Revista Prâksis - janeiro de 2013

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Instituto de Ciências Humanas, Letras e Artes

Ano X - Volume 1 - Janeiro de 2013

ISSN 1807-1112

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Linguagens em interação: educação, imagens e mídias



Associação Pró-Ensino Superior em Novo Hamburgo - ASPEUR Universidade Feevale

Prâksis Revista do ICHLA Instituto de Ciências Humanas, Letras e Artes —ICHLA—

Ano X - Volume 1 - Janeiro de 2013

Editora Feevale | 2013 |


Instituto de Ciências Humanas, Letras e Artes

PRESIDENTE DA ASPEUR Argemi Machado de Oliveira REITOR DA UNIVERSIDADE FEEVALE Ramon Fernando da Cunha

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PRÓ-REITOR DE PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃO Alexandre Zeni PRÓ-REITOR DE PESQUISA E INOVAÇÃO João Alcione Sganderla Figueiredo PRÓ-REITORA DE EXTENSÃO E ASSUNTOS COMUNITÁRIOS Gladis Luisa Baptista DIRETORA DO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES Cristina Ennes da Silva COORDENAÇÃO EDITORIAL Inajara Vargas Ramos EDITORA FEEVALE Celso Eduardo Stark Daiane Thomé Scariot Graziele Borguetto Souza CONTATOS ERS 239, 2755 - CEP: 93352-000 Novo Hamburgo/RS - Fone: 51 3586-8819 Homepage: www.feevale.br/editora E-mail: editora@feevale.br REVISTA PRÂKSIS ISSN: 1807-1112 Homepage: www.feevale.br/acontece/ publicacoes-feevale E-mail: revistadoichla@feevale.br

- REVISÃO TEXTUAL Valéria Koch Barbosa - REALIZAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO Instituto de Ciências Humanas, Letras e Artes - ICHLA - TIRAGEM 500 exemplares, Gráfica Impressul - Jaraguá do Sul/SC

- INDEXAÇÃO ICAP - Indexação Compartilhada de Artigos de Periódicos (Disponível em: <http://www.pergamum.pucpr.br/icap/ index.php>); LATINDEX (Disponível em: <http://www.latindex.unam. mx/>); Qualis - CAPES (Disponível em: <http://qualis.capes.gov.br/ webqualis>). Classificação

- EDITOR RESPONSÁVEL Márcia Blanco Cardoso - COMISSÃO EXECUTIVA Cristina Ennes da Silva Márcia Blanco Cardoso Valéria Koch Barbosa - CONSELHO EDITORIAL Alfredo Veiga-Neto (UFRGS) Antonio Novoa (Univ. de Lisboa) Juracy Assmann Saraiva (Universidade Feevale) Lisiane Machado de Oliveira Menegotto (Universidade Feevale) Luciana Néri Martins (Universidade Feevale) Magali Mendes de Menezes (UFRGS) Marisa Vorraber Costa (UFRGS) Mauro Augusto Burkert del Pino (UFPel) Nélio Vieira de Melo (UFPE)

Luis Henrique Rauber Luiz Antônio G. Maroneze Lurdi Blauth Marcelo Ritzel Márcia Beatriz Müller Mônica Pagel Eidelwein Norberto Kuhn Jr. Patricia Bassani Paulo Roberto Pasqualotti Raquel Wosiack Rodrigo Perla Martins Rosa Maria Blanca Rosemari Lorenz Martins Roswithia Weber Valéria Z. Ney

- CAPA E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Graziele Borguetto Souza

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EX PED I ENTE

PRÓ-REITORA DE ENSINO Inajara Vargas Ramos

- PARECERISTAS Ângela Gonzaga Benício Backes Cláudia Schemes Dalila Backes Denise Castilhos de Araújo Denise Blanco S. Bundchen Dinorá Tereza Zucchetti Eliana Moura Eliane Regina Anselmo Evanize Veiga Spitzer Gisele Becker Inês Caroline Reichert Jozilda Fogaça Lima Luciane Aparecida Cândido

Qualis (CAPES)

Estrato

Área de Avaliação

B3

INTERDISCIPLINAR

B3

LETRAS / LINGUÍSTICA

B4

EDUCAÇÃO

B4

PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL / DEMOGRAFIA

B5

HISTÓRIA

B5

ARTES / MÚSICA

B5

CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS I

B5

SERVIÇO SOCIAL

B5

SOCIOLOGIA

B5

PSICOLOGIA

B5

FILOSOFIA/TEOLOGIA: subcomissão TEOLOGIA


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SUMÁRIO

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EDITORIAL

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Apresentação

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LITERATURA E CINEMA COMO SUPORTES PARA A APRENDIZAGEM DE LÍNGUA INGLESA, ATRAVÉS DA OBRA “A CHRISTMAS CAROL”, DE CHARLES DICKENS Rosi Ana Grégis Filipe Klimick Rodrigues

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AS IMAGENS E OS “MAPAS TEMÁTICOS NÃO CONVENCIONAIS” NO ENSINO DA GEOGRAFIA Fernando Frederico Bernardes

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A COMPLEXIDADE IMPLÍCITA NAS ATIVIDADES TEATRAIS ESCOLARES: UM POT-POURRI DE LINGUAGENS Maria Aparecida Santana Camargo Vaneza Cauduro Peranzoni

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PEDAGOGIAS DE GÊNERO NA MÍDIA: UM EXAME DAS PESQUISAS (2000-2010) SOBRE AS PUBLICAÇÕES NAS REVISTAS DO BRASIL Denise Quaresma da Silva Cristina Ennes da Silva

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ESTÉTICA INTER E TRANSDISCIPLINAR: LINGUAGEM E SUBJETIVIDADE NA CONTEMPORANEIDADE Rosa Maria Blanca

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GRAFITE: CULTURA, ARTE URBANA E ESPAÇO PÚBLICO Andrea Christine Kauer Possa Lurdi Blauth

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POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INCLUSÃO DIGITAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS BRASILEIRAS Angélica Luísa Nienow Patrícia Brandalise Scherer Bassani Débora Nice Ferrari Barbosa

73

QUAL O PAPEL DAS TICS NAS TAREFAS DA EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA NO BRASIL? Raquel Salcedo Gomes

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A ESCOLA CONTEMPORÂNEA: REFLEXÕES SOBRE INCLUSÃO/EXCLUSÃO DIGITAL Raquel Ehlert Patrícia B. Scherer Bassani

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EDUCAÇÃO NO TERCEIRO MILÊNIO NOVA H (ERA) – IMPERATIVOS: EDUCAÇÃO UNIVERSAL ESPÍRITO FILOSÓFICO Janice Jandrey dos Santos

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O ENSINO RURAL EM NOVO HAMBURGO/RS NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX: IMAGENS E MEMÓRIAS José Edimar de Souza

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ACESSIBILIDADE: A PERCEPÇÃO DO PODER EXECUTIVO EM UMA CIDADE DA SERRA GAÚCHA Marina Susin Siota

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NORMAS GERAIS DE PUBLICAÇÃO


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Editorial

O Instituto de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Feevale apresenta, à comunidade científica, o primeiro exemplar do ano de 2013 da Revista Prâksis - Revista do ICHLA, que traz como foco central a temática Linguagens em interação: educação, imagens e mídias. A Revista Prâksis tem um caráter multidisciplinar e seu principal objetivo é de fomentar as discussões acadêmicas, através da apresentação de pesquisas concluídas ou em andamento e que possibilitam inúmeras reflexões a respeito de temas complexos e abrangentes. Na presente edição, os doze artigos selecionados constituem um olhar multifacetado sobre a temática proposta e que, certamente, contribuirão para a produção de conhecimento acerca do papel das novas linguagens e mídias na educação e nos mais diferentes âmbitos de nossas vidas. Os três primeiros artigos voltam-se ao tema da prática de ensino, através de diferentes abordagens, mídias e imagens. Os artigos são: Literatura e Cinema como suportes para a aprendizagem de língua inglesa, através da obra “A Christmas Carol”, de Charles Dickens, de Rosi Ana Grégis e Filipe Klimick Rodrigues; As imagens e os “mapas temáticos não convencionais” no ensino de Geografia, de Fernando Frederico Bernardes e, por último, A complexidade implícita nas atividades teatrais escolares: um pot-pourri de linguagens, Maria Aparecida S. Camargo e Vaneza Cauduro Perenzoni O artigo seguinte, Pedagogias de Gênero na mídia: um exame das pesquisas (2000-2010) sobre as publicações nas revistas do Brasil, das autoras Denise Quaresma da Silva e Cristina Ennes da Silva,

discute as questões de gênero presentes na imprensa escrita brasileira. Os capítulos 5 e 6 trazem dois artigos que discutem a questão o papel da arte na contemporaneidade e em diferentes espaços. São eles: Estética inter e transdisciplinar: linguagem e subjetividade na contemporaneidade, de Rosa Maria Blanca, e Grafite: cultura, arte urbana e espaço público, das autoras Andréa Christine K. Possa e Lurdi Blauth. Os artigos seguintes desta edição trazem o tema das novas tecnologias de informação em nossos tempos: as políticas públicas de inclusão digital, possibilidades educativas e a relevância dessas novas linguagens. As autoras Angélica Luísa Nienow, Patrícia Brandalise Scherer Bassani e Débora Nice Ferrari Barbosa apresentam o texto Políticas Públicas para a inclusão digital nas escolas públicas brasileiras. Já a autora Raquel Salcedo Gomes nos apresenta seu artigo em forma de questionamento: Qual o papel das TICs nas tarefas da educação linguística no Brasil? Por último, as autoras Raquel Ehlert e Patrícia B. Scherer Bassani apresentam o artigo intitulado A escola contemporânea: reflexões sobre inclusão/exclusão digital. No artigo Educação no Terceiro Milênio nova H (Era) - imperativos: Educação Universal Espírito Filosófico, Janice Jandrey dos Santos apresenta as reflexões da autora a partir de seus estudos na área da Arteterapia. O autor José Edimar de Souza apresenta um artigo que estabelece relações entre imagens e memórias de professores para um estudo sobre História da educação, intitulado O ensino rural em

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Novo Hamburgo/RS na primeira metade do século XX: imagens e memórias. O último artigo, intitulado Acessibilidade: a percepção do Poder Executivo em uma cidade da Serra Gaúcha, da autora Marina Susin Siota, apresenta uma pesquisa realizada sobre o acesso aos serviços de saúde, educação, trabalho e lazer da pessoa com deficiência, além das práticas de inclusão social desenvolvidas num município gaúcho no início de 2012.

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Por fim, esperamos que a décima oitava edição de nossa revista possa contribuir de forma efetiva para a divulgação da produção acadêmica na área de Ciências Humanas, Letras e Artes, fomentando novos olhares e reflexões sobre os temas aqui apresentados. Boa leitura! Prof.ª Me. Márcia Blanco Cardoso Editora da revista Prâksis e professora da Universidade Feevale.


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Apresentação

Reflexões sobre a linguagem A linguagem, devido à sua indiscutível presença, é tema que interessa a todos os campos do conhecimento. Todavia, ela ganha maior proeminência no âmbito das ciências humanas, pois aí não é apenas instrumento apto a constituir a reflexão sobre o objeto de investigação, mas o próprio objeto de estudo. Para as ciências que intentam desvendar os traços do humano, linguagem é todo sistema de comunicação, formalizado por meio de um conjunto de signos, que são regidos por regras de combinação, isto é, um código que expressa um modelo de mundo. As línguas, as artes, os mitos, as normas de comportamento social são sistemas semióticos ou linguagens que integram os indivíduos e atuam sobre o modo como esses percebem os outros e a si mesmos. O termo linguagem recobre, pois, um sistema organizado de signos, com propriedades particulares, que permite ao homem expressar suas experiências, seus desejos, suas concepções, suas crenças, seus valores e transmiti-los, processo dinâmico de que resulta uma espécie de herança que os homens propagam indefinidamente e que determinam sua compreensão da realidade. Essa concepção abrangente resguarda duas atitudes conflitantes: a primeira atribui à linguagem a função de representar o mundo, partindo do pressuposto de que os signos podem ser apreendidos e de que se estabelece uma relação simétrica entre emissor e receptor no processo de comunicação; a segunda atitude concebe a linguagem como testemunho do mundo e assinala que a significação de um ato de linguagem, aparentemente explícita, inclui significados encobertos, decorrentes

do contexto sócio-histórico e de uma relação entre emissor e receptor que traz as marcas da imprevisibilidade. Com efeito, a linguagem representa a realidade, mas também contribui para instituí-la, e as manifestações de qualquer sistema de significação, sejam verbais, visuais, gestuais, sofrem os efeitos das circunstâncias discursivas, que incluem o contexto, a espécie de relação estabelecida entre os agentes do ato de comunicação e a finalidade que orienta esse ato. Todavia, tanto a função representativa da linguagem quanto sua capacidade de estabelecer uma concepção de mundo impregnam-se da natureza simbólica e social do signo. Em termos genéricos, duas são as formas de representação: na primeira, a linguagem parece presentificar o objeto a que se refere, estabelecendo-se uma relação direta e transparente entre o signo e seu referente; na segunda, a representação se define por uma relação mediada, visto que a linguagem é incapaz de nomear a coisa a que se refere, necessitando de uma imagem que a traduza ou, em outras palavras, de um símbolo que confira concretude ao indizível. Nessa última forma de representação, incluem-se as manifestações das linguagens artísticas, cujas significações transcendem o âmbito do universo do sensível, do objetivo e do concreto por serem compostas de signos que assumem significações plurais (DURAND, 1964)1. DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. Lisboa, PT: Edições 70, 1964.

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Paralelamente, os atos de linguagem enraízamse em contextos socio-históricos, não sendo deles apenas uma expressão, pois também atuam sobre a concepção do sujeito. Todo signo se origina no espaço social, uma vez que a linguagem é, por natureza, coletiva. Logo, a manifestação de qualquer sistema semiótico se dá a partir de um determinado lugar, sendo o produto da interação entre agentes de atos de comunicação. Dessa forma, o emissor jamais é o representante de si mesmo, uma vez que se expressa a partir do cruzamento de intenções, de opiniões e de pontos de vista alheios, instituindo-se como sujeito em função de um grupo e do conjunto de ideias que esse grupo adota ou contesta. O posicionamento segundo o qual o sujeito se constitui na sua relação com o outro, relação que só pode ser experimentada por meio da linguagem, remete ao pensamento de Mikhail Bakhtin, para quem o infindável questionamento – espaço habitado por um “eu” e por um “outro” – é a via pela qual se constitui a consciência de cada um. Dessa forma, a concepção do sujeito e a noção que ele tem de si adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado, dos quais ele compartilha no curso de suas relações sociais (BAKHTIN, 1988)2. Portanto, a consciência que o sujeito tem de si mesmo instala-se na e pela linguagem, que, como um cronótopo, reflete as circunstâncias sociais e culturais de um determinado tempo e de um determinado espaço.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo, SP: Hucitec, 1988.

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Em síntese, a importância da linguagem (ou das linguagens) afirma-se por estabelecer a comunicação entre os homens e revela-se por suas características fundamentais: toda linguagem resulta de estruturas racionalmente concebidas e apreensíveis em um processo de análise; a linguagem é um fenômeno social, visto que nasce entre os homens e expressa a relação que eles instituem com o mundo circundante. Nesse sentido, a linguagem representa determinada realidade, mas, igualmente, contribui para instituir a percepção que os indivíduos estabelecem a respeito de si mesmos e de seu entorno, porque nela reside a possibilidade de dar significação às experiências humanas e de postergá-las por meio da memória coletiva. Enfim, é por meio da linguagem que se constitui a construção progressiva do sujeito, visto que, em seu âmbito, ele desenvolve a consciência da própria subjetividade e de sua responsabilidade social.

Dr.ª Juracy Assmann Saraiva Pós-Doutora em Teoria da Literatura pela UNICAMP; professora e pesquisadora da Universidade Feevale; coordenadora do “Mestrado em Processos e Manifestações Culturais” dessa mesma instituição; bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq.


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Literatura e cinema como suportes para a aprendizagem de língua inglesa, através da obra “A Christmas Carol”, de Charles Dickens

Rosi Ana Grégis1 Filipe Klimick Rodrigues2 RESUMO Este estudo é uma reflexão decorrente da atual situação do ensino do inglês, principalmente nas escolas públicas, uma vez que este não é satisfatório o suficiente para ser capaz de tornar alunos competentes nas habilidades que envolvem a língua. As hipóteses dessa falha na educação foram obtidas e reunidas a partir de leituras de estratégias de ensino. Através deste estudo, foram comprovadas que ambas, a motivação dos alunos e a qualificação do professor, desempenham papel importante na aquisição da língua inglesa. Palavras-chave: Língua estrangeira. Literatura. Ensino. ABSTRACT This study is a reflection of the English teaching, especially in public schools, due to the fact that it hasn’t been satisfactory enough to be able to make students competent in the use of the skills that involve the language. The data about this failure in education were collected from reading teaching strategies. Through this study, it was verified that both the students’ motivation along with the teacher’s qualification play an important role in the acquisition of English. Keywords: Foreign Language. Literature. Education.

Possui mestrado e doutorado em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Realizou um período de estudos (Doutorado Sanduíche) na Universidade de Essex, Reino Unido. Atualmente é professora e pesquisadora da Universidade Feevale, atuando na área de língua inglesa, teorias linguísticas e sociolinguísticas e aquisição de segunda língua. <rosiana@feevale.br>. 2  Cursa Letras Português–Inglês na Universidade Feevale. É bolsista de Iniciação Científica e possui experiência na área de Letras. <filipelobo@feevale.br>. 1

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Introdução Nós, professores de língua inglesa, sempre ouvimos dizer que trabalhar com idiomas numa sala de aula, principalmente em escola pública, tornase algo maçante e pouco produtivo por inúmeros fatores, tais como o excessivo número de alunos por turma, o desnivelamento dos saberes de cada um dos indivíduos e também pelo despreparo do professor de línguas ao se deparar com tal situação. Além disso, as frustradas tentativas de tanto despertar o gosto pela leitura de narrativas literárias quanto ampliar o vocabulário dos alunos podem, muitas vezes, causar certa aversão ao trabalho com textos clássicos da literatura. O presente estudo tem o objetivo de abordar a situação atual do ensino de inglês, fazendo uma breve reflexão e, a partir disso, sugerir abordagens e propostas de atividades diferenciadas para auxiliar em uma melhor formação dos alunos de línguas estrangeiras, neste caso específico, a aprendizagem de língua inglesa, através da literatura e do cinema. Aquisição e ensino de língua inglesa Muitas vezes, a expressão “aquisição de segunda língua ou de língua estrangeira” pode parecer vaga ou confusa. Contudo, neste trabalho, “segunda língua ou língua estrangeira” é toda e qualquer língua que um indivíduo aprende após sua língua materna. Vale ressaltar que a terminologia também se aplica a uma terceira língua que alguém possa vir a aprender, tanto em ambientes formais como informais. Muitos estudos feitos nesse campo discutem o uso da forma (Gramática) e de textos para os aprendizes de segunda língua, tanto para o desenvolvimento do léxico quanto para familiarizar o aprendiz, principalmente, com a sintaxe, a morfologia e a semântica da língua-alvo. Vários são os fatores que auxiliam e interferem nesse processo de aprendizagem, e o professor de línguas deve ter conhecimento desses princípios para compreender como ocorre o processo da aprendizagem de uma L2 na mente do aprendiz e quais métodos têm melhor funcionalidade, quando comparados a outros. Isso tudo levando-se em conta vários fatores, tais como a idade, a primeira língua e o local de aprendizagem. O ensino da língua inglesa, principalmente nas escolas públicas de nosso país, tem sido assombrado por diversos males. Com o passar dos anos, um

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conjunto de fatores tem formado e contribuído para a formação da ideia de que há uma má administração generalizada do ensino desse idioma nas escolas, tanto por parte dos professores como por parte dos coordenadores da área de línguas. Esse juízo de valor, que muitas vezes pode ser equivocado, já chegou aos alunos e à comunidade em geral. Baseando-se nesse problema, Diógenes Cândido de Lima (2009) organizou uma coletânea de entrevistas e questionamentos de alunos e exalunos de variados cursos de Letras, muitos deles professores de língua inglesa na rede pública, a fim de abrir espaço para um debate, no qual especialistas respondem a dúvidas acerca do ensino e da aprendizagem da língua inglesa no Brasil. Entre os assuntos abordados nessa obra, percebemos que alguns são mencionados com maior frequência. Um deles está diretamente relacionado ao despreparo do professor. Além disso, outros fatores, como aulas monótonas e repetitivas e o uso inadequado de recursos, como filmes, jogos, música e desenhos, levam-nos a crer que contribuem para a desmotivação dos alunos e também do próprio profissional da educação. Tomando como exemplo as atividades fílmicas, é importante ressaltar que o cinema está, antes de tudo, associado com o lazer, pois os alunos o associam a algo diferente das aulas convencionais. O professor de línguas que se interessa em fugir das aulas tradicionais precisa pensar em diferentes alternativas de atividades para serem apresentadas a seus alunos. E isso não quer dizer que ele tenha que fazer coisas mirabolantes. Obviamente, o professor não pode mostrar um vídeo, desenho ou filme como um paliativo para disfarçar algum problema (muitas vezes usado para encobrir a ausência do professor). Toda atividade com o uso de filmes curtos ou longos precisa ter um planejamento prévio, no qual as atividades possuem conexão com o conteúdo abordado em aula e com a temática do filme em questão. Na realidade, o uso excessivo de recursos multimídia empobrece a qualidade das aulas de línguas, de história, geografia e outras disciplinas. Isso ocorre porque muitos professores utilizam esses recursos de maneira displicente e equivocada. Os professores podem e devem se dar conta de que há, sim, como elaborar aulas criativas e producentes com o uso de atividades fílmicas, de literatura, etc.


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Ensino de inglês no ensino básico Na maioria das escolas públicas de ensino básico do Brasil, a carga horária de qualquer língua estrangeira não excede a dois períodos semanais. Não é preciso ter muito conhecimento de aprendizagem de L2 para saber que esse tempo é insuficiente para os alunos terem, pelo menos, conhecimentos básicos da língua-alvo, mesmo tendo aulas por oito anos consecutivos. Realmente, fica difícil não haver desmotivação e um profundo sentimento de incapacidade por parte dos professores. O que fazer diante disso? Como não se deixar contagiar por tantos problemas que permeiam a questão? Para um melhor aprendizado, os professores de língua estrangeira devem estar dispostos a realizar um trabalho que envolva, necessariamente, as quatro habilidades linguísticas: ouvir, falar, ler e escrever. Entretanto, como podemos observar, diversos são os fatores que comprometem tal processo e assombram e depreciam a imagem do professor de línguas, que, muitas vezes, se sente incapaz de lidar com várias situações frustrantes em sala de aula. Devemos lembrar que a aprendizagem do aluno não depende somente das habilidades do professor (infelizmente essa ideia preconcebida é largamente divulgada na mídia, principalmente em jornais e revistas de circulação nacional); certa dedicação por parte dos alunos torna-se indispensável, tendo em vista o curto período de encontro entre o profissional da educação e os alunos. Não há dúvida alguma de que, se o aluno não estudar o idioma fora do ambiente escolar, praticando, pelo menos, a leitura, a escrita e a audição, ele, possivelmente, perderá a fluência e a tão esperada coragem de tentar falar, não tendo input (insumo) suficiente para a habilidade oral ou escrita. Por isso, para ter contato com os alunos e mantê-los inseridos num ambiente propício para a aprendizagem da língua inglesa, trabalhando com atividades variadas, envolvendo as quatro habilidades linguísticas, o professor de línguas pode aderir a pequenos artifícios para incentivar e cativar os alunos. Muitas dessas técnicas são chamadas de communication strategies (estratégias comunicativas) e têm a finalidade de estimular os aprendizes a desenvolverem suas habilidades orais e escritas. Para isso, o professor pode usar seus conhecimentos para cumprimentar a turma, ensinando-lhes frases-chaves (Please, Excuse me, Present, Repeat, please? May I go to the bathroom?

May I leave the classroom for a moment? May I go drink water?, etc.). O professor, a partir disso, dará instruções e orientações aos alunos e esses podem responder, perguntar a mesma ou outra pergunta a um colega, formular outras perguntas semelhantes e assim por diante. Logo, os aprendizes vão se acostumando com essas estratégias e, pouco a pouco, desenvolvem habilidades concretas para falar e se manifestar na língua estrangeira. Muitas vezes não será possível o uso exclusivo da L2, mas o professor de línguas não deve abrir mão do uso do idioma estrangeiro durante as aulas, pois estaria abrindo mão da qualificação que o destaca e o distingue dos demais colegas de escola. Tudo é questão de saber como usar a língua materna estrategicamente na sala de aula. A importância de se trabalhar com a literatura em aulas de línguas Desde que começamos a utilizar a Internet como meio para buscarmos informações sobre os mais diversos assuntos e para nos comunicarmos com pessoas de todo o mundo, obtemos acesso rápido sobre qualquer tipo de assunto. Como não poderia ser diferente, existe uma grande variedade de materiais referentes ao aprendizado da Língua Inglesa online. Esses materiais são muitas vezes de baixíssima qualidade, mas não há como negar que existe material autêntico, fácil acesso a grandes obras literárias e fílmicas, a artigos científicos e a livros de editoras consagradas. Então, por que não começarmos a usar produções literárias, como histórias curtas, contos e fábulas extraídos da web? As razões para a escola trabalhar com literatura estrangeira vão muito além de questões envolvendo o uso oportuno da gramática, como a maioria dos professores e estudantes acredita. Um dos propósitos da literatura é estimular seus leitores a desenvolverem conceitos próprios de criticidade, raciocínio lógico e refletir a respeito dos diferentes tipos de sociedade do mundo, levando em conta aspectos de Educação, Ética e Cidadania. Como enfatizado nos PCNs, entre os deveres e as obrigações da escola, [...] a formação escolar deve propiciar o desenvolvimento de capacidades, de modo a favorecer a compreensão e a intervenção nos fenômenos sociais e culturais, assim como possibilitar os alunos usufruir

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das manifestações culturais e nacionais e universais. (Parâmetros Curriculares Nacionais, 1997, p. 33)

Logo, a literatura é capaz de oferecer material autêntico e de qualidade para suprir as necessidades acima citadas. Entretanto, seria um equívoco não aproveitar para aprimorar os conhecimentos lexicais, sintáticos e semânticos que envolvem a literatura, pois, ao estarem em contato com ela, os alunos ficarão expostos a (novas) palavras, expressões, situações e acontecimentos. Juracy Assmann Saraiva e Ernani Mügge também percebem que A leitura de obras literárias possibilita ao jovem leitor vivenciar o prazer estético que, por força do imaginário, o libera da realidade cotidiana e lhe permite, a partir de signos linguísticos, constituir uma nova gestalt. Dela decorrem a apreensão, a compreensão e o julgamento do mundo e a motivação para alterar práticas sociais. (2006, p. 40)

E, por conseguinte, afirmam que A obra de arte e, em especial, a literatura podem assumir a função de gerar, criticar e renovar padrões sociais de comportamento, tendo em vista que, pela identificação, provocam a adesão efetiva do leitor, traduzindo igualmente, o apelo à transformação da própria realidade social. (2006, p. 40)

Diferentes textos podem ser usados para situações específicas, dependendo do propósito do professor. Logo, esse profissional da educação deve ter em mente critérios para a seleção de uma narrativa que cumpra suas necessidades. Essas, por sua vez, dependem de vários aspectos, como público-alvo, objetivo e nível linguístico dos alunos. Feita a sua seleção, o professor pode explorar, de diferentes formas, uma simples narrativa: pesquisar dados históricos que permeiam a narrativa (ou o período em que foi escrita), realizar atividades que enfoquem novos itens lexicais e estruturas sintáticas, propor uma reflexão sobre comportamentos das personagens, desenvolver a oralidade através da dramatização de alguns trechos e parágrafos relevantes da obra. Assim como nas aulas de língua

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materna, o ensino de língua inglesa deve ter bons textos como apoio, pois esses abrem um leque de possibilidades, em um sentido profundo e amplo, possibilitando o levantamento de questões que abordam vários fatores: lexical, semântica, estética, gramatical, cultural, etc. É importante salientar que muitas vezes é mais viável o trabalho com contos (frequentemente mencionados como short stories) e adaptações, pois esses são gêneros de narrativas trabalhados com mais facilidade com aprendizes de idades diferentes e em turmas com mais de 20 alunos, por exemplo. Além da preferência desses gêneros textuais pela sua brevidade, os contos e livros adaptados têm servido ao ensino da língua estrangeira como uma fonte rica de novas culturas. Charles Dickens, literatura e cinema Charles John Huffan Dickens (1812 - 1870), ou simplesmente Charles Dickens, foi um escritor com uma narrativa notável. Suas histórias eram bem escritas e suas personagens eram vívidas, bastante elaboradas e mantinham fidelidade à natureza humana – algo que as tornava envolventes e apaixonantes. Ele foi um dos primeiros autores a escrever sobre os estratos sociais menos favorecidos. Antes disso, os romances ingleses, em sua maioria, eram sobre a elite rica da época ou aventureiros, os quais também eram abastados. Logo, suas narrativas abriram as portas para outros públicos que ainda não tinham acesso à literatura, naquela época. Desse modo, esse público leitor pertencente a uma classe social mais simples e menos favorecida estava interessado em leituras cujos personagens tivessem problemas semelhantes aos seus. Além disso, Charles tornou suas histórias mais acessíveis aos menos escolarizados ao fazer leituras públicas de suas obras, nas quais ficava sentado em um pequeno palco, as lia e as dramatizava, por um preço extremamente acessível. Entre suas histórias mais conhecidas e amadas, está A Christmas Carol (Uma canção de Natal) cujo enredo ainda cativa e conquista os leitores das mais diversas regiões do mundo. Mas o que torna esse conto uma das principais obras-primas da literatura inglesa? Que palavras e conceitos contidos nessa narrativa rompem gerações e mexem com o consciente das pessoas? Para compreendermos um pouco desse fenômeno, façamos uma breve leitura da trama.


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“Ebenezer Scrooge é um homem avarento que detesta o Natal. Ninguém ousa pará-lo na rua para conversar ou ao menos para cumprimentálo. Seu ajudante, Bob Cratchit, sofre com seu mau humor e destempero. Ebenezer possuía um sócio em seu negócio, chamado Jacob Marley que acaba morrendo logo no início da trama. Seu espírito vem até a casa de Scrooge na véspera de Natal para mostrar a ele que todo o homem que não ajuda o seu próximo é obrigado a vagar eternamente, carregando correntes pesadas que o lembram de seu triste destino. A partir daquele momento, três espíritos natalinos mostram a Scrooge cenas do seu passado, presente e futuro, com o intuito de fazê-lo tornar-se uma pessoa melhor”. A história de Dickens é lembrada sobremaneira por influenciar no modo como percebemos a data natalina. As reflexões que Scrooge é forçado a fazer sobre o passado, o presente e o futuro de sua própria vida e da vida dos que o cercam é bastante apropriada para a época de final de ano. Assim como ele, na chegada do Natal, colocamos a mão na consciência e examinamos a nossa caminhada pelo ano todo, refletindo sobre o que fizemos ou não e, também, sobre nosso comportamento com os outros, nossa maneira de viver a vida e os sentimentos de caridade em relação aos menos afortunados (assim como os Cratchit no conto mencionado). Obviamente, em qualquer época, podemos perceber os “Scrooges” que vagam ao nosso redor, odiando as multidões e o contato humano e as empolgações do feriado de Natal e tudo o que é associado com a data. A pressa das compras de último minuto ou simplesmente a alegria que preenche as pessoas no Natal pode ser o bastante para tornar algumas pessoas ranzinzas e rabugentas no decorrer do feriado. O conceito de uma pessoa ser “rabugenta com o Natal” pode ser considerado universal. Tal aspecto é tão facilmente identificável para as pessoas quanto o fato de alguém passar por algum tipo de provação e ter uma mudança no seu modo de agir. Talvez essa seja uma das principais razões pela qual a fascinação do público leitor por essa narrativa perdura até hoje. Vemos que Scrooge é tão anti-humanista quanto qualquer pessoa pode se tornar: ele não confiava em ninguém, destratava qualquer um que encontrasse e pensava apenas em si mesmo. Não via potencial em nenhum ser humano, pois para ele ninguém era suficiente bom para ajudá-lo em quaisquer questões

que envolviam seu trabalho e sua limitada vida pessoal. Alguns de seus comportamentos podem ser diretamente atribuídos ao tipo de trabalho que exercia: que credor consegue acreditar em pessoas quando passa o dia todo lidando com aqueles que buscam sua ajuda porque não conseguem cumprir com seus compromissos e obrigações? Logo, Scrooge escolheu ver as pessoas ao seu redor como não confiáveis. Todavia, até mesmo Ebenezer Scrooge conseguiu mudar a sua vida. Ninguém esperava que alguém tão egoísta e negativo pudesse ter uma consciência boa e praticar a caridade. E, mesmo assim, ele o fez e, por isso, serve de inspiração para nós olharmos as nossas vidas e ponderarmos sobre nossas ações e realizarmos uma reforma interna. Gostamos de acreditar que as pessoas têm capacidade de mudar para melhor e a narrativa nos faz pensar nos fatores que contribuem para tal processo. O tema da redenção (resgate de si mesmo) é o ponto forte da trama. Scrooge era um homem velho e, embora ele tivesse sido mesquinho e ruim por bastante tempo, ainda teve tempo de mudar. O enredo nos passa a ideia otimista de que nunca é tarde para melhorarmos como ser humanos. Abordagens alternativas: sugestões de propostas de atividades A aprendizagem de língua estrangeira é uma oportunidade para os alunos entrarem em contato com uma cultura diferente. Esse estudo enriquece a sua liberdade de expressão, pois promove um entendimento maior de como uma diferente comunidade se comporta. Aprender inglês é uma vantagem para qualquer indivíduo, uma vez que, atualmente, essa é uma língua franca, usada para o turismo e negócios internacionais, além de ser a língua mais usada em artigos científicos e em seminários e congressos internacionais. Além disso, é a língua mais utilizada na internet. Contudo, nenhum idioma é fácil de ser perfeitamente compreendido e seu estudo pode ser algo maçante, exigindo longas horas de pura dedicação e prática. Conforme Lima (2009), para um melhor aproveitamento da aprendizagem, o professor de língua inglesa deve saber como abordar seus alunos. Infelizmente, atividades mecânicas seguidas de repetições são uma constante na sala de aula e, por isso, devem ser evitadas. O professor deve urgentemente adotar abordagens alternativas em

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relação ao conteúdo proposto, a partir de qualquer ano escolar. É possível propor atividades criativas para qualquer idade e para qualquer tamanho de turma. Sabemos das dificuldades que encontramos quando nos deparamos com turmas grandes, com mais de 40 alunos, muitas vezes indisciplinados e desmotivados, mas, mesmo assim, não há motivo para continuar oferecendo aos alunos somente listas de palavras, textos enfadonhos e atividades gramaticais que, muitas vezes, não fazem nenhum sentindo para os aprendizes. Atividades diferenciadas, visando a uma fuga das traduções literais de textos e dos vocábulos de frases isoladas, adquirem tanto um papel para motivar os alunos quanto para tornar a aula mais agradável e eficiente. O professor pode explorar uma narrativa de inúmeras maneiras. A seguir, apresentamos algumas alternativas. • Caso existam, fazer atividades comparativas entre duas versões da mesma história (narrativa literária e fílmica), como no caso do conto “Canção de Natal” e o filme “Os fantasmas de Scrooge” (direção de Robert Zemeckis, 2009). • Análise das falas das personagens, através de exercícios auditivos e de leitura. • Debates na sala de aula sobre pontos específicos do enredo da história. • Questões que envolvam a interpretação, para que os leitores desenvolvam um maior senso crítico acerca das situações apresentadas na narrativa. • Palavras cruzadas ou jogos do tipo caçapalavras com vocabulário-chave da história. • Fazer associações dos personagens e locais encontrados na história com palavras, objetos ou imagens. • Escrever cartas aos personagens, fazendolhes questionamentos. • Reescrever ou ilustrar um capítulo, o início ou o final da história. • Dramatizar um capítulo através de uma pequena esquete ou apresentação com fantoches ou teatro com sombras. • Fazer uma breve pesquisa sobre o “históricosocial” do tempo da narrativa e também sobre a vida e a obra do autor. A partir das ideias acima, utilizamos o conto “A Christmas Carol”, de Charles Dickens, para ilustrar as inúmeras possibilidades diferentes para

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trabalhar os conteúdos, que vão desde uma maior compreensão do vocabulário presente na narrativa quanto exercícios que envolvem suas próprias opiniões, a audição e a capacidade de imaginar. Seleção de Atividades • Fazer um levantamento de ideias com os alunos sobre as perguntas abaixo. Qual o sentido de comemorar o Natal? Como é festejado o Natal na sua família? O que vocês normalmente comem na Ceia de Natal? Você conhece algum Canto Natalino? Se sim, qual? Você tem o costume de trocar presentes em sua família ou com seus amigos? O que representa essa época do ano para você? Quem é o Papai Noel? Qual o papel dele durante o Natal? Você acredita em fantasmas? Como você acha que eles se parecem? Você já viu ou conhece alguém que já tenha visto algum tipo de manifestação fantasmagórica? • Mostrar para os alunos algumas imagens tiradas das páginas da adaptação do conto (Oxford University Press, 1997) e pedir para eles conversarem entre si sobre o que a história pode se tratar. • Atividade com escolha de verdadeiro ou falso: • Read the following sentences with attention. Are they true or false statements? (__) Scrooge was a loving child when younger. (__) The Spirits decided to visit Scrooge to pledge his good deeds. (__) Fred was always grumbling and complaining about how poor he was. (__) Belle was Scrooge’s first love. (__) Everybody in town respected Scrooge and didn’t talk to him because they were shy of their poverty. (__) Scrooge didn’t want to be poor again, so he became a greedy person. (__) Bob had always been happy to work with Scrooge. (__) The Spirit of Christmas Yet to Come resembled to a green gnome. (__) The Spirit of Christmas Present took Scrooge to the market where they both saw people buying what they needed to Christmas dinner.


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• Combinar os nomes a seguir com seus significados: • Match the nouns below to their respective meaning. 1 Coal

– song that people sing during Christmas time

2 Fog

– very small

3 Ghost

– a time period before now

4 Carol

– a place where dead people rest

5 Tiny

– black substance used to produce heat

6 Grave

– expression that means something is silly or stupid

7 Humbug

– cloudy air near the ground

8 Past

– spirit of a dead person

9 Curtain

– metal rings connected each other, all together

10 Chain

– a piece of hanging cloth

• Atividades gerais com perguntas, descrições, confecção de listas, etc. • Think about another suitable title to the story and write a paragraph or two explaining why you chose such a new title. • Create a Time Line describing the most important events in the story. • Make two lists comparing how Scrooge used to be and another one about his changes. • Choose one of the following characters and describe him: Bob Cratchit, Mr. Fezzwig, Fred. • Describe a time when you had a chance to help someone, but didn’t. Describe how you felt. • Imagine that you’re Ebenizer Scrooge and write a few paragraphs in your dairy. Talk about your experience with the Spirits and how they changed the way you see the world.

• Mais atividades com escolha de sentenças falsas ou verdadeiras: • Read the following sentences with attention. Are they true or false statements? (__) Scrooge was a loving child when younger. (__) The Spirits decided to visit Scrooge to pledge his good deeds. (__) Fred was always grumbling and complaining about how poor he was. (__) Belle was Scrooge’s first love. (__) Everybody in town respected Scrooge and didn’t talk to him because they were shy of their poverty. (__) Scrooge didn’t want to be poor again, so he became a greedy person. (__) Bob had always been happy to work with Scrooge. (__) The Spirit of Christmas Yet to Come resembled to a green gnome. (__) The Spirit of Christmas Present took Scrooge to the market where they both saw people buying what they needed to Christmas dinner. Observações Finais O ensino de línguas estrangeiras requer dedicação constante por parte de quem escolheu essa atividade para ser o seu ofício de trabalho. Mas sabemos que, para aprender outra língua que não seja a que aprendemos naturalmente quando crianças, é necessária uma conduta voluntária de desejar que esse idioma faça parte de nós. Para que isso aconteça, o ensino da L2 precisa ser significativo, precisa ser criativo e trazer coisas novas a todos os envolvidos. Escolher belas obras literárias e fílmicas certamente é uma forma de se aproximar dos aprendizes através da arte e da cultura própria de qualquer sociedade. A noção de aprendizagem, nesse caso, deve abranger toda a construção dos saberes envolvidos em uma língua e, por isso, os professores não devem se ater a atividades puramente gramaticais ou de pronúncia, por exemplo. Não há mais como aceitarmos isso por parte de nenhum profissional que se dedique a ensinar língua materna ou estrangeira. Embora os caminhos possam ser um pouco tortuosos, a estagnação e a falta de motivação não têm mais espaço no cenário educacional de nosso país.

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Referências BRASIL. Secretaria de Educação fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, DF: MEC/SEF, 1997. DICKENS, Charles. A Christmas Carol and two other Christmas Books. London, UK: CRW Publishing, 2004. DICKENS, Charles. A Christmas Carol. Oxford, UK: Oxford University Press, 2000. ELLIS, Rod. Second Language Acquisition. Oxford, UK: Oxford University Press, 1997. ELLIS, Rod. SLA Research and Language Teaching. Oxford, UK: Oxford Press, 1997.

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GASS, Susan M; SELINKER, Lary. Second Language Acquisition: an introductory course. Routledge, 2008. LIMA, Diógenes Cândido de. (Org.). Ensino e aprendizagem de Língua Inglesa: conversas com especialistas. Parábola Editorial, 2009. SARAIVA, Juracy A.; MÜGGE, Ernani. Literatura na escola. Propostas para o ensino fundamental. Porto Alegre, RS: Artmed, 2006. SARAIVA, Juracy A. Literatura e alfabetização: do plano do choro ao plano da ação. Porto Alegre, RS: Artmed, 2001.


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AS IMAGENS E OS “MAPAS TEMÁTICOS NÃO CONVENCIONAIS” NO ENSINO DA GEOGRAFIA

Fernando Frederico Bernardes1 RESUMO Trata-se aqui de propor um exercício que espacialize as paisagens que compõem o espaço geográfico e que facilite a compreensão do dinamismo espacial. A atividade procura extrapolar as barreiras da linguagem cartográfica tradicional, a fim de analisar os signos e a sua dinamicidade. As imagens virtuais permitem observar a distribuição espacial e suas formas de uma determinada paisagem. A paisagem, em Geografia, pode ser compreendida como um recorte do espaço geográfico, ou seja, são representadas, neste exercício, por um conjunto de imagens virtuais denominados de “mapas temáticos não convencionais”. Os resultados deste trabalho se expressam em produtos de interpretação de imagens, expressando as diferentes paisagens que configuram determinado espaço, oferecendo uma nova alternativa didática para o ensino da Geografia, concretizando o sentido da intenção da proposta deste artigo. Palavras-chave: Cartografia. Geografia. Imagem. Paisagem. Prática de ensino. ABSTRACT The idea is to propose an exercise that locate the landscapes that makes the geographic area and facilitate the understanding of spatial dynamics. The activity seeks to extrapolate the barriers of traditional cartographic language in order to analyze the signs and their dynamics. The virtual images allow to observe the spatial distribution and its forms -of a particular landscape. The landscape, in geography, can be understood as an approach to the geographical space, ie, are represented, in this exercise, by a set of virtual images called “unconventional thematic maps.” These results are expressed as products of image interpretation, expressing the different landscapes that shape certain space, offering a new alternative to the didactic teaching of Geography, realizing the intention of the meaning of this article. Keywords: Cartography. Geography. Image. Landscape. Teaching Practice.

