Relatório de Graça Machel no seguimento da Resolução 48/157 da Assembleia Geral das Nações Unidas Doc. A/51/306 de 28 de Agosto de 1996
I Introdução A. Ataque a crianças 1. Milhões de crianças são apanhadas em conflitos nos quais não são meros espectadores, mas alvos dos mesmos. Muitas são vítimas de uma investida generalizada contra os civis, outras morrem fazendo parte de genocídio premeditado. Outras ainda, sofrem dos efeitos de violência sexual ou de múltiplas privações resultantes do conflito armado que as expõe à fome ou a doenças. Chocante também, o facto de milhares de jovens serem cinicamente explorados como combatentes. 2. Em 1995, assolaram em todo o mundo, em diferentes locais, trinta grandes conflitos armados. Todos eles tiveram lugar no interior de Estados, entre facções divididas por diferentes orientações étnicas, religiosas ou culturais. Os conflitos destruíram colheitas, locais de culto e escolas. Nada foi poupado, considerado sagrado ou sob protecção - nem crianças, nem famílias, nem comunidades. Na última década, calcula-se que tenham sido mortas em conflitos armados dois milhões de crianças. Três vezes mais ficaram gravemente feridas ou permanentemente incapacitadas, muitas delas estropiadas pelas minas. Inúmeras outras foram obrigadas a assistir ou mesmo a tomar parte em actos de violência horrorosos. 3. Estas estatísticas são bastante chocantes, mas mais arrepiante é a conclusão que podemos retirar delas: cada vez mais, o mundo está a ser empurrado para um vazio moral desolador. Trata-se de um espaço desprovido dos valores humanos mais fundamentais; um espaço em que muitas crianças são chacinadas, violadas ou estropiadas; um espaço em que as crianças morrem à fome e estão expostas a uma brutalidade extrema. Este terror e violência sem regras está patente na vitimação deliberada. Já pouco mais poderá a humanidade descer. 4. A falta de controlo, bem como o sentimento de desorganização e caos que caracterizam os conflitos armados contemporâneos, podem ser atribuídos a muitos factores diferentes. Alguns observadores apontam para o cataclismo político com convulsões e lutas visando o controlo dos recursos face à pobreza generalizada e à desordem económica. Outros vêem a insensibilidade das guerras modernas como um resultado natural de revoluções sociais que dilaceraram as sociedades tradicionais. Estes últimos apontam como prova as muitas sociedades africanas que sempre tiveram uma forte cultura guerreira. Todavia, se recuarmos apenas algumas gerações, embora fossem cruéis nos combates, era tabu atacar mulheres e crianças, segundo as regras e os costumes destas sociedades. 5. Quaisquer que sejam as causas da brutalidade dos tempos modernos em relação às crianças, chegou o momento de as estancar. O presente relatório apresenta uma exposição sobre a extensão do problema, propondo várias formas práticas de recuar face ao abismo. O seu principal apelo é de que as crianças pura e simplesmente não façam parte da guerra. A comunidade internacional tem de denunciar, por ser intolerável e inaceitável, este ataque às crianças.
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