UNIVERSUS nº 02 (2015/2)

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#02 REVISTA DA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA UNIRITTER # ANO 2 # 2O SEMESTRE 2015

FILMES PARA ELAS PRODUTORAS SE ESPECIALIZAM NO MERCADO FEMININO

AMOR EM CAMPO

HOMOSSEXUALIDADE SEMPRE FOI TABU. ASSIM COMO O RACISMO, A HOMOFOBIA TAMBÉM PRECISA ENTRAR NA PAUTA DEBATIDA NO FUTEBOL

INIMIGO ÍNTIMO 35% DAS MULHERES NO MUNDO SOFREM OU JÁ SOFRERAM VIOLÊNCIA FÍSICA OU SEXUAL POR ALGUM COMPANHEIRO

CINEMA NA RUA

CINEMAS QUE AINDA EXIBEM FILMES EM 35MM CORREM O RISCO DE FECHAR AS PORTAS POR FALTA DE RECURSOS



sumário#3 04

COMPORTAMENTO_O MERCADO CULTURAL LATINO AMERICANO_

Por Anderson Furtado

12

HOMOFOBIA_PELA TOLERÂNCIA ENTRE AS 4 LINHAS_

Por Andressa Carmona, Júlia Resende e Estevan Gonçalves

18

POLÍTICA_MAIS ESPAÇO NAS URNAS: MULHERES CONQUISTAM SEU LUGAR NA POLÍTICA_

Por Bruna Fonseca

22

SAÚDE_ÁGUA, MANUAL DO USUÁRIO_

Por Débora Dalmoro, Ethiene Antonello e Pedro Montiel

28

MULHER_VIOLÊNCIA DOMÉSTICA_

Por Fernanda Fontoura e Rebeca Rabel

34

ESPORTE_PROFISSÃO OLHEIRO_

Por Gabriel Ribeiro e William Dias

40

ESPORTE_BRASIL: O PAÍS DO FUTEBOL PARA UMA MINORIA_

Por João Pedro Zettermann e Leonardo Baimler

44

MATÉRIA DE CAPA_O MUNDO DA PORNOGRAFIA PARA ELAS_

Por Daniel Fagundes, Guilherme Wunder e Luiza Guerim

52

QUALIDADE DE VIDA_O PODER DOS SUCOS FUNCIONAIS_

Por Lucille Soares e Michelle Bertotti

58

MADE IN BRAZIL_FUTEBOL AMERICANO, DIFICULDADES BRASILEIRAS_

Por Paulo Mendes e Guilherme Barni

64

SONHO OLÍMPICO_O CAMINHO DOS QUE QUASE CHEGARAM LÁ_

Por Gicele Kreibich, Katiuscia Couto e Nicolle Lenuzza

72

CULTURA_HÁ VIDA PARA O CINEMA DE RUA?_

Por Mariana Jeremias e Thuane Liesenfeld

80

CULTURA_VILA FLORES ESPAÇO CRIATIVO_

Por Mariana Silveira Tripoli e Jordana Pastro

#Expediente A REVISTA UNIVERSUS é um projeto da Faculdades de Comunicação Social (FACS) do Centro Universitário Ritter dos Reis – UniRitter/Laureate International Universities. A iniciativa surgiu da necessidade de criar um espaço de divulgação do material produzido nos cursos de jornalismo e publicidade. UniRitter / Laureate International Universities Campus Porto Alegre: Rua Orfanotrófio, 555• Alto Teresópolis • Porto Alegre/RS • CEP 90840-440 • Fones: (51) 3230.3333 | (51) 3027.7300 • Campus Canoas: Rua Santos Dumont, 888 • Niterói • Canoas/RS • CEP 92120-110 • Fones: (51) 3464.2000 | (51) 3032.6000 • Campus Fapa: Av. Manoel Elias, 2001 • Alto Petrópolis • Porto Alegre/RS • CEP 91240-261 • Fones: (51) 3230.3333 • Campus Exclusivo: Av. Wenceslau Escobar, 1040 • Cristal • Porto Alegre/RS • CEP 91900-000 Reitora: Laura Coradini Frantz • Pró-Reitora Acadêmica: Bárbara Costa • Diretor da Faculdade de Comunicação (FACS): Marc Antoni Deitos • Coordenação do curso de Jornalismo: Leandro Olegário dos Santos • Coordenação do curso de Publicidade e Propaganda: Sônia Zardenunes • UniVersus/Professores envolvidos: Robson Pandolfi, Rogério Grilho e Camila Morales • Projeto Gráfico: Rogério Grilho • Diagramação: alunos do Projeto Experimental Revista e Rogério Grilho (MT 7465) • Publicidade: alunos de Criação Publicitária e Camila Morales.


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comportamento#5

O MERCADO CULTURAL

LATINO AMERICANO A CULTURA LATINO-AMERICANA TEM UMA EXPRESSÃO FORTÍSSIMA NA MÚSICA E NA LITERATURA. NO ENTANTO, AS OBRAS PRODUZIDAS NOS PAÍSES VIZINHOS COSTUMAM TER POUCA EXPRESSIVIDADE EM TERRITÓRIO BRASILEIRO. A LÍNGUA PODE SER UM DOS MOTIVOS. MAS HÁ OUTROS: DIFERENÇAS REGIONAIS, PRECONCEITO CULTURAL E ATÉ PROBLEMAS SOCIAIS. POR ANDERSON FURTADO ILUSTRAÇÃO ANDERSON FURTADO

#5 ISSUU.COM/UNIVERSUS


CULTURA

O MERCADO CULTURAL LATINO AMERICANO

A

o que parece, existe um bloqueio em relação ao consumo da cultura latino-americana no Brasil. As dificuldades relacionadas à integração entre os países latino-americanos sempre foram, ao longo da história, uma constância. Diversos motivos – econômicos, políticos, sociais e históricos – resultaram em atitudes mútuas de indiferença e discriminaçÃO. Atualmente, o desafio em pensar a América Latina implica levar em consideração a identificação de problemas em comum e as soluções pensadas em conjunto, tendo em mente a diversidade histórica e cultural que compõem esse variado espaço geográfico. Mas para falar da América Latina de hoje, é preciso voltar no tempo para entender melhor como essa diferença se desenvolveu. No início da colonização, quando Portugal e Espanha buscavam novos territórios para expandir seus domínios, ambos países viviam em guerra um contra o outro. Nessa época já existiam problemas políticos e socias entre eles. Portugal sempre esteve de costas para

o continente Europeu, voltado ao mar. Essa lógica acabou sendo transferida para a colônia, jutamente com a política portuguesa. Para enfrentar a escassez de recursos humanos e materiais, precisou investir na colonização do que seus vizinhos espanhóis na América. Por isso, o Brasil incorporou a rixa no seu processo de colonização. Essa rivalidade é tratada por José Murilo de Carvalho, no texto Brasil: outra américa?. O autor afirma que já havia, desde o início dos tempos modernos, uma rivalidade entre Espanha e Portugal. Um estilo de colonização diferenciado que contribuiu para o Brasil também ficar de costas para seu continente. Mas é importante notar que a mesma herança colonial ibérica que afasta o Brasil dos países hispano-americanos é a que os une. A cultura latino-americana já dava as caras desde os primeiros tempos da colonização no século 16. Nesse período, tiveram início uma gama de crônicas e de relatos de conquista de grande valor histórico. Entre os responsáveis estavam Gonzalo Fernández de Oviedo, Bartolomé de Las Casas, Francisco López de Gómara, Bernal Diza del Castillo, Álvar

ORIGEM DO TERMO AMÉRICA LATINA O continente localizado no hemisfério sul ocidental, cujas linhas imaginárias que o atravessam são as linhas do Equador e o Trópico de Capricórnio, já tinha quase a formação atual, quando ganhou o nome de América Latina, o termo foi utilizado pela primeira vez em 1856, numa conferência do filósofo chileno Francisco Bilbao, também no mesmo ano, pelo escritor colombiano José María Torres Caicedo em seu poema Las dos Américas (“As duas Américas”, em português) e pelo Império Francês de Napoleão III da França durante sua invasão francesa no México (1863-1867). Desde sua aparição, o termo evoluiu para designar e compreender um conjunto de características culturais, étnicas, políticas, sociais e econômicas.

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PAÍSES LATINO-AMERICANOS

Núñez Cabeza de Vaca, Cieza de León, Agustín de Zárate, Garcilaso de la Vega. Uma das primeiras epopeias em língua espanhola, La Araucana (1569-1589), obra de Alonso de Ercilla, é chilena. Também se destacam as histórias de Pedro de Oña, Juan de Castellanos, Bernardo de Balbuena, Martín Del Barco Centenera e, finalmente, a epopéia sacra La cristiada do frade Diego de Hojeda. O território chamado de Novo Mundo já começa a fabricar sua própria cultura. Nos séculos 17 e 18, a literatura hispano-americana contou com ilustres representantes do gênero barroco, como os poetas Juan de Espinosa Medrano, dito o Lunajero, Pedro De Peralta y Barnuevo e Juan Del Valle Caviedes (Peru); Carlos de Sigüenza y Góngora e Juan Inés de la Cruz (México); o dramaturgo Juan Ruiz de Alarcón e os prosadores Alonso de Ovalle (Chile), Manuel de Navarrete (México) e Rafael Landivar (Guatemala); e o ensaísta equatoriano Francisco Eugenio de Santa Cruz y Espejo. A cada Estado independente que emergiu das lutas pela independência corresponderia uma literatura própria. Um problema que agravava muito a circulação da informação no Brasil colô-

Argentina

Guiana Francesa

Belize

Haiti

Bolívia

Honduras

Brasil

México

Chile

Nicarágua

Colômbia

Panamá

Costa Rica

Paraguai

Cuba

Peru

El Salvador

República Dominicana

Equador

Uruguai

Guatemala

Venezuela


CULTURA

O MERCADO CULTURAL LATINO AMERICANO

nia era o número altíssimo de analfabetismo. Havia, ainda, uma lei que proibia as comunidades de se comunicarem umas com as outras e ou com as colônias vizinhas. Por ordens de D. João VI, as pessoas só poderiam se comunicar com a devida autorização da corte portuguesa. Essa proibição levou a uma situação inusitada: as colônias demoraram três meses e 13 dias para saber que Portugal e Espanha estavam em guerra. Quando a notícia chegou, no dia 15 de junho de 1801, fazia nove dias que o confronto terminara, com a derrota de Portugal. Sem saber da trégua, o capitão de armas da Província de São Pedro do Rio Grande (atual Estado do Rio Grande do Sul), Sebastião Xavier Veiga Cabral da Câmara, imediatamente declarou guerra aos vizinhos espanhóis. À frente das tropas portuguesas, tomou uma vasta área, desde o território das Missões, no oeste da capitania, até o Rio Jaguarão, no Sul. Desse modo, por falta de comunicação, Portugal acabou ganhando, no Brasil, uma disputa que havia perdido na Europa, registrou o jornalista Jorge Caldeira no livro Mauá: empresário do Império. Depois da Independência, as coisas começaram a melhorar no Brasil. Porém, um pouco antes em 1808, o Brasil já era parceiro dos Estados Unidos. Naquele ano, os americanos estabeleceram um consulado no Brasil, e essa parceria abriu as fronteiras do país para a cultura e os produtos norte-americanos. Para Silvio Julio Albuquerque Lima (1895-1984), precursor dos estudos hispanoamericanos no país, as diferenças entre as línguas espanhola e portuguesa não significavam um empecilho para aproximação desses povos. Os laços que o Brasil têm com os Estados Unidos desde 1808 só foram traçados com os paises vizinhos, quase 180 anos depois. Não era a língua a culpada para a cultura latina-americana não entrar no Brasil, mas sim as diferenças diplomáticas dos países em relação às suas políticas. Localizado no Hemisfério Sul ociden-

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No final do século 19 e ínicio do 20, os países latino-americanos começaram as tentativas de parcerias entre si para formar uma aliança comercial. O objetivo era dinamizar as economias regionais, movimentando entre si mercadorias, pessoas, força de trabalho e capital. tal e atravessado pela linha do Equador e pelo Trópico de Capricórnio, a região já tinha quase a formação atual quando ganhou o nome de América Latina. O termo foi utilizado pela primeira vez em 1856, numa conferência do filósofo chileno Francisco Bilbao. O termo também foi mencionado no mesmo ano pelo escritor colombiano José María Torres Caicedo, em seu poema Las dos Américas (As duas Américas) e pelo Império Francês de Napoleão III da França durante a invasão francesa no México (1863-1867). Desde sua aparição, o termo evoluiu para designar e compreender um conjunto de características culturais, étnicas, políticas, sociais e econômicas. No final do século 19 e inicio do 20, os países latinos americanos começaram as tentativas de parcerias entre si, para formar uma aliança comercial visando dinamizar as economias regionais, movimentando entre si mercadorias, pessoas, força de trabalho e capitais. Porém, todas a tentativas fracassaram, por motivos políticos. O primeiro deles foi o acordo ABC (1915) discutido e malogrado no período do Barão do Rio Branco. Houve outros ensaios ao longo do século 20. Um deles, o Tratado sobre Livre Intercâmbio, assinado pela Argentina e pelo Brasil em novembro de 1941, mas que não chegou a ser efetivado. A


questão foi retomada com a importante proposta de um acordo de livre comércio apresentada nos anos 1950 pelo presidente argentino Juan Domingo Perón. Outro acordo que não deu certo foi do governo Castello Branco, de negociar uma União Comercial com a Argentina, presidida pelo General Ongania em 1967, ideia logo abandonada com a posse de Costa e Silva. Esses movimentos são significativos no sentido de demonstrar acordos de aproximação entre os países da região durante o século 20. Até o acordo do Mercosul, as discussões sobre a integração na América Latina tiveram um caráter romântico ou apenas comercial, como foram os casos da Aliança Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc), criada em 1960, e da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), a partir de 1980. Do ponto de vista da política externa brasileira, apenas a partir de meados dos anos 1980 o âmbito regional passou a ser visto como um eixo estruturador do comportamento internacional do país. Em outros casos, a busca de uma relação privilegiada com os Estados Unidos é uma atração forte não somente por heranças estratégicas determinadas pelo contexto continental, mas também pelos atrativos que a maior economia do continente pode oferecer. Só em 1991 o Mercado Comum do Sul

Depois do boom latino-americano dos anos 1960 e 1970, os autores ficaram muito tempo tentando se encontrar. E conseguiram. Hoje, já não há qualquer necessidade de ficar ligado a esse cânone.

(Mercosul) seria criado, com a adesão inicial de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Inicialmente, foi estabelecida uma zona de livre comércio, em que os países signatários não tributariam ou restringiriam as importações um do outro. A partir de 1° de janeiro de 1995, essa zona se converteu em união aduaneira. Dessa forma, todos os signatários poderiam cobrar as mesmas quotas nas importações dos demais países (tarifa externa comum). Com a assinatura do Mercosul, a cultura latino-americana começou a circular mais em terras tupiniquins. A pesquisa A América Latina na Música Popular Brasileira: dois idiomas e um coro-canção, do pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Marcelo Ferraz de Paula, aponta que os idos de 1960 foram muito mais férteis para a produção de cultura neste lado do Equador. Para o pesquisador, o aparato legal do Mercosul tenta incentivar a produção e a troca cultural na região. “Vale lembrar que um dos objetivos do Mercosul e da própria constituição brasileira, em seu artigo 4º, é buscar a integração econômica, política e cultural dos países da América Latina.”

HOJE O Mercosul e a Internet trouxeram a cultura latino-americana para o Brasil. Em vez de poucas novidades escondidas entre as reedições dos clássicos do realismo mágico, as livrarias, agora, estampam seções específicas para os autores da região. Ainda a oferta ficou muito mais diversificada, porém, a maioria dos lançamentos ainda são de autores chilenos e argentinos, mas o leitor já encontra volumes de países cuja literatura é completamente desconhecida aqui, como Honduras, Guatemala ou Equador. Depois do boom latino-americano dos anos 1960 e 1970, os autores ficaram muito tempo tentando se encontrar. E conseguiram. Hoje, já não há qualquer necessidade de ficar ligado a esse câ-

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O MERCADO CULTURAL LATINO AMERICANO

Daniel Merle

CULTURA

Adolfo Bioy Casares

É só olhar com mais atenção para as livrarias para notar como nunca se viu tantos títulos latinoamericanos nas prateleiras. Há até nichos específicos para os volumes, o que seria improvável anos atrás.

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none. José Francisco Botelho, escritor e jornalista, salienta que a a literatura já é um “espaço tomado por escritores vizinhos, principalmente argentinos”. Autores contemporâneos latino-americanos estão sendo muito bem aceitos pelos brasileiros do século 21. Nomes como Alejandro Zambra, Diego Vecchio, o chileno Roberto Bolaño, Bioy Casares, Juan Carlos Onetti, Jeremías Gamboa, J. Rodolfo Wilcock e Julio Ramón Ribeyro já são conhecidos do público literário brasileiro. A “buena onda” latino-americana não para por aí. Em breve, serão lançados títulos como A linha azul, pela editora Alfaguara, primeiro romance da colombiana Ingrid Betancourt, que foi prisioneira das Farc por seis anos; A sinagoga dos iconoclastas, do argentino J. Rodolfo Wilcock; e Prosas apátridas, do peruano Julio Ramón Ribeyro, ambos pelo selo Otra Língua, da Rocco, criado em 2013 e responsável pela divulgação de autores praticamente desconhecidos no Brasil, originários de países como Equador, Guatemala, El Salvador ou Honduras. Na música, artistas consagrados como Shakira, Alejandro Sanz, Fito Páez, Los Inmigrantes, Los Enanitos Verdes, Ricky Martin, Maná e, no mercado independente, Bareto, Herência de Timbiqui, Carla Morrison e El Mató a Un Policia Motorizado: todos têm um bom mercado. Porém, ao contrário da literatura, a música ainda encontra resistências no mercado nacional. Quem também está com esta dificuldade é o cinema latino. Contudo, as duas áreas parecem caminhar para momentos melhores. Eventos como El Mapa de Todos, promovido por Fernando Rosa, mais conhecido como Senhor F, ajudam a disseminar a cultura latina no Brasil. Rosa afirma que, com a internet, novas possibilidades de acesso à produção latina se abriram. Não mais como um mercado consumidor de “objetos”, mas de fruição da música. Além disso, comparado com anos anteriores, atualmente a circulação de ar-


É preciso que as pessoas conheçam o que de melhor, que é produzido em cada um dos países. Alguns artistas contam com fãs em várias capitais do Brasil, como Julieta Venegas, Jorge Drexler e Onda Vaga, para citar três exemplos.

El Mapa de Todos / Divulgação

Fernando da Rosa

Fernando da Rosa, o Senhor F

tistas é muito maior em todo o país. A plataforma de festivais independentes vem contribuindo bastante para isso. Fernando ainda defende que “é preciso que as pessoas conheçam o que de melhor, que é produzido em cada um dos países”. “Alguns artistas contam com fãs em várias capitais do Brasil, como Julieta Venegas, Jorge Drexler e Onda Vaga, para citar três exemplos.” Na medida em que os artistas vão sendo mais divulgados, cresce o interesse por seus discos e busca por shows. Recentemente, Onda Vaga lotou um teatro para mais de mil pessoas, em Porto Alegre, no Festival El Mapa de Todos. Os festivais independentes, apostam há muito tempo nessa política, acolhendo em seus palcos artistas da região. Senhor F explica que ferramentas como a plataforma Deezer facilitam a audição de obras clássicas e recém lançadas por artistas latinos. “Mas, de fato, é necessário uma política de estado, de parte a parte, para intensificar a integração.”

