇÃO DO PJU EM MATO GROSSO

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Para viabilizar essa concepção interdimensional, o PJU tem como característica a gestão intersetorial e compartilhada por diversos órgãos públicos em todas as esferas de governo. Estiveram envolvidos na gestão do PJU os setores de políticas para a juventude, educação, trabalho e desenvolvimento social e cultural. São identificadas as características de Governança discutidas por Fonseca e Bursztyn (2009) e Silveira (2010), que indicam a potencialização do alinhamento de interesses entre os atores envolvidos e a compreensão da filosofia do projeto de forma intersetorial para a sua implementação e a execução devido às dimensões e às peculiaridades do PJU. O PJU foi executado entre abril de 2009 e dezembro de 2010. O projeto chegou ao estado no final do ano de 2008, por meio da Secretaria de Estado, Emprego, Trabalho e Assistência Social (SETECS) e da Secretaria Estadual de Educação (SEDUC), e sua execução ocorreu a partir do ano de 2009. Envolveram-se SEDUC, SETECS, UFMT e secretarias municipais das cidades contempladas com o PJU, cabendo à Coordenação da Juventude do estado de Mato Grosso, órgão vinculado à SETECS, a função de executar o Projeto. Posteriormente, essa Coordenação entendeu ser necessário contratar serviços externos para dirigir o PJU no estado, então se deu a contratação da OSCIP A, que passou a configurar na estrutura do Programa e assumiu a responsabilidade de executar o Projeto, ou seja, colocá-lo em prática em nome do governo do estado. A OSCIP A passou, então, a compor e gerir administrativamente o PJU, assumindo para si a responsabilidade de executá-lo. O PJU em Mato Grosso teve início com 7.200 jovens matriculados. Devido à dimensão geográfica do estado, conforme a figura 2, os municípios contemplados foram divididos em dois polos: polo sul, com estrutura administrativa sediada em Primavera do Leste e que atendia aos municípios de Barra do Garças, Rondonópolis, Tangará da Serra, Cáceres e Pontes e Lacerda; polo norte, com estrutura administrativa sediada em Sinop, com a jurisdição de atender aos municípios de Alta Floresta, Juína, Sorriso e, posteriormente, Juara. Nos municípios, a parceira dava-se com as secretarias municipais de educação e, em alguns, contava ainda com o apoio de outras secretarias. Revista Gestão e Desenvolvimento


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A expansão territorial do estado de Mato Grosso, com municípios distantes de seu polo de até 690 km (figura 2), dificultava o acompanhamento das atividades da equipe administrativa. Porém, esta se desdobrava e, na medida do possível, mantinha a execução do Projeto de forma regular. Em meados de fevereiro de 2009, iniciou-se o processo de contratação de pessoas por parte da OSCIP A para compor a equipe de execução do Projeto. Nesses processos seletivos, foram contratados os professores e a equipe administrativa.

4.2 GOVERNANÇA DO PJU EM MATO GROSSO A estrutura recomendada pela CNPJU para a execução do Projeto era de 18 pessoas, essa composição, no entanto, em momento algum da existência do Projeto foi cumprida. Em um primeiro momento, houve a dificuldade da contratação de técnicos de nível superior para os dois polos, bem como de diretor executivo do polo de Sinop. Não porque não houvesse profissionais disponíveis, mas porque a OSCIP A não entendia, por não conhecer a dimensão territorial do estado, a necessidade dessas contratações e procurava, com isso, a redução de

custos com a folha de pagamento. Isso resultou em problemas que desaguaram na evasão de alunos, como consequência, havia menor repasse financeiro do governo federal para o Programa. O organograma estava, inicialmente, assim disposto: Coordenação Estadual – Cuiabá: com um coordenador executivo; um coordenador pedagógico, dois assistentes técnicos de nível superior e dois assistentes técnicos de nível médio. Nos polos, estavam: um diretor executivo; um diretor pedagógico; dois assistentes técnicos de nível superior e dois assistentes técnicos de nível médio. À Coordenação Estadual do PJU cabia reportar à Coordenação da Juventude do Estado, que é vinculada à SETECS, todas as suas ações. Para a apresentação do organograma recomendado pela CNPJU e o estabelecido pela OSCIP A para a execução do projeto, apresentam-se as figura 3 e 4, nas quais se caracterizam as divergências entre a estrutura organizacional necessária para as boas práticas do Programa e a aplicado pela OSCIP A. Nesse organograma há, conforme a CNPJU, um alinhamento para que seja possível administrar com melhor eficácia o Programa no estado de Mato Grosso. Percebe-se que há cargos e funções vitais direcionados para determinadas ações fundamentais ao andamento

Figura 2 - Municípios mato-grossenses contemplados pelo Projeto Fonte: Adaptado de Brasil Turismo e Google Mapas (2013)

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do Programa. Tanto a Coordenação Estadual quanto os Polos têm uma estrutura semelhante, para que não haja divergências e assimetrias de informações, conforme referenciadas por Fontes Filho (2003); Bresser-Pereira (2007); Fonseca, Bursztyn (2009), o que se evidencia como problema na gestão do Projeto para poder alcançar os resultados almejados pelo Programa.

Ao se comparar a figura 3 com a 4, são constatadas as diferenças nas estruturas propostas entre o que foi recomendado para o que foi realmente praticado. Há a ausência de algumas funções: Diretor Executivo e um Assistente Técnico de Nível Superior no Polo Norte Sinop e um Assistente Técnico Nível Superior e Assistente Técnico de Nível Médio no Polo Sul Primavera do Leste,

Figura 3 - Organograma recomendado Fonte: Elaborado pelos autores com base em documentos da CNPJU

Figura 4 - Organograma estabelecido Fonte: Elaborado pelos autores com base em documentos da CNPJU

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os quais são importantes para a eficácia do projeto. O desaparecimento desses cargos e as consequentes funções comprometeu o trabalho do Programa no estado em relação ao atendimento aos professores, aos alunos e aos demais atores participantes do PJU. Posteriormente, um dos assistentes de nível superior da Coordenação Estadual foi promovido para a Direção Executiva do Polo de Sinop e houve a contratação de um assistente de nível superior para o Polo de Primavera do Leste. Havia o apoio das prefeituras municipais, que colaboravam de forma acentuada para a execução do Projeto. Muitas vezes, as prefeituras apoiavam além de suas alçadas contratuais. Citam-se algumas das responsabilidades do poder público municipal: cedência de salas de aulas em escolas municipais; transporte para os alunos de bairros distantes das escolas; apoio logístico e estrutura física para a equipe administrativa para reuniões e a realização de eventos promovidos pelo Programa. As aulas foram iniciadas em meados do mês de abril de 2009, em sua maioria em escolas estaduais, reflexo da parceria com a SEDUC. Porém, em alguns municípios, as aulas aconteciam em algumas escolas municipais onde havia uma melhor localização para o público-alvo do Projeto. Os problemas de gestão já ficaram evidenciados no início das aulas, com falta de merenda escolar, problema de logística, pois os materiais escolares dos jovens e materiais pedagógicos dos professores atrasaram devido à dimensão territorial do estado de Mato Grosso. Esse aspecto não foi considerado pela OSCIP A e também por parte das empresas contratadas, as quais demoravam a entregar os materiais necessários para a boa execução pedagógica e executiva do PJU. Assim, os jovens, que já deveriam iniciar as aulas com os materiais, só passaram a recebê-los a partir de junho de 2009 e alguns somente receberam já no segundo semestre do PJU. Durante a execução do Projeto, a equipe administrativa e os professores foram se adaptando às orientações pedagógicas e executivas repassadas por meio de reuniões promovidas pela OSCIP executora, pela UFMT e pela CNPJU. As responsabilidades dessas instituições eram assim divididas: OSCIP A, executora, cuja responsabilidade era coordenar os dois polos atendidos pelo Projeto. A CNPJU tinha a responsabilidade de acompanhar os trabalhos da Coordenação Estadual (OSCIP A), e a UFMT, realizar e executar o programa de Formação Continuada dos professores, capacitando-os para trabalhar com o Projeto. Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

Foram realizados três encontros da equipe administrativa do PJU/MT com a CNPJU, em abril de 2009, em Cuiabá-MT; setembro de 2009, em Goiânia-Go, e o último em julho de 2010, em Belo Horizonte-MG. Nesses encontros, eram constatadas as disparidades existentes entre as execuções do PJU em cada estado e nos municípios de todo o país. A UFMT era responsável pelos cursos de Formação Continuada do Projeto. No início do PJU, das 120h mensais trabalhadas pelo professor, 12 horas deveriam ser destinadas para essa Formação. Porém, como a OSCIP A precisava dos professores para outras funções, retirou deles a obrigatoriedade da participação no curso de formação pedagógica, decisão irregular conforme o Manual do Educador de Orientações Gerais do Programa, o que causou sérios problemas pedagógicos, pois os professores ficaram despreparados para trabalhar com o material do PJU, que era elaborado conforme as especificidades do Programa e, com isso, não mais dispunham de motivação para frequentar as formações. Essa situação desagradou à UFMT, bem como aos professores da IES responsáveis por esse trabalho. Esse problema relacionado à formação continuada está relacionado com as recomendações de Silveira (2004; 2010) e Bresser-Pereira (2007) sobre a importância do envolvimento dos atores em prol do interesse coletivo no desenvolvimento de uma política pública. É importante retratar os dizeres de Alves (2001) sobre a importância da harmonia entre pessoas e instituições como conceito de Governança, pois se observa que esse procedimento irregular da gestão da formação continuada deu origem às divergências entre professores, UFMT e OSCIP A, o que retrata a dificuldade de se conceituar e aplicar a Governança em Políticas Públicas no País, conforme explicitado por Araújo (2002) e Barcellos et al. (2007), contribuindo para o não entendimento e a atenção necessária por parte dos atores para a aplicação dessa técnica gerencial no PJU. Outro fator que contribuiu para o enfraquecimento pedagógico do Programa foram algumas alterações no organograma, exposto na figura 4, e com destaque para a demissão das diretoras pedagógicas nos polos (figura 5), fato justificado pela Coordenação Estadual devido à evasão do programa em cada unidade formativa, em que, segundo ela, o repasse era feito pela CNPJU conforme o número de alunos em cada ciclo. Mesmo com a readaptação da equipe gestora, não foi possível realizar um trabalho pedagógico eficaz até o término do Programa, considerando que as diretoras executivas não possuíam experiência nos tratados pedagógicos.

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A figura 5 sintetiza os problemas de gestão do Programa já desencadeados no início, conforme a figura 4. Uma vez que a estrutura inicial não foi aplicada, os demais problemas ocorridos durante o Programa ocasionaram o enxugamento da estrutura organizacional da equipe administrativa. Os problemas de má gestão resultaram no enxugamento da estrutura administrativa e são inerentes à não aplicação dos conceitos de Governança discutidos por Rosenau (2000), Carvalho (2002) e Gomides e Silva (2009), que tratam como princípios necessários para a correção de problemas de alinhamento entre os atores envolvidos em determinada política pública. Seria interessante à época que os atores tivessem conhecimento da prática dos conceitos de Governança pautados pelos escritores acima, para deles fazerem uso durante a gestão do Programa. Como resultados desses desacertos organizacionais, o número de jovens atendidos pelo Programa foi, gradativamente diminuindo a cada unidade formativa (três meses de curso), o que contribuía para a redução de envio de recursos ao Projeto. O não alinhamento dos interesses entre os atores envolvidos desperta a reflexão para os problemas da assimetria de informação entre eles e apresenta a não aplicação das orientações dadas por Carvalho (2002), Fontes e Filho (2003) e Bresser-Pereira (2007) sobre a importância de não existir assimetria de informações entre os atores

executores das Políticas Públicas. O Governo Federal, o do estado de Mato Grosso e a OSCIP A não conseguiram estabelecer as características de Governança e apresentaram problemas detectados na teoria de agência e institucional, discutidos pelos estudiosos da área citados na abordagem teórica deste trabalho. Pode-se afirmar que não houve governabilidade na gestão do PJU em Mato Grosso. Nela são perceptíveis problemas estruturais entre as relações de poder, destacadas por Araújo (2002). Não dar legitimidade necessária para a participação eficaz de todos os atores na execução do Projeto compromete também a capacidade governativa abordada por Santos (1997), pois as práticas políticas desse Programa ficaram comprometidas e, por isso, não conseguiram definir, implementar e manter a eficácia durante toda a execução dessa importante Política Pública.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O aprendizado obtido em todo esse processo, as experiências adquiridas com as histórias dos jovens e dos educadores não nos permite dele sair sendo a mesma pessoa de quando entramos. É inegável a visão social adquirida. No início da participação do Projeto, tinha-se uma visão superficial e até sonhadora do que seria um projeto social, no entanto há uma distância entre sonho e realidade.

Figura 5 - Organograma Final Fonte: Elaborado pelos autores com base em documentos da CNPJU

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Foi constatado que as Políticas Públicas, algumas vezes, deixam de ser eficazes porque tropeçam naqueles que as fazem gerir e nos processos de Governança. Nota-se que esse Programa tem responsabilidade e missão nobres, e as pessoas que trazem consigo uma determinação voltada para o trabalho social não ficam imunes a esse processo. Há uma divergência encontrada no propósito da Governança inserida nacionalmente nesse Projeto e o que, de fato, ocorreu no estado de Mato Grosso foi o privilégio dado aos recursos à área executiva, ficando, então, a questão social e pedagógica deficientes. É possível afirmar que a difusão e a amplitude dos conceitos de Governança contribuem para que as organizações tenham dificuldade para compreender a necessidade de se aplicar também a Governança em políticas públicas como o PJU. Esses pontos considerados falhos devem, contudo, ser aproveitados como experiências para a rediscussão do Projeto e para uma futura execução no estado. Lamenta-se, às vezes, a falta de tato por parte dos educadores e da equipe gestora em não executar o Projeto da forma adequada, com trabalho, seriedade e olhar social adequado e comprometido. Apesar de todas as dificuldades encontradas durante a execução do Projeto, não se pode negar a importância social e o reflexo positivo na vida dos jovens que obtiveram êxito em sua participação durante o PJU. Jovens que tiveram a oportunidade de voltar a estudar, alguns deles adentraram no ensino médio e muitos sonhavam com uma formação superior. Jovens que, por meio da participação cidadã e da qualificação profissional, conseguiram sair da marginalidade e recuperaram a sua autoestima. É notório que esse Projeto envolveu não só os jovens, mas também toda a equipe técnica executora: Governo do Estado, Governo Federal, prefeituras municipais e todos os demais parceiros envolvidos. As discussões explanadas pelos autores de Governança permitem-nos compreender a grande dificuldade em alinhar os interesses dos entes envolvidos, em perceber a falta de preparo na formatação do Projeto e a relevância de se pensar as concepções de Governança já aplicadas em instituições privadas e públicas, conforme discutido por Fontes Filho (2003); BresserPereira (1997; 2007); Santos (1997); Santos (2009) e Araújo (2002). O objetivo do trabalho pautou-se em descrever as práticas de Governança estabelecidas no Projeto pelos atores envolvidos. Durante a pesquisa, foi relatado todo o processo de Governança entre os atores responsáveis pela execução do programa. Com a descrição dessas Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

práticas, pode-se afirmar que os resultados alcançados ao final do Projeto foram razoáveis, mas é essencial dizer que, se houvesse uma boa aplicação dos conceitos de Governança no PJU, os resultados seriam melhores e os recursos públicos desse Projeto seriam aplicados de maneira mais eficaz e, consequentemente, alcançaria a melhoria da formação educacional e profissional do público-alvo dessa política pública.