1  Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor da Escola de Aplicação da Universidade Feevale. E-mail: fernandofb@feevale.br.

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A Geografia, assim como outras ciências, possui um caráter epistemológico peculiar devido à evolução particular do seu pensamento. Logo, devemos aceitar a provisoriedade do conhecimento, admitindo que os achados e resultados de pesquisa sejam parciais e provisórios (COSTA, 2002). Nesse sentido, o contexto histórico-social e a formação socioespacial de uma sociedade apontam pensamentos e resultados para um determinado olhar sobre as representações de objetos que se apresentam à vista, condicionados a um determinado tempo e espaço. Hoje, os objetos de estudo em Geografia são fundamentados na complexa ciência geográfica contemporânea, sob a perspectiva da dinâmica entre a natureza e a sociedade, decorrente de uma análise multi, inter ou transdisciplinar da pesquisa e do ensino, construindo, reconstruindo, desconstruindo e possibilitando uma aplicação mais adequada às necessidades atuais com que as sociedades pósmodernas se confrontam em relação à dinâmica espacial. Pensar na importância e na influência do espaço, na fisicidade das coisas e na geograficidade de nossa existência é uma das grandes contribuições que a geografia pode dar. A Geografia é um pretexto para pensarmos nossa existência, uma forma de ‘lerpensar’ filosoficamente as coisas e as relações e influências que elas têm no nosso dia-a-dia, porque ‘olhar as coisas’ implica pensar no que os seres humanos pensam delas. (KAERCHER, 2007, p. 16).

Para “lerpensar” e “olhar as coisas” dessa maneira, a Geografia caminhou muito para interpretar os fenômenos e as relações espaciais complexas que envolvem o espaço geográfico. A Geografia passou por várias fases e, em cada momento específico de sua trajetória, evidenciaramse tendências, que levaram à constituição crescente de teorias sobre a produção do pensamento científico, aprimorando o produto (o saber geográfico). Desde Ratzel (Geografia Clássica), de influência Positivista do século XIX, passando pelas correntes Neopositivista e Dialética (Geografia Quantitativa e Crítica) e, posteriormente, percorrendo os caminhos da Geografia da percepção, baseada nos conhecimentos da Fenomenologia, hoje temos 18

a Geografia Contemporânea, influenciada pelas correntes Pós-moderna e Neomarxista, por exemplo, demonstrando que a articulação do homem com o entorno é constante. E é esse o foco que está presente em todas as tendências anteriormente citadas. O que muda é o método de investigação, que acaba alterando os próprios conceitos, sejam eles explorados com maior ou menor dinamicidade, ou melhor, com maior ou menor complexidade. Vejamos os princípios do conhecimento desenvolvidos pela ciência até o final da primeira metade do século XX. Era um princípio de separação homem-natureza. A ideia era a de que, para o conhecimento do homem, deveríamos rechaçar, eliminar tudo o que fosse natural, como se nós, o nosso corpo e organismos fossem artificiais, ou seja, a separação total. A separação do sujeito e objeto, significando que nós temos o conhecimento objetivo porque eliminamos a subjetividade. Sem pensar que no conhecimento objetivo há, também, a projeção de estrutura mentais dos sujeitos humanos e, ainda, sob condições históricas, sociológicas, culturais precisas. (MORIN, 2004, p. 28-29).

Toda essa retomada sobre o entendimento da evolução do pensamento geográfico se faz necessária, pois a Geografia, como as demais ciências, possui a sua linguagem e o seu caráter epistemológico próprio, bem como seus instrumentos de expressão e representação. Não raro, quando perguntamos aos alunos o que é Geografia, muitos têm a mesma resposta: “são mapas”. Mapas ou o mapeamento de uma determinada área referem-se ao conhecimento cartográfico, ou seja, a Cartografia é apenas uma linguagem de apoio para a Geografia, ou melhor, uma possibilidade para analisar o espaço geográfico, com maior ou menor ênfase, dependendo da corrente, dos paradigmas e do próprio estudo geográfico. Nesse contexto, a Geografia utiliza a Cartografia como forma de espacializar, localizar decodificar e representar os fenômenos geográficos e as suas mensagens. A Cartografia ou a representação espacial de informações, inevitavelmente, está vinculada às aulas de Geografia. Ela é uma linguagem de síntese de informações espaciais, sempre ressaltando a ideia de organização do espaço geográfico. Por essa


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razão, a leitura cartográfica torna-se uma ferramenta básica em Geografia (SCHÄFFER, 1998). Logo, este artigo pretende pensar o espaço de uma maneira diferente da Cartografia Tradicional. Expressa uma proposição para o ensino de Geografia, tanto para o Ensino Fundamental quanto para o Ensino Médio, utilizando a “linguagem cartográfica” como ferramenta de análise e representação do espaço geográfico, intitulada de “mapas temáticos não convencionais”. Os mapas, a rigor, precisam contemplar signos (legenda), redução (escala) e suas coordenadas. Já a proposição aqui em análise se classifica apenas como uma figura ilustrativa, pois não contempla alguns elementos básicos para conceber a denominação de carta ou mapa. A atividade de ensino, apenas, representa o contorno do formato espacial, contendo os recortes do espaço ou das paisagens espacializadas. Logo, o enfoque não é o ensino cartográfico, mas o de analisar a disposição (localização) e as relações das diferentes paisagens que representam determinado espaço no “mapa”. Percebe-se, na contemporaneidade, que é dada ênfase, na Geografia, ao estudo das imagens. Para tal, recorre-se a diferentes linguagens na busca de informações, hipóteses e conceitos, trabalhando-se com a Cartografia conceptual, apoiada numa fusão de múltiplos tempos e numa linguagem específica, que faça da localização e da espacialização uma referência da leitura das paisagens e seus movimentos. (FRANCISCHETT, 2004, p. 06) .

O tema eleito (conteúdo) é de fundamental importância para realizar a leitura das paisagens nos “mapas temáticos não convencionais”, como também para direcionar essa estratégia de ensino para uma determinada série, etapa ou um ciclo. No Ensino Fundamental, faz-se necessário partir das paisagens visíveis e não de conceitos (isso cabe mais ao Ensino Médio). Logo, a prática de ensino, aqui proposta, busca entender a lógica que está inserida em cada paisagem (próxima ou distante), representando o espaço através das paisagens. Esse meio de ensino busca complementar a alfabetização geográfica do aluno e que também o capacite para a leitura-entendimento do espaço geográfico (KAERCHER, 1998).

A paisagem geográfica é uma generalização derivada da observação de cenas individuais. Nela, encontramos a individualidade, como também a relação entre/inter paisagens (SAUER, 1998). Silva (2002) vai além, afirmando que a trajetória geográfica vem trazendo e criando condições para o entendimento do significado, utilidade e dinâmica que as diferentes paisagens têm entre si e com nossas vidas. Considerando a perspectiva de abordagem, a intenção é de levar os alunos a identificar e compreender as diferentes paisagens e as suas (inter) relações à disposição dos sujeitos e/ou objetos, orientados por uma determinada escala geográfica, seja ela local, regional ou global. A construção dos “mapas temáticos não convencionais” pode ser realizada apenas com o auxílio de um site de busca e das ferramentas do Microsoft Office®. A internet ou o site de busca é de fundamental importância para confeccionar a montagem das imagens/paisagens, como também para obter o formato (contorno) do próprio mapa a ser trabalhado. Quanto ao Microsoft Office®, os alunos podem utilizar o Microsoft Office Word®, o Microsoft Office PowerPoint®, ou então o Microsoft Office Picture Manager®, porém todos com a mesma finalidade. A opção por determinado software ou caminho percorrido deve ser de livre escolha do aluno (afinidade, frequência de uso...), tornando-se facilmente aplicável na elaboração do trabalho em questão. De acordo com as suas habilidades instrumentais, os alunos podem utilizar imagens disponíveis na rede e criar suas próprias composições, fornecendo subsídios didático-pedagógicos, conteúdos e habilidades para a sua construção. Essas dicas são exemplos de que é possível, sem gastos extras ou recursos extraordinários, criar atividades que levem os alunos a perceber o espaço geográfico de forma mais plural e dinâmica. Podemos romper a indiferença dos alunos em relação à disciplina. (KAERCHER, 2007, p. 32).

O primeiro “mapa temático não convencional” (Figura 1) demonstra sugestões de múltiplas possibilidades de exploração. Cada espaço

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Fig. 1 - Elaborado por Bernardes, F. F., 2012

Fig. 2 - Elaborado por Bernardes, F. F., 2012. 20


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representado possui uma paisagem característica do lugar, simbolizando-o, de acordo com o tema proposto pelo professor, ou então, pelos conhecimentos prévios do próprio aluno. A cultura e a natureza estão estampadas na figura “Continentes no Mundo”. Pode-se abordar, por exemplo, as diferentes zonas climáticas, que retratam diferentes paisagens, diferentes biogeografias. Ou então, próximo ao Chile, na América do Sul (Figura 1), por exemplo, temos, como representação, a paisagem de um vulcão. Logo, a perspectiva de abordagem pode envolver outros elementos naturais que interferem, diretamente, na modificação do espaço geográfico: a estrutura da Terra e as suas dinâmicas, tanto internas quanto externas. Ainda na figura 1, pode-se enfatizar a perspectiva Humana da Geografia e a configuração do seu entorno, tanto natural quanto cultural, desenvolvendo o raciocínio geográfico a partir das seguintes reflexões/indagações: por que o espaço geográfico europeu está sendo representado pela imagem de um castelo? Por que não podemos utilizar essa paisagem para representar o Brasil, por exemplo? O que é o Velho, o Novo e o Novíssimo Mundo? Até que ponto essa divisão/visão de mundo é válida? Ou ainda, podem-se abordar questões mais complexas, direcionadas para as últimas etapas do Ensino Fundamental ou Médio: como compreendemos/percebemos o contexto histórico, cultural e geopolítico do Oriente Médio? Ou então, como os Estados Unidos da América, grande potência no contexto da Nova Ordem Mundial, oferece a liberdade iluminadora do mundo2, conforme o nome oficial da Estátua da Liberdade? Até que ponto somos livres em um sistema neoliberal? Já, na figura 2, espacializaram-se os principais tipos de vegetação da Ásia. Nesse sentido, como a vegetação é principalmente o reflexo do clima, temos diferentes espécies vegetais, diversos tipos

Segundo o National Park Service, A Estátua da Liberdade, em inglês, é The Statue of Liberty e, em francês, Statue de la Liberté, cujo nome oficial é A Liberdade Iluminando o Mundo, em inglês: Liberty Enlightening the World; e, em francês: La liberté éclairant le monde. (Disponível em: <http://www.nps.gov/stli/index.htm>. Acesso em: 15 jul. 2012).

climáticos, de acordo com determinada latitude, que configura cada paisagem. Sequoias, coníferas, xerófitas, savanas, florestas tropical e caducifólia são alguns exemplos representados na figura 2. Para não ficar simplesmente numa abordagem natural e ecológica, pode-se estender à compreensão dos diferentes impactos ambientais que essas paisagens vegetais sofrem devido à ação antrópica. CONCLUSÃO: “O PONTO DE PARTIDA COMO PROPOSTA3” Dessa forma, concluindo o exposto até então, pretendo deixar alguns exemplos de como as imagens podem contextualizar e impulsionar o desenvolvimento dos conteúdos geográficos. Os resultados e a própria construção dos “mapas temáticos não convencionais” podem despertar, nos alunos, os sentidos naturais, sociais, históricos, espaciais e, até mesmo, ideológicos. Tudo dependerá da abordagem ou da proposta do professor e a sua atuação em sala de aula, ou melhor, pela dinâmica do seu pensamento crítico e epistemológico, independentemente da sua identificação ou do reconhecimento do(s) paradigma(s) e método(s) adotado(s) em sua ação docente. Essa proposta, também, pode proporcionar aos alunos um estudo da Geografia de forma qualitativa, permitindo-lhes conhecer outras formas de discursos, através da manipulação de diferentes imagens/ paisagens que compõem o espaço geográfico. Logo, o presente artigo propõe-se a auxiliar os professores, em suas práticas pedagógicas, fornecendo subsídios para diagnosticar o aparente, o visível, o perceptível, o concreto e as suas relações. Segundo o Prof. Dr. Antonio Carlos Castrogiovanni (1998), o mapa é muito mais que percursos entrelaçados. Ele é um signo repleto de signos. O desafio é descobrir, diagnosticar e aventurar-se em hipóteses que revelem a dinâmica espacial. A Educação Básica, com urgência, deve oferecer tais desafios.

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(SPOSITO, 2004, p. 72). 21


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REFERÊNCIAS CASTROGIOVANNI, A. C. Para entender a necessidade de práticas prazerosas no ensino de geografia na pós-modernidade. In: REGO, N.; CASTROGIOVANNI, A. C.; KAERCHER, N. A. (Orgs.). Geografia: práticas pedagógicas para o ensino médio. Porto Alegre, RS: Artmed, 2007. _______. O misterioso mundo que os mapas escondem. In: CASTROGIOVANNI, A. C. et al (Orgs.). Geografia em sala de aula: práticas e reflexões. Porto Alegre, RS: AGB, 1998. COSTA, M. V. Uma agenda para jovens pesquisadores. In: COSTA, M. V. (Org.). Caminhos investigativos II: outros modos de pensar e fazer pesquisa em educação. Rio de Janeiro, RJ: DP&A, 2002. FRANCISCHETT, M. N. A cartografia no ensinoaprendizagem da geografia. Biblioteca on-line de Ciências da Comunicação. Portugal, PT, 2004. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/ francischett-mafalda-representacoes-cartograficas. pdf>. Acesso em: 12 jul. 2012. KAERCHER, N. A. A Geografia é o nosso diaa-dia. In: CASTROGIOVANNI, A. C. et al (Orgs.). Geografia em sala de aula: práticas e reflexões. Porto Alegre, RS: AGB, 1998. _______. Práticas geográficas para lerpensar o mundo, converentendersar com o outro e entenderscobrir a si mesmo. In: REGO, N.; CASTROGIOVANNI, A. C.; KAERCHER, N. A. (Orgs.). Geografia: práticas pedagógicas para o ensino médio. Porto Alegre, RS: Artmed, 2007.

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MORIN, E. Saberes Globais e Saberes Locais: o olhar transdisciplinar. Rio de Janeiro, RJ: Garamond, 2004. SAUER, C. O. A Morfologia da Paisagem. In: CORRÊA, L. B.; ROSENDAHL, Z. (Orgs.). Paisagem, Tempo e Cultura. Rio de Janeiro, RJ: EdUERJ, 1998. SCHÄFFER, N. O. Ler a paisagem, o mapa, o livro... Escrever nas linguagens da Geografia. In: NEVES, I. C. B. et al (Orgs.). Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. Porto Alegre, RS: UFRGS, 1998. SILVA, J. L. B. da. O que está acontecendo com o ensino da Geografia? In: PONTUSCHKA, N. N.; OLIVEIRA, A. U. (Orgs.). Geografia em perspectiva. São Paulo, SP: Editora Contexto, 2002. SPOSITO, E. S. Pequenas argumentações para uma temática complexa. In: MENDOÇA, F.; KOZEL, S. Elementos de Epistemologia da Geografia Contemporânea. Curitiba, PR: Editora UFPR, 2004.


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A COMPLEXIDADE IMPLÍCITA NAS ATIVIDADES TEATRAIS ESCOLARES: um pot-pourri de linguagens1

Maria Aparecida Santana Camargo2 Vaneza Cauduro Peranzoni3 RESUMO A interação do aluno com o complexo campo da arte e seu contato direto com ela é desafio para um Ensino de Arte contemporâneo e inclusivo. Como objetivo norteador do presente estudo, investigou-se a relevância das atividades teatrais no Ensino Fundamental. Nesse contexto, estudaram-se as ideias de complexidade de Edgar Morin, para elucidar o seguinte problema: qual a complexidade que está implícita nas atividades teatrais? A metodologia utilizada consistiu em pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo. Os resultados revelaram que as atividades teatrais desenvolvem a capacidade de planejar, analisar, refletir, criticar, produzir, atuar e agir em equipe. Atividades dessa natureza exercitam a complexidade e a interrelação de saberes e, com isso, possibilitam que o aluno descubra e desenvolva suas capacidades. Palavras-chave: Cooperação. Diálogo. Interdisciplinaridade. Educação. ABSTRACT The student interaction with the complex field of art and its direct contact with it is a challenge for contemporary Art Education and inclusive. As a guiding objective of this study, we investigated the relevance of theatrical activities in elementary school. In this context, we studied the ideas of complexity of Edgar Morin, to clarify the following problem: What is the complexity that is implicit in theatrical activities? The methodology consisted of literature research, a qualitative one. The results revealed that the theatrical activities develop the capacity to plan, analyze, reflect, criticize, produce, act and act together. Activities such exercise the complexity and interrelatedness of knowledge and thereby nurture the student discover and develop their skills. Keywords: Cooperation. Dialogue. Interdisciplinarity. Education.

1   Alguns fragmentos do presente texto fazem parte da obra intitulada “Teatro na Escola: a linguagem da inclusão”, publicada em 2003 pela Editora da Universidade de Passo Fundo (UPF), de autoria de Maria Aparecida Santana Camargo, resultante de sua Dissertação de Mestrado defendida em agosto de 2002, na UPF, e orientada pelo Prof. Dr André Baggio. 2   Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Professora da Universidade de Cruz Alta. Líder do Grupo de Pesquisa em Estudos Humanos e Pedagógicos (GPEHP) da UNICRUZ. E-mail: cidascamargo@ gmail.com. 3   Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), professora da Universidade de Cruz Alta, vice-líder do Grupo de Pesquisa em Estudos Humanos e Pedagógicos (GPEHP) da UNICRUZ. E-mail: vaneza. cauduro@terra.com.br.

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Introdução A dramatização acompanha o desenvolvimento da criança4 como manifestação espontânea (voluntária e com naturalidade), assumindo feições e funções diversas, sem perder jamais o caráter de interação e de promoção de busca de melhor qualidade entre ela e o meio ambiente. Essa atividade evolui do jogo espontâneo para o jogo de regras, do individual para o coletivo. “A escola geralmente impede a criança de expressar espontaneamente seu mundo. O conceito espontâneo muito pouco é trabalhado nas escolas. Os conceitos científicos já estão prontos, portanto são mais simples de serem transmitidos. Toda a expressão falada é reprimida, em geral, severamente” (GIL, 1991, p. 58). Nesse sentido, a criança possui a capacidade de teatralidade como potencial e como prática vivenciada nos jogos de faz-de-conta: “Colocandose no lugar das personagens, dão vazão aos seus impulsos, exprimem suas fobias e seus conflitos, vivem ativamente diversas situações...” (LADEIRA E CALDAS, 1993, p. 16). Assim, a escola deve tornar consciente as suas possibilidades, sem a perda do gosto lúdico e criativo, que é característica da criança: “Cabe à escola estar atenta ao desenvolvimento no jogo dramatizado (evolução que corresponde às etapas de crescimento da criança) oferecendo condições para o exercício consciente e eficaz, para a aquisição e ordenação progressiva da linguagem dramática” (BRASIL, 1996, p. 25). A Linguagem Teatral Escolar O teatro no Ensino Fundamental proporciona experiências que contribuem para o crescimento integrado da criança e do adolescente sob vários aspectos. No plano individual, proporciona o desenvolvimento de suas capacidades expressivas e artísticas; no plano coletivo, por ser uma atividade grupal, oferece o exercício das relações de cooperação, diálogo, respeito mútuo, reflexão sobre como agir com os colegas, flexibilidade para aceitação das diferenças e aquisição de sua autonomia, como resultado de poder agir e pensar com maior “liberdade”.

4   Segundo Reverbel (1996), o professor poderá adaptar as atividades teatrais a cada criança, a cada aluno e a cada grupo, independentemente da idade.

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Sentam no chão, em círculo... Todos se levantam em seguida, caminham, olhamse ou não, estão no meio da multidão, ou estão andando como homens préhistóricos, ou acabam de chegar à lua – sentem seus corpos envolver-se imaginariamente e arriscam sentir cada vez mais nas suas viagens. E assim vão alargando suas experiências e com elas na pele voltarão a sentar-se e a falar. Como foi para você fazer isso? O aprender teatral vai se sedimentando quando se traz até à consciência algo evocado e vivido com a imaginação. (LEAL, 2000, p. 93).

Inicialmente, os jogos dramáticos têm caráter mais improvisacional e não existe muito cuidado com o acabamento, pois o interesse reside principalmente na relação entre os participantes e no prazer do jogo. Gradualmente, os alunos vão compreendendo a atividade teatral como um todo, o seu papel de atuantes e vão adquirindo maior domínio da linguagem e de todos os elementos que a compõem. A elaboração de cenários, figurinos, acessórios, a organização e a sequência da história precisam ser cuidadosamente estimuladas pelo professor orientador da atividade. O professor deve conhecer as etapas de desenvolvimento da linguagem dramática da criança e como ela se referencia no processo cognitivo. Por volta dos sete anos, a criança se encontra na fase do fazde-conta, em que a realidade é retratada da maneira que é entendida, vivenciada. Ainda não é capaz de refletir sobre temas gerais, distantes do seu cotidiano... Próximo aos oito, nove anos preocupa-se em mostrar os fatos de forma realista. Está mais consciente e comprometida com o que dizer através do teatro (BRASIL, 1996, p. 26).

As aulas são organizadas em uma sequência, oferecendo estímulos através de jogos preparatórios, com o intuito de desenvolver habilidades necessárias para a dramatização, como atenção, observação, concentração, preparando temas que instiguem a criação do aluno em vista de um processo da aquisição e domínio da linguagem verbal. A aprendizagem cênica só se dá através da ação. Teatro é ação, e essa ação tem de “mexer” corporeamente. A dramatização escolar é arte coletiva e, como tal, fundamental, porque saber planejar e trabalhar em


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grupo são requisitos da contemporaneidade. O teatro é experiência comum, na qual os alunos são desafiados e estimulados a realizar tarefa coletiva. É um grupo de pessoas que atua cooperativamente. A criação hoje, se não é coletiva, não existe. Porque o ato de pensar, de criar, é um ato de se integrar enquanto indivíduo... Hoje só se pode pensar coletivamente, grupalmente. A ideia do grupo, do coletivo na atividade pedagógica é mais forte nesse momento do que foi no passado; não basta eu sugerir individualmente, solitariamente... tem que ver como essas coisas se conectam com outras coisas e outras pessoas. É esta a ideia do coletivo (TRINDADE et al., 2000, p. 25).

A capacidade de atuar em grupo é o mais importante na atividade em questão e requisito cada vez mais valorizado pela nossa sociedade. Na luta diária, procurando sobreviver e defender-se, “o homem cria, não apenas porque quer, ou porque gosta, e sim porque precisa” (OSTROWER, 1984, p. 10). A atividade grupal desenvolve a flexibilidade, a sensibilidade para aceitar as diversidades, a empatia e a sincronia com os colegas, reforçando a capacidade para resistir às pressões do cotidiano. Quem tiver maior resistência para sobreviver às pressões do mundo contemporâneo e souber tirar proveito das dificuldades será o cidadão que se colocará com maior autonomia no amanhã: “Com as ciências e com a Antropologia do século XX abremse novas questões pedagógicas. Estamos educando humanos diferentes, porque nossa concepção mudou e porque a espécie homem transforma-se ininterruptamente” (BAGGIO, 2002, p. 29). Trabalhar em grupo requer hábito, treino e auxilia para negociar melhor com as dificuldades do cotidiano, habilidades que podem ser desenvolvidas nas atividades teatrais. O humano de hoje e do futuro deverá ser multifuncional, flexível e possuidor de várias capacidades. De uma maneira geral, entretanto, a escola prefere trabalhar só com a cabeça do educando: “O ideal seria que viesse à aula só a cabeça”5. A questão 5  Citado pelo professor André Baggio, em aula do dia 15 de agosto de 2001, na disciplina “Novos Paradigmas e Educação” do Curso de Mestrado em Educação da Universidade de Passo Fundo (UPF).

da corporeidade ainda está muito longe da nossa prática e, para o professor, é mais fácil ignorar o corpo e toda a movimentação que ele implica. Mas a consciência corporal é também um dos pilares da aprendizagem e, sendo a dramatização “um potpourri de linguagens... trabalhamos música, artes plásticas, voz, corpo e teatro propriamente dito. Na escola, essas linguagens costumam ser muito compartimentadas. Se é que elas existem até mesmo enquanto disciplinas” (LEAL, 2000, p. 100). No Ensino Fundamental, o aluno pode desenvolver maior “domínio” do corpo, tornando-o expressivo, e também trabalhar melhor a verbalização. As atividades teatrais consideram o corpo, por ser carregado de expressividade, de emoção, de gestos, de movimentos. Muitos professores ainda têm “uma noção cartesiana e dualista do indivíduo: a aprendizagem ocorre na cabeça, e não em todo o corpo” (SANCHO, 2002, p. 54). A atividade teatral não anula a corporeidade; ao contrário, destaca-a. E, em muitas crianças, são visíveis as possibilidades corporais, raramente valorizadas e exploradas no espaço escolar. É neste sentido que se cria um dos mitos escolares mais difíceis de superar: a criança para aprender precisa estar quieta, pois o corpo imóvel permite que a mente se mova melhor. Tudo isso tem a ver com a criação de uma moral voltada para ver o corpo como lugar perigoso a ser controlado e vê todo o movimento como inconveniente porque incontrolável. Foi preciso que autores como Michel Foucault nos alertassem para o que se esconde no processo de disciplinarização que se dá na escola, a fim de que compreendêssemos que o que nos era apresentado como natural era na verdade o exercício de poder e controle que prepara para a submissão (ALVES E GARCIA, 2000, p. 88).

O espaço escolar pode ser o lugar que acolhe o aluno, dando chance para que ele seja bemsucedido. Pensar nas atividades teatrais é permitir essa oportunidade de participação positiva ao educando, que talvez não a encontre em outras disciplinas. O aluno poderá, assim, aumentar a autoestima ao constatar que não é um fracasso e que consegue fazer alguma coisa admirável. Crianças e adolescentes em situação precária têm de se tornar adultos bem cedo, não tendo oportunidade 25


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de serem bem-sucedidos na vida escolar. Mas atividades teatrais podem ser uma saída, pois esses alunos poderão até dizer: “Eu não consigo escrever direito, mas eu consigo dramatizar, interpretar, dançar, cantar, falar, representar...”. Assim, existe a possibilidade de uma atuação positiva na escola: “Frustração e fracasso escolar poderiam ser bastante reduzidos se os professores apresentassem a informação de várias maneiras, oferecendo aos alunos múltiplas opções de sucesso” (CAMPBELL et al., 2000, p. 26). Dessa maneira, a atividade teatral é uma linguagem com potencial transformador na vida dos alunos, com a qual todos lucram: o aluno, a escola, o professor, a família, a sociedade... porque, por ser um aprendizado intermultitransdisciplinar, propicia a construção de um ambiente que encoraja o estilo e o gosto de cada aluno. No decorrer das atividades, o professor poderá distinguir, com facilidade, os espontâneos, os contraídos, os desorganizados, os oprimidos, os opressores, enfim, uma gama de tipos humanos característicos. Para que as personalidades se revelem naturalmente, é necessário que o educador ofereça atividades num clima de ampla liberdade e que respeite as ideias e manifestações do aluno, pois a primeira e talvez única lei na educação pela arte é a liberdade (REVERBEL, 1996, p. 24).

Um educador que encoraja seus alunos a desenvolverem habilidades é porque quer que eles cresçam, dando-lhes chances e oportunidades para que possam criar e expressar suas capacidades. Isso é amar a escolha profissional. Não há educação sem amor. O amor implica luta contra o egoísmo. Quem não é capaz de amar os seres inacabados não pode educar. Não há educação imposta, como não há amor imposto. Quem não ama não compreende o próximo, não o respeita. Não há educação do medo. Nada se pode temer da educação quando se ama (FREIRE, 1998, p. 29).

Maria Clara Machado e Olga Reverbel, entre tantos outros apaixonados pelo Ensino de Arte, ao dedicarem suas vidas à atividade teatral com

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crianças e adolescentes, sabiam da sua importância e, por isso, demonstraram sua devoção a essa arte e aos seus alunos. Entretanto, também sabiam de todas as dificuldades e tinham consciência de que essas atividades exigem muito entusiasmo, boa vontade, trabalho, estudo e dedicação. É preciso, sobretudo, gostar. E cabe aqui um pensamento de Bachelard (1985, p. 31), quando menciona: O verdadeiro destino de um artista é um destino de trabalho. Em sua vida chega a hora em que o trabalho domina e conduz sua destinação. As infelicidades e as dúvidas podem atormentá-lo por muito tempo. O artista pode vergar sob os golpes da sorte. Pode perder anos numa preparação obscura. Mas a vontade de obra não se extingue desde que ele encontrou seu verdadeiro foco. Começa então o destino de trabalho... Tudo vai em direção à meta numa obra que cresce. Cada dia, esse estranho tecido de paciência e entusiasmo torna-se mais ajustado na vida de trabalho que faz de um artista um mestre.

O Professor Como Mediador e Facilitador Esse destino de trabalho do qual fala Bachelard também é o destino de um professor de arte apaixonado por seu trabalho. Em teatro, nada é de graça, tudo é suor, tudo é construído. Mas vale a pena! As atividades teatrais exigem, além da paciência e da dedicação para com os alunos, uma grande dose de entusiasmo e disposição; também exigem uma grande paixão pelo trabalho, porque não é tarefa fácil: “A complexidade é difícil. Devese conviver com essa complexidade, com esse conflito, tentando não sucumbir e não se abater” (MORIN, 2000b, p. 192). A seara do teatro, por abranger todas as outras áreas estéticas e artísticas, como as visuais, a música, a dança, a poesia, a literatura, o canto, a linguagem circense, a dramatização, enfim, exige conhecimento, pesquisa e estudo constante por parte dos facilitadores desse universo artístico. Assim, seria “[...] pedir demais que cada professor olhe além de seu âmbito de interesses? Um verdadeiro artista não se limita à sua arte. Um arquiteto não pode ser um ignorante em literatura e um pintor não pode desconhecer Mozart; mudam os meios de expressão, mas a arte é uma só” (ASSIS BRASIL,


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1999, p. 06). Nesse mesmo viés, como o teatro trabalha com várias áreas, que, no entanto, são disciplinas por si próprias, é mister que o professor de arte conheça a história da arte, da música, da dança e do teatro. Mas isso, geralmente, é inviável e dificilmente se concretiza na prática. Mesmo que o professor de arte circule por todas as áreas artísticas, ele raramente dominará todas; por isso, é muito difícil encontrar profissional polivalente nas artes. Entretanto, essa questão não é difícil de ser resolvida. Não há a imprescindibilidade de o professor de arte ser um multimídia e dominar todas as artes, como um Antonio Nóbrega6. Isso seria sobrecarregar o profissional das artes e cobrar demasiado de um professor. É oportuno esclarecer que não há a obrigatoriedade de polivalência do facilitador da arte teatral escolar. Em algumas escolas, existem profissionais específicos de cada área da arte trabalhando de maneira interdisciplinar, dentro da própria arte. Existem os cursos superiores que formam profissionais na dança, na música, nas artes visuais, nas artes cênicas... Mas quem são as pessoas que ensinam? O educador, podemos pensar, é aquele que prepara uma refeição, que propõe a vida em grupo... que celebra o saber. É do entusiasmo do educador que nasce o brilho dos olhos dos aprendizes. Brilho que reflete também o olhar do mestre. Cada aula, como um jogo de aprender e ensinar, é um instante mágico... Como um pesquisador, ele ensina porque quer saber mais de sua arte (MARTINS et al., 1998, p. 129).

Assim, o professor de arte é um mediador entre a arte e o aluno e, no cotidiano da sala de aula, a interação do olhar do professor com o olhar do aluno, e vice-versa, faz com que ambos se sintam existindo. Muitas vezes o olho do professor fala mais do que suas palavras, é uma das formas de comunicação não verbal. Como refere Gaiarsa (2000, p. 25), “os olhos percebem muito mais do que as palavras jamais conseguirão dizer. Percebem e estabelecem (ou propõem) muito mais relações pessoais – ou com objetos – do que elas. Quer as pessoas se deem conta disso, quer não”. Mais adiante, Gaiarsa afirma que “a primeira e 6

Multiartista pernambucano.

a mais fundamental das repressões é a do olhar”. Sabedor disso, o professor demonstra no olhar o seu interesse pelas opiniões, sugestões e expressões variadas dos alunos. É a comunicação não verbal, é a leitura da emoção e da expressão corporal que os educandos fazem. Eles são muito perspicazes nisso e, a partir do momento em que começam a se sentir valorizados, passam a demonstrar suas possibilidades e a criar mais. A imaginação pode levar o aluno a buscar soluções não convencionais para resolver problemas do dia a dia. Esse é também um fator que muito influi na inclusão ou exclusão do aluno perante o professor orientador da atividade teatral. Assim como a expressão do olhar é importante no ato de representar, também a expressão do olhar do professor para com o aluno é de fundamental importância. Para um educador, é imprescindível saber que “as coisas nos devolvem olhar por olhar. Elas nos parecem indiferentes porque as olhamos com olhar indiferente. Mas para um olho claro, tudo é espelho; para um olhar sincero e grave, tudo é profundeza” (BACHELARD, 1985, p. 51). Se o filho precisa do olhar da mãe para confirmar a sua existência, da mesma maneira o aluno busca no olhar do professor um “sinal verde” que valorize suas expressões e confirme o valor de suas ideias. O Todo e As Partes A arte teatral escolar, na perspectiva do senso comum, não pressupõe nenhuma complexidade. No entanto, as artes cênicas escolares são espaço de intersecção de saberes múltiplos e têm toda uma complexidade que não se revela à primeira vista. “Como já disse Blaise Pascal, o pensador-chave da complexidade, há mais de três séculos: julgo impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, nem conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes” (MORIN, 2000b, p. 80). É também com esse esclarecimento que o professor de teatro deve trabalhar. Nessa atividade escolar em questão, estão implícitos a complexidade e o ecletismo, e essa falta de linearidade significa que, em arte, não existem interpretações absolutas, mas possibilitam-se diferentes formas de entendimento e leitura, mesclando-se o que é erudito e o que é popular: “Pascal nos convidava, de alguma forma, a um conhecimento em movimento, a um conhecimento em ‘circuito pedagógico’, num vaivém, que avança, indo das partes ao todo e do 27


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todo às partes, o que é nossa ambição comum” (MORIN apud ALVES E GARCIA, 2000, p. 80). No entremear e entrelaçar de todas as artes, ao mesmo tempo em que se trabalha com cada uma delas, o que seriam as partes, também se trabalha com o todo, o teatro. É relevante ressaltar que, na presente reflexão, é essa a posição assumida pelo teatro, cuja abordagem é interdisciplinar. Nesse caso, “[...] precisamos ver como o todo está presente nas partes e as partes presentes no todo” (MORIN E LE MOIGNE, 2000, p. 56). Edgar Morin, o dito passador de fronteiras, o contrabandista de saberes, um apaixonado pelas artes em geral, principalmente pela literatura e pelo cinema, propõe-nos a reforma do pensamento por meio do ensino transdisciplinar, capaz de formar cidadãos planetários, solidários e éticos, mostrando-nos que não somos seres redutíveis a definições, rótulos ou fórmulas, mas seres complexos. Também é a isso que se propõe um ensino da arte teatral, pois esta ultrapassa fronteiras disciplinares e trabalha a solidariedade durante todo o tempo. Não existem fronteiras nessa prática, na qual tudo se reúne num só experimento: “Morin insiste na ideia de que complexidade é tudo que se entrecruza: como numa tapeçaria” (PENA-VEGA E NASCIMENTO, 1999, p. 1989). Ou ainda que “complexo é o que está junto, é o tecido formado por diferentes fios que se transformam numa só coisa. Isto é, tudo se entrecruza, tudo se entrelaça para formar a unidade da complexidade” (MORIN, 2000b, p. 188). Assim, a linguagem teatral escolar, a qual é perpassada por todas as artes, articula todos esses saberes que caminham paralelos e, ao mesmo tempo, se trançam. “A visão simplificada diria: a parte está no todo. A visão complexa diz: não apenas a parte está no todo; o todo está no interior da parte que está no interior do todo” (MORIN, 1990, p. 128). Dada sua complexidade, é útil, então, a aproximação de múltiplas áreas do conhecimento artístico para que uma peça teatral na escola possa ser concebida, produzida e apresentada. É preciso que se reúnam e se articulem os saberes, as disciplinas, e disso o teatro escolar se aproxima muito. Ele invade as fronteiras disciplinares e abrese para o diálogo e a ligação com outros campos do conhecimento. Para Morin, a abertura é necessária,

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tanto quanto a ruptura dos muros disciplinares, da invasão de um problema de uma disciplina sobre outra, de circulação de conceitos. A unidade do que até então estava dividido pode ocorrer na arte teatral por ser esta uma atividade que possibilita confluir várias áreas em prol de um trabalho comum. Mas também, como o próprio Morin (apud ALVES E GARCIA, 2000, p. 79) enfatiza: “Não se pode destruir o que foi criado pelas disciplinas, não se pode colocar abaixo todas as barreiras. Este é o problema da disciplina, o problema da ciência, bem como o problema da vida: é preciso que uma disciplina seja, ao mesmo tempo aberta e fechada”. Algumas considerações sobre o termo intertransmultidisciplinaridade, já referido anteriormente neste texto, fazem-se necessárias. No que se refere à interdisciplinaridade, as matérias se interpenetram ao trabalharem um mesmo tema. Existem aí a colaboração, a comunicação, a troca e a cooperação entre as disciplinas. “[...] Eu acreditava que para o professor trabalhar com interdisciplinaridade ele precisaria ter domínio das diversas disciplinas com que iria trabalhar. Hoje não penso mais assim, acho que o professor interdisciplinar é aquele que sabe manter uma rede na qual as diferentes disciplinas falam a mesma língua” (BARBOSA IN BARBOSA, 2002, p. 109). Quanto à transdisciplinaridade, [...] como indica o prefixo, busca um movimento de través, de perpasse entre as diferentes áreas do conhecimento. Esse enfoque é também chamado de transversalidade. No Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais apresentam a questão da transversalidade ao propor temas transversais a serem trabalhados nos currículos escolares da Educação Básica. A transversalidade proposta supõe que os temas sejam objeto de estudo em todas as disciplinas (RICHTER, 2002, p. 86).

Vê-se que, quanto à transdisciplinaridade, pode haver um tema que circule e transite entre as disciplinas, mas que também pode ir além e extrapolar. A respeito da multidisciplinaridade, “constitui uma associação de disciplinas, por conta de um projeto ou de um objeto que lhes sejam comuns [...]” (MORIN, 2000a, p. 115). Ao mesmo tempo, Morin considera os termos


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interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade difíceis de definir por serem “polissêmicos e imprecisos”. Como as atividades teatrais integram conteúdos artísticos diversos, trabalha-se muito com essa cooperação, interpenetração e associação de disciplinas. Entretanto, é imprescindível explicitar o respeito à natureza dessas diferentes linguagens, as quais devem ter guardadas as suas especificidades e particularidades, pois cada uma tem sua própria autonomia, seu próprio conteúdo e campo de ação. As Partes que Formam o Todo Ao comentar um pouco sobre essas modalidades de expressão artística, revisa-se brevemente cada uma delas. Para iniciar, cita-se a instalação, o videoclipe, a performance, a ópera, as artes circenses e o carnaval como produções artísticas que combinam elementos das artes visuais, da dança, da música, da literatura, da poesia, do teatro... As artes visuais têm a imagem como matériaprima; são as expressões visuais de uma civilização. Nessa modalidade estão incluídas as artes plásticas: a pintura, o desenho, a gravura, a escultura, a cerâmica, a tapeçaria, as artes decorativas, o design têxtil, de moda, gráfico, industrial. Também se incluem aqui as histórias em quadrinhos (que reúnem a palavra e a imagem), a charge, o cartum, a fotografia, a televisão, o cinema, a arte do graffiti, as artes que utilizam o computador, a arquitetura... A dança surgiu da necessidade que o humano sente de expressar-se através do movimento de seu corpo. Muitos acreditam ser essa a arte mais antiga do mundo. Além das danças típicas de cada lugar, existe a dança que é apresentada no teatro, geralmente contando uma história ao som da música. Os dançarinos e bailarinos são artistas que estudam em escolas especializadas e que têm de se exercitar muito para se apresentar num palco. Por sua vez, a música estimula a alma e nos faz querer dançar e cantar. A atração pela música é eterna e universal. Nunca houve uma sociedade que não criasse sua música ou seus sons específicos para exprimir tristeza, dor, felicidade, paz... Geralmente, nos momentos mais importantes de nossa vida, ela está presente; com apenas sete notas musicais, pode-se criar muita coisa. A literatura conta-nos histórias, usando exclusivamente as palavras em forma de prosa,

maneira natural de falar e escrever, ou em forma de poesia, que obedece a um conjunto de regras próprias. “Os adolescentes adquirem o conhecimento de si mesmos, de seus sentimentos, de suas verdades, de sua ética profunda por meio dos livros, dos romances ou dos filmes. Daí a importância da literatura, especialmente a romanesca, como um modo de conhecimento humano rico e profundo” (MORIN, 2001, p. 270). A literatura é uma arte, que, como as outras, também exige técnica, conhecimento e, sobretudo, sensibilidade. A poesia “faz parte da literatura e, ao mesmo tempo, é mais que a literatura, leva-nos à dimensão poética da existência humana” (MORIN, 2000a, p. 45). O teatro mostra histórias, representa e recria o real, a vida. A palavra “teatro” tem sua origem no vocábulo grego theatron, que significa “local de onde se vê”, ou seja, plateia. Um espetáculo de teatro, seja tragédia ou comédia, drama, mímica, pode ter como ponto de partida um texto escrito em seus mínimos detalhes, ou não. Quanto à questão do texto7, também são úteis algumas reflexões. Ao trabalhar a atividade teatral visando a uma posterior apresentação e não sendo um trabalho de improvisação, é preciso que alguma coisa de concreto exista, o que, no caso, seria o texto-roteiro, que norteará, guiará e contribuirá para a eficácia dos ensaios e das apresentações. “De onde nasce a encenação? De um texto dramático? De um poema? Da adaptação de um romance, de um conto, de um roteiro cinematográfico? Da adaptação de outro texto teatral? De uma canção? De uma ideia vaga? De uma imagem? De uma série de temas ou sugestões? São infinitas as hipóteses” (PEIXOTO, 1985, p. 35).

Como o próprio nome sugere, o texto deve ser entendido como um tecido que abriga um conjunto de marcas textuais sob as quais emerge a intencionalidade do autor, as quais são significadas pelo leitor (Rösing, 2001, p. 16). A autora refere (2001, p. 29) que é preciso “considerar o mundo como um texto universal e os textos oferecidos em diferentes suportes e em múltiplas linguagens, do livro à tela, como objetos do ato de ler”. Rösing (2001, p. 39-40) destaca, ainda, a importância fundamental da “leitura de textos em diferentes suportes: livros, revistas, histórias em quadrinhos, televisão, computador, slides, lâminas... e em diferentes linguagens, verbal e não exclusivamente verbal”.