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PELA TOLERÂNCIA ENTRE AS

LINHAS

homofobia#13

NO GRAMADO E NAS ARQUIBANCADAS, A HOMOSSEXUALIDADE SEMPRE FOI TABU. MAS, ASSIM COMO O RACISMO, A HOMOFOBIA TAMBÉM PRECISA ENTRAR NA PAUTA DEBATIDA NO FUTEBOL. POR ANDRESSA CARMONA, JÚLIA RESENDE E ESTEVAN GONÇALVES FOTOS YAMINI BENITES

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HOMOFOBIA

PELA TOLERÂNCIA ENTRE AS 4 LINHAS

I

magine-se em um estádio de futebol modernos. Uma final de campeonato disputada por dois times rivais, arquibancadas lotadas com torcedores fervorosos. Mas então acontece um lance duvidoso durante o jogo a favor da equipe visitante – o suficiente para que a torcida local entoe cânticos de baixo calão e de teor discriminatório, seja qual for o alvo do preconceito. Essa prática não é novidade no futebol. Exacerba, em partes, o próprio preconceito existente fora dos estádios. O fato novo, agora, é que há cada vez menos pessoas dispostas a ouvir esses xingamentos. Ao mesmo tempo em que o futebol consegue ser o esporte mais amado do mundo, ele é um espaço aberto para a intolerância. Alguns casos de racismo ganham destaque na mídia e causam repúdio entre os movimentos sociais, como foi o caso do goleiro Aranha, do Santos. Ao enfrentar o Grêmio pela Copa do Brasil, em 28 de agosto de 2014, foi hostilizado pela torcida rival com cânticos e insultos racistas. Como forma de punição, o Superior Tribunal de Jus-

tiça Desportiva (STJD) se viu obrigado a excluir o time gaúcho da competição, eliminando o jogo de volta naquela ocasião. Outro caso que também chamou a atenção mundial foi a do lateral do Barcelona, Daniel Alves. Durante uma partida contra o Villareal pelo Campeonato Espanhol, o brasileiro foi alvo de constante das ofensas discriminatórias dos torcedores adversários, até que alguns começaram a atirar bananas em direção ao gramado. Porém, ao invés de mostrar descontentamento com o ocorrido, o lateral comeu uma das frutas atiradas no campo como forma de protesto. No entanto, o mesmo não acontece quando o assunto é homofobia. A ideia de que o futebol é um esporte majoritariamente dominado por homens heterossexuais dá aos torcedores confiança para proferir termos ofensivos, direcionados especialmente aos rivais, como “bicha” e “veado”. O ato se tornou uma cultura consolidada no esporte.

ORGULHO E PRECONCEITO Era domingo, 10 de abril de 1977. Grêmio enfrentava o Santa Cruz e ganhava por 2x1 pelo Campeonato Gaúcho. Foi neste jogo que surgiu a Coligay, com 60 integrantes. A torcida foi extinta em 1983, com apenas seis anos de existência. Mas se tornou um ícone na luta contra a discriminação dentro dos estádios. Pioneira ao levar a sexualidade para o meio do futebol, a Coligay é um marco na história do Grêmio que poucos conhecem bem. Uma história que poderia ser motivo de orgulho, mas que segue envolta em preconceito. O sucesso da torcida na época também incentivou o surgimento de outras compostas por homossexuais no Rio de Janeiro, como a FlaGay, do Flamengo e a FoGay, do Botafogo. A Coligay se tornou um assunto

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pouco debatido, sendo lembrado na maioria das vezes, em piadas feitas por colorados. Foi para mudar essa situação e resgatar lembranças da torcida que o jornalista Léo Gerchmann escreveu o livro Coligay: tricolor e de todas as cores. Com suas características que marcaram aquela torcida, como a animação inconfundível daqueles gremistas, as danças, os cantos e seus figurinos chamativos. “Aquele grupo superava em animação as outras duas torcidas do clube, batendo seus tambores e berrando o tempo todo”, como conta o livro. Só depois de 30 anos do fim da Coligay surgiu a primeira iniciativa de alguns torcedores para enfrentar o preconceito nesse ambiente esportivo. A página Galo Queer, gíria do inglês para gay, foi criada no dia 9 de abril de 2013. A dupla Gre-Nal se inspirou no exemplo mineiro, criando a QUEERlorado e a Grêmio Queer. Em outras regiões do Brasil clubes grandes também criaram suas páginas para aderir ao movimento: Galo Queer (Atlético Mineiro), Cruzeiro Maria (Cruzeiro), Bambi Tricolor (São Paulo), Timbu Queer (Náutico), Grêmio Queer (Grêmio), Vitória Livre (Vitória), EC Bahia Livre (Bahia), Queerlorado (Internacional), Palmeiras Livre (Palmeiras), Corinthians Livre (Corinthians) e Flamengo Livre (Flamengo).

PRECONCEITO EM NÚMEROS Os números alarmantes da violência contra a população LGBT mostram a urgência de uma ampla discussão sobre o tema pela população, inclusive no ambiente futebolístico. Segundo a organização Grupo Gay Bahia (GGB), que elaborou um Relatório Anual de Assassinatos de Homossexuais no Brasil, em 2014 foram registradas 326 mortes de gays, travestis e lésbicas, incluindo nove suicídios. O número é 4,1% maior do que o registrado no ano anterior, quando foram contabilizadas 313 mortes – uma média de um assassinato a cada 27 horas.

Os dados mais recentes disponibilizados pela Secretaria de Direitos Humanos (SDH) sobre a violência motivada por homofobia são de 2012. As analises foram feitas essencialmente a partir de informações provenientes do Disque Direitos Humanos (Disque 100) da SDH. Como as estatísticas analisadas referem-se apenas às violações reportadas, elas não correspondem à totalidade dos casos. Segundo o estudo, no ano de 2012, foram registradas pelo poder público mais de 3.000 denúncias com 10.000 violações relacionadas à população LGBT envolvendo 5.000 vítimas. Em relação a 2011, houve um aumento de 166,09% de denúncias.

HOMOFOBIA COMO FORMA DE ESTUDO O tema chegou a ser estudado pelo técnico em assuntos educacionais da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Gustavo Andrada Bandeira. Professor do curso de Especialização em Jornalismo Esportivo, Bandeira frisa que, nos estádios, a homofobia aparece o tempo todo em diferentes expressões das torcidas, dos atletas e, eventualmente, até da imprensa. Ele também ressaltou que existe uma constante necessidade de manifestação da heterossexualidade Gustavo Andrada Bandeira – que se dá especialmente a partir dos xingamentos homofóbicos. Gustavo resolveu abordar o assunto em sua dissertação após perceber que há um excesso de sexismo. “Frequento estádios de futebol desde os cinco anos e percebia ali um grande investimento na produção de sujeitos masculinos”, diz. O interesse pela investigação se deu na tentativa de ver os modos como essa masculinidades são colocadas nesse contexto cultural específico, relata. O professor participa do Grupo de Estudos em Educação e Relações de Gênero (Geerge) da UFRGS.

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HOMOFOBIA

PELA TOLERÂNCIA ENTRE AS 4 LINHAS

Frequentador assíduo dos jogos do Grêmio, Bandeira conta que cinco anos após sua dissertação ele viu mudanças significativas nas arquibancadas. Segundo ele, existe um processo de elitização que condena algumas atitudes que eram rotineiras no estádio Olímpico, por exemplo. Também há uma presença mais constante de mulheres e crianças. Assim, algumas pautas dos direitos humanos conseguem maior penetração neste momento histórico. As ações dos tribunais desportivos também alteram o comportamento da torcida. “No caso da torcida do Grêmio, isto é mais evidente com a interdição do termo – macaco – de seus cânticos. Entretanto, os xingamentos que utilizam a sexualidade para a hierarquização dos sujeitos envolvidos nas partidas de futebol mudou pouco”, afirma. No Reino Unido há uma associação que, desde 1989, vem lutando a favor de torcedores LGBTs em estádios de futebol do país – a GFSN (Gay Football Supporters Network ou Rede de Torcedores de Futebol Gays, em livre tradução). Além de promover a inserção do público LGBT no futebol, a GFSN também registra a ocorrência de gritos e cânticos homofóbicos nas partidas – e faz campanha permanente contra eles.

FALTA PUNIÇÃO No Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), o Artigo 243-G condena a prática de atos discriminatórios, desdenhosos ou ultrajantes, relacionados ao preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Sendo a pena de cinco a dez partidas de suspensão se praticada por jogador, treinador, médico ou membro da comissão técnica. A repulsa e o desrespeito a diferentes formas de sexualidade também representam uma ofensa à diversidade humana e às liberdades básicas garantidas

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pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela Constituição Federal. Porém, há o impasse da ausência de leis federais que protejam a população LGBT, que é um dos principais obstáculos para o combate à homofobia. Atualmente, nenhum projeto de lei que criminalize preconceito e discriminação por causa de orientação sexual ou identidade de gênero conseguiu ser aprovado nas duas casas do Congresso Nacional. É preciso ter consciência de que a homofobia está incluída no item “outras formas de discriminação”, considerado crime de ódio e passível de punição. A Constituição Federal brasileira, não caracteriza, a homofobia como crime, mas, define como “objetivo fundamental da República” (art. 3º, IV) o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, ou quaisquer outras formas de discriminação”.


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política#19

MAIS ESPAÇO NAS URNAS MULHERES CONQUISTAM SEU LUGAR NA POLÍTICA TEXTO E FOTO POR BRUNA FONSECA

EM MAIO DE 1933, FOI APROVADA A LEI QUE GARANTIA ÀS MULHERES O DIREITO AO VOTO. HOJE, 82 DEPOIS, O SEXO FEMININO MARCA PRESENÇA EM TODAS AS INSTÂNCIAS DE PODER.

#19 ISSUU.COM/UNIVERSUS


POLÍTICA

MAIS ESPAÇO NAS URNAS MULHERES CONQUISTAM SEU LUGAR NA POLÍTICA

L

avar? Passar? Cozinhar? Não mais. Ou melhor: pode ser também. Mas, a mulher do século 21 não se contenta mais em se submeter a regras e costumes ultrapassados. De acordo com uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 39,8% das mulheres com 16 anos ou mais estão empregadas com carteira assinada. Não apenas uma eleitora passiva: a mulher do século 21decidiu ousar e entrar para as disputas políticas. Nas eleições de 2014, 6.245 mulheres foram consideradas aptas para disputar os cargos eletivos. De acordo com dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral, o número representou um aumento de 71% em relação às eleições de 2010.

ou 10% do total, tentou um lugar como governadora. Apesar do avanço, a Procuradoria da Mulher do Senado, criada em março de 2013, pediu ao Ministério Público Federal para fiscalizar as campanhas e evitar o que chama de “candidaturas-laranja”, que apenas inclui as mulheres para ficar dentro da lei, sem dar estrutura para competir realmente.

CADA VEZ MAIS PRESENTES

Não apenas uma eleitora passiva: a mulher do século XXI decidiu ousar e entrar para as disputas políticas.

O Censo de 2010 contou 190 milhões habitantes no país. Desses, 51% são mulheres e 49% são homens. E a proporção é praticamente a mesma na contagem dos eleitores brasileiros. O sexo feminino representava, nas eleições de 2014, 52,13% do total de 142.822.046 votantes. Porém, apesar desse número, o percentual de mulheres eleitas na Câmara dos Deputados, em 2010, foi de 8,7% – somando 45 deputadas em um total de 513 parlamentares. As conquistas femininas nas últimas décadas são inegáveis. A Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997), com as modificações provocadas pela Lei n° 12.034 (a primeira Minirreforma Eleitoral), afirma que cada partido ou coligação deve preencher as candidaturas para os cargos com o mínimo de 30% e o máximo de 70% de cada sexo. Além disso, os diretórios nacionais dos partidos devem fornecer no mínimo 5% dos recursos de seus fundos para a criação e manutenção de programas que promovam a participação política das mulheres. Além de participar ativamente das decisões políticas e partidárias, o sexo

feminino está conquistando um lugar nos cargos eletivos – inclusive, de presidente da república. Além da chefe do Poder Executivo, estão exercendo mandato duas governadoras, 11 senadoras, 45 deputadas federais, 134 deputadas estaduais, 657 prefeitas e 7.630 vereadoras. Mesmo estando em crescimento, a representação feminina no âmbito político ainda é baixa devido à falta de candidatas – apesar da cota mínima e obrigatória desde 2009. Em 2014, 31% dos candidatos registrados na Justiça Eleitoral são do sexo feminino, ou um total de 8.120 mulheres. Em 2010, eram 5.056 candidatas (22,43%). Um aumento de mais de 38% em relação ao pleito anterior. A maior parte das mulheres buscava ser deputada ou senadora. Apenas 17 candidatas,

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“É HORA DAS MULHERES ENFRENTAREM A VIDA PÚBLICA” Seu nome é Regina Maria Becker. Ou melhor, era até o ano passado. Durante o processo eleitoral, passou a se chamar Regina Becker Fortunati. “Como meu marido, José Fortunati, é uma pessoa conhecida, as pessoas vinculariam meu nome ao dele – e temos um trabalho nessa cidade”, afirma. Mas, a deputada não iniciou uma carreira de trabalho ao assumir a Secretaria Especial dos Direitos Animais. Regina Becker trabalhou durante 22 anos no Polo Petroquímico. Além disso, é formada em Relações Públicas, possui curso incompleto de Pedagogia e está terminando a faculdade de Direito. Com 57 anos, 1 filho humano e 38 não humanos (10 cães e 28 gatos), a deputada estadual Regina Becker afirma que sempre foi defensora da causa animal. “Desde pequena, sou conhecida como uma pessoa muito preocupada com as questões da natureza e meio ambiente”, relembra. Quando o atual prefeito José Fortunati assumiu a prefeitura da capital gaúcha, em 2011, o casal entendeu que era hora de Regina colocar em prática tudo que já vinha elaborando nos últimos anos: políticas públicas dentro de uma prefeitura. “E a gente fez isso”, diz, orgulhosa da atitude que, na época, foi motivo de muito questionamento e muitas críticas. “As pessoas perguntavam por que o poder público daria dinheiro para fazer atendimento aos animais diante de todos os problemas de ordem


social humana”, relembra. Regina Becker iniciava sua caminhada no meio público na criação da secretaria, em 2011. Hoje, o órgão é referência estadual, nacional e internacional devido às políticas públicas voltadas aos animais domésticos. “O orçamento da Secretaria envolve 0,10% do total do município. Não chega a 1%, e, mesmo assim, se faz tudo que se faz. É um paradigma novo”, explana Regina, orgulhosa. De acordo com Regina, a decisão de entrar no meio político não foi dela. “Meu marido teve uma grande surpresa comigo, pois não sabia até que ponto eu ia levar as questões administrativas e operacionais da Secretaria da forma que eu levei”, afirmou, e complementou que Fortunati via o resultado positivo do seu empenho e o impacto na opinião pública. “Quando ele percebeu que eu era capaz, ele me colocou num paredão e dizia pra mim que, se eu não assumisse uma candidatura, eu não poderia nunca mais reclamar pra ele que as prefeituras não estavam fazendo nada e que a causa animal não estava sendo defendida”, disse entre risadas. A deputada estadual afirma que Fortunati acreditava que a eleição era a chance de trazer a questão

animal pro centro das discussões e dar visibilidade a situação. Para Regina Becker, é necessário que a mulher se imponha e tome uma posição na política. A parlamentar afirma que a política é um exercício, uma prática, um jogo e até um ambiente extremamente masculino. “Mas, as mulheres vêm com um propósito diferente. Vêm com um olhar que preserva muito mais as questões de meio ambiente, de preservação da espécie, de cuidado com os seres, do seu ambiente”, orgulha-se. “Acredito que as mulheres expressam um desejo da maior parte das pessoas que querem uma outra política. Nós não queremos mais uma política que acontece de bastidor e que privilegia interesses.”

NA LUTA CONTRA O PRECONCEITO Quando questionada sobre a existência de preconceitos no meio, ela afirma que não pode afirmar que sofreu preconceito dentro da Assembleia Legislativa, mas que percebe a sutileza das relações a partir do momento em que é tratada como minoria no ambiente. “Somos apenas nove. Pela proporção de 55,

Acredito que as mulheres expressam um desejo da maior parte das pessoas que querem uma outra política. Não queremos uma política que acontece de bastidor e que privilegia interesses. Nós expressamos hoje um anseio da população que é uma nova forma de fazer política e de defender nossos interesses de um mundo melhor.

somos um percentual muito pequeno. Mas as mulheres não querem enfrentar a vida pública. E é hora das mulheres enfrentarem a vida pública”, desabafa Regina. Segundo a deputada, a mulher que pensa em entrar no meio político deve, primeiramente, se conhecer e ter domínio absoluto sobre si própria. Afinal, para ela, o autoconhecimento é a peça propulsora de qualquer afirmativa em relação a própria vida. Depois, é preciso encontrar qual o seu lugar no grupo, na sociedade, na sua cidade, e de que forma pode se inserir num trabalho efetivo a esse grupo. Afinal, não basta ser só bonita, só mulher, só um bom discurso. Hoje, as pessoas querem ver que, do lado de lá, existe alguém que pode atender as suas reivindicações. De acordo com a Agência Brasil, homens e mulheres possuem acesso consideravelmente igual à educação. Porém, nos quesitos de política e economia, os homens estão em vantagem. O sexo masculino ocupa aproximadamente 54,4 milhões de vagas no mercado de trabalho, enquanto o sexo feminino abrange 43 milhões. Além disso, a remuneração é diferenciada. Em média, os homens ganham R$ 4,9 por hora a mais que as mulheres – nos mesmos cargos. O Índice Global de Desigualdade de Gênero, medido pelo Fórum Econômico Mundial, apresentou o Brasil em 62º lugar – em um total de 135 países. Essas insistentes desigualdades fomentam a formulação e a implementação das políticas públicas. Em meio a conquistas de respeito e lugar, uma pesquisa da revista Marie Claire e da organização Everywoman, do Reino Unido, revela que 46% das mulheres sofreram sexismo no escritório, e 44% afirma que colegas homens já fizeram comentários inapropriados sobre sua aparência. Além disso, 60% das entrevistadas afirmaram que mulheres com sobrepeso são discriminadas.

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ÁGUA 22# UNIVERSUS _ 2 _ 2015


saúde#23

MANUAL DO USUÁRIO POR DÉBORA DALMORO, ETHIENE ANTONELLO E PEDRO MONTIEL IMAGENS FREE IMAGES

A ÁGUA É O ELEMENTO MAIS ESSENCIAL À VIDA. MAS SEU CONSUMO PODE SER TÃO NOCIVO PARA A SAÚDE QUANTO A DESIDRATAÇÃO.

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SAÚDE

ÁGUA, MANUAL DO USUÁRIO

E

m outubro de 2013, o jornal britânico veiculou o depoimento de Sarah Smith, de 42 anos, que, após de um aconselhamento médico, aumentou da ingestão de água ao longo de 4 semanas. Segundo a reportagem, a pele apresentou melhoras surpreendentes, as rugas desapareceram e Sarah perdeu peso. As dores de cabeça, antes frequentes, também sumiram. Sarah rejuvenesceu. O depoimento chegou ao Brasil como um viral. Em novembro de 2013, o caso invadiu as redes sociais e espantou por conta da evidente melhora na aparência física. No entanto, o caso de Sarah é controverso. Segundo o Centro Superior de Investigações Científicas da Espanha e o Instituto de Medicina dos Estados Unidos, afirmar que um ser humano requer um número “x” de copos de água por dia como regra geral não tem nenhuma base científica, explicou o diretor do comitê espanhol, Alberto Casteller. Beber muita água pode ser tão perigoso quanto beber pouco. Cada pessoa necessita de diferentes quantidades de água. Tanto a desidratação quanto a hiponatremia, que sinaliza o baixo sódio na corrente sanguinea, a falta e o excesso de água, respectivamente, causam graves problemas e podem levar à morte, em casos mais severos. O líquido deve ser consumido na quantidade certa, nem a mais nem a menos. Logo, a prática de beber água em excesso não é recomendada para todos e precisa de orientação médica. O cardiologista Juan José Rufilanchas, chefe de cirurgia da Clínica Ruber, de Madri, afirmou, em entrevista para a BBC Brasil, que, para quem tem pouco peso, há uma tendência à intoxicação por água. “A redução de sódio abaixo do limite provoca tremores, confusão, perda de memória e pode haver colapso e morte”, afirma o médico. No processo de excesso de água há uma reação anormal das células do cérebro. Como o líqui-

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do é mais do que o corpo necessita, os rins demoram mais tempo para filtrar. Até completar a absorção, as células se incham e podem levar a transtornos nervosos, coma e morte. Um exemplo para confirmar o perigo do excesso de ingestão de água é a maratona de Boston de 2002. Segundo o estudo, 488 atletas foram submetidos a um exame de sangue antes e depois da corrida. Quase dois terços dos que fizeram o teste e chegaram à meta à beira de um desmaio tinham baixo nível de sódio por ter bebido água demais.