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Recebido em: 03 de dezembro (2013) Aceito em: 14 de maio

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O CRÉDITO RURAL NO BRASIL: O PERFIL DAS PESQUISAS ACADÊMICAS RURAL CREDIT IN BRAZIL: THE PROFILE OF ACADEMIC RESEARCH

Rodolfo Borges de Faria1 David Ferreira Lopes Santos2

Resumo O setor primário historicamente sempre foi um motor da economia brasileira, importante em questões como renda e emprego para a sociedade. Diante disso, o tema crédito rural na economia possui grande importância para o Brasil e pesquisas a respeito têm a mesma relevância, especialmente com o advento do agronegócio e toda a cadeia produtiva a ele ligada. Neste trabalho realizou-se um estudo bibliométrico de natureza descritiva, com a utilização da análise de conteúdo, sobre o tema “crédito rural no Brasil”, a fim de identificar a produção científica na área de Administração. Os trabalhos pesquisados foram publicados entre os anos de 2003 a 2012. Os resultados indicam: I) predominância do modelo qualitativo em relação ao quantitativo como estratégia de pesquisa; II) predominância dos assuntos Pronaf e Cooperativas de Crédito; III) diversidade de autores citados e pouca repetição de autores entre os trabalhos analisados, o que denota uma área de pesquisa em consolidação; IV) concentração dos trabalhos nos canais de publicação da SOBER; e V) necessidade de pesquisas empíricas que ampliem a análise do crédito rural nas cadeias do agronegócio. Palavras-chave: Agronegócio. Crédito rural. Pesquisa bibliométrica. ABSTRACT The primary sector has historically been an engine of the Brazilian economy, important in issues such as income and employment to society. Thus, the theme rural credit in the economy has high importance for Brazil and researches on have the same relevance, specially with the advent of agribusiness and all production chain linked to it. In this work we carried out a bibliometric study of descriptive nature with the use of content analysis on the topic “rural credit in Brazil”, in order to identify the scientific production in the Administration area. The studies reviewed were published between 2003 – 2012. The results indicate: i) predominance of qualitative model as compared to quantitative research strategy, ii) predominance of subjects Pronaf and Credit Cooperatives iii) diversity of authors cited and little repetition between the authors analyzed studies showing an area research consolidation iv) concentration of studies in journals of SOBER and v) need for empirical research to broaden the analysis of rural credit in agribusiness chains. Keywords: Agribusiness. Rural credit. Bibliometric research.

1  Graduado em Administração pela UNESP – Univ. Estadual Paulista (Câmpus Jaboticabal-SP). Funcionário do Banco do Brasil S.A. (Agência TaquaritingaSP). E-mail: rodolfofaria@hotmail.com. 2  Doutor em Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor Assistente Doutor na UNESP – Univ. Estadual Paulista junto ao Departamento de Economia Rural do Câmpus Jaboticabal-SP. E-mail: david.lopes@fcav.unesp.br.

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1 INTRODUÇÃO Estudos sugerem que a participação do volume de crédito em relação ao PIB (crédito/PIB) está diretamente relacionada ao grau de desenvolvimento de uma economia no sistema capitalista. Tal relação se explica pelo fato de que o dinamismo da economia e a distribuição de renda e riqueza da sociedade são influenciados pela disponibilidade de recursos voltados ao financiamento das atividades produtivas (FREITAS; PRATES, 2009). No Brasil a relação crédito/PIB apresenta-se de forma crescente nos últimos anos. De acordo com o Banco Central do Brasil (BACEN), o volume de operações de crédito no Brasil passou, em abril de 2005, de 26,3% para 49,6 % do PIB em abril de 2012. No entanto, mesmo com o crescimento significativo nos últimos anos, essa relação ainda se apresenta inferior à média dos países desenvolvidos, têm-se como exemplos para o ano de 2011: Estados Unidos (86,4%), França (95,4%), Itália (96,2%) e Holanda (134,7%) (BACEN, 2012). A importância do volume do crédito na economia torna-se ainda maior quando se trata de recursos direcionados para o setor primário, em especial, para o caso do Brasil, em função do potencial de crescimento do PIB agropecuário em relação ao PIB total, da possibilidade de melhoria na qualidade da agricultura familiar com reflexos no âmbito social do campo e dos benefícios oriundos da desconcentração urbana associada a maior disponibilidade de produtos agropecuários (MELO, 2009) e (CORDEIRO; TREDEZINI, 2010). Dados do BACEN (2013a) apontam para o montante de R$ 114,7 bilhões contratados na modalidade de crédito rural em 2012, sendo esse valor superior em 15% ao ano anterior, ressalta-se ainda que o crescimento real do crédito rural no Brasil, nos últimos 13 anos, foi de 6,48% a.a., valor superior ao crescimento do PIB nacional no período. A despeito da importância social e econômica do crédito rural para um país continental como o Brasil e o seu crescimento nos últimos anos, a participação do crédito rural na quantidade de créditos concedidos pelas instituições financeiras no país foi inferior a 5% em 2011 (BACEN, 2013a). Freitas e Aguiar (2009) apontam que as operações de crédito rural apresentam maiores riscos em detrimento das demais operações de varejo, o que desencorajou os bancos privados historicamente a adentrarem nesse mercado, apesar do recente crescimento dos bancos privados nacionais nesse setor. Coube, assim, aos bancos de controle estatal 146

e às múltiplas cooperativas de crédito o atendimento dessa demanda. Há, portanto, predominância dos bancos públicos nos financiamentos das atividades no setor rural. O Banco do Brasil é o maior cedente desse tipo de financiamento, responsável por 62,5% do crédito do SNCR - Sistema Nacional de Crédito Rural no ano de 2012 – safra 2012/2013, no qual é analisado o crédito cedido até 31/12/2012 (BACEN, 2013). Inobstante a participação marginal do crédito rural no mercado agregado de recursos para o financiamento da economia, este estudo teve como motivação inicial entender o nível e a amplitude da contribuição acadêmica sobre o tema. Essa questão se deve à perspectiva que igualmente a prática do mercado e as pesquisas sobre crédito rural ocupam uma menor posição frente aos estudos sobre o crédito bancário. Nessa esteira, postulou-se um estudo teórico, sob a episteme da pesquisa bibliométrica com natureza qualitativa, com o objetivo de identificar o perfil das pesquisas sobre crédito rural na área de Administração, de modo a permitir que futuras pesquisas nesse tema tenham um ponto de partida quanto às características gerais dos estudos nessa área. Ressalta-se que, nas fontes impressas e digitais consultadas, não foi encontrada pesquisa semelhante, salvo o trabalho de Jorge (1998), que compilou 422 resumos de trabalhos sobre crédito rural no Brasil até o ano de 1996, entretanto a obra não pode ser caracterizada como uma pesquisa bibliométrica, pois o autor não faz nenhuma avaliação do material levantado, apenas, a inclusão dos resumos na obra bibliográfica. Assim, este estudo assume um caráter diferenciado, pois cerca um tema de extrema relevância econômica e social para o país, porém sem despertar o mesmo interesse na academia e nas instituições financeiras privadas. Por isso, espera-se contribuir com as áreas de gestão e finanças voltadas à empresa ou ao produtor rural e as demais organizações integradas às cadeias do agronegócio a partir do entendimento dos perfis de pesquisas aplicadas ao crédito rural, bem como sinalizar para novos horizontes de estudos.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1. MERCADO DE CRÉDITO RURAL O crédito rural no Brasil foi institucionalizado em 1965 com a Lei nº 4.829, porém pesquisas acadêmicas Revista Gestão e Desenvolvimento


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Gráfico 1 - Evolução do crédito rural no Brasil entre os anos de 1969 a 2011 (R$ Bilhões) Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados do Bacen (2013a)

e a própria prática do crédito ao produtor rural já ocorriam antes desse período (JORGE, 1998), (SILVERSTRINE; LIMA, 2011). Atualmente o crédito rural é regulamentado pelo Banco Central do Brasil, através do Sistema Nacional de Crédito Rural, sob as diretrizes da política econômica definida pelo Conselho Monetário Nacional, em consonância com a política de desenvolvimento agropecuário (BACEN, 2013b). A evolução do crédito rural no Brasil apresenta no curso do tempo acentuada volatilidade, de modo que se podem segregar três grandes momentos, conforme o Gráfico 1. A primeira fase foi marcada por elevado crescimento até o final da década de 70, sendo que em 1979 o montante concedido em financiamentos foi o maior da história, alcançando mais de R$ 161 bilhões em valores reais para dezembro de 2012. Defante et al. (1999) explicam que o aumento no volume de créditos nesse período se deveu às taxas de juros negativas aplicadas aos financiamentos e ao processo de substituição das importações em que a economia brasileira estava inserida. Outro fator impulsionador foi a criação da conta movimento do Banco do Brasil, com o objetivo de captar recursos no sistema financeiro para aplicação nos financiamentos rurais. A intenção do governo era modernizar a produção agrícola brasileira. A segunda fase ocorreu na década de 80, quando altos e baixos caracterizaram o financiamento das atividades rurais. A volatilidade é explicada pela Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

extinção da conta movimento do Banco do Brasil e a indexação das taxas de juros dos financiamentos rurais à inflação; além disso, a política agropecuária voltou-se para os grandes produtores com foco na exportação (DEFANTE, et al., 1999). A dificuldade do governo em obter recursos como na década anterior desequilibrou a oferta de crédito rural frente à demanda, levando os produtores ao mercado de crédito tradicional (SILVESTRINE; LIMA, 2011). A terceira fase concentrou-se no início dos anos 90, quando a política de crédito rural focalizou os pequenos e os médios produtores. Para isso, o governo brasileiro aplicou taxas de juros variáveis aos financiamentos rurais, de forma que o grande produtor pagasse taxas mais elevadas que os médios e os pequenos (DEFANTE, et al., 1999). Silvestrini e Lima (2011) apontam também para o elevado nível de inadimplência dos produtores rurais nessa década, que contribuiu, inclusive, para os prejuízos do Banco do Brasil nos anos de 1995 e 1996; com efeito, o início da década evidenciou ainda mais a queda no volume do crédito cedido ao campo, alcançando o menor valor em 1996, com R$ 23,4 bilhões. Entretanto, com a revitalização do Proagro (1991) - Proagro Novo e a criação de novos programas governamentais, como o PRONAF (1996) – Programa Nacional de Agricultura Familiar, MODERFROTA (2000) e, mais recentemente, o PRONAMP (2010), Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural, bem como outras linhas de financiamento com recursos do BNDES (Moderagro, Moderinfra, Prodefruta, Prodeagro, Propflora, Prodecoop, Prolapec), houve a retomada da 147


Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014 Tabela 1 - Relação Exportação - Importação

Ano

Participação do Agronegócio nas Exportações (%)

Participação do Agronegócio nas Importações (%)

Relação ExportaçãoImportação (R$ bi)

2009

42,35

7,75

54,88

2010

37,86

7,35

63,01

2011

37,09

7,73

77,47

Fonte: adaptado de CONAB (2012)

Tabela 2 - Balança comercial brasileira e balança comercial do agronegócio de 2001 a 2011

Exportações

Importações

Saldo

Ano

Total brasil (a)

Agro (B)

% B/a

Total Brasil (c)

Agro (D)

% (D/c)

Total Brasil

Agro

2001

58,287

23,857

40,93

55,602

4,801

8,64

2,685

19,056

2002

60,439

24,840

41,10

47,243

4,449

9,42

13,196

20,391

2003

73,203

30,645

41,86

48,326

4,746

9,82

24,878

25,899

2004

96,677

39,029

40,37

62,836

4,831

7,69

33,842

34,198

2005

118,529

43,617

36,80

73,600

5,110

6,94

44,929

38,507

2006

137,807

49,465

35,89

91,351

6,695

7,33

46,457

42,769

2007

160,649

58,420

3637

120,617

8,719

7,23

40,032

49,701

2008

197,942

71,806

36,28

172,985

11,820

6,83

24,957

59,987

2009

152,995

64,786

42,35

127,722

9,900

7,75

25,273

54,886

2010

201,915

76,442

37,86

181,768

13,319

7,37

20,147

63,051

2011

256,040

94,968

37,09

226,238

17,497

7,73

29,802

77,471

Fonte: adaptado de CONAB (2012)

148

Revista Gestão e Desenvolvimento


Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014

evolução do crédito rural no país (PONTES; PADULA, 2005), (DEFANTE, et al., 2009), (PIZAIA, et al., 2009). Diante do crescimento recente do crédito rural no país, o BACEN (2013b sem paginação) define como objetivos para esse instrumento financeiro: I) estimular os investimentos rurais; II) favorecer o oportuno e o adequado custeio da produção e a comercialização; III) fortalecer o setor rural; IV) incentivar a introdução de métodos racionais no sistema de produção; V) propiciar a aquisição e a regularização de terras pelos pequenos produtores; VI) desenvolver atividades florestais e pesqueiras; VII) estimular a geração de renda para a agricultura familiar e o empreendedor rural. Assim, o crédito rural tem três finalidades básicas: o custeio das atividades, os investimentos em novos ativos e o das etapas de comercialização (BACEN, 2013b). Para tanto, as três modalidades de crédito são: 1) crédito rural corrente, que é a cessão de recursos para a atividade rural sem prestação de assistência técnica por empresa especializada; 2) crédito rural educativo, que é a cessão de recursos para a atividade rural juntamente à prestação de assistência técnica através de elaboração de projeto ou plano técnico e orientação ao produtor e; 3) crédito rural especial, que é o recurso cedido às cooperativas de produtores rurais e aos programas de colonização ou reformas agrárias previstos em lei (BACEN, 2013b). Freitas e Aguiar (2009) alertam, contudo, que o setor rural não compreende apenas a agricultura e a pecuária, mas também toda a cadeia associada ao agronegócio, como os insumos agropecuários, a agroindústria e a distribuição. Portanto, o crescimento da atividade primária tem potencial para refletir em toda a cadeia agroindustrial. Por isso, Freitas e Aguiar (2009) ainda afirmam que, em termos de PIB, de 2003 a 2008, a participação

da agropecuária foi em média 5,5%, enquanto, se levada em consideração toda a cadeia do agronegócio, essa margem sobe para 26,5%. Além da capacidade de geração de riqueza, o agronegócio ocupa importante papel na balança comercial brasileira, como se pode observar na Tabela 1. A última coluna apresenta, em valores nominais, a contribuição para o resultado na balança comercial brasileira, que, além de positiva, é crescente. Em complemento À tabela anterior, a Tabela 2 demonstra que, de 2001 a 2011, a participação do agronegócio no comércio internacional do país foi crescente, sendo que os valores nas colunas A, B, C e D são nominais em bilhões de reais. Destaca-se também que a produção agropecuária brasileira é diversificada, capaz de atender à demanda doméstica e ainda representar mais de 1/3 das exportações nacionais. Assinala-se que os principais produtos agrícolas junto à balança do agronegócio brasileiro são: soja, açúcar, álcool e algodão (CONAB, 2012). Diante do exposto, observa-se que, ao contrário de outros segmentos produtivos, o agronegócio e, em especial, o segmento primário são extremamente influenciados pela política agrícola, que, dentro do escopo de atuação, inclui as condições em que é ofertado o crédito rural. Portanto, pesquisar o crédito rural no país e em outras nações, suas possibilidades de aplicações e reflexos na economia, nas empresas e na sociedade constitui-se um dos elementos importantes ao desenvolvimento econômico e social do país, de modo que a publicação de resultados parciais ou finais das pesquisas realizadas é uma das formas de tornar a público o conhecimento que se desenvolve nas instituições de ensino superior e pesquisa.