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Na atividade teatral escolar, o texto serve também de roteiro do trabalho a ser encenado. Esse texto-roteiro é o plano de sequências que descreve as cenas, os diálogos, os conflitos, as entradas e saídas dos integrantes, a sonoplastia, a cenografia, etc.: “[...] o texto é a parte essencial do drama. Ele é para o drama o que o caroço é para o fruto, o centro sólido em torno do qual vêm ordenar-se os outros elementos” (MAGALDI, 2000, p. 15). Uma das coisas mais difíceis e raras, no teatro escolar, é encontrar um texto pronto para ser encenado. Até mesmo porque parte dos próprios alunos a ideia de transformá-lo e recriá-lo, contextualizando-o ou não. Diante disso, uma opção é construir um texto em que todos possam interferir. Mesmo que se parta de um texto pronto, construir um texto coletivo é muito mais estimulante para o aluno do que recebêlo pronto. Essa montagem exige leitura, pesquisa e imaginação daqueles que irão encená-lo. O processo de montagem de um texto coletivo não é difícil, mas é trabalhoso: “[...] a gente tem que suar um pouco... e é preciso uma dose muito grande de esforço, exige muito trabalho e dedicação, até botar no papel uma boa ideia” (MACHADO, 1999, p. 04). Primeiramente, deve-se reunir bastante material sobre o tema, como filmes, vídeos, CDs, livros, revistas, jornais, letras de músicas, gravuras, fotografias, textos teatrais. Nesse processo, após reunidos os grupos, começa-se a montagem, com a coleta das ideias e sugestões de todos que quiserem participar. Nessa construção, os alunos sentem-se livres para trazer tudo o que sabem para o textoroteiro. Tudo fica em aberto e nada é imposto, pelo menos, nos primeiros encontros. O texto-roteiro é flexível e está sempre aberto a modificações e mudanças durante os ensaios e apresentações: “desde que tenha vida no palco, o texto preenche o seu objetivo primordial” (MAGALDI, 2000, p. 23). O tema pode ser de tal interesse dos alunos que lhes dê chances e condições de pesquisar, sugerir, criar, opinar, inventar. Essa é uma prática que hoje vem ganhando espaço, pois os alunos, em sua grande maioria, gostam de participar desse processo e cabe ao mediador de tal processo selecionar e organizar essas sugestões. Pode-se dizer que a construção e a montagem do texto-roteiro são o primeiro passo para a encenação teatral escolar. Nessa construção, não existem regras, mas cada professor, juntamente com seu grupo de

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alunos, precisa ter em mente qual é o público-alvo e de que forma deseja atingi-lo. “[...] o texto no teatro é essencial, mesmo que os atores não abram a boca (nesse caso eles estariam representando com gestos uma história que teve de ser escrita por alguém). Mas no teatro o texto não é tudo, como acontece com a literatura... uma peça só se realiza, só ganha vida, quando chega ao palco” (FEIST, 1998, p. 50). Entretanto, “[...] o teatro não se contém no texto” (MAGALDI, 2000, p. 91) e “[...] nem todo espetáculo necessariamente existe a partir de um texto” (PEIXOTO, 1985, p. 24). Fica a questão em aberto para que o professor mediador das atividades teatrais encontre e construa seus próprios caminhos no cotidiano escolar. Imprevistos e Contratempos Muitas são as imprevisibilidades, os acasos e os inesperados que fazem parte dessa atividade em questão. Em uma dramatização, nunca se pode prever exatamente o que vai acontecer. Tanto na construção como na adaptação do roteiro, nos ensaios ou nas apresentações, algo imprevisto, não programado, inusitado, sempre acontece, o que é muito bom, porque faz dessa atividade um trabalho admirável, surpreendente, criativo, diferente. “A diferença é o inesperado, o imprevisível, o acaso. Só no século XX é que se começou a pensar na dança contínua entre o previsível e o surpreendente ou inesperado. Só o acaso é transformador... Sem acaso – se isso fosse possível – tudo continuaria a ser previsível” Tudo continuaria como sempre foi” (GAIARSA, 2000, p. 106). Foi pelo acaso, muitas vezes, que surgiram as maiores invenções e descobertas da raça humana. O novo chega de surpresa e temos de organizar tudo em torno dele. No instante em que acontece algo imprevisível, somos forçados a utilizar nossa inventividade, a treinar o nosso poder de improvisação e de criação: “Queremos criatividade, mas a criatividade é irmã do desequilíbrio, do inesperado... é desafio para a construção de novas sistematizações. Onde há desorientações e desequilíbrio é que nosso sistema cerebral constrói” (ORTH E BAGGIO, 2001, p. 139). Durante o tempo todo, a dramatização escolar tem muito de inesperado, de acaso. Até mesmo o texto dramático, a coluna vertebral que é construída para servir de roteiro e de guia, é modificado


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constantemente. E não é para ser decorado, mas dito com as próprias palavras. Infere-se com isso que o inesperado é sempre um campo fértil para a invenção. O inesperado é esperado! “A ciência clássica tinha rejeitado o acidente, o acontecimento, o aleatório... Qualquer tentativa de os reintegrar só podia parecer anti-científica no quadro do antigo paradigma” (MORIN, 1990, p. 78). Considerações Finais Nesse sentido, as atividades teatrais, trabalho particularmente complexo, exercitam todas as dimensões do humano; por isso, a cultura teatral é muito importante para que o educando possa aumentar seus saberes. A arte é também uma área de conhecimento, de produção humana ancestral e que tem conteúdos próprios: “A arte é importante na escola, principalmente porque é importante fora dela também. Por ser um conhecimento construído pelo homem através dos tempos, a arte é um patrimônio da humanidade e todo ser humano tem direito ao acesso a esse saber” (MARTINS et al., 1998, p. 13). O acesso à cultura8 está garantido no Estatuto da Criança e do Adolescente9 e deve ser promovido e incentivado: “A cegueira dos espíritos fragmentados e unidimensionais deve-se à sua falta de cultura” (MORIN, 2000c, p. 45). Ao participar das atividades teatrais na escola, os educandos estão tendo acesso a diversas manifestações culturais: “[...] a noção de homem não é uma noção simples: é uma noção complexa. Homo é um complexo bioantropológico e biossociocultural. O homem tem muitas dimensões

e tudo o que desloca esse complexo é mutilante, não só para o conhecimento, mas, igualmente, para a ação” (MORIN, 2000b, p. 130). Tudo isso se descortina na atividade teatral e nos obriga a redefinir nossas noções de aluno e de educação. Essa ideia não é um devaneio, ao contrário, é um trabalho que contribui para a transformação e o crescimento do aluno, pois o auxilia a enfrentar a complexidade do mundo. Gastón Bachelard dizia que [...] o simples é sempre o simplificado... mas tão grande é a tentação da clareza rápida que esquecemos que não existem fenômenos simples, o fenômeno é um tecido de relações... Não existem ideias simples, porque uma ideia simples deve estar inserida para ser compreendida num sistema complexo de pensamentos e de experiências (MORIN E LE MOIGNE, 2000, p. 251).

Assim também ocorre com as atividades teatrais, que, ao trabalharem com todas as artes e com as várias capacidades, são, consequentemente, um sistema complexo. Referências ALVES, Nilda; GARCIA, Regina Leite. O Sentido da Escola. 2. ed. Rio de Janeiro, RJ: DP&A, 2000. ASSIS BRASIL, Luiz Antonio de. Cultura na Escola: cuidado, o aluno pode ser induzido ao erro! Educação em Revista, Sinepe, RS, ano III, n. 17, out./nov. 1999. BACHELARD, Gaston. O Direito de Sonhar. São Paulo, SP: Difel, 1985.

“Por cultura se entende muita coisa. Pode ser sinônimo de refinamento, sofisticação e educação elaborada de uma pessoa. Mas cultura inclui ainda as maneiras como o conhecimento é expresso por uma sociedade, como é o caso de sua arte, religião, esportes e jogos, tecnologia, ciência, política. Há muitas maneiras de definir e estudar a cultura, outros recortes a fazer, outras ênfases a dar” (Santos, 1994). Para Morin (2000b, p. 52), “o homem, é um ser plenamente biológico, mas, se não dispusesse plenamente da cultura, seria um primata do mais baixo nível. A cultura acumula em si o que é conservado, transmitido, aprendido... O homem somente se realiza plenamente como ser humano pela cultura e na cultura!”. 9   Cap. IV, art. 58, 2011, p. 1087. 8

BAGGIO, André. Crise dos Paradigmas: intertransdisciplinaridade. In: RAYS, Oswaldo Alonso. (Org.). Educação: ensaios reflexivos. Santa Maria, RS: Pallotti, 2002. BARBOSA, Ana Amália. Interdisciplinaridade. In: BARBOSA, Ana Mae. (Org.). Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte. São Paulo, SP: Cortez, 2002.

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Pedagogias de gênero na mídia: um exame das pesquisas (2000-2010) sobre as publicações nas revistas do Brasil

Denise Quaresma da Silva1 Cristina Ennes da Silva2 Resumo Neste texto, apresentamos os resultados de um estudo bibliográfico sobre as produções científicas que analisam representações de gênero nas revistas, objetivando contribuir para o debate sobre as pedagogias de gênero que se articulam nessa mídia, identificando perspectivas, singularidades, alcances e limitações dos trabalhos realizados nessa área temática. Foram localizados e analisados artigos científicos, dissertações de mestrado e teses de doutorado publicados/as ou defendidas no período 2000-2010 por autores/as do Brasil. Para a análise desses estudos, utilizou-se a análise de conteúdo proposta por Bardin (1979), elencando como categorias: perfil dos/das autores/as, tipos de revistas estudadas, temas explorados, referenciais teóricos assumidos e metodologias empregadas. As investigações examinadas confirmam a extensão desses estudos, o tema preocupa e ocupa majoritariamente mais às mulheres que aos homens e predomina o exame de revistas femininas. Palavras-chave: Gênero. Revistas. Pedagogias de gênero. Masculinidades. Feminidades. Abstract: This article shows the results of a bibliographic study on scientific productions which analyze gender representations in magazines, with the goal of contribuiting for the debate about the pedagogies of gender that are articulated in this media, identifing perspectives, singularities, ranges and limitations of the researches conducted on this theme. Scientific articles, master’s dissertations and doctoral theses published or presented between the years 2000 and 2010 by Brazilian researchers were the sources to do a bibliographic study about this topic. It was used the content analysis and the categories were: profile of authors, types of magazines, topics, theories, and methodological perspectives. The main results reveal that this is a subject potentially in expansion, the topic is most important to women than men, the researches are fundamentally focalized in female magazines. Keywords: Gender. Magazines. Gender pedagogies. Masculinities. Femininities.

Doutora em Ciência da Educação. Professora e pesquisadora da Universidade Feevale, Novo Hamburgo. E-mail: denisequaresma@feevale.br. 2  Doutora em História. Professora e pesquisadora da Universidade Feevale, Novo Hamburgo. E-mail: crisennes@ feevale.br. 1

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Introdução Para esta escrita, estamos interessadas nos estudos das revistas como uma das expressões da mídia que na atualidade tem uma importante implicação na produção de representações de identidades de gênero. Nas imagens, nos comentários e nas notícias das revistas, circulam múltiplos discursos sobre gênero, tanto representações hegemônicas, tradicionais ou instituídas quanto representações desvalorizadas, transgressoras, emergentes ou dissidentes, resultando em um universo de significados diversos, ambíguos, socialmente produzidos e em conflito. Portanto, as revistas constituem um dispositivo em que convergem, em uma disputa política, diferentes discursos sobre gênero (FIGLIUZZI, 2008; FIGUEIRA, 2002; KLANOVICZ, 2001; SANTOS, 2004). Poucas pessoas escapam hoje das criativas táticas que as diversas revistas desenvolvem para conquistar seu público. Elas abordam temas para todos os gostos, inclusive para todas as idades. Assim, encontramos revistas que abordam temas como beleza, moda, dieta, receitas de cozinha, personalidade, sexo, cinema, religião, economia, família, negócios, carros, ciência, arte, música, dança, esportes, artesanato, etc. Também existem revistas para meninas/os, adolescentes, adultos e para a terceira idade. Mas, independentemente do tema e do público, todas elas parecem estar preocupadas e ocupadas em falar alguma coisa sobre como devem ser homens e mulheres. O que dizem e ensinam as revistas no campo de gênero vem atraindo diversos/as pesquisadores/as do Brasil, confirmando que as revistas se consolidam cada vez mais como uma instância autorizada para falar, classificar, propor e ordenar axiologicamente representações de feminilidades e masculinidades através dos diferentes saberes que circulam nos seus textos e nas imagens. Nossa contribuição nesse debate se refere ao exame dessas práticas investigativas, seus posicionamentos e modos de fazer, oferecendo um levantamento atual e relativamente abrangente sobre as indagações nessa área de estudo. Com essa finalidade, apresentamos este texto, que se constitui de um estudo qualitativo e quantitativo, bibliográfico e descritivo, tendo como objetivo analisar artigos publicados em revistas científicas brasileiras e teses e dissertações defendidas entre os anos de 2000 e 36

2010. Esses artigos e as produções acadêmicas que investigamos versam sobre as identidades de gênero, problematizando ou descrevendo as representações que circulam na imprensa (revistas). Os focos de interesse das pesquisas, o enquadramento teóricometodológico adotado e o perfil das/os autoras/es constituíram as principais categorias definidas para a análise. As revistas como dispositivo educativo de gênero O conceito gênero é considerado, na atualidade, como uma dimensão da cultura, que, juntamente com outras significações de nível ideológico, articula os sistemas de relações que estabelecemos na cultura, na sociedade. Isso mostra que as posições destinadas historicamente para homens e mulheres não são condicionadas por fundamentos biológicos, mas pelas construções sociais, culturais e políticas sobre o feminino e o masculino, tornando-se um princípio fundamental da organização social que se entrecruza com outras variáveis, como classe, raça, nacionalidade, sexualidade, profissão, religião, idade, nível educacional. Nessa direção, Scott (1995) postula que o conceito de gênero tem duas interpretações: gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos, e gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder. Ou seja, gênero refere-se a uma complexa rede de símbolos, crenças, padrões de comportamento, traços, valores, representações, que configuram modos de pensar, sentir e agir em feminino ou masculino e determinam nossos espaços, funções e destinos na sociedade. Diversas instâncias (escola, família, igreja, organizações) participam ativamente na produção de masculinidades e feminilidades. Louro (2010) descreve a existência de um trabalho pedagógico ininterrupto, reiterado e ilimitado baseado em um conjunto de “mandamentos” sobre como devem ser homens e mulheres, quais comportamentos devem valorizar, quais as atitudes e os gestos adequados a cada um dos gêneros, bem como o que pode e deve fazer cada um deles. Quando falamos dessas identificações ensinadas, valorizadas, permitidas e estimuladas, é impossível não ter em conta a participação da mídia nesse processo e, especificamente, das revistas como mídia impressa. As revistas, segundo Bassanizi (1996, p. 16),


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[...] tentam corresponder à demanda do público leitor, considerando seu modo de agir e pensar, ao mesmo tempo em que procuram discipliná-lo e enquadrá-lo nas relações de poder existentes, funcionando como um ponto de referência, oferecendo receitas de vida, impingindo regras de comportamento, dizendo o que deve e principalmente o que não deve ser feito.

Ou seja, as revistas transmitem conselhos e recomendações que indicam caminhos, atitudes, comportamentos a serem seguidos pelos homens e pelas mulheres, algumas vezes, na lógica heteronormativa, outras vezes, na direção da legitimação da diversidade. Isso confirma a convergência de diversas representações sobre como devem ser homens e mulheres. Por isso, as/ os pesquisadoras/es envolvidas/os nesse campo buscam apontar: [...] os modos pelos quais características femininas e masculinas são representadas como mais ou menos valorizadas, as formas pelas quais se re-conhece e se distingue feminino de masculino, aquilo que se torna possível pensar e dizer sobre mulheres e homens que vai constituir, efetivamente, o que passa a ser definido e vivido como masculinidade e feminilidade, em uma dada cultura, em um determinado momento histórico (MEYER, 2003, p. 14).

Nesse sentido, torna-se um imperativo com altas implicações políticas a problematização da constituição cultural e o governo das identidades de gênero através das revistas, buscando desconstruir tais representações para desestabilizar ou interpelar as “verdades” sobre gênero que ali são veiculadas. Ou seja, faz-se necessário estudar a relação entre gênero e mídia, entendendo essa última como imprensa, grande imprensa, jornalismo, meio de comunicação, veículo, levando em conta a conexão entre mídia e política (GUAZINA, 2007). Estudos realizados nos anos 70, em outros países, permitem a apresentação do exame das revistas como um tema que tem sido de grande utilidade para visibilizar a significação das diferenças de gênero nos meios de comunicação. Desde essa época, as denominadas revistas femininas interessam para estudos acadêmicos. Citamos Friedan (1975), que aborda, a partir de uma

perspectiva sociocrítica, como são representadas as mulheres nesse tipo de revistas. Na mesma década, Courtney e Lockeretz (1971) identificaram a associação naturalizada que apresentam as revistas nos anúncios publicitários entre o feminino e o doméstico: o lugar da mulher é o privado, sua casa. Esse foi também o foco de interesse para Goffman (1976), que realizou um estudo sobre a imagem feminina nos anúncios, tanto em periódicos como em revistas, identificando a existência de assimetrias e desigualdades na projeção midiática de homens e mulheres. Finalizando os 70, podemos citar Winship (1987), que defende: os gostos femininos, incluindo a atração pelas revistas, são construídos de acordo com as fantasias e os desejos masculinos. Esses estudos apontados tinham em comum a delimitação de suas análises ao produto comunicativo. Posteriormente, uma parte importante dos estudos de comunicação que estavam interessados no tema de gênero abordou apenas as mulheres heterossexuais (as pesquisas científicas examinando identidades homossexuais são quase nulas, sendo que o mesmo ocorre com a relação gênero-raça/ etnia) e foi impactada pelas contribuições teóricas dos estudos culturais. Ainda que os estudos que envolvessem a mídia audiovisual tenham sido os mais explorados, as revistas, em especial as femininas, também foram objeto relativamente recorrente nas pesquisas (GALLEGO, 1990; STUART, 1990; WINSHIP, 1987). Especificamente no Brasil, Escosteguy e Messa (2008) referem, em estudo realizado, que, das 754 teses e dissertações defendidas entre 1992-1996, apenas doze foram consideradas como estudos de gênero e comunicação, e cinco enfocaram a temática na mídia impressa, tomando como foco predominante a mensagem vinculada. Acrescentam que, “dentro das universidades brasileiras, os vínculos entre a pesquisa de comunicação e os estudos de gênero são ainda pouco explorados” (p. 14). Essas autoras inventariaram também as teses e dissertações apresentadas nos programas de pós-graduação no país entre os anos 1996 e 2002, procurando estudos de gênero associados aos estudos de mídia em que a análise de gênero fosse o motivo da pesquisa e concluíram que, apesar de ainda tímida, a presença dessa temática vem ganhando força no âmbito acadêmico.

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Procedimentos metodológicos para o estudo bibliográfico Quando fazemos uma pesquisa bibliográfica, procuramos conhecer, analisar, descrever ou caracterizar contribuições científicas sobre um determinado assunto (CERVO e BERVIAN, 2002). Com os estudos bibliográficos, pretendese acompanhar os saberes construídos em um determinado campo do conhecimento, visando a identificar, registrar, analisar, descrever, caracterizar e inclusive avaliar os produtos científicos correspondentes (CAMPOS, 2003). Pádua (2003) apresenta uma proposta de passos a seguir para o desenvolvimento da pesquisa bibliográfica: busca e localização dos textos, seleção dos textos conforme os objetivos, leitura e análise dos materiais, anotações, registros e organização dos dados em relação ao tema levantado para posterior verificação e reflexão. Para isso, é necessário estabelecer, antes ou depois da leitura dos textos, as categorias para as análises que serão feitas, pois, segundo Minayo (1994), as categorias para a análise podem ser formuladas antes do trabalho de campo e após a coleta de dados, inclusive, o/a pesquisador/a deve estar aberto/a à possibilidade de reformular suas categorias em determinados momentos do processo investigativo, atendendo à emergência de informações ou dados relevantes. Nas pesquisas bibliográficas, é muito comum o uso da técnica de análise de conteúdo, que, além do seu caráter descritivo, possibilita interpretações e inferências por parte do/a pesquisador/a acerca do material em exame (BARDIN, 1979). Em nosso caso, para a análise de conteúdo, primeiramente realizamos um levantamento dos artigos publicados em revistas científicas brasileiras e das teses e dissertações defendidas no país no período eleito para a análise, selecionando as produções científicas que abordassem a participação das revistas na produção das identidades de gênero. Esse foi nosso principal critério de inclusão para a seleção dos artigos e das teses e dissertações, além de serem escritos por autores/as do Brasil. Foram identificados os artigos, as teses e as dissertações que se ajustaram a esses requisitos, agregando também que a data de publicação do artigo ou de defesa das teses e das dissertações estivesse no período de 2000 a 2010. Fizemos a coleta dos artigos na modalidade de revisão eletrônica on-line de acesso gratuito diretamente 38

no site das revistas científicas e nas bibliotecas eletrônicas das universidades. Para localizar os textos, empregamos três alternativas de busca: através do sistema de busca das revistas incluídas na coleção Scielo Brasil, da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações do Ministério da Ciência e Tecnologia, do Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Depois disso, procedeu-se à leitura minuciosa com o objetivo de obter as informações que interessam a este estudo. As categorias para a análise das pesquisas às quais se referiam os artigos, as teses e as dissertações localizados transitaram por diferentes momentos de reformulação enquanto emergiam elementos relevantes para o estudo, sendo finalmente eleitas as seguintes categorias: perfil profissional das/os autoras/es, localização institucional da pesquisa, temas das pesquisas, perfil das revistas estudadas, referenciais teóricos elencados e metodologias utilizadas. Uma análise a partir das pesquisas O conjunto total de investigações inventariadas que tiveram, como enfoque temático, as questões da análise de revistas para examinar representações de gênero no período de 2000 a 2010 resultaram em 47. Desse total, temos nove artigos, vinte e cinco dissertações e treze teses. Isso assinala um campo temático em significativa expansão. Se, entre 1992 e 1996, foram localizadas apenas cinco pesquisas (ESCOSTEGUY E MESSA, 2008), no período 20002010, esse número se multiplicou em pouco mais do que nove vezes a mais do que na década de noventa. Das quarenta e sete produções localizadas sob a forma de artigos publicados ou de teses e dissertações defendidas, dezesseis (16) corresponderam à Universidade Federal do Rio Grande do Sul; dez (10), à Universidade de São Paulo, seis (6) da Universidade Federal de Santa Catarina e cinco (5) da Universidade Estadual de Campinas. As restantes produções procediam da Universidade de Brasília (2); Universidade Federal de Minas Gerais (1); Universidade Federal de Brasília (1); Universidade do Estado de Santa Catarina (1); Universidade Federal de Viçosa (1); Universidade Presidente Antonio Carlos (1); Universidade Federal do Rio de Janeiro (2) e Universidade Metodista de São Paulo (1).


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A temática constitui uma área de pesquisa bastante promovida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na Universidade Estadual de Campinas, na Universidade de São Paulo e na Universidade Federal de Santa Catarina. As referências utilizadas revelam que, nessas instituições, existem grupos de pesquisas que privilegiam e estimulam as análises com perspectiva de gênero. Inclusive, algumas possuem uma tradição interpretativa da mídia como uma instância pedagógica que ensina sobre práticas culturais e sociais, o que abre as possibilidades de promover as pesquisas sobre essa temática na área da Educação. Ao perfilar profissionalmente as/os pesquisadoras/es, podemos constatar que procedem de diversas áreas ou disciplinas das ciências sociais, como Educação, Educação Física, História, Antropologia, Linguística, Comunicação, Psicologia, Administração, Economia e Ciências Políticas. No entanto, parece-nos pertinente destacar que apenas foram registradas nove produções que foram desenvolvidas no âmbito de programas de pós-graduação em Comunicação. Isso poderia ser interpretado como um indicador da pouca valorização dos estudos de comunicação com enfoque de gênero e mostra a necessidade de promovê-los. Também foi possível perceber que esse tema continua preocupando e ocupando majoritariamente mais as mulheres que aos homens. Somente cinco homens estiveram participando como autores no total dos 47 textos revisados. No entanto, entre as pesquisas inventariadas, encontram-se estudos que respondem à demanda de aprofundar o estudo das masculinidades, que aparecem como aspecto central em dez pesquisas. Por outra parte, todas as pesquisas aludem às representações do ser homem ou mulher como referencial teórico analítico, mas assumem trajetórias e dimensões de análises diversas para problematizar essas representações, embora seja o corpo (masculino ou feminino) o objeto de análise predominante nelas. Também é recorrente, mesmo que não seja sempre explicitada, a análise limitada às identidades masculinas e femininas heterossexuais. A masculinidade homossexual como foco principal de interesse aparece em quatro pesquisas: “Masculinidade em revista: um estudo da VIP Exame, Sui generis e Homens” (MONTEIRO,

2000), “A homossexualidade nas bancas de jornal: a enunciação do assumir-se homossexual na imprensa especializada” (KRONKA, 2000), “Corpos em evidência: uma perspectiva sobre os ensaios fotográficos de G-Magazine” (RODRIGUES, (2007) e “Repórter Eros. O sexo no jornalismo de revistas masculinas, femininas e gays” (COSTA, 2000). Nenhuma pesquisa aborda outras representações, como a bissexualidade e a feminidade homossexual, o que aponta a existência de uma área inexplorada ou pouco explorada nas revistas. A problematização das representações de gênero incluindo outros articuladores, como raça e classe, aparecem também de forma quase inexistente, constatamos, nesse período, somente uma pesquisa versando sobre raça, intitulada “As Cores da Mulher Negra no Jornalismo: o discurso nos jornais e revista”, de Silva (2002). As fontes para realizar as análises desses temas foram predominantemente revistas brasileiras, com exceção de três pesquisas que incluíram revistas estrangeiras, uma em revistas de Canadá, “Feminismo e representações sociais: a invenção das mulheres nas revistas femininas” (SWAIN, 2001), e três que estudaram revistas norte-americanas: “Corpo e outras (de)limitações sexuais: uma análise antropológica da revista Sexuality and Disability entre os anos de 1996 e 2006” (MEINERZ, 2010), “Da mulher-objeto ao objeto mulher, o novo no mesmo: as representações de gênero e suas máscaras no discurso publicitário” (FROTA, 2001) e “Mulher e Ciência: questões e problemas da inserção feminina na pesquisa científica identificados pela agenda setting de dois periódicos científicos internacionais” (ARAÚJO, 2002). Com relação aos tipos de revistas que foram objeto de análise, encontramos revistas infantis, femininas, para adolescentes, para homens, para professoras/es, sobre carros, sobre família, de negócios, de skate, de educação física, revistas científicas altamente qualificadas e revistas editadas por instituições religiosas. Nota-se, nessa área de estudo sobre mídia impressa e gênero, um acentuado interesse pelo discurso das consideradas revistas femininas ou destinadas às mulheres. Das 47 pesquisas às quais tivemos acesso, 18 ocuparamse de questionar o tipo de revistas, colocando como principal argumento a grande difusão e o consumo que elas possuem na população feminina. No entanto, é interessante destacar que também outros 39


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tipos de revistas, como as científicas, estejam sendo corpus de análises e consideradas como um espaço que carrega e vincula discursos sobre gênero e sexualidade, discursos que, acima de quaisquer outros, são considerados como verdades. A partir delas se estabelecem, na sociedade, hierarquias, classificações e, sobretudo, delimita-se o “normal” e o “anormal”. Quanto aos referenciais teóricos incorporados para a compreensão dos objetos de estudo, confirmamos que todas as pesquisas se encontravam fundamentadas no campo dos estudos de gênero e dos estudos culturais de inspiração pós-estruturalista. As/os autoras/es operam nas pesquisas, geralmente, com os conceitos de representação, gênero, corpo, discurso, poder, identidade, diferença, sexualidade, sexo, currículo, pedagogias culturais, práticas regulatórias e modos de endereçamento. Para a descrição desses conceitos, foram elencadas, de modo recorrente, as contribuições teóricas de Beauvoir (1990), Foucault (1985), Scott (1995), Butler (2010), Hall (1997), Badinter (1993), Bourdieu (1995), Connel (2003), Louro (2008) e Silva (1995). Isso reflete uma interpretação do gênero que supera perspectivas essencialistas e defende que as posições destinadas historicamente para homens e mulheres não são condicionadas por fundamentos biológicos, mas pelas construções sociais, culturais e políticas sobre o feminino e o masculino, tornando-se um princípio fundamental da organização social. O enquadramento metodológico das pesquisas mapeadas correspondia com a perspectiva teórica assumida, sendo especificamente declaradas como pesquisas qualitativas, o que não descarta a inclusão de algumas análises quantitativas. Incorporaram como ferramentas, quase em todos os casos, a análise do discurso e, em minoria, a análise de conteúdo. Parece-nos pertinente destacar a pesquisa desenvolvida por Meinerz (2010) na perspectiva antropológica, em que a autora se apropria da etnografia como ferramenta válida para examinar objetos que não são pessoas em seus valores e práticas cotidianas. Além dos exemplos comentados para descrever as escolhas metodológicas, também resultou peculiar o uso da fonte oral como recurso metodológico na pesquisa “A revista Capricho como um lugar de memória (décadas de 1950 e 40

1960)” (MIGUEL, 2009). Nesse caso, a entrevista grupal com um grupo de mulheres leitoras foi o procedimento metodológico empregado. A entrevista incluiu-se igualmente em “Masculinidade em revista: um estudo da VIP Exame, Sui Generis e Homens” (MONTEIRO, 2000), para entrevistar os editores dessas revistas, e Tomé (2002) utilizou essa técnica em “O Corpo da Mulher - verdades e mitos sobre o ato fotográfico na Revista Playboy”, para aprofundar nos motivos da atração da imagem do corpo da mulher no âmbito masculino, dialogando com produtores editoriais, fotógrafos, modelos e leitores da revista. Na grande maioria dos casos, os textos ou as imagens das revistas (as mensagens) constituíram as fontes das análises para descrever as representações de gênero que circulam nesse tipo de mídia, o qual evidencia um olhar principalmente direcionado ao produto comunicativo. No entanto, é importante lembrar que a mídia se apropria de significações simbólicas que circulam na sociedade, as reproduz ou transforma e as coloca à disposição da sociedade, que, por sua vez, as (re) interpreta. Ou seja, assumir o público leitor ou consumidor das revistas resulta tanto válido quanto necessário, seja para acessar as ideologias subjacentes na mídia, seja para aprofundar na subjetivação das mensagens, já que o receptor confere aos produtos midiáticos novos sentidos. Nessa linha, encontramos o estudo de Miguel (2009) e Tomé (2002), que incorporam os leitores nas suas indagações. Nessa assertiva, consideramos que o estudo de Monteiro (2000) também se destaca, por examinar não só os sentidos internos aos materiais impressos, mas também os contextos e processos de produção editorial desses produtos. Esse aspecto implicou, por exemplo, entrevistar os editores e analisar as redações nas quais são produzidas essas revistas, o que constitui um procedimento metodológico peculiar em relação às demais pesquisas. Considerações finais Gênero e mídia apresentam-se como um campo investigativo que vem despertando o interesse de profissionais de diferentes disciplinas intrigadas/ os com os discursos em torno das temáticas de gênero e objetivando explorar as representações de feminidades e masculinidades circulantes na mídia impressa e audiovisual, bem como as posições que têm essas representações, assim como


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as subordinações, marginalizações, negociações e cumplicidades que se estabelecem nas suas interrelações e no interior de si mesmas. O mapeamento, o acesso e a análise dessas pesquisas, apresentadas sob a forma de artigos, dissertações ou teses, permitem-nos apontar as seguintes ideias: - nossos exames revelaram que as masculinidades aparecem como aspecto central em um número não depreciável das pesquisas localizadas, o que pode ser compreendido como uma maior consciência, por parte das mulheres e dos homens, da necessidade de aprofundar os entendimentos das temáticas de gênero nessa direção; - o interesse pelas representações de identidades masculinas e femininas heterossexuais aparece de forma recorrente, mas a masculinidade homossexual, a feminidade homossexual e a bissexualidade, por exemplo, aparecem pouco ou quase não aparecem; -faz-se necessária a problematização das representações de gênero incluindo outros articuladores, como raça, etnia e classe social.

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ESTÉTICA INTER E TRANSDISCIPLINAR: LINGUAGEM E SUBJETIVIDADE NA CONTEMPORANEIDADE

Rosa Maria Blanca1 RESUMO O artigo propõe um mapeamento das abordagens da pesquisa em imagens, em um nível epistemológico, teórico e metodológico. Expõem-se suas principais autoras e seus autores, as suas interfaces com outras áreas de conhecimento e as categorias com as quais operam. O que nos interessa é pesquisar como opera a subjetividade em abordagens determinadas. Ou seja, se a subjetividade é tomada como uma categoria social ou individual e, também, quais são suas incidências no campo da cultura. Não é o nosso objetivo esgotar as abordagens, nem as metodologias, simplesmente discutir aquelas categorias que estão relacionadas com a dimensão estética: a relação entre linguagem e subjetividade. Palavras-chave: Estética. Imagem. Inter e transdisciplinaridade. Linguagem. Subjetividade. ABSTRACT The paper proposes a mapping of the research approaches in images in an epistemological level, theoretical and methodological. It explains its main authors and writers, their interfaces with other areas of knowledge and the categories into which they operate. What interests us is to investigate how subjectivity operates on certain approaches. That is, if subjectivity is taken as a social category or individual is also its implications in the field of culture. It isn’t our goal to exhaust the approaches or methodologies, simply discuss those categories that are related to the aesthetic dimension: the relationship between language and subjectivity. Keywords: Aesthetics. Image. Inter and transdisciplinary. Language. Subjectivity.

Artista e professora do Curso de Artes Visuais da Universidade Feevale. Leciona Estética e História da Arte, Filosofia e Crítica da Arte e Teorias da Arte Moderna e Contemporânea. Possui Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas (UFSC) e Mestrado em Artes Visuais (UFRGS). Pesquisadora Associada do Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (NIGS/UFSC). E-mail: rosamariablanca@feevale.br. 1

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Introdução O presente artigo tem como objetivo construir uma metodologia da pesquisa em imagens que nos permita constituir uma estética interdisciplinar. Como se carece de uma estética inter e transdisciplinar, propomos abordagens que favoreçam o trânsito entre diferentes áreas do conhecimento para o estudo estético de práticas contemporâneas artísticas, hipermidiáticas e tecnológicas. Dessa forma, o artigo está destinado para o campo da educação e pesquisa em artes visuais, provocando desafios inter e transdisciplinares em discentes, docentes, pesquisadores/as e artistas. Inserido em um contexto de pesquisa contemporânea, o artigo pretende contribuir para a constituição de conceitos operativos que nos tornem possível a elaboração de objetos de estudos próprios de uma estética interdisciplinar. Pretende-se fazer um percurso crítico recorrendo a distintas autoras e autores, não nos remetendo unicamente a fontes epistemológicas. Não estamos propondo uma nova metodologia. Muito pelo contrário, uma metodologia interdisciplinar aplica a problematização do uso de seus próprios conceitos operativos. Decidimos, então, pesquisar abordagens teóricas com suas respectivas metodologias, antes de nos guiarmos por um modelo de estudo teórico. Nosso argumento é de que as abordagens epistemológicas correspondem a modos instituídos de conhecimento, o que implica que pesquisar a maneira como se usa a linguagem leva a questionar o estatuto existencial da imagem dentro de um contexto de estética e subjetividade. Como tem sido instituída essa linguagem nas distintas abordagens epistemológicas e teóricas em imagens? Como operam categorias metodológicas na produção de imagens? Temos visualizado quatro abordagens da pesquisa em imagens: iconológica, analógica, pós-estruturalista e pós-teórica. Na abordagem iconológica, focalizamos o método iconológico/ iconográfico, fenomenológico e psicanalítico. Dentro da abordagem analógica, inserimos o método sociológico e aquelas metodologias de tipo formalista, como a semiótica. Para a abordagem pósestruturalista, apresentamos o desconstrucionismo, o pós-modernismo e os estudos culturais como eixos teóricos que fazem parte de tal abordagem. Na abordagem pós-teórica, pesquisamos dois níveis:

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aqueles sistemas de pensamento vinculados com a filosofia analítica e as propostas sistêmicas, também denominadas como sistemas múltiplos. Os métodos que incluímos nesse tipo de vertente são o método genealógico, o universalizante e o rizomático. Abordagem iconológica Na abordagem iconológica, a imagem é considerada como um campo de representação simbólica, que atua tanto em um âmbito institucional como no individual, ambos de significação política e cultural. A abordagem iconológica relacionase mais com a arte figurativa e com técnicas imagéticas tradicionais, tais como pintura, escultura e desenho. Há também e, principalmente, na contemporaneidade, as imagens artísticas que circulam na Internet, como as fotografias digitais e os stills de vídeo e filmes, podendo ser pesquisadas dentro de uma iconologia de globalização. Na iconologia, imagens são concebidas como ícones e símbolos. A primeira metodologia que se pretende pesquisar, iconologia/iconografia, refere-se aos estudos que concebem um repertório de imagens como ícones da sua própria cultura. Temos como pioneiro, nos estudos iconológicos, Aby Warburg (2007). A iconologia parte do princípio de que um conjunto de imagens cria, descreve e institucionaliza uma cultura. O mais importante dessa abordagem é o valor que Warburg dá à imagem, antes mesmo do que a obra de arte (2007). Isso quer dizer que a iconologia desprende a imagem a partir de um tema em particular e que pode ser expresso na obra de arte, mas sempre em articulação com a cultura ou com os sujeitos culturais. O estudo da arte espelha o problema de uma cultura. As mutações imagéticas estão conectadas. Trata-se de um modelo diacrônico. A imagem adquire um corpo tanto conceitual quanto abstrato, ou seja, opera na materialidade da arte e na psique de cada cultura, transmitindo-se ao longo do tempo. O projeto inicial de Warburg (2007) estava centrado em um estudo transdisciplinar através de um exame dos vários níveis da produção, os quais ele denominava como documentos culturais. Podemos sugerir que seus estudos já apontavam para uma estética transdisciplinar. Filosofia, antropologia e etnografia sempre foram parceiras


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nas ações de Warburg (2007). Formas de expressões artísticas extremas deveriam ser estudadas como documentos culturais para o entendimento de uma complexidade, de estruturas e tendências históricas. Assim, a abordagem iconológica valoriza a cultura. As imagens são herdadas pela tradição. O estudo deve recorrer também a fontes literárias. Consideramos a cultura como um processo de transmissão, no qual o que importa é a supervivência. Levando em consideração esses últimos dois aspectos, podemos dizer que a iconologia pode ser inserida em um paradigma difusionista. As soluções artísticas não são uma preocupação com os estilos, mas sim motivos de confrontação e correspondem a decisões éticas, por parte das/os artistas, vinculadas com o passado (AGAMBEN 2007). A principal categoria de análise utilizada é o símbolo, o qual é denominado por Warburg como dinamograma, transmitido em um estado de tensão máxima e que, de acordo com a época, pode ter um significado diferente. O símbolo pertence a uma categoria intermédia entre consciência e reação primitiva. Finalmente, de acordo com Warburg, tanto criação e gozo da arte precisam da fusão de duas atitudes psíquicas: um abandono do eu e uma distância com a contemplação ordenadora (2007). A iconologia seria uma ciência do intervalo, entre a posição das imagens como causas e na posição de tais como signos (AGAMBEN 2007). Vemos como o significado iconológico de uma imagem obedece a uma abstração que encontra sua manifestação na arte. A segunda metodologia apresentada, nessa abordagem iconológica, está ligada à percepção da imagem. Trata-se da metodologia da fenomenologia. O seu principal objetivo é a tomada de consciência do ser para o mundo. O método fenomenológico tem como principais expoentes Maurice Merleau-Ponty (2006) e Jean-Paul Sartre (1996). Concordamos com Foucault, quando se trata de um empreendimento que reivindica a consciência humana como condição para a liberdade do indivíduo e que, portanto, se opõe à psicanálise (FOUCAULT, 1968). O nosso objetivo não é colocar em discussão filosófica ou paradigmas, e sim discutir metodologias que guardam em comum a forma como relacionam a linguagem e a subjetividade.