A ÁGUA NO ORGANISMO Dois terços do peso corporal, correspondem a água. Toda a água que não está na corrente sanguínea tem outro papel: atuar como depósito que repõe a deficiência de água do sangue de acordo com a necessidade. O caminho da água no organismo é longo e intenso. Não só em estado líquido, os alimentos que comemos são também nossa principal fonte de água, necessária para regular a temperatura do corpo, manter a pele hidratada e transportar oxigênio e outros nutrientes essenciais para suas células. Ao entrar no organismo, a água tem o papel de solvente: chega no interior das células transportando nutrientes, lavando e arrastando para fora as substâncias tóxicas produzidas pelo corpo. A quantidade de água para que essa tarefa seja concluída com sucesso são quatro litros. Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia no Rio Grande do Sul, Luís Henrique Santos Canani, médico endocrinologista, “em situações normais, a necessidade de água é muito bem regulada por mecanismos como a sede, conservação ou perda através da urina ou suor”. Existem várias recomendações de mínimo de água a ser ingerida por dia, mas a maioria não são baseadas em evidências científicas e sim em opinião. “Em algumas situações, orientamos a ingestão


Em situações normais, a necessidade de água é muito bem regulada por mecanismos como a sede, conservação ou perda através da urina ou suor. Dr. Luís Henrique Canani

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SAÚDE

ÁGUA, MANUAL DO USUÁRIO

aumentada prevendo uma perda maior. Por exemplo, atletas, principalmente em temperaturas elevadas ou profissionais que usam muito das cordas vocais”, diz Canani. A água participa em todas as funções do organismo. Como elemento isolado, é o mais presente em nosso organismo. De forma muito simples, desde da boca, onde é absorvida pela mucosa, e continua por todo o tubo digestivo. Uma vez dentro do organismo, o excesso sairá de várias formas. O nosso corpo perde água constantemente, através da respiração, através da pele ao transpirar e também pela urina. O suor em excesso, como quando realizamos algum exercício físico ou em temperaturas altas, pode aumentar drasticamente a quantidade de água perdida. Outra forma de perda é a gastrointestinal, ela é pequena, mas em casos de vômito prolongado ou de desinteira, a perda pode ultrapassar três litros. Quando ingerida em quantidade insuficiente, a água pode dar abertura para diversos problemas no corpo, como deficiências digestivas, prisão de ventre e dores de cabeça. A água também tem uma importante função renal. Quando a ingestão de água é baixa, os rins reduzem a produção de urina e ao mesmo tempo, a água contida no corpo é redistribuída, para manter as funções vitais de outros órgãos, como o cérebro, coração e pulmões.

A IMPORTÂNCIA DA ÁGUA NA ROTINA DAS PESSOAS A água tem um papel regulador de muitas funções de organismo do ser humano. Portanto, consumir líquidos regularmente, previne problemas de saúde e ajuda o corpo a funcionar melhor. A nutricionista Graziela Parisotto, especializada em nutrição esportiva, afirma que a desidratação pode levar a distúrbios graves, como tonturas, dificuldades de concentração, espasmos musculares, problemas renais e, em ca-

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A água é essencial para um bom desempenho e para manter o corpo saudável. Entretanto, o excesso é sempre prejudicial, podendo comprometer seu desempenho e causar até mal-estar. Graziela Parisotto

SOBRE A ÁGUA MITOS:

CURIOSIDADES:

• Beber muita água emagrece.

• Quem tem problemas cardíacos corre o risco sofrer edemas por beber água demais.

• Desidratação é desconfortável, mas não perigosa. • Se você está com sede, é porque já está desidratado. • É necessário beber oito copos de água por dia. • Urina de cor clara é sinal de boa hidratação. • Líquido nunca é demais. • Atletas precisam de bebidas especiais.

• A falta de hidratação afeta o metabolismo. • A falta de hidratação afeta o metabolismo. • No caso de idosos, a porcentagem corporal cai até os 50% do peso e é responsável por problemas gastrointestinais, cardiovasculares, renais, ósseos, hematológicos e endocrinológicos.


sos mais graves, até a morte. “A água é essencial para um bom desempenho e para manter o corpo saudável”, afirma Graziela. O ideal, ela acrescenta, é beber de 400 ml a 600 ml de líquidos duas horas antes do início da atividade física. Durante a prática esportiva, é indicado ingerir 100 ml de água a cada 20 minutos. “Entretanto, o excesso é sempre prejudicial, podendo comprometer seu desempenho e causar até mal-estar.” É importante ressaltar, contudo, que cada pessoa tem uma necessidade diferente conforme peso, altura e rotina diária. “O cálculo que eu faço é o peso da pessoa multiplicado por 35 ml de água”, explica a nutricionista Graziela. Assim, uma pessoa de 100 kg, por exemplo, deve ingerir cerca de três litros e meio de água. No entanto, chás, sucos naturais e alimentos ricos em água, como algumas frutas, já ajudam na hidratação do corpo – mas jamais devem substituir a água natural. O ideal, segundo a nutricionista, é começar a hidratação logo ao acordar. Em

dias mais quentes e com umidade mais baixa, é preciso intensificar o consumo de água. “Os benefícios são infinitos”, ressalta. “Mas os mais significativos são pele mais bonita, melhor funcionamento do intestino e rins, ajuste da temperatura corporal, perda de peso e inchaço, além de aliviar dores de cabeça causadas pela desidratação. Água é vida.”

Os benefícios mais significativos são: pele mais bonita, melhor funcionamento do intestino e rins, ajuste da temperatura corporal, perda de peso e inchaço. Água é vida. Graziela Parisotto

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mulher#29

DOMÉSTICA

VIO LÊN CIA 35% DAS MULHERES NO MUNDO SOFREM OU JÁ SOFRERAM VIOLÊNCIA FÍSICA OU SEXUAL POR ALGUM COMPANHEIRO ÍNTIMO. ENTENDA COMO ESSE CENÁRIO SE DESENVOLVEU.

POR FERNANDA FONTOURA E REBECA RABEL FOTOS FLICKR/CREATIVE COMMONS

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MULHER

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

A

conquista

pelos direitos das mulheres tem origem nas manifestações de grupos femininos rus­sos que lutavam por melhores condições de vida e trabalho. Além de desempenharem as tarefas domiciliares, as mulheres também queriam um espaço igualitário em relação aos homens. Durante a Revolução Industrial, as condições de trabalho das mulheres nas fábricas têxteis gerou protestos. Um deles, realizados em 8 de março de 1857, em Nova York, deu origem ao Dia da Mulher. A data é marcada pela tragédia que aconteceu na fábrica Triangle Shirtwaist, provocada por um incêndio proposital que até hoje é considerado o pior da história da cidade. Nessa tragédia, foram registradas 146 mortes – 129 delas de trabalhadoras que foram trancadas e queimadas vivas. Depois deste episódio, outros protestos ocorreram, ganhando destaque o de 1908, quando 15 mil mulheres marcharam em Nova York exigindo a redução da jornada de trabalho, melhores salários e direito de voto. Portanto, o primeiro Dia Internacional da Mulher seguiu-se em 28 de fevereiro de 1909 nos Estados Unidos após uma declaração do Partido Socialista da América em homenagem às mulheres mortas no incidente da fábrica. Sendo somente estabelecido o Dia Internacional da Mulher em 1910, com a primeira conferência internacional sobre a mulher em Copenhague. No século 21, os protestos continuam ganhando força. Ainda existe desigualdade de gêneros e um significativo aumento da violência contra a mulher na sociedade mundial. Um exemplo são as manifestações que vem sendo realizadas no decorrer dos últimos anos – e a má repercussão de algumas delas frente ao público em geral. Em outubro de 2015, por exemplo, um

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Percebe-se também, um aumento significativo dos movimentos em prol dos direitos das mulheres e a existência de milhares de grupos feministas que realizam passeatas e lutam a favor de uma ideologia mais justa entre homens e mulheres.


protesto foi realizado devido ao projeto de lei que torna crime induzir ou auxiliar uma gestante a abortar – ali estava incluída, até mesmo, a venda da pílula do dia seguinte. O tema foi considerado tão absurdo que acabou gerando muita indignação pela população feminina e masculina, tendo uma grande repercussão não somente nas manifestações, mas também nas redes sociais.

BREVE HISTÓRICO DA VIOLËNCIA CONTRA MULHER A violência doméstica contra as mulheres não é um fato novo, visto que ela existe desde os primórdios em nossa sociedade. Há cerca de 2.500 anos, que os homens constroem a ideia de terem superioridade em relação às mulheres, tornando-as submissas. Muitas mulheres eram menosprezadas moralmente e socialmente pelos homens em antigas civilizações. Isso acontece até hoje em algumas sociedades, em países como Arábia Saudita, Afeganistão, Paquistão, Bangladesh e India. Em diversos lugares, a mulher era vista como uma pessoa inferior ao homem, sendo excluída e banida de muitos assuntos e acontecimentos, respeitando somente as ordens de seus devidos parceiros sem direito algum de resposta e defesa. A mulher era vista como uma serva do patriarca, sempre sendo utilizada para serviços domésticos ou sexuais, não tendo voz para qualquer liberdade de expressão. A função da mulher era de procriar filhos, cuidar da casa e realizar os caprichos de seu marido. Como entre os antigos Assírios, no qual o marido tinha direito sobre a vida e a morte de sua mulher. Já nos hindus, o “Sati” era muito um hábito comum, e consistia na incineração da esposa viva após a morte do marido – a prática foi proibida com a colonização inglesa. Na Grécia clássica, as mulheres viviam praticamente reclusas nos haréns, privadas de qualquer outro tipo de direito

a não ser a vontade de seu esposo. Na Roma antiga, as mulheres casadas estavam inteiramente sujeitas à autoridade do sogro enquanto o mesmo estivesse vivo. Os chineses tinham o “poder” de praticar castigos corporais severos, caso suas mulheres desobedecessem alguma ordem ou descumprissem algum desejo seu. Já na Europa havia um controle obsessivo sobre a vida de suas esposas, onde chegaram a instituir cintos de castidade à mulheres casadas. Na África, utilizavam métodos de mutilações das partes íntimas das mulheres, como acontece até hoje, onde muitas acabam perdendo sua feminilidade e ficam sujeitas a contrair diversas infecções e doenças sexualmente transmissíveis. Na América, os povos pré-colombianos, assim como no Oriente Médio, ofereciam crianças para sacrifícios em prol de suas crenças, deixando as mães com grandes problemas psicológicos. A mulher, naquela época, não tinha qualquer chance de defesa das ordens colocadas, pois se as mesmas não fossem obedecidas, acabavam na maioria das vezes sendo agredidas, humilhadas ou mortas.

DIRETOS CONQUISTADOS A violência doméstica, segue vitimando milhares de mulheres no mundo. Conforme o relatório “Violência Global Contra as Mulheres”, publicado pela Organização das Nações Unidas em 2013, 35% das mulheres no mundo sofrem ou já sofreram violência física ou sexual por algum companheiro íntimo ou violência sexual por um não-parceiro. Doutora em Ciência Polícia e professora de Direito da UniRitter, Cibele Cheron explica que este tipo de violência que ocorre dentro das residências das próprias vítimas. Integrante do Núcleo Interdisciplinar de estudos sobre Mulheres Gênero, da UFRGS, ela reforça que, quase sempre, essa situação está vinculada ao condicionamento financeiro, tanto pela dependência econômica,

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MULHER

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

quanto moral e social que a mulher possui em relação ao companheiro. Conforme Cibele, para compreendermos melhor esta questão, é preciso, primeiro, pensar na ideia do patriarcado e da estruturação da família burguesa. “Com o advento do Estado moderno e da consolidação do capitalismo, temos uma definição de papéis diferenciados para mulheres e homens, que é aquilo que chamamos de divisão sexual do trabalho, onde irá fazer com que aos homens seja relegado um espaço público de produção e de poder e para as mulheres um espaço privado”, salienta. Um exemplo desta divisão de gêneros é o próprio Estado, no qual se organiza em cima de valores que acabam fortalecendo a violência contra a mulher, como o estatuto da mulher casada do Código Civil de 1916. No qual não permitia que mulheres pudessem fazer negócios jurídicos, a não ser que elas tivessem autorização do pai ou do marido, perdurando até o início da década de 1980. Cibele nos relata ainda que, antes de entrar em vigor o novo Código Civil de 2002, havia a possibilidade de anulação de casamento se o noivo verificasse na noite de núpcias que a noiva não era virgem. Percebe-se, então, que realmente existiu e existe uma estrutura política

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Se você observar, não é só a violência física ou psicológica, mas as mulheres negras na escala da percepção de rendimentos de salários de remuneração por trabalho, sempre são as que recebem menores salários.

que corresponde e aceita uma estrutura econômica voltada para ocupação masculina dos espaços públicos – e uma ocupação feminina dos espaços privados. De acordo com o estudod a ONU, em 2013 ocorreram 4,7 mil mortes de mulheres no Brasil – ou seja, 4,7 mortes para cada grupo de 100 mil mulheres. Entre 1996 e 2013, houve um crescimento de 29,3% nas mortes de mulheres no país. Outro fato importante citado é que 53% das mulheres vítimas de homicídios estão situadas na faixa etária entre 20 e 39 anos e 61% do total dessas vítimas são negras, outras 33% são brancas. Para Cibele,as vítimas de feminicídio são, potencialmente, mulheres negras, pois elas estão acumulando paralelamente duas formas de preconceito. Sendo assim, são objeto tanto do racismo quanto do machismo. “Se você observar, não é só a violência física ou psicológica, mas as mulheres negras na escala da percepção de rendimentos de salários de remuneração por trabalho, sempre são as que recebem menores salários”, conclui. Com base nesses dados, é visto um acúmulo de preconceitos que acaba potencializando uma situação no qual estas mulheres se veem duplamente vitimadas. Primeiro, por conta do déficit de acesso à cidadania e ao exercício dos seus direitos. Segundo, por não receberem uma atenção devida por parte do poder público que deveria ser o garantidor dos seus direitos. Segundo a assistente docial Gisleine Lima da Silva, especialista da Política de Saúde da Mulher da Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, o acesso universal à saúde e o respeito às singularidades, sem qualquer tipo de discriminação, são direitos constitucionais. As ações de atenção à saúde devem ser acessíveis para toda população, do município ou da região, cabendo às instituições assegurar cada etapa do atendimento. Isso inclui medidas de emergência, o acompanhamento, reabilitação e tratamento dos eventuais impactos da violência


sexual sobre a saúde física e mental da mulher. No Brasil, apesar de existir diversas leis e atendimentos especializados que auxiliam a mulher que sofre algum tipo de violência ou abuso, percebe-se numa perspectiva mundial que muitas ainda se sentem oprimidas ao dialogar sobre o assunto. Para a psicóloga Cláudia Montier, pós-graduada em terapia de casal e sexologia, muitas vezes é difícil diagnosticar e auxiliar mulheres que sofreram alguma forma de abuso, pois muitas se sentem envergonhadas, constrangidas e outras até negam terem passado por essa situação optando por esconder essa brutalidade que pode gerar algum trauma na vida da vitima. “O recomendado é que a família ou a vítima além de denunciar o abusador, busque ajuda médica e psicológica, pois geralmente os resquícios de uma agressão sexual podem prejudicar tanto o corpo quanto a mente e a vida da mulher”, finaliza Gisleine.

A EVOLUÇÃO E INVOLUÃO DA VIOLËNCIA NO MUNDO Embora as mulheres estejam nesta crescente busca pelos seus direitos, muitos ainda não percebem que as

agressões que várias sofrem todos os dias, comprometem e atingem a sociedade como um todo. Erradicar a prática deviolência doméstica e familiar é dever do Estado, porém as consequências podem originar o decaimento da produtividade do trabalho das mulheres vitimadas, assim atingindo drasticamente os cofres públicos, como licenças, consultas médicas e aposentadorias. A violência de gênero vem sendo discutida mundialmente, onde vários países já assumiram um compromisso através de Tratados Internacionais de erradicá-la, sendo que a Lei de N° 11.340/06 constitui um importante instrumento para alcançar tal fim. O Brasil foi um dos últimos países da América Latina a aprovar uma legislação especial para reprimir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, mais conhecida como Lei Maria da Penha, que foi considerada pela ONU, a terceira melhor lei do mundo no combate à violência doméstica – antes vêm Espanha e Chile. Segundo Cibele Cheron, da UniRitter, o Brasil foi instado a cumprir o pacto de San Rosse de Costa Rica, pra que a punição ao agressor pudesse ser efetivada. Ela salienta que a Lei Maria da Penha funciona em teoria, pois ela foi edigida

e pensada sobre um tripé: a prevenção a punição e a erradicação da violência doméstica familiar, cometida contra as mulheres e meninas. No seu ponto de vista, o nosso sistema judiciário se fixa somente na questão da punição. Com isso, a parte da prevenção e da erradicação da violência acabam não sendo desenvolvidas como uma política pública e sim apenas como uma lei punitiva. Junto com todas essas questões, o machismo continua arraigado na sociedade que perpassa as instituições tanto públicas, quanto privadas percebendo os velhos “jargões” de que em briga de marido e mulher não se mete a colher. Para Cibele, a visão de uma solução pro futuro é: “Na questão do tripé, a prevenção e erradicação terão que ser trabalhadas com aspectos culturais, mudança de mentalidade e quebra de estereótipos. O único caminho que eu vejo, é a maior presença feminina na política, representação das mulheres no legislativo e executivo, dentro das secretárias e de órgãos públicos, para que se possa ter uma expectativa de melhora”.

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PROFISSÃO

OLHEIRO 34#

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esporte#35

POR GABRIEL RIBEIRO E WILLIAM DIAS IMAGENS FLUMINENSE FOOTBALL CLUBE E SPORT CLUB INTERNACIONAL/DIVULGAÇÃO

COMO A TECNOLOGIA MUDOU A ROTINA DOS OBSERVADORES TÉCNICOS EM BUSCA DE NOVOS JOGADORES #35 ISSUU.COM/UNIVERSUS


ESPORTE

PROFISSÃO OLHEIRO

A

ssim como todo o garoto na infância, Ricardo sempre acompanhou as rotinas das partidas de futebol. Ao lado do seu pai, Bene Sobrinho, que era atleta profissional, Ricardo estava no estádio, vivenciando aquilo que um dia gostaria que fosse o seu chão. Atuou nas categorias de base do Grêmio, mas por não

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ter grande destaque acabou desistindo de seguir carreira dentro dos gramados. Mas a paixão pelo futebol não o deixou desistir de vivenciar o esporte. Dizem que os olheiros possuem o dom de conhecer aqueles que um dia irão brilhar nos gramados. Com o avanço da tecnologia, no entanto, estariam perdendo espaço e oportunidades em suas carreiras. Bem, não foi exatamente isso que aconteceu com Ricardo Sobrinho.