Tabela 3 - Quantidade de periódicos pesquisados por estrato

Estrato classificação

Total de periódicos por estrato

Periódicos pesquisados

A1

76

1

A2

82

19

B1

102

50

Fonte: Elaborado pelos autores

Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

149


Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014

3 Material e Métodos A abordagem metodológica utilizada foi orientada pela perspectiva descritiva com natureza qualitativa. A expectativa, como prevista no objetivo do estudo, é entender o perfil das pesquisas que envolvem o crédito rural no país. A característica qualitativa deve-se à intenção de interpretar informações a respeito das publicações sobre crédito rural, de forma a encontrar significado ao comparar as informações dos estudos publicados. Foi observado que o único trabalho identificado com característica próxima a este foi desenvolvido por Jorge (1998), contudo não se tratava de uma pesquisa bibliométrica, apenas um levantamento de trabalhos (total de 422) catalogados em doze universidades brasileiras. Na análise dos resumos compilados, observa-se uma grande diversidade de trabalhos que envolvem desde teses de doutorado até notas de aulas. Nesse sentido, Bufrem e Prates (2005) e Ferreira (2010) assinalam que há uma grande dificuldade na atualidade em saber onde publicar e até mesmo a qualidade do veículo de publicação, em razão da grande quantidade de títulos existentes. Por isso, decidiu-se utilizar apenas revistas qualificadas no Webqualis, pois são periódicos que passam por processo de avaliação das grandes áreas do conhecimento da CAPES. No entanto, no Webqualis, as revistas são classificadas em oito estratos em cada uma das 48 grandes áreas do conhecimento, de maneira que uma mesma revista pode ser avaliada por mais de uma área e, em cada área de avaliação, receber classificações diferentes. Por isso, nesta pesquisa, optou-se pela pesquisa nas áreas da Administração, de Contabilidade e de Turismo, sendo que nessa área existem mais de 1.700 títulos registrados em todos os estratos. Diante disso, optou-se pelos três estratos com qualificação mais elevada (A1, A2 e B1), de modo que, como o interesse foi estudar o crédito rural no Brasil, delimitou-se a amostra para consulta às revistas nacionais. Assim sendo, a Tabela 3 apresenta a quantidade de periódicos pesquisados. Ressalta-se que a pesquisa foi realizada em dezembro de 2012, pois a CAPES avalia anualmente os periódicos, de modo que reclassificações são recorrentes, bem como a inclusão de novos títulos na base. Em adição, utilizaram-se, como fonte de dados, os Anais do Congresso da SOBER (Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural), 150

pois julgamos como o principal evento associado ao tema deste estudo no país, além de ser um evento classificado na área da Administração como “E2”. Os periódicos e os Anais da SOBER foram acessados pela internet, em que, nos sítios dos periódicos, foi solicitada, no sistema de busca/pesquisa, a expressão “crédito rural” no resumo/abstract e o tempo foi definido em 10 anos (2003-2012). A amostra resultante da pesquisa computou 25 artigos publicados, dentre os quais, 13 foram publicados nos Anais da SOBER e 12 artigos publicados em quatro periódicos distintos. O quantitativo encontrado nos Anais da SOBER justifica a importância da inclusão dessa fonte para levantamento dos artigos. A lista dos trabalhos utilizados encontra-se no apêndice deste artigo. A análise do perfil das pesquisas sobre o tema na área de administração abordou os tópicos: características metodológicas e técnicas de pesquisa; assunto discutido dentro do tema; autores proeminentes e respectivas áreas de estudo, principais citações utilizadas pelos autores; classificação do periódico nos estratos do Webqualis e o ano da publicação. Quanto às características metodológicas, foram estudadas as metodologias aplicadas nos estudos publicados, de forma a obter as características gerais, primeiramente, ao verificar qual modelo de pesquisa é o mais utilizado (qualitativo ou quantitativo) e, dentre cada modelo, quais as técnicas utilizadas. Essa identificação é importante, pois sinaliza a amplitude e a profundidade das pesquisas, bem como suas limitações e novas oportunidades metodológicas para explorar o tema. Em relação aos assuntos discutidos, foram analisados quais os temas mais estudados no universo da pesquisa, de forma a verificar quais os assuntos mais trabalhados e as possibilidades de pesquisas em tais assuntos, além de lacunas de estudos em assuntos pouco explorados, mas com relevada importância. O ano de publicação fez parte da análise deste trabalho, para demonstrar a atualidade de pesquisa e focar no que consistem as características correntes dos trabalhos publicados sobre crédito rural. Observa-se que não há um conjunto definitivo de itens para serem avaliados numa pesquisa bibliométrica. Segundo Ferreira (2010), cada pesquisa bibliométrica deve ser estruturada com o foco no objetivo pretendido, por isso, optou-se por esses itens, sendo que foram utilizados os trabalhos de Faro (2007) e Araújo, Oliveira e Silva (2012) como parâmetros, pois o foco das suas pesquisas Revista Gestão e Desenvolvimento


Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014

foi semelhante a esta, porém em áreas distintas (contabilidade e finanças). A discussão dos resultados foi suportada pela análise de conteúdo com perspectiva qualitativa (MORAES, 1999). Para tanto, utilizaram-se duas categorias abrangentes para análise: I) o assunto discutido em cada trabalho; e II) o método empregado. Sendo assim, todos os artigos foram analisados na sua totalidade, perfazendo um total de 553 páginas em leitura e discussão. Posteriormente, os resultados da análise foram agrupados para um melhor entendimento da amostra trabalhada. Em que pese às restrições do viés qualitativo da pesquisa, fruto da idiossincrasia dos pesquisadores, optou-se por essa abordagem em função da baixa quantidade de artigos para uma análise quantitativa robusta e, em especial, pelo tema que ainda demanda uma maior conformação teórica. Assim, a perspectiva qualitativa permitiu uma maior flexibilidade na análise, de modo a melhor explorar o conteúdo dos artigos (OLIVEIRA, 2007).

4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS O Gráfico 2 traz a distribuição agregada das abordagens metodológicas empregadas nos artigos analisados, no qual se observa uma maior quantidade nos métodos qualitativos (14) em relação aos quantitativos (11). As pesquisas qualitativas empregadas no estudo do crédito rural foram predominantemente teóricas, como se pode observar no Gráfico 3, com 14 pesquisas ao total, as quais são de revisão bibliográfica (4), pesquisa documental (5), estudo de caso (3) e análise de questionários (2).

Gráfico 2 – Metodologias adotadas nos artigos selecionados Fonte: Elaborado pelos autores

Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

A principal diferença encontrada nessas duas abordagens predominantes foi que a primeira se concentrava na discussão do tema por meio de estudos acadêmicos, e a segunda procurava integrar a análise de dados e conteúdos de fontes públicas ou não governamentais. Em todo modo, observou-se que todos os trabalhos buscaram construir bases para um melhor entendimento dos esforços e dos impactos do crédito rural em diversas dimensões, principalmente para a agricultura familiar ou para os pequenos e os médios produtores. A característica desses trabalhos teóricos, em certa medida, está relacionada com os demais artigos qualitativos, como os três trabalhos com método do estudo de caso e os dois estudos empreendidos com análise de questionários. Os cinco trabalhos focaram em cooperativas de pequeno e médio porte e em pequenos e médios produtores. Com relação aos trabalhos quantitativos, dos 11 classificados por essa abordagem, merece destaque a técnica de regressão logística, da qual três trabalhos fizeram uso. Os demais trabalhos utilizaram cada qual uma ferramenta diferente, conforme a Tabela 4. A regressão logística consiste numa técnica estatística que, a partir de um conjunto de observações, objetiva criar um modelo que preveja valores tomados por uma variável categórica, geralmente binária. Busca, portanto, descobrir padrões de determinado grupo dentro de uma população, ou uma tendência para algum tipo de comportamento. Essa técnica foi empregada para identificar perfis de comportamento dos tomadores de crédito rural e de políticas de crédito, sendo que todos trabalharam com amostras mais amplas. Os oito trabalhos complementares no uso de técnicas quantitativas foram heterogêneos em amostra

Gráfico 3 - Técnicas de pesquisas qualitativas usadas nos artigos selecionados Fonte: Elaborado pelos autores

151


Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014 Tabela 4 - Técnicas de pesquisas quantitativas usadas nos artigos selecionados

Ferramentas estatísticas

Quantidade de trabalhos

Regressão logística

3

Modelo teórico de ação planejada de Ajzem

1

Série temporal

1

Teste T de Student

1

Índice T de Theil

1

Matriz de correlação

1

Cálculo e análise de indicadores

1

Vetor autorregressivo Var

1

Regressão linear

1

Fonte: Elaborado pelos autores

Tabela 5 - Principais autores citados nos artigos selecionados

Autor

Instituição

Número de citações

Abramovay, Ricardo.

FEA – USP

10

Gasques, José Garcia.

UNESP/SOBER/MAPA

9

Resende, Gervásio Castro.

UFF / SOBER / IPEA

9

Buaianin, Antônio Márcio.

UNICAMP

6

Verde, Carlos Monteiro Villa.

IPEA

6

Mattei, Lauro Francisco.

UFSC

6

Fonte: Elaborado pelos autores

e foco, no entanto, importa ressaltar a predominância de modelos não paramétricos e, ainda que em apenas quatro se tenha observado o uso de dados agregados e com longo histórico do crédito rural, com efeito, a maior parte dos estudos apresentou restrições metodológicas pela conveniência das amostras utilizadas, cujas justificativas se concentravam na disponibilidade, no acesso e/ou desenvolvimento dos dados. No que tange aos assuntos abordados nos trabalhos, verifica-se, no Gráfico 4, a predominância de dois temas: PRONAF (9) e Cooperativas (6), concentrando 60% dos escopos pesquisados nos últimos 10 anos na área de Administração. 152

Verificou-se grande esforço em analisar o impacto do crédito rural no fomento ou na sustentabilidade e nas características das cooperativas de crédito, bem como das políticas públicas associadas ao PRONAF no desenvolvimento local. Esses dois temas concentraram quase que a totalidade das pesquisas qualitativas. Infelizmente, não se conseguiu agrupar em temas específicos as 10 pesquisas classificadas como “demais assuntos”, pois, de fato, os temas eram diversos, com questões de estudo específicas, sendo que essas concentraram boa parte dos trabalhos quantitativos. Para identificar a base teórica que sustentou esses trabalhos, assumiram-se, como tópico, os principais Revista Gestão e Desenvolvimento


Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014

autores citados. A Tabela 5 apresenta os autores com mais de cinco citações em todos os artigos selecionados Quanto às áreas centrais de estudo dos autores que mais foram citados, seguem os temas proeminentes no currículo dos autores: I) Ricardo Abramovay: Desenvolvimento Sustentável e Sociologia Econômica. II) Jose Garcia Gasques: Agricultura, Salários, Trabalho Volante e Urbano. III) Gervásio Castro de Rezende: Estrutura Agrária, Oferta de mão de Obra, Propriedade da Terra. IV) Antonio Marcio Buainain: Reforma Agrária, Agricultura Familiar, inovação tecnológica, agronegócio e propriedade intelectual. V) Lauro Francisco Mattei: Desenvolvimento econômico, desenvolvimento rural e territorial, economia brasileira e regional, economia do trabalho e políticas públicas de erradicação da pobreza e da exclusão social. VI) Carlos Monteiro Villa Verde: não foi possível identificar, pois o autor não possui currículo cadastrado na plataforma Lattes/CNPQ. Os principais autores sobre o tema concentram-se nas regiões sul e sudeste, em especial, no estado de São Paulo. A quantidade de autores citados nos trabalhos alcança mais de 300 títulos, o que demonstra que os autores elencados na Tabela 5 são importantes, mas não representativos no tema, confirmando, assim, que se trata de um campo de estudo no qual as pesquisas ainda estão em sedimentação. O Gráfico 5 apresenta a distribuição dos artigos junto aos periódicos consultados. Como já observado, 13 trabalhos foram selecionados junto aos Anais do Congresso da SOBER. Verifica-se que apenas três artigos sobre o tema foram publicados em fontes distintas da SOBER,

tendo em vista que 22 artigos foram publicados ou no Congresso ou na Revista dessa instituição que se apresenta, portanto, na área da Administração, como o principal canal para publicações sobre o tema. Essa constatação ressalta, por outro modo, a incipiência do tema como oportunidade de pesquisa na Administração, que pode ser justificada ou pela característica das pesquisas com vieses mais econômicos ou sociológicos e não tão gerenciais. Não obstante, optou-se pela não utilização de procedimentos para configuração de redes sociais na amostra utilizada em função da dispersão dos temas e da baixa quantidade títulos observados. Ressaltase que a média de autores por trabalho foi de 2,9 pesquisadores, cuja análise no Apêndice ratifica a inexistência de redes sociais consolidadas nesse tema. Assim, a consecução de tais procedimentos estatísticos para essa amostra tenderia a resultados que não refletem a estrutura de pesquisa desenvolvida no país no momento desta pesquisa. Apesar dessa concentração de artigos publicados nos canais da SOBER, observa-se, no Gráfico 6, que há uma tendência no crescimento desse tema junto à área da Administração. A variação encontrada em 2009 diz respeito à dificuldade em levantar os artigos do Congresso da SOBER naquele ano nos anais eletrônicos disponibilizados no domínio da SOBER na internet, quando da pesquisa. Os anos de 2010 e 2012 foram os mais representativos, nos quais, mesmo com o vale de apenas um artigo publicado sobre o tema em 2011, observa-se que, no período analisado, houve um crescimento móvel médio. Diante dos tópicos analisados e sob a perspectiva que norteou a análise dos artigos, pode-se avaliar que o tema Crédito Rural é um campo que demanda mais

Gráfico 5 - Classificação dos artigos amostrados segundo o conceito da CAPES Fonte: Elaborado pelos autores

Gráfico 4 - Assuntos abordados nos artigos selecionados Fonte: Elaborado pelos autores

Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

153


Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014

Gráfico 6 – Distribuição anual dos artigos selecionados Fonte: Elaborado pelos autores

investigações, em especial, aquelas que privilegiem estudos empíricos com abordagem qualitativa ou quantitativa. Em adição, a importância do crédito rural em outras organizações, além da agricultura familiar e das cooperativas, pode e deve ser explorado, como a empresa rural, a agroindústria e os institutos de pesquisa. Além disso, o foco, ainda concentrado na produção agropecuária, restringe as oportunidades de pesquisa em canais de publicação muito específicos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho intentou trazer o perfil das pesquisas acadêmicas sobre o Crédito Rural no Brasil sob o foco da Área da Administração. Apesar de o tema ser antigo e os contratos de crédito rural remontarem ao ano de 1965, não foram encontrados, na literatura pesquisada, textos que posicionassem o perfil dos estudos sobre o tema e quiçá com o foco na Administração. As bases que suportaram este artigo apresentaram a importância do agronegócio para a economia brasileira, que, apesar, dos reflexos na disponibilidade do crédito ao longo da história, mantém-se competitiva no mercado internacional. Dessa forma, a disponibilidade e o uso desse recurso financeiro com racionalidade podem impulsionar a competitividade das cadeias do agronegócio do Brasil e, com efeito, gerar valor econômico e social ao país, como maior disponibilidade de produtos, geração de emprego, renda e redução da concentração urbana. 154

Não obstante a importância conceitual do tema, as pesquisas sobre o crédito rural dentro da área de avaliação da Administração ainda são incipientes e restritas a canais especializados, o que pode refletir em análises mais orientadas à economia ou à sociologia rural. Nessa esteira, a maior proporção de artigos selecionados apresentou abordagens qualitativas e com perspectiva estritamente teórica, sugerindo que o tema ainda carece de maior conformação, situação corroborada pela ausência de autores com elevadas citações. Somente três artigos selecionados não foram publicados nos canais da SOBER (Congresso e Revista), o que indica a importância dessa organização para o tema, porém sinaliza para a oportunidade de desenvolvimento de novos canais, sejam em revistas, eventos, ou mesmo chamadas especiais sobre o tema. A polarização dos assuntos tratados nos trabalhos analisados em dois grandes temas (PRONAF e Cooperativas de Crédito Rural - 60% do total) também sugere novas oportunidades de pesquisa, tanto nas outras linhas de crédito rural, como também no alcance desse tema nas organizações que integram as cadeias do agronegócio. Inobstante o esforço em traçar o perfil das pesquisas acadêmicas, assinalam-se as limitações deste estudo: I) a seleção dos estratos Webqualis utilizados nesta pesquisa, pois é provável que uma maior inserção de níveis pudesse trazer novos artigos para análise ou a inclusão de trabalhos acadêmicos (relatórios de pesquisa, dissertações e teses), bem como o foco na Administração; II) o foco no Brasil também Revista Gestão e Desenvolvimento


Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014

é uma limitação, em razão da baixa participação do crédito rural no total de crédito concedido na economia, assim, estudos que envolvessem países com mais tradição nesse tipo de financiamento, como os europeus, poderiam trazer novas vertentes para o tema; III) a análise de conteúdo com viés qualitativo também carrega a limitação do entendimento e da análise dos autores deste trabalho, em que pese ao esforço em dirimir as parcialidades, reconhece-se que novas análises poderão trazer considerações distintas daquelas apresentadas. Por isso, este trabalho não é e não teve a pretensão de esgotar o assunto, mas objetivou trazer à superfície o panorama das pesquisas sobre um tema de relevada importância ao desenvolvimento do país, ainda que à margem das pesquisas que envolvem o crédito como agregado maior. Assim, as limitações, bem como as sugestões apresentadas tornam-se novas fronteiras de estudo e ações que versem para a ampliação e a solidificação do tema.

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155


Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014

PIZAIA, Marcia Gonçalves; AMORIM, Ivana Soares; CÂMARA, Marcia Regina Gabardo; CAMPOS, Maria de Fátima Sales de Souza; RIDÃO, Márcio Alexandre. O crédito rural no Brasil: modificações estabelecidas na política de crédito e seguro rural. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS REGIONAIS E URBANOS, 4, 2009, São Paulo, Anais eletrônicos... 2009. Disponível em < http:// aplicativos.fipe.org.br/enaber/pdf/159.pdf>. Acesso em: 30 ago. 2013. PONTES, Neivaldo Ramos; PADULA, Antonio Domingos. Avaliação dos impactos e transformações do programa MODERFROTA na indústria de máquinas agrícolas. In: CONGRESSO DE SOCIOLOGIA, ADMINISTRAÇÃO E ECONOMIA RURAL, 43, 2005, Ribeirão Preto. Instituições, Eficiência, Gestão e Contratos no Sistema Agroindustrial. Ribeirão Preto: SOBER, 2005, CD-Room. SILVESTRINI, André Dressano; LIMA, Roberto Arruda Souza. Securitização da dívida rural brasileira: o caso do Banco do Brasil de 1995 a 2008. Revista Economia e Sociologia Rural, Piracicaba-SP, v. 49, n. 4, p. 10211050, 2011.

APÊNDICE Trabalhos Pesquisados no Universo de Pesquisa Organizados por Estrato de Classificação e Ordem Alfabética de Autores. (continua)

AUTORES

TÍTULO

PERIÓDICO

ESTRATO

Rocha, F. E. C.; Albuquerque, F. J.B.; Coelho, J. A. M.; Mardonio, R. D.; Marcelino, M.Q.S.

Avaliação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar: A Intenção de Pagamento do Crédito

Psicologia: Reflexão e Crítica

A1

Almeida, P.N.A; Lima, R.A.S; Santos, V,C; Almeida, A.F.C; Shirota, R.

Concentração do crédito rural no estado da Bahia no período de 1999 a 2003

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

B1

Anjos, F.S; Godoy, W.I.; Caldas, N.V; Gomes, M.C.

Agricultura familiar e políticas públicas: o impacto do PRONAF no Rio Grande do Sul

Revista de Economia e Sociologia Rural

B1

Assunção, J.; Chein, F.

Condições de crédito no Brasil rural

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

B1

156

Revista Gestão e Desenvolvimento


Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014

(continuação)

AUTORES

TÍTULO

PERIÓDICO

ESTRATO

Barroso, M.F.G; Bialoskorski Neto, S.

Distribuição de resultados em cooperativas de crédito rural no estado de São Paulo

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

B1

Bianco, T.S.; Galante, V.A.; Gonçalves JR., C.A.

Análise da inadimplência em uma organização de microcrédito na região oeste do Paraná

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

B1

Bressan, V.G.F.; Braga, M.J.; Lima, J.E.;

Análise de Insolvência das Cooperativas de Crédito Rural do Estado de Minas Gerais

Estudos Econômicos

B1

Brum, A.L.; Dalfovo, W. T.; Brondani, M.; Lucca, E. J.

Análise Comparativa entre as relações de crédito agrícola destinado a Custeio, Ampliação e Investimento e a variação da produção da commodity Soja no período de 2000 a 2010 em Sorriso e Lucas Do Rio Verde–MT

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

B1

Carrer, M.J.; Souza Filho, H.M.; Vinholis, M.M.B.

Cattle beef credit market demand In The State Of São Paulo – Brazil

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

B1

Cordeiro, K.W.; Tredezini, C.A.O.

O crédito rural na região noroeste de São Paulo produtora de uva de mesa sob a ótica institucional

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

B1

Damasceno, N.P.I; Khan, A.S.; Lima, P.V.P.S.

O impacto do Pronaf sobre a sustentabilidade da agricultura familiar, geração de emprego e renda no Estado do Ceará

Sociedade Brasileira de Economia e Sociologia Rural

B1

Francio, N.F; Babireski, E.L.; Silva, R.T.P; Falchetti, S.A.; Silva, G.E.

As fontes e modalidades de financiamentos disponíveis para a produção agrícola no município de sinop/mt

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

B1

(continua)

Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

157


Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014

(continuação)

AUTORES

TÍTULO

PERIÓDICO

ESTRATO

Freitas, A.F.; Freitas, A.F.; Amodeo, N.B.P.; Braga, M. J.

“Entre a cruz e a espada”: Análise de um dilema do Cooperativismo de crédito rural solidário

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

B1

Guanziroli, C.E.

PRONAF dez anos depois: resultados e perspectivas para o desenvolvimento rural

Rev. Econ. Sociol. Rural

B1

Marcelo de Oliveira Garcia, M.O.; Castro, E.R.; Teixeira, E,C.

Eficácia do Pronaf-crédito no município de São Miguel do Anta/MG

Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional

B1

Martins, V.A.; Vian, C.E.F; Menegário, A.H.

Caracterização da concessão de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) na região de Tietê (SP): Lições e desafios.

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

B1

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(continua)

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Ano XI, v. 11, n. 2, Agosto 2014

(conclusão)

AUTORES

TÍTULO

PERIÓDICO

ESTRATO

Silva, E.K.; Oliveira, C.M; Almeida, R.H.C; Sousa, J.A.Q; Costa, A.D.

Políticas de crédito rural para mulheres no estado do Pará: o Pronaf - mulher e seus entraves

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Recebido em: 07 de outubro (2013) Aceito em: 28 de junho

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ANÁLISE DA SATISFAÇÃO DOS USUÁRIOS: CASO CRAS/MARCELINO VIEIRA-RN ANALYSIS OF THE USERS SATISFACTION: CRAS/MARCELINO VIEIRA/RN CASE

Luiza Maria da Silva1 Maxmiliano de Souza Lima2

RESUMO O setor de serviços continua crescendo e ganhando destaque ao longo dos anos. Os usuários de serviços estão mais exigentes em relação à qualidade dos serviços recebidos e para isso as organizações públicas devem buscar cada vez mais a eficiência e a qualidade na prestação de serviços à sociedade. Assim, o presente trabalho tem como objetivo avaliar o nível de satisfação dos usuários do Centro de Referência da Assistência Social - CRAS de Marcelino Vieira - RN em relação aos serviços ofertados pela instituição; com esse intuito, utilizou-se da abordagem quantitativa e da pesquisa do tipo descritiva. Para isso, foi desenvolvida uma pesquisa, na qual se utilizou a população ativa dos grupos de convivência de mulheres, gestantes e idosos através de um questionário com treze questões objetivas adaptadas de Morsch (2008) e uma de múltipla escolha adaptada do IPPS do Gespública, em que se buscou identificar o perfil socioeconômico dos entrevistados, a satisfação com os serviços e os fatores que determinam a satisfação dos usuários do CRAS. Enfim, conclui-se que o nível de satisfação dos usuários do CRAS é bom, pois os entrevistados, de modo geral, estão satisfeitos com os serviços ofertados na organização. Palavras-chave: Satisfação do cliente. Usuários de serviços. Serviço público. ABSTRACT The services sector is growing and gaining importance over the years. Services users are more demanding regarding the quality of the services received, and for that, public organizations must pursue more and more efficiency and quality in providing services to Society. Thus, this study aims to assess the users level of satisfaction of the Reference Center for Social Assistance - CRAS of Marcelino Vieira - RN, in relation to the services offered by the Institution; with this intention, we used a quantitative approach and descriptive research. For this, we developed a survey, which was used in the active population of women, pregnant women and elderly people companionship groups, through a questionnaire with thirteen objective questions adapted from Morsch (2008), and one of multiple choice adapted from Gespública IPPS, in which we sought to identify the socioeconomic profile of the respondents, the satisfaction with services and the factors that determine the CRAS users satisfaction. Finally, it was concluded that the CRAS users level of satisfaction is good, because the respondents, in general, are satisfied with the services offered in the organization. Keywords: Customer Satisfaction. Users of services. Public Service.

1

Bacharel em Administração Pública pela UFRN. E-mail: luizasilva.adm@hotmail.com.

2

Bacharel em Administração Pública pela UFRN. E-mail: maxmilianodesouzalimalm@gmail.com.

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1 INTRODUÇÃO O setor de serviços continua crescendo e ganhando cada vez mais destaque ao longo dos anos, e a satisfação de usuários, seja de serviços públicos ou privados, torna-se indispensável para o êxito das organizações nos dias atuais, pois eles estão mais informados, sabem e fazem uso dos seus direitos, buscando e exigindo serviços de boa qualidade, têm consciência de que é dever do Estado/organizações públicas a prestação eficiente de serviços. Os serviços são atividades desenvolvidas pela organização para atender às necessidades ou aos desejos dos seus usuários. De acordo com Grönroos (1995, p. 38), podem ser identificadas quatro características básicas, na maioria dos serviços, os quais são atividades ou uma série de atividades, intangíveis, produzidas e consumidas simultaneamente e, geralmente, o cliente participa do processo de produção. O Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) de Marcelino Vieira - RN trabalha especialmente com grupos desenvolvendo atividades socioassistenciais a famílias em risco de vulnerabilidade social, através de acompanhamento, apoio e orientação a essas famílias, e oferece os seguintes serviços: grupos de crianças, adolescentes, mulheres, idosos e gestantes, visitas domiciliares a gestantes pós-parto, beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e idosos, além de visitas e busca ativa a crianças e adolescentes que não estejam frequentando o grupo, encaminhamentos de benefícios ao BPC e cursos de geração de renda, com o objetivo de fortalecer os vínculos familiares e comunitários dessas famílias e minimizar a exclusão social existente no município. Os usuários estão cada vez mais exigentes em relação à qualidade dos serviços prestados, buscam serviços que lhes tragam conforto e prazer, e as organizações precisam inovar para satisfazê-los. Os estudos de satisfação dos usuários começaram primeiramente nos Estados Unidos e na Inglaterra na década de 1970 e, no Brasil, em 1990 (ESPERIDIÃO; TRAD, 2005). As organizações públicas sem fins lucrativos devem buscar oferecer serviços de qualidade e que atendam às necessidades dos usuários, buscando cada vez mais a eficiência na prestação de serviços. Avaliar a satisfação do usuário é muito importante para conhecê-lo, saber seus gostos, suas expectativas e necessidades, para, assim, analisar em que melhorar para melhor atendê-los. 162

A avaliação da satisfação dos usuários é de fundamental importância para as organizações, pois, através dela, é possível fazer as adequações necessárias para manter a sua eficiência, evitando desperdícios de tempo e recursos e oferecendo serviços de qualidade aos seus usuários/clientes. Partindo do pressuposto de que avaliar o nível de satisfação dos usuários ajuda no entendimento sobre as suas expectativas e as suas necessidades e de que a organização adquire subsídio para saber onde e como melhorar os seus serviços, evidencia-se como problema de pesquisa: “Qual o nível de satisfação dos usuários dos serviços prestados pelo Centro de Referência da Assistência Social - CRAS de Marcelino Vieira - RN?” O objetivo desta pesquisa é analisar o nível de satisfação dos usuários do Centro de Referência da Assistência Social – CRAS de Marcelino Vieira – RN em relação aos serviços prestados pela organização.