Na contemporaneidade, autores como Henri Rubin (1998) (re)apresentam o método fenomenológico como uma experiência de conceber uma imagem do “Eu”. Rubin parte do pressuposto fenomenológico de que a essência e a experiência são derivadas da subjetividade materializada mais do que forças externas discursivas. Ou seja, a existência não depende apenas do meio físico e social. Rubin (1998) questiona: como o sujeito pode abraçar uma visão que não corresponde ao que ele sente? Assim, propõe um conhecimento gerado pela experiência do “Eu”. Em contraposição a métodos de análise que pretendem penetrar as essências e demonstrar a ficção de seu caráter fixo e naturalizado, a fenomenologia argumenta que as essências sempre constituíram uma subjetividade materializada. O que a fenomenologia sugere, explica Rubin (1998), é que se reconheça que o mundo discursivo é renovado e potencialmente contestado em cada corpo e surge através da consciência dos indivíduos. A fenomenologia é metodologicamente descritiva e legitima o conhecimento do sujeito desde o ponto de vista de possibilidades críticas, em constante negociação com o mundo. Rubin argumenta que o corpo é o primeiro nível pelo qual o “Eu” existe. Por esse motivo, o corpo nunca pode chegar a ser conhecido como objeto de conhecimento como outros quaisquer. O corpo é vivido, não conhecido. A unidade sintética do “ser-no-mundo” é o corpo como uma condição necessária de existência e como a realização contingente dessa condição. A terceira metodologia que apresentamos é a psicanalítica, que está relacionada com a subjetividade lacaniana, ou seja, com a forma com que um sujeito se constrói através de um repertório de identificações visuais. Nesse nível, estudamos o método psicanalítico proposto por Luce Irigaray (1985) pelo seu interesse pelas práticas artísticas como maneiras de recriação de uma ordem simbólica. A proposta da filósofa Judith Butler (1993), a partir da teoria do estágio do espelho, de Jacques Lacan (1966), parece-nos ser pertinente pelos questionamentos que estabelece na ordem da linguagem. Butler (1993) discute as consequências da teoria do narcisismo para a formação do ego em

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Lacan (1966). Este pressupõe que, no estágio do espelho, o ego é formado psiquicamente através de uma projeção do corpo, tendo como resultado o ego como projeção (1966). Lacan equaciona a morfologia do corpo como uma projeção psíquica, uma idealização ou ficção do corpo. Sugere que esse narcisismo ou a projeção idealizada que estabelece uma morfologia constitui a condição para a cognição dos objetos e de outros corpos (1966). O imaginário morfológico é determinante para o conhecimento de objetos e corpos. O estágio do espelho, em Lacan, é importante porque revela as relações do sujeito com a sua imagem, com a identificação que faz de si, gerando, então, uma configuração do ego a partir do repertório de identificações. Butler (1993) critica Lacan, porque, no momento em que o psicanalista afirma que as identificações precedem a formação do ego, este passa a ser colocado não como uma substância que não é idêntica a si mesma, mas como uma história de relações imaginárias. É o imago externalizado que produz os contornos corporais. O estágio do espelho, em Lacan (1966), não representa um ego preexistente, mas proporciona um espaço para a elaboração do seu próprio ego, o que o faz parte de si. Estabelecendo uma relação entre o organismo e sua realidade, proporciona-se no sujeito uma coerência a respeito de seu corpo. Há uma tensão estética entre imagem e conhecimento de si mesmo. Como imaginário, o ego funciona instavelmente. O espaço proporcionado pelo espelho permite que exista uma contínua negociação, uma ambiguidade que marca o imago. As identificações são continuamente constituídas, contestadas e negociadas, nunca permanecem fixas ou arquivadas. Essa imagem especular é a imagem do Outro, de alguma forma. O reflexo do sujeito no estágio do espelho é sempre um tipo de imagem, de quadro perceptivo, o que pode ser considerado como um atributo de inércia especial, na medida em que o imago é diferenciado do seu Outro. Podemos concluir que, para Lacan (1966), há uma condição epistêmica imaginária para aceder ao mundo, que toma os órgãos como efeitos imaginários e que ignora a materialidade (BUTLER, 1993). Desde o ponto de vista de Foucault, no domínio da pesquisa psicanalítica, não existe uma exploração prática-psicanalítica em torno 48

do conjunto de significações imagéticas. Ou seja, não há uma psicanálise das imagens. A psicanálise não está preocupada em fazer falar as imagens (FOUCAULT, 1983). A influência da psicanálise, no campo das imagens, está dada pela preocupação com a linguagem. Lacan mostra como, através do discurso, aparece, no sistema da linguagem, uma linguagem que ele insere na ordem simbólica. Há uma indissociabilidade entre o imaginário e o corpo. Essa imaginária significação de que o corpo opera na linguagem. Abordagem analógica Abordagem analógica é possível em uma dimensão estruturalista. São formulados modelos ontológicos como modelos finitos e diacrônicos. O sujeito é tomado como categoria de conhecimento, desaparecendo a ideia de subjetividade como identidade individual, sendo transposta a uma dimensão social. O pensamento formalista influencia em grande medida a abordagem analógica. Existem duas formas de estruturalismo: a primeira, concebida como método que tem permitido a fundação de ciências, como a linguística, e a renovação de outras, como a história das religiões, como o desenvolvimento de disciplinas, a etnologia e a sociologia (FOUCAULT, 1983). Basicamente, o estruturalismo consiste em analisar condutas, sua gênese e também em fazer relações que registrem um conjunto de elementos ou um conjunto de condutas; estudam-se conjuntos no seu equilíbrio atual mais que no seu processo na história. O estruturalismo tem contribuído para a aparição de novos objetos científicos, como o estudo da linguagem. A segunda forma de estruturalismo pode ser equacionada como atividade filosófica, que permite diagnosticar o que acontece. Torna possível a análise de uma conjuntura cultural, entendendo por cultura, em um sentido amplo, as instituições políticas, as formas de vida social, os interditos e as coações diversas. Esse estruturalismo é uma atividade de leitura, para colocar em relação a constituição de um resultado geral de elementos (FOUCAULT, 1983). A ideia de pensar e organizar o conhecimento a partir de paradigmas faz parte dessa abordagem. O estruturalismo proporciona as condições de possibilidade para o surgimento do conceito de


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paradigma, precisamente, pelo processo de pensar em campos de conhecimento estruturantes. A noção de paradigma é desenvolvida por Thomas S. Kuhn em The Structure of Scientific Revolutions (1962). Segundo Kuhn (1996/1962), o conhecimento não funciona mediante acumulação, mas através de saltos qualitativos que levam a mudanças epistemológicas e metodológicas. Ainda que Kuhn (1996 /1962) nunca aplicasse sua teoria nas ciências humanas, na literatura ou na arte, as suas ideias continuam exercendo uma grande influência. Estudiosos de distintas áreas de conhecimento configuram modelos teóricos, localizando rupturas epistemológicas que pressupõem as próprias ideias que as sustentam. Entre os modelos formalistas que funcionam através de um pensamento paradigmático, ou seja, em que se pretende estudar o processo de produção de imagens artísticas mediante denominadores em comum, podemos mencionar o semiótico cognitivista de Lucia Santaella. Este, feito em coautoria com Winfried Nöth (2001), assim como o modelo numérico de Edmund Couchot (2003). Santaella e Nöth consideram o estudo da imagem no que tange a seu processo de produção midiática. Dessa forma, propõem três paradigmas: o pré-fotográfico, o fotográfico e o pós-fotográfico. O objetivo de Santaella e Nöth é demarcar traços em um processo evolutivo de transformação, resultando de uma mudança de técnicas sobre uma base material, a partir de necessidades não somente materiais, mas de linguagem verbal, visual ou sonora. O paradigma pré-fotográfico estuda aquelas imagens que são produzidas artesanalmente, tais como pintura, desenho, escultura, etc. O paradigma fotográfico está relacionado com a imagem fotográfica analógica, quer dizer que se produz mediante captação física, o que implica a presença de objetos preexistentes. O paradigma pósfotográfico estuda imagens infográficas e sintéticas como aquelas produzidas através do computador e a câmera fotográfica e de vídeo digital. Edmundo Couchot fundamenta seu modelo de estudo no desenvolvimento numérico. Desde seu ponto de vista, a principal ruptura na ordem visual está marcada na mudança paradigmática do regime de representação para o da simulação. Em poucas palavras, a arte somente se transforma com o advento do computador. No seu modelo, Couchot mostra como técnicas influenciam correntes

de arte, na sua produção e na sua percepção, contribuindo para um tipo de estética denominada como experiência tecnestésica e na qual o “Eu” está ausente, substituído por um “Nós” ou sujeito despersonalizado e anônimo. Entende-se que, para Couchot, a subjetividade é uma expressão singular e móvel, um habitus da história individual do sujeitoEu. A arte, para Couchot, transcorre de forma linear, em que técnicas evoluem e, para cada arte, pertence uma tecnicidade simples ou complexa. Resta ao criador, explica Couchot, negociar entre um sujeito autônomo ou o “Eu” e entre uma autonomia da técnica ou “Nós”. Essa última pode ser também tomada como uma nova subjetividade (2003). Pretendemos considerar também, dentro dessa abordagem, métodos como o sociológico e o formalista. Dentro do formalista, temos inserido o semiótico e outros métodos que focalizam o processo de produção imagética como objeto de estudos. Essas vertentes metodológicas têm sido criticadas pela perspectiva de Griselda Pollock (1988). Pollock trabalha a inter-relação entre as condições de experiência social e as formas culturais, quando articuladas e subjetivamente interpretadas e registradas. Questiona métodos da arte institucionalizados do século XX, como, por exemplo, o sociológico e o formalista (2007). Esses que obscurecem estratégias intelectuais relacionadas com o fascismo, entre outros, criando as condições para um formalismo e humanismo apolíticos. O pensamento sociológico contempla o complexo das relações sociais e intensidades imaginativas (2007). Abordagem pós-estruturalista Na abordagem pós-estruturalista, incluímos as propostas pós-modernistas. O pós-estruturalismo parte da suposição de que estamos predeterminados por uma estrutura de códigos, símbolos e convenções. O sentido nasce da relação entre significados e, portanto, sempre é adiado, quando depende de um sistema em particular de significação (HEARTNEY 2002). O pós-estruturalismo tem como um de seus expoentes Jacques Derrida (2002). O filósofo francês fundamenta suas proposições na fenomenologia de Edmund Husserl (1996). Para Derrida, o conhecimento está fadado ao fracasso, quando suas pretensões podem ser refutadas na medida em que dependem da linguagem. Derrida interroga a lógica das estruturas com as quais opera 49


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o nosso pensamento. Trata-se de uma crítica e uma epistemologia em que existe uma relação entre linguagem, pensamento e mundo. No que se refere à estética, Derrida utiliza o conceito operativo de parergon, para explicar a inserção do trabalho artístico em um suporte de conhecimento específico (2002). O parergon marca a relação entre espaço interno e espaço externo do trabalho, incluindo a sua inscrição no campo histórico, econômico e político, que indica a assinatura da sua produção. Desde o ponto de vista de Derrida, nem a teoria, nem a prática, nem a teoria prática podem intervir efetivamente nesse campo, a menos que se lhe dê o peso suficiente a esse suporte que determina a estrutura, esse limite invisível entre a interioridade da significação (seja de uma tradição hermenêutica, semiótica, fenomenológica ou formalista) e todo o empiricismo externo (2002). Contra o argumento da metafísica da presença, Derrida propõe o pensamento da diferença. Em Derrida, uma imagem se transforma em signo não pelo seu significado, mas pelo lugar que ocupa em um sistema de diferenças com respeito a outras formações sígnicas. Nesse sistema, o processo de constituição sígnica perde a sua origem, de tal maneira que a sua apresentação nunca será igual à anterior. Essa presença estará marcada pela ausência da primeira causa, nunca se reportando a uma primeira origem. A condição de inteligibilidade de uma imagem exige que se estabeleçam relações entre as diferenças de termos, sem que exista necessariamente um sentido de conhecimento contingente. A distinção do objeto – imagético – é devida a sua diferenciação com respeito ao espaço externo em que se situa, contida nessa exterioridade, nesses diferentes contextos operatórios econômicos, sociais, culturais ou políticos. A fisicalidade das imagens, a sua incidência no nosso pensamento e experiência, está em relação a esse espaço externo em que se insere. Derrida refere-se às imagens como trabalhos de arte. O termo trabalho refere-se à dinâmica interna – da imagem – e sua relação no contexto histórico, teórico, de discussões críticas. O mais importante é que Derrida localiza o problema do pensamento da arte, tanto na interioridade quanto na exterioridade do trabalho. Trata-se de uma visão que se forma e se informa, simultaneamente, questionando a autonomia da arte encerrada em conceitos como work itself (MARRINER, 2002). 50

Na mesma abordagem pós-teórica, encontra-se o modelo de Arthur Danto (2006), no qual se cria uma dependência entre arte e teoria. Quer dizer que a arte filosofa sobre sua própria identidade, o que não significa a morte da arte, mas seu fim. O fim das grandes narrativas dos modelos da história da arte que ditavam a sua definição ou que a arte deveria ser limitada a sua criatividade. Nesse sentido, a arte está vivendo em uma pós-história (2006), o que implica pensar em uma filosofia da linguagem, da arte e das imagens. As teorias pós-modernistas concebem uma estética gerada no discurso. Assistimos à negação da totalização do sujeito transcendental, à negação da teleologia e à negação da utopia ou das grandes narrativas (SHOHAT E STAM, 2000). Toma-se a subjetividade como uma experiência fragmentada em função do tempo e do espaço na globalização. Nesse contexto, artistas contestam as ideias de progresso do Iluminismo. Estudos discutem crises da identidade social, nacional e de gênero. São utilizados conceitos como simulação, descentralização e esquizofrenia (HEARTNEY 2002). Destacam-se os estudos de Linda Nochlin e Reilly, que pesquisam contextos políticos e institucionais, desafiando os processos de métodos sociológicos e formalistas (2007). A enunciação da “morte do autor” – ou do artista –, no discurso pós-modernista, produz uma derrubada na história da arte, ao questionar a noção de talento individual, prejudicando o mercado da arte. Abordagem pós-teórica Na abordagem pós-teórica, desaparecem modelos e paradigmas, dando lugar à emergência de estudos sistêmicos de caráter múltiplo, que buscam tanto formas analíticas de pensamento quanto de prescrição e ação. Dentro do sistema analítico, está a filosofia analítica, que surge nos Estados Unidos e na Europa. Esta última, categorizada como filosofia continental. A filosofia analítica tem contribuído para a realização de uma crítica da epistemologia. Sustenta proposições tanto em uma forma lógica como no seu estatuto epistêmico (ALLEN & SMITH, 1997). A ilusão de uma linguagem natural também é retomada como ponto de partida para a realização da análise. Entre os trabalhos influentes nessa abordagem, encontram-se os estudos de J. L. Austin


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(1955), importantes pelo seu enfoque direto nos usos e nas funções da linguagem. Podemos lembrar as proposições de Austin relativas à produção de realidades através de descrições, como a ideia de que declarações performativas realizam ações. Ou seja, imagens produzem realidades. No nosso segundo nível de abordagem pósteórico, está o sistema múltiplo. Nesse sistema múltiplo, são construídos pensamentos que propõem a criação de um sistema de pensamento móvel. Nesse sentido, Gilles Deleuze e Féliz Guattari (1996) propõem abandonar a ideia de modelo como mimeses, porque a ideia de modelo envolve a representação da unidade em Uno. A unidade em Uno caracteriza o sistema de pensamento ocidental. Uno guarda uma lógica dicotômica. Frente à lógica binária da unidade, Deleuze propõe a multiplicidade. A proposta de Deleuze e Guattari consiste em pensar sem nenhum tipo de sobrecodificação. Ou seja, pensar o múltiplo como rizoma e onde rizoma não encontra nenhuma imagem mimética ou semelhante, o que permite que a codificação seja múltipla. Os regimes de signos são colocados em disposição a outros regimes de signos. Iniciando-se um processo sistêmico que ora desarticula a unidade da qual parte, ora cria outra articulação e, nesse sentido, outra visualização de pensamento, uma estética. Deleuze e Guattari questionam a existência da universalidade da linguagem, deslocando-a. Propõem descentrar a linguagem rumo a outros registros: políticos, econômicos, históricos, etc. Os agenciamentos coletivos operam dessa forma, transformando-se sem território, possibilitando a produção de múltiplas subjetividades através de conexões e rupturas insignificantes. Nessa perspectiva, inferimos que não há uma imagem verdadeira, mas múltiplos agenciamentos possíveis de serem pensados e realizados em distintas dimensões, relações e conexões. A percepção dessas relações varia em termos de grau para cada indivíduo. A atualização do tempo e do espaço se dá através da virtualidade da linguagem. A singularidade de cada indivíduo está em função da intensidade da percepção. A forma como se expressa cada percepção, ou a forma como acontece a atualização ocorre de maneira singular. Uma estética em que cada indivíduo seja capaz de se expressar segundo suas percepções, suas ações ou seus afetos.

Considerações finais Ao longo da exposição, podemos perceber como as abordagens pesquisadas focalizam a linguagem como principal recurso operativo de diversos métodos. Em uma perspectiva inter e transdisciplinar, é preciso pesquisar a linguagem em suas diferentes possibilidades de atuação, em contextos artísticos e subjetivos, de tecnologia e globalização. Depende-se da abordagem e de como a função dessa linguagem será executada para a produção e a concepção de uma imagem artística determinada. Em poucas palavras, a abordagem imagética está em função da linguagem (BLANCA, 2011). As maneiras de constituição de subjetividade, em distintas abordagens, levam-nos à discussão de distintas teorias, redefinindo matrizes ou problematizando formas de conceber imagens, tanto mentais quanto plásticas ou artísticas. Em praticamente todas as abordagens, problematiza-se a autonomia do sistema de significação da imagem com respeito à linguagem e à subjetividade, apontando para aquilo a nos estamos propondo como uma estética inter e transdisciplinar. Referências AGAMBEN, Giorgio. Aby Warburg y la ciencia sin nombre. In: AGAMBEN, Giorgio. La potencia del pensamiento. Buenos Aires, AR: Ariana Hidalgo, 2007. ALLEN, Richard; SMITH, Murray. Teoria do cinema e filosofia. In: RAMOS, Fernão Pessoa. (Org.). Teoria Contemporânea do Cinema. Pósestruturalismo e filosofia analítica. São Paulo, SP: Senac, 2005. AUSTIN, J. L. Cómo hacer cosas con palabras. Argentina, AR: Libros Tauro, 1955. BLANCA, Rosa Maria. Arte a partir de uma perspectiva Queer / Arte desde lo Queer. 2011. Tese (Doutorado em Ciências Humanas) - UFSC, Florianópolis, SC, 2011. Disponível em: <http:// ged.feevale.br/bibvirtual/Tese/TeseRosaBlanca. pdf>. Acesso em: jul. 2012. BUTLER, Judith. Bodies that matter: on the discursive limits of “sex”. New York, US: Routledge, 1993. 51


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GRAFITE: CULTURA, ARTE URBANA E ESPAÇO PÚBLICO

Andrea Christine Kauer Possa1 Lurdi Blauth2 RESUMO Este artigo reflete sobre aspectos conceituais relacionados à cultura, suas implicações entre o erudito e o popular, segundo concepções de autores como Roque B. Laraia, Peter Burke, Nestor Garcia Canclini, entre outros. Discute manifestações simbólicas e estéticas da arte do grafite oriundo de espaços urbanos e marginais das grandes cidades e, gradativamente, reconhecida como arte pelas instituições culturais, ao mesmo tempo em que proporciona visibilidade aos grupos sociais marginalizados que a produzem, embora esses mesmos grupos questionem sua identidade cultural. Palavras-chave: Grafite. Cultura. Arte urbana. Arte contemporânea. ABSTRACT The present article is a reflexion about some conceptual aspects related to culture, its implications between erudite and popular, according with concepts of authors such as Roque B. Laraia, Peter Burke, Nestor Garcia Canclini, among others. It discusses symbolic and aesthetic graffiti art manifestations, whose origins are the big cities urban outskirts, that, gradually started being recognized as art by cultural institutions, while giving visibility to the marginalized social groups that produce it, in spite of the fact that those same groups question their cultural identity. Keywords: Graffiti. Culture. Urban art. Contemporary art.

Andrea Possa (Porto Alegre/RS). Artista plástica, professora da rede municipal de Esteio, RS. Mestre em Processos e Manifestações Culturais pela Universidade Feevale, 2010/2011. Pós-graduada em Gestão Escolar pela IESDE Brasil S.A., 2005. Graduada em Artes Plásticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1999, e Licenciada em Ensino da Arte na Diversidade pela Universidade Feevale, 2006. E-mail: andreackpossa@ibest.com.br. 2   Lurdi Blauth (Montenegro/RS). Artista plástica, professora e pesquisadora. Doutora em Poéticas Visuais, pela UFRGS, 2005. Doutorado/sanduíche Université Pantheon-Sorbonne/Paris/França, 2003. Docente nos cursos de Artes Visuais e mestrado; líder dos projetos Procedimentos de Contato: desdobramentos da imagem na arte e na cultura da atualidade; Texto e Imagem: inscrições e grafias em produções poéticas/Universidade Feevale, NH/RS. E-mail: lurdib@feevale.br. Este estudo faz parte da dissertação O Grafite e sua trajetória da rua para a Instituição Cultural, do Programa de Pós-Graduação do Mestrado em Processos e Manifestações Culturais, Universidade Feevale, concluída em 2011, por Andrea Possa, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Lurdi Blauth, e revisado para a presente publicação. 1

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Iniciamos nossas considerações em relação aos pressupostos e às diferenças entre as manifestações e expressões culturais oriundas do espaço urbano, buscando alargar a compreensão sobre a arte do grafite. Embasamos os estudos em alguns autores que afirmam que a cultura não é algo estanque, pois ela depende das complexas características de uma determinada sociedade, que muda constantemente seus valores no decorrer dos tempos, devido, exatamente, à sua evolução. Nesse contexto, procuramos esclarecer o conceito de cultura, o que se descobre ser algo difícil, pois ele não é fechado, principalmente pela sua abrangência paradoxal entre as origens de uma determinada cultura e também pelos seus aspectos universais. Na cultura atual, globalizada, podemos encontrar os mesmos produtos em diversas partes do mundo, contrapondo-se à singularidade das diferenças regionais. Peter Burke (2010, p. 11) reafirma a dificuldade de se conceituar cultura quando comenta que Cultura é uma palavra imprecisa, com muitas definições concorrentes; a minha definição é a de ‘um sistema de significados, atitudes e valores partilhados e as formas simbólicas (apresentações, objetos artesanais) em que eles são expressos ou encarnados’. A cultura nessa acepção faz parte de todo um modo de vida, mas não é idêntica a ele.

A cultura, portanto, é construída conforme a sociedade, a época e a maneira com que se vive, desde o uso dos utilitários, do vestuário, do linguajar utilizado, do fazer diário (rotina) pelo indivíduo e/ou do seu grupo, tudo isso fazendo parte da convivência social do homem. No pensamento de Fayga Ostrower (1978, p. 11), “as culturas assumem formas variáveis que se alteram com bastante rapidez, incomparavelmente mais rápidas do que eventuais alterações biológicas”. O desenvolvimento do ser humano é vinculado aos padrões culturais e históricos, ou seja, ele “age culturalmente, apoiado na cultura e dentro de uma cultura” (Idem, p. 13). Nesse sentido, podemos entender que a cultura não é individual, envolve a experiência coletiva, em aspectos de um determinado modo de vida, cujos diferentes valores estéticos e sociais são compartilhados e transmitidos para as gerações seguintes. 54

Para Jonh B. Thompson (1995), o estudo da constituição significativa e da contextualização social das formas simbólicas seria o mais próximo que se pode chegar ao conceito de cultura. As múltiplas formas simbólicas elaboradas pelo indivíduo são condicionadas a partir de um determinado contexto histórico e técnico, servindo para estabelecer ou sustentar relações de dominação, através do “[...] conjunto de valores, crenças, costumes, convenções, hábitos e práticas características de uma sociedade específica ou de um período histórico” (Idem, p. 166). Essa concepção evidencia como as diferentes culturas influenciam o comportamento social e diversificam enormemente a humanidade. O mundo é percebido através da cultura de indivíduo e, de acordo com Roque B. Laraia (2003, p. 72), [...] tendendo, portanto, a considerar o seu modo de vida o mais correto e o mais natural. Como resultado dessa dinâmica social, evidenciamos os mais diversos tipos de conflitos etnocêntricos. O conflito ‘nós e os outros’ tem como ponto fundamental a referência de grupo em detrimento a referência de humanidade, tão comum na sociedade moderna.

Para esse autor, cada sociedade ordena, a seu modo, o mundo que a circunscreve e que dá um sentido cultural à aparente desordem das coisas naturais. Nessa perspectiva, atribui também ao raciocínio humano a possibilidade de tornar a cultura dinâmica e em constante processo de mudança. É pela capacidade de questionar os próprios hábitos que o homem se torna capaz de modificar a si e a maneira de se relacionar com a vida. Laraia afirma ainda que a cultura permite ao homem se adaptar ao seu meio, mas também adaptar esse meio ao próprio homem, às suas necessidades e aos seus projetos. A cultura pode referir-se tanto a uma sociedade específica como também a grupos sociais dentro dela e, ainda que seja entendida como dimensão não material da sociedade, não abandonou a preocupação com os aspectos materiais. Por outro lado, as relações culturais também supõem a mediação entre o poder e o objeto de sua ação, implicando contradições, desigualdades, diferentes condições sociais, envolvendo algum tipo de dominação entre a cultura considerada


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erudita3 e a cultura popular. Ambas as culturas são importantes para o desenvolvimento das sociedades, mas são vistas e valoradas de formas diferentes. Isso se reflete também nos utensílios produzidos com uma finalidade, quando verificamos que um jarro cerâmico, por exemplo, por ser de determinada dinastia grega, muda do valor de uso para assumir um valor artístico, perdendo a característica inicial como um utilitário, de algo produzido para conter alguma coisa, para se tornar objeto estético. Podemos pensar que, na produção de objetos de uso cotidiano e de objetos com a finalidade de uso em rituais, havia a “preocupação” com os propósitos e as significações culturais, interligados à vida e com certa unidade estética. O conceito de cultura, a partir de uma perspectiva antropológica, no entendimento de Clifford Geertz (2008), sofre uma revisão e passa a ser visto como um padrão de significados transmitidos historicamente, incorporado em símbolos e materializado em comportamentos. Na época em que foi confeccionado o jarro grego, portanto, era somente um jarro para conter óleo, água ou perfume, mas, resistindo ao tempo e sobressaindo sua beleza estética, séculos depois, seus significados e suas funções originais se modificaram. Controladora do comportamento em sociedade, a cultura, ao mesmo tempo, cria e recria esse comportamento devido ao seu conteúdo ideológico, impossível de ser exaurido de significado, já que toda cultura possui uma ideologia que a embasa. Para Geertz (2008), a ideologia é apresentada como a dimensão norteadora do “arbitrário cultural” -, os princípios que são aceitos pelo senso comum como indiscutíveis e que definem o que é valorizado ou desvalorizado em termos comportamentais em determinado grupo humano -, sendo esse arbitrário cultural o elemento mediador da apreensão dos signos e significados presentes em uma cultura. Na perspectiva deste estudo, propomo-nos a refletir sobre as questões que mediam a valorização e a aceitação de produções simbólicas provenientes   A definição de erudito é tão complexa quanto a definição de cultura. Neste estudo, é utilizado o termo para fazer um distanciamento e uma diferenciação com o urbano e/ou popular, não entrando nos paradigmas de Pierre Bourdieu (A Economia das Trocas Simbólicas. Perspectiva, 2009), que explica ser uma categoria relacional em oposição à cultura de massa. 3

de uma cultura urbana em relação à cultura erudita. Colocam-se algumas indagações: por que a arte erudita, saindo das instituições culturais para os espaços urbanos, é aceita pelo público e pela sociedade? E a arte urbana, a exemplo do grafite, quando inserida em uma instituição cultural, pode vir a tornar-se arte (com mesma ênfase da arte erudita) e como é sua aceitação pelo público e pela sociedade estabelecida como culta? Podemos exemplificar a experiência realizada por um grupo de artistas (Cildo Oliveira, Lucia Py, Lucia Porto e Newman Schutze), de São Paulo, que saiu de uma instituição para as ruas, realizando duas intervenções em locais públicos. Em um dos espaços, os artistas representaram, por meio de esculturas no jardim, elementos arquitetônicos que cercavam o MAC. O público imediatamente identificou o que estava fora como arte, da mesma forma como o que se encontra dentro do museu, o que aumentou o número de visitantes. No Viaduto do Chá, realizaram uma exposição de objetos no formato de painéis. Os desenhos dos painéis estavam pela metade, o que suscitou o convite dos artistas ao público, durante a montagem, a buscar a outra metade do desenho na abertura da exposição à noite. Essa atitude integrou o espectador e instigou uma plateia nova a visitar a exposição, como office-boys, empregadas domésticas, bancários, comerciários, etc. Percebe-se que, nesse contexto, há uma apreciação mais fluida por parte do cidadão comum com a produção artística proveniente de artistas de galerias, instituições e museus. Embora haja certo estranhamento inicial por parte do espectador, essa emoção é imediatamente trocada pelo encantamento, sentimento atávico que se sobressai à inibição, à falta de cultura, à modesta educação. Já o contrário, a arte que sai das ruas e vai para as instituições, como no caso dos acontecimentos recentes em favor da disseminação do grafite, o respeito pelo artista é ignorado. Veladamente, há um preconceito sobre a origem dessa arte, que reforça o pensamento de Canclini de que o popular é o excluído. O popular é nessa história o excluído: aqueles que não têm patrimônio ou não conseguem que ele seja reconhecido e conservado; os artesãos que não chegam a ser artistas, a individualizarse, nem a participar do mercado de bens simbólicos ‘legítimos’; os espectadores 55


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dos meios massivos que ficam de fora das universidades e dos museus, ‘incapazes’ de ler e olhar a alta cultura porque desconhecem a história dos saberes e estilos. (CANCLINI, 2006, p. 205).

uma característica homogeneizada de acordo com as outras cidades. As oposições entre o culto e o popular, entre o moderno e o tradicional, são condensadas, segundo Canclini (2006, p. 242),

Para tentar entender o processo de migração do grafite, buscaremos apoio no conceito de cultura popular de Peter Burke (2010, p. 11), segundo o qual “talvez seja melhor de início defini-la negativamente como uma cultura não oficial, a cultura da não elite”. Por outro lado, o grafite circunda a alta cultura no momento em que seus autores buscam, direta ou indiretamente, artistas e movimentos artísticos, em grande parte, o referencial vem da Pop Art, com os quais se identificam para expressar sua arte. A Pop Art, movimento artístico iniciado na Inglaterra e nos Estados Unidos, nos anos 1950, cujo destaque maior foi o americano Andy Warhol, buscou com suas obras expressar a estética da cultura de massas. O grafite é um movimento relativamente recente, nascido na década de 1970 nos EUA, sendo, inicialmente, considerado com um ato de vandalismo pela sociedade, fortemente associado à marginalidade e à delinquência. O diferencial do grafite em relação à arte erudita é sua ação direta em espaços arquitetônicos da cidade como forma de manifestação, com o intuito de que suas produções se tornem um patrimônio de todos. Para Canclini (2006, p. 196),

[...] na distinção estabelecida pela estética moderna entre arte e artesanato. Ao conceber-se a arte como movimento simbólico desinteressado, um conjunto de bens ‘espirituais’ nos quais a forma predomina sobre a função e o belo sobre o útil, o artesanato aparece como o outro, o reino dos objetos que nunca poderiam dissociar-se de seu sentido prático.

Os produtos gerados pelas classes populares costumam ser mais representativos da história local e mais adequados às necessidades presentes do grupo que os fabrica. Constituem, nesse sentido, seu patrimônio próprio. Também podem alcançar alto valor estético e criatividade, conforme se comprova no artesanato, na literatura e na música de muitas regiões populares.

Canclini (2006) comenta que a cultura urbana é a principal causa da intensificação da heterogeneidade cultural. Nesse sentido, podemos constatar que há uma grande diversidade cultural nas cidades, diversos grupos sociais ou “tribos”, classificados de acordo com idade, credo, sexo, condição financeira, etc. Esses grupos acabam por desenvolver características únicas e múltiplas, constituindo uma heterogeneidade imensa dentro de uma mesma cidade, que, por sua vez, tem 56

Aliando a essa oposição entre o culto e o popular, Canclini (2006, p. 243) aponta ainda que o que opõe a arte erudita à arte popular é que os produtores do primeiro grupo são singulares e solitários, enquanto os grupos populares são coletivos e anônimos. E, no final desse percurso, o culto e o popular, o nacional e o estrangeiro apresentam-se como construções culturais. Para o autor, a dificuldade para definir as diferenças entre o que é culto e o que é o popular “deriva da contradição de que ambas as modalidades são organizações do simbólico geradas pela modernidade, mas ao mesmo tempo a modernidade – por seu relativismo e anti-substancialismo – as desgasta o tempo todo” (Idem, p. 362). Nesse sentido, Canclini, ao salientar as diferenças do que pode ser considerado uma produção culta, abre uma perspectiva de pensarmos sobre as intervenções da arte em espaços urbanos, fora dos museus e das galerias de arte (Land Art, por exemplo), principalmente a partir dos anos 1960, quando, no início, também não havia a aceitação no sistema das artes visuais. Essas ações provocam rupturas conceituais em relação à arte, com propostas tridimensionais em locais muitas vezes de difícil acesso para o espectador, surgindo novos termos para nomear e identificar essas produções artísticas (site-specific, in situ, non-site, instalação). Essas experiências artísticas acabam sendo incorporadas e difundidas pelas instituições culturais e, atualmente, constata-se uma diversidade de proposições da arte contemporânea, em cujo contexto o grafite também é ressignificado e inserido nos espaços “internos” de museus e galerias de arte. A arte do grafite tem seu percurso oriundo da periferia e da marginalidade e sua inclusão em espaços culturais provocou, inicialmente,


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estranheza, ao ser reconhecida e valorizada como arte urbana. Dessa forma, podemos verificar que o conceito de cultura vai muito além das significações de regras fechadas, costumes e legados históricos das gerações anteriores e, com isso, percebemos que, embora haja a necessidade de o ser humano manter vínculos com padrões culturais e históricos, a cada momento, também ocorrem transformações dentro do contexto cultural, principalmente, quando pensamos sobre o avanço das tecnologias atuais, que exigem novas posturas por parte dos diversos segmentos da sociedade. Arte urbana, espaço público e a presença do grafite A temática sobre as implicações das produções consideradas como arte urbana - oriunda da cultura erudita - e a constatação da presença do grafite nos espaços públicos das cidades requer algumas reflexões. Os lugares públicos envolvem vários ambientes que encontramos nas cidades, como as praças, os viadutos, as ruas em geral, além dos museus e das galerias de arte. O mesmo ocorre quanto ao grafite, por meio do qual cada grupo atua e marca de forma diferenciada seu espaço, com símbolos e grafismos característicos de sua região ou do entorno em que vive. Para Celso Gitahy (1999), o graffiti4 veio para democratizar a arte, na medida em que acontece de forma arbitrária e descomprometida com qualquer imitação espacial ou ideológica. O suporte do grafite é a cidade como um todo. Sua natureza é efêmera, devido à durabilidade da pintura no espaço externo, e aborda temas que remetem à crítica social e a imagens com humor, sendo desprovido da ideia de consumo para o espectador. Há uma identificação entre os artistas que integram esse meio, que valorizam de forma significativa suas criações, bem como a população local, pois o grafite, de certa maneira, delimita um território gerando uma identidade local. As diversas manifestações nos espaços urbanos da cidade, como grafites, cartazes comerciais, manifestações sociais e políticas e monumentos são “linguagens que representam as principais forças que atuam na cidade” (CANCLINI, 2006, p. 301).  Conforme Celso Gitahy, do italiano graffiti, plural de graffito. Preferimos utilizar a palavra grafite, em português.

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O urbano vem do latim e significa “o que é próprio da cidade”, e a cultura urbana seria, por extensão, a expressão de grupos que desenvolvem suas expressões artísticas nas ruas, nos bairros, em espaços públicos, os quais geram uma maior democratização, criando novas sociabilidades. Colaboram também para essa democratização, no cenário do espaço urbano, em seus aspectos mais gerais, outras manifestações, como o teatro de rua, os seresteiros, as estátuas humanas, os panfletos, os outdoors, que interferem de forma desordenada nesse espaço. Igualmente relacionados à cultura urbana, encontramos, ainda, o hip hop e a própria cidade como meio de divulgação de arte e cultura. Por isso, é muito importante refletir sobre essas intervenções realizadas nos espaços públicos que a cidade oferece. A cidade é, portanto, um produto da diversidade da vida social, cultural e pessoal, devendo ser “pensada, tratada e vivida como um bem público comum, e não como um espaço de desigualdades”, conforme afirma Jorge Luiz Barbosa, coordenador do Observatório de Favelas, do Rio de Janeiro, “[...] sendo esta a expressão da pluralidade de vivências culturais, afetivas e existenciais”. Por outro lado, estar em uma cidade, trabalhando e morando nela, não significa ter vínculo definitivo e único com ela, pois, atualmente, devido às facilidades da tecnologia globalizada, podemos interagir com outros lugares através da Internet, por exemplo, acessando outros espaços urbanos e outras culturas de forma bem diversificada. Sob esse enfoque, Anne Cauquelin (1996, p. 35) relata: “duas ficções estão presentes simultaneamente, a do local circunscrito que delimita um objeto preciso, individualizado, e a da extensão indefinida das potencialidades de comunicação que apagam o tempo e o local”. No contexto das cidades, a autora considera que elas são objetos com seus limites, podendo-se entrar ou sair delas, obedecendo às suas fronteiras. A cidade é o local da comunicação entre os membros da comunidade desse modo protegida, onde a língua, os costumes, os comportamentos são compartilhados, tendo uma identidade que se inscreve em uma história coletiva e, ao mesmo tempo, individualizada. E, em relação às produções da arte contemporânea, para Cauquelin, o objeto estável cedeu lugar a um processo de construção permanente em que a cidade não é mais fixa, pois “[...] qualquer ser humano de qualquer ponto 57


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do planeta pode entrar e sair deste invólucro e participar, como membro ativo, da cidade mundial”. A ocupação do espaço das cidades, as discussões sobre os limites, a territorialidade, a cartografias, entre outras discussões, têm motivado ações e intervenções de diversos artistas na atualidade. Para Nelson Brissac (2000, p. 239), “[...] nos últimos anos, uma série de projetos artísticos internacionais têm ocupado cidades, optando por espaços urbanos em vez de museus e galerias”. Nesse sentido, como um exemplo local (Porto Alegre, RS), temos as Bienais do MERCOSUL, que têm ocupado diversos espaços da cidade e o território, propondo outras interações com a população. Em 2011, a 8ª Bienal do MERCOSUL – Ensaios de Geopoética - teve a participação de 107 artistas de 34 países, cuja temática geral propunha reflexões poéticas acerca do território e de sua redefinição crítica a partir de uma perspectiva artística, tratando de tópicos relevantes para essa discussão, como mapeamento, colonização, fronteira, aduana, alianças transnacionais, construções geopolíticas, localidade, viajantes científicos, nação e política. O projeto curatorial desenvolveu sete grandes ações, abordadas por meio de duas estratégias - expositivas e ativadoras. As ações ativadoras tiveram como resultado uma exposição com ênfase na relação entre artista e público. Nas exposições propriamente ditas, a ênfase estava na obra, na sua relação com os trabalhos dos demais artistas e com o tema proposto. As relações da arte urbana com o espaço, o local e o território, abordadas na 8ª Bienal do MERCOSUL, remetem-nos aos estudos de Maria Amélia Bulhões (2002, p. 153), segundo a qual “o território, suporte físico de toda vivência social, foi sempre um dos determinantes da identidade cultural, na medida em que pode ser definido como a área geográfica em que um indivíduo ou um grupo desenvolve sua existência”. Nesse contexto, a rua, a cidade e até mesmo um território (o Rio Grande do Sul), como lugar, pode se tornar um espaço para ações e intervenções artísticas, que foi a proposta da 8ª Bienal do MERCOSUL. Ao mesmo tempo, percebemos que os territórios, os locais e os espaços urbanos são impregnados de vivências culturais, que, de certa maneira, são determinantes para essas intervenções e que não ocorrem de maneira “marginal” como os grafites. E, quando se trata de projetos artísticos 58

vinculados a uma instituição “erudita”, geralmente, são realizadas proposições em locais determinados anteriormente pelo artista e que podem ter, inclusive, uma curadoria para isso. Esses locais públicos escolhidos, ao sofrerem intervenções artísticas, começam a ser vistos como locais particularizados pelas obras e pelos seus artistas, tornando-se um ponto de referência local em seus aspectos históricos e sociais, podendo modificar a percepção inicial que se tinha daquele local. Brissac (2000, p. 242) entende que “a arte em espaços urbanos pode proporcionar grande visibilidade para grupos sociais marginalizados e possibilitar a descoberta de lugares descartados pela cultura dominante”. Acrescente-se aí toda a arte grafite que está espalhada pela cidade e que atualmente já não causa tanto estranhamento na população. A intervenção tem reestruturado determinados espaços que antes eram marginalizados. Como observa Brissac (2000, p. 243), “colocada nestes espaços reestruturados, a arte pública contribui funcional e esteticamente para formatar os ambientes urbanos, encorajando os projetos imobiliários e revitalização das áreas”. Essas intervenções contribuem para a reestruturação de espaços arquitetônicos abandonados para a criação de locais de interação cultural e democrática entre diversos segmentos da sociedade. As ações artísticas, além de favorecerem uma mudança estética e visual nos espaços urbanos, também possibilitam as diversas mesclas culturais que os espaços da cidade proporcionam. Ou seja, o território urbano favorece o trânsito nesses espaços, hibridizando as vivências entre o culto e o popular, entre o industrial e o artesanal, bem como as referências sexuais, políticas e estéticas em suas diversas formas de expressão. Para os grafiteiros de rua, os locais públicos permitem as diversas possibilidades de propagação e Maneiras de enunciar o modo de vida e de pensamento de um grupo que não dispõe de circuitos comerciais, políticos ou dos mass media para expressar-se, mas que através do grafite afirmam seu estilo. Seu traço manual, espontâneo, opõe-se estruturalmente às legendas políticas ou publicitárias ‘bem’ pintadas ou impressas e desafia essas linguagens institucionalizadas quando as altera. O grafite afirma o território, mas desestrutura as coleções de bens materiais e simbólicos. (CANCLINI, 2006, p. 336).


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O grafite, nessa conjuntura, cumpre seu objetivo de limitar, em um determinado espaço da rua, sua marca, com a propriedade de aparecer ao público sem ser propriedade de alguém, despreocupado de análises formais de linguagem, saindo da ideia de pertencimento e polidez. O grafite pertence à cidade, aos transeuntes que a admiram ou não, sendo respeitado seu espaço de existir, não sofrendo, em sua maioria, interferências de outros grafiteiros, de acordo com as regras que estes estabelecem entre os grupos. As relações hibridizam-se. De acordo com Canclini (2006, p. 348), Levam a concluir que hoje todas as culturas são de fronteira. Todas as artes se desenvolvem em relação com outras artes: o artesanato migra do campo para a cidade; os filmes, os vídeos e canções que narram acontecimentos de um povo são intercambiados com outros. Assim as culturas perdem a relação exclusiva com seu território, mas ganham em comunicação e conhecimento.

Em se tratando de hibridização, percebemos que, no campo das artes visuais em geral, estamos constantemente lidando com dimensões universais, com aculturações, com assimilações de outras culturas de maneira consciente e/ou inconsciente. Podemos verificar, em alguns grafites, algumas referências a movimentos artísticos consagrados apreendidos pelo grafiteiro, que os incorpora em seu trabalho, sem perder a espontaneidade. Esse referencial faz parte de seu conhecimento, de sua cultura acerca da arte erudita, de modo simplificado ou não, pois não afeta significativamente seu instinto criador, mesmo que haja a negação de possuir alguma relação com o universo das artes plásticas. No contexto atual, cada vez mais, as instituições culturais procuram travar diálogos com as produções artísticas oriundas de espaços populares. Exemplo disso e que, inclusive, motivou a realização deste estudo foi a Mostra TRANSFER, que ocorreu em 2008, na cidade de Porto Alegre, RS, cuja temática abordou questões relacionadas à cultura urbana - arte contemporânea – transferências – transformações, tendo a participação de mais de 100 artistas brasileiros e estrangeiros e cerca de trezentas obras. A exposição reuniu onze murais especialmente criados para a exposição, como pinturas, vídeos, desenhos, fotografias, seminários, oficinas, palestras e até uma

“planície skatável” foi projetada e inserida no espaço expositivo do evento. A iniciativa de deslocar manifestações tão presentes nos espaços urbanos para um espaço institucional representou, segundo Arthur Dantas (TRANSFER, 2008, p. 30), “o primeiro esforço sistemático de colocar em perspectiva o que de melhor fora produzido no mundo e no Brasil nos últimos vinte anos relacionados à arte urbana em uma grande instituição no Brasil”. Ainda de acordo com Dantas, “[...] outro ponto é a expansão da arte urbana para além do graffiti, [...] muito além dos estereótipos relacionados a ela”. Para Lucas Ribeiro5, curador geral da Mostra, “cultura urbana em Transfer trata-se de um recorte de expressões surgidas no meio urbano, desdobramentos de subculturas como o Punk, o Hip Hop e o Skate, que atualmente se refletem na arte contemporânea” (TRANSFER, 2008, p. 16). Sobre a inserção dessas produções oriundas de espaços urbanos, Liliana Magalhães comenta que O projeto aproximou e estimulou a participação dos curadores e artistas que acabaram por criar a abordagem da mostra e um processo próprio e particular de organização que, por sua vez, exigiram da produtora e da instituição uma nova condução de realização. E sem dúvida, isso proporcionou a ambos universos uma flexibilização e um rico ambiente de inovação. (TRANSFER, 2008, p. 13).

A exposição contou com três seções, uma delas abordando artistas brasileiros contemporâneos que se destacaram por meio de ilustrações para fanzines, cartazes de shows, pranchas de skate e capas de discos. Denominada Mauditos, apresentava trabalhos gráficos, antigos e recentes, produzidos em diferentes suportes por artistas que, nos anos 80-90, não chamaram a atenção no universo das artes visuais, mas que “atualmente são citados como influência direta para o que é visto nas galerias de arte urbana, da chamada cultura underground brasileira” (TRANSFER, 2008, p. 14). Houve ainda, em TRANSFER, as seções denominadas Street Fine Art, dedicadas a artistas de   Também conhecido como “Pexão”, é skatista, fanzineiro, jornalista, galerista. (Fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 16).