Certo dia, o jogador Bruno Collaço pedira para editar um vídeo de suas melhores jogadas, que seriam apresentadas para um empresário. No pedido do amigo, enxergou uma oportunidade. Os empresários dos jogadores pediam DVDs para Ricardo, para uma seleção das melhores jogadas do jogador. A partir disso, passou a ver jogos gravados, separava os melhores lances, editava e devolvia para o empresário mostrar para o clube que estava interessado no jogador. Mais tarde, abrira uma empresa que prestava serviços de edições de vídeos para atletas, clubes e empresários: a Sports 21, hoje sob a gestão de seus sócios. Assim como todo o início de um negócio, Ricardo foi se especializando e estudando o futebol. Já na área de observação técnica dos atletas, onde criava protocolos de análises e banco de


Este trabalho é todo desenvolvido por um setor, e não por uma única pessoa. Ricardo Isaac

dados de milhares de jogadores. No início de 2015, veio a grande alavancada na sua carreira. Começou a trabalhar no Internacional, exercendo a função de observador técnico das categorias de base e também no auxílio na prospecção de atletas para o grupo de jogares da equipe profissional. “Este trabalho é todo desenvolvido por um setor, não apenas por uma única pessoa”, conta. E, para desempenhar este trabalho, leva em conta quatro aspectos fundamentais: técnica, tática, preparação física e comportamento. O peso de cada um dos itens depende da posição dos atletas – as características físicas, técnicas e táticas desenvolvidas para um goleiro, por exemplo, são totalmente diferentes daquelas necessárias para um atacante. Do início com a produção de vídeos até o trabalho atual, o que mudou na rotina de Ricardo foi o uso tecnologia,

que estava mais presente no seu dia a dia. Um exemplo foram os softwares de análises que o auxiliaram na avaliação das jovens promessas. Segundo Ricardo, foi preciso aprender o mais rápido possível como utilizar essas novas ferramentas para aperfeiçoar os resultados finais. “Claro que o programa não veio para ‘substituir’ o profissional, mas ajudaram a diminuir erros e aumentar o número de informações sobre cada jogador”, diz.“Na falta de recursos tecnológicos, a criatividade e a vontade de trabalhar podem trazer os mesmos resultados ou até melhores, pois nada substitui o conhecimento humano.” Atualmente, o Internacional utiliza um software de análise em que são armazenadas informações durante a partida. Assim, é possível obter resultados em tempo real e auxiliar a decisão dos treinadores.

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ESPORTE

PROFISSÃO OLHEIRO

DE XERÉM PARA O MUNDO

Aqui no nosso departamento, trabalhamos com a primeira pessoa do plural. Carlos Avarenga

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Foi no tradicional bairro carioca de Xerém que Carlos Eugenio de Alvarenga Cintra Junior começou a sua carreira no futebol. Começou como jogador de futsal do Fluminense Football Club. Carlos ainda atuaria em equipes da segunda e terceira divisões do futebol carioca. Mas foi em 2007 que acharia sua vocação – fora dos gramados, mas ainda perto do campo. Ingressou no curso de Educação Física e, em sua primeira experiência profissional na área, já estava de volta a Xerém, desta vez como auxiliar de preparação física. Ao longo de seu tempo nas Laranjeiras, Alvarenga trabalhou em outros setores do clube. Surgia então a chance de atuar como observador técnico. E, para buscar aprimoramento na área, realizou alguns cursos, mas também o próprio dia a dia fez com que se adequasse cada vez mais nesse novo mercado. Em sua rotina de trabalho, adota uma filosofia de formação de atletas com todos os conceitos modernos no futebol, citando em especial o uso de planilhas com mapeamento de todo o futebol brasileiro. “Todas as categorias estão envolvidas em um mesmo processo e contexto, onde buscamos formar todos os jogadores com excelência”, ressalta. Exemplos da evolução dos jogadores

por meio dos métodos utilizados pela equipe de observadores técnicos do Fluminense são os jogadores Marcos Junior, que hoje atua na equipe profissional do clube, e o meia atacante Kenedy, que atualmente está nos gramados ingleses, defendendo a equipe do Chelsea. O trabalho, ele ressalta, é sempre feito em equipe. “Aqui no nosso departamento, trabalhamos com a primeira pessoa do plural”, diz. Atualmente, muito clubes brasileiros possuem um departamento de captação de jogadores. Um dos exemplos citados por Carlos é a estrutura das categorias de base do Atlético Paranaense, que para ele possui um bela estrutura que a faz uma forte concorrente no mercado. Trabalhando desde sempre com o uso da tecnologia no seu ambiente de trabalho, o observador não acredita que as máquinas possam substituir o profissional, mas ressalta que um auxilie o outro. E para isso, o principal aspecto que o observador técnico precisa ter nos dias de hoje é ser interessado em buscar capacitações e softwares que auxiliem o trabalho. Umas das ferramentas que Carlos destaca é o SportsCode, programa utilizado por seleções e grandes clubes europeus. Mas ele é categórico ao afirmar uma das diferenças entre o que o profissional tem que a tecnologia não possui: “O olho”.


SAP, A TECNOLOGIA QUE ESTÁ REVOLUCIONANDO O FUTEBOL A seleção da Alemanha, campeã da Copa do Mundo de 2014 no Brasil, e o time também alemão Bayern de Munich, campeão mais uma vez na Alemanha em 2015, têm algo em comum: uma ajuda da tecnologia para avaliação na avaliação dos seus atletas. Trata-se do Sports One, uma plataforma que permite à equipe técnica avaliar o desempenho dos jogadores durante as partidas e treinos da forma mais completa possível. Agora, o produto desenvolvido pela SAP ganhou uma versão. O sistema, conhecido como Training Insights Solutions, usa oito câmeras que circulam no centro de treinamentos e um software que realiza a captura dos movimentos. Durante a Copa de 2014, a Alemanha colocava os principais dados em um telão no local onde ficavam os atletas, para mostrar o desempenho de cada um até criar um modo que os jogadores possam desempenhar melhor seus trabalhos em campo. Mas não é só no futebol beneficiado dessa tecnologia: equipes de hóquei também estudam utilizar a plataforma de base de dados da SAP em um futuro próximo. O Sports One opera na nuvem e agrega toneladas de informações em tempo real sobre os jogadores do elenco, separando os números em categorias como números de passe, velocidade média, tempo de posse de bola e posicionamento em campo. O departamento médico pode até prever se um jogador está com estresse muscular antes mesmo de uma lesão acontecer. Tecnologias para calcular esses dados até já existiam, mas a SAP já possui no currículo dois clientes para comprovar o bom funcionamento do produto. No Brasil, o time pioneiro a formar uma parceria com a SAP ainda ano de 2014, depois da Copa do Mundo no país brasileiro, foi uma equipe do Rio Grande

do Sul, localizado na Capital Porto Alegre. O time do Grêmio Football Porto-Alegrense é o primeiro na América do Sul a apostar nesta nova tecnologia, que já é uma realidade em países europeus, caso da Alemanha. O software, por enquanto, é utilizado para analisar jogos e treinos da equipe principal. Mas o time ainda pretende utilizar em suas categorias de base, ajudando os técnicos com as futuras joias da equipe do Grêmio. O investimento estimado é de R$ 3,5 milhões. Além dos atletas que passaram a ser beneficiados pelo produto, a administração do Grêmio está utilizando o SAP All-In-One, empregado pelas maiores empresas do mundo. Os principais processos de registro e controle de gestão do clube foram contemplados. As informações são mantidas em uma base unificada, contendo dados de compras, vendas, estoques, finanças, contábeis, fiscais e patrimoniais.

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BRASIL O PAÍS DO FUTEBOL PARA UMA MINORIA POR JOÃO PEDRO ZETTERMANN E LEONARDO BAIMLER IMAGENS WIKIMEDIA.COM

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PAÍS VÊ PREÇO DO INGRESSO SUBIR ATÉ 300%. JORNALISTAS ACREDITAM QUE PROCESSO É IRREVERSÍVEL, ENQUANTO ECONOMISTA DIZ QUE PRÁTICA É “TIRO NO PÉ”.

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tualmente, o futebol brasileiro vive uma fase de transição importante. Após a Copa do Mundo, o país passou a contar com arenas de primeira qualidade e viu os seus custos aumentarem de maneira significativa. Os novos estádios são o ponto de partida para um processo que pode ser doloroso para a população: o esporte tem tudo para se tornar uma realidade de apenas alguns grupos sociais. Segundo a PLURI Consultoria, nos últimos dez anos, os ingressos subiram 300% no país, registrando um aumento recorde em 2013. O primeiro ano das novas arenas teve a média do ticket mais barato do campeonato nacional custando R$ 45 reais, bem mais caro que os R$ 34 do ano anterior. De acordo com a PLURI, se juntarmos o “pacote futebol”, que soma a média de alimentação, deslocamento e estacionamento, o crescimento fica ainda maior e chega a R$ 86 reais, muito além dos R$ 69 de 2012. O Corinthians, dono da segunda maior torcida do País e de uma das melhores médias de público, estreou a sua nova arena com ingressos até 350% mais caros do que no Pacaembu, onde mandava seus jogos até a construção do Itaqueirão. Os preços elevados afastam as classes mais humildes dos estádios. Se o Campeonato Brasileiro de 2014 teve a maior bilheteria da história, passando dos R$ 289 milhões, a média de público foi de apenas 16 mil pessoas por jogo. Assim, os torcedores foram em busca de alternativas. Além de propiciar ver o jogo no conforto do lar, os pacotes de pay-per-view saem mais baratos do que uma única ida ao estádio. “Antigamente, eu ia a todos os jogos. Hoje, prefiro ver na minha casa, que sai até mais barato”, afirma o personal trainer Leonardo Martins. “Pago 90 reais no mês e tenho acesso a todos os jogos, enquanto uma ida ao es-

tádio com estacionamento, alimentação e ingresso sai quase por esse preço”. Já o personal trainer Silvio Nunes elenca outros problemas. Para ele, a falta de segurança também interfere na escolha dos torcedores. “Para o pessoal que não ganha bem, ir no estádio está ficando sem condições. E tem o problema da segurança também. Jogo de noite eu não vou mais sozinho”, completa.

PROCESSO IRREVERSÍVEL O futebol está cada vez mais caro de fazer e, por isso, o processo de elitização acaba ocorrendo. Pelo menos essa é a opinião do jornalista Fabiano Baldasso, do Grupo Bandeirantes de Comunicação. Ele, que cobre a área esportiva desde 1996, acredita que o processo é irreversível. “Esse processo é irreversível. Infelizmente, o futebol não é mais para quem não tem dinheiro. Os torcedores exigiram condições melhores e elas estão aí”, afirma. Raphael Rezende, dos canais Sportv, destaca que a elitização não é culpa exclusiva dos clubes. Segundo o jornalista, com quase dez anos de experiência na área esportiva, é importante fazer promoções para atrair o público e aumentar a taxa de ocupação dos estádios. “Esse processo de elitização é real. E não é exclusividade do Brasil. É mais fácil debater formas de inclusão das classes menos favorecidas do que pensar numa reversão do quadro”, opina Raphael. Já o jornalista dos canais Fox Sports Rodrigo Bueno destaca que, para não ficar parado no tempo, é preciso ter um administração moderna por parte dos clubes. “Acho que essa elitização é um processo irreversível, mas haverá sempre alguns focos de resistência. O futebol virou um grande negócio. É hipocrisia dizer que nessa atividade não se visa lucro, conquista de mercado, audiência. Quem não tiver uma administração moderna, vai ficar parado no tempo, mais


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BRASIL O PAÍS DO FUTEBOL PARA UMA MINORIA

perto do amadorismo do que qualquer outra coisa”, afirma o jornalista do canal por assinatura Fox Sports e especialista em futebol internacional. Se os estádios antigos tinham custos mais em conta, deixavam a desejar em alguns detalhes, como atendimento ao público e higiene. As novas arenas ajudaram a combater esse problema, mas acabaram trazendo outros. Como o preço de manutenção subiu, consequentemente os ingressos seguiram o mesmo caminho. Esse aumento trouxe uma enorme discrepância na opinião do torcedor. Enquanto ele espera que o clube continue competitivo, com bons jogadores, ganhando títulos e com as contas em dia, ele também reclama por ter que pagar mais por isso. Mas o que poderia ser feito para atenuar o processo? Para Fabiano Baldasso, o segredo é a criação de setores específicos nos estádios, onde o clube disponibilizaria entradas mais baratas e arcaria com o prejuízo. Mas ele alerta: a medida seria muito mais social do que econômica. “O que pode ser feito para atenuar esse processo de elitização é a criação de lugares específicos nos estádios. Obviamente que o clube vai ter prejuízo, mas isso é de se pensar, para não tirar completamente o pobre do estádio de futebol”, salienta o jornalista. O fato de o futebol ser o esporte mais popular do mundo sempre ajuda a transformar o processo em algo mais doloroso para alguns apaixonados pelo esporte. Mas, na opinião de Rodrigo Bueno, esses “heróis da resistência”, na verdade, são os grandes excluídos do novo futebol. “Há grupos pequenos em vários lugares do mundo que lutam contra o que eles chama de “futebol moderno”, explica. Esses são exemplos de heróis da resistência, de românticos que ainda não se curvaram a arenas, a ingressos caros, à gourmetização do esporte mais popular do planeta. Haverá sempre clubes pequenos, charmosos e tradicionais levantando a bandeira do futebol de antigamente, mas esses são

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na verdade os grandes excluídos desse processo de elitização do futebol”, afirma o jornalista.

ECONOMISTA DESTACA QUE ELITIZAÇÃO É “TIRO NO PÉ” O Brasil é o país do ingresso mais caro do mundo, levando em conta a renda da população em relação aos preços das entradas. Uma pesquisa da PLURI Consultoria mostrou que nos últimos 10 anos, o preço médio dos bilhetes aumentou quase 300%. Com a vinda da Copa do Mundo em 2014 e a modernização dos estádios, fazer futebol no Brasil ficou mais caro. A mudança acabou refletindo no bolso do consumidor do produto futebol. Ele, que por muitas vezes via o esporte como o meio de entretenimento mais barato, hoje vê outras opções, como teatro e cinema, com preço mais em conta no seu orçamento. Para o economista Fernando Ferreira, diretor da PLURI Consultoria, a elitização das arenas é um tiro no pé. Para ele, num primeiro momento, ao terem estádios novos e modernos, os torcedores vão encarar isso como novidade e, consequentemente, irão aos jogos. Depois de um tempo, quando não for mais algo novo, os menos fanáticos deixarão de frequentar. Claro que os preços não são o único problema, mas são um dos principais.

“Estádios novos são pré-condição para atrair o público, mas não garantem sua presença por si só, pois há vários outros fatores que influenciam a decisão do torcedor, como o próprio preço, a insegurança, a concorrência com outras formas de entretenimento, o excesso de jogos com baixa qualidade e pouca importância, a comodidade do pay-perview”, explica Fernando. Como ocorre com qualquer produto, existe um preço de equilíbrio que ajusta oferta e demanda de ingressos. No Brasil o custo dos ingressos não é decidido com base em nenhum tipo de estudo ou análise mais detalhada, e sim por simples arbitragem. No campeonato nacional, o preço mínimo é de R$ 40 reais. “É certo que estamos fora do preço de equilíbrio, não fosse por isso, os estádios não estariam tão vazios” ressalta o economista. Há alguns anos, o Brasil ocupava a 13º colocação no ranking mundial de público. Atualmente, o país está em 18º lugar, perdendo até para países sem muita tradição no esporte como Japão, Austrália. A segunda divisão do campeonato Inglês é outro campeonato sem grande apelo e repercussão que ocupa um lugar à frente no ranking. Na Copa Libertadores da América, competição mais importante do continente, as cinco equipes brasileiras que participaram tiveram mais de 50% de ocupação em seus estádios. O Atlético-

Nos últimos 10 anos, o preço médio dos bilhetes aumentou quase 300% no país. Com a vinda da Copa do Mundo em 2014 e a modernização dos estádios, fazer futebol no Brasil ficou mais caro


-MG, com o ingresso custando em média R$ 52 reais, teve a taxa de ocupação da Arena Independência passando de 85%. O Corinthians, dono do ingresso mais caro do país (em média, R$ 70 reais), é o clube com a maior taxa de ocupação do Brasil, chegando a 80% da sua arena. Já o Internacional, com o ingresso médio em R$ 47 reais, o mais barato entre as 5 equipes participantes da Libertadores, teve a melhor média de público na competição, passando das 36 mil pessoas por jogo.

CONTRATOS LONGOS FARÃO COM QUE O PROCESSO CONTINUE CRESCENDO Os contratos com empresas e consórcios que administram muitas das novas arenas são longos, a maioria tem 10 anos como tempo mínimo para a exploração do estádio. Essa é a grande dificuldade dos clubes em conseguirem

baixar alguns preços, já que os consórcios pretendem, em sua maioria, lucrar o máximo possível durante o tempo de administração conjunta do estádio. Entre os contratos com “piores condições” para os clubes, estão os do Bahia com a Arena Fonte Nova e o do Atlético-MG com a Arena Independência. Os baianos tem direito a 65% da renda se o público atingir até metade de 50 mil (capacidade máxima da Fonte Nova). Entre 50% e 75% de estádio cheio, o clube leva 75% da renda da partida. Lotado, recebe 85%. O restante é do consórcio Fonte Nova Negócios e Participações S.A, que tem exclusividade na exploração de bares, estacionamentos, publicidade e camarotes. Já os mineiros não fazem parte do grupo gestor do estádio e não podem se envolver nas decisões tomadas pelos administradores da arena. Entre os bons contratos, destaca-se o Internacional, que administra o Beira-

-Rio com a ajuda da empresa Andrade Gutierrez. Pelos próximos 20 anos, a construtora tem o direito de explorar as áreas que construiu: camarotes, lojas, garagens, suítes e cadeiras VIPs. Também pode usar o estádio para eventos, como shows, e explorar os naming rights e a publicidade estática, menos as placas que ficam ao redor do gramado. O colorado porém, tem a administração do estádio e o valor total da renda, podendo inclusive escolher o preço do ingresso para cada partida. Com os clubes dividindo administração com empresas por longos períodos e buscando lucrar mesmo com os altos preços, a tendência para o futuro é que o processo de elitização continue ganhando força no Brasil. Para as classes menos favorecidas, o mundo do futebol é cada vez algo mais distante da realidade. Hoje, o país do futebol virou o país da elitização.