2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 SERVIÇOS Os serviços são atividades desempenhadas por instituições públicas ou privadas visando a suprir alguma necessidade do cliente ou usuário, ocorrem, quase sempre, da interação fornecedor/usuário, sendo necessária a preparação do fornecedor para lidar com diversas personalidades e/ou reações do usuário. Segundo Kotler (1998), “Serviço é qualquer ato ou desempenho que uma parte possa oferecer a outra e que seja essencialmente intangível e não resulte na propriedade de nada”. Os serviços são atividades que a organização se dispõe a oferecer ao usuário e que geram benefício a ele, proporcionando-lhe bem-estar e conforto; atendem a uma necessidade do usuário, mas não são um bem físico e não resultam na propriedade de nada. De acordo com Zeithaml & Bitner (2003, p. 28), serviços são: Ações, processos e atuações, incluindo todas as atividades econômicas cujo produto não é uma construção ou produto físico, é geralmente consumido no momento em que é produzido e proporciona valor agregado em formas (como conveniência, entretenimento, oportunidade, conforto ou saúde) que são essencialmente intangíveis de seu comprador direto.

Os serviços são atividades e não produtos, por isso, geralmente, são consumidos no ato em que são Revista Gestão e Desenvolvimento


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produzidos e, na maioria das vezes, é necessária a interação entre o usuário e o fornecedor dos serviços, gerando uma troca benéfica entre ambos. Para Téboul (1999), serviço é “uma série de atividades que normalmente acontecem durante as interações entre clientes e estruturas, recursos humanos, bens e sistemas do fornecedor, com fins e atender a uma necessidade do cliente”. Os serviços assumem quatro características básicas que os diferencia dos produtos. De acordo com Kotler (2002), essas características são: intangibilidade, os serviços não podem ser provados antes de adquiri-los; indivisibilidade, o serviço não pode ser separado do seu prestador; variabilidade, nenhum serviço é igual ao outro, variam porque os clientes não são iguais, nem as situações são as mesmas, até um mesmo serviço pode variar de cliente para cliente, ou de fornecedor para fornecedor, de acordo com as circunstâncias do momento; e perecibilidade, os serviços têm que ser consumidos assim que são produzidos, não podem ser armazenados ou estocados para uso posterior. As organizações voltadas para o cliente “proporcionam uma alta qualidade do produto ou serviço, não de acordo com as definições por elas próprias desenvolvidas, mas conforme o cliente define” (WHITELEY, 1992). As instituições devem oferecer serviços de qualidade aos seus usuários de acordo com as definições deles, pois são eles que vão usufruir desses serviços e, por isso, são eles que sabem o que irá lhes agradar, as organizações que são voltadas para os usuários deixam de lado as suas próprias definições de qualidade para atender às definições dos seus usuários. A gestão pública passou por diversos momentos. A Nova Gestão pública é a gestão orientada para resultados, contribuindo para a eficiência da máquina pública e para a melhoria dos resultados obtidos com as ações do Estado. Araújo (2010) fala sobre as principais características da nova gestão pública: Constituem idéias centrais da Nova Gestão pública um Estado administrativo ao estilo da iniciativa privada; contratos de gestão entre unidades; avaliação de desempenho; ênfase em resultados; redução do poder da burocracia; focalização na eficiência; busca de mecanismos regulatórios; introdução sistemática de conceitos de produtividade; flexibilidade; competitividade administrada; participação dos agentes sociais e controle dos resultados; foco no cidadão, orçamento e avaliação por resultados e performance; fortalecimento e aumento da autonomia da burocracia; descentralização na formulação e execução

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de políticas e por fim maior autonomia às unidades executoras.

A nova gestão pública apresenta características muito bem-estruturadas e que podem oferecer aos governantes o subsídio necessário para alcançar uma gestão que gere resultados positivos para os estados, ou seja, uma gestão eficiente. Cabral Neto (2009), afirma que A gestão por resultados é, hoje, a principal estratégia para fortalecer a efetividade das políticas públicas. Para tanto, é preciso orientar a administração pública por metas e indicadores, o que requer não apenas alterações institucionais como também mudanças na cultura política.

A gestão por resultados é a forma mais eficiente de governar, pois visa a alcançar resultados para a instituição e para os cidadãos e, assim, gerar serviços públicos eficazes. Pietro (2006) define serviços públicos como “toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente as necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.” Os usuários de serviços públicos, atualmente, buscam serviços eficientes que atendam as suas necessidades de forma satisfatória, não aceitam mais, com o pretexto de ser público, receber qualquer serviço, as organizações precisam atender às expectativas dos seus usuários, oferecendo serviços eficientes e eficazes.

2.2 QUALIDADE DO SERVIÇO A qualidade é percebida quando o usuário nota que o serviço recebido é desempenhado de maneira correta por pessoas capacitadas e que é exatamente o que ele precisa. Segundo Lobos (1993, p. 38), “Qualidade é a condição de perfeição ou se preferir, do exato atendimento das expectativas do cliente. Pode ser atribuída a qualquer coisa ou ação, integrante ou resultante de um processo”. Como o autor fala, o serviço apresenta qualidade se for compreendido o exato atendimento das necessidades do usuário. Moura (1999) define que a “qualidade é definida como sendo a conformidade entre o que se produz com aquilo que o cliente quer, de modo que suas expectativas sejam superadas e sua satisfação alcançada”. 163


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De acordo com Ferreira (1975, p. 1165), “a qualidade é uma das categorias fundamentais do pensamento: maneira de ser que se afirma ou se nega de uma coisa”. Kotler (2001, p. 549) esclarece que os princípios da qualidade de serviços são o acesso, a comunicação, a competência dos seus funcionários, a credibilidade da empresa, a confiança nos serviços prestados, a receptividade, a segurança nos serviços, a tangibilidade, a compreensão e o conhecimento do cliente. Para satisfazer os usuários e manter a qualidade dos serviços, a organização precisa atentar para os princípios acima citados. A qualidade dos serviços oferecidos pela organização à sociedade contribui para a satisfação e/ou insatisfação dos usuários, pois, se o serviço é de boa qualidade, eles reconhecem e têm prazer ou satisfação com ele, do contrário, se o serviço ofertado não corresponde às suas expectativas, se sentem insatisfeitos e não o buscam com frequência. O Instrumento Padrão de Pesquisa de Satisfação (IPPS) do GESPÚBLICA é um modelo de medição da satisfação com o serviço público, é um questionário de opinião que investiga o nível de satisfação dos usuários de serviços públicos, tendo sido desenvolvido para se adequar a qualquer organização pública, com o objetivo de “permitir às organizações com poucos recursos implementarem uma avaliação de satisfação ‘caseira’, mas, mesmo assim, metodologicamente rigorosa, e por isso, útil” (GESPÚBLICA, 2013). As organizações públicas precisam oferecer serviços de qualidade aos seus usuários, pois a qualidade que a instituição oferece é o que vai fazer com que o usuário nela permaneça e sinta-se satisfeito com os serviços dos quais se utiliza.

2.3 SATISFAÇÃO DO USUÁRIO Atualmente as empresas cada vez mais buscam saber se os seus clientes estão satisfeitos ou insatisfeitos com os seus serviços, pois a satisfação dos usuários de uma instituição, seja ela pública ou privada, indica que se eles estão gostando dos serviços ofertados por ela, uma vez que os usuários estão mais exigentes e cobrando da gestão pública serviços de qualidade. A satisfação do cliente é um dos assuntos mais estudados na Administração de Marketing (HOFFMAN, 2001; FARIA, 2005). Segundo Juran (1992), “Satisfação do cliente é um resultado alcançado quando as características do

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produto correspondem às necessidades do cliente”. Os usuários de serviços esperam e desejam que as organizações lhes ofereçam os serviços dos quais necessitam - se um usuário procura uma instituição em busca de uma informação, um documento que a organização é obrigada a fornecer, e consegue o que precisa, o serviço corresponde às suas necessidades e ele estará satisfeito. Para Oliver (1997, p. 13): Satisfação é a resposta de preenchimento do consumidor. É o julgamento de que um aspecto de um produto ou serviço, ou o próprio produto ou serviço, oferece (ou está oferecendo) um nível prazeroso de preenchimento relacionado ao consumo, incluindo níveis de preenchimentos baixos e altos.

Os usuários de serviços públicos, assim como os de empresas privadas, devem sentir prazer ao consumir algum serviço do qual a instituição dispõe e esse prazer pode ser em níveis altos ou baixos, cabe à organização fazer os ajustes necessários para a melhoria dos serviços, para que seus clientes alcancem níveis de prazer altos em relação ao consumo. Segundo Kotler (2000, p. 58), “Satisfação é o sentimento de prazer ou de desapontamento resultante do desempenho esperado pelo produto (ou resultado) em relação às expectativas da pessoa.” O mesmo autor acrescenta que satisfação consiste na confirmação ou no desapontamento em relação às expectativas dos consumidores no que diz respeito a um determinado produto ou serviço (KOTLER, 2007). Quando as expectativas dos clientes em relação aos serviços/produtos são correspondidas, eles se sentem satisfeitos. A satisfação dos usuários de serviços deve ser cada vez mais incentivada dentro das organizações públicas e os gestores, orientados a buscá-la, pois não é porque os serviços são gratuitos para o consumidor que devem ser ofertados de qualquer forma, eles devem ser ofertados visando ao melhor atendimento das necessidades da população que deles necessita.

2.4 SATISFAÇÃO E INSATISFAÇÃO A satisfação, assim como a insatisfação, é gerada por diversos fatores, alguns incontroláveis, mas muitos podem ser prevenidos pelas instituições para obterem êxito.

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“Satisfação é a avaliação de que a experiência foi pelo menos tão boa quanto deveria ser” (HUNT, 1977). Quando o usuário recebe um serviço e este atende às suas expectativas, a satisfação é a demonstração de que o serviço atendeu ao propósito para o qual foi solicitado/buscado e que não deixou a desejar. Sobre insatisfação, segundo Beber (2000), “para a maioria dos autores e praticantes, a insatisfação é tratada como se fosse à ponta contrária de um contínuo onde na outra ponta estaria a satisfação, ou não é mencionada diretamente”. O mesmo autor acrescenta que existem evidências de que a insatisfação pode ser algo diverso da satisfação, ainda que ambos os conceitos estejam extremamente relacionados (BEBER, 2000). Para Bleuel (1990), “os atributos que geram a satisfação e a insatisfação não são os mesmos, e quando são, possuem pesos diferentes”. Os atributos geradores da satisfação e da insatisfação possuem pesos diferentes porque depende da avaliação de cada usuário a respeito do serviço recebido, o que pode causar satisfação em um usuário pode causar insatisfação ao outro, mas não necessariamente pelo mesmo motivo. A insatisfação é gerada quando os usuários não gostam dos serviços que recebem da instituição, gerando, então, um sentimento de descontentamento em relação ao serviço prestado pela entidade, ou seja, o não suprimento das suas necessidades ou expectativas.

3 METODOLOGIA A pesquisa será descritiva, pois tem como objetivo analisar e descrever o grau de satisfação dos usuários do Centro de Referência da Assistência Social - CRAS de Marcelino Vieira - RN em relação aos serviços ofertados pela instituição. A pesquisa descritiva objetiva conhecer e interpretar a realidade sem nela interferir para modificá-la (CHURCHILL, 1987). Esta pesquisa é um estudo de caso, pois irá tratar de satisfação com os serviços no CRAS, que é objeto de estudo, aprofundando-se, portanto, na realidade do CRAS especificamente. Ela é quantitativa, caracterizada pelo emprego de estatísticas, ou seja, há quantificação dos resultados. A população é o conjunto de todos os elementos que apresentam pelo menos uma característica em comum. Já a amostra é um subconjunto, ou seja, uma parte da população. A população desta pesquisa é formada por 71 usuários de serviços do CRAS de Marcelino Vieira,

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trata-se da população ativa dos grupos de convivência de idosos, mulheres e gestantes. São 13 usuários do grupo de idosos, 21 do grupo de mulheres e 37 do grupo de gestantes. A pesquisa se deu através de amostragem, a amostra foi de 41 usuários, ou seja, 58% da população ativa dos grupos em análise, sendo oito idosos, o que equivale a 20%, 14 mulheres (34%) e 19 gestantes (46%) da população estudada, o critério utilizado para a retirada da amostra foi entrevistar todos os usuários presentes na reunião no dia da entrevista, a qual foi realizada no segundo semestre de outubro de 2013 com as gestantes que se encontravam na reunião e, nos grupos de idosos e mulheres, foi realizada em seus próprios endereços, fornecidos pelo CRAS, visto que não houve reuniões para eles no período da aplicação dos formulários. A pesquisa foi realizada com autorização prévia da coordenadora do CRAS. Como instrumento de pesquisa de campo, utilizase um Formulário com 13 perguntas fechadas adaptado de Morsch (2008) e uma pergunta de múltipla escolha a respeito dos fatores determinantes da satisfação, adaptada do IPPS do Gespública. Para verificar o nível de satisfação dos entrevistados, será utilizada uma escala Likert de 1 a 5, sendo que 1 representa sempre; 2 é quase sempre; 3 é indiferente; 4 representa raramente e 5 é nunca. A análise dos dados tem por objetivo transformar o volume de dados coletados em leitura interpretável e assimilável. Kerlinger (1980, p. 353) definiu o processo de análise de dados como a “categorização, ordenação e sumarização de dados”. O método de análise utilizado será a estatística descritiva, utilizando-se de gráficos para expor porcentagens. A análise dos dados será realizada através do programa de planilha eletrônica Microsoft Office Excel. Com base nas estatísticas descritivas, será analisado qual o nível de satisfação dos usuários de serviços do CRAS, para que, assim, seja possível analisar ainda quais os aspectos do serviço que precisam ser melhorados ou reforçados.

4 ANÁLISE DOS DADOS Neste capítulo constam os resultados da análise dos dados obtidos após a aplicação e a tabulação dos formulários de pesquisa aplicados aos usuários dos grupos de idosos, mulheres e gestantes do Centro de Referência da Assistência Social - CRAS de Marcelino Vieira – RN.

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4.1 PERFIL DOS PESQUISADOS Os respondentes são 98% do gênero feminino e apenas 2% do masculino, o que mostra que a maioria dos usuários do CRAS é do sexo feminino, como mostra o Gráfico 1. Esse resultado se deve ao fato de a maior parte dos respondentes pertencer ao grupo de mulheres e gestantes, 80%, conforme o Gráfico 2.

Gráfico 3 – Faixa Etária Fonte: Dados da pesquisa (2013)

Gráfico 1 - Gênero dos pesquisados Fonte: Dados da pesquisa

Gráfico 4 – Escolaridade Fonte: Dados da pesquisa (2013)

Dessa forma, verificou-se, através dos dados coletados, que os pesquisados são, na sua maioria, mulheres, visto a maior parte ser do grupo de mulheres e gestantes, com idade entre 25 a 49 anos e que cursou apenas o ensino fundamental.