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rua brasileiros, como Bruno 9Li, Herbert Baglione, Kboco, Stephan Doitschnoff, Tinho, Titi Freak e Vitché, que apresentaram a produção criativa dessa geração por meio de pinturas, intervenções, serigrafias, esculturas, instalações e painéis produzidos no local da mostra, e Intervencionistas, com registros em fotografia e vídeo, produzidos por documentaristas especializados, além do ambiente multifuncional destinado, em sua maioria, às sessões de skate. Em 2010, ocorreu a segunda mostra TRANSFER – arte urbana & contemporânea – transferências & transformações, no Pavilhão das Culturas Brasileiras do Parque Ibirapuera, em São Paulo, a qual contou com uma estrutura arquitetônica que permitiu inúmeras intervenções de skatistas. Praticamente não se repetiram obras entre as duas exposições, e o número de artistas em relação à mostra de Porto Alegre ampliou, tendo sido o curador geral o mesmo nas duas exposições. A arte do grafite, portanto, manifestando suas insatisfações sociais, políticas ou meramente tentando agregar “encanto” ao ambiente onde está exposta, expressa diferentes maneiras de se conviver, procurando soluções para a construção de uma vida melhor, mais humanitária, sem que isso acarrete a perda da identidade do grupo (do grafite) perante outras comunidades sociais. Atualmente, detectamos sua inserção em espaços urbanos de forma mais “bem quista”. Exemplo disso são os tapumes decorados pelos artistas grafiteiros, que são contratados pelas empresas da construção civil para enfeitar o empreendimento até sua conclusão. Se antes as intervenções eram infiltradas como meio de contestação na sociedade contemporânea, hoje há uma maior anuência, sob a forma de arte urbana, que cada vez mais afirma sua identidade e, ao mesmo tempo, confirma uma vasta participação de um público mais aberto, a exemplo da arte urbana “PORTO ALEGRE PRECISA DE MAIS.....”, disposta diversas vezes ao longo de um tapume localizado na esquina da Rua Silva Jardim com a Rua Eudoro Berlink, no bairro Auxiliadora, na capital gaúcha; provocação do coletivo Shoot the Shit6, em que as 6  Grupo criado em agosto de 2010 por Giovani Groff, Gabriel Gomes e Luciano Braga. É um dos representantes dos jovens no Artemosfera (Fonte: Jornal Zero Hora de 31.10.2011, p. 5).

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pessoas completaram a frase com palavras como: educação, árvores, honestidade, políticos sérios, amizades, saúde, atitude positiva, saneamento, amor, etc. O grupo faz parte do circuito de arte urbana Artemosfera e segue a tendência mundial de megaeventos que revitalizam o espaço urbano por meio da arte e da criatividade, com o objetivo de tornar a cidade melhor e fazer essa arte chegar às pessoas, sem um conhecimento erudito e anterior para desfrutá-las, com enfoque, segundo argumenta o curador Cézar Prestes, para a importância da preservação do patrimônio público, como as praças e os monumentos. Os grafiteiros vêm apagando sua imagem inicial, considerada como marginal, buscando, nos espaços urbanos, autorização para realizar suas pinturas e participando de campanhas sociais, justamente para afastar crianças e jovens das ruas, da marginalidade e das drogas. Atualmente, reflexões sobre essas questões já estão ocorrendo em escolas, ONGs e outras instituições culturais, com o intuito de desorganizar esse discurso. Como relata Ivana Bentes (2007), Essa cultura das favelas e peri­ferias (música, teatro, dança, mídia, vídeo, moeda, educação), surge como um discurso político ‘fora de lugar’(não vem da univer­ sidade, não vem do Estado, não vem da mí­ dia, não vem de partido político) e coloca em cena novos mediadores e produtores de cultura: rappers, funkeiros, [...], produtores da cha­ mada economia informal, artistas urbanos, grupos e discursos que vêm revitalizando os territórios da pobreza e reconfigurando a cena cultural urbana. Transitam pela cidade e ascendem à mídia de forma muitas vezes ambígua, podendo assumir esse lugar de um discurso político urgente e de renovação num capitalismo da informação.

O espaço utilizado para a produção da arte urbana, seja um muro, uma parede ou o arrimo de um viaduto ou passarela, de um lado, reconfigurase e, de outro, proporciona sentimentos ambíguos, quando vemos o grafite inserido em espaços culturais e galerias de arte. Percebemos que o grafite tem signos, termos e gírias próprios, além de uma linguagem pictórica característica, e utiliza o ambiente externo (a rua) para se expressar, compreensível aos componentes do seu meio. O


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grafite é a arte que se libertou, que foi às ruas e invadiu o cotidiano de uma forma que não é mais possível passar despercebida. Hoje está, inclusive, na Internet, tem fãs, na maioria jovens, é copiada e reverenciada por grupos urbanos e aceita pela cultura “erudita”. Considerações finais O diálogo entre a obra, o lugar, o artista e o público, todos estão tentando encontrar um lugar para “se acomodar”, seja no sistema das artes, no sistema de relações da sociedade ou no lugar do outro – tanto o artista como a obra e até o espectador ou o local. O grafite, nesse sentido, “desestrutura as coleções de bens materiais e simbólicos”, como afirma Canclini (2006, p. 336), pois estar no lugar do outro é difícil, requer uma reflexão aberta, sem nossas limitações – afinal, grafite é arte ou não?

Atualmente, o grafite está inserido nas produções da arte contemporânea, na arte urbana, arte que inclui o barulho das ruas, a vida agitada, a correria do dia a dia. Portanto, a relação do grafite traz, de uma maneira simbólica, a analogia da mistura, do hibridismo, sentimentos contraditórios de surpresa, de admiração e de repulsa, ao mesmo tempo. Em ambos os locais onde podemos encontrálo, na instituição cultural ou na rua, muitas vezes gera conflitos e também novas percepções que embelezam o ambiente cotidiano, como podemos observar em uma produção recente de uma intervenção com grafite no espaço universitário, realizado por dois grafiteiros que são acadêmicos do curso de Artes Visuais da Universidade Feevale (fig.1).

Fig.1 - Rafael Jung e William Maranhão Grafite sobre container realizado durante o Festival de Artes - Universidade Feevale 2012. 61


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TRANSFER – cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre, RS: Santander Cultural, 2008.


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Políticas Públicas para a Inclusão Digital nas Escolas Públicas Brasileiras

Angélica Luísa Nienow1 Patrícia Brandalise Scherer Bassani2 Débora Nice Ferrari Barbosa3 Resumo O presente artigo analisa os diferentes programas de inclusão digital do governo federal voltados para as escolas públicas brasileiras, confrontando com dados da pesquisa TIC Educação 2010. É visível que o conceito de inclusão digital do governo ainda está muito relacionado com infraestrutura e pouco relacionado com formação e produção de conhecimento, uma vez que o número de programas visando a equipamentos é muito maior do que o número de programas voltados para a formação. Além disso, existe uma carência na capacitação de professores para uso das TIC como facilitadoras do processo de ensino e aprendizagem. Palavras-chave: Políticas públicas. Inclusão digital. Escolas públicas. Abstract This article analyzes the different digital inclusion programs of the federal government focused on the Brazilian public schools, comparing the data with the survey ICT Education 2010. It is apparent that the concept of digital inclusion of government is very much related with infrastructure and poor in training and knowledge production, since the number of programs for equipment is much greater than the number of programs for training. In addition, there is a lack in training teachers to use ICT as a facilitator of the teaching and learning process. Keywords: Public policies. Digital inclusion. Public schools.

1   Mestre em Inclusão Social e Acessibilidade pela Universidade Feevale (2013) e bacharel em Sistemas de Informação pela mesma universidade (2010). E-mail: anienow@gmail.com. 2   Doutora em Informática na Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2006), mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1999) e bacharel em Informática pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (1994). Professora titular da Universidade Feevale, vinculada ao Mestrado Profissional em Inclusão Social e Acessibilidade e aos cursos de Licenciatura em Computação e Letras. Como pesquisadora, coordena o Grupo de Pesquisa em Informática na Educação (Feevale) e é colaboradora do NUTED-Núcleo de Tecnologia Digital aplicada à Educação (UFRGS). E-mail: patriciab@feevale.br. 3   Doutora e mestre em Ciência da Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS - 2001, 2007) e graduada em Análise de Sistemas pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel - 1998). Professora adjunta do curso de Sistemas de Informação da Universidade Feevale e pesquisadora colaboradora do Mestrado Profissional em Inclusão Social e Acessibilidade. E-mail: deboranice@feevale.br.

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Introdução Com o desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação (TIC), a partir dos meados do século XX, as pessoas desenvolveram diferentes habilidades para armazenar, recuperar e trocar informações de forma muito ágil. A tecnologia da informação está modificando gradativamente as formas como as pessoas percebem, pensam e interagem no mundo, além de estar alterando os modos de aprendizado, de expressão e de comunicação. No Brasil, país em que a massificação digital ocorreu no início do século XXI, de acordo com a pesquisa sobre o uso das tecnologias da informação e da comunicação no Brasil (TIC Domicílios e Empresas, 2010), organizada pelo Comitê Gestor da Internet (CGI), o custo elevado para aquisição de computadores e da conexão à Internet nos domicílios constitui uma das principais barreiras para o uso da Internet no país (CGI, 2011). A pesquisa destaca também que a falta de interesse ou desconhecimento sobre o potencial dos computadores e a falta de habilidade com a tecnologia seguem como motivos para falta de computador nos domicílios. A massificação do uso do computador em residências e em escolas está relacionada principalmente com as políticas de inclusão digital dos governos federal e estadual. O presente artigo parte da perspectiva de que estar digitalmente incluído não é somente ter acesso aos equipamentos, mas também ter a capacidade de utilizar todos os recursos oferecidos por eles. Além disso, a escola constitui-se em um lugar formal, onde, na maioria das vezes, crianças, jovens e também adultos têm o primeiro contato com o computador, visando à sua utilização e dos seus recursos para a obtenção e a produção de conhecimento. O estudo aqui proposto consiste em uma pesquisa exploratória descritiva realizada por meio de pesquisa bibliográfica, com a finalidade de analisar os diferentes programas de inclusão digital do governo federal voltados para as escolas públicas brasileiras, buscando identificar um panorama da inclusão digital no âmbito educacional. Os estudos foram direcionados pelo seguinte questionamento: qual o enfoque das políticas públicas de inclusão digital na área educacional brasileira? Para tanto, a pesquisa bibliográfica versa sobre os conceitos de inclusão digital e de

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políticas públicas. Em um segundo momento, são apresentadas políticas públicas, programas e projetos para fomentar ações de inclusão digital no ensino público. Dados sobre esses programas e projetos foram obtidos no Portal da Inclusão Digital e no site do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – IBICT. Primeiramente, são descritos os programas em nível macro (Brasil), depois são apresentados os programas que abrangem o estado do Rio Grande do Sul, bem como o número de projetos de inclusão digital vinculados a cada projeto. Dessa forma, entende-se que será possível mapear o enfoque dado para a inclusão digital pelo governo brasileiro e como ele vem sendo aplicado em instituições de ensino públicas. Finalmente, são apresentados os resultados da pesquisa sobre o uso das tecnologias da informação e da comunicação nas escolas brasileiras (TIC Educação 2010). Partindo das informações elencadas sobre cada programa de inclusão digital e dos resultados da pesquisa TIC Educação 2010, foi possível realizar um confronto entre os programas e os projetos de inclusão digital com os dados da pesquisa do CGI. Dessa forma, pode-se realizar uma análise dos projetos, apontando possibilidades e limitações desses projetos, bem como possíveis melhorias. Inclusão Digital O conceito de inclusão digital, em uma visão reducionista, compreende a universalização do acesso aos computadores e à Internet, além do domínio da informática básica. Entretanto, estudos atuais na área apontam uma visão mais abrangente sobre o tema, contemplando aspectos relacionados à formação profissional, educação e cidadania (Warschauer, 2006). O mesmo autor entende que o acesso significativo à TIC abrange muito mais do que fornecer computadores e conexões à Internet, mas se insere em um complexo conjunto de fatores, abrangendo recursos e relacionamentos físicos, digitais, humanos e sociais. Para o autor, deve-se levar em consideração, para que ocorra o acesso significativo às TIC: conteúdo, língua, letramento, educação e as estruturas comunitárias e institucionais. Sorj (2003) apresenta cinco fatores que determinam o nível de igualdade de acesso aos sistemas de tecnologia da informação e


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comunicação: infraestrutura, equipamentos de conexão, formação, capacidade intelectual e produção e utilização de conteúdos específicos. A existência de infraestrutura física para a transmissão (telefone, rádio, cabo e outros) é fundamental para a conexão à Internet e forma a primeira dimensão. A segunda dimensão envolve os equipamentos para conexão. A terceira dimensão faz referência à cursos de formação/capacitação e envolve o uso do computador e da Internet. A habilidade de usar as informações disponíveis na Internet como fonte de conhecimento e desenvolvimento intelectual e profissional caracteriza a quarta dimensão. Conforme Sorj (2003), essa habilidade está intimamente associada à qualificação adquirida na escola. A última dimensão envolve o conteúdo social. Segundo o autor, o conteúdo disponível na Internet constitui uma área decisiva na dinâmica da divisão digital. O autor destaca a existência de muitos sites em língua inglesa e isso indica que aqueles que não têm as habilidades nessa linguagem não poderão utilizar todas as potencialidades da Internet. Assim, Sorj (2003) divide as dimensões da inclusão digital em duas categorias. A apropriação passiva do acesso à Internet, relacionado à infraestrutura e a equipamentos de conexão, e a apropriação ativa do potencial da Internet, envolvendo a formação, as habilidades no uso da Internet (capacidade intelectual) e a produção e utilização de conteúdos específicos. Castells (2003) aborda a exclusão digital e, consequentemente, a exclusão social provocada pelo advento das novas tecnologias e da Internet. De acordo com o autor, a Internet não é apenas uma tecnologia, mas o epicentro de atividades sociais, econômicas e políticas. A inserção da população na sociedade tecnológica tornou-se uma estratégia prioritária de países que têm o propósito de participar do mundo globalizado e combater o fosso digital decorrente das desigualdades sociais, levando-os à definição de políticas públicas de inclusão digital, entre as quais, as ações de uso de tecnologias nas escolas. De acordo com dados levantados pelo CGI (2011), com base no censo escolar de 2010, há 51,5 milhões de alunos matriculados nas escolas do país. Desses, apenas 15% cursam a educação básica em escolas privadas, enquanto a grande maioria, 85%, está matriculada em colégios públicos. Ainda

considerando o ensino básico, segundo a Sinopse do Professor de 2009, do Ministério da Educação, conta-se com quase dois milhões de docentes empregados. “O aluno de escolas públicas e os professores em exercício no ensino básico devem ser os atores centrais do desenvolvimento das políticas públicas para a educação no país” (CGI, 2011, p. 103). E nesse contexto inserem-se as políticas de modernização tecnológica das escolas públicas brasileiras e de capacitação de docentes. O Brasil, seguindo a tendência descrita anteriormente por Castells (2003), tem desenvolvido programas e políticas públicas de inclusão digital voltados tanto para o benefício da população como um todo como para o benefício das escolas. Para poder apresentar e discutir esses programas, a próxima seção traz uma breve revisão da literatura sobre o conceito de políticas públicas. Políticas Públicas Bernardoni, Souza e Peixe (2008) descrevem as políticas públicas como o conjunto de ações coletivas voltadas para a garantia dos direitos sociais, configurando um compromisso público, que visa a dar conta de determinada problemática em diversas áreas. As políticas públicas expressam a transformação daquilo que é do âmbito privado em ações coletivas no espaço público. Para Sartório (2008), uma política pública surge a partir de demandas nascidas na sociedade, voltando-se à garantia dos seus direitos. Os resultados dessas políticas se expressam por meio de programas e ações de combate à exclusão digital, que são entregues à sociedade. No caso do presente estudo, essas políticas estão relacionadas com o impacto social causado pelo avanço das novas tecnologias da informação e da comunicação e os resultados são os projetos e os programas de inclusão digital entregues para as escolas. Silveira (2002) traz a ideia de que transformar a inclusão digital em política pública consolida pelo menos quatro pressupostos. No primeiro pressuposto, o autor afirma que a exclusão digital amplia a miséria e dificulta o desenvolvimento humano local e nacional. A exclusão digital aumenta a distância existente entre ricos e pobres no sentido de que pessoas excluídas digitalmente não participam da sociedade em rede e não são tão informadas quanto as participantes.

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De acordo com o segundo pressuposto, o mercado não incluirá na era da informação os extratos pobres e desprovidos de dinheiro. O terceiro pressuposto diz que a velocidade da inclusão digital é decisiva a fim de que a sociedade tenha sujeitos suficientes para competir mundialmente e para adquirir capacidade de gerar inovações. O último pressuposto traz que a liberdade de expressão e o direito de se comunicar são de todos, muito embora apenas uma minoria tenha acesso a esses direitos, quando se trata comunicação mediada por computador. Visando a atender às demandas de inclusão digital, o governo brasileiro vem criando diferentes ações e programas, com o fim de combater a exclusão digital. O próximo capítulo apresenta um levantamento dos programas e dos projetos de inclusão digital voltados para as escolas públicas, fomentados, principalmente pelo governo brasileiro. Programas e Projetos para a Inclusão Digital nas Escolas Públicas Brasileiras No Brasil, existem várias iniciativas que nasceram dos governos municipais, estaduais e federal, de ONGs, do setor privado e de universidades. Entre as principais iniciativas, destacam-se: a criação de telecentros em comunidades carentes, conectividade subsidiada via satélite para escolas, serviços públicos e telecentros; utilização de padrões abertos e softwares livres; criação de portais que disponibilizam conteúdos e apostilas sobre temas diversos, criação de programas que viabilizam a aquisição de computadores pela população mais carente, além da distribuição de equipamentos para alunos da rede pública de ensino. No Portal da Inclusão Digital,4 são apresentados os programas do Governo Federal no âmbito da inclusão digital. Ao todo, são 22 programas, dos quais apenas oito são voltados para as escolas, visando a beneficiar professores e alunos. A seguir, é feita uma breve descrição deles. O GESAC oferece conexão de Internet banda larga via satélite para escolas e órgãos públicos, sindicatos, aldeias indígenas, comunidades quilombolas e ribeirinhas, zonas rurais, periferias urbanas, telecentros comunitários e pontos

remotos de fronteira, sedes de organizações não governamentais e/ou onde já existam outros projetos de inclusão digital do governo federal. O Programa Banda Larga nas Escolas disponibiliza conexão à Internet por banda larga para as escolas do país. O Programa Computador Portátil para Professores facilita a aquisição de computadores portáteis para professores da rede pública e privada da educação básica, profissional e superior, a baixo custo e condições diferenciadas de empréstimo. O Programa Estação Digital monta telecentros, nos quais são oferecidos computadores, conexão à Internet e alguns cursos de capacitação. O ProInfo, Programa Nacional de Informática na Educação, promove o uso pedagógico da informática na rede pública de educação básica. O programa leva às escolas computadores, recursos digitais e conteúdos educacionais. Em contrapartida, estados, Distrito Federal e municípios devem garantir a estrutura adequada para receber os laboratórios e capacitar os educadores para uso das máquinas e das tecnologias. O Projeto Computadores para Inclusão trabalha com o recondicionamento de computadores usados, doados pelas iniciativas pública e privada. Esses equipamentos são recondicionados por jovens de baixa renda em formação profissionalizante e distribuídos a telecentros, escolas e bibliotecas de todo o território nacional. O programa Quiosque do Cidadão instala computadores conectados à Internet banda larga em bibliotecas públicas, escolas ou em outros espaços públicos. O sistema computacional conta com softwares livres educativos. O UCA, Projeto Um Computador Por Aluno, promove a inclusão digital por meio da distribuição de um computador portátil para cada estudante e professor de educação básica em escolas públicas. O programa também prevê a capacitação de gestores e professores para o uso da tecnologia. O site do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – IBICT - traz uma listagem de 100 programas e projetos de inclusão digital que abrangem todo o território brasileiro5. O IBICT apresenta as políticas de inclusão, ou programas

4   Disponível em: <www.inclusaodigital.gov.br>. Acesso em: 02.nov.2011.

5  Disponível em: <inclusao.ibict.br>. Acesso em: 02.nov.2011.

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elencados anteriormente, em formato de mapas de inclusão digital, que apontam programas e projetos de inclusão digital em todo o país. Cada um dos programas tem diversos projetos de inclusão digital associados em diferentes estados e municípios brasileiros. Fazendo um recorte para o estado do Rio Grande do Sul, são apresentados 31 programas de inclusão digital, totalizando 812 projetos de inclusão digital espalhados por diferentes municípios do estado. Dos 31 programas, 11 são promovidos pelo governo federal, sendo que apenas dois deles beneficiam diretamente a educação: o GESAC e o ProInfo. Esses dois programas são responsáveis por 486 projetos de inclusão digital, o que representa mais de 50% dos projetos atuantes no estado. O governo estadual é responsável por dois dos projetos, sendo que um deles é voltado para as escolas públicas. O programa Rede Escolar Livre foi implantado através de um projeto-piloto em cinco escolas da rede estadual. O programa beneficia escolas com mais de 100 alunos, que recebem laboratórios de informática com 10 computadores ligados em rede local, utilizando softwares livres e com acesso à Internet. Atualmente esse projeto beneficia apenas seis escolas estaduais (IBICT, 2011). A iniciativa privada e as ONGs são responsáveis por 16 programas de inclusão digital, totalizando 182 projetos. Apenas um dos programas está relacionado com a educação pública. O programa Sua Escola 2000 por Hora, do Instituto Ayrton Senna, contempla três projetos de inclusão digital, que têm como objetivo atuar na educação formal, “utilizando a tecnologia para gerar mudanças na comunidade escolar, propiciando uma formação integral baseada em quatro aprendizagens fundamentais: aprender a ser, aprender a conviver, aprender a conhecer e aprender a fazer” (IBICT, 2011). Os demais programas se preocupam com a implantação de telecentros e com a formação profissional da população carente nesses espaços. A catalogação dos programas e dos projetos de inclusão digital do IBICT é feita através de cadastro realizado pelos próprios beneficiados pelos programas. Portanto, é muito provável que existam diversos outros programas e projetos menores não listados no portal. O portal do IBICT não traz dados dos programas Programa Banda Larga nas Escolas,

Programa Computador Portátil para Professores e Projeto Um Computador Por Aluno - UCA. Esses três programas são apresentados pelo Portal da Inclusão Digital (BRASIL, 2011) como abrangendo todo o território nacional. Elencadas as iniciativas de inclusão, a próxima seção preocupa-se com a pesquisa de TIC Educação 2010. Essa pesquisa visa a apontar o andamento dessas iniciativas nas escolas públicas, bem como avaliar a capacidade de uso das TIC de alunos, professores, coordenadores pedagógicos e diretores dessas escolas. A Pesquisa TIC Educação 2010 A população-alvo da pesquisa TIC Educação 2010 são professores, alunos, coordenadores pedagógicos e diretores de escolas públicas do Brasil, sejam elas estaduais ou municipais, de áreas metropolitanas, que oferecem as modalidades de educação do ensino fundamental e do ensino médio. No levantamento da infraestrutura tecnológica das escolas, a pesquisa aponta que cada estabelecimento de ensino público conta, em média, com 23 computadores. No nordeste, a média cai para 19, no sul, há um número superior à média brasileira, 27 computadores por escola. A pesquisa aponta uma significativa diferença entre o número de computadores que a escola possui e o número dos que estão efetivamente instalados, em uso. A média de 23 computadores por escola reduzse a apenas 18 em funcionamento, uma perda de cerca de 22% dos equipamentos. A banda larga é a forma de conexão da grande maioria das escolas públicas brasileiras, presente em 87% das escolas que possuem conexão. O acesso discado responde por apenas 5%, e o acesso móvel (3G), 4%. As maiores deficiências na cobertura da banda larga emergem no norte e no centro-oeste, onde 14% das escolas relatam o acesso discado como tipo de conexão. No geral, 35% das escolas receberam acesso à Internet nos últimos dois anos, mas essa proporção é muito maior no nordeste: 60% das escolas conectaram-se à rede nesse período. No sudeste, esse índice corresponde a 16%. A pesquisa também investigou como as iniciativas governamentais em favor das TIC na educação atingem as escolas públicas. A proporção de escolas que não participam de nenhum programa

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de governo é de 40%. O ProInfo aparece como relevante para a difusão das TIC na educação: 47% das escolas relataram participar do programa. Ainda, de acordo com o CGI, os programas de governo estão direcionados a questões de infraestrutura. 66% das escolas participantes apontam compra e instalação de computadores como itens oferecidos pelo programa. Em segundo lugar, está a capacitação de professores (49%). No que se refere a atividades de manutenção, essencial para a continuidade do projeto, 47% dos programas mantêm computadores e 34%, laboratórios. Há ainda programas que incluem contratação de monitores (26%) e oferecem treinamento para os alunos (23%). A pesquisa aponta ainda que, nas escolas que contam com laboratório, 31% dos estudantes usam computador e a Internet ao menos uma vez por semana; nas que não há laboratório, apenas 6% dos alunos têm acesso às TIC em outro local, que pode ser casa de vizinhos/amigo, lan houses ou telecentros. Esse dado reforça a importância das políticas públicas de inclusão digital voltadas para escolas públicas. Ainda de acordo com a pesquisa, praticamente todos os professores já utilizaram o computador (98%) e acessaram a Internet (97%) alguma vez na vida, enquanto, de acordo com a pesquisa TIC Domicílios e Empresas 2010, aproximadamente metade dos cidadãos brasileiros nunca utilizou um computador ou acessou à Internet. Em relação às habilidades de uso do computador e da Internet, a pesquisa mostra que a grande maioria dos professores domina algumas habilidades básicas para o uso das ferramentas de produtividade, encontrando-se no estágio identificado pela Unesco como de “alfabetização digital”. Outro dado apresentado é sobre a aquisição e o desenvolvimento de habilidades tecnológicas. Para 75% dos professores, a principal fonte de apoio para o desenvolvimento de suas habilidades tecnológicas são os contatos informais com outros educadores. Em seguida, vêm as revistas e os textos especializados (64% dos professores). A aprendizagem e o apoio mediados por formadores vindos de secretarias de educação ocorrem em apenas 35% dos casos e formadores de organizações externas à escola (cursos de especialização) correspondem a 24%. “O resultado indica que, na perspectiva do docente, ele depende principalmente de sua própria motivação

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pessoal e da ajuda dos colegas para desenvolver habilidades no uso de computador e da Internet” (CGI, 2011, p. 123). Em relação aos cursos de formação, 71% dos docentes declaram ter pago por um curso especializado e apenas 22% desses cursos foram oferecidos pelo governo através de programas de inclusão digital. O percentual de professores que contribui para desenvolver o conhecimento dos alunos em relação às tecnologias é de 40%, mas em uma frequência baixa com “menos de uma vez por mês”. Para comprovar as deficiências apontadas pelos professores, os dados levantados entre alunos apontam que apenas 11% dos alunos dizem que aprendem a usar computador e Internet com um professor ou educador da escola. Para 25% dos alunos, a escola é uma oportunidade de acesso à Internet, onde utilizam computador e Internet pelo menos uma vez por semana. Outros 22% dos alunos nunca utilizaram computador ou Internet para fazer trabalhos sobre um dado tema. Nas escolas públicas da região Nordeste, esse percentual sobe para 36%, o mais alto do país. Finalmente, a pesquisa traz que, da perspectiva do professor, a principal limitação percebida para maior uso das TIC na escola é seu nível de habilidade tecnológica mais baixo, quando comparado ao do aluno. 64% dos professores concordam que os alunos da escola sabem mais sobre computador e Internet do que o docente. Outros motivos, como não confiar nas informações da Internet, perda de contato com a realidade por parte dos alunos e preferência pelos métodos tradicionais de ensino, também aparecem entre as barreiras. Partindo das informações elencadas sobre cada programa de inclusão digital obtidas no Portal da Inclusão Digital e no Portal do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, bem como dos resultados da pesquisa TIC Educação 2010, foi possível realizar uma triangulação das informações apresentada na próxima seção. Análise e Discussão dos Resultados A partir da análise dos programas e dos projetos de inclusão digital, de forma ampla, podese notar que o Brasil tem tido avanços significativos na inclusão digital no que diz respeito à aquisição de equipamentos e no acesso à Internet. De igual forma, entre os projetos voltados para as


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instituições de ensino públicas, considerando os fatores da inclusão digital descritos por Sorj (2003), existe um número muito maior contemplando infraestrutura e equipamentos de conexão. Os projetos que abrangem a formação, capacitação, produção de conteúdo e utilização de conteúdos para fins específicos ainda são poucos ou pouco difundidos, como pode ser visto no Quadro 1. O quadro apresenta uma classificação dos programas de inclusão digital elencados na terceira seção, partindo dos fatores descritos por Sorj (2003), apresentados na seção sobre inclusão digital. Para que as etapas de apropriação da tecnologia e do uso dela em benefício da população ou dos alunos possam ser atingidas, as TIC não devem ser

uma variável exterior ao processo de inclusão, mas devem estar entrelaçadas nos sistemas e nos processos sociais das comunidades a serem contempladas por projetos dessa natureza, bem como das instituições de ensino. Nesse sentido, promover a inclusão social significa “focalizar na transformação e não na tecnologia” (Jarboe apud Warschauer, 2006, p. 24). O mesmo autor também diz que “os projetos de inclusão digital devem focar a promoção do processo de inclusão social e não a superação da exclusão digital” (Warschauer, 2006, p. 22). Conforme os resultados da pesquisa TIC Educação 2010, os professores relataram pouca habilidade com a apropriação das TIC e consideraram que os alunos têm mais habilidades

Apropriação passiva Programas

GESAC Programa Banda Larga nas Escolas

Infraestrutura

Apropriação ativa

Equipamentos de conexão

Conteúdo social: utilização de conteúdos específicos

Capacidade intelectual e produção

Formação e capacitação

Programa Computador Portátil para Professores Programa Estação Digital

ProInfo - Programa Nacional de Informática na Educação

Projeto Computadores para Inclusão

Quiosque do Cidadão

UCA - Projeto Um Computador Por Aluno

Quadro 1 - Programas de inclusão digital do governo federal. Fonte: elaborado pela autora, com base nos dados de www.inclusaodigital.com.br. 69


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no uso do computador do que eles. Por outro lado, nessa mesma pesquisa, temos 25% de alunos que têm na escola a oportunidade única de acesso à Internet, e um contingente de 22% de alunos nunca utilizaram computador ou Internet para fazer trabalhos sobre um dado tema. Nessa perspectiva, seria coerente um maior número de programas ou de projetos que visam à capacitação dos professores, orientando de forma que os fatores formação, capacitação, produção de conteúdo e utilização de conteúdos específicos sejam possíveis. Dessa forma, teríamos professores capacitados para utilizar as TIC não somente para realizar pesquisas sobre determinados temas, mas também para atuarem como facilitadores do processo de “ensinar os alunos a utilizar o computador e a Internet”, além de incentivar a utilização de softwares e sites relacionados com os temas de aula, realizar exercícios, apresentar trabalhos, buscar e utilizar vídeos, entre outros. A diferença significativa entre o número de computadores que a escola possui e o número dos que estão efetivamente instalados, funcionando e em uso, apontada pela TIC Educação 2010, mostra que existem dificuldades na manutenção dos laboratórios de informática das escolas. Talvez essa dificuldade possa ser explicada pela grande quantidade de projetos de inclusão digital distribuídos entre vários ministérios do governo federal. Cada ministério tem autonomia para criar programas e projetos, de acordo com as suas necessidades. Aparentemente não há uma centralização, um controle e uma avaliação dos programas e projetos, o que dificulta, ou até mesmo impede a manutenção e a melhoria deles. Silveira (2002) identifica ainda três focos distintos e complementares entre si no que diz respeito às propostas de inclusão digital que têm sido feitas no Brasil: cidadania (direito de interagir e de se comunicar na web), combate à exclusão digital (voltada à profissionalização e à capacitação) e educação (formação sociocultural dos jovens). Baseado nesses três focos, o autor destaca que os projetos e as políticas públicas de inclusão digital que reivindicam a ampliação da cidadania ganham cada vez mais força, desviando da questão da profissionalização que predominava num primeiro momento. Além de serem importantes para o acesso à informação e para a preparação para o mercado de trabalho, as TIC são um importante fator para dar voz a cada cidadão e favorecer a inclusão digital. 70

Finalmente, parece que o fator-chave para o sucesso das políticas públicas de inclusão digital voltadas para a educação está relacionado a saber o real impacto causado pelas TIC nos resultados educacionais. Ou então, em saber qual a maneira mais apropriada de utilizá-las, a fim de desenvolver a apropriação ativa do potencial dos recursos tecnológicos propostos por Sorj (2003), envolvendo a formação, as habilidades no uso da Internet (capacidade intelectual) e a produção e utilização de conteúdos específicos. De posse de informações mais específicas sobre esses dois enfoques, será possível direcionar os focos dos programas de inclusão digital de forma apropriada e coerente com a realidade de cada local beneficiado. Considerações Finais Em todo o mundo, a inserção das TIC nas escolas tem provocado efeitos marcantes no ensino e na aprendizagem. A inclusão digital, além de possibilitar a familiarização com meios eletrônicos e favorecer o domínio de novas linguagens, permite uma maior interação social e a produção de conhecimento em rede, fato que vai ao encontro dos novos conceitos de inclusão digital abordados por Sorj (2003) e por Warschauer (2006) e apresentados no primeiro capítulo deste artigo. Ainda existem grandes desafios para integrar as TIC à educação. De acordo com o que foi abordado na presente pesquisa, o primeiro passo foi dado: garantir que a comunidade escolar tenha acesso a infraestrutura tecnológica de boa qualidade. Ainda existe uma longa caminhada no que diz respeito ao desenvolvimento do uso pedagógico dessas ferramentas, proporcionando a produção de conhecimento e a promoção da cidadania defendida por Warschauer (2006) e Silveira (2002). Nesse último estágio, resi­ de um grande desafio: derrubar as barreiras para uma apropriação efetiva das TIC que permita trilhar novos caminhos e produzir ideias inovadoras, que gerem novas oportunidades e benefícios para o governo, para o mercado e, principalmente, para o cidadão. Os resultados de pesquisas como a da CGI, apresentada neste artigo, podem e devem ser utilizados por gestores públicos e entidades afins na elaboração e na construção de políticas públicas e programas de inclusão digital, utilização das TIC na educação, expansão do acesso à Internet banda larga e para a quebra das barreiras de apropriação das TIC.


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Referências BERNARDONI, Doralice Lopes; SOUZA, Marta Cristina de; PEIXE, Blênio César Severo. Fortalecimento da função avaliação de políticas públicas. In: Políticas Públicas no Estado do Paraná: Resumos de propostas e projetos. Organizadores: Blênio César Peixe et al. Editora Progressiva. Paraná, PR, 2008. BRASIL. Portal da Inclusão Digital, 2011. Disponível em: <www.inclusaodigital.gov.br>. Acesso em: 02 nov. 2011. CGI. TIC domicílios e empresas 2010. São Paulo, SP: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2011. CGI. TIC Educação 2010. São Paulo, SP: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2011. CASTELLS, Manuel. Internet e sociedade em rede. In: Moraes, D. (Org.). Por uma outra comunicação. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2003.

IBICT, Portal do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia. Disponível em: <inclusao.ibict.br/index.php>. Acesso em 02.nov.2011. SARTÓRIO, Kelly Cristiane. Exclusão Social e tecnologia: os desafios da política pública de inclusão digital no Brasil. Dissertação - Programa de Pós-graduação em Política Social, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2008. SILVEIRA, S. A. Inclusão digital: software livre e globalização contra-hegemônica. Disponível em: <www.softwarelivre.gov.br/softwarelivre/artigos/ artigo_02>. Acesso em: 12 jul. 2011. SORJ, Bernardo. Brasil@povo.com: A luta contra a desigualdade na sociedade da informação. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar, 2003. WARSCHAUER, Mark. Tecnologia e inclusão social: a exclusão digital em debate. São Paulo, SP: Senac, 2006.

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Qual o papel das tics Nas tarefas da educação linguística no Brasil?

Raquel Salcedo Gomes1 Resumo Este trabalho tem por objetivo retomar a discussão sobre as tarefas para a educação linguística no Brasil propostas por Bagno e Rangel (2005) sob a perspectiva da contribuição das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), investigando se há e quais são alguns dos projetos de pesquisa em andamento no país que conjugam as duas questões. Para tanto, optamos por investigar as páginas institucionais dos 19 cursos recomendados pela CAPES que oferecem mestrado e doutorado na área de Linguística. Encontramos 25 projetos de pesquisa relacionando a Ciência Linguística e as Tecnologias de Informação e Comunicação. Os dados indicam que o desenvolvimento das TICs acarretou uma complexidade das linguagens, que se ampliam e se hibridizam para gerar novos significados, enunciações e modos de expressão diversos, em um movimento redundante de complexificação das próprias tarefas concernentes à educação linguística no Brasil. Palavras-chave: Tarefas da educação linguística. Letramentos. Linguagens. Tecnologias da informação e comunicação (TICs). Pesquisa em linguagem e tecnologia. Abstract This work is aimed at resuming the tasks for language education in Brazil proposed by Bagno and Rangel (2005) from the perspective of the contribution of information and communication technologies, investigating if there are and which are some of the research projects being developed in the country that combine these two issues. To this end, we have chosen to investigate the institutional sites of the nineteen (19) courses recommended by CAPES offering masters and doctorates in the field of Linguistics. We have found twentyfive (25) research projects relating Linguistic Science and Information and Communication Technologies. The data indicate that the development of ICT field has led to a complexity of languages, which are amplified and hybridized to generate new meanings, utterances and different modes of expression, a movement of redundant complexification in the tasks that concern language education in Brazil. Keywords: Tasks in language education. Information and communication technologies (ICTs). Literacies. Languages. Research in language and technology.

1   Mestranda em Linguística Aplicada pela UNISINOS, professora da Rede Municipal de Educação de Novo Hamburgo e tradutora pública.

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Introdução Diversos linguistas brasileiros propuseram, em diferentes épocas, tarefas para a ciência linguística em âmbito nacional. A atitude foi inaugurada por Aryon Rodrigues em seu artigo antológico Tarefas da linguística no Brasil, de 1967. Em 1973, Paulino Vandresen publica Tarefas da Sociolinguística no Brasil, retomado por Ana Zilles e Carlos Faraco no artigo As tarefas da sociolinguística no Brasil: balanço e perspectivas, de 2006. Marcos Bagno e Egon Rangel publicam, em 2005, prestigiando os antecessores, Tarefas da Educação Linguística no Brasil, com vistas à definição das “áreas de reflexão e atuação mais importantes para a implementação de uma política de educação linguística no Brasil” (p. 63). Bagno e Rangel (2005) propõem um conceito irrestrito de educação linguística, definindo-a como um conjunto de fatores socioculturais que possibilitam a um indivíduo desenvolver e ampliar o conhecimento sobre a língua materna, sobre outras línguas, a linguagem e os outros sistemas semióticos, durante toda sua existência. Embora compreendam que a educação linguística se estenda a toda a vida dos falantes, eles definem seis áreas de atuação como estratégias de ação no âmbito estrito da educação escolar: letramento; português brasileiro; norma, variação e mudança linguística; reflexão linguística; literatura e direitos linguísticos. Este trabalho tem por meta retomar as tarefas de Bagno e Rangel (2005) sob a perspectiva da contribuição das tecnologias de comunicação e informação (TICs), investigando se há e quais são alguns dos projetos de pesquisa em andamento no país que conjugam as duas questões. Ao discorrermos sobre o estatuto atual da pesquisa, reiteramos que a inclusão digital dos cidadãos brasileiros é condição sine qua non para o desenvolvimento da educação linguística na contemporaneidade. A proposta justifica-se, porque diversos estudiosos em áreas das Ciências Humanas (a exemplo de Lévy, 1999, e Castells, 2003, discutidos a seguir) defendem que a agregação das tecnologias digitais à cultura tem transformado os modos de interação social, a maneira como se constrói conhecimento e deve conformar as mudanças que sobrevirão à sociedade nos próximos anos. Como processo imanente à vida humana e área inserida na estrutura escolar, a educação linguística deve

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acompanhar essas mudanças e, mais do que isso, aproveitá-las para benefício dos objetivos a que se propõe, dentre eles, as tarefas concebidas por Bagno e Rangel (2005). Consta na página eletrônica da ANPOLL (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística), o Grupo de Trabalho em Linguagem e Tecnologias, cujo plano para o biênio 2010-2012 prevê a realização de um “levantamento histórico das pesquisas produzidas no Brasil envolvendo Práticas sociais da linguagem mediada pela tecnologia e a elaboração de um panorama do estado da arte em termos de temas e de metodologia de pesquisa” (Plano de trabalho biênio 2010-2012, p. 01). Nesse sentido, este artigo intenta colaborar para o cumprimento dessa meta, contribuindo através do levantamento de dados a partir do meio digital. CULTURA, EDUCAÇÃO E POLÍTICAS LINGUÍSTICAS A educação linguística enquadra-se em uma área mais ampla, a política ou as políticas linguísticas. Para Bagno e Rangel (2005), fazem parte da educação linguística os mitos e as crenças, bem como a postura ideológica frente às línguas. Schiffman (2006), por seu turno, separa a cultura linguística da política linguística, postulando que a primeira se refere às crenças dos falantes e a segunda diz respeito às medidas oficiais tomadas pelos órgãos governamentais em relação às línguas, advertindo que, muitas vezes, existem profundas diferenças entre ambas. Os três conceitos são pertinentes e estão imbricados. A cultura linguística se faz presente em cada falante e nas várias esferas de uma sociedade e pode ser ratificada ou retificada dependendo das políticas implementadas e da educação linguística exercida tanto pela escola como por outros atores diversos, como os movimentos políticos locais e nacionais, os meios de comunicação de massa e os processos de midiatização da sociedade. Bagno e Rangel restringem suas tarefas à educação linguística praticada pela escola (2005, p. 64), afirmando haver uma crise com relação ao ensino de língua no âmbito escolar. Para eles, a política linguística defendida nos documentos oficiais, como PCNs, leis e diretrizes, chega incipientemente ao âmbito acadêmico dos cursos


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de Letras e, como consequência, com menos vigor ainda às práticas educacionais nas escolas. A crise instala-se, porque o professor percebe que deveria ensinar de modo diferente, não apenas transmitindo normas gramaticais e termos de classificação, mas não sabe como fazê-lo e arriscase a cair em uma armadilha de extremos, tornando suas aulas puras prescrições ou deixando de ensinar registros e variedades linguísticos diversos por “respeito” ao modo de falar local de seus alunos. As seis áreas de atuação propostas por Bagno e Rangel (2005) são emergentes enquanto tentam abordar essas lacunas provocadas pelo descompasso entre o que é pretendido e o que é praticado na atual educação linguística em escolas brasileiras. Esse descompasso, porém, não pode ser atribuído somente a um dos atores do processo educacional. São múltiplos fatores que o desencadeiam, envolvendo as políticas, a cultura, a história e a educação linguísticas. Sem dúvida, a universidade tem seu papel no desenvolvimento da educação linguística, na formação de professores e no desenvolvimento de pesquisas e métodos que apontem caminhos rumo à efetiva ponte entre teoria e prática, entre o que se quer e o como chegar lá. Portanto, a reflexão se faz necessária, na tentativa de indicar direções. Nesse intento, passo a retomar cada uma das proposições de Bagno e Rangel (2005). O letramento, concebido por Kleiman como “um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos” (1995, p. 81), mais que mera habilidade, refere-se à prática da cidadania. Em uma sociedade letrada, na qual direitos e deveres são expressos por meio de registros documentais, é essencial que cada cidadão tenha intimidade com a língua escrita, o que ainda não ocorre eficientemente no Brasil, país em que a escola era inacessível à maioria da população até meio século atrás, que acabou desenvolvendo uma tradição oral marcante, perpetuada também pelos meios de comunicação de massa (ZANCHETA JUNIOR, 2008, p. 149). A necessidade de privilegiar o português brasileiro como norma culta a ser ensinada na escola dá-se para que haja identificação entre o estudante e a língua estudada e, mais do que isso, entre a realidade escolar e a vida fora da escola.