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PARA ELAS

PORNO GRAFIA

COM A INTERNET, AS MULHERES ESTÃO CONSUMINDO MAIS CONTEÚDO PORNÔ. DIANTE DESSA REALIDADE, SURGE UMA NOVA TENDÊNCIA QUE ESTÁ MUDANDO O BILIONÁRIO MERCADO PORNOGRÁFICO: A PORNOGRAFIA COM O FOCO NO PUBLICO FEMININO POR DANIEL FAGUNDES, GUILHERME WUNDER E LUIZA GUERIM FOTOS BRUNA CABRERA / LUIZA GUERIM / DIVULGAÇÃO ERIKALUST.COM

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uem anda pelas calçadas da Avenida Osvaldo Aranha, em Porto Alegre, talvez nem perceba um simples cavalete que indica a entrada de uma locadora de VHS e DVD. A porta do número 992 dá acesso a uma escadaria estreita que guia o visitante pelo caminho. Ao chegar no último de-

grau e ver os nomes e as capas dos títulos disponíveis, não há dúvidas: esta não é uma videolocadora convencional. O ambiente é escuro. No canto esquerdo da sala, atrás do balcão que acumula pilhas e pilhas de DVDs, uma televisão de volume alto sintonizada num canal local emite a única luz daquele pequeno espaço. Atrás do balcão, está um homem alto, de 51 anos, que veste uma

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O MUNDO DA PORNOGRAFIA PARA ELAS

camisa amarela e suéter vermelho. Ele usa um viseira de EVA (material sintético) branca e desbotada. Logo o motivo da parca iluminação – com o perdão do trocadilho – vem à luz… “Tenho fotofobia”, explica Hilton Zilberknop, proprietário da Zil Vídeo, considerada a maior locadora de filmes pornô do mundo. Inaugurada em 1987, a Zil Vídeo tem quase 60 mil títulos de conteúdo adulto, distribuídos pelos três andares de loja. Em uma das paredes, as fotografias de Zilberknop ao lado de grandes celebridades da indústria pornográfica mostram os momentos históricos da locadora. Nos anos 1990, a Zil sediou lançamentos de clássicos do pornôs internacional, com a presença de estrelas como Silvia Saint, Tania Russof e o diretor Pierre Woodman. Hoje, a Zil ainda parece, de certa forma, viver no século passado. O catálogo de títulos não está organizado em um computador – tudo está na memória do proprietário. Ou melhor: quase tudo. “Eu me perco e acabo comprando filme repetido”, revela. Ziberknop admite, também, que a locadora não “prima muito pela organização”. Os DVDs e fitas VHS estão por todo lugar: nas estantes, no balcão da entrada, no chão e, até mesmo, em sacos plásticos nos cantos da loja. Os filmes são dos mais diversos gêneros: hétero, gay, lésbico, trans. Há, ainda, espaço para os mais inusitados fetiches, de podolatria e masoquismo a zoofilia. O último, aliás, é conteúdo raro pelas videolocadoras do Brasil – e muito procurado. “Quando pegam, viram clientes eternos”, brinca Zilberknop. O público da Zil Vídeo é – algo nada surpreendente – predominantemente masculino. Para Zilberknop, proprietário da locadora desde 1988 – Hilton adquiriu o espaço de seu irmão, Celso, que se desfez do negócio para montar uma sex boutique –, uma das razões para o número de homens ser mais expressivo é a produção quase exclusivamente focada neles. As mulheres também costumam demonstrar mais embaraço nesses espa-

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ços. “Mas pode ser que, na internet, as mulheres assistam mais pornôs, porque não tem tanto esse constrangimento”, diz Zilberknop. A afirmação do empresário tem fundamento. Dados de dois dos principais sites pornôs online, PornHub e RedTube, indicam que o público feminino que assiste a pornografia na internet é expressivo. Em 2015, a média de visitantes mulheres no mundo é de 24%. O Brasil, ao lado das Filipinas, é o país com o maior número de visitantes femininas, com mais de um terço dos acessos. Índia e Argentina vem logo em seguida (veja mais no infográfico da página XX). Em 2012, a Nielsen/Net, que mede e analisa as audiências dos websites, identificou uma tendência semelhante. Segundo a empresa norte-americana, um em cada três usuários de conteúdo adulto online é mulher.


O (NOVO) MERCADO PORNÔ Ainda que o público feminino de pornografia seja significativo, o perfil de consumo tem diferenças expressivas. A primeira está no tempo médio gasto por visita aos sites pornôs: as mulheres ficam mais minutos online do que os homens – o motivo, para a maioria, deve ser evidente. Outra está no conteúdo acessado. Categorias como “Para Mulheres” e outras relacionadas a sexo oral feminino chegam a ser nove vezes mais procuradas por mulheres do que por homens – enquanto o conteúdo lésbico é o mais popular entre as mulheres, ocupa apenas o sexto lugar entre os homens. Já categorias como “mom” (mãe, em inglês) e “stepmom” (madrasta), algumas das preferidas dos homens, não estão nem entre as

Pode ser que, na internet, as mulheres assistam mais pornôs, porque não tem tanto esse constrangimento. Hilton Zilberknop, proprietário da Zil Vídeos

Hilton Zilberknop mantém seu acervo de quase 60 mil filmes pornôs

15 mais acessadas por visitantes femininas. Essa discrepância nos interesses masculinos e femininos nos sites pornôs mostra como as mulheres estão buscando um conteúdo mais voltado ao seu prazer. “As mulheres estão ficando críticas com o conteúdo pornográfico na internet. Determinadas categorias não chamam a atenção delas”, ressalta Camila Barbosa, mestranda em Filosofia que pesquisa pornografia no Grupo de Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Feminismos da PUCRS. Se as mulheres estão em busca de uma pornografia mais voltada ao seu prazer, nasce a necessidade de atender a demanda por esse conteúdo. Assim, surgiu no gigantesco mercado pornográfico – negócio que movimenta US$ 87 bilhões por ano – uma leva de produtoras que fazem pornô pensando – no sentido comercial – nas mulheres. “Esse crescimento representa a libertação feminina e a busca pelo interesse sexual, mostrando que a mulher tem maior facilidade e interesse em fazer parte dessa dinâmica”, afirma Camila. A pornografia feminista nasceu na busca por igualdade dentro da indústria pornô e na ideia de que as mulheres podem – e querem – aproveitar o sexo e a pornografia tanto quanto os homens. O objetivo é fazer um conteúdo para mulheres produzirem e consumirem pornografia com mais conforto e prazer. A maior mudança no pornô feminista está na “categorização da mulher, e não a objetificação”, como define Camila. Essas produções procuram representar a mulher e o prazer feminino de maneiras diferentes, fora dos padrões da pornografia mainstream. Foi o prêmio Feminist Porn Awards, criado em 2006 pela sex shop canadense Good For Her, que ajudou a tornar o termo “pornografia feminista” mais popular. Antes, o gênero era – e ainda é – confundido com conteúdo lésbico ou com discurso de ódio aos homens. Com os anos, a pornografia feminista foi cres-

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O MUNDO DA PORNOGRAFIA PARA ELAS

MULHERES NA PORNOGRAFIA

cendo e ganhando espaço. Indo para sua décima edição, o FPA tem mais de 50 filmes nomeados e realiza sua noite de gala e conferência com exibição dos filmes todos os anos. Uma das maiores vencedoras do FPA é a diretora e produtora Erika Lust. Sua primeira experiência com a pornografia foi em uma festa do pijama na casa de uma amiga, ainda na sua pré-adolescência. Odiou e sentiu repulsa. Anos mais tarde, ao assistir a outro filme pornô –, desta vez com o namorado –, chegou a uma conclusão: nada tinha mudado. Nascida na Suécia, Erika é formada em Ciência Política pela Universidade de Lund, cidade ao sul da Suécia. Ela é ainda mãe de duas meninas e criadora da LustFilms – uma das principais produtoras de pornô feminista do mundo. “Sempre quis ver uma pornografia que fosse excitante mas também bonita, inteligente e respeitosa. Então eu fui fazê-

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-la”, explica Erika, em entrevista concedida por e-mail à revista Universus. Seu primeiro curta pornô, The Good Girl (A Boa Garota, em tradução livre), de 2004, foi um sucesso e ganhou o Festival de Filmes Eróticos de Barcelona. Em poucos meses, o filme teve quase 2 milhões de downloads – gratuitos. Em 2005, Erika decidiu fazer algo para realmente mudar aquele pornô “sem rostos, sem contexto e sem expressões” que tanto detestava. “Eu quis trazer para as telas algo essencial no sexo, que eu não conseguia ver em outras produção: alegria”, revela. Assim, ela criou a LustFilms, uma produtora de conteúdo adulto feminista. Desde então, ganhou diversos prêmios, lançou quatro filmes, uma série e um site - LustCinema, lançado em 2010. Criado para ser uma alternativa aos sites de pornô mais populares, a página conta com filmes de diferentes direto-

res e conteúdo para todos os gostos. “As mulheres são seres sensíveis e precisavam de algo diferente do que estava por aí”, afirma Erika. Para a sueca, o ambiente virtual mudou a forma das mulheres de produzir e consumir pornografia: “A internet tornou mais seguro para as mulheres saberem o que elas gostam e não gostam”. Seu projeto mais ambicioso é, no entanto, a série XConfessions. A proposta do programa é a seguinte: o público manda suas confissões, a produtora escolhe suas favoritas e as transforma em curtas. Já foram lançados cinco volumes da série – cada um com dez filmes. As histórias são pessoais, com “detalhes que tornam o sexo íntimo e real”, ela explica. “É divertido! Quem tirou a diversão do sexo? Eu quero isso na tela”, ressalta a produtora. Além do conteúdo diferenciado, Erika se orgulha dos bastidores da LustFilms.


A internet tornou mais seguro para as mulheres saberem o que elas gostam e nĂŁo gostam. Erika Lust, fundadora da lustfilms

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O MUNDO DA PORNOGRAFIA PARA ELAS

As boas condições de trabalho, negociações justas e controle rígido de doenças sexualmente transmissíveis são pontos importantes dentro da produtora. As produções são feitas por mulheres e para mulheres. Para Erika, ter mulheres em cargos influentes é igualmente importante na transformação da indústria pornô. “Agora a pornografia está mudando, as mulheres também estão mudando”, destaca.

ENTRE A LIBERTAÇÃO E A OPRESSÃO A pornografia é um tabu. E segue sendo considerada por muitos como algo imoral e inapropriado, principalmente para o público feminino. “Para as mulheres é muito mais difícil assumir que assiste filmes pornôs. Elas ainda ficam taxadas por palavras pejorativas e conotações negativas”, explica Camila. Quando o público feminino consome a pornografia mainstream, os conteúdos apresentam a mulher de maneira objetificada, submissa. Para a pesquisadora, consumir esse tipo de produção acaba “reforçando o estereótipo e financiando conteúdos desse estilo”. Essa é, então, a grande discussão envolvendo o tema: seria a pornografia um mecanismo de libertação ou apenas uma forma de padronizar o comportamento das mulheres? Nos anos 1980, a ex-atriz pornô Linda Boreman, mais conhecida como Linda Lovelace, lançou sua autobiografia relatando que teria sido espancada e estuprada pelo seu então marido, Chuck Traynor, e forçada a gravar filmes adultos, incluindo Garganta Profunda, de 1972. A confissão de Linda recebeu o apoio do movimento Mulheres Contra Pornografia e da escritora e feminista radical Andrea Dworkin. Dworkin foi uma das líderes do movimento Anti-Pornografia, que propunha tratar o material pornô como uma violação dos direitos civis da mulher, nos Estados Unidos, como uma forma de estupro. A ativista

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Para as mulheres, é muito mais difícil assumir que assiste filmes pornôs. Elas ainda ficam taxadas por palavras pejorativas e conotações negativas. Camila Barbosa, pesquisadora em pornografia

Robin Morgan é autora de uma das frases mais usadas nessa discussão: “Pornografia é a teoria; estupro é a prática”. Hoje, o movimento segue com a liderança da Pink Cross Foundation. Criada em 2007 pela ex-atriz pornô Shelley Lubben, a organização sem fins lucrativos oferece apoio financeiro e emocional para trabalhadores da indústria pornográfica e vítimas de tráfico sexual e violência no trabalho. A Pink Cross busca educar o público geral a respeito do pornô ilegal e da perigosa relação entre pornografia e tráfico sexual, além de proteger as mulheres da indústria. Shelley Lubben, conhecida também pelo nome artístico Roxy, saiu da indústria após ser diagnosticada com o vírus HPV e precisar remover metade de seu útero por conta da doença. A Pink Cross Foundation teve papel fundamental na luta do movimento contra a epidemia de doenças sexualmente transmissíveis entre atores e atrizes do ramo. Segundo a organização, 66% dos atores pornôs tem herpes. A expectativa média de vida de uma estrela pornô é de 36,2 anos, ainda segundo a Pink Cross. Em 2012, foi aprovada em Los Angeles, a lei que exige o uso de camisinhas durante as gravações de filmes pornôs. Do outro lado desta discussão estão aqueles que acreditam que a pornografia pode ser uma ferramenta que promove a sexualidade feminina e a libertação sexual da mulher. É o feminismo pró-sexo. No livro XXX: A Woman’s Right to Pornography (O Direito da Mulher à Pornografia, em tradução livre), a escritora e feminista Wendy McElroy, diz: “A censura ou qualquer repressão sexual, inevitavelmente, se volta contra as mulheres, especialmente aquelas que querem questionar seus papeis tradicionais”. Para Erika Lust, o feminismo prósexo está transformando a pornografia com uma nova realidade: “Está trazendo mulheres para a indústria”. O resultado desse crescimento do público feminino no pornô é o fato das mulheres se reconhecerem como “seres humanos


sexuais, livrando-se da culpa”. Para o movimento, mais do que ter mulheres consumindo esse tipo de conteúdo, é preciso uma maior presença feminina dentro da indústria pornográfica. A primeira produtora de filmes especiais para mulheres héteros - a Femme Productions -, foi criada em 1984, pela estrela pornô Candida Royalle. Foi o início de uma geração de diretores feministas como Petra Joy, Anna Span, Carlos Batts e Erika Lust. “Nós estamos criando nossas próprias oportunidades de mudar o que pensamos estar errado com o mundo da pornografia mainstream”, afirma Erika. Esses homens e mulheres acreditam que o prazer feminino merece tanto investimento quanto o prazer masculino. E que, mais do que buscar a libertação sexual feminina, é preciso pensar nas diversidades da sexualidade do ser humano, independente do gênero - feminino, masculino ou trans. “Inclui minorias e diversidade, dois temas que o entretenimento adulto silenciou por muito tempo”, ressalta Erika.

FUTURO INCERTO Na era da internet, a Zil Vídeo sobrevive como pode. “A concorrência, hoje, é com a tecnologia”, afirma Zilberknop. Se antes ele tinha funcionários – um por turno – e recebia celebridades pornôs, hoje ele trabalha sozinho, das 13h às 21h. Por conta disso, não faz mais suas viagens pela Europa, onde conheceu melhor a indústria pornográfica e outras videolocadoras de filmes adultos. Ele se orgulha de ter uma loja exclusiva de filmes, sem precisar vender brinquedos eróticos, cremes ou ter cabines de exibição. “Nesse ramo, o filme é só um detalhe que nem conta”, explica. Para economizar, Zilberknop mantém as luzes de dois andares da Zil sempre apagadas. A conta de luz caiu de R$ 800 nos melhores tempos da locadora para os R$ 300 atuais. Apesar disso, o negócio enfrenta um momento difícil. O nú-

mero de clientes caiu, e até o seu mais fiél frequentador, que antes alugava 40 filmes por semana, agora só aluga um. “Eu perdi porque ele ficou maravilhado com a internet”, desabafa Zilberknop. É difícil concorrer com a pornografia online, ele admite. “O negócio não está bom”, revela o proprietário. O público da Zil Vídeo atualmente é mais específico: colecionadores, turistas e pessoas interessadas por pornografia que vêm de outras cidades para encontrar as raridades da locadora. No entanto, Ziberknop não se preocupa com o futuro. Aliás, ele prefere nem pensar muito nisso. Sua extensa e impressionante coleção de filmes permite que Zilberknop siga vivendo da pornografia. “Eu vou seguin-

do a vida”, resigna-se. Um cliente chega – o primeiro a aparecer em pouco menos de duas horas – para devolver alguns filmes. Zilbernkop brinca: “Viu? Só para vocês verem que eu ainda tenho cliente”. Ele dá um sorriso nervoso e desvia o olhar, envergonhado. O constrangimento com a pornografia, ao que parece, não é exclusividade das mulheres.

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O PODER DOS

SUCOS

FUNCIONAIS ELES PROMETEM TRANSFORMAR A SAÚDE DAS PESSOAS, DESINTOXICAR, EMAGRECER, PREVENIR E CURAR DOENÇAS. MAS SERÁ QUE UM SIMPLES SUCO TEM MESMO TODO ESSE PODER? ESPECIALISTAS EXPLICAM O QUE REALMENTE ACONTECE NO ORGANISMO EM CONTATO COM A MISTURA DE FRUTAS, VERDURAS E HORTALIÇAS. POR LUCILLE SOARES E MICHELLE BERTOTTI IMAGENS PT.FREEIMAGENS.COM

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QUALIDADE DE VIDA

O PODER DOS SUCOS FUNCIONAIS

O

conceito de alimentação funcional surgiu na década de 1980, no Japão. Era uma iniciativa de cientistas do Ministério da Saúde e Bem-Estar do país, que buscavam melhorar a qualidade e o tempo de vida da população adulta. Por meio da pesquisa, surgiu a categoria de alimentos denominada Foods for Specified Health Use (FOSHU). Essa categoria foi conceituada como alimentos projetados e processados para suprir funções relacionadas aos mecanismos de defesa do organismo, controle do ritmo corporal, prevenção e recuperação de doenças. A partir disso, a eficácia da comida funcional passou a ser pesquisada por outros países. Em 1995, o International Life Science Institute (ILSI), organização sem fins lucrativos, com a missão de através da ciência, melhorar a saúde e o bem estar e proteger o meio ambiente, divulgou o conceito de alimentos funcionais que foi reconhecido mundialmente, transcrito a seguir: “Alimentos funcionais são aqueles que melhoram ou afetam a função corporal, além de seu valor nutricional normal”, ou seja, alimentos que, além de seus nutrientes específicos, também ajudam a prevenir doenças.

Desde então, a alimentação funcional tem estado em foco nos países desenvolvidos. Atualmente, há Iniciativas de pesquisa na linha dos alimentos funcionais em diversos países como Estados Unidos, Coréia, Itália e Inglaterra. Os Estados Unidos contam com um programa especifico para saúde, em desenvolvimento na Universidade de Illinois. Cada vez mais tem se difundido a cultura de adquirir uma dieta equilibrada e saudável. Na alimentação funcional, têm sido objetos de destaque os compostos complementares não-nutricionais dos alimentos funcionais. Eles têm sido investigados e associados aos fármacos que poderiam retardar ou minimizar efeitos de doenças. Mesmo sendo ainda claramente vistos como objetos que necessitarão de muita pesquisa, nesta concepção os alimentos funcionais são conhecidos como neutracêuticos, terminologia esta que foi criada nos Estados Unidos em 1989. O terno neutracêuticos é usado pelos cientistas para mostrar o alimento com ação de medicamento, de acordo com a professora e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição Silvia Cozzolino. Essa visão dos alimentos relembra as palavras do pensador grego Hipócrates por volta 400 a.c., “Deixe o alimento ser seu remédio e o remédio seu alimento”.

Na alimentação funcional, têm sido objetos de destaque os compostos complementares não-nutricionais dos alimentos funcionais.

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PROPRIEDADES MEDICINAIS DOS ALIMENTOS Acreditando no poder dos alimentos funcionais, o químico fitologista Lelington Lobo Franco escreveu o livro 100 Sucos com Poderes Medicinais. O livro é resultado de vários anos de pesquisa. As frutas possuem como princípios ativos fitoquímicos, vitaminas e fibras, que ajudam a controlar a prisão de ventre. Consequentemente, eliminam as toxinas do organismo. Os sucos contêm minerais tais como cálcio, ferro, iodo, magnésio e potássio, alcalinizante. Também reduzem a acidez do sangue, tonificam e nutrem o organismo e, associados com verduras e hortaliças, é possível ingerir sucos muito benéficos para a saúde. Mas, se todos os alimentos têm uma função, compreendê-los também é parte de uma dieta saudável.

DICAS PARA APROVEITAR MELHOR SEU SUCO: • Utilize pouca água no preparo para evitar grande diluição dos nutrientes; • Para adoçar, utilize frutas secas, como uva passa ou ameixa preta picada, ou adicione adoçante natural; • Procure ingerir os sucos 30 minutos antes das refeições. Isso ajuda na absorção dos nutrientes; • Consuma no máximo 30 minutos depois de serem preparados, para que não percam suas propriedades nutritivas.