4.2 SATISFAÇÃO COM OS SERVIÇOS Gráfico 2 – Divisão da amostra (2013) Fonte: Dados da pesquisa (2013)

A faixa etária encontra-se distribuída entre menos de 25 anos, com 22%, de 25 a 49 anos, com 41%, e, acima de 50 anos, 37% dos pesquisados, como mostra o Gráfico 3. Quanto à escolaridade, como consta no Gráfico 4, a maioria dos entrevistados - 58% - estudou até o ensino fundamental, 37% cursaram até o ensino médio e poucos dos pesquisados, apenas 5%, disseram ter ensino superior. 166

Quando se perguntou se os serviços correspondem às expectativas, 68% dos pesquisados responderam que sempre, 29% falaram que quase sempre e apenas 3% disseram que nunca tiveram suas expectativas confirmadas, como mostra o Gráfico 5. Pode-se considerar que os serviços do CRAS respondem às expectativas dos seus usuários, visto que, se juntados os usuários que responderam sempre e quase sempre, somam-se 97% de usuários com as expectativas confirmadas. Os serviços ofertados na organização devem corresponder às expectativas dos usuários, pois a confirmação de expectativas os deixa felizes e satisfeitos. Revista Gestão e Desenvolvimento


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O Gráfico 6 mostra que 83% dos respondentes afirmaram que os serviços ofertados no Centro de Referência da Assistência Social sempre trazem benefícios para a sua vida, proporcionando bem-estar e conforto, e 17% responderam que quase sempre obtêm benefícios, o que mostra que os serviços do CRAS satisfazem os seus usuários ao beneficiá-los, de modo que os serviços recebidos atendem as suas necessidades, deixando-os satisfeitos. De acordo com o Gráfico 7, quando se questionou sobre a possível melhora na qualidade de vida, 76% dos usuários responderam que sempre e 24% disseram que quase sempre apresentaram melhoras na qualidade de vida após começarem a frequentar a organização. Logo, se os serviços recebidos trazem melhorias para a vida do usuário é porque a instituição está oferecendo serviços de qualidade. A qualidade do serviço contribui para a satisfação dos usuários, fazendo com que continuem na instituição.

Gráfico 7 – Qualidade de vida melhor Fonte: Dados da pesquisa (2013)

Juran (1992) ressalta que a satisfação do usuário é alcançada quando o serviço recebido corresponde às suas expectativas, e Kotler (2007) afirma que a satisfação dos usuários consiste na confirmação de expectativas. Se o serviço corresponde ao desejado, traz benefícios aos usuários, melhorando sua qualidade de vida. A satisfação do usuário com o serviço recebido é um misto de expectativas correspondidas com os benefícios advindos dele, de maneira a atender as suas necessidades e trazer melhora para a sua qualidade de vida. A satisfação dos usuários deve ser cada vez mais incentivada nas organizações públicas e os gestores devem ser orientados a buscá-la.

4.3 ESTRUTURA DA ORGANIZAÇÃO Gráfico 5 – Expectativas correspondidas Fonte: Dados da pesquisa (2013)

Gráfico 6 – O serviço oferece benefícios Fonte: Dados da pesquisa (2013)

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As instalações da organização (salas de espera, atendimentos e outras), segundo os usuários, são tranquilas, iluminadas e confortáveis, pois 83% dos pesquisados, quando questionados a respeito, disseram sempre e 17% falaram que quase sempre elas apresentam conformidade com o quesito em análise, conforme o Gráfico 8. Segundo o Gráfico 9, pode-se dizer que o CRAS possui estrutura totalmente ou, pelo menos, quase adaptada a todos os tipos de usuários (crianças, idosos, deficientes, etc.), porque, quando se perguntou a respeito de a organização ser ou não adaptada, 49% dos respondentes disseram que sempre, 41% afirmaram que quase sempre; apenas 5% responderam ser indiferente e 5% falaram que nunca.

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conhecimento necessário para desempenhar o seu serviço, 15% falaram que quase sempre e apenas 2% responderam raramente, como consta no Gráfico 11, então, segundo os usuários, a equipe do Centro de Referência da Assistência Social é qualificada e capacitada para desempenhar os seus serviços. Sobre a atenção da equipe e o repasse de orientações aos usuários, o Gráfico 12 mostra que

Gráfico 8 – Instalações tranquilas, iluminadas e confortáveis adaptadas Fonte: Dados da pesquisa (2013)

Gráfico 10 – Crachás de identificação Fonte: Dados da pesquisa (2013)

Gráfico 9 – Estrutura da organização Fonte: Dados da pesquisa (2013)

A instituição precisa apresentar estrutura de boa aparência física, ser adaptada a todos os possíveis usuários e ser tranquila, iluminada e confortável, entre outros quesitos para, então, possuir uma boa imagem corporativa junto à sociedade. Kotler (2001) relata que o acesso às organizações é um princípio que leva o usuário aàsatisfação.

4.4 RELACIONAMENTO COM A EQUIPE O Gráfico 10 mostra que apenas 17% dos entrvistados dizem que a equipe CRAS sempre usa crachás, 20% disseram que quase sempre, isso porque, em alguns grupos, foram confeccionados crachás para o grupo, 29% responderam ser indiferente, 27% responderam que raramente e 7% falaram que os profissionais da instituição não utilizam crachás, logo, considerando que a maioria dos pesquisados, 29 %, são indiferentes e que raramente e nunca somam 34%, pode-se dizer que a equipe do CRAS nãofaz uso de crachás no seu dia a dia. A respeito do conhecimento da equipe do CRAS, a maioria dos usuários, 83%, disse que ela tem o 168

Gráfico 11 – Conhecimento da equipe Fonte: Dados da pesquisa (2013)

93% concordam que a equipe/CRAS sempre os atende de forma atenciosa e lhes dá as devidas orientações, ao passo que 7% responderam quase sempre, o que mostra que a equipe CRAS é atenciosa e orienta os seus usuários quando é necessário. A equipe do CRAS, conforme o Gráfico 13, passa confiança e segurança, pois 95% dos usuários se sentem seguros e confiam nos profissionais e os outros 5% responderam que quase sempre confiam na equipe. Quando se questionou se os usuários do CRAS ficam à vontade com a equipe, 93% disseram sempre, 5% quase sempre e 2% raramente, conforme o Gráfico 14. Então, pode-se dizer que os usuários do CRAS se sentem à vontade com os funcionários da instituição. Revista Gestão e Desenvolvimento


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A equipe do Centro de Referência da Assistência Social deve manter um bom relacionamento com os usuários, para isso, recomenda-se que toda a equipe utilize crachás de identificação. É necessário demonstrar conhecimento, ser atenciosa e orientar sempre que necessário, como já vem sendo feito, para que os usuários se sintam seguros, confiantes e fiquem à vontade com a equipe, trazendo satisfação aos usuários e credibilidade para a equipe e a organização. Gráfico 12 – Atenção da equipe e Orientações aos usuários Fonte: Dados da pesquisa (2013)

Gráfico 13 – Confiança na equipe Fonte: Dados da pesquisa (2013)

4.5 RECURSOS E DISPONIBILIDADE DA EQUIPE Segundo os usuários entrevistados, 76% responderam que sempre, 20% falaram que quase sempre, 2% disseram raramente e 2% nunca ao se perguntar se os dias e os horários de atendimento no CRAS são favoráveis para eles, como consta no Gráfico 15. Logo, os usuários estão satisfeitos com os dias e os horários de atendimento no CRAS. Em relação a um espaço adequado para reclamações ou sugestões, os usuários encontramse bem divididos: 25% disseram sempre; 22%, quase sempre; 17% são indiferentes; 7% responderam que raramente e 29% responderam que nunca, como mostra o Gráfico 16. Então, pode-se dizer que, de acordo com as respostas obtidas, se somadas as pessoas que não quiseram opinar- indiferente, raramente e nunca - 53% - a instituição não disponibiliza um espaço adequado para esse fim, por exemplo, Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC ou simplesmente uma caixa própria para os usuários fazerem reclamações ou sugestões de forma anônima, na recepção ou em outro local, acessível a todos os usuários.

Gráfico 14 – Usuários ficam à vontade com a equipe Fonte: Dados da pesquisa (2013)

Téboul (1999) relata que os serviços acontecem durante a interação entre usuário e recursos humanos com a finalidade de atender a uma necessidade do usuário. Para isso, é necessário que os prestadores de serviços estejam preparados e bem capacitados. Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

Gráfico 15 – Dias e horários favoráveis Fonte: Dados da pesquisa (2013)

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Portanto, a instituição precisa e deve sempre se atualizar para atender aos seus usuários de maneira a aperfeiçoar os seus serviços para melhor atendê-los e, assim, obter a sua satisfação.

4.7 DETERMINANTES DA SATISFAÇÃO

Gráfico 16 – Espaço adequado para reclamações ou sugestões Fonte: Dados da pesquisa (2013)

As organizações públicas, assim como as privadas, precisam de recursos materiais e humanos para disponibilizar ao usuário serviços que satisfaçam suas necessidades de forma satisfatória, gerando serviços eficientes e eficazes.

Os fatores que geram satisfação aos usuários do CRAS são: bom atendimento - 47% dos respondentes; conhecimento dos funcionários - 29%, qualidade no serviço - 12%; bom humor dos funcionários - 7%; e facilidade de acesso - 5% dos entrevistados, como mostra o gráfico 18. De acordo com a pesquisa acima descrita, os fatores que mais geram satisfação aos usuários do CRAS são o bom atendimento, o conhecimento dos funcionários e a qualidade no serviço.

4.6 SATISFAÇÃO GERAL De acordo com a pesquisa, conforme o Gráfico 17, os usuários do CRAS, de modo geral, estão satisfeitos com a instituição, os serviços oferecidos e os profissionais que nela trabalham, pois, quando questionados a respeito, 68% responderam que sempre e 32% falaram que quase sempre estão satisfeitos. A satisfação do usuário é gerada pelo contentamento em relação a um dado serviço ou organização, quando os usuários gostam e sentem-se satisfeitos. De acordo com Oliver (1997), satisfação é a resposta de preenchimento do consumidor em relação ao serviço consumido, deixando-o satisfeito.

Gráfico 17 – Satisfação geral Fonte: Dados da pesquisa (2013)

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Gráfico 18 – Determinantes da satisfação Fonte: Dados da pesquisa (2013)

São inúmeros os fatores que determinam a satisfação dos usuários, alguns deles citados acima, no entanto deve-se levar em consideração o estado psicológico do usuário, pois os mesmos fatores que podem satisfazer muitos usuários podem não satisfazer outros, não exatamente pelo mesmo motivo, ou, em algum momento da vida, o fator que satisfaz um usuário no presente pode não mais satisfazê-lo no futuro, se um fator satisfaz ou não um usuário depende do seu estado psicológico no momento da avaliação. Enfim, os usuários do Centro de Referência da Assistência Social de Marcelino Vieira, em sua maioria, estão satisfeitos com os serviços oferecidos na organização. Revista Gestão e Desenvolvimento


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5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES A satisfação dos usuários de serviços é de suma importância tanto para as organizações, pois, se os usuários estão satisfeitos, é porque a instituição está desempenhando de forma eficiente os seus serviços, quanto para os usuários, que, se estão satisfeitos, é sinal de que estão gostando dos serviços recebidos. Através dos dados coletados, verificou-se que os pesquisados são, na sua maioria, mulheres, visto que a maior parte é do grupo de mulheres e gestantes, com idade entre 25 a 49 anos e que cursaram apenas o ensino fundamental. De acordo com a pesquisa realizada na instituição em outubro/2013, os fatores que mais geram satisfação aos usuários do CRAS são o bom atendimento - para 46% dos respondentes; o conhecimento dos funcionários para 30% - e a qualidade no serviço - para 12% dos entrevistados. Sobre possíveis falhas em ralação aos serviços recebidos, os usuários mostram-se satisfeitos quanto aos quesitos estrutura da organização, pois, a maioria, ao ser questionada sobre a organização ser tranquila, iluminada e confortável, 83% responderam sempre e 49% disseram que ela é adaptada a todos os usuários. Os usuários também estão satisfeitos com o relacionamento com a equipe, pois 29% são indiferentes ao uso de crachás, 83% disseram que os profissionais têm o conhecimento necessário para desempenhar o seu serviço, 93% falaram que os funcionários do CRAS sempre os atende de forma atenciosa e lhes dão as devidas orientações, 95% dos usuários sentem-se seguros e 93% ficam à vontade com a equipe. Em relação aos recursos e à disponibilidade da equipe, 76% concordam que os dias e os horários são favoráveis, no entanto, para a maioria dos usuários, 53%, a instituição não disponibiliza um espaço adequado para reclamações ou sugestões; quanto às expectativas e às percepções, 68% dos pesquisados falaram que tiveram suas expectativas correspondidas. Logo, pode-se dizer que o nível de satisfação dos usuários do CRAS é bom, pois 68% dos respondentes dizem sempre estar, de modo geral, satisfeitos com os serviços ofertados na organização. A pesquisa irá contribuir significativamente para a melhoria dos serviços prestados pela organização, pois ela poderá identificar seus pontos fortes e fracos e, assim, oferecer serviços que melhor atendam às demandas dos seus usuários. Como sugestão de melhorias, recomenda-se que a equipe da instituição faça o uso de crachás de

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identificação para facilitar a comunicação com os usuários e disponibilize um espaço adequado para que eles possam, de forma anônima, apresentar sugestões ou fazer reclamações, por exemplo, confeccionar uma caixa e colocar na recepção ou em outro local da instituição acessível a todos os usuários para esse fim. Recomenda-se ainda que a instituição, quando possível, faça pesquisas de satisfação com os seus usuários, pois ajudam a organização a encontrar possíveis falhas na prestação dos seus serviços e corrigilas, evitando insatisfação por parte dos usuários, e contribui para a prestação de serviço eficiente. O presente trabalho limitou-se aos usuários do CRAS de Marcelino Vieira, mas pode ser realizado em outros CRAS ou outras instituições públicas, então, sugere-se a realização de novos trabalhos sobre a satisfação dos usuários do CRAS, pois ela não pode e não deve ser considerada como atingida definitivamente, com o passar do tempo, os usuários mudam e mudam também os seus gostos e as suas expectativas.