Além disso, o português brasileiro já desenvolveu formas linguísticas estáveis e exclusivas, como é o caso do emprego dos pronomes oblíquos ou a pronominalização da expressão “a gente”, que são regularmente utilizadas, embora muitas vezes tratadas pelos gramáticos como “erros”. É uma questão de coerência que a língua em estudo seja a mesma utilizada no cotidiano, de modo a permitir questionamentos sobre as variantes mais adequadas a cada situação. A questão da norma, variação e mudança linguística está relacionada à transformação daquilo que Schiffman (2006) chama de cultura linguística, ou seja, das crenças, dos mitos e da ideologia sobre a língua. A cultura linguística brasileira tende a ver a língua falada no Brasil como um monolito linguisticamente homogêneo e cristalizado, que só se concretiza no imaginário dos falantes, de acordo com o senso comum, pois, com a extensão e a variedade étnica que tem, o Brasil não tem como ser um país de uma só língua. Existem influências das múltiplas línguas das etnias diversas que compõem o povo brasileiro e variações causadas pelo próprio distanciamento geográfico entre os lugares. Essa crença tem raízes políticas de manutenção do estado-nação, mas consequências negativas para os indivíduos e grupos que divergem da “línguapadrão”. Sem dúvida, cabe à escola atual buscar corrigir essa ideia nociva e preconceituosa, que é também reducionista, pois minimiza os saberes e as potencialidades que a pluralidade linguística oferece. Por isso, a proposta de Bagno e Rangel (2005), de incentivar a reflexão linguística de modo a pensar a língua, o sistema, o texto, a enunciação, a gramática como modos de funcionamento da língua em uso torna-se atitude relevante para uma educação linguística de qualidade. Evidentemente, deve-se ressignificar o conceito de gramática, abandonando a ideia de prescrição e abraçando a de adequação, de emprego apropriado a cada contexto, o que enriquece os saberes, não menosprezando a norma nem as variedades periféricas, mas analisando-as lado a lado como alternativas, possibilitando ao estudante a liberdade de decidir e instrumentalizando-o para fazê-lo de modo confiante e consciente. A valorização da literatura liga-se às demais áreas propostas aqui retomadas. Da literatura

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participam o letramento, como prática social, a valorização da língua brasileira, as diversas variedades, não só geográficas e sociais, como também históricas, e a reflexão sobre a língua possibilitada pelo contato com textos literários variados. Além disso, a literatura pode ocupar profícua função de entretenimento, sendo relevante mostrar, mediante a educação linguística, que a literatura está na raiz das atuais fontes principais de lazer e divertimento: cinema e narrativas midiáticas e transmidiáticas, como a trama narrativa do filme Matrix, complementada por vídeo games acessados na Internet. Por fim, Bagno e Rangel (2005) sugerem a pauta dos direitos linguísticos como primordial para a educação linguística de qualidade. Os autores mencionam a política de repressão linguística exercida no Brasil imperialista como responsável pelo mito da língua única e destacam a importância da garantia dos direitos explicitados na Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, assinada pela Unesco em 1996. Cabe à escola apresentar esses direitos aos estudantes e buscar refletir em conjunto sobre maneiras de lutar por eles. As tarefas propostas por Bagno e Rangel (2005) para a educação linguística são desafiadoras, uma vez que preveem a correção de antigas políticas linguísticas excludentes e de uma cultura linguística ancestral. Para sua efetiva implementação, podem colaborar as TICs e a cultura que está se construindo em seu entorno. Pierre Lévy (2000) advoga que o uso em rede das tecnologias digitais pode permitir a construção coletiva do conhecimento, construído, armazenado e divulgado na Internet, concebida pelo autor como a nova ágora (praça em que os cidadãos gregos discutiam política e lutavam por seus direitos) do milênio, uma ágora digital, na qual os cidadãos podem formar movimentos variados independentemente do tempo e do espaço. A proposição de Lévy vem recebendo críticas devido a seu ufanismo tecnológico. De qualquer modo, o teórico marcou época na virada do século por cunhar o termo “cibercultura”. Manuel Castells (2003) discorre sobre uma sociedade em rede, na qual a “rede é a mensagem” (p. 8) e na qual detêm mais poder e oportunidades aqueles que estão mais conectados. Da mesma forma que a língua pode atuar como instrumento de poder (Bourdieu, 1983), o uso proficiente das TICs 76

pode funcionar como arma de inclusão ou exclusão em uma sociedade ainda compartimentada como é a brasileira. Nos ambientes digitais, a linguagem verbal está em interação com outras linguagens, como imagens, vídeos e sons, de modo que as TICs vêm também a complexificar as tarefas da educação linguística, pelo fato de seu uso proficiente servir como mais uma espécie da capital simbólico na sociedade e exigir letramentos múltiplos, na convergência das diferentes linguagens. A pesquisa envolvendo tópicos das tarefas da educação linguística em ambientes digitais e em contextos tecnológicos pode aproximar horizontes e construir pontes que possibilitem tanto a inclusão linguística quanto a inclusão digital. INCLUSÃO DIGITAL NO BRASIL O governo federal possui um portal sobre inclusão digital na Internet2, que lista, atualmente, 21 programas sociais promovidos ou apoiados pela federação. Os programas relacionam-se a diferentes setores da sociedade, desde pesca, através do programa Maré, que prevê a instalação de centros de inclusão digital a comunidades pesqueiras, até associações empresariais, através do TIN Telecentros de Informação e Negócios, que visam à implantação de telecentros e salas de informática em associações empresariais, prefeituras, entidades sem fins lucrativos e instituições do terceiro setor. No que concerne à educação, listam-se os seguintes programas: CDTC - Centro de Difusão de Tecnologia e Conhecimento, que visa a qualificar, por meio da Internet (ensino a distância), servidores públicos e cidadãos em geral no uso de softwares livres; o programa Banda Larga nas Escolas, que pretende atender os estudantes do ensino básico do país; o programa Computador Portátil para Professores, que visa a criar condições para facilitar a aquisição de computadores portáteis para professores das redes pública e privada credenciadas junto ao MEC, a baixo custo e com condições de empréstimo diferenciadas; o ProInfo - Programa Nacional de Informática na Educação, que objetiva introduzir o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nas escolas da rede pública; e o UCA - Projeto Um Computador por Aluno, que tem a 2

http://www.inclusaodigital.gov.br.


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finalidade de promover a inclusão digital, por meio da distribuição de um computador portátil para cada estudante e professor de educação básica em escolas públicas. Ao todo, somam-se cinco programas no portal que se referem à educação. Infelizmente, o cumprimento do cronograma de alguns deles está atrasado, como é o caso da instalação de banda larga em escolas rurais, previsto para 2010, mas ainda não efetivo em muitas escolas rurais do Brasil. Os programas existem, mas, além de lentamente implementados, não são amplamente divulgados. Também o acesso à Internet no Brasil é ainda insuficiente. De acordo com dados do World Bank3, o Brasil tinha 53,020,000 milhões de usuários da Internet em 2006; em 2007, o número aumentou para 58,717,000 milhões; em 2008, houve uma vertiginosa alta para 72,027,696 milhões, alcançando, em 2009, a marca de 75,943,648 milhões de usuários. Com uma população, segundo a mesma fonte, de 193,733,795 milhões de habitantes, a taxa percentual de acesso no país é ainda baixa, menor do que 50%, fixando-se em 39,2%. Em países como Canadá, Alemanha, Japão e Estados Unidos, a taxa aproxima-se a 80% de acesso. O país com maior número de usuários é a Islândia, com 94,5% de usuários na rede. Não é necessário chegar a 100% de acesso, uma vez que em todas as populações existem pessoas incapacitadas de usar a rede, como crianças muito pequenas e pessoas com limitações de saúde diversas. Adicione-se a isso o fato de que o mero acesso à rede não garante a inclusão do usuário. Mais do que acessar a Internet, é preciso saber como utilizá-la de maneira profícua, portanto, fala-se hoje em dia em letramento digital, conceito exportado da própria ciência linguística, como afirmam Bagno e Rangel (p. 70), que consiste no uso proficiente das mídias digitais que perpassa os processos e as práticas sociais da contemporaneidade.

O World Bank ou Banco Mundial é uma instituição financeira internacional cuja missão inicial foi de financiar a reconstrução dos países devastados pela Segunda Guerra. Com o tempo, a missão evoluiu para a construção de dados estatísticos e financiamento do desenvolvimento dos países mais pobres. Disponível em: <http://data.worldbank.org>. 3

A fim de investigar modos de conjugar os dois letramentos e de discutir sobre o investimento em uma educação linguística que contemple também os meios digitais, procedemos à busca por pesquisas dessa natureza no âmbito acadêmico em programas de pós-graduação na área de estudos linguísticos. PESQUISA EM LINGUÍSTICA E TECNOLOGIAS Na página da web de cursos recomendados pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior), há 30 cursos de pós-graduação em Linguística e áreas afins. Deles, 11 oferecem apenas pós-graduação em nível de mestrado, ao passo que 19 contemplam mestrado e doutorado. Por uma questão de delimitação de corpus, optamos por investigar as páginas institucionais dos 19 cursos recomendados que oferecem mestrado e doutorado. Nossa intenção não é o esgotamento do assunto, mas o levantamento de alguns dados e a discussão sobre eles, a fim de contribuir para a discussão sobre o estatuto das pesquisas nesse campo. Nas páginas institucionais dos 19 programas de pós-graduação investigados, encontramos 25 projetos de pesquisa relacionando a Ciência Linguística e as Tecnologias de Informação e Comunicação. Destes, 14 são desenvolvidos em Programas de Pós-graduação de universidades públicas e 11 em PPGs de instituições privadas. A Tabela 1 lista os PPGs pesquisados e as respectivas páginas eletrônicas. Dos 25 projetos encontrados, 19 deles tratam de questões diretamente relacionadas a ensino/ aprendizagem de línguas (materna ou estrangeira/ adicional) em contextos digitais, ao passo que seis desenvolvem estudos linguísticos ligados à tecnologia em outros âmbitos, como situações de trabalho e construção de corpora linguísticos digitais, uma vez que os campos de investigação da Linguística, especialmente da Linguística Aplicada, têm se ampliado nos últimos anos, com a inserção de pesquisas sobre o uso da língua em contextos sociais diversos. No que concerne à distribuição geográfica das pesquisas, a maioria delas – 15 - são desenvolvidas em universidades da região sudeste do Brasil. Oito projetos estão em andamento em instituições da região sul e dois em universidades situadas na região nordeste. Não foram localizados projetos em universidades das regiões norte e centro-oeste. Esses 77


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dados refletem a própria distribuição geográfica de universidades no Brasil, cuja maioria se situa nas três primeiras regiões assinaladas, que abrigam também as instituições mais antigas e de maior tradição acadêmica. Dentre as universidades da região sudeste, pesquisamos os PPGs da PUC-RIO, PUC-SP, UFF, UFU, UNESP/SJRP, UFJF, UFRJ, UFSCAR, USP e UNICAMP. No PPG em Estudos da Linguagem da PUC do Rio de Janeiro, encontramos a linha de pesquisa Descrição do português, ensino e tecnologia e quatro projetos de pesquisa: Elaboração de recursos eletrônicos: léxico computacional e modelos sintáticos formais; Aspectos

Instituição

Sociolinguísticos de “Callcenters”; A interação mediada por computador; e Modernidade Tardia e Tecnologias para Comunicação no contexto do Trabalho. Desses, apenas o projeto Interação mediada por computador se refere explicitamente ao ensino e à aprendizagem de língua em contexto digital, mas os resultados dos outros três também podem favorecer a educação linguística, uma vez que podem fornecer subsídios e conteúdo para aulas de língua portuguesa e materiais didáticos. É o caso do projeto Aspectos Sociolinguísticos de “Callcenters”, que pode prover dados para uma pedagogia da variação linguística em conformidade com a área

UF

Nome do ppg

Endereço eletrônico

PUC-RIO

RJ

Estudos da linguagem

http://www.puc-rio.br/ensinopesq/ccpg/proglet.html

UFF

RJ

Estudos de linguagem

http://www.posling.uff.br/

UFU

MG

Estudos linguísticos

http://www.mel.ileel.ufu.br/

UNESP/SJRP

SP

Estudos linguísticos

http://www.estudoslinguisticos.ibilce.unesp.br/projeto_ andamento.php

UCPEL

RS

Letras

UFC

CE

Linguística

http://www.ppgling.ufc.br/

UNB

DF

Linguística

http://ppgl.unb.br/site/

UFJF

MG

Linguística

http://www.ufjf.br/ppglinguistica/

UFPB/J.P.

PB

Linguística

http://www.cchla.ufpb.br/proling/index.php

UFRJ

RJ

Linguística

http://www.letras.ufrj.br/poslinguistica/

UFSC

SC

Linguística

http://pos.ufsc.br/linguistica/index.html

UFSCAR

SP

Linguística

http://www.ppgl.ufscar.br/novo/

USP

SP

Linguística

http://linguistica.fflch.usp.br/node/446

UNICAMP

SP

Linguística

http://www.iel.unicamp.br/pesquisa/projetos.php

UNISINOS

RS

Linguística aplicada

http://www.unisinos.br/mestrado-e-doutorado/linguisticaaplicada/projetos-de-pesquisa

UNICAMP

SP

Linguística aplicada

http://www.iel.unicamp.br/pesquisa/projetos.php

PUC-SP

SP

Linguística aplicada e estudos da linguagem

PUC-RS

RS

Linguística e letras

http://www3.pucrs.br/portal/page/portal/faleppg/ppgl

UNESP/ ARAR

SP

Linguística e língua portuguesa

http://www.fclar.unesp.br/poslinpor/linhasdepesquisa_1. php?id=poslinpor

http://antares.ucpel.tche.br/poslet/

http://www.pucsp.br/pos/lael/

Tabela 1 - Instituições pesquisadas conforme site da CAPES. 78


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de atuação proposta no artigo sobre as tarefas, podendo revelar também crenças estabilizadas pela cultura linguística. No PPG em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da PUC de São Paulo, não constavam projetos sobre educação, linguagem e tecnologia no site, porém o PPG conta com a linha de pesquisa Linguagem, Tecnologia e Educação, além do grupo de pesquisa EDULANG, que se dedica à pesquisa sobre o ensino e a aprendizagem de línguas em contextos digitais, especialmente a Internet. No site do PPG em Estudos da Linguagem da UFF (Universidade Federal Fluminense), foi encontrado o projeto Linguagens na Cibercultura, que também pode fornecer subsídios à educação linguística ofertada pela escola. Na página do PPG em Estudos Linguísticos da UFU (Universidade Federal de Uberlândia), não foram encontrados projetos, pois o link para os projetos em andamento pelo PPG estava inacessível no momento da busca. O mesmo não aconteceu com a página do PPG em Estudos Linguísticos da UNESP, câmpus de São José do Rio Preto. Lá, encontramos cinco projetos de pesquisa em andamento. Quatro deles tratavam diretamente de questões relacionadas ao ensino e à aprendizagem: O professor mediador: crenças, ações e seus reflexos nas práticas docentes dos envolvidos no tandem a distância; Ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras In-Teletandem: Investigando as características linguísticas, culturais e pedagógicas da interação entre pares de aprendentes de diferentes línguas; Teletandem Brasil: Línguas Estrangeiras para Todos; e Oralidade e Letramento: o estudo da escrita no contexto da tecnologia digital. O outro projeto, Tratamento informático de corpora para estudos linguísticos e literários, alia-se àqueles que podem beneficiar esse campo indiretamente. A UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) tem um PPG em Linguística, no qual está em desenvolvimento o projeto FrameNet Brasil, que visa à construção de uma base de dados lexical on-line para o português brasileiro, baseada na Semântica de Frames e em evidência de corpus. Esse projeto pode contribuir para a valorização do português falado no Brasil, abrangendo essa área de atuação proposta por Bagno e Rangel (2005). Na página do PPG em Linguística da UFRJ, não constavam projetos, porém o PPG conta com a linha de pesquisa Tecnologia e inovação em

linguística, que pesquisa a linguística nas interrelações com outras áreas do conhecimento, como a utilização de tecnologias de ponta, os paradigmas linguísticos diferenciados sobre o letramento, buscando elaborar subsídios para a pesquisa, a documentação e o ensino de línguas. Da mesma forma, no site do PPG em Linguística da UFSCAR, não foram disponibilizados projetos de pesquisa, porém o PPG conta com a linha: Linguagem humana e tecnologia. No site do PPG em Linguística da USP, encontramos o projeto Linguística e tecnologia informatizadas. O projeto reúne docentes, pósgraduandos e ex-alunos de pós-graduação com o objetivo de promover intercâmbio de experiências entre pesquisadores da área de exatas, das humanidades e em geral. Dedica-se ao exame de usos e aplicações de tecnologias informatizadas nos estudos da linguagem através da geração de bases de dados (corpora eletrônico) de diferentes finalidades (ensino, pesquisa de autoria, diagnóstico) e da análise das bases geradas por ferramentas informáticas e métodos estatístico-descritivos. Ainda na região sudeste, encontramos, no site do PPG em Linguística Aplicada da UNICAMP, os projetos Letramento, Fronteiras e Cultura Digital e E-Lang, que agrega iniciativas centradas na pesquisa e no uso do computador como instrumento e meio de ensino de línguas. Ambos os projetos favorecem as seis áreas de atuação reivindicadas por Bagno e Rangel (2005), uma vez que todas estão presentes também nos contextos digitais, que inclusive favorecem o surgimento de novas variedades linguísticas da língua escrita, próprias à escrita nesses ambientes. Na região sul, encontramos projetos na UCPEL, UFSC, UNISINOS e PUC-RS. Na página da UCPEL (Universidade Católica de Pelotas), existem quatro projetos de pesquisa em andamento, dois deles referentes à linguagem utilizada em redes sociais: Diga-me com quem falas e dir-te-ei quem és – conversação e as redes sociais na Internet e Retratos digitais: auto-representação, discurso e identidade no Orkut; e dois deles referindo-se à aprendizagem na Internet: Aprendendo em nuvem: ensino de línguas online (ANELO) e Produção de Materiais Didáticos para o Ensino de Línguas Online. No website do PPG em Linguística da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), encontramos o projeto: Linguagens e leitura crítica 79


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dos processos comunicacionais com múltiplas tecnologias na educação presencial e a distância e, dentre suas 11 linhas de pesquisa, identificamos a linha de pesquisa 4: Linguagem, discurso, cultura escrita e tecnologia, pertencente à área de concentração em Linguística Aplicada. O PPG em Linguística Aplicada da UNISINOS (Universidade do Vale do Sinos) tem como área de concentração os temas Linguagem, tecnologias e interação, desenvolvendo, presentemente, o projeto de pesquisa: Objetos de aprendizagem como hipergênero em Língua Portuguesa, também fornecendo subsídios para uma pedagogia que valorize a língua portuguesa falada no Brasil e as variações que surgem a partir do uso da língua online. Em conclusão à investigação em universidades da região sul, encontram-se em andamento, no site do PPG em Linguística e Letras da PUC-RS, o projeto Estratégias de leitura em ambiente virtual: pesquisa, ensino e extensão e o Projeto E-book e Audiobook, que tem como objetivo gerar e comparar um audiobook e um e-book no que se refere à compreensão, ao processamento e à aprendizagem. Partindo para a região nordeste, foram realizadas buscas nos sites dos PPGs em Linguística da UFC e da UFPB de João Pessoa. No site desta última, não constavam projetos sobre educação, linguagem e tecnologia, mas, na página do PPG da UFC (Universidade Federal do Ceará), foram encontrados dois projetos de pesquisa em andamento: Práticas de linguagens na web: links entre gêneros, letramentos, hipermodalidade e convergências de mídias e A manifestação da afetividade através da hipermodalidade presente em buddypokes do Orkut, ambos podendo contribuir para a educação linguística proposta por Bagno e Rangel (2005) para o Brasil no que se refere ao letramento e à variação linguística. Considerando que foram encontrados 25 projetos nas 19 universidades pesquisadas, estatisticamente, podemos admitir mais de um projeto para cada programa de pós-graduação, levando em conta ainda que as páginas de alguns PPGs não disponibilizam seus projetos on-line. Os dados evidenciam uma preocupação nos meios acadêmicos em ampliar as investigações sobre a língua e o ensino e a aprendizagem de línguas aos

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contextos digitais, em um movimento de “inclusão digital” da Ciência Linguística no Brasil. CONSIDERAÇÕES FINAIS Quando definem o conceito de Educação Linguística, Bagno e Rangel (2005) reclamam para ela o desenvolvimento e a ampliação do conhecimento sobre a linguagem e sobre “todos os demais sistemas semióticos” (2005, p. 63). Dentro desses, podemos incluir as várias linguagens presentes no meio digital, como linguagens verbais, imagéticas, sonoras e as linguagens sincréticas e multimodais que daí decorrem. Segundo Fraga (2011, p. 17), o computador não pode ser pensado apenas como ferramenta ou dispositivo, com a mera transposição para o computador de práticas comunicacionais que se realizam em contextos de cultura impressa. A tecnologia digital transforma o analógico em numérico e possibilita diversas linguagens a partir de um simples código binário de zeros e uns. De acordo com Edmond Couchot: “a ordem numérica torna possível uma hibridização quase orgânica das formas visuais e sonoras, do texto e da imagem, das artes, das linguagens, dos saberes instrumentais, dos modos de pensamento e percepção” (COUCHOT, 1993, p. 47). Podemos dizer que o desenvolvimento das TICs acarretou uma complexificação das linguagens, que se ampliam e se hibridizam para gerar novos significados, enunciações e modos de expressão diversos. Portanto, cabe falar em uma mudança no próprio conceito de letramento, que prevê, mais do que a proficiência na linguagem escrita, uma proficiência nas demais linguagens, que concorrem e compartilham espaço na “sociedade em rede” (CASTELLS, 2003). Evidentemente, as áreas de atuação propostas por Bagno e Rangel (2005) estão sendo implementadas no meio acadêmico e têm, por conta disso, potencial para chegar à escola, enriquecidas pelos desdobramentos das diversas linguagens nos meios digitais. Permanece, por fim, o desafio da inclusão digital e de seu letramento no que concerne ao uso da língua e das várias linguagens presentes nas TICs, o que significa uma complexificação das tarefas concernentes à educação linguística no Brasil.


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A ESCOLA CONTEMPORÂNEA: REFLEXÕES SOBRE INCLUSÃO/EXCLUSÃO DIGITAL

Raquel Ehlert1 Patrícia B. Scherer Bassani2 RESUMO As escolas e as universidades constituem componentes essenciais à inclusão digital, uma vez que diversos protagonistas (professores, alunos, especialistas membros da comunidade) atuam em conjunto para o processo de construção de conhecimento. Porém, dados apontam que ainda existe um grande desafio para integrar a tecnologia da informação e comunicação (TIC) à educação. O presente artigo tem como objetivo apresentar uma reflexão sobre o papel da escola e do professor no processo de inclusão/exclusão digital. O estudo apoia-se na revisão de literatura, tomando como base reflexiva os principais indicadores do Comitê Gestor da Internet Brasil (CGI-BR), como as pesquisas TIC Educação 2010, TIC Domicílios e Empresas 2010 e TIC Crianças 2010. Os resultados obtidos neste estudo revelaram o despreparo das escolas e dos professores frente à era digital. Embora existam incentivos do Governo quanto à inclusão digital, a falta de Internet e computador é citada pelos professores como um fator que impede a utilização desses recursos na prática escolar. Por outro lado, a inclusão digital somente pode ser efetivamente alcançada em longo prazo, quando, além da infraestrutura técnica necessária, políticas públicas e programas possibilitarem um processo contínuo de formação docente. Palavras-chave: Inclusão digital. Inclusão social. Inclusão escolar. Cibercultura. ABSTRACT Schools and universities are essential components of digital inclusion as long as different actors (teachers, students, specialists in the community) work together for the process of knowledge construction. However, data indicate that until the present time, there is a great challenge to integrate information and communication technology (ICT) to education. This paper aims to present a reflection on the role of school and teacher in the process of digital inclusion/exclusion. The present study involves a literature review based on the main indicators of the Brazilian Internet Steering Committee, which are the research ICT Education 2010, ICT Households and Enterprises 2010 and ICT Kids 2010. The results of this study revealed the lack of structure at schools and insufficient teacher formation to face the digital age. Although there are

Mestranda em Inclusão Social e Acessibilidade da Universidade Feevale, bolsista da Universidade Feevale na modalidade Aperfeiçoamento Científico no projeto de pesquisa Design inclusivo utilizando as TIC’s aplicadas à educação. E-mail: raquelehlert@yahoo.com.br. 2   Doutora em Informática na Educação. Professora titular do Mestrado Profissional em Inclusão Social e Acessibilidade da Universidade Feevale. E-mail: patriciab@feevale.br. 1

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governmental incentives to digital inclusion the lack of Internet and computers is cited by teachers as a factor that impeaches the use of these resources in the school practice. On the other hand, digital inclusion can only be effectively achieved in the long term, when besides the necessary infrastructure, public policies and programs will act in a permanent process of teacher formation. Keywords: Digital inclusion. Social inclusion. School inclusion. Cyberculture.

INTRODUÇÃO Falar em inclusão social ou escolar no século XXI certamente inscreve pensar na era tecnológica e digital. Vive-se em um momento em que a tecnologia digital faz parte de uma cultura que conduz a novas formas de pensar, agir e se relacionar no meio social. De acordo com Lemos (2003), a cibercultura não é o futuro que vai chegar, mas o nosso presente (home banking, cartões inteligentes, celulares, palms, voto eletrônico, imposto de renda via rede, entre outros). Para o autor, a cibercultura representa a cultura contemporânea, sendo consequência direta da evolução da cultura técnica moderna. Essa nova forma de socialização e interação, que emerge a partir dos diferentes recursos tecnológicos, traz avanços significativos que podem contribuir sob diferentes perspectivas no processo de inclusão social e escolar, mas que também podem, paradoxalmente, ser fator de exclusão e segregação. Diversas pesquisas vêm abordando a questão da inclusão escolar com uma perspectiva de direitos e garantias (MANTOAN, 2004; MENDES, 2006). Esse panorama é importante, porém abordar esse tema remete a pensar nos moldes contemporâneos e, consequentemente, em inclusão/exclusão digital. Afinal, de que forma a inclusão digital pode promover inclusão social ou escolar? Ou ainda, exclusão digital pode gerar exclusão social ou escolar? A exclusão digital, no presente estudo, diz respeito às consequências sociais, econômicas e culturais frente à distribuição desigual do acesso a computadores e Internet, bem como as (des) habilidades dos usuários (LEMOS, 2003). De acordo com os resultados obtidos na pesquisa TIC Domicílios 2010, elaborada pelo Comitê Gestor da Internet (CGI), percebe-se que, embora a disseminação tecnológica tenha avançado consideravelmente nos últimos anos, ainda há um grande número de indivíduos excluídos da sociedade da informação (CGI, 2011a).

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Com base nesses tensionamentos, este estudo visa a dialogar com dados e conceitos relacionados à inclusão/exclusão digital no Brasil, tendo como base a seguinte questão norteadora: os professores estão preparados para incluir digitalmente? O objetivo principal deste estudo é verificar o papel da escola e do professor no processo de inclusão/ exclusão digital. Para tanto, utilizou-se contextualizar a era da cibercultura e os conceitos acerca da inclusão/ exclusão social/digital, para, então, realizar o cruzamento de alguns dos principais dados dos indicadores da utilização de TIC no Brasil, com base nas pesquisas elaboradas pelo Comitê Gestor da Internet Brasil (CGI-BR). Assim, este estudo se caracteriza como uma revisão de literatura na qual se utilizaram, como base reflexiva, os principais indicadores do Comitê Gestor da Internet Brasil (CGI-BR), como as pesquisas TIC Educação 2010, TIC Domicílios e Empresas 2010 e TIC Crianças 2010. Para a melhor articulação dos dados e conceitos, este artigo foi dividido em seções temáticas. A primeira seção que se inicia a seguir, “cibercultura”, contextualiza a era da cultura digital. A segunda seção, “inclusão/exclusão social/digital”, aborda conceitos relativos à inclusão digital, entendendo esse processo como uma faceta da inclusão social e, por fim, a terceira e última seção deste artigo, “o papel da escola na inclusão digital: reflexões literárias com base em indicadores”, reflete criticamente sobre o papel das escolas e o (des)preparo dos professores quanto ao processo de inclusão/exclusão social/digital, com base nos indicadores do CGI-BR. CIBERCULTURA A informatização da sociedade, que começa na década de 70 do século XX, parece já estar estabelecida nas principais cidades desenvolvidas. O que está em jogo, neste começo de século XXI,


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é o surgimento de uma nova fase da Sociedade da Informação, iniciada com a popularização da Internet, na década de 80, e radicalizada com o desenvolvimento da computação sem fio, pervasiva e ubíqua3, a partir da popularização dos telefones celulares, das redes de acesso à Internet sem fio (Wi-Fi e Wi-Max) e das redes caseiras de proximidade com a tecnologia bluetooth. Trata-se de transformações nas práticas sociais, na vivência do espaço urbano e na forma de produzir e consumir informação (LEMOS, 2004). A cibercultura é responsável pela criação de novas formas de se comunicar. Ela é “recheada” de novas maneiras de se relacionar com o outro e com o mundo. Não se trata, mais uma vez, de substituição de formas estabelecidas de relação social (face a face, telefone, correio, espaço público físico), mas o surgimento de novas relações mediadas (LEMOS, 2003). O crescimento do ciberespaço resulta de um movimento internacional de jovens ávidos para experimentar, coletivamente, formas de comunicação diferentes daquelas que as mídias clássicas propõem. Estamos vivenciando a abertura de um novo espaço de comunicação e cabe apenas a nós explorar as potencialidades mais positivas desse espaço nos planos econômico, político,cultural e humano (LEVY, 1999). A cibercultura “solta as amarras” e desenvolvese de forma onipresente, fazendo com que não seja mais o usuário que se desloca até a rede, mas a rede que passa a envolver os usuários e os objetos numa conexão generalizada (LEMOS, 2004). Sendo assim, estar fora ou excluído dessa nova cultura em rede significa estar fora ou excluído da sociedade, das oportunidades, de uma nova forma de pensar e se relacionar. Afinal, em um mundo tão conectado, as fronteiras entre o online e o offline assumem contornos tênues que se misturam e fomentam novos processos de inclusão e exclusão social .

3  Segundo LEMOS (2004), ubiquidade, pervasividade e senciente são quase sinônimos. Ubiquidade refere-se à possibilidade de estar em vários lugares ao mesmo tempo. Por “computação ubíqua” ou “pervasiva”, compreende-se a disseminação dos computadores em todos os lugares.

INCLUSÃO/EXCLUSÃO SOCIAL/DIGITAL Ao contrário do que parece, inclusão e exclusão não podem ser consideradas como opostos. Na verdade, esses dois conceitos estão interligados, de forma que só existe inclusão, se temos exclusão. É possível afirmar que alguém está excluído de um determinado espaço ou categoria, mas certamente esse indivíduo é pertencente a algum outro espaço ou categoria, ou seja, ninguém é totalmente excluído. A exclusão é fruto das formas de organização da sociedade e das maneiras com que se estabelecem as relações entre as pessoas (BARTALLOTI, 2006). Para alguns autores, o termo exclusão é considerado inadequado ou mesmo inexistente. Para Martins (1997), a exclusão de fato, não existe: [...] o que vocês estão chamando de exclusão é, na verdade, o contrário de exclusão. Vocês chamam de exclusão aquilo que constitui o conjunto das dificuldades, dos modos e dos problemas de uma inclusão precária e instável, marginal. (1997, p. 26).

Na atualidade, torna-se praticamente impossível separar as relações que se estabelecem online e offline. É possível afirmar que o que acontece no “mundo virtual” é também parte do “mundo real”. A inclusão digital é, portanto, uma faceta da inclusão social e, como tal, estabelece íntima relação nos processos de inclusão e exclusão social e vice-versa. Nesse sentido, Wagner (2003) entende que inclusão digital não significa apenas ter acesso a um computador e à Internet. Segundo o autor, é preciso saber utilizar esses recursos para atividades variadas, classificadas em três diferentes patamares, segundo sua relação com o exercício da cidadania. Em um primeiro nível, a Internet, hoje especialmente por meio das redes sociais, permite a comunicação entre as pessoas, o que já potencializa formas de articulação em torno de demandas sociais variadas. Em um segundo nível, a Internet viabiliza a obtenção de informações e a utilização de serviços de interesse público. Em um terceiro patamar, no entanto, certamente ainda mais importante para a cidadania e a nação, a inclusão digital deve permitir a geração e a disponibilização de conteúdo através das mais diferentes formas – geração de conteúdos multimídia, digitalização de conteúdos variados, criação de páginas e de blogs, etc. 85


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Dessa forma, fica claro que a inclusão digital não é uma simples questão que se resolve comprando computadores para a população de baixa renda e ensinando as pessoas a utilizar esse ou aquele software. Ter ou não acesso à infraestrutura tecnológica é apenas um dos fatores que influenciam a inclusão/exclusão digital, mas não é o único, nem o mais relevante (BONILLA, 2001; SILVA et al., 2005). O PAPEL DA ESCOLA NA INCLUSÃO DIGITAL: REFLEXÕES LITERÁRIAS COM BASE EM INDICADORES Segundo Silva Filho (2003), as escolas e as universidades constituem componentes essenciais à inclusão digital, uma vez que diversos protagonistas (professores, alunos, especialistas, membros da comunidade) atuam em conjunto para o processo de construção de conhecimento. Porém, dados apontam que ainda existe um grande desafio para integrar a tecnologia da informação e comunicação (TIC) à educação (CGI, 2011b). Atualmente, as principais ações do governo brasileiro voltadas para a integração das TIC na educação são o Programa Nacional de Informática na Educação (Proinfo), o Programa Um Computador Por Aluno (Prouca) e o Programa Banda Larga nas Escolas (PNBLE) (CGI, 2011b). Destaca-se que o Brasil tem feito um grande esforço para dotar de acesso à Internet todas as escolas públicas do país, em todas as regiões, mesmo em locais de difícil acesso. O PNBLE, que teve início em 2010, deve tornar esse acesso de melhor qualidade. No entanto, a conexão das escolas em banda larga não será suficiente, se os professores ou outros formadores que atuam nas escolas não forem capazes de desenvolver nos alunos as habilidades básicas no uso dos computadores e da Internet (WAGNER, 2010). De forma geral, percebe-se que os programas de governo estão principalmente direcionados às questões de infraestrutura. Na pesquisa TIC Educação (CGI, 2011b), 66% das escolas participantes apontam a compra e a instalação de computadores como itens oferecidos pelo programas. Em segundo lugar, 17 pontos percentuais a menos, surge a capacitação de professores (49%). Os programas governamentais também são suporte para as atividades de manutenção, que são essenciais para a continuidade do projeto. A 86

pesquisa aponta que 47% dos programas mantêm computadores, e 34%, laboratórios. Há ainda programas que incluem contratação de monitores (26%) e oferecem treinamento para os alunos (23%). A pesquisa aponta, também, que 37% das escolas que se integram a algum programa de capacitação de professores têm a iniciativa implementada pela esfera estadual, e 34% pela municipal (CGI, 2011b). Ainda assim, encontra-se, entre os fatores limitantes ao maior uso das TIC na escola, o número insuficiente de computadores conectados à Internet (para 53% dos educadores, esse fator atrapalha muito). A baixa velocidade na conexão à Internet é outro limitante (49%). Essas queixas aparecem com intensidade semelhante em todas as regiões do país, independentemente do tipo de dependência administrativa da escola e da série em que atua o professor. Ao refletir sobre inclusão social e exclusão digital, Demo (2005) critica algumas ações que se dizem inclusivas, mas que “incluem” de forma marginal e precária. Referindo-se à inclusão/exclusão digital, o autor diz que, como regra, a tendência é considerar inclusão o que não passa de efeito de poder, na medida em que se reservam para eles (os pobres/excluídos) os restos, tais como: equipamentos sucateados, cursos precários, ambientes improvisados, treinamentos encurtados, programas baratos. De acordo com a pesquisa TIC Domicílios e Empresas 2010 (CGI, 2011a), aproximadamente metade dos cidadãos brasileiros nunca utilizou um computador ou acessou à Internet. A proporção de domicílios com computador na área urbana (39%) é superior à da área rural (12%) e, ainda assim, atinge apenas metade da população. Apenas 31% dos domicílios possuíam acesso à Internet na zona urbana e apenas 6% na zona rural (CGI, 2011a). Para o aluno, a escola é o local menos frequente de acesso à tecnologia: apenas 2% dos alunos o fazem todos os dias. Mesmo assim, para 25% dos alunos, a escola é uma oportunidade de acesso à Internet, onde utilizam computador e Internet pelo menos uma vez por semana. A frequência de uso da tecnologia na escola é maior entre alunos de escolas municipais (30% o fazem ao menos uma vez por semana, contra 18% das estaduais). No 5o ano do Ensino Fundamental, 31% utilizam tecnologia ao menos uma vez por semana. Esse número cai para 24% no 9o ano do Fundamental e para 17% do 2o ano do Ensino Médio (CGI, 2011b).


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Na pesquisa TIC Crianças (CGI, 2011c), foram estudadas crianças com idade entre cinco e nove anos, com situações sociais variáveis e residentes tanto na área urbana quanto na área rural. Alguns dos resultados mais relevantes da pesquisa apontaram que a obtenção das habilidades para o uso das TIC ocorre, em primeiro lugar, com os professores na escola, seguida de parentes, mãe, irmãos, sozinho, pai e amigos (gráfico 1). Entretanto, quando se refere a com quem a criança utiliza a Internet, a resposta “com os professores na escola” (28%) aparece em quarto lugar; depois de “sozinho” (39%), “com a mãe” (35%) e “com parentes” (29%). A escola também fica para trás, aparecendo como terceiro local de uso individual da Internet mais frequente, antecedida pelos locais “em casa” e “na casa de outra pessoa” (CGI, 2011c). Segundo a pesquisa TIC Educação (CGI, 2011b), praticamente todos os professores já utilizaram o computador (98%) e acessaram a Internet (97%) alguma vez na vida, porém as suas habilidades precisam ser aprimoradas, para que a Internet possa efetivamente impulsionar mudanças no processo de ensino-aprendizagem. Fatores como a falta de habilidade em algumas tarefas, a idade do educador (mais velhos relatam maior dificuldade com a tecnologia) e o fato de alguns professores considerarem as habilidades dos alunos superiores às deles mesmos trazem insegurança ao docente, o que muitas vezes é determinante no desuso da tecnologia no espaço escolar.

Conforme Sorj (2003), a habilidade para utilizar as informações da web está intimamente associada à qualificação adquirida na escola. Para o autor, os fatores que determinam o nível de igualdade de acesso aos sistemas de tecnologia da informação e comunicação são: infraestrutura, equipamentos de conexão, formação, capacidade intelectual e produção e utilização de conteúdos específicos. A escola pode atuar com contribuição em todos esses fatores, pois pode promover infraestrutura, formação e desenvolvimento intelectual. Wagner (2010) destaca que o verdadeiro papel da escola em relação ao uso da Internet e à inclusão digital só será devidamente exercido quando disponibilizar aos alunos os recursos para que eles melhor exerçam sua cidadania plena, e não apenas utilizem a Internet como meio de comunicação, como, por exemplo, através de redes sociais. Demo (2005) aponta que a inclusão digital na escola depende, em grande medida, da qualidade docente e, para isso, o professor precisa conhecer essas diferentes tecnologias e o seu potencial para os processos educativos, o que, em geral, os cursos de Licenciatura não fazem, sem falar nas condições socioeconômicas adversas. Logo, a Informática precisa entrar definitivamente na vida escolar, especialmente nas escolas públicas, o que será possível quando os professores forem capazes de utilizar, de forma mais avançada, os computadores e a Internet no ensino de suas próprias matérias. Entretanto, para que tudo isso ocorra, é necessário, sobretudo, o que os autores chamam

Gráfico 1 - Forma de Obtenção das habilidades para uso das TIC (%). Fonte: (CGI, 2011, p. 29) 87


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de letramento digital, ou seja, a habilidade para construir sentido, capacidade para localizar, filtrar e avaliar criticamente informação eletrônica, estando essa em palavras, elementos pictóricos, sonoros ou qualquer outro (SILVA et al., 2005). Wagner (2010) aponta como uma medida necessária o empenho dos cursos de licenciatura na formação dos futuros professores no uso da Informática, não apenas em termos de habilidades que correspondem aos dois patamares iniciais de inclusão digital, mas especialmente com ênfase na geração de conteúdos, a fim de que possam chegar ao terceiro patamar, no qual se exerce a cidadania plena. O autor também afirma que, além dos programas que visam à infraestrutura digital, são necessários programas e políticas, cujos resultados serão de longo prazo, mas que considerem aprimorar as habilidades dos professores, na busca da verdadeira inclusão digital. CONSIDERAÇÕES FINAIS Retomando a questão que moveu este estudo, é possível afirmar, com base nos indicadores e referenciais teóricos acerca da matéria, que, em geral, os professores brasileiros não estão preparados para fortalecer os processos de inclusão digital. As limitações que interpelam esse despreparo se dão tanto na ordem material, com a falta de computadores e acesso à Internet, como na falta de formação específica, referente ao letramento digital e ao domínio das técnicas. Em suma, o papel da escola e de seus atores (professores, alunos, etc.) é fundamental na busca da efetiva inclusão digital, uma vez que a escola se constitui no espaço formal para a construção do conhecimento. No Brasil, embora algumas ações estejam sendo implementadas, no sentido de entender que a busca da inclusão digital está mediada pela escola e fornecer infraestrutura para que essa possa ser possível, esse é um resultado que somente pode ser efetivamente alcançado em longo prazo, quando políticas públicas e programas atuarem sobre o processo de formação dos docentes.