CADA ALIMENTO COM SUA FUNÇÃO A couve que é muito usada em sucos verdes ou detox é anti-inflamatória, cicatrizante, isso acontece por causa da taxa elevada de glicosinolatos. Tem magnésio que é parceiro do cálcio e ajuda a fixa-lo nos ossos. Mantém a pressão arterial sob controle, regula a ação dos hormônios, ajuda a controlar a ação dos músculos, enquanto o cálcio contrai a musculatura o magnésio relaxa. Além disso, o magnésio é fundamental para a transmissão dos neurotransmissores. Sem ele a pessoa se sente mal-humorada e desanimada. Incluir amêndoa nos sucos pode ser muito benéfico, pois seguem do fornecimento de vitaminas essências até o fortalecimento do cérebro. Estudos comprovam que quem consome pelo menos cinco vezes por semana podem reduzir os riscos de um ataque cardíaco em até 50%. Embora, seja rica em gordura, neste caso uma gordura boa, a amêndoa ajuda no processo de emagrecimento. Rica em riboflavina e L-carnitina que induzem o aumento da atividade cerebral, a ponto de reduzir o risco de Alzheimer. Sucos feitos com limão também são boas pedidas, a fruta possui propriedades anti-infecciosa, eficaz contra gripes e resfriados. Auxilia no combate a infecção-urinária. O ácido cítrico encontrado no limão age como adstringente e dissolve gorduras e toxinas do organismo, o que facilita o emagrecimento. Para trazer um sabor doce aos sucos o mamão é uma ótima opção, riquíssimo em vitaminas A, C e do complexo B, é fonte de sais minerais como cálcio, potássio e magnésio. Possui também a papaína, uma enzima que digere proteínas e auxilia na absorção de nutrientes e contribui para o bom funcionamento do aparelho digestivo.

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QUALIDADE DE VIDA

O PODER DOS SUCOS FUNCIONAIS

RECEITAS CÂNCER Uma alimentação rica em frutas e vegetais comprovadamente reduz os riscos de desenvolver a doença, pois estes contêm elementos anticancerígenos naturais. Indica-se ingestão de no mínimo oito tipos de vegetais diferentes por dia. Receita desintoxicante, anticancerígena e vitaminada: • 200g de melancia • 1 maçã sem casca • suco de 1 limão
 • Modo de preparo: bater os ingredientes e tomar gelado.

ASMA E BRONQUITE É causada por pasmos nos músculos que envolvem os brônquios que comprimem a saída do ar contaminado, ocasionando tosses, chiados, falta de ar e disfunções cardíacas. Bronquite é a inflamação dos brônquios ou a obstrução dos canais respiratórios, que podem danificar os pulmões. Suco para asma e bronquite: • Suco de uma laranja
 • 2 ramas de agrião
 • 1⁄2 cenoura
 • 1 colher de sopa de mel de eucalipto para adoçar • 1⁄2 copo de água • Modo de preparo: preparar o suco das laranjas e, em seguida, bata no liquidificador com os outros ingredientes. • Dose recomendada: Três vezes ao dia, entre as refeições.

CÁLCULOS RENAIS As pedras nos rins são formações à base de fosfatos e oxalatos de cálcio e cristais de ácido úrico. Se localizam nos condutos internos dos rins em formas de pequenas pedras. Quando elas se desprendem e obstruem o caminho da urina, na uretra, causam uma dor intensa que pode levar até mesmo ao desmaio. Causas: pode ser em consequência do uso exagerado de leite, água mineralizada, excesso de cálcio na alimentação. As pessoas com cálculos renais devem tomar de dois a três litros de água diariamente. Suco para cálculos renais • 100ml de acerola • 0g de germe de trigo
 • 100ml de babosa
 • 10g de quebra-pedra • Modo de preparo: • Recomendação: fazer o chá por infusão de quebra-pedra (10g para 1 copo de água), misturar com os outros ingredientes e tomar durante o dia.

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Incluir frutas, hortaliças e verduras na dieta, pode sim ser um ótimo agregador medicinal. Mas o químico fitologista, Franco ressalta: os vegetais e as frutas, porém, não são remédios. São apenas alimentos energéticos e nutritivos, que oferecem ao organismo vitaminas e sais minerais para mantê-lo saudável. As informações e procedimentos de doenças não pretendem substituir medicamentos ou consultas médicas. Qualquer tentativa de diagnosticar ou tratar uma enfermidade deve estar sob orientação médica. O professor conta que nos Estados Unidos, foi lançada uma campanha pelo Instituto Nacional do Câncer, chamado “Five for Day”, isto é, cinco por dia, para estimular a população a consumir por dia, cinco espécies diferentes de frutas e hortaliças, principalmente as crucíferas (agrião, couve-flor, brócolis, repolho, couve etc.), que são bloqueadores de câncer. Sozinhos, contudo, esses alimentos podem não ter todo o seu potencial aproveitado. Por isso, é uma boa opção preparar sucos naturais que misturam frutas com legumes ou verduras, pois traz resultados mais efetivos, já que ambos são responsáveis pelo aumento das defesas do organismo. Mas você pode se perguntar por que beber os alimentos misturados? Se po-


demos comê-los na forma de salada ou mesmo individualmente. Acontece que a quantidade de minerais que se pode ingerir numa única dose, num copo de suco, é muito superior à que se comeria num prato de salada ou numa fruta, com isso o corpo absorve 100% das vitaminas e minerais presentes nos alimentos.

O PODER DAS MISTURAS Para quem sofre de doenças cardiovasculares, diabetes e câncer sucos com amêndoas, amora, limão, maçã, mamão, pêssego e uva podem auxiliar nesse sentido. Outra boa mistura é a de brócolis, couve, cenoura e maçã, ingredientes que juntos auxiliam a ingestão e absorção de cálcio, importante para pessoas que não costumam ou não podem consumir leite. Para os atletas que precisam recuperar as reservas de potássio após grande esforço físico, um suco a base de laranja, melão, cenoura e banana é a fórmula ideal. Essa mistura também ajuda a restabelecer o organismo de quem sofre de diarreia ou ingere diuréticos. Combinar salsa, pimentão vermelho, brócolis e cenoura são importantes para aumentar as reservas de ferro no organismo. Sucos que misturam folhas verdes são

ricos em clorofila e fibras, e ativam o sistema digestivo. Além de limpar o sangue e ajudar no combate à prisão de ventre. Adicionar limão e uma fruta doce, como maçã, manga, mamão ou caqui, proporciona uma melhor fixação de ferro. Se você está passando por um período de estresse, uma boa receita calmante é a mistura de cenoura, maçã e alface. E para quem está precisando aumentar a imunidade, um bom suco de maçã, laranja, manjericão e limão, podem trazer a melhora das defesas do organismo. As misturas de mais sucesso nos dias de hoje são as que prometem diluir aqueles quilinhos a mais tão indesejados. Ótimos aliados ao emagrecimento e que ajudam a fazer uma faxina no intestino, são os alimentos antioxidantes e diuréticos. Um suco com abacaxi, hortelã e couve, promove a limpeza do organismo e ajuda a emagrecer.

Incluir frutas, hortaliças e verduras na dieta, pode sim ser um ótimo agregador medicinal.

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O ESPORTE QUE MAIS CRESCE NO BRASIL TEM VÁRIAS DIFICULDADES PARA DECOLAR. A PRINCIPAL DELAS, CONTUDO, AINDA É FINANCEIRA. POR PAULO MENDES E GUILHERME BARNI FOTOS NAIAM MENEGHETTI E HENRIQUE BREGÃO

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FUTEBOL AMERICANO, DIFICULDADES BRASILEIRAS

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MADE IN BRAZIL

FUTEBOL AMERICANO, DIFICULDADES BRASILEIRAS

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Treinamento do time “nopad`s” Porto Alegre Warriors

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Brasil já é o terceiro país no mundo com mais fãs de futebol americano, conforme a pesquisa divulgada no jornal inglês Independent. Já são mais de 120 equipes de diversas categorias no país do futebol jogado com os pés, além da própria seleção brasileira de futebol americano – o Brasil Onças. No entanto, a popularização do esporte não tornou mais simples a vida de quem decidiu apostar no futebol americano como opção de carreira no Brasil. Começar uma equipe do zero, apenas na força de vontade, é a luta de vários amantes do esporte nascido nos Estados Unidos – especialmente quando o foco do país é uma outra modalidade de futebol. O Porto Alegre Warriors é um dos exemplos. A equipe, formada na metade de 2015 na Capital, enfrenta dificuldades para se estruturar economicamente e recrutar jogadores. Porto Alegre Warriors, time nopad da capital criado no meio do ano, procura formas para que isso aconteça – como, por exemplo, achar patrocinadores. Porém, existe problema até na própria solução: “Achar” é difícil. “Vejo que falta

investimento de patrocinadores, gente ou empresas que se interessem em arriscar, além de mais estudo da comissão técnica e da direção do time”, lamenta Matheus Felipe Costa, diretor dos Warriors. Por mais que o esporte esteja em ascensão no país, verbas publicitárias no esporte gaúcho são voltadas ao futebol tradicional, praticado com a bola redonda. Contudo, não é impossível achar patrocinadores para auxiliar no crescimento dos clubes e do esporte. “Aos poucos, à medida que a marca se estabelece, a diretoria tem mais argumentos para convencer os potenciais patrocinadores de que investir no futebol americano pode ser rentável para todo mundo”, conclui Wendell Ferreira, diretor de relações públicas do Porto Alegre Crows.

CATEGORIAS NO ESPORTE Há três modalidades de futebol americano praticadas no Brasil. Na principal, FullPads, a equipe possui todo o equipamento necessário, como capacete e shoulder pad (proteção de peito e ombros) igual aos usados na NFL (National Football League). A modalidade Flag,


Jogo entre Porto Alegre Crows e Porto Alegre Gorillas pelo nopad

em que não há equipamentos, consiste apenas em fitas amarradas na cintura dos jogadores. Na prática, o adversário tem que arrancá-las para parar o jogador. Dessa forma, não há o contato físico bruto como no caso dos FullPads. Além dessas, há a categoria NoPads onde existe contato físico, porém sem o equipamento. A categoria NoPads, na maioria dos times, é um tempo de transição para o FullPads. No Rio Grande do Sul, há oito equipes FullPads: Porto Alegre Pumpkins, Restinga RedSkulls, Bulls FA, Santa Cruz Chacais, Santa Maria Soldiers, Juventude FA, Bento Gonçalves Snakes e São Leopoldo Mustangs – todas filiadas à Federação Gaúcha de Futebol Americano (FGFA). Além desses, existem oito times na modalidade NoPads: Porto Alegre Crows, Porto Alegre Warriors, Porto Alegre Gorillas, Canoas Jaguars, Viamão Raptors, Tapejara Drangons, Carlos Barbosa Ximangos e Pelotas Ants. Como se percebe, a inspiração dos americanos não se reflete só na prática do esporte – mas também na hora de escolher a identificação das equipes. Se cada jogador comprar seu próprio equipamento (capacete e shoulder), desembolsará, no mínimo, R$ 1.300,00. Em

A maioria dos times que hoje jogam Full Pad, começaram sem equipamentos. Como ex-atleta e dirigente, reconheço a importância desse início para o desenvolvimento do esporte até aqui.

pesquisa rápida em um dos principais sites de compras de matérias de futebol americano, a KGSports, verifica-se que o capacete mais barato saí ao preço de R$ 723. A proteção de peito e ombro custa R$ 517.

DIVIDINDO AS BOLAS O dinheiro no esporte é um divisor de águas e difere uma categoria da outra: com ou sem equipamento. Normalmente, uma equipe de futebol americano tem, em média, 40 jogadores, o que totaliza, só em equipamentos básicos, mais de R$ 50 mil. Ainda há o material de treino, além de gastos com viagens, alimentação e hospedagem. A Federação Gaúcha (FGFA) não auxilia os times em questões financeiras. Porém, ajuda em questões burocráticas – como a inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), por exemplo. Em organizações de campeonatos no Rio Grande do Sul, apenas duas modalidades entram. “A FGFA cumpre o que estabelece a Confederação Brasileira de Futebol Americano (CBFA), que prevê o Flag e o FullPads como modalidades permitidas em seu estatuto”, explica o presidente da FGFA, Jeferson Mendes.

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MADE IN BRAZIL

FUTEBOL AMERICANO, DIFICULDADES BRASILEIRAS

Os nopads acabam ficando jogados para a escanteio – ou para “sideline”, no jargão do esporte. “A maioria dos times que hoje jogam Full Pad começaram sem equipamentos. Como ex-atleta e dirigente, reconheço a importância desse início para o desenvolvimento do esporte até aqui”, ressalta Jeferson. As equipes que jogam nopad normalmente usam a categoria como uma transição até conseguirem comprar os equipamentos. Muitas vezes os times são formados por pessoas que possuem o conhecimento sobre o futebol americano, que convidam leigos para iniciá-los no assunto. Logo, não é viável que, no início, seja desembolsado mais de um salário mínimo para poder jogar. Então, a modalidade funciona como isca.

NÃO BASTA TER, TEM QUE SABER... Não basta se equipar: é preciso haver um trabalho de planejamento – não só financeiro, mas também esportivo. De nada adianta juntar o dinheiro para comprar o material e sair jogando logo de cara com essas equipes que já dominam o jogo. “O Crows considera mais importante se estabelecer como time primeiro para depois dar o próximo passo. Equipar-se é consequência do trabalho, não causa”, alerta Ferreira, do Porto Alegre Crows. O economista Paulo Antonio Barni destaca: “Fatores como o crescimento do número de assinantes de TV fechada, que subiu de 4,7 milhões em 2006 para, aproximadamente, 20 milhões em 2015, abrem espaço para mais pessoas acompanharem a NFL”. A ESPN, principal detentora dos direitos de transmissão da liga, informa que a audiência cresceu 800% nos últimos três anos. Isso sem falar que a NFL passou a ser transmitida pela TV aberta, pelo Esporte Interativo, o que contribui ainda mais para popularização do esporte no Brasil. Paulo Barni ainda afirma que, em 2015, a participação de um brasileiro

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na NFL é fator importantíssimo para popularização desse esporte no Brasil. Cairo Santos se tornou o primeiro jogador brasileiro a atuar em uma partida de temporada regular na maior liga do mundo, jogando pelo Kansas City Chiefs. “Os fatores referidos são quesitos importantes para popularização desse esporte no Brasil e imprescindíveis para prospecção de recursos dos patrocinadores – pois para movimentar esse esporte há que se levantar as verbas necessárias para sua profissionalização”, destaca o economista. Mesmo no futebol americano, é possível dar o famoso “jeitinho brasileiro”. Uma saída que os jogadores aqui do Brasil encontram é comprar material usado em grupos de compra e venda de equipamentos no Facebook. Além de materiais usados, têm pessoas que conseguem materiais novos, além de lojas que divulgam seu produto. O atleta do Porto Alegre Crows, Wendell Ferreira, disse que é muito importante a compra de equipamentos nos grupos no Facebook. “Com essa aproximação das pessoas, graças às redes sociais, fica mais fácil de conseguir equipamentos de qualidade por preços mais acessíveis”, afirma.


Aos poucos, Ă medida que a marca se estabelece, a diretoria tem mais argumentos para convencer os potenciais patrocinadores de que investir no futebol americano pode ser rentĂĄvel para todo mundo.

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O CAMINHO DOS QUE

QUASE CHEGARAM LÁ POR GICELE KREIBICH, KATIUSCIA COUTO E NICOLLE LENUZZA FOTOS SOGIPA / ARQUIVO PESSOAL ROCHELE NUNES

EMBORA AS OLIMPÍADAS ACONTEÇAM A CADA QUATRO ANOS, OS COMPETIDORES NÃO TIRAM FOLGA PARA GARANTIR A CLASSIFICAÇÃO. E, MESMO ESTANDO ENTRE OS MELHORES, NÃO HÁ GARANTIA DE QUE O SONHO SERÁ REALIZADO. 64# UNIVERSUS _ 2 _ 2015


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SONHO OLÍMPICO O CAMINHO DOS QUE QUASE CHEGARAM LÁ

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epois da Copa de 2014, que foi sediada no brasil, os olhos dos brasileiros se voltaram aos Jogos Olímpicos. Desta vez, com um pouco mais de interesse do que das outras. Isso se deve ao fato de que em 2016 os jogos serão bem aqui, mais precisamente no Rio de Janeiro. Será a primeira vez que nosso país sediará o evento. Para quem está totalmente por fora, as Olimpíadas acontecem de quatro em quatro anos e atletas de centenas de países se reúnem em um único lugar para disputarem diversas modalidades esportivas. Em 2500 a.C., os gregos já faziam competições para homenagear os deuses, em especial Zeus. Assim foi o nascimento dos Jogos Olímpicos. Em 776 a. C., de forma organizada, os atletas de várias cidades-estados se reuniram em Olímpia para competir nas modalidades de atletismo, boxe e pentatlo. Já na Era Moderna, por volta de 1896, novas categorias foram adicionadas nas Olimpíadas. Esgrima, ginástica, natação e tênis passaram a fazer parte dos esportes praticados na competição, mas foi apenas no ano de 1964 que o judô

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entrou em cena. Atualmente, o esporte é motivo de grande alegria para o Brasil, que revela cada vez mais judocas competentes que disputam diversos torneios mundiais, além dos Jogos Olímpicos. O Brasil participou pela primeira vez de uma Olimpíada em 3 de agosto de 1920, quando o atleta de tiro esportivo, Guilherme Paraense ganhou medalha de ouro na categoria. Ele também foi medalha de bronze por equipe na prova de pistola livre. Guilherme morreu aos 83 anos, em 18 de abril de 1968, no Rio de Janeiro, mas na Europa que era mais conhecido. O polígono de tiro da Academia Militar da Agulhas Negras, em Resende, leva, em sua homenagem, seu nome. Já no judô, o primeiro brasileiro a ganhar medalha de ouro foi Aurélio Miguel, há 27 anos, na categoria meio pesado em Seul.

TRADIÇÃO NO JUDÔ Serão disputados 42 esportes nas Olimpíadas de 2016, entre elas estão atletismo, basquete, esgrima, ginástica artística, boxe e judô. O Brasil terá atletas competindo em quase todas as modalidades. É claro que o Rio Grande do Sul não poderia ficar de fora deste evento, com clubes de muita tradição em diversos esportes e atletas que conseguiram se classificar muito bem. Como é o caso da campeã mundial de judô e já medalhista olímpica, Mayra Aguiar, que treina na Sociedade de Ginástica Porto Alegre (Sogipa). E é onde treinava o medalhista olímpico e hoje deputado federal, João Derly. No entanto, a participação nos Jogos Olímpicos não é uma prerrogativa de todos. Pelo contrário: a classificação exige muito treino e dedicação. Para entrar nas Olimpíadas é preciso participar de diversas eliminatórias. São em torno de 400 vagas, divididas por 15 provas. São divididas através das Copas Mundiais, Campeonato Mundial, Campeonato das Américas e Jogos Continentais. No caso


Alguns vizinhos que ganhavam passagem de ônibus do trabalho nos davam elas para que eu pudesse ir treinar. Rochele Nunes, atleta Rochele Nunes preferiu trocar a saia do ballet por uma carreira no judô

do Brasil, os Jogos Pan-Americanos. A pequena garotinha que vestia uma saia de tule e dançava delicadamente os passos do ballet. Mas, mesmo jovem, sabia que o queria mesmo era usar um quimono e pisar no tatame. A lutadora Rochele Nunes nasceu em Pelotas e foi criada em Canoas, mas hoje, devido a sua rotina no judô, vive em Porto Alegre. Aos 26 anos, conquistou medalhas, subiu ao pódio e acumulou experiências. Seu sonho de representar o Brasil nas Olimpíadas, no entanto, terá de ser adiado.