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Recebido em: 23 de março Aceito em: 28 de junho

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RESENHAS REVIEWS Religião e Política



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MEIRELLES, Mauro; et al. Sociologia: trabalho, ciência, cultura e diversidade. Porto Alegre: CirKula, 2013. Recebido em: 30 de maio Aceito em: 08 de junho

Régis Leonardo Gusmão Barcelos1

O livro Sociologia: Trabalho, Ciência, Cultura e Diversidade, organizado por Mauro Meirelles, Daniel G. Mocelin, Leandro Raizer, Valdir Pedde e Graziele R. Schweig, publicado pela editora CirKula em 2013, abre a coleção “Olhares Contemporâneos” e constitui uma referência oportuna para o público interessado em conhecer alguns dos temas centrais das Ciências Sociais, sobretudo, para profissionais que lecionam sociologia no Ensino Médio. Ele é o resultado do esforço de um conjunto de pesquisadores que atuaram e, ainda atuam, junto ao Laboratório Virtual e Interativo de Ciências Sociais (LAVIECS-UFRGS), coordenado pela Prof. Dr.ª Luiza Helena Pereira. A obra tem como um de seus propósitos contribuir para a definição de o que ensinar no Ensino Médio, na medida em que visa a apresentar os conteúdos programáticos por meio de temas e questões clássicas e contemporâneas das Ciências Sociais. Diante do contexto recente de aprovação da obrigatoriedade do ensino de Sociologia e Filosofia no Ensino Médio, sancionada pela Lei nº 11.684 (2008), podemos destacar, entre as características da obra, a produção de textos que tratam de temas emergentes e que realçam a natureza dos conteúdos da disciplina, visando a estimular a prática da imaginação sociológica (PEREIRA, 2012). Não seria proveitoso discorrer sobre o livro sem apresentar brevemente os argumentos centrais de cada artigo, embora os textos estejam articulados com uma ampla e complexa discussão temática das Ciências Sociais. O livro está dividido em quatro grandes partes, abrangendo quatro eixos temáticos: Trabalho, Ciência, Cultura e Diversidade. Trabalho O primeiro texto, produzido por Daniel Gustavo Mocelin, Olhares fundadores: a sociologia de Marx, Durkheim e Weber, explora os aspectos centrais acerca das concepções de análise da realidade social dos três autores clássicos da sociologia. Para sistematizar a importância desses pensadores, o texto destaca os aspectos contextuais da época e as suas respectivas biografias. Esses dois pontos constituem elementos-chave para a diferenciação em termos das teorizações iniciais, das concepções científicas e metodológicas e dos conceitos elaborados pela sociologia clássica. Cabe destacar que o texto reforça a ideia de que, apesar das diferentes teorias produzidas pelos três autores, há maior complementaridade entre elas do que propriamente contradições. Considerados os aspectos centrais da sociologia clássica, a categoria trabalho é tratada de modo aprofundado por Valdir Pedde em Alienação, solidariedade e racionalização: o trabalho no pensamento dos clássicos da Sociologia. No que se refere à abordagem de Marx, o texto é desenvolvido em três partes, destacando o método dialético, a influência da organização do trabalho na sociedade, o trabalho como mercadoria e o conceito de alienação. A partir das contribuições de Durkheim, o texto destaca a ênfase na divisão do trabalho em detrimento do trabalho em si, visto que a divisão do trabalho está diretamente vinculada à solidariedade social. Diferentemente dos anteriores, há o destaque para a pequena centralidade do trabalho na teoria de Weber, destacando o trabalho na modernidade como reflexo de um processo de racionalização da vida social. Outras categorias clássicas da sociologia são tratadas por Leandro Raizer e Mauro Meirelles em Estratificação e Desigualdade social: olhares clássicos e contemporâneos, destacando as formas como os clássicos tratavam o tema e apresentando uma síntese de algumas das diversas visões contemporâneas. Considerando que as categorias

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Doutorando no Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: rgbarcelos@gmail.com.

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são sócio-históricas, Luis Fernando Santos Corrêa da Silva, em Globalização, novas tecnologias e mudanças no mundo do trabalho, trata da intrínseca e complexa relação entre o processo de globalização, o surgimento das novas tecnologias informacionais nas últimas décadas e o novo cenário do mundo do trabalho. O sindicalismo também se tornou outro tema revisitado devido às transformações sociais, econômicas e políticas recentes. Em Trabalho, Sindicalismo no Brasil: de 1930 até o fim do governo Lula, Naiara Dal Molin examina a relação entre sindicato e Estado no Brasil, destacando a criação do sindicato corporativista, o Novo sindicalismo e os debates sobre a Reforma Sindical. Ciência O segundo eixo temático compreende três contribuições que discutem as diferentes dimensões da ciência como um objeto de estudo das Ciências Sociais. O texto de Cléber Cristiano Prodanov, intitulado Ciência, tecnologia e inovação: ferramenta para o desenvolvimento da sociedade, discorre acerca do papel da ciência em nosso cotidiano, destacando as formas como a ciência está presente em tecnologias e inovações tecnológicas de produtos e serviços no contexto social recente. Em Ciência e processo de produção do conhecimento científico, Vitor Simonis Richter e Rodrigo Ciconet examinam as diversas contribuições sociológicas que analisam a ciência, especificamente destacando as dimensões sociais que contextualizam a produção do conhecimento científico. Norberto Kuhn Junior, em Tópicos sobre Ciência, Sociedade e Autoria no mercado de ideias: o lugar da ciência no mundo, sublinha o duplo processo de valoração social do discurso científico, de um lado, em termos da aplicação da ciência a produtos tecnológicos, do outro, o uso da ciência como o próprio produto, visto que o discurso científico é utilizado pelas mídias sociais para produzir “verdades” sobre as coisas e seu funcionamento. Cultura O terceiro eixo temático é introduzido pelo texto Conceitos fundantes na Antropologia: sobre cultura, etnocentrismo e relativismo cultural, produzido por Mauro Meirelles e Valéria Aydos, o qual apresenta as diferentes concepções de cultura nas correntes antropológicas e discute a definição do conceito de cultura em relação às outras noções clássicas da antropologia social, como etnocentrismo, estranhamento e relativismo cultural. Em Mitos e Lendas Gaúchas: do Folclore à Antropologia, Ceres Karam Brum aborda o mitos e as lendas gaúchas como exemplos de narrativas folclóricas, enfatizando o seu papel em termos de construção de identidades nacionais e regionais. Além disso, a autora aprofunda a discussão utilizando as ferramentas analíticas da antropologia na interpretação do imaginário social presente no folclore. Em Cultura erudita e cultura popular: entre dissonâncias e correspondências, José Rogério Lopes e André Luiz da Silva salientam a importância dos fatores históricos e sociais na construção da oposição entre cultura erudita e cultura popular. Definições próximas à anterior são desenvolvidas em Cultura de massa e consumo: onde meios, mensagens e pessoas se cruzam, de autoria de Cesar Steffen. Regatando as correntes norte-americanas (H. Lasswell) e europeias (Escola de Frankfurt), o texto destaca a relação intrínseca entre cultura de massa, consumo e meios de comunicação de massa. Diversidade A partir de relato de trajetória pessoal, em Educando para a diversidade: a Iniciação Científica com uma atividade extraclasse, Wrana Panizzi e Mauro Meirelles introduzem o quarto eixo e ressaltam a importância de dois aspectos na formação educacional: o respeito à diferença, dada a necessidade de as universidades lidarem, cada vez mais, com um público não especialista, e as atividades extraclasse, como a iniciação científica e tecnológica para os jovens. Nesse mesmo argumento, Cledes Antonio Casagrande, em Educando para a diversidade: um olhar a partir da Universidade, discute o papel da Universidade na formação profissional e cidadã, problematizando a lógica da formação estritamente técnica e condicionada pelas demandas dos setores produtivos. Em Os índios no Brasil: políticas de Estado e direitos indígenas, Márcio Martins dos Santos atenta para os desafios das organizações públicas e não públicas na inclusão de populações tradicionais, discutindo a conquista de direitos sociais dos indígenas no Brasil, sobretudo, a partir da Constituição de 1988. Considerando a Educação um direito social fundamental, Rosa Maria Castilhos Fernandes, em Educação e desigualdade social: quando as minorias étnicas adentram a Universidade, discute os aspectos históricos, os teóricos e as polêmicas envolvidas nas políticas de ações afirmativas de inclusão das populações afrodescendentes e indígenas na Universidade brasileira. O último texto do eixo Diversidade é desenvolvido por Valdir Pedde, Mauro Meirelles, Leandro Raizer e Fátima Liliane Oliveski Roth, intitulado As políticas públicas no Brasil e a inclusão escolar das pessoas com deficiência: problematizado os doxas instituintes, o qual trata do histórico da educação especial no Brasil e do processo de implementação do 176

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Programa Educação Inclusiva: Direito à diversidade. Os autores sublinham que o esforço do sistema público brasileiro para incluir as crianças e jovens com deficiência teve início apenas no final dos anos 1990, em grande parte, influenciado por instituições internacionais. Conclui-se que o livro é uma referência pertinente para os diversos profissionais que atuam, direta e indiretamente, no ramo das Ciências Sociais. A obra é destinada a um público abrangente, que varia de estudantes de universidades até professores que atuam no ensino de Sociologia nas escolas. Tratando de temas, objetos e questões das Ciências Sociais, o livro visa a subsidiar os docentes no processo de elaboração de programas de ensino, rompendo com o discurso ideológico e ensinando a Ciência Social como ciência (MORAES, 2014). Semelhante a outras obras (MEC, 2010), “Sociologia: Trabalho, Ciência, Cultura e Diversidade” não objetiva fornecer modelos e receitas de aulas - embora existam sugestões e estratégias de aplicação em sala de aula ao final de cada artigo -, mas apresentar, com adequada profundidade, alguns temas, quadros teóricos e metodologias das Ciências Sociais.

Referências MEC. Sociologia: ensino médio. Brasília. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. 304 p. Coleção Explorando o Ensino. V. 15. 2010. MEIRELLES, M. et al. Sociologia: Trabalho, ciência, cultura, diversidade. Coleção Olhares Contemporâneos. Porto Alegre: CirKula. 440 p. 2013. MORAES. Amaury Cesar de. Ciência e Ideologia na prática dos professores de Sociologia no Ensino Médio: da neutralidade impossível ao engajamento indesejável, ou seria o inverso? Educação e Realidade, v. 39, n. 1, 17-28 p. Porto Alegre. 2014. PEREIRA, Luiza Helena. Sociologia no Ensino Médio: socialização, reprodução ou emancipação? Revista Percursos. V. 13, n 1. 60-80 p. Florianópolis. 2012. SILVA, Ileize Luciana Fiorelli. O ensino das Ciências Sociais/Sociologia no Brasil: histórico e perspectivas. In: Sociologia: ensino médio. Coordenação de Amaury César Moraes. Brasília. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. 2010.

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Normas para Apresentação de Trabalhos Standards for Paper Presentations

1. Gestão e Desenvolvimento publica trabalhos inéditos e relacionados a assuntos específicos das áreas de Administração, Ciências Contábeis, Comunicação Social, Direito e Turismo. As produções enviadas são submetidas à análise e parecer do Conselho Editorial – interno e externo. O fluxo operacional é contínuo para recebimento de artigos. 2. Os trabalhos devem ser preparados para a publicação neste periódico (publicação semestral) em consonância com as instruções expressas nestas normas (vide item 6), sob a forma de trabalho científico, através do qual o(s) autor(es) poderá(ão) descrever, com precisão e clareza, o estudo realizado (documental, bibliográfico, de campo etc.), abordando os objetivos, o problema e hipótese, a metodologia, os resultados obtidos e considerações finais (conclusões), amparando-se no conhecimento acumulado e compartilhado pela literatura específica da área para fundamentar suas proposições, escolhas, justificativas e análises. 3. O texto original do artigo será encaminhado através do e-mail revistaicsa@feevale.br, desde que atenda às Normas de Publicação previstas. Não será acolhido trabalho em desconformidade. Também deve acompanhar Termo Autorização para publicação, devidamente assinado pelo(s) autor(es), no caso de o trabalho lograr aprovação pelo Conselho Editorial da Revista. 4. Recomenda-se que os trabalhos sejam apresentados em folhas de papel A4 (297x210mm), numa única face, com margens superior e esquerda de 3 cm, inferior e direita de 2 cm, em fonte Times New Roman, corpo 12, alinhamento justificado, espaçamento entrelinhas 1,5. Os artigos devem conter no mínimo 12 e no máximo 25 laudas (incluindo bibliografia, notas rodapé e resumos). 5. O artigo científico apresentado deve contemplar a seguinte estrutura: Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

5.1. Título do artigo: fonte Times New Roman, corpo 12, centralizado, negrito, caixa alta; em inglês: fonte Times New Roman, corpo 12, itálico, caixa alta. O título deve ser claro e objetivo, podendo ser complementado por um subtítulo. Deve ser escrito na mesma língua do texto e seguido da versão para outro idioma. Evitar abreviaturas, parênteses e fórmulas que dificultem a compreensão do conteúdo do artigo. Quando se tratar de uma tradução, o(s) nome(s) do(s) tradutor(es) e o título original do trabalho devem constar em nota de rodapé. 5.2. Autoria: alinhados à direita, nome completo do primeiro autor seguido dos demais (se houver) em ordem alfabética. Cada um em novo parágrafo. Breve síntese do currículo do(s) autor(es) deve constar em nota de rodapé com no máximo 3 linhas por autor (aproximadamente 300 caracteres com espaços); deve iniciar com a graduação máxima e fechar com o e-mail do autor. É necessário informar se o artigo já foi apresentado em congresso, seminário, simpósio etc. 5.3. Resumo/Abstract: O resumo é a apresentação concisa dos pontos relevantes de um documento (ABNT NBR 6028). Deve ser escrito de forma clara, coerente e objetiva, usar a terceira pessoa do singular e os verbos na voz ativa. Deve ser uma sequência de frases concisas e não uma simples enumeração de itens. Nos artigos científicos será usado o modelo de resumo indicativo que, por sua vez, apresenta apenas os pontos principais do documento, não se reporta a dados qualitativos, quantitativos etc., mas somente a indicador(es) geral(is) revelado(s) pelo estudo. Sua extensão terá entre 150 e 250 palavras, redação em parágrafo único, em fonte Times New Roman, corpo 12, espaço simples. Apresentar versão em português e em um outro idioma: abstract em inglês, resumen em espanhol. Recomendase que sejam revistos por falantes com domínio dos respectivos idiomas. Os Resumos e Abstracts devem ser seguidos de três a cinco palavras-chave/keywords, naquela língua, precedidos do termo Palavras-chave ou 179


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Keywords. As palavras-chave/Keywords são separadas entre si por ponto e finalizadas também por ponto. 5.4. Introdução: deve apresentar: a delimitação do assunto; a justificativa quanto à importância e possíveis contribuições; o problema de pesquisa; hipótese (se houver); o(s) objetivo(s) do estudo; o ponto de vista sob o qual o assunto será tratado; o método proposto ou metodologia básica utilizada; a razão da escolha do método e dos procedimentos metodológicos; enfim, os elementos necessários para situar o tema do trabalho. Informar também as sessões que integram o artigo com breve contextualização do conteúdo de cada uma delas. 5.5. Fundamentação teórica/levantamento bibliográfico: as ideias devem ser apresentadas e discutidas de forma sistematizada e lógica – dedutivamente ou indutivamente – a partir de um marco teórico; utilizar citações e referências bibliográficas conforme normas ABNT (item 6). 5.6. Método ou Metodologia – detalhamento dos procedimentos e material utilizados na pesquisa; ou seja, método, tipo(s) de pesquisa, universo estudado (população e amostra), a técnica de coleta de dados e instrumentos de pesquisa. É a base para que o estudo tenha valor científico. 5.7. Resultados e Análise: apresentação dos dados representativos obtidos com a pesquisa. A análise/discussão apresenta correlações com os fatos observados e a literatura da área (vínculos teóricos/citações). A discussão permite e sugere: oportunidade de concordar ou discordar dos resultados obtidos por outros pesquisadores e já mencionados na fundamentação teórica; estabelecer relações, deduções paralelas, possíveis generalizações e mesmo identificar falhas de correlação; exposição comentada utilizando linguagem clara e objetiva na qual o autor se posiciona em relação aos resultados obtidos. 5.8. Conclusão/Considerações Finais: parte final do trabalho baseada nas evidências disponíveis e pertinentes ao objeto de estudo. As conclusões devem ser precisas e claramente expostas, cada uma delas fundamentada nos objetos de estudo; relacionar os resultados obtidos com o problema de pesquisa e possível(is) hipótese(s) levantada(s); evidenciar o que foi alcançado com o estudo e a possível aplicação dos resultados da pesquisa; informar sobre possíveis limitações; podem ser sugeridos outros estudos que complementem a pesquisa ou para questões surgidas no seu desenvolvimento; recomendações de ordem prática podem ser incluídas.