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EDUCAÇÃO NO TERCEIRO MILÊNIO NOVA H (ERA) – IMPERATIVOS: Educação Universal Espírito FilosóFICO

Janice Jandrey dos Santos1 RESUMO O artigo a seguir apresenta algumas atividades aplicadas por ocasião do trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Arteterapia. Refere o panorama geral acerca de uma tal predicação “Indivíduo artista de si mesmo”, significado esse que exalta a Arteterapia como pano de fundo, ou talvez um viés sobressalente de positividades acrescidos junto ao sentido e conteúdo da Educação Tradicional. O terceiro milênio voluntariosamente impõe novo paradigma acerca das relações sociais frente à comunicação em geral. Para tal propósito e prática, elaborou-se um Projeto sobre os princípios de Arteterapia aliados a reflexões filosóficas. A Arteterapia foi trabalhada como a apreensão das potencialidades naturais do indivíduo promovendo bem-estar e elaborando sua própria expressão nas mais variadas formas - para tal fim, foram usados objetos das artes plásticas, literatura, filosofia, teatro, etc. Quanto aos princípios filosóficos (históricos e processos reflexivos), por questão de coerência, não poderiam deixar de representar a “pedra fundamental” de tal constructo. Contudo “Indivíduos resilientes” sob uma perspectiva “holística” – totalidade - representaria, por ora, a configuração maior objetivada para nominar o produto final projetado para este trabalho. Quanto ao Método, foi utilizada a abordagem Qualitativa e Método Dialético. Palavras-chave: Educação universal. Hollon. Nova ordem. Resiliência. ABSTRACT The following article presents some activities implemented during the work completion of the Specialization Course in Art Therapy. Concerns about the overall picture of such a predication “Individual artist himself,” meaning one that exalts the art therapy as a backdrop, or perhaps a spare positivity bias increased with the meaning and content of the Traditional Education. The third millennium willfully imposes new paradigm about social relations front to communication in general. For this purpose and practice elaborated a project under the principles of the Art Therapy allies Philosophical reflections. The Art Therapy was crafted while the seizure of the natural potential of the individual by promoting wellness and developing its own expression in various forms, have been used for that purpose objects of fine arts, literature, philosophy, theater, etc. As for the philosophical principles (historical and reflective processes), for consistency, could not fail to represent the “cornerstone” of such a construct. However “resilient individuals” a perspective “holistic”-all-would, for now, the configuration most objectified to name the final product designed for this job. As for the method, we used the approach Qualitative and Dialectical Method. Keywords: Universal education. Hollon. New order. Resilience. 1   Pós-graduada em Filosofia e Ensino pela Unisinos e em Arteterapia pela Feevale. Graduada em Letras pela Faculdade Porto Alegrense de Educação, Ciências e Letras (FAPA). Filosofia - Bacharelado (graduanda)/UFRGS. Professora da Rede Municipal de Porto Alegre. E-mail: jjs9477@yahoo.com.br.

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INTRODUÇÃO A Educação Tradicional, no terceiro milênio, por si só vem se transformando. As instituições sociais, a partir da célula familiar, sofrem profundos abalos estruturais. As pessoas são afetadas direta ou indiretamente pelo fenômeno do novo paradigma sociocultural em decorrência de novas ordens provocadas pelas formas de comunicação informatizada e digital. Sob a hipótese de que a Arteterapia (ou seus princípios básicos) poderia elevar a qualidade dos processos educacionais é que foi montado este projeto, a partir do trabalho de conclusão de Curso de Especialização em Arteterapia (estágio) pela Feevale no ano de 2010. As práticas propriamente ditas foram aplicadas sob uma conotação principal de “Educação Universal sob um Espírito Filosófico”. Ou seja, algo acerca do conhecimento e entendimento do indivíduo consigo próprio em relação à existência como um todo uma predicação “utópica” de “indivíduo artista de si mesmo”. Quanto ao desenvolvimento prático do projeto, considera-se pleno de satisfatoriedade. DESENVOLVIMENTO Arteterapia e/ou Arte Educação Liomar Quinto de Andrade, em sua obra Terapias Expressivas - Arte Educação Arte Terapia (2000), apresenta, entre outras, as ideias de Natalie Rogers, que, como terapeuta, trabalha com os processos expressivos na medida em que propõe uma integração e conexão entre movimento e escrita. Isso é mais do que procurar vias alternativas de expressão, como as diversas linhas enfatizam: a liberação de processos inconscientes, a resolução de conflitos emocionais internos e as questões de relacionamento interpessoais. Nas palavras de Natalie (1993, apud Andrade, 2000, p.110): O Terapeuta Expressivo combina movimento, arte, escrita imaginação guiada pela música, meditação, trabalho corporal, comunicação verbal e não verbal, para facilitar o autoconhecimento interior a auto expressão, a criatividade e estados mais alterados de consciência. Esse é um processo integrador que utiliza nossas habilidades intuitivas tanto quanto nossos processos de pensamento lógico lineares. Envolvemos nossa mente, o corpo, as emoções e o espírito. Quanto 92

ao facilitador do processo, ele deve ser empático, congruente, aberto e honesto, na medida em que escuta em profundidade e facilita o crescimento do indivíduo ou do grupo. Essa ideia incorpora a crença de que cada indivíduo tem valor, dignidade e a capacidade de se autogerir.

Além da autora acima, o termo resiliência poderá sintetizar as ideias as quais desejamos passar: resiliência é a capacidade de se fazer frente às mais variadas adversidades. O termo resiliência vem sido adotado em larga escala, nos dias atuais, por movimentos da chamada Psicologia Positiva, a também chamada Psicologia da Felicidade, por estudar aspectos como emoções, bem-estar, alegria, esperança, satisfação, gratidão e amor. O termo vem do verbo latino resílio (re+salio), que significa “saltar como uma mola, voltar ao ponto de partida”, remetendo à ideia de flexibilidade, que pode ser ativada e desenvolvida nas pessoas para lidar com conflitos e resolver problemas. Atualmente, McLuhan (apud Lima, 1987, p. 58) diz: “A Educação do futuro no Terceiro Milênio será como um time de futebol” - terá como objetivo fundamental desenvolver no indivíduo a capacidade de resolver problemas, a capacidade de autorregulação e autonomia. É de se acreditar que a projeção do autor já chegou perto da realidade, porém o problema é que, tal como um jogo de futebol, a minoria dos sujeitos, nos times, jogam, enquanto a massa de torcedores apenas permanece inflamada. Problemática enfrentada pela população em geral: novo paradigma sociocultural no século XXI Segundo estudos de Kehl (2008), a principal causa de mortalidade entre meninos de cinco a 14 anos de idade é a agressão física. Grande parte da violência contra essa população parte de criminosos adultos, como no caso de traficantes que “punem” os pequenos subordinados ineficientes, ou que tenham transgredido a “Lei” tirânica do tráfico. Mas o mais grave é o grande número de agressões fatais por parte de outros meninos, tão jovens quanto suas vítimas. A partir dessas reflexões, não fica difícil concluir que, no contexto referido, o modelo de herói, forte, viril, será aquele que vive na marginalidade - o poder paralelo. Há, nesse caso, um efeito identificatório que


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é próprio da lógica do espetáculo. A espetacularização do crime, que faz do criminoso o símbolo da potência que a imagem lhe confere. Potência de visibilidade, potência de ser. É necessário, segundo a autora Kehl (2008, p. 84): Construir uma nova ética da imagem para dar conta dessa contradição, pois estamos com medo dos nossos adolescentes. Morrendo de medo. Não me refiro aos filhos dos outros, os adolescentes do “lado de lá”. Estou me referindo aos nossos próprios filhos. Estamos com medo da adolescência deles. O adolescente é o rei da cultura de massas. E, quando nossos filhos chegam à idade do sexo, das drogas e da desobediência civil, morremos de medo deles. Um medo justificado, dada a presença maciça do tráfico por toda parte. Para muitos adolescentes, a droga se torna a via de delinquência, sentem-se adultos vivendo perigosamente.

Com tudo isso, não fica difícil concluir que epidemias de doenças emocionais e mentais afetam a humanidade nos tempos atuais. Conforme a autora acima, a depressão é uma forma muito particular e avassaladora daquilo que, corriqueiramente, chamamos a dor de viver. As pessoas deprimemse porque não suportam o que foi feito a elas. É principalmente de fora para dentro que a vida psíquica se impõe àqueles que sofrem de malestar. Quase sempre a novidade (nova ordem em decorrência da revolução nos meios de comunicação), em um primeiro momento, poderá causar desconforto, desajustes e conflitos acerca das partes envolvidas. Nota-se, sobremaneira, que é exatamente o fator de novidade envolvendo as gerações anteriores a 1980 – mais ou menos a época da “invasão dos computadores”- que está causando incontáveis conflitos de gerações: desestruturação das instituições em geral - família, escola, questões ideológicas, religiosas, morais e de justiça. Se o novo paradigma de convivência sociocultural que está se apresentando ou sendo construído pelos sujeitos, na contemporaneidade, está promovendo colapso e, de certa maneira, gerando caos, por outro lado, as modalidades estruturais de poder - relações moldadas por princípios e valores da Idade Média, como, por exemplo, o modelo Tradicional de Educação e, que por aproximação ou por analogia ainda insiste em perpassar e amarrar os segmentos da sociedade - estão perdendo completamente o

sentido original, porque não estão encontrando mais sustentação para sua estrutura. Nesse novo milênio, a situação panorâmica da população em geral passa a se apresentar da seguinte forma: todos os indivíduos, se assim o desejarem, passam a ter acesso a toda e qualquer forma de informação e, a partir daí, pelo que se observa, tentam, na medida do possível, tomar suas decisões por conta própria. Quer dizer, se, de um lado, as relações de poder, os modelos e padrões socioculturais até o século XX deixavam (ou deixam) muitíssimo a desejar, na mesma medida, o seu extremo oposto poderá ser substancialmente nefasto. Arteterapia: “o que é ou pode ser” Já em 1914, Margareth Naumburg, primeira terapeuta a sistematizar a Arteterapia, entendia que tal processo deveria ser de orientação dinâmica e de “conotação educativa” em primeiro plano. Ou seja, naquela época, já se preocupava com o fato de que a Educação, antes de ser de caráter “conteudista” por excelência, deveria apostar em processos que promovessem o bem-estar dos alunos e, consequentemente, com a singularidade e subjetividade deles (uma coisa não anulando a outra, e sim questão de redimensionamento e adequação). Natalie Rogers, Psicoterapeuta do século XX, valoriza a Arteterapia e a entende como uma “conexão criativa”, ou seja, validando todas as formas expressivas. Nise da Silveira (1992, p.124 ) - Terapeuta Ocupacional - tratava de pacientes com esquizofrenia e, em 1952, criou o Museu de Imagens do Inconsciente. O trabalho da doutora Nise baseava-se nos principais fundamentos: “Os sintomas encontram oportunidades para se exprimir livremente- os tumultos emocionais tomam forma despotencializando-se a partir de interferências criativas”. Freud (1973, p.197) considerava o sujeito como um “produto artístico”, tendo nomeado tal processo de sublimação -“A causa precipitadora da irrupção de uma psicose é em que a realidade tornou-se insuportavelmente penosa ou que os Instintos se tornaram extraordinariamente intensificados”. Carl Gustav Jung, em relação à terapia, acreditava que seu objetivo era o de reconciliar os diversos estados da personalidade dentro das pessoas como o estado de introversão e extroversão, entre 93


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outros, de atingir a harmonia entre o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo e também entre o consciente e o inconsciente. O objetivo da terapia, dizia ele, é o alcance da individualidade por parte do paciente. Além disso, Jung (2008) acreditava que, na vida, cada indivíduo tem como tarefa uma realização pessoal, o que torna uma pessoa inteira e sólida. É essa a tarefa que tem a função de harmonizar o consciente com o inconsciente. Jung (1972) estudou muito as Ideias dos Pensadores da Antiguidade: Pitágoras, Heráclito, Platão e também os contemporâneos - Kant, Goethe, Schopenhauer, etc. Mas fora a obra de Freud (seu mestre) que o impulsionara. Além da preocupação com as patologias individuais. Jung (1972, p. 175), aborda o problema educacional: Todo o nosso problema educacional tem orientação falha: vê apenas a criança que deve ser educada, e deixa de considerar a carência de educação no educador adulto. Todo aquele que terminou os estudos acha que sua educação está completa. Fala-se da criança, mas dever-se-ia falar da criança que existe no adulto. No adulto está oculta uma criança eterna, algo ainda em formação e que jamais estará terminado, algo que precisará de cuidado permanente, de atenção e de educação.

Há que se concordar com tudo o que foi salientado e reforçar a ideia de que a Arteterapia, sendo pautada, em primeiro lugar, pela Arte genuína do Ser a partir de sua disposição para tal, poderá representar categoria de inestimável valor, caso seja tratada como um processo e estudo permanente da existência, procurando, em primeiro plano, o seu entendimento. METODOLOGIA Para o desenvolvimento do processo prático referido, foram adotados uma abordagem Qualitativa e o Método Dialético sob uma perspectiva citada por Prodanov (2000), que vem a ser uma interpretação dinâmica e totalizante da realidade, pois os fatos não podem ser relevados fora do contexto social, político, econômico, etc. E, especificamente para o trabalho prático, esses pressupostos tomaram a dimensão de integração, diálogo e reflexões por base. O grupo envolvido no processo teve a seguinte composição: 52 alunos 94

(masculinos e femininos) com idade entre 15 e 20 anos divididos em duas turmas. Duas Escolas da Rede Municipal de Porto Alegre. Duas professoras titulares das turmas. Estagiária de Especialização em Arteterapia. Ano de 2010 (primeiro semestre), períodos das práticas (quatro horas semanais). Procedência dos alunos: vinham de variadas Escolas da rede de Ensino selecionados sob o critério de dificuldades de integração no grupo de origem, por questões de problemas de comportamento inadequado ou alguma outra dificuldade ou “desajuste”. Encontravam-se encaminhados sob a proposta de superação das referidas “lacunas” através de Projetos Especiais, no caso, o Projeto Preparação para o Trabalho. Gradativamente, à medida que os alunos iam superando as dificuldades, seriam encaminhados para funções em Estágio remunerado junto às Instituições Municipais. A base dos trabalhos consistia em exercitar valores positivos e comportamento social adequado e de boa convivência. A proposta referente à minha prática de Estágio fora uma integração dos Projetos de ambas as partes (o que já estava em andamento integrando, por ora, o Projeto de Arteterapia). Contatos iniciais entre o grupo: apresentação das partes (alunos, professoras titulares e estagiária) apresentação dos Projetos - professoras e estagiária. Engajamento de modo inter e transdisciplinar entre as propostas. Ficou definido que o meu projeto de Arteterapia teria a conotação de tema transversal. Os períodos das atividades foram divididos entre as professoras que faziam parte dos grupos. O meu trabalho foi de caráter introdutório para as demais atividades. Segue o relato de algumas vivências e atividades. (Arteterapia) PRIMEIRA ATIVIDADE - “Silêncio, o que é? Como é”? Objetivos: - esclarecer os termos Arteterapia e Arte; - vivenciar o potencial “artístico” singular e coletivo através do Diálogo (consigo próprio e com os demais envolvidos no processo). Momentos 1 e 2: ouvir e sentir música suave, a seguir e sob orientação, os participantes se acomodaram no espaço em posição reflexiva para pensar apenas no “ato de pensar” mergulhados no “silêncio”. Após, alguns minutos de desconforto,


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para a maioria, fora perguntado: o pensamento funciona do mesmo modo como falamos e escrevemos para nos comunicar com os outros? Ou ele funciona como um computador? Sob relações com os conteúdos algumas vezes lineares e outras vezes não lineares, quer dizer por analogia? Isto é, acaso não pensamos em uma “ideia-ponto” e, a partir daí, essa ideia se relaciona e se espalha, juntando-se com outras ideias variadas, as quais se conhecem, se entendem, porém outras tomam formas surpreendentes que aparecem como bobagens, fantasias que não têm nada a ver? Momento 3: usando folha do tipo canson, lápis de cores variadas, tintas, algum outro material de preferência - transferir para a folha, em imagens, de que forma funciona a mente humana, conforme as reflexões feitas. E, se, ao voltar para si mesmo, ao “olhar para dentro de si mesmo”, teria despertado algum sentimento em especial, emoção ou outro. Da mesma maneira, encontrar uma forma de expressar os sentimentos objetiva, concretamente. Logo de início, os alunos mostraram-se inibidos, dizendo que não sabiam desenhar. Ao que argumentei: vocês estão vendo aquela gravura ali na parede? Se eu pedir a vocês que copiem o desenho bem igualzinho ou até mesmo se saísse tal como um xerox, não seria Arte. Pois concordamos com o Filósofo Aristóteles em Poética (séc. VI a. C., p. 446), onde diz: “A Arte é a imitação da Natureza”, quer dizer: imitação porque não conhecemos a natureza como ela é de verdade. Nós conhecemos alguma parte que nos aparece. E o nosso alcance a respeito é mínimo. Então, aquilo que passa na nossa mente, que é imaginação e ideias, vocês vivenciaram, no primeiro momento do encontro, como é que funciona, lembram? Quando transferimos as imagens e ideias a partir de nossa mente (pensamento), nós colocamos no papel ou produzimos alguma coisa com outros materiais, isso de certo modo pode se chamar Arte. Nesse sentido, podemos pensar que todos somos “artistas”. Creio que, após essas afirmações, eles ficaram mais à vontade, pois o resultado final foi excelente. Sobre as indagações: os alunos concordaram com o fato de que “funcionamos” de forma semelhante a um computador. E, sobre sentimentos e emoções ao se voltarem para dentro de si mesmos - reflexão, meditação -, uns disseram que ficaram “nervosos”, “mexidos”, que um pouco era por causa da música romântica, falou R. A

propósito, sobre a música: quando liguei o som, quase todos vaiaram “tirando sarro”, queriam funk (pancadão). Ao que interferi e respondi de modo metafórico: o que vocês diriam, se acaso eu e a professora A aparecêssemos aqui na aula de biquíni? E se fôssemos à praia de casacão? Riram... Quer dizer, as coisas devem acontecer relativas ao texto/ contexto. Não gostaram da música? OK! Porém não estamos em uma festa, e sim na escola e o momento é de “trabalho”. Usamos, sempre que possível, os recursos metáforas, comparações, para facilitar o entendimento do assunto tratado. O pensador e linguista Pinker (2009, p.194) argumenta: As pessoas discordam entre si porque enquadram um problema com metáforas diferentes, que usam sem perceber, pois as Ideias abstratas são conectadas de modo sistemático a experiências mais concretas. A metáfora não é um floreio da linguagem, mas uma parte essencial do pensamento: nosso sistema conceitual comum, em termos de o que pensamos e como agimos, é de natureza fundamentalmente metafórica. As metáforas são úteis para o pensamento no sentido de que são analogias. Isto é, sustentam raciocínio lineares e não-lineares.

O mesmo autor diz: “Há algo na origem das palavras que inspira as pessoas a inventar” (2009, p. 245). Questionamos com os participantes sobre uma hipótese: as pessoas, em sua maioria, não suportam o silêncio, porque o que “sentimos” em nossa função mental pode ser qualquer outra coisa, menos silêncio. Solicitei aos alunos que pressionassem os ouvidos com as mãos sem deixar o ar entrar. E a conclusão: o barulho que “se sente ou se ouve” é como se tivesse um motor dentro da cabeça. E recorremos novamente ao pensador para ilustrar: Soares (2008, p. 59) “O silêncio não é a ausência de palavras. É a presença inconciliável de todas elas”. Com essas reflexões, consideramos que talvez possa ser o desconforto não silencioso um dos motivos pelo qual, em salas de aula, é um sacrifício manter uma turma em silêncio para que as aulas sejam satisfatórias. Para refletir: alguém já encontrou pessoas falando sozinhas? Será por que não estão suportando o “silêncio”? Ou os gritos do “silêncio” dentro da cabeça? 95


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SEGUNDA ATIVIDADE “O corpo é a morada da alma”. Objetivos: - tomar consciência do corpo como partes e todo. - meditar e refletir sobre o que vem a ser ou poderá ser a “alma”(alma aqui como energia individual, excetuando a conotação históricodogmática do termo). Momento 1: organização do espaço: todos deitados sobre colchonetes. Sob o som suave de música (ruídos da natureza) adequada para meditação, fui falando: imaginem que o corpo de vocês é a morada da Alma. Que a Alma é um pássaro e vai sair para passear em algum espaço de que ela mais goste. Ouçam esta reflexão: CUIDADO COMIGO (resiliência) Sou um pássaro, anjo guardião da minha vida Mensageiro da Paz e Harmonia para o mundo Serei livre quando conseguir voar com minhas próprias asas Serei feliz no momento em que conseguir entrar em sintonia Com os outros irmãos da Natureza. - Janice Jandrey dos Santos. A Razão Universal o Espírito Filosófico e o Educado (2011, p. 38)

Momento 2: todos os alunos receberam uma fita colorida e, ao som da música, deveriam dançar fazendo de conta que estavam a dançar com a própria Alma. Momento 3: retratar, em imagens, as vivências, principalmente, de algum modo, as abstratas (as sensações, emoções). Uso de materiais próprios para ilustração e criação (folha, lápis de cor, giz de cera, giz pastel, lápis para desenho, tintas, cola colorida, lantejoulas, argila, sucatas. etc.) Momento 4: apresentação dos trabalhos pelos participantes. A primeira indagação fora: por onde a Alma de vocês foi passear? Como ela voltou? Que sentimentos ficaram com vocês e estão aqui agora? A participante J. informou: “A minha Alma foi em um jardim onde tinha muitas flores maravilhosas e perfumadas. Disse também que voltou com o perfume das flores, se sentindo muito feliz”.

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Outro participante, L., disse: “A minha alma foi para um lugar escuro muito chato, parecia um tipo pesadelo, eu não gostei nem um pouco. Ela voltou triste”. E, assim, cada um falou sobre a sua “viagem imaginária”. Após todos apresentarem seus trabalhos e falarem sobre sentimentos que as vivências promoveram, explorei mais reflexivamente sobre a Alma (no sentido de energia vital e sua importância fundamental). Nem todos os alunos participaram da dança, mas todos participaram do primeiro momento (meditação), por isso, todos fizeram seus trabalhos de uma forma ou outra. O que chamou mais a atenção foi o desenho do aluno K., que não participou da dança e fez um desenho intrigante. Ao chegar a sua vez de apresentar o trabalho, disse: “Eu desenhei esse coração atravessado por uma adaga demonstrando que ele se feriu de arrependido por não ter participado da dança da Alma”. Fiquei impressionada com a força da imagem, jamais imaginaria tal significado para o autor. Então, como podemos julgar ou definir as “expressões artísticas” das pessoas? Em Furth (2004, p.184 ), lemos: Existe apenas uma única regra na interpretação de desenhos- saber que não sabemos. Com isso em mente, o terapeuta só precisa seguir alguns princípios básicos ao analisar as figuras inconscientes. O principal princípio é sempre prestar atenção à primeira impressão causada pelo desenho. Não se deve interpretar o desenho, mas se concentrar nos primeiros sentimentos que ele causa. Por exemplo, se o terapeuta vê um monstro em um desenho e o paciente vê uma figura angelical, isso pode ser uma indicação de quão próximo ou afastado está o terapeuta da condição psíquica real do paciente. Inicialmente deve-se ficar com os sentimentos e não com as interpretações - o certo é que toda figura ou desenho assim como outra expressão artística sempre comunicam sentimentos.

TERCEIRA ATIVIDADE: “Valorização do potencial de positividade do indivíduo” Objetivos: - entender, na medida do possível, a dualidade essencial de que é composta a Natureza (dia/noite frio/calor, bem/mal, etc.);


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- entender a necessidade de nos relacionar com os meios-termos, a mediania (termo aristotélico), a partir dos extremos opostos entre si. Isso, no caso do exercício proposto, vem a ser o diálogo interno e externo do indivíduo e suas relações com o outro e a Natureza como um todo – processo dialético e dialógico das ideias. Remetemo-nos ao princípio mais elevado de Formação do Indivíduo (Educação), segundo os parâmetros da Grécia Antiga narrados por Jaeger em Paideia: “O indivíduo enquanto Ideia”. Talvez possamos pensar a partir deste preceito - uma Educação focada no indivíduo e sua multidimensionalidade subsequente. Essa atividade também foi organizada em cinco momentos descritos abaixo. Momento 1: todos deitados sobre colchonetes, escutando música de meditação e relaxando. Pediu-se para que cada um sentisse cada parte do corpo, começando pelos pés, pelas pernas e assim sucessivamente. Sentisse também uma energia positiva, gostosa, que passasse por todo o corpo (a Alma). Imaginar que possuímos dois lados, um positivo e outro negativo e que, naquele momento, o encontro seria com o que existe de Bom e Belo em cada um. Momento 2: todos sentados em seus devidos lugares ouviram um “pensamento metafórico” (provérbio hindu): Temos dentro de nós dois cães. Um muito bom o outro muito mau. Aquele que alimentamos mais e melhor é o que vai se desenvolver. Novamente, foi usado o recurso metafórico para conscientização acerca da ideia referida. Na sequência, perguntou-se: quem de vocês possui bichinho de estimação? A maioria respondeu positivamente. Então, eu continuei: o que representa esse serzinho para cada um de vocês? Responderam que possuíam os mais puros e maravilhosos sentimentos pelos animaizinhos, que sentiam alegria em sua companhia, que sentiam amor, carinho, etc. Alguns disseram que gostavam mais do bichinho do que das pessoas. Perguntei: alguém poderia responder por que será que isso pode acontecer? A participante M. disse: “Porque ela (uma cachorrinha, a Belinha) não me incomoda, só me dá carinho”. Então disse: talvez também porque os animais não falam. Pois vocês sabiam que

a arma dos seres humanos é a língua (a boca)? E, no caso, nós, sendo animais também (porém animais “racionais”), usamos o tempo todo essa “arma” para o bem ou para o mal? Em síntese: cada animal possui sua defesa - para uns, são os dentes, para outros, as unhas, outros mais, o veneno e assim por diante. Momento 3: pediu-se que, a partir do material - massinha de modelar e/ou argila, modelassem seu bichinho de estimação. Poderia ser algum animalzinho “real ou imaginário”. Real ou metafórico (comparativo, imitativo). Momento 4: apresentação das produções. Os participantes falaram sobre os sentimentos que surgiram com esse diálogo consigo mesmos acerca da dualidade essencial individual e também ampliando a reflexão sobre o que isso implicaria nas relações com as outras pessoas, ser social. Momento de apreciação das produções e troca de experiências e energia com todos do grupo. Momento 5: foi proposto aos participantes que fizessem uma poesia para seu bichinho de estimação: poderia ser real, imaginário ou metafórico (comparação). Li para o grupo a poesia Nina, que escrevi para meu bichinho de estimação (cachorrinha). NINA Nina Nininha o que é teu é teu O que é minha é minha O instinto que me agrada O espelho que não engana A razão que me é aguada -o espelho que me dana. O amor que tu me serves Perfuma minhas rosas despetaladas O calor que eu te dou gira teu motor alado A tua parte a minha porta A minha parte teu passaporte E o teu abracinho na chegada Não há dinheiro que pague Assim vou indo e sentindo O tempo mais leve Só por causa desse afago Nina Nininha Renovas minha energia Dá vida às minhas lembranças Contigo eu não me perco Somos sempre Crianças. - Janice Jandrey dos Santos (2011)

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E sobre as Instituições de Poder “nos Dias de Hoje”: H O S T I L (sistema esquisito) Via de regra as escolas não têm trabalhado com EDUCAÇÃO: “ Educação se dá em casa”... Ouvem-se gritos medievais Rasgando a garganta inflamada dos professores No desespero de recuperar o pulso firme Destroncado em casa. Trabalham duro (lutam), sim, Com produção e reprodução de engrenagens Peças em série para montagens de exemplares Maquínicos em série. Surge na Nova Era o senhor Google conduzindo a “geração índigo” Formado em conhecimento e entendimento De teor rizomático universal e universalíssimo, Eis que se planta e oferece sombra e água fresca pra muitos... Portanto, descobre a Nova geração, Que isso tudo é muitíssimo mais eficaz para a vida, em si, Pois se comunica (mantém diálogo permanente) Consigo mesmo e com todos os indivíduos sem distinção, Basta conhecer as primeiras letras Direcionar o olhar, os clics e A matéria de interesse aparece imediatamente. E é assim que a Nova Geração está seguindo além das máquinas. - Janice Jandrey dos Santos. A Razão Universal O Espírito Filosófico e O Educado (2011, p. 196).

CONCLUSÃO O Método Dialético (integração, troca de ideias e principalmente reflexão: aproximação das visões de mundo no sentido “vertical e horizontal” da realidade) e a Abordagem Qualitativa, a qual se preocupa com o processo (entendimento, descrição, descoberta, generalização, hipótese, etc.), foram perspectivas de percurso fundamentais para o resultado excelente verificado nesse trabalho. Portanto, os objetivos propostos foram alcançados de modo muito satisfatório. Os

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participantes foram capazes de manter diálogo com eles próprios, deixando-se envolver no “silêncio interior”, desenvolvendo esse exercício e a postura fundamental mediante o grupo. Foi visível a mudança de comportamento relacional do grupo, tendo como parâmetro o primeiro contato em que eles se apresentavam: de um lado, uns “muito introvertidos” e, paradoxalmente, outros “muito expansivos”. Os “introvertidos” não queriam falar nada, nem mesmo se apresentar. Os muito “expansivos” exageravam em suas manifestações “voluntariosas”, perturbando e prejudicando o andamento do trabalho. Quanto ao Problema de Investigação – Arteterapia como objeto coadjuvante para alavancar a Educação do Terceiro Milênio, proporcionando, dessa forma, possibilidades de o indivíduo tornar-se uma espécie de “artista de si mesmo” (responsável pela construção positiva de sua história), pelo menos no momento das práticas criativas, foi possível vislumbrar a satisfação pronunciada pelos participantes do grupo, em que todos participaram, professoras estagiária e alunos, numa envolvente atmosfera de criatividade, cooperação e bem-estar visíveis. A energia do Amor, da amizade fez-se presente e não foi escassa durante todas as vivências. Fator esse que anulou completamente o estado de desconforto verificado em certa medida no início dos trabalhos (referido nas apresentações das práticas). Uma Educação que considere de fato o indivíduo como Hólon, que o promova como um “modelo” de Ideia do Bem- para consigo próprio e a partir daí fazer-se protagonista da Paz no Mundo - pelas amostras de vivências relatadas e, principalmente, pela minha satisfação pessoal como participante ativa do processo, posso afirmar com muita propriedade: no início da pesquisa e do projeto, as deduções e hipóteses pairavam tênues sobre minha cabeça, agora, ao fim do estágio, a certeza de um caminho lúcido a seguir tomou o espaço de minha vida particular por excelência e, consequentemente, o desejo de semeadura e partilha, hoje em dia representa presença inquietante.


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o ensino rural em Novo Hamburgo/RS na primeira metade do século XX: imagens e memórias

José Edimar de Souza1 Resumo A investigação desenvolvida objetiva compreender os primórdios da implantação das “Aulas” no espaço rural em Novo Hamburgo/RS, a partir das memórias da professora Maria Gersy Höher Thiesen; principalmente aquelas que remetem à ocupação da antiga Casa Pastoral de Lomba Grande. A pesquisa desenvolvida sob a perspectiva da História Cultural utiliza a metodologia da História Oral, valendo-se de entrevistas semiestruturadas, tendo as narrativas e as imagens como documentos. Analisa memórias de práticas que possibilitaram recompor cenários do contexto do ensino rural que identificam marcas das políticas educacionais de uma época. A leitura e a escrita representaram um dos elementos culturais mais importantes nesse contexto. O arraigamento à cultura local também representou um conjunto de significados partilhados e construídos para conhecer um pouco sobre a contribuição das Aulas Isoladas, que originaram as Escolas Municipais de Ensino Fundamental. Palavras-chave: Aulas isoladas. História oral. Memória. Escolas comunitárias. Abstract It aims at understanding the origins of the implementation of “lessons” in rural Novo Hamburgo / RS, from the memories of Professor Maria Gersy Hoher Thiesen, especially those that refer to the occupation of the former Casa Pastoral Lomba Grande. The research developed from the perspective of cultural history uses the methodology of oral history, using a semi-structured interviews, and narratives as documents and images. Analyzes memories of practices that enabled scenarios compose the context of rural education marks that identify the educational policies of an era. Reading and writing was one of the most important cultural elements in this context. The rootedness of local culture was also a set of shared meanings and constructed to know a little about the contribution of Classes Isolated who originated the School District elementary schools. Keywords: Isoled classes. Oral history. Memory. Community school.

1  Doutorando em Educação – UNISINOS, bolsista CAPES/Proex. Especialista em Educação na Fundação Liberato Salzano Vieira da Cunha . E-mail: profedimar@gmail.com.

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Introdução Halbwachs aponta que as lembranças podem, a partir da vivência em grupo, ser reconstruídas ou simuladas. Podemos criar representações do passado assentadas na percepção de outras pessoas, no que imaginamos ter acontecido ou pela internalização de representações de uma memória histórica. A lembrança, de acordo com Halbwachs, “é uma imagem engajada em outras imagens” (2006, p. 77). A memória social é uma possibilidade para se explorar e compreender o processo e os meios pelos quais as experiências vividas e as práticas sociais são exploradas no espaço e no tempo (THOMSON, 1997). Distante de agregar a este trabalho um valor que recupere memórias de toda um percurso das “Aulas” que aconteciam em Novo Hamburgo, pois, para isso precisaríamos de infinitas páginas, as lembranças dos primórdios de práticas do ensino rural neste município, aqui registradas, remetem às relações que a memória social proporciona na sua complexidade (HALBWACHS, 2006). Tomson (1997) e Amado (1995) argumentam que a experiência como prática vivida, que remete à concretude da experiência de um indivíduo ou de um grupo social, constitui um substrato da memória que se reelabora constantemente, ou seja, nunca termina. As narrativas, segundo Amado (1995), retratam um cenário considerando que, ao trazer o passado até o presente, o recriamos à luz do presente, ao mesmo tempo em que o projetamos no futuro. Stephanou (2011) complementa refletindo que o que lembramos/esquecemos não é uma realidade passada e ainda tangível, tampouco acessível na imediatez da narrativa. Escrevemos e dizemos o que pensamos ter vivido, o que pensamos ter sentido, o que imaginamos ter experimentado. Do mesmo modo que o binômio da memória nos impõe o desafio de construir uma história frente à afirmativa de Ricouer (2009): impossível lembrar tudo e narrar tudo que sucedeu, o que se constrói é parcial, é uma dentre as formas possíveis de se restituir o passado frente ao modo, ao sentido atribuído pelo sujeito que lembra em um espaço e tempo específico. Considerando a memória como “ato de lembrar e de esquecer”, como teia que trama e engaja narrativas em um percurso estabelecido para se atingir determinado conhecimento daquilo que se propõe a investigar, as memórias da professora

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Maria Gersy Höher Thiesen2 permitiram construir a problematização deste estudo, mesmo que preliminar, sobre a evidência das “Aulas” no espaço rural. Nesse sentido, partindo-se da análise de imagens “guardadas” por ela, buscou-se compreender como o ensino público, principalmente através das “Aulas isoladas”, foi constituído em Lomba Grande no início do século XX. A análise documental dessa investigação desenvolve-se sob a ótica da História Cultural. Dessa forma, a cultura representa um conjunto de significados partilhados e construídos para conhecer um pouco sobre a contribuição das escolas isoladas que, em certa medida, foram precursoras das atuais Escolas Municipais de Ensino Fundamental. O contexto do ensino em Lomba Grande: as Aulas Públicas

Fig. 1 - Mapa de Novo Hamburgo no Estado do Rio Grande do Sul. Fonte: 280px-RioGrandedoSul_Municip_ NovoHamburgo.svg (2011). 2  Este texto apresenta memórias da professora Maria Gersy Höher Thiesen. Essa professora é um dos sujeitos investigados para a Dissertação de Mestrado em Educação: Trajetórias de Professores de classes multisseriadas: memórias do ensino rural em Novo Hamburgo/RS (19402009), sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Luciane Sgarbi Santos Grazziotin e coorientação da Prof.ª Dr.ª Beatriz T. D. Fischer.


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Fotografia 1 - Lomba Grande e região central – Século XIX. Fonte: Acervo Virtual de Moisés Braun, 2011.

Lomba Grande é um bairro rural de Novo Hamburgo3, em destaque na figura 1. A história da educação, do ponto de vista da escolarização como se constitui na modernidade, remete à presença de aulas particulares desenvolvidas por preceptores, marcando a presença lusa na região. No século XVIII, a região era visitada pelos tropeiros que por ali passavam a caminho de Gravataí e Porto Alegre. Em função do comércio do couro, algumas famílias de origem portuguesa se estabelecem na localidade que, até 1940, pertencia a São Leopoldo. A adversidade do lugar imprimiu a necessidade da constituição de diferentes práticas características da localidade. Entre essas, pode-se citar a organização de aulas pela comunidade local, que, assim como outras regiões isoladas do Rio Grande do Sul, devido à carência de escolas, organizava-se de forma a suprir autonomamente sua necessidade de educação.

3  É um município do Estado do Rio Grande do Sul. Localiza-se geograficamente no Vale dos Sinos, distando aproximadamente 50 quilômetros da capital Porto Alegre.

A fotografia 1 foi digitalizada pelo morador da localidade, senhor Moisés Braun, como atividade de uma gincana cultural da comunidade evangélica de Lomba Grande. Essa fotografia se encontrava junto a alguns documentos sobre a antiga Casa Pastoral. Contudo, em 2007, em função da implementação e da construção do prédio novo da Escola Municipal Bento Gonçalves, a antiga Casa atendeu, por um curto período, os alunos dessa instituição. Esse e outros documentos foram descartados, restando atualmente os vestígios recuperados virtualmente por esse morador. Como se observa na fotografia 1, a localidade, no século XIX, recebeu os imigrantes alemães que se estabeleceram ao longo da Feitoria Velha, antiga instalação da Real Feitoria do Linho Cânhamo. Em seguida, os imigrantes ocuparam o atual Vale dos Sinos, abrindo caminhos e estradas que se constituem, com o passar do tempo, em importantes elos de comunicação entre as distantes residências desses moradores. A fotografia recupera a atual Rua João Aloisio Allgayer, bem como prédios que serviram à subprefeitura e hoje são ocupados pela 103


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administração pública municipal, como a secretaria de desenvolvimento social, etc. Kreutz (2009) argumenta que, nas primeiras levas de imigrantes, havia um grande número de colonos analfabetos e um número significativo de católicos. Em Lomba Grande, a ocupação da localidade pelos imigrantes alemães favoreceu o “espírito da comunitariedade” (DREHER, 2008). A vida em comunidade e a reprodução cultural dos costumes europeus abaixo do Equador se caracterizaram pela experiência da agricultura, dos trabalhos liberais e da escola comunitária. As escolas comunitárias, também conhecidas como Aulas, compunham o cenário das comunidades germânicas ao lado da Igreja e do Cemitério. Arendt (2008) argumenta que elas também ficaram conhecidas como “Kolonieschulen” (Escolas rurais). Conforme Werle (2005), as “Aulas” também ficaram conhecidas por “Avulsas” ou “Isoladas” e foram precursoras das Escolas públicas municipais na localidade. No contexto nacional, as Aulas, cujo legado cultural mais expressivo se associa às Aulas Régias, entendidas a partir das reformas pombalinas (BENCOSTTA, 2005), no início do século XX, como argumentam Teive e Dallabrida (2011), mesmo frente à construção dos “modernos” prédios dos Grupos Escolares, representaram a forma possível de alfabetização, aspecto determinante para o sucesso do sufrágio republicano. Investigando sobre a presença das “Aulas” em Lomba Grande, localizaram-se documentos indicando a presença de Aulas Públicas em 18634, ainda no Segundo Império, como se observa na figura 2. Localizaram-se também aulas comunitárias, protestantes e católicas, que existiram até o final da década de 1930, quando as Aulas Isoladas foram “reunidas” pelo professor José Afonso Höher.  Documento em alemão gótico, localizado no acervo virtual pessoal de Moisés Braun, em 2011. De acordo com a transcrição do professor Martin Dreher: "Aula Publica de Lomba Grande. 1º lugar. Fita de seda vermelha com borda de crochê, concedida e conferida à aluna Wilhelmine Burger como recompensa por seu extraordinário esforço e excelente comportamento, bem como, incentivo para que assim continue, na oportunidade do exame prestado no corrente ano, por seu professor Heinrich Meyer. Lomba Grande, aos 16 de dezembro de 1863”. Dreher complementa que o texto é de autoria do Prof. Heinrich Meyer (Brummer), mercenário contratado pelo Império na Guerra contra Rosas. 4

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Fig. 2 - Documento digitalizado “Aula Pública - Lomba Grande”. Fonte: Acervo Virtual Moisés Braun, 2011.

A figura 2 recupera uma prática pedagógica que perpassou o século XIX, a realização de exames orais, as provas de início e de final de ano, bem como o poder representativo que o professor desempenhava, representando um “braço” do estado para se atingir a proposta civilizatória que pretendia (CUNHA, 2009). Escolha teórica e a metodologia investigativa A proposta deste estudo é reconstruir, mesmo que de modo fragmentado, aspectos dos primórdios da história das instituições escolares no espaço rural, principalmente a partir de alguns aspectos da trajetória de uma professora, verificando, assim, como as práticas são reapresentadas pelas narrativas orais que emergiram de sua memória. A memória, não sendo a História, é um dos indícios, transformada


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em documento, serve ao historiador para produzir leituras do passado, daquilo de que se lembram e se esquecem a um só tempo, produzindo no presente determinadas versões do passado (SOUZA, 2012). Nesta investigação, optou-se pela entrevista semiestruturada, utilizando-se da metodologia da História Oral. Utilizou-se essa modalidade de entrevista a partir de um roteiro com dez questões com foco nas práticas pedagógicas docentes (TRIVIÑOS; NETO; GIL, 2004). Inicialmente,5 questionou-se quanto à sua primeira escolarização, a seguir, quanto a momentos marcantes da ação docente e, posteriormente, como sua prática foi consolidada. É importante lembrar que práticas são criadoras de “usos ou de representações” que não são, de forma alguma, redutíveis à vontade dos produtores de discursos e de normas (CHARTIER, 2002). Nesse sentido, a cultura local revelou uma forma de organização coletiva que “incluiu” o rural como lugar de pertencimento frente às representações postas pelo “mundo social” urbano. A imposição do mundo social urbano contribuiu para fortalecer a representação construída de que no espaço rural se desenvolveram os “ofícios de valor menor”, ou seja, a agricultura em contraste com o progresso impresso pela modernidade (BURKE, 2005, p. 50). No âmbito das representações e da produção de sentido, as entrevistas são tratadas como encontros sociais, nos quais conhecimentos e significados são ativamente construídos no próprio processo da entrevista; entrevistador e entrevistado são, naquele momento, coprodutores de conhecimento. Participação, nesse nível de interação, envolve ambos em um trabalho de produção de sentido, no qual o processo é tão importante para a pesquisa como o é o sentido produzido. Para Bastos, Lemos e Busnello (2007), a análise de imagens, na perspectiva da História Cultural, é uma proposta ou um protocolo de leitura, sugerindo ao leitor a compreensão do texto e do seu significado. Nesse sentido, as imagens são apresentadas como memória, no caso da professora Gersy ou no caso da produção de uma história específica com um

Foram realizadas duas entrevistas, além de três encontros informais. Cada entrevista registra duas horas de gravação. Optou-se pela identificação do sujeito conforme termo de consentimento assinado. 5

propósito, uma intenção que necessita ser lida no seu contexto. A imagem é um objeto cultural sobre o qual existe um saber que deve ser apropriado pelo investigador. Quanto à análise de documento, Pimentel (2001) argumenta que representa uma interpretação de fatos elaborados por seu autor e, portanto, não devem ser encarada como uma descrição objetiva e neutra desses fatos. A análise é sempre um processo interpretativo e construído historicamente. Escolas Isoladas: os primeiros tempos do ensino público rural A História da Educação pública em Novo Hamburgo inicia, neste artigo, com as aulas Isoladas e com o professor José Afonso Höher e é reconstruída seguindo-se os rastros de imagens iconográficas, documentos escritos e, fundamentalmente, das memórias da professora Maria Gersy Höher Thiesen. As narrativas do lugar indicaram a existência de Aulas particulares nas mais distintas localidades. Elas aconteciam na casa dos regentes6, ou em espaços cedidos da residência dos sujeitos que, de alguma forma, destacavam-se em Lomba Grande. A fotografia 2 registra uma Aula da comunidade evangélica, na antiga Casa Pastoral. Esse documento também foi descartado quando da ocupação da antiga Casa Pastor pelos alunos da EMEF Bento Gonçalves. Até o momento, não foi possível identificar os sujeitos dessa fotografia. A sua utilização é no sentido de já irmos socializando algumas informações preliminares e encontrarmos parceiros que contribuam na compreensão de sua leitura. Analisando a fotografia 2, o uniforme utilizado por algumas alunas identifica-se com aqueles que eram usados pelos alunos em diferentes aulas, principalmente até a primeira metade do século XX (SILVA e PEREIRA, 2011). Outro aspecto relevante desse documento é a presença de uma classe 6   Esse aspecto é uma herança cultural das Aulas Régias, cujo material pedagógico e a instalação física da Aula eram responsabilidade do professor que administrava e gestava sua aula. A subvenção pública do governo colonial e/ou imperial, em alguns casos, acontecia anualmente; dessa forma, a contribuição da comunidade acontecia frequentemente, com doações de leite, gêneros agrícolas, etc. Para detalhes sobre as Aulas Régias, conferir os estudos de Bencostta (2005).