A vontade de lutar começou quando acompanha as lutas do irmão, Renan Nunes. Entre uma luta e outra, Rochele ia conhecendo mais o esporte e seu interesse em fazer parte daquilo crescia. Porém, suas vontade não foram atendidas de imediato. Pisar em um tatame não era exatamente o que sua mãe queria, “no inicio ela achava que era coisa de menino”, conta Rochele. Mas não demorou muito para aceitar o desejo da filha. Com apenas 10 anos, as primeiras dificuldades apareceram. Classificada para

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um campeonato infanto-juvenil na cidade de Manaus (AM), porém sem condições de bancar os custos da viagem, a família foi criativa na hora de arranjar uma solução. “Meus pais organizaram um galeto para os meu vizinhos para poder pagar minha primeira viagem”, lembra a atleta. Alguns frangos assados, saladas e um almoço que contentou a todos, o dinheiro necessário foi conquistado. Em Manaus, Rochele fez por merecer e trouxe consigo a medalha de bronze. Para chegar aos treinos não faltou determinação. Mais amigos e vizinho da família que apostavam na pequena atleta ajudavam sempre que conseguiam. “Alguns vizinhos que ganhavam passagem de ônibus do trabalho nos davam os tickets para que eu pudesse ir treinar”, conta. E quando as coisas ficam ainda mais difíceis, seu treinador também ajudava a pequena a alcançar seus objetivos. “Ele também tirava do próprio bolso pra me ajudar e para que

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eu pudesse competir.” Quando tinha 15 anos estava na Bolívia. Participava de um campeonato sul- americano e ali conquistou o ouro. No pódio, ao ouvir o hino nacional brasileiro, além de se emocionar e deixar as lágrimas tomarem conta de seu rosto, soube que era isso que queria para a vida. Ser esportista, lutar judô.

O PARAÍSO DO ATLETISMO DE PONTA Além do judô, a Sogipa também revela atletas de outros esportes. É o caso de Pedro Burmann e Anderson Henriques, ambos do atletismo. Os dois têm a mesma idade, chegaram a Porto Alegre juntos, serviram ao Exército na mesma tropa e correm a mesma prova. Antes disso, quase três mil quilômetros os separavam. Os dois atletas tiveram um início um pouco tardio no esporte, com 14 anos, algo pouco comum entre atletas de

Rochele já conquistou diversas medalhas, mas sua estante ainda aguarda a das Olimpiadas


alto desempenho. Ambos começaram a praticar apenas por diversão em suas escolas, mas logo viram que poderia virar bem mais do que isso. Ao longo do primeiro ano treinando juntos, os dois acabaram criando uma amizade que ia além das pistas. Essa boa relação ajudou ambos a se adaptarem rapidamente ao clube. Os dois treinavam sob o comando do técnico Leonardo Ribas. Com o bom clima e a parceria dando certo, Anderson atingiu a 4º posição no Troféu Brasil e chegou a 10º colocação no ranking mundial juvenil. Tudo isso ao final do primeiro ano. Em 2011, foram servir no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de Porto Alegre (CPOR). O serviço militar não atrapalhou o desempenho atlético deles. Pedro Burmann foi campeão sub23 e sul-americano juvenil, enquanto Anderson conseguiu seu primeiro título do Troféu Brasil. A partir daí, a vida dos dois passou a ficar cada vez mais agitada. e Precisaram começar a ter a rotina como os melhores atletas mundiais, treinando de segunda a sábado. Eles precisaram abrir mão das atividades comuns para jovens da idade deles. “Não tem problema abrir mão das coisas. Tenho um foco muito grande em conquistar uma medalha olímpica e ser campeão mundial, então os pequenos prazeres podem esperar”, explica Anderson. Pedro também pensa parecido com o amigo: “Não acho que abro mão das coisas. Sou um cara caseiro, consigo comer de tudo dentro do permitido e sonegar essas atividades não é nada se comparado ao sonho de ser campeão olímpico”. Infelizmente, o sonho deles de serem medalhistas olímpicos vai ter de ser adiado um pouco mais, pois apesar dos ótimos desempenhos, eles não conseguiram a classificação para as Olimpíadas de 2016 aqui no Brasil. Eles perderam nas últimas provas classificatórias. Apesar disso, em maio Pedro Burmann ajudou a equipe brasileira dos 4x400 metros no primeiro Campeonato Mun-

dial de Revezamento, nas Bahamas, onde o Brasil garantiu a classificação para os Jogos Olímpicos de 2016. Anderson Henriques não competiu, pois sentiu uma pequena lesão na véspera da competição. Mesmo assim, o treino continua e eles sonham com a chance de competir nas Olimpíadas de 2020. Aproveitando esses mais de quatro anos para treinar ainda mais duro do que antes.

O INÍCIO EM CAÇAPAVA

A atleta treina cinco horas podia e não pretende descansar até alcançar o objetivo: as Olimpíadas

Anderson Henriques nasceu em Caçapava do Sul, pequena cidade do Sudeste do Rio Grande do Sul. Estudava em uma escola estadual, onde começou a correr, por achar a prática divertida. Passou a participar de algumas competições no ano de 2006, chamando a atenção de treinadores de uma escola agrícola que investia no esporte. Naquele mesmo ano, passou a fazer parte da equipe de revezamento do clube. “Eu competia por prazer, achava legal. Mas na verdade eu não ganhava sempre, eu ficava muito nervoso”, conta Anderson.

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Até 2009, o atleta competiu em provas escolares de sua cidade, foi quando se tornou campeão estadual. Esse sucesso despertou o interesse de duas tradicionais instituições gaúchas, a Unisc, de Santa Cruz do Sul, e a Sogipa. Foi quando acabou optando pelo segundo. “Meus pais me apoiaram para vir para Porto Alegre, pois ficaria mais perto do restante da minha família. Já o meu antigo treinador elogiou muito a tradição e a infraestrutura do clube. Assim, ficou mais fácil me decidir”, afirma.

Não tem problema abrir mão das coisas. Tenho um foco muito grande em conquistar uma medalha olímpica e ser campeão mundial, então os pequenos prazeres podem esperar. Andersons Henriques, atleta

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LONGE DE CASA, EM TRÊS DE MAIO O mato-grossense Pedro Burmann começou a correr aos 16 anos, longe

de casa. Era bolsista na Escola Técnica Setrem, no município de Três de Maio, também no Rio Grande do Sul. Desde esta época, tinha algum destaque nas competições que participava. Por esse motivo, a Unasi, uma escola da Rede Sinodal de Educação, o viu e convidou para treinar lá. “Eu gostava de correr, as nossas aulas eram em turno integral, então era uma atividade divertida que eu tinha. Mas não via aquilo como um projeto futuro na minha vida”, lembra Burmann. Quando seus resultados eram muito bons, em 2009, Pedro foi aconselhado pelo seu técnico a se transferir para a Sogipa, dizendo que ele teria futuro no esporte. Então o atleta resolveu seguir a dica e se transferiu para o clube em


fevereiro de 2010. O mesmo ano que Anderson.

META: 2020 A gaúcha Rochele Nunes já participou das mais diversas competições: conquistou o ouro no Campeonato Brasileiro sênior em 2008; foi bronze na Copa do Mundo de Belo Horizonte em 2009; e conquistou a medalha de Bronze no Grand Slam do Rio de Janeiro de 2011. Mas Rochele ainda não realizou seu desejo se representar o Brasil em uma Olimpíadas. No entanto, sabe que para isso precisa mudar alguns hábitos e se dedicar mais a outros. “Não posso ficar numa zona de conforto”, reflete a atleta, que planeja se dedicar mais aos trei-

nos, além de procurar se diferenciar dos outros competidores. Hoje, duas vezes por dia Rochele vai para o tatame aperfeiçoar suas técnicas e treinar sem medir esforços. Totalizando uma média de quatro horas entre treinos técnicos e físicos. E claro, os finais de semana não possui folga, nos sábados a rotina continua pesada. Na sua atual rotina de treinos. A alimentação, que sempre foi um problema por pertencer a categoria de pesos pesados, é restrita. “Tive que abrir mão de todas as besteiras que eu comi, e isso me fez crescer muito”, conta Rochele, que não se arrepende de abrir mão da sua pizza predileta por uma chance de ser uma atleta melhor. Como a meta de classificação no ano

de 2016, aqui no Brasil, não foi alcançada, o jeito é treinar duro e focar as Olimpíadas que ocorrerão em 2020. Agora parece que está muito distante, mas para um atleta que precisa alcançar rendimentos altíssimos e títulos importantes, não é algo que esteja tão longe assim. Em 2013 foi escolhido que os Jogos Olímpicos de 2020 serão realizados em Tóquio, no Japão. Até lá os brasileiros e, principalmente, os gaúchos vão torcendo e acompanhando por nossos atletas.

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HÁ VIDA PARA O CINEMA DE RUA? FORMATO HISTÓRICO, O 35 MM É EXIBIDO EM QUATRO CINEMAS TRADICIONAIS DE PORTO ALEGRE, QUE CORREM O RISCO DE FECHAREM SUAS PORTAS POR FALTA DE RECURSOS PARA EXIBIÇÃO DE FILMES EM PROJEÇÃO DIGITAL POR MARIANA JEREMIAS E THUANE LIESENFELD FOTOS THUANE LIESENFELD

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CULTURA HÁ VIDA PARA O CINEMA DE RUA?

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uem não se lembra da estreia do filme Titanic no cinema? O ano era 1998, e a película, que tinha 3h14min de duração. Causou furor por haver um intervalo na projeção para a troca do rolo de filme, o famoso 35mm. Entretanto, desde o ano passado, quando a Paramount Pictures anunciou que não produziria mais filmes nesse formato, histórias como esta não poderão mais ser contadas. As justificativas para a transição do 35mm para o digital são o baixo custo, a versatilidade de edição e a facilidade de transporte. Embora isso proporcione economia para os estúdios, o mesmo não se aplica aos cinemas. Pelo alto valor dos equipamentos, a aquisição de projetores de

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cinema digital é uma exclusividade dos grandes cinemas. Por essa razão, os cinemas de rua, que operam com maior parte dos equipamentos em 35mm e são mantidos com recursos públicos, estão ameaçados de extinção. Não é de hoje que os cinemas, de uma forma geral, vêm perdendo espaço. Segundo a pesquisa “O mercado do cinema no Brasil”, feita pelos pesquisadores Fábio Sá Erp e Helena Sroulevich, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), este fenômeno acontece mundialmente desde 1970. Nessa época, outras formas de entretenimento, como a televisão, chegaram ao mercado, fazendo com que a população frequentasse menos os espaços dedicados para a exibição de filmes. Hoje, com a criação de aplicativos e


sites que facilitam o acesso a clássicos do cinema e demais películas, a situação está mais grave e somente as grandes redes de cinema sobrevivem. O avanço da tecnologia aliado a falta de interesse dos administradores públicos corroboram para que os cinemas de rua fechem suas portas, levando uma importante parte da história com eles. Em Porto Alegre, a situação não e diferente, embora seja uma das capitais brasileiras com mais cinemas de rua. Há quatro espaços de cinema dedicados à exibição de filmes em 35mm: Cinemateca Paulo Amorim, P.F. Gastal, Cinemateca Capitólio e Cine Santander Cultural. Entretanto, a baixa média de frequentadores destes locais – cerca de 200 pessoas por dia nos quatro cinemas – e o alto custo de manutenção das salas de cinema podem fazer com que, em breve, sejam fechados. Entretanto, para a diretora do Instituo Estadual do Cinema (Iecine), Liége Nardi, os cinemas de rua são dignos de visita, porque se mantém com esforço e dedicação dos funcionários que lá trabalha. “Esses cinemas têm um valor his-

Esses cinemas têm um valor histórico e procuram se manter para que a tradição não se perca. Liége Nardi, diretora do Instituo Estadual do Cinema (Iecine)

tórico e procuram se manter para que a tradição não se perca”, diz Liége. Apesar de estarem em menor número em relação aos cinemas de shopping, segundo dados do Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual da Ancine, cerca de 14% das quase 2.500 salas brasileira são consideradas cinemas de rua. Ainda que a liderança no ranking de exibições e público no Brasil seja da multinacional norte-americana, Cinemark, “não se deve desistir da luta em prol da permanência dos cinemas de rua. Afinal, eles enriquecem a história do cinema brasileiro”, alerta Liege.

A TECNOLOGIA CONTRA A RUA O cinema Vitória teve uma trajetória lamentável: sucesso desde os anos de 1940 e fechado em 2014 devido a falta de renda para digitalizar as salas de exibição. O temor pela igualdade paira sobre os outros cinemas tradicionais que ainda se localizam pelas ruelas da capital gaúcha. Ainda que tenham um público admirador e fiel semanalmente, a bilheteria tende a permanecer igual ou

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CULTURA HÁ VIDA PARA O CINEMA DE RUA?

baixa, e não facilita a adoção de métodos que operem em DCP (Digital Cinema Package). O cinemateca Capitólio e o P.F. Gastal, administrados e programados por Leonardo Bomfim, sobrevivem graças ao patrocínio da Secretaria da Cultura de Porto Alegre, por meio do orçamento anual da Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia. Leonardo confessa que os cinemas só continuam existindo por causa dessa ajuda financeira doada pelo órgão público. Não fosse dessa maneira, provavelmente ambos já teriam fechado pela falta de renda vindo da bilheteria e a dificuldade de filmes no formato antigo. Não é só nessas casas que a preocupação dos administradores permanece. No Cine Santander Cultural, por exemplo, Luciana Tomasi, programadora do cinema, acredita que, sem a ajuda que o banco Santander dá mensalmente, não existiriam tantas amostras interessantes e tantos eventos importantes promovidos pelo espaço. Mesmo com viés de atrair o público a conhecer novas culturas, a renda é baixa, o que impediria a permanência do Cine Santander se dependesse da renda da bilheteria. A dificuldade e resistência árdua é um exemplo de sustento e medo para os cinemas alternativos. O interesse das pessoas pela sétima arte tem diminuído com o tempo. Nem dá mais para se comparar com o glamour que era a exibição em tela plana na década de 1900, quando a população da capital aguardava ansiosamente pela noite de sábado para vestir sua melhor roupa e ir assistir filmes como As Damas do Bosque Boulogne (1945), A Dança Serpentina (1896) ou A Chegada de Um Trem de Passageiros (1896). Para Liege Nardi, do Iecine, a extinção das cópias em 35mm é uma consequência da evolução tecnológica. Porém, ain-

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da se segundo ela, a qualidade da imagem do filme digital não tão boa quanto a do 35mm. “A qualidade da imagem digital ainda está defasada, não alcançou a qualidade do 35mm”, ressalta. Mesmo que ainda haja muitos que se interessam pelas diversas artes e procurem centros culturais para turismo, quando se visita a Casa de Cultura Mario Quintana, por exemplo, tende-se a passar reto pela bilheteria da Cinemateca Paulo Amorim - mesmo localizada na primeira porta aberta quando se entra no prédio. Diferentemente dos outros cinemas tradicionais sustentados por patrocínios de órgãos públicos, a Cinemateca Paulo Amorim depende somente da bilheteria, além de uma ajuda decusto de R$ 17 mil do Banrisul (que sustenta a CCMQ). Mesmo com a soma, o total adquirido pela bilheteria e a ajuda de custo quase não conseguem pagar as distribuidoras e os sete funcionários dependentes do serviço do cine, muito menos digitalizar as salas de exibição. Mônica Kanitz é programadora da Cinemateca Paulo Amorim e deixa claro que sua maior preocupação é não ter mais opções de filmes para manter o cinema ativo. Ela afirma que não consegue mais títulos em 35mm, apesar de a Cinemateca ter mais de quatro aparelhos no formato. O sustento da Paulo Amorim se mantém na exibição em Blu-Ray, um método mais barato do que o digital - mas não mais eficiente. Segundo Mônica Kanitz: de todos os filmes lançados no Brasil (são mais de mil por ano), 56% deles pertencem a esse universo de filmes de arte. No entanto, só 4% das sala exibem esses filmes. “Olha o nicho que temos aqui e temos um baita espaço para exibição alternativa, só que esses filmes são lançados em formato digital e não temos recursos para a digitalização. Só saímos perdendo”, lamenta a programadora.


ÚLTIMO

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furo”, no ula “Tudo por um Pictures foi a pelíc t ou m para trara do Pa ida la nv pe iado que é co do em 35mm rc ça ivo lan -d e m cé film re o im em últ bilheteria, de um hom grande sucesso de e conta a história um film o O . sid a 13 20 nh te de o al nã fin a. Embora . ra de uma emissor a era nos cinemas o balhar como ânco marca o fim de um is po , igido pelo premiad ria tó dir ”, his et da re ra St ide all ns W co de r se bo de Lo po rado um a película acima lançou o “O e pode ser conside produtora citada no elenco. Este film io ida em pr uz No mesmo ano, a Ca od Di pr do r ar se a película a nta com Leon eir co im e pr qu a i e fo se is se po or Martin Sc a cinematográfica, tempo da indústri marco na linha do formato digital.

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CULTURA HÁ VIDA PARA O CINEMA DE RUA?

OS ÓRFÃOS DO 35 MM Manter a cultura do cinema de rua viva, tão tradicional em outra época, não é importante somente por uma questão histórica e também em função dos admiradores desta arte. Existem pessoas e famílias que dependem da existência deste locais para seu sustento. Uma delas é Madalena Luiza John, de 55 anos, 22 deles dedicados à bilheteria da Cinemateca. Apaixonada por cinema, ela firma, emocionada, que não tem coragem de trabalhar em outro lugar. “Esse cinema tem história, não o vejo fechando. As pessoas que vêm aqui, todos gostam do lugar, da casa, da programação – é um espaço lindo”, confessa Madalena. “Tenho amigos que dizem que quando chegam à Cinemateca se sentem em casa, como se fosse um refúgio no meio do Centro de Porto Alegre. Eu me sinto assim também.” Não só aqueles que trabalham diretamente com estes cinemas serão prejudicados. Manoela Costa, por exemplo, declara que vai somente em cinemas alternativos, pois não se atrai nenhum pouco pelos cinemas comerciais. Aos seus 24 anos, defende que os filmes

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com viés mais cult, que geralmente são transmitidos apenas nos cinemas de rua, são os melhores filmes para se tirar conhecimentos amplos e entrar de vez na imaginação. “Os filmes alternativos fazem parte da minha vida, desde muito nova, quando minha mãe me levava para conhecer os cinemas de rua, me apaixonava pelos longas. Meu vínculo é muito pessoal com estes espaços”, declara ela. Além disso, não só Manoela frequenta semanalmente os espaços e os conhece por completo. Vários outros jovens, estudantes e moradores – do centro da cidade, por exemplo – gostam de frequentar estes espaços por se sentirem mais aconchegados e familiarizados com os filmes, a cultura e as pessoas que trabalham no local. Por ser um espaço mais familiarizado e próximo do público que os cinemas de rua ganham em questão de admiração e atendimento. “Eu não me imagino não podendo fazer o que eu mais gosto – ver filmes. Se estes espaços terminarem, de alguma forma, não me sinto motivada a continuar acompanhando os lançamentos dos cinemas de shopping”, confessa Manoela Costa. Mesmo que não seja a bilheteria que sustenta as exibições, que não tenha recursos para digitalizar as salas, ainda que os filmes fiquem escassos ou os cinemas de rua percam cada vez mais o seu espaço na cultura da capital, a movimentação do público incentiva os administradores a lutarem pela permanência destes espaços, relata Mônica Kanitz que é programadora da Cinemateca Paulo Amorim. O medo da extinção continuará batendo na porta. Com o tempo, as distribuidoras podem mudar de ideia e digitalizar todos os filmes por causa da concorrência, prejudicando assim quem ainda depende do Blu-Ray. Pode ser tantas coisas e o que resta, para aqueles que amam a sétima arte de raiz, é continuar acreditando e apostando nestes lugares, opina ela.


Eu não me imagino não podendo fazer o que eu mais gosto - ver filmes. Se estes espaços terminarem, de alguma forma, não me sinto motivada a continuar acompanhando os lançamentos dos cinemas de shopping. Manoela Costa

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FLORES ESPAÇO VILA

CRIATIVO QUEM PASSA PELO PRÉDIO DISCRETO DE ESQUINA ENTRE AS RUAS SÃO CARLOS E HOFFMANN NÃO IMAGINA QUE O LOCAL HOSPEDA UM CONJUNTO DE ARTISTAS E É UM COMPLEXO DE ECONOMIA CRIATIVA. POR MARIANA SILVEIRA TRIPOLI E JORDANA PASTRO FOTOS MARIANA TRIPOLI

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cultura#81

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CULTURA VILA FLORES ESPAÇO CRIATIVO

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Vila Flores fica localizado no bairro Floresta de Porto Alegre, conhecido também como 4º distrito. Os prédios atualmente estão alugados para 22 coletivos, entre eles um teatro de bonecos, estúdio para artes visuais, dança e fotografia, escritório de arquitetura, brechó social e oficina para bicicletas. Essas atividades acontecem no projeto Vila Flores, que foi uma ideia da família Wallig e está aberto ao público desde o final de 2012.