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5.9. Referências: as referências devem respeitar as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas – NBR 6023. Serão apresentadas no final do texto, em ordem alfabética a partir do sobrenome do autor, fonte Times New Roman, corpo 12, alinhamento à margem esquerda, espaçamento entrelinhas 1,0, espaço duplo entre obras, e sem numeração das fontes. O principal sobrenome de cada autor é seguido de vírgula e do nome, e outros sobrenomes. Títulos de livros e periódicos devem constar em negrito. A exatidão das referências e a correta citação no texto são de responsabilidade do(s) autor(es) do trabalho. As referências bibliográficas devem respeitar o formato que aparece nos seguintes exemplos: Livro: ANDERY, Maria Amélia P. A.; et al. Para Compreender a Ciência: uma perspectiva histórica. 5 ed. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1994. Capítulo de livro: ADORNO, Sérgio. Adolescentes, crime e violência. In: ABRAMO, Helena Wendel (Org.); et al. Juventude em Debate. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 97-109. Artigo em periódico: BURITY, Joanildo A. Novos paradigmas e estudo da religião: uma reflexão anti-essencialista. Religião e Sociedade. Rio de Janeiro, v. 21, n. 01, p. 41-66, abr. 2001. Teses e Dissertações: JUNGBLUT, Airton Luiz. Nos Chats do Senhor: um estudo antropológico sobre a presença evangélica no ciberespaço brasileiro. Porto Alegre. Tese (Doutorado em Antropologia Social). 2000. 5.10. Anexos e/ou apêndices: constituindo-se de material complementar ao texto, devem ser incluídos somente quando imprescindíveis à sua compreensão. 6. O padrão editorial obedecerá às prescrições da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), com especial destaque para: 6. 1 Citações bibliográficas curtas (até três linhas) são inseridas no texto, entre aspas. Citações longas (mais de três linhas) devem constituir parágrafos independentes, digitados em espaço simples e recuados a 4 cm da margem esquerda, em fonte Times New Roman, corpo 10, sem aspas. 6. 2 Todas as citações diretas longas e curtas devem seguir-se do sobrenome do autor, ano da publicação e número da página. Exemplos: (BATESON,

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2003, p. 20); segundo Bateson (2003, p. 20). No caso de paráfrase (citação indireta), usar, por exemplo, Bateson (2003). Não utilizar idem ou ibidem. 6. 3 As notas de rodapé devem restringir-se a comentários e/ou observações pessoais, destinando-se a prestar esclarecimentos ou tecer considerações que não devam ser incluídas no texto, para não interromper a sequência lógica da leitura. Devem ser colocadas na parte inferior da página e iniciar com a chamada numérica recebida no texto, sem parágrafo, a partir de 1. Se houver nota no título, esta recebe asterisco e não numeração. Serão digitadas com fonte Times New Roman, corpo 10, espaço simples (1,0) entrelinhas. As notas não devem ser utilizadas para referência bibliográfica. 6. 4 Quadros, gráficos, tabelas e figuras devem ser numerados, ter título e indicação da fonte, ficam inseridos no corpo do texto impresso, com as respectivas legendas, observando-se as normas ABNT. Apenas as iniciais do título devem estar em maiúsculas. 7. Os originais recebidos são analisados previamente pela editoria da revista Gestão e Desenvolvimento, mantendo-se em sigilo a autoria

1. Gestão e Desenvolvimento publishes original and related papers to specific subjects of Administration, Accounting, Social Media, Law and Tourism areas. The submitted papers shall be submitted to analysis and opinion of the Editorial Board - internal and external. The operational flow is continuous to receive articles. 2. The papers should be prepared for publication in this journal (biannual publication) in accordance to the instructions expressed in these guidelines (see Item 6), in the scientific paper form, through which the author(s) may describe with precision and clarity the conducted study (documentary, bibliographic, of field, etc.), by addressing the objectives, problem and hypothesis, methodology, results and final considerations (conclusions), sustaining themselves in the accumulated knowledge and shared by the specific literature of the area to justify his propositions, choices, justifications and analysis. 3. The article’s original text will be sent through the email: revistaicsa@feevale.br, since it meets the provided Publishing Guidelines. Papers in disagreement will not be accepted. It also must follow the Authorization Term for publication, signed by the author(s) in case the paper achieves approval by the Journal Editorial Board.

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dos textos. O editor responsável reserva-se o direito de aceitar ou não os trabalhos encaminhados, bem como recusar trabalho para o qual foram solicitadas alterações e essas não foram atendidas. Após a etapa prévia, acima aludida, o artigo será submetido à avaliação de pelo mínimo dois professores pareceristas que fazem parte do Conselho Editorial, ou outros convidados (ad hoc). 8. A publicação não implica nenhuma espécie de remuneração. Para cada artigo publicado, são concedidos ao(s) autor(es) dois exemplares da Revista. 9. A Revista não se obriga a devolver os originais enviados. Os textos aceitos serão disponibilizados integralmente em versão impressa da Revista. 10. O cumprimento da lei que rege “os direitos autorais”, em qualquer tipo de uso e menção, é de exclusiva competência e responsabilidade do(s) autor(es) do trabalho. 11. Os artigos publicados são de inteira responsabilidade do(s) seu(s) autor(es), não representando a posição oficial do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas ou da Universidade Feevale.

4. It is recommended that the papers are submitted on A4 (297x210mm) paper sheets, singlesided, with the upper and left margins with 3 cm, and the bottom and right with 2 cm, Times New Roman source, size 12, justified alignment, spacing 1.5 between lines, preferably in Portuguese or translated. The articles should contain a minimum of 12 and maximum of 20 pages (including bibliography, footnotes and abstracts). 5. The submitted scientific paper should include the following structure: 5.1. Title of the article: in Portuguese: Times New Roman source, size 12, centered, bold, uppercase; in English/Spanish: Times New Roman source, size 12, italic, uppercase. The title should be clear and objective, and may be accompanied by a subtitle. It should be written in the same language of the text, followed by the version to another language. Avoid abbreviations, parentheses and formulas that make it difficult to understand the content of the article. In the case of a translation, the name(s) of the translator(s), and the title of the paper should appear in a footnote. 5.2. Author: aligned to the right, full name of the first author followed by the others (if any) in alphabetical order. Each one in a new paragraph. A

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brief summary of the author(s) curriculum must appear in a footnote to a maximum of 3 lines per author (about 300 characters with spaces); it must start with the maximum degree and be closed with the author’s email. It is necessary to state whether the article has been presented at a conference, seminar, symposium, etc. 5.3. Summary/Abstract: The abstract is a concise presentation of the relevant points of a document (ABNT NBR 6028). It should be written in a clear, consistent and objective manner, using the singular third person and the verbs in the active voice. Must be a sequence of concise sentences and not a mere list of items. In the scientific articles it will be used the model of the indicative summary that, in its turn, presents only the main points of the document, it does not refer to qualitative, quantitative data, etc., but only to general indicator(s) revealed by the study. Your extension will have between 150 and 250 words written in a single paragraph in Times New Roman source, size 12, single spacing. Present a version in Portuguese and another language: Abstract in English, Resumen in Spanish. It is recommended that it is revised by speakers with the respective languages domain. Summaries and Abstracts must be followed by three to five palavras-chave/keywords in that language, preceded by the word Palavras-chave or Keywords. The Palavras-chave/Keywords are separated by a dot and also finished by a dot. 5.4. Introduction: This should present: the delimitation of the subject, the justification of the importance and potential contributions, the research problem, hypothesis (if any), the aim(s) of the study, the point of view under which the selected subject will be treated, the proposed method or used basic methodology, the reason for choosing the method and methodological procedures, and finally, the necessary elements to situate the paper’s theme. Also inform the sessions incorporating the article with a brief contextualization of each one’s content. 5.5. Theoretical basis/bibliographical survey: ideas must be presented and discussed in a systematic and logical way - inductively or deductively - from a theoretical reference, use citations and references according to ABNT regulations (Item 6) 5.6. Method or Methodology - detailing the procedures and materials used in the research, i.e., method, type(s) of research, studied universe (population and sample), the technique of data collection and research instruments. It is the basis for the study to have scientific value. 182

5.7. Results and Analysis: presentation of representative data obtained from the research. The analysis/discussion presents correlations between the observed facts and the literature in this area (theoretical links/citations). The discussion allows and suggests: opportunity to agree or disagree with the results obtained from other researchers and the already mentioned theoretical basis, establish relationships, parallel deductions, generalizations, or even, identify possible correlation failures, commented exposition using clear and objective language in which the author stands in relation to the obtained results. 5.8. Conclusion/Final Considerations: final part of the paper based on the available evidence and appropriate to the object of study. The findings must be accurate and clearly stated, each of them supported by the object of study, correlate the results with the research problem and raised possible(s) event(s), highlight what has been achieved in the research and the possible application of the research results, inform about possible limitations, other studies that complement the research or towards arising issues in their development may be suggested, practical recommendations can be included. Book: BARMAN, R. J. Brazil: The Forging of a Nation, 17981852. Stanford: Stanford University Press, 1988. Book chapter: BUTTEL, F. H. Social Institutions and Environmental Change. In REDCLIFT, M. & WOODGATE, G. (orgs.). The International Handbook of Environmental Sociology. UK, Edward Elgar, 1997. Article in journal: CATTON, W. R. Jr. Foundations of Human Ecology. Sociological Perspectives v. 37, n 1, p. 75-95, 1994. Thesis and Dissertations: Borkowski M. M. Infant sleep and feeding: a telephone survey of Hispanic Americans. Mount Pleasant (MI): Central Michigan University. (Description of the Thesis or Dissertation). 2002. 5.9. References: references must meet the standards of the Brazilian Association of Technical Standards - NBR 6023. They will be presented at the end of the text, in alphabetical order, from the author’s surname in uppercase letter, Times New Roman source, size 12, aligned in the left margin, line spacing 1.0, dual spacing between works and unnumbered Revista Gestão e Desenvolvimento


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sources. The main surname of each author is followed by a comma and the name, and other names. Titles of books and journals should appear in bold. The references accuracy and the correct citation in the text are responsibility of the paper’s author(s). 5.10. Attachments and/or Appendices: constituting supplementary material to the text, they should be included only when essential to their understanding. 6. The editorial standards shall conform to the requirements of the Brazilian Association of Technical Standards (ABNT), with special emphasis to: 6.1 Short bibliographic citations (three lines) are inserted in the text in quotation marks. Long citations (more than three lines) shall be in separate paragraphs, typed in single spacing and retreated 4 cm from the left margin, in Times New Roman source, size 10, without quotation marks. 6.2 All long and short direct quotations should follow the author’s surname, year of publication and page number. Examples: (BATESON, 2003, p. 20), according to Bateson (2003, p. 20). In the case of paraphrases (indirect citation), one can use, for example, Bateson (2003). Do not use idem or idem, ibidem. 6.3 Footnotes should be limited to comments and/or personal observations, and they are intended to provide clarification or make considerations that should not be included in the text, in order to not interrupt the logical sequence of reading. They should be placed at the bottom of the page and start with the incoming call number in the text, without paragraph, from # 1. If there is a note in the title, this receives

an asterisk and non-numeration. They will be typed in Times New Roman source, size 10, single spacing (1.0) between lines. Footnotes should not be used for bibliographic references. 6.4 Charts, graphs, tables and figures must be numbered, contain title indicating the source; they are inserted into the body of the printed text, with their respective subtitles, observing ABNT standards. Only the initials of the title should be capitalized. 7. The original papers are analyzed previously by the editors of Gestão e Desenvolvimento magazine, keeping confidential the authorship of the texts. The Chief Editor reserves the right to accept or refuse the submitted papers, as well as, refuse papers for which they were requested and these changes were not met. After the previous step, alluded above, the article will be submitted for review of at least two peer professors who are part of the Editorial Board or other guests (ad hoc). 8. Publication does not imply in any form of compensation. For each article published, are granted to the author(s) two copies of the Journal. 9. The Journal does not undertake to return the submitted original papers. The accepted papers will be available in full printed version of the Journal. 10. Compliance with the law that governs “copyright”, in any kind of use and mention, it is the sole competence and responsibility of the paper’s author(s). 11. The published articles are of entire responsibility of the author(s) and do not represent the official position of the Institute of Applied Social Sciences, nor Feevale University.

UNIVERSIDADE FEEVALE Instituto de Ciências Sociais Aplicadas – ICSA Revista Gestão e Desenvolvimento E-mail: revistaicsa@feevale.br ERS 239, 2755 - Vila Nova - Novo Hamburgo (RS) - CEP 93352-000 Telefone: (51) 3586-8800 – Ramal 8850

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Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos Tecnologia em Comércio Exterior Tecnologia em Jogos Digitais Tecnologia em Gestão Financeira Tecnologia em Processos Gerenciais (EaD) Tecnologia em Gestão da Produção Industrial Tecnologia em Segurança Pública Tecnologia em Gestão Pública (EaD) Tecnologia em Logística (EaD) Administração Ciências Contábeis Relações Públicas Publicidade e Propaganda Direito Jornalismo Turismo

A diagramação e produção gráfica desta revista foi realizada pela Editora Feevale. Impressão: Gráfica Impressul – Jaraguá do Sul/SC. Capa: Papel Supremo 250g/m² com plastificação brilho. Miolo: Papel Couché Kroma Gloss 80 g/m². Tiragem: 300 exemplares. Distribuição Gratuita.

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Janeiro de 2015 Dossiê - Inovação Prazo para entrega do artigo - 10 de outubro de 2014 Agosto de 2015 Dossiê - Turismo e Direito: criatividade e perspectivas sustentáveis Prazo para entrega do artigo - 10 de abril de 2015 Janeiro de 2016 Dossiê - Metropolização - Políticas Públicas: múltiplas perspectivas de análise Prazo para entrega do artigo - 10 de outubro de 2015

Instituto de Ciências Sociais Aplicadas Câmpus II • ERS-239, 2755 • Novo Hamburgo • RS • Brasil • CEP 93352-000 • Telefone: (51) 3586-8800 - Ramal: 8666 • Homepage: www.feevale.br


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