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Fotografia 2 - Aula da Comunidade Evangélica de Lomba Grande, início do século XX. Fonte: Acervo virtual pessoal de Moisés Braun, 2011.

Fotografia 3 - Aula Pública Mista Federal, 1920 - Lomba Grande. Fonte: Acervo pessoal da professora Maria Gersy Höher Thiesen, 2010. 106


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unitariasta (multisseriada) e mista ao mesmo tempo. Além da existência de Aulas particulares e das Aulas comunitárias, católicas e evangélicas, havia Aula Pública em Lomba Grande nas primeiras décadas do século XX. A professora Gersy iniciou sua entrevista mostrando a fotografia 3 e lembrando-se de outra prática comum em algumas regiões rurais, que é a “docência itinerante”. No caso, lembrou-se da ação docente do seu pai, professor José Afonso Höher, que “costumava trazer histórias” de cada localidade que percorria nesse bairro rural, alfabetizando os filhos dos colonos. Essa Aula Pública Federal, sob a regência do professor Höher, ficava nos limites entre Lomba Grande e Taquara. Diferentemente das aulas da comunidade católica e evangélica cuja principal fonte advinha da iniciativa organizativa das famílias dos colonos, a Aula Pública era subvencionada pelo governo federal (WERLE, 2005). O documento mais antigo referente à escolarização das Aulas Comunitárias da Casa Pastoral é um livro de atas, como se observa na figura 3, inicia-se em 1901 e com os últimos registros em 1940. O Pastor Jacob Sauer é o responsável pelo registro inicial desse documento, que se encontra escrito em alemão gótico. Além das Atas, conforme figura 3 e livros escolares que compreendem elementos da cultura material escolar da primeira metade do século XX, o registro mais antigo sobre as Aulas na Casa Pastoral foi de 1913. O documento consiste em um livro formado de 29 folhas numeradas e pautadas duplas unidas com uma costura artesanal, que ainda é utilizado em alguns impressos de livros de literatura, as folhas estão rubricadas pelo “membro escolar”, o senhor João Schmitz, na contracapa registra-se:

Fig. 3 - Página 3 do Livro de Atas da Comunidade Evangélica de Lomba Grande, 01/09/1901. Fonte: Arquivo da Comunidade Evangélica de Lomba Grande. Localizado na residência de paroquiana Edelsi Quadros, 2012.

O livro é aberto no primeiro dia do mês de julho de 1913 e encerra-se em julho de 1915, observa-se que, em 14 de julho, foi feriado8.  De acordo com pesquisa realizada no site do jornal Correio do Povo, a edição do dia 12 de julho de 1912 registrava, preservando-se a gramática da época: “14 de Julho - Ante-hontem, por ser feriado nacional, consagrado á commemoração da Republica, da Liberdade e da Independencia dos povos americanos, as repartições publicas conservaram-se embandeiradas, durante o dia e, á noite, illuminaram as suas fachadas. Nos quarteis, o rancho foi melhorado. Tambem foi feriado rio-grandense o dia de ante-hontem, em commemoração do anniversario da promulgação da Constituição. Entre a colonia franceza, aqui domiciliada, foi festejada a data de 14 de Julho, que marca o anniversario da tomada da Bastilha. Houve um banquete no "Restaurant Sportmann", tendo sido trocados varios brindes. No respectivo consulado houve recepção” (POVO, 2012). 8

Este livro servirá para si elle lançarem-se o livro de chamada dos alunnos da Aula Municipal Mixta da Lomba Grande, 6º Distrito de São Leopoldo, contem 29 folhas numeradas e por mim rubricadas com a rubrica Schmitz de que uso e levo em fim o competente termo de encerram este. Lomba Grande, 1º de agosto de 1913. O membro escolar João Schmitz. (DOCUMENTO 1, 2012)7. 7   Tratando-se de uma investigação histórica, preservou-se a linguagem expressa no documento, o que se observa também em outras passagens no decorrer desta escrita.

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No período de 1915 a 1927, não se localizou documento sobre as Aulas. No entanto, a partir de 1927, encontra-se um livro de chamada, de cor marrom, com inscrição da empresa Rotermund & Co. – São Leopoldo, onde consta “lista da Aula da evangélica allem [...] comunidade da Lomba Gran [...]”. Na primeira folha, abre-se o livro e observase a inscrição “Aula particular da Comunidade da Evangélica localisada na Lomba Grande, VI districto de São Leopoldo. Professor (escrito a lápis: Jacob Sauer)” (DOCUMENTO 2, 2012). A assinatura dos professores apresenta uma grande rotatividade, o que nos leva a refletir sobre algumas questões, como a falta de professores e/ou a instabilidade em relação à existência da escola na comunidade evangélica. Ainda sobre os livros de chamada e sobre as Aulas que existiram na Casa Pastoral, a partir de 1935, há evidência de que o prédio servia a aulas subvencionadas municipais e aulas particulares da comunidade evangélica. Outro documento localizado tem capa preta da “Rotermund & Co – São Leopoldo” é um livro de chamada, cuja primeira folha está em branco, os registros iniciam na segunda folha e estão assinados pelo Pastor Sauer, a professora é Iva Muller, e consta como “Aula da Comunidade Evangélica de 1935” (DOCUMENTO 3, 2012). Esse documento registra a passagem de diferentes professores entre os anos de 1936 a julho de 1939. Esse período se caracteriza pela intervenção do governo do Estado do Rio Grande do Sul, período do Estado Novo, cujas Aulas Avulsas foram reunidas pelo professor José Afonso Höher, formando as “Aulas Reunidas Nº 5”, em 1939, que originaram o Grupo Escolar de Lomba Grande, atual Instituto Estadual Madre Benícia. A localização do Livro de Matrícula da Aula Mista Evangélica de Lomba Grande (que se transformou em subvencionada municipal9) possibilita compreender que, após a perseguição política sofrida pelo professor Höher, em setembro de 1937, este foi contratado pelo governo municipal como professor atuando de outubro a dezembro de 1937, quando ocupou uma das salas da Casa Pastoral.

9  Uma possível explicação para esse fato talvez se relacione à contratação, pelo governo municipal, de José Afonso como professor nas Aulas da Casa Pastoral.

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A professora Gersy destacou que, no final da década de 1930,10 ao ser chamado pela Delegada de Ensino para unir as Aulas e fundar as Aulas Reunidas Nº 5, seu pai foi também o Regente dessas Aulas. Nessa época, Gersy iniciou sua vida escolar, como se observa na figura 7. Na década de 1940, essas Aulas Reunidas originaram o primeiro Grupo Escolar de Lomba Grande, esse representa a primeira iniciativa de ensino público sob responsabilidade municipal, a partir da ação conjunta com o Estado nas Aulas Reunidas Estaduais e Municipais de Lomba Grande. Observa-se a professora Gersy em destaque na fotografia 4, juntamente com o professor Höher, seu pai. Além das Aulas públicas, havia as Aulas da Comunidade Católica, que aconteciam no salão da Igreja São José, na região central de Lomba Grande. Em Lomba Grande, a reunião das Aulas pelo professor Höher, bem como a criação do Grupo Escolar, se associou à preocupação do Estado em construir uma ideia de Nação e isso implicava conter a disseminação da língua germânica. Contudo, chama atenção o fato de ter sido o professor Höher o primeiro regente “diretor” do Grupo Escolar de Lomba Grande, dada sua descendência germânica, contradizendo, assim, o movimento proposto pelo Estado Novo contra as ditas “escolas estrangeiras” (ARENDT, 2008).

No livro do Grupo Escolar Madre Benícia, em 1937, ainda Aula Pública Mista Federal, no mês de setembro de 1937, o professor José Afonso Höher registra sobre os conflitos de poder do período do Estado Novo: “Por aviso de 27-9-37. Desde o dia 22 de setembro deixei de ser professor subvencionado pelo governo Federal em virtude da recisão do contrato de que fui vitima pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul, na pessoa do Sr. Governador Flores da Cunha que perseguiu todos os funcionários que não o apoiaram na sua nefasta posição” (Documento 4). Em recente investigação, localizaram-se documentos de Matrícula da Aula Mista Evangélica de Lomba Grande, subvencionada municipal. Constatouse que, nos meses finais de outubro a dezembro de 1937, o professor Höher, por ter sido perseguido pelo governo estadual, foi contratado pelo governo municipal. Observa-se que, em 1938, o registro é feito até o primeiro semestre nas Aulas Evangélicas, até o momento em que o professor é recontratado pelo Estado. Em 1939, ele passa a ser Regente e reúne as Aulas formando as Aulas Reunidas Nº 5.

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Fotografia 4 - Aula Pública Federal de Lomba Grande, 1931. Fonte: Acervo pessoal da professora Maria Gersy Höher Thiesen, 2010.

No Grupo Escolar de Lomba Grande, Gersy aprendeu as primeiras letras e, nesse lugar também, percebeu-se professora pela primeira vez. Ela recorda que havia muita disciplina e respeito ao professor. Era necessário levantar a mão e aguardar sua vez para falar, conta que havia muitos alunos, uns auxiliavam os outros e todos demonstravam muito interesse pela aprendizagem. Maria Gersy desenvolveu sua trajetória em diferentes localidades, entre essas, destacam-se aqui: as Aulas Reunidas, o Grupo Escolar de Lomba Grande e o Jardim da Infância Getúlio Vargas. Quanto à forma de ingresso no magistério, recorda: “fiz um examezinho de suficiência e já comecei como professora municipal”. Em 1940, ela iniciou como auxiliar do 1º e do 2º ano nas Aulas Reunidas Municipais e Estaduais de Lomba

Grande. Ela recorda que, em 1942, foi efetivada11 como professora do primeiro Jardim da Infância desse bairro, “[...] fui parar no Jardim da Infância

Dr. Getúlio Vargas, era no mesmo edifício, só numa sala. Tinha quatro mesinhas larguinhas e em cada, seis cadeirinhas, ali eu era a grande senhora” (Gersy). Uma prática marcante evidenciada pelas memórias dos professores foi a aula de Educação Religiosa. No Grupo Escolar de Lomba Grande, os católicos tinham aula com o padre e os evangélicos, com o pastor da comunidade protestante, era

Conforme Decreto nº 16/24, e), 1942, de ingresso no magistério municipal. E Decreto Nº 51/69 - de aposentadoria. 11

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comum também a realização de missas e/ou aulas de catequese, que aconteciam, geralmente, no interior, nas localidades que recebiam, periodicamente, a visita do padre. De modo geral, a experiência da catequese foi uma forma de experimentação docente, bem como figurou o contexto das práticas em classes multisseriadas nas diferentes localidades de Lomba Grande. A catequese incorporava-se às atribuições docentes, até porque a lógica operante na sociedade caracterizava-se pela exaltação à figura do professor, em favor da vocação, da incondicional responsabilidade que chamava para si de dedicar-se de corpo e alma à missão de preparar homens para Deus e cidadãos para a Pátria (FISCHER, 2005). Quanto à apropriação do modo de preparação das aulas, evidencia a influência de lembranças do seu tempo de aluno. Portanto, as memórias de como o livro didático era utilizado em sala de aula remetia à lembrança dos questionários de pergunta e resposta propostos pelo “catecismo religioso”. Observa-se a influência de uma metodologia e mentalidade de uma época, que, durante muitos anos, permaneceu na escola multisseriada. Essas formas para saber utilizadas pelos professores na “invenção” de uma maneira para alfabetizar, que não estavam nos livros, se revelou apenas no exercício do fazer aqui rememorado. Contudo, o percurso histórico e as transformações pelos quais passaram as Aulas Isoladas na primeira metade do século XX se relacionam profundamente com as políticas públicas locais constituídas em diferentes gestões, principalmente, a partir da década de 1940. Embora a emancipação política de Novo Hamburgo tenha acontecido em cinco de abril de 1927, e a Instrução Pública no município tenha sido criada em 1945, apenas em 1952,12 as escolas municipais são regimentadas e, posteriormente, recebem o primeiro programa curricular.

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Conforme Decreto-Lei Nº 4, de 16 de outubro de 1952.

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Considerações finais A Educação oferecida nas escolas rurais, que, antes do período do Estado Novo, contava com relativa autonomia de administração e de proposta pedagógica, reproduzindo/construindo junto do educando conhecimentos, hábitos e potencialidades identificadas com as necessidades da vida nesse lócus, viu-se transformada por essas políticas de Estado. O que interessava não era o comunitarismo do homem do campo, mas, sob os ditames da urbanidade, a especialização mecânicoinstrumental, o conformismo e a competitividade. Essa relativa autonomia se traduz na forma cujo estado tratava de educação pública, como lembra Saviani (2006), descentralizando a gestão para os estados e os municípios. O início da trajetória docente de Gersy, em 1940, marca um período em que Lomba Grande passou a ser Distrito de Novo Hamburgo. Observase que sua história, no período de exercício docente, permeia a história da escola pública municipal nessa localidade. O conjunto de documentos indica que a História da escola pública municipal em Lomba Grande, sob administração de Novo Hamburgo, iniciou com as Aulas Públicas Reunidas Nº 5, na década de 1940, agregando instâncias Municipais e Estaduais, porém com aspectos das primitivas Aulas comunitárias. Para concluir, cabe registrar que, a partir de memórias sobre o percurso docente de uma professora, torna-se possível mergulhar num período marcante do passado de nosso país. Essa pesquisa deu voz e visibilidade a um sujeito que talvez ficasse no anonimato para sempre.


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DOCUMENTO 4: Livro de Chamadas Nº 1. Grupo Escolar de Lomba Grande. Localizado no arquivo passivo do Instituto de Educação Madre Benícia, 2010.


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ACESSIBILIDADE: A PERCEPÇÃO DO PODER EXECUTIVO EM UMA CIDADE DA SERRA GAÚCHA

Marina Susin Siota1 RESUMO Esta pesquisa teve como objetivo principal compreender a acessibilidade e como objetivos específicos questionar o acesso aos serviços de saúde, educação, trabalho e lazer da pessoa com deficiência bem como as práticas de inclusão social desenvolvidas em uma cidade da serra gaúcha. O estudo, realizado com o Poder Executivo, caracterizou-se como observacional descritivo de paradigma qualitativo, efetuado no período de maio a junho de 2012. O instrumento utilizado foi uma entrevista semiestruturada. Constatou-se que existe um impacto e uma abrangência nos debates gerados em torno da acessibilidade. Os colaboradores em estudo demonstraram maturidade quanto à percepção da deficiência e seus anseios. A pesquisa ainda confirmou que existe a necessidade de desenvolver e aprofundar ações no contexto social, cultural e educacional que fundamentam as práticas da inclusão. Concluiu-se que a acessibilidade é entendida como um caminho auxiliar na inclusão da pessoa com deficiência. Palavras-chave: Acessibilidade. Deficiência. Inclusão social. ABSTRACT This research aimed to understand the accessibility and specific objectives questioning access to health services, education, work and leisure for people with disability and social inclusion practices developed in a mountain town in Rio Grande do Sul. The study, conducted with the executive branch, characterized as observational descriptive qualitative paradigm, conducted during May-June 2012. The instrument used was a semi-structured interview. It was found that there is an impact and a coverage in the discussion generated around the accessibility. Employees in the study showed maturity in perceptions of disability and their aspirations. The survey also confirmed that there is a need to develop and deepen activities in the social, cultural and educational practices that support inclusion. It was concluded that accessibility is seen as a way help the inclusion of persons with disabilities. Keywords: Accessibility. Disability. Social inclusion.

1   Graduação em Fisioterapia (Feevale), pós-graduação em Fisioterapia Neurofuncional (CBES) e mestranda em Inclusão Social e Acessibilidade pela Universidade Feevale, Novo Hamburgo, RS- Brasil, e-mail: amsiota@terra.com.br.

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INTRODUÇÃO O termo acessibilidade pode expressar possibilidades, alcance de objetivos, cumprimento de metas e justiça social. Tem sido utilizado para garantir que todas as pessoas tenham acesso a todas as áreas de seu convívio (CORRÊA, 2009). A promoção da acessibilidade teve início nos primórdios da existência humana e os valores e as atribuições em relação às pessoas com deficiência foram contemplados em diferentes fases da humanidade (FERNANDES, ORRICO, 2008). Indivíduos com deficiência estão mais expostos à comorbidades associadas, resultando em maior necessidade de uso de serviços de saúde para a manutenção de sua integridade física e mental (CASTRO et al., 2011). O sistema institucional de saúde, na prática diária, apresenta dificuldades que impedem a satisfação das necessidades de assistência da totalidade da população (VEIGA, 2004, p.246). A história da atenção educacional para pessoas com deficiência teve as fases de exclusão, segregação institucional, integração e inclusão (SASSAKI, 2003). A intervenção junto aos alunos com deficiência não é suficiente; concomitantemente, faz-se necessária a intervenção junto aos demais alunos, de modo a assegurar uma real inclusão (BATISTA, ENUMO, 2004). A sociedade exclui para incluir e essa transmutação é condição da ordem social desigual, o que implica o caráter ilusório da inclusão. Todos estamos inseridos de algum modo, nem sempre decente e digno, no circuito reprodutivo das atividades econômicas, sendo a grande maioria da humanidade inserida através da insuficiência e das privações, que se desdobram para fora do econômico (GÓES, LAPLANE, 2004). Nesse contexto, a categoria trabalho é entendida para além das relações técnicas de produção, implicando um feixe de relações sociais, culturais e identitárias de indivíduos e grupos coletivos (CASTEL, 1998). No espaço de lazer, as pessoas ressignificam suas vivências, o que representa uma chance de produção de cultura, por meio da vivência lúdica de diferentes conteúdos (GOMES, 2008). A legislação deixa claro o direito ao acesso da pessoa com deficiência ao lazer, porque ele é visto como forma de promoção social (MELO et al., 2010). A deficiência e a incapacidade são determinadas pelo contexto do meio ambiente físico e social,

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pelas diferentes percepções culturais e atitudes em relação à deficiência, pela disponibilidade de serviços e de legislação (FARIAS BUCHALLA, 2005). Faz-se necessário garimpar na história os processos que denotam as discussões sobre exclusão/inclusão social que embasam os discursos que se fazem presentes no contexto cultural e educacional contemporâneo e que fundamentam as práticas institucionais da inclusão social, articulando aspectos econômicos, sociais e culturais em busca da compreensão de sua gênese e de seu sentido histórico (MANSANERA, ALMEIDA, 2009). O período de passagem do momento da exclusão para o momento da inclusão implica certa degradação. A sociedade moderna vem criando uma grande massa de população sobrante que tem poucas chances de ser novamente incluída nos padrões atuais de desenvolvimento, ou seja, o período de passagem entre exclusão e inclusão, que deveria ser transitório, vem se transformando num modo de vida permanente e criando uma sociedade paralela, que é includente do ponto de vista econômico e excludente do ponto de vista social, moral e até político (MARTINS, 2008). A convivência pacífica tão necessária na cidade ainda está longe de ser alcançada, mas ações de respeito e aceitação devem ser tomadas. Podemos ser diferentes e viver juntos e podemos aprender a arte de viver com a diferença, respeitando-a e aceitando a diferença do outro. Trata-se de uma aprendizagem que é possível se fazer pouco a pouco, imperceptivelmente (BAUMAN, 2009). METODOLOGIA Esta pesquisa se caracteriza como sendo um estudo observacional descritivo de paradigma de análise qualitativo. O método qualitativo é usado para entender o contexto onde algum fenômeno ocorre, permitindo a observação de vários elementos em um pequeno grupo (VÍCTORA, 2000). Para compreender o fenômeno estudado, foi utilizada a abordagem fenomenológica hermenêutica, e os dados foram colhidos por meio de uma entrevista semiestruturada com o uso de um gravador Mp3. A fenomenologia ensina como conseguir vivência com a realidade por meio da descrição do fenômeno que a experiência oferece para chegar à sua essência (RIBEIRO, 2003).


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Como instrumento de coleta de dados, foi utilizada uma entrevista semiestruturada contendo as seguintes questões: 1) O que é Acessibilidade para o (a) Sr.(a)? 2) O que é Deficiência para o (a) Sr.(a)? 3) Tratando-se de pessoas com deficiência, como está o acesso aos serviços de saúde, educação, trabalho e lazer em nossa cidade? 4) Em sua opinião, quais ações estão sendo realizadas para promover a inclusão social em nossa cidade? Para conhecer vários pontos de vista de uma realidade social, deve-se utilizar a entrevista semiestruturada, pois ela fornece dados básicos para o desenvolvimento e a compreensão das relações entre os atores sociais e a sua situação (BAUER, GASKELL, 2003). Obedecendo à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisa com seres humanos, procedimentos éticos foram realizados. A organização do trabalho de campo foi realizada de maneira a selecionar os sujeitos, convidando-os para participar da pesquisa, mas garantindo-lhes o sigilo e o anonimato. RESULTADOS A partir do conteúdo das entrevistas, desenvolveu-se o processo de descrição e interpretação das informações. As informações obtidas por meio da coleta de dados originaram duas categorias, conforme seguem. • A primeira é Acessibilidade, subdividida em quatro subcategorias: Saúde, Educação, Trabalho e Lazer. • A segunda, Deficiência e Inclusão Social.

No mundo atual, a consciência de que estamos vivendo mudanças profundas que ainda não somos capazes de compreender adequadamente é cada vez mais aguda. Para muitos intelectuais e atores sociais, não estamos simplesmente vivendo uma época de mudanças significativas e aceleradas, e sim uma mudança de época. Essa realidade provoca perplexidade e suscita uma ampla produção científica e cultural, assim como um intenso e acalorado debate (CANDAU, 2008). ACESSIBILIDADE A acessibilidade é um processo dinâmico, associado não só ao desenvolvimento tecnológico,

mas principalmente ao desenvolvimento da sociedade. Apresenta-se em estágios distintos, variando de uma sociedade para a outra, conforme seja a atenção dispensada à diversidade humana (TORRES, MAZZONI, ALVES, 2002). Podemos definir acessibilidade como um caminho para que todas as pessoas realizem atividades sem nenhum tipo de obstáculo, ou de uma forma mais ampla, o direito de ir e vir atribuídos por lei a todas as pessoas com autonomia e independência. Nesse contexto, quando dizemos, portanto, que algo é acessível, isso deveria significar que qualquer pessoa, independentemente de sua necessidade, terá facilidade em entrar, aproximar, subir e utilizar espaços (NICÁCIO, 2010). De acordo com o trecho abaixo, podemos perceber que a acessibilidade não consiste apenas em eliminar obstáculos, mas também em promover a inclusão social: “Acessibilidade é permitir que as pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida participem de atividades e funções variadas” (Vice-prefeito, 2012). Além disso, podemos analisar que o conceito de acessibilidade pode ser englobado nos ambientes reais, nas adaptações urbanas e também nos ambientes virtuais: “Na minha opinião, acessibilidade é a facilidade de acesso e de uso de ambientes da Internet” (Prefeito, 2012). A conquista por espaços livres de barreiras arquitetônicas implica a possibilidade e a condição de alcance, para que deficientes utilizem, com segurança e autonomia, as edificações, mobiliários, os equipamentos urbanos, os transportes e os meios de comunicação (PAGLIUCA, ARAGÃO, ALMEIDA, 2007). A legislação assegura o direito de acesso, circulação e utilização dos espaços públicos pelas pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida. Dá prioridade ao atendimento em repartições públicas e outros locais e estabelece normas gerais e critérios básicos (VASCONCELOS, PAGLIUCA, 2006). Podemos notar que existe a preocupação do Poder Executivo em garantir esse direito às pessoas com deficiência e/ou mobilidade reduzida: “Nossa cidade está dando atenção às questões de acessibilidade, tanto na parte de arquitetura e urbanismo como em outras áreas. Está havendo serviços de adequação e obras para tal” (Viceprefeito, 2012). 115


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Saúde Investigar as dificuldades encontradas pelas pessoas com deficiência na acessibilidade aos serviços de saúde pode fornecer subsídios para o planejamento em saúde, estruturando e melhorando os serviços de forma que atendam a esse grupo populacional de maneira adequada (CASTRO et al., 2011). O sistema de assistência à saúde de uma dada sociedade não pode ser estudado isoladamente de outros aspectos, especialmente quanto à sua organização social, religiosa, política e econômica (HELMAN, 2003). Como cidadãos, todos devem contribuir para melhorar a condição de vida das pessoas com deficiência. Nesse sentido, a reflexão sobre a necessidade de essas pessoas usufruírem dos serviços oferecidos pelo sistema básico de saúde é uma forma de contribuição e exige esforço consciente voltado a perceber as barreiras arquitetônicas que comprometem o acesso e a mobilidade a tais unidades (VASCONCELOS, PAGLIUCA, 2006). Nesse contexto, podemos identificar uma das formas de contribuição para a promoção da acessibilidade na saúde da população: “Estamos inaugurando uma Unidade Básica de Saúde, projetada de acordo com as normas da acessibilidade” (Prefeito, 2012). Ao instituir a saúde como direito de todos (as) e dever do Estado, o Estado brasileiro assume a responsabilidade de garantir acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde, de modo a contemplar, da melhor forma possível, as necessidades e as demandas da população (LOPES, 2005). Atualmente, existe a necessidade de praticar a saúde, enfatizando os princípios de promoção e educação popular, o que denota a preocupação em se preservar a integridade do bem-estar (SUZIGAN et al., 2005). A promoção de espaços para debate e trocas de experiências no campo da educação, da saúde, da questão da acessibilidade aos espaços públicos e privados garante alguns avanços na direção de uma prática inclusiva (QUINTÃO, 2005). Nesse sentido, analisamos que algumas ações estão sendo implantadas pelo Poder Executivo: “Licitações de novas especialidades médicas que atendam pelo SUS, formação de grupos de orientação, tudo isso está sendo feito” (Prefeito, 2012).

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“Precisamos garantir que todas essas pessoas tenham atendimento com um bom suporte médico e demais profissionais da saúde, além de medicamentos e apoio” (Prefeito, 2012). Educação Desde a aprovação da Declaração de Salamanca, em 1994, questões referentes a teorias e práticas inclusivas vêm sendo incessantemente discutidas tanto por educadores e órgãos que tratam da educação de pessoas com deficiência, por empregadores e organismos que visam à colocação dessa população no trabalho quanto pela sociedade de um modo geral (TANAKA, 2006). Os diretores, supervisores e orientadores, na grande maioria, não têm um conhecimento adequado da situação e não podem ajudar os professores. Juntamente com a dificuldade da avaliação, existe a do encaminhamento para uma escola. São poucas as escolas que contam com o seguimento paralelo do trabalho, realizado por equipe especializada que dê suporte às atividades escolares e aos professores (FONSECA, 2004). Essa realidade é descrita por um dos colaboradores: “Como já fui professor, reconheço que a falta de formação de professores, de recursos técnicopedagógicos, de estímulo suplementar, de salas e de professores de apoio deixam a questão da inclusão escolar sem estrutura suficiente” (Viceprefeito, 2012). Embora não se possa considerar que a acessibilidade já tenha sido alcançada, no espaço físico, particularmente na sociedade brasileira, os movimentos pró-acessibilidade seguem avançando e, atualmente consta, entre seus objetivos, alcançar a acessibilidade no espaço digital, o espaço das comunicações via computador (TORRES, MAZZONI, ALVES, 2002). De acordo com os relatos abaixo, percebemos que a acessibilidade digital é um dos aspectos que vem sendo considerado importante para o Poder Executivo: “Levei para Brasília e já está protocolado um projeto de equipamentos de informática para pessoas com limitações. Encaminhei considerando a APAE daqui. Isto também é inclusão” (Prefeito, 2012). “Estamos batalhando para que cada vez mais escolas possam receber alunos com deficiência. Duas


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escolas daqui estão adequando seus espaços, na parte física e também na compra de computadores para chamada inclusão digital” (Prefeito, 2012). A intensidade dos processos de urbanização e educação, o que se denomina, em uma palavra, “modernização”, acrescenta uma nova dimensão ao quadro político, consubstanciada em aumento das demandas de participação, crescente consciência de objetos políticos e busca de representação de interesses (SCHWARTZMAN, 1988). O desenvolvimento de ajudas técnicas, principalmente com a contribuição, no século XX, das tecnologias da informática e comunicação, permite hoje que muitas pessoas encontrem as condições necessárias para que possam se dedicar às atividades de estudo, trabalho e lazer, contribuindo, assim, de forma ativa, para o desenvolvimento da sociedade (MAZZONI et al. 2001). Trabalho Deve-se considerar que a inclusão se baseia na lógica de que todas as pessoas devem democraticamente participar de forma ativa na organização da sociedade, de tal maneira que todos possam ter acesso às oportunidades das mudanças socioculturais, considerando-se suas características individuais (MANSANERA, ALMEIDA, 2009). O desenvolvimento no trabalho implica tarefas fundamentais, complexas e dinâmicas, ocorrendo pela interação de forças genéticas e ambientais (POLETTO, 2005). Segundo o Poder Executivo, a inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho e sua incorporação ao sistema produtivo são fatores relevantes na promoção da inclusão social: “Muitas empresas estão aderindo à inclusão, contratando pessoas com deficiência e dando para elas oportunidades de convivência e melhora no seu desenvolvimento” (Prefeito, 2012). “Alguns empresários estão se dispondo a absorver esse segmento. Atualmente é comum vermos em postos de gasolina, mercados, lojas e restaurantes. Isso é ótimo porque estão inseridos no mercado de trabalho” (Vice-prefeito, 2012). O estilo de vida independente é fundamental no processo de inclusão, pois, com ele, as pessoas terão mais participação de qualidade na sociedade, tanto na condição de beneficiários dos bens e serviços que ela oferece como também na de

contribuintes ativos no desenvolvimento social, econômico, cultural e político (SASSAKI, 2003). Lazer O lazer possui uma grande importância social, devendo ser palco para a integração e a inclusão de todas as camadas e dos grupos da sociedade (MARCELLINO, 1996). Ao longo das épocas e em toda a humanidade, o acesso ao lazer pelos indivíduos com deficiência sempre foi limitado por barreiras estruturais, de equipamentos e, essencialmente, de ordem social (AZEVEDO, BARROS, 2004). Aliada às outras formas de exclusão social, as pessoas com deficiência enfrentam a falta de acessibilidade a muitos espaços ditos públicos, a falta de conhecimento a respeito de questões relacionadas a seus direitos, o superprotecionismo por parte da família e das pessoas que cercam esses indivíduos e a falta de políticas públicas de lazer ou o despreparo, quando são desenvolvidas (MAIA, ALMEIDA, 2008). Podemos constatar essa realidade por meio deste trecho: “O campeonato de futebol, realizado recentemente, foi possível encontrar cadeirantes prestigiando o evento. Mas ainda temos muito a realizar, permitindo assim acesso e inclusão de toda a população nessa área” (Vice-prefeito, 2012). O campo da promoção da saúde voltado para iniciativas comunitárias e programas de lazer reconhece que melhorias nas condições de saúde e na qualidade de vida pressupõem uma visão integradora das políticas sociais, em que o diálogo interdisciplinar, as ações intersetoriais e a participação das comunidades envolvidas adquirem centralidade (PERES et al., 2005). Podemos definir uma dessas iniciativas de acordo com o relato abaixo: “Um parque de lazer em nossa cidade foi construído com rampas de acesso, pensando nessas pessoas” (Prefeito, 2012). DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO SOCIAL O estigma da deficiência é grave, transformando as pessoas cegas, surdas e com deficiências mentais ou físicas em seres incapazes, indefesas, sem direitos (MACIEL, 2000). Isso é perceptível de acordo com essas definições:

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“Deficiência é uma limitação, um problema seja de ordem física ou mental, o que acaba fragilizando a vida” (Prefeito, 2012). “Pessoas deficientes são pessoas que precisam de orientação e principalmente do acesso a grupos de apoio” (Vice-prefeito, 2012). Em contrapartida, as interferências ambientais podem colaborar muito, quando as pessoas conseguem um adequado nível de compreensão das necessidades dos outros e oferecem-lhes boas situações de vida (OLIVEIRA, 2003). Concretizar a inclusão constitui um grande desafio, pois envolve mudanças na concepção de sociedade, de homem, de educação e de escola. Mudar concepções já cristalizadas e arraigadas em nome de um outro modelo não é uma tarefa simples e fácil, sobretudo quando essas mudanças vão beneficiar pessoas que foram historicamente injustiçadas, marginalizadas e excluídas da sociedade (ALMEIDA, 2003). Podemos identificar o início dessas concepções por meio do seguinte depoimento: “Está havendo uma grande mobilização dos segmentos públicos e privados para melhorias em relação à inclusão social” (Vice-prefeito, 2012). O Brasil não será salvo nem por um SuperHomem, nem por uma Superideologia ou por um Superplano. Adotando essa atitude, começaremos a considerar seriamente a possibilidade de que o Brasil só poderá ser salvo por nós mesmos, como grupo e coletividade. Existe a urgente necessidade de tratamento igualitário de todos perante as leis (DAMATTA, 1993). Diante desse fato, o Poder Executivo analisa: “Esclarecimento, informação e fiscalização contribuirão para termos a aplicação das políticas e leis na criação de programas e serviços voltados ao atendimento das necessidades especiais de deficientes” (Prefeito, 2012). Os espaços públicos são os lugares nos quais os estrangeiros se encontram e que a vida urbana e tudo aquilo que a distingue das outras formas de convivência humana atingem sua mais completa expressão, com alegrias, dores, esperanças e pressentimentos que lhes são característicos (BAUMAN, 2009). A rua é o ambiente público, na maioria das vezes, inóspito. A casa é o ambiente privado do sentimento, do afeto da família e do que é pessoal. A rua é o espaço público de

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regras impessoais e a casa, o espaço privado do particularismo. Toda vez que a casa engloba a rua, a consequência é a utilização privada do que é público (ALMEIDA, 2007). A ideia de coletividade e pertencimento social se faz presente conforme os trechos abaixo: “Penso que precisamos modificar as estruturas e serviços oferecidos, possibilitando que a pessoa com deficiência possa ser capaz de interagir naturalmente na sociedade. Em suma, a inclusão social é uma questão de política pública” (Viceprefeito, 2012). “Percebo que muitas dessas pessoas estão escondidas, superprotegidas e, de certa forma, alienadas em suas casas, talvez amedrontadas com o preconceito. Isso é um problema de cunho social” (Prefeito, 2012). Os deficientes devem ser aceitos com suas deficiências, pois é normal que toda e qualquer sociedade tenha pessoas com deficiências diversas. Ao mesmo tempo, é preciso ensinar ao deficiente a conviver com a sua deficiência (JANNUZZI, 2004). Temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioriza. Temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza. As pessoas querem ser iguais, mas querem respeitadas suas diferenças (SANTOS, 2006). As primeiras formulações sobre a democracia, as chamadas “teorias da modernização”, colocavam a democracia como resultado direto do desenvolvimento econômico (SANTOS, 2010). Estamos em face, portanto, de uma carência política, de uma falta de expressão política dos excluídos, para se opor aos includentes e ao seu autoritarismo (MARTINS, 2008). CONCLUSÕES O trabalho desenvolvido refletiu um entendimento sobre a situação social, o conceito de acessibilidade e as oportunidades de inclusão social oferecidas às pessoas com deficiência na comunidade estudada. Pode-se compreender a deficiência em seus próprios termos, passando a perceber significados e sentidos nas relações cotidianas, na ocupação dos espaços e nos estilos de vida. O trabalho valorizou a oportunidade de escutar as manifestações do Poder Executivo Municipal frente às pessoas que enfrentam um desafio de


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consequências biopsicossociais bem complexas, para o resto de suas vidas, na maioria das vezes. Como evidenciado, os resultados do estudo confirmam que existem barreiras quanto à acessibilidade, com consequente comprometimento do deslocamento de pessoas com deficiência. Cabe, portanto, à administração pública conhecer os princípios da acessibilidade, para preservar aqueles já incorporados e solicitar orientação adequada, quando identificar barreiras no ambiente. Defende-se que a implantação e a manutenção de ambientes acessíveis perpassam pela tomada de consciência do real significado de ambiente acessível e que este vai além das barreiras arquitetônicas, pois depende da atitude inclusiva. Quanto à percepção do Poder Executivo sobre a pessoa com deficiência, observou-se maturidade e entendimento de que essas pessoas são, na maioria das vezes, excluídas do contexto comunitário, cultural e educacional, desempenham menor variedade de atividades diárias com menor participação em atividades sociais e de lazer. Os dados obtidos revelaram dificuldades de acesso aos serviços públicos, fato que veio reafirmar a necessidade de expansão e melhoramento nos atendimentos oferecidos, analisando suas necessidades e toda a complexidade da sua condição socioeconômica e cultural, visando à garantia de mínimas condições sociais de reabilitação, saúde e cidadania, com uma consequente promoção da inclusão social. O desenvolvimento deste trabalho pode ser visto como um motivo que levará ao aprimoramento da minha capacitação profissional, constituindo uma ferramenta para a modernização em prol de uma sociedade sem espaço para preconceitos, discriminações ou barreiras sociais. A acessibilidade é um processo dinâmico, associado principalmente ao desenvolvimento da sociedade. Uma sociedade que se preocupa em garantir às pessoas com deficiência o direito de participar da produção e disseminação do conhecimento, certamente, contará com a participação dessas pessoas, de forma ativa em todos os demais setores da sociedade. Espera-se que as políticas públicas se voltem para ações de forma intensa e continuada, nas quais as pessoas com deficiência possam de fato estar incluídas em todos os espaços sociais, principalmente na comunidade à que pertencem.

Nesse sentido, é importante que existam mais pesquisas nessa área, para que a proposta inclusiva seja levada adiante com êxito, tendo a coesão e a disposição de profissionais da saúde, pesquisadores, gestores da educação, engenharia, direito, entre tantos outros, tendo em vista que precisamos buscar soluções e esse desafio é de todos. REFERÊNCIAS ALMEIDA, A. C. A Cabeça do Brasileiro. Rio de Janeiro, RJ: Ed. Record, 2007. ALMEIDA, D. B. Do especial ao inclusivo? Um estudo da proposta de inclusão escolar da Rede Estadual de Goiás no município de Goiânia, 2003. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação, Universidade de Campinas, São Paulo, SP. 2003. AZEVEDO, P. H.; BARROS, J. F. O nível de participação do Estado na gestão do esporte brasileiro como fator de inclusão social de pessoas portadoras de deficiência. Rev. Bras. Ciência e Movimento, v. 12, n. 1, p. 77-84, 2004. BATISTA, M. W.; ENUMO, S R. F. Inclusão escolar e deficiência mental: análise da interação social entre companheiros. Estudos de Psicologia, v. 9, n. 1, p. 101-111, 2004. BAUER, M.; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som – um manual prático. Rio de Janeiro, RJ: Ed. Vozes, 2003. BAUMAN, Z. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro, RJ: Ed. Jorge Zahar, 2009. CANDAU, V. M. Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença. Rev. Brasileira de Educação, v. 13, n. 37, p. 45-185, 2008. CASTEL, R. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Rio de Janeiro, RJ: Ed. Vozes, 1998. CASTRO S. S. et al. Acessibilidade aos serviços de saúde por pessoas com deficiência. Rev. de Saúde Pública, v. 45, n. 1, p. 99-105, 2011. 119


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NORMAS GERAIS Os trabalhos deverão ser enviados por e-mail, em extensão .doc (Word). PRÂKSIS - REVISTA DO ICHLA Editor Responsável: Prof.ª Me. Márcia Blanco Cardoso ERS-239, 2755 - Novo Hamburgo - RS CEP 93352-000 - Telefone: (51) 3586-8800 Universidade Feevale - Câmpus II Prédio: Lilás - Sala: 301H E-mail: revistadoichla@feevale.br ARTIGOS Os trabalhos para publicação devem ser inéditos e podem ser apresentados em português, inglês ou espanhol. A seleção dos artigos para publicação toma como referência sua contribuição à Educação e à linha editorial da revista, a originalidade do tema ou do tratamento dado ao tema, a consistência e o rigor da abordagem teórica. Cada artigo é examinado por pelo menos dois membros do Conselho Editorial (ou especialistas ad hoc), sendo necessários dois pareceres favoráveis para que o texto seja recomendado para publicação. Os autores dos artigos aceitos serão informados sobre a data prevista para sua publicação. Os trabalhos deverão ser enviados ao editor responsável pela Revista do ICHLA por e-mail, em extensão .doc (Word), com fonte Times New Roman, tamanho 12, espaço 1,5. Os artigos devem ter de 08 a 15 laudas incluindo referências bibliográficas, notas e resumo em português e inglês

(com até 200 palavras). A página deve ter tamanho A4 com margem superior de 3,0 cm, inferior de 2,0 cm, esquerda de 3,0 cm e direita de 2,0 cm. Recomenda-se a subdivisão interna do material submetido com indicação de pelo menos três palavras-chave. O autor deve fornecer, também, dados relativos à instituição e à área em que atua, bem como indicar endereço para correspondência com leitores. As referências bibliográficas devem ser incorporadas ao texto, de acordo com as normas vigentes da ABNT; quanto às notas, devem ser explicativas e sempre colocadas ao final do artigo. Os textos que não estiverem de acordo com as normas gerais e com as normas para apresentação dos trabalhos não serão submetidos ao Conselho Editorial. Resenhas bibliográficas: devem focalizar trabalhos significativos com importante contribuição à literatura já existente. Salvo em casos especiais, devem ser revisões críticas que discutam os principais temas tratados em um ou mais livros que tenham a mesma preocupação ou tratem de assuntos correlatos. As resenhas bibliográficas devem ser concisas e não consumir várias páginas descrevendo cada capítulo de determinado livro ou cada ensaio de uma coletânea de textos. É essencial enfatizar e discutir o conteúdo teórico do trabalho em questão. As resenhas deverão ter, no máximo, 8 laudas digitadas. A publicação dos trabalhos está condicionada a pareceres dos membros do Conselho Editorial garantindo o anonimato de autores e pareceristas no processo de avaliação. Eventuais sugestões de modificação de estrutura ou conteúdo, por parte do Conselho Editorial, serão previamente acordadas 123


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com os autores. Não serão admitidos acréscimos ou modificações depois que os trabalhos forem entregues para composição. Não haverá remuneração pela publicação dos artigos, somente cabendo ao autor o direito a receber gratuitamente dois exemplares da Revista.

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