As edificações são parte do Inventário do Patrimônio Cultural de Bens Imóveis do Bairro Floresta, inseridas em área de interesse cultural da cidade e listadas como imóvel de estruturação.

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O projeto arquitetônico do complexo foi idealizado pelo engenheiro-arquiteto José Franz Seraph Lutzenberger, pai do ambientalista Jose Lutzemberger – embora não tenha sido executado pelo alemão. Sua construção permeia os anos de 1925 e 1928 e é formado por dois prédios de três pavimentos cada, um galpão e um pátio interno. Conta com 2.332 m² construídos em um terreno de 1.415 m². As edificações são parte do Inventário do Patrimônio Cultural de Bens Imóveis do Bairro Floresta, inseridas em área de interesse cultural da cidade e listadas como imóvel de estruturação. O projeto foi construído pela multinacional Dyckerhoff & Widmann no fim da década de 1920 para funcionar como casas de aluguel para operários. Os trabalhadores vinham do interior do Estado e de fora do Brasil em busca de uma vida melhor conseguindo emprego nas fábricas que rodeavam o bairro. A família Wallig originalmente morava em São Paulo e havia 30 anos não esta-


va mais em Porto Alegre. Porém, após a herança, voltaram a viver na capital. Foi após de muito tempo de pesquisa que os herdeiros do prédio e irmãos, Antonia e João Felipe Wallig, criaram o projeto Vila Flores. A ideia originalmente veio pelo complexo arquitetônico ser um patrimônio histórico e pela vontade de preservá-lo. Foi pelo propósito de manter os prédios em atividade que a família Wallig composta por um arquiteto, uma arte educadora, um administrador e uma designer, resolveu reformar e manter as características da arquitetura original através da Associação Cultural Vila Flores. Quando os atuais donos dos prédios ganharam a herança, em 2009, foi feito um levantamento arquitetônico e um laudo estrutural para reformas emergenciais. A averiguação indicou três telhados condenados e redes hidráulicas e elétricas em péssimas condições. Ainda assim havia pessoas morando irregularmente nos apartamentos, a maioria devido a ocupações ou contratos antigos que não tinham mais valor. O diálogo com os herdeiros que tornou possível maneiras de prestar a assistência necessária e, no fim, a maioria dos moradores decidiram sair voluntariamente. A partir de 2011 os telhados foram reformados, juntamente com as redes comprometidas. No ano seguinte foram abertas as portas para a comunidade a fim de conhecer o espaço e (re) conhecer seus novos usos. No fim de 2012, o complexo também conhecido como “predinhos de Lutzenberger” receberam o primeiro evento e a partir daí que começou a se desenhar um projeto cultural de fato, um centro de cultura, educação e empreendedorismo criativo. A ideia de transformar o complexo arquitetônico também se deu devido ao local estar situado no Distrito C, que é o polo de economia criativa, economia do conhecimento e da experiência da capital dos gaúchos, evolvendo mais de 67 artistas e ideias empreendedoras ao

total. O Distrito C é ideia original da UrbsNova Porto Alegre – Barcelona, uma agência de inovação social, cujo trabalho é propor formas inovadoras de organização às comunidades e que tenham impacto social. Com as primeiras reformas do local, artistas se interessaram em alugar os apartamentos para seus empreendimentos. Foi a partir daí que de acordo com Antonia Wallig, pedagoga, mestre em artes visuais e João Felipe Wallig arquiteto e urbanista resolveram criar a Associação Cultural Vila Flores. Atualmente são 17 artistas nos mais variados âmbitos como: arquitetura, design, moda, música, makers, artes visuais, audiovisual, teatro e educação. Cada artista quando chegou ao Vila Flores recebeu o apartamento apenas com o contrapiso pronto, assim cada locação tem a sua própria decoração. O aluguel dos apartamentos para os artistas gira em torno de R$25,00 o m². O aluguel de locais como o galpão para projetos externos, como eventos, filmagens e ensaios fotográficos, é combinado com cada empreendedor. O valor dos aluguéis serve para manter funcionando tanto a associação quanto os prédios

em si. Antônia conta que nunca tiveram apoio financeiro de governo, mas sim de instituições ou parceiros voluntários que se solidarizaram com a causa. A associação trabalha em quatro eixos norteadores: Arte e Cultura, que trabalha na realização de atividades (como eventos, feiras e exposições) de artes visuais, artes cênicas, audiovisual, música e afins; Educação, que faz a promoção de cursos, oficinas, seminários e encontros para troca de conhecimentos e experiências; Empreendedorismo, como incentivo aos produtores locais e iniciativas que fazem a conexão entre negócios criativos, sociais e colaborativos; e Arquitetura e Urbanismo, no fomento ao debate sobre questões urbanas e promoção de atividades para a concretização de projetos cujo objetivo é a melhoria da vida na cidade. Embora seja uma associação, o processo para a conservação ou a administração do local se equivale a de uma empresa privada. O processo para a conservação é dividida em três áreas: Cultural, que é gerida pela Associação Cultural Vila Flores; Administrativa e Financeira, que cuida da locação e manutenção dos espaços e Arquitetura,

No fim de 2012, o complexo também conhecido como “predinhos de Lutzenberger” receberam o primeiro evento e a partir daí que começou a se desenhar um projeto cultural de fato, um centro de cultura, educação e empreendedorismo criativo.

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CULTURA VILA FLORES ESPAÇO CRIATIVO

responsável por todas as reformas e reestruturações que são feitas no local. “Para o espaço e a associação funcionando existem alguns desafios como a sustentabilidade financeira, a gestão de pessoas, do tempo, comunicação interna e externa, enfim, os mesmos desafios de qualquer empreendimento ou entidade”, conta Antônia.

AS PESSOAS Atualmente, por meio de locação de espaços, 22 coletivos residentes estão organizados nos diversos apartamentos. Entre eles, estão o Estúdio Hybrido, o Matehackers, o Caixa de Elefante teatro de bonecos e o Ato Espelhado Companhia Teatral. A ocupação dos espaços foi se dando de forma espontânea e orgânica. O aluguel e os espaços de trabalho foram se adequando ao que estava disponível, de acordo com a necessidade de metragem e viabilidade econômica de cada coletivo ou artista. Todos os apartamentos fo-

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Para manter a associação funcionando existem alguns desafios como a sustentabilidade financeira, a gestão de pessoas, do tempo, comunicação interna e externa, enfim, os mesmos desafios de qualquer empreendimento ou entidade.

ram entregues com hidráulica, elétrica e contra piso, e a partir daí cada residente criou a sua própria configuração. “O que sempre prezamos na distribuição dos espaços é que haja diversidade de atividades, pessoas e assuntos. Isso é o que promove uma boa conversa e a possibilidade de colaboração”, afirma Antonia Wallig. Foi justamente essa pluralidade cul-

tural e a proposta de reunir projetos autônomos que chamou a atenção de muitos artistas residentes no local. O casal de artistas responsáveis pelo projeto Estúdio Hybrido, Marcelo Monteiro e Vanessa Berg ressaltam que já vinham buscando criar uma rede entre espaços autônomos e que o Vila Flores surgiu bem nesse momento, mas com o diferencial dos espaços estarem reunidos


no mesmo local, facilitando a troca de experiências e crescimento conjunto. Criado há quatro anos o Estúdio Hybrido tem como premissa, essa troca, o hibridismo, de ter uma conversa com os vários segmentos artísticos, como artes visuais e dança. Podendo conversar artes visuais e moda, com dança, música e com várias outras artes. Dentre as propostas do Estúdio, em junho de 2015 apresentaram essa pluralidade no projeto 3S; que envolveu dança, música e desenho no mesmo ambiente simultaneamente. O nome do projeto é uma referência ao tempo que o cérebro humano leva para registrar o tempo presente. “O 3S é um projeto antigo, mas está sempre aberto, a gente está sempre trabalhando nele, porque não tem uma pretensão de acabar de colocar um fim, ele está sempre acontecendo”, relata Marcelo. Essa troca ocorre tanto com artistas externos, como outros residentes. Um grande exemplo é que recentemente a designer de moda e membro fundador do Estúdio Hybrido Vanessa Berg, produziu figurinos para os personagens do grupo de teatro de bonecos, Caixa de Elefante. Atriz e produtora do Caixa de Elefante, Viviana Schames revela que o principal motivo da companhia ter escolhido como sede o Vila Flores foi a possibilidade de estar em contato com outros grupos, junto a uma efervescência de ideias. “O melhor de tudo foi conhecer artistas que dialogam com o nosso trabalho”, ressalta Viviana. Atravessando o corredor fica o espaço do Grupo Teatral Ato Espelhado, criado pelo casal Cícero Neves e Patrícia Ragazzon. Quando conheceram o Vila Flores, não passou pela cabeça deles ter uma sala no local, já que o primeiro projeto não era como está hoje, sendo sede para grupos. “Eles tinham outra ideia, mas a gente queria contribuir de alguma forma, porque a cidade carece de espaços de fomento de atividades culturais”, afirma Cícero. Segundo Cícero a conversa sobre

“O 3S é um projeto antigo, mas está sempre aberto, a gente está sempre trabalhando nele, porque não tem uma pretensão de acabar de colocar um fim, ele está sempre acontecendo. Marcelo.

abrir espaços para artistas com vários tipos de empreendimentos culturais, surgiu quase que naturalmente. Quando questionaram se gostariam de participar do projeto a resposta afirmativa foi quase que imediata, apenas uma condição foi imposta: um piso que desse para ensaiar. “Então foi isso e a gente entrou no início de tudo, ninguém dos residentes hoje tinha noção do que poderia acontecer nessa ideia de como está o Vila Flores hoje. Eram pessoas a fim de uma proposta de ter sua sede, de trabalhar e de construir coisas em um espaço multiatividades”, ressalta Cícero. A maior parte dos empreendimentos culturais presentes no Vila Flores estava à procura de espaço, como foi o caso das meninas do brechó Casa Vuelta al Mundo. Há cerca de dois anos a idealizadora do projeto, Vitória Ruschel da Silva, buscava um espaço que pudesse abrigar o espaço físico do brechó, e acabou coincidindo com a procura do Vila por um empreendimento voltado para a moda. O brechó tem um vestuário específico, muita estampa, muitas cores e um diferencial, vem peças de todas as partes do mundo. “Nós garimpamos de outros brechós e também customizamos, geralmente quando o pesso-

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CULTURA VILA FLORES ESPAÇO CRIATIVO

Outra iniciativa que ocorre no Vila Flores é a ONG Mulheres em construção, que está ajudando na reforma de peças e apartamentos, ao mesmo tempo em que ensina a arte da alvenaria para mulheres. al olha, de cara já diz ‘essa é a cara do Vuelta’”, ressalta Luana de Brito, sócia do projeto. Em meio aos espaços de moda e cultura, o único hackerspace do Estado, o Matehackers. Voltados para a tecnologia e seus usos, o grupo aposta no conhecimento compartilhado; para o colaborador Joel Grigolo, o espaço privilegia a fluidez de conhecimento. “O projeto é teu, e o que as pessoas vão fazer, vai ser ajudar apontando caminhos, dando sugestões, trocando conhecimento”, explica Joel sobre o funcionamento do local. Em 2013 o Vila Flores recebeu a primeira edição do projeto multiartístico Simultaneidade. O projeto que surgiu da vontade comum de moradores, artistas e coletivos em valorizar o espaço e trocar experiências afetivas e criativas. O evento realizado em dois dias reuniu 60 artistas, ofereceu 12 oficinas, 2 palestras, além de proporcionar mais de 30 exposições culturais ao público de mais de 600 pessoas.

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Para a voluntária administrativa Ana Marisa Nogueira Skavinski, há menos de um ano trabalhando no local, o Vila Flores “mostra que é possível ter sucesso em um empreendimento com uma proposta colaborativa e fora dos padrões da economia tradicional”. Um dos dois únicos moradores do complexo e homem de confiança dos Wallig, Amável Santos Amaral, natural de Minas Gerais, veio de São Paulo com uma missão especial: tomar conta do Vila Flores. Amável é o guardião das memórias que existem lá. Antes de vir para Porto Alegre a pedido de João Felipe Wallig, o atual caseiro trabalhava como restaurador. Aqui, auxilia na conservação de portas e janelas. Também ajuda no jardim e em pequenas manutenções para os residentes.

PERSPECTIVAS Nos anos 30, houve a grande depressão e as indústrias migraram para terrenos mais distantes em outras cidades no Estado, em um processo que deixou muitas construções abandonadas. Após meio século dessa revolução industrial, a degradação tomou conta da região e vivenciou o afastamento gradativo da vida urbana. Preservou, entretanto, bastante de seu caráter residencial, abrigando ainda pequenos comércios que atendem a moradores. A noite, o bairro se torna a cena mais conhecida da prostituição de Porto Alegre, muitas vezes juntamente com o tráfico de drogas, que gera insegurança à comunidade. O Vila Flores está cercado de vários projetos que integram os artistas residentes e a comunidade do bairro, nos quais demonstram a importância da união com a população do bairro. Pode-se citar a iniciativa “Tardes Brincantes” da companhia de teatro Ato Espelhado, no qual eles ocupam o pátio, e por uma hora propõe brincadeiras mais antigas de rua como o bambolê, pular corda, amarelinha e depois tem um espetáculo, que pode ser tanto da própria com-

panhia quanto de outros grupos convidados. Essa apresentação tem que ser adaptada, já que a atual estrutura do galpão não tem como receber um espetáculo mais tradicional com luz e som. Outra iniciativa que ocorre no Vila Flores é a ONG Mulheres em construção, que está ajudando na reforma de peças e apartamentos, ao mesmo tempo em que ensina a arte da alvenaria para mulheres. A ONG existe desde 2006, e oferece oficinas e cursos para formação de pedreiras, pintoras, azulejistas, ceramistas, eletricistas e instaladoras hidráulicas – destinados às mulheres que desejam se inserir no mercado da construção civil. O projeto Vuelta Al Mundo, mais conhecido como Casa Vuelta, desenvolve uma oficina de línguas entitulada “Línguas Viajantes”, na qual acontecem de segunda a sexta-feira, pela parte da manhã, com valor acessível. Na oficina, é possível aprender seis línguas – português para estrangeiros, italiano, francês, inglês, alemão e espanhol, cada uma ministrada em um dia da semana –, e as aulas são dividas em uma hora e meia, com cinco alunos cada. Os professores são pessoas que já moraram fora do país e, hoje, dividem suas experiências com quem quer aprender sobre uma cultura diferente. Outra parceria do Vila Flores é a escola convexo que uma vez por semana em duas turmas, uma de manhã e outra a tarde, desenvolve o projeto “ConvexoLab Vila Flores”, criado para ser uma ponte que ligará alunos de realidades sociais diversas. Os alunos participantes são das mais diversas faixa etária e classes sociais, no qual, integradas com os artistas residentes irão produzir projetos de impacto socioambiental , sociocultural e de geração de renda, além de gerar oportunidades com foco no 4º distrito. Às terças-feiras, o Vila se abre para o projeto “Vem na terça”. Na ocasião, o complexo fica aberto das 14h às 18h para a interação entre a população da ci-


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CULTURA VILA FLORES ESPAÇO CRIATIVO

dade e os artistas. Às 17h acontece uma visita guiada por João Wallig, que atualmente reside no Vila Flores e é pai dos herdeiros João Felipe e Antônia. No passeio, ele explica como as pessoas viviam no local antigamente e todo contexto histórico da região – em particular, a arquitetura do complexo. Para médio e longo prazos, a Goma Oficina, empresa de arquitetura do João Felipe Wallig, irá colocar em prática uma reestruturação de alguns aspectos do Vila Flores para melhor atender às necessidades locais. Embora a fachada das edificações voltadas para a rua se encontrem em excelentes condições de preservação, as fachadas interiores foram amplamente modificadas pelos inquilinos ao longo dos anos, fator determinante para a implantação de novas estruturas na parte interna do complexo. O projeto da Goma Oficina é construir, na parte interna, estruturas metálicas com paredes em vidro que seriam acopladadas ao prédio e criariam espaços de convívio, fundamental para a nova organização das plantas dos prédios. A principal função da reestruturação é garantir o bom funcionamento das infraestruturas: água, esgoto, calhas, energia, gás e aproveitamento da água e do sol. No projeto, está previsto uma estrutura para utilização da água da chuva e a instalação de placas solares para o aqueci-

VILA FLORES EM NÚMEROS* 8.000 28 20 13 13 11 7 5 23 2 1

VISITANTES APRESENTAÇÕES MUSICAIS OFICINAS APRESENTAÇÕES TEATRAIS VISITAS INTERNACIONAIS PARTICIPAÇÕES EM EVENTOS ENSAIOS FOTOGRÁFICOS EVENTOS MULTIARTÍSTICOS GRUPOS DE DISCUSSÃO FILMAGENS MUTIRÃO

*Fonte de 2014

mento de água. Além disso, a chamada água cinza – a água já utilizada no banho ou na lavagem de louça ou de roupa – será usada para suprir usos como abastecimento dos vasos sanitários. O prédio voltado para a rua Hoffman, atualmente usado por alguns artis-

Uma flexibilidade concebida às plantas permitem diferentes possibilidades de locação, seja para o aluguel tradicional com variação de metragem dos apartamentos, ou para aluguel temporário com células menores intercaladas com áreas comuns.

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tas, será restaurado e utilizado apenas para habitação – a função original do projeto concebido pelo arquiteto Lutzemberger. A flexibilidade das plantas permitem diferentes possibilidades de locação, seja para o aluguel tradicional com variação de metragem dos apartamentos ou para aluguel temporário com células menores intercaladas com áreas comuns. O total de área a ser construída é de 272 m², somando a já somada área total construída o complexo terá o valor total de 2.604 m². “Acredito que o Vila Flores mostra uma nova possibilidade para a cultura, a educação e a economia da cidade”, reflete Ana Skavinski, voluntária no Vila Flores. “É um projeto menos agressivo e tem essa preocupação constante com a valorização das pessoas. Na minha visão, o Vila Flores só tem a crescer e se tornar cada vez mais importante para a sociedade.”



O MERCADO CULTURAL LATINO AMERICANO Por Anderson Furtado

PELA TOLERÂNCIA ENTRE AS 4 LINHAS Por andressa Carmona, Júlia Resende e Estevan Gonçalves

MAIS ESPAÇO NAS URNAS: MULHERES CONQUISTAM SEU LUGAR NA POLÍTICA Por Bruna Fonseca

ÁGUA, MANUAL DO USUÁRIO Por Débora Dalmoro, Ethiene Antonello e Pedro Montiel

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA Por Fernanda Fontoura e Rebeca Rabel

PROFISSÃO OLHEIRO Por Gabriel Ribeiro e William Dias

BRASIL: O PAÍS DO FUTEBOL PARA UMA MINORIA Por João Pedro Zettermann e Leonardo Baimler

O MUNDO DA PORNOGRAFIA PARA ELAS Por Daniel Fagundes, Guilherme Wunder e Luiza Guerim

O PODER DOS SUCOS FUNCIONAIS Por Lucille Soares e Michelle Bertotti

FUTEBOL AMERICANO, DIFICULDADES BRASILEIRAS Por Paulo Mendes e Guilherme Barni

O CAMINHO DOS QUE QUASE CHEGARAM LÁ Por Gicele Kreibich, Katiuscia Couto e Nicolle Lenuzza

HÁ VIDA PARA O CINEMA DE RUA? Por Mariana Jeremias e Thuane Liesenfeld

VILA FLORES ESPAÇO CRIATIVO Por Mariana Silveira Tripoli e Jordana Pastro


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