III ENECS - ENCONTRO NACIONAL SOBRE EDIFICAÇÕES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS
TECNOLOGIA, HABITAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Odair Barbosa de Moraes (odair@ufba.br) Mestre em Engenharia Ambiental Urbana / Mestrado em Engenharia Ambiental Urbana / Escola Politécnica / UFBA.
Marcos Jorge Almeida Santana (marjoras@ucsal.br) Doutor em Engenharia / Professor do Departamento de Construção e Estruturas / Escola Politécnica / UFBA
RESUMO O quadro habitacional contemporâneo brasileiro é resultado de décadas de conflitos pelo solo urbano e pela moradia. Algumas capitais possuem a maioria da população residindo em imóveis ilegais, construídos em favelas e loteamentos clandestinos. Durante um grande período, o Estado tentou solucionar o problema com a construção de conjuntos habitacionais e pesquisas em inovações tecnológicas, que demonstraram pouca eficácia. Diante das novas ações implementadas em Salvador, este trabalho analisou a influência do desenvolvimento tecnológico na qualidade das habitações populares em dois grupos de moradias: autoconstruídas e construídas com intervenções institucionais. Utilizou-se de técnicas de Avaliação Pós-Ocupação (APO) para levantar tipologias construtivas e espaciais, realizar avaliação técnica e verificar o nível de satisfação dos usuários com a moradia. A análise dos resultados indicou que apesar da melhoria na qualidade do ambiente construído com as intervenções institucionais, há necessidade de ajustes nos seus programas, para sanar deficiências de projeto e de execução, como também de melhorias nas moradias autoconstruídas, que possuem deficiências causadas, principalmente, pela falta de assessoria técnica. Concluiu-se, que há necessidade de transpor barreiras dificultam a compreensão da cidade e a elaboração de propostas para a melhoria da qualidade de vida em Salvador, na busca do desenvolvimento sustentável.
Palavras-chave: habitação popular, tecnologia apropriada, ambiente urbano ABSTRACT In Brazil, the contemporaneous housing picture is a result of decades of conflits and fights for a urban land and for dwellings. Some capitals have the major part of it’s population in ilegal motionless, builted in slums and clandestin plots. During a long period of time, the State tried to solve the problems trough the construction of town houses and searches in tecnology innovation, that showed little eficiency. In face of the new actions that are beeing implemented in Salvador, this work analised the influence of the technological develepment in quality of popular housing in two groups of dwellings in the city: dwelling self-built and dwellings built in institutional interventions. Techniques of post occupancy evaluation (POE) were used to describe constructive and space types, technique evaluation and satisfaction of the users in relation to dwelling. The analysis of the results indicated that even tough it showed a higher quality on the builted places with the institutional intervention, there is still a need of adjustment in it’s program to cure deficience of the project and execution, as so the improvement on dwellings self built, that have deficience caused, specially, by the missing of accessory technique. There is also the conclusion that there is a need of going over barriers and review concepts that make harder the comprehension of the city and the criation of proposes to improve the quality of life in Salvador, as an example of many brazilian cities.
Keywords: popular housing, appropriate technology, urban environment
1. INTRODUÇÃO A habitação reveste-se de significados ímpares diante dos demais elementos que constituem o habitat humano, apresentando características que identificam o indivíduo e as sociedades. O quadro habitacional brasileiro contemporâneo retrata uma realidade fruto de décadas de conflitos. Algumas capitais chegam a possuir a maior parcela da população em imóveis ilegais, que são construídos em favelas, invasões, loteamentos clandestinos, ocupações de áreas de risco e de proteção ambiental. Este trabalho discute a produção de habitações populares sob duas formas distintas: a produção institucional e a informal e, a influência do desenvolvimento tecnológico na melhoria da qualidade das habitações populares, com ênfase na produção de moradias. Buscase analisar a contribuição do desenvolvimento de novas tecnologias construtivas na melhoria da qualidade das habitações populares, buscando identificar tecnologias potencialmente apropriadas à construção de moradias para a população de baixa renda em Salvador. O caminho utilizado para obtenção dos resultados deste trabalho foi dividido em duas frentes de pesquisa: uma com ênfase na pesquisa bibliográfica e documental, com revisão da literatura, levantamento e análise de material relativo às ações implementadas no campo da habitação de baixa renda em Salvador e a outra com ênfase em levantamento de campo, através da utilização de avaliação pós-ocupação (APO), de algumas ações implementadas em Salvador. O levantamento de campo objetivou caracterizar a qualidade das habitações de baixa renda e identificar algumas tipologias construtivas e espaciais empregadas, bem como realizar uma avaliação da satisfação dos moradores com sua casa. 2. CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA A necessidade básica de moradia para o homem, fruto da necessidade de abrigo, é evidente desde o homem primitivo que ocupava as cavernas e as copas das árvores para se proteger das intempéries e dos intrusos. Posteriormente, com o progresso técnico, o homem passou a construir seu próprio abrigo, formando aldeias onde se fixava para o desenvolvimento de suas atividades de subsistência. Com o desenvolvimento tecnológico, os benefícios conseguidos pelo homem foram diversos. Porém, enquanto algumas sociedades desfrutam das mais avançadas tecnologias, outras vivem em condições precárias. No Brasil, onde sempre cabe ressaltar as características continentais e as diferenças naturais, convive-se também, com situações díspares em uma mesma localidade. De meados do século XX até então, a questão habitacional ganhou visibilidade dentre os problemas urbanos emergentes. O crescimento acelerado das cidades e de suas populações, em conjunto com problemas econômicos e estruturais, tendo em contraposição o não acompanhamento do crescimento de infra-estrutura e serviços urbanos na mesma ordem, geraram diversos problemas que permeiam os diferentes setores da sociedade e que resultam num ambiente urbano degradado e desigual. Essas desigualdades são bastante nítidas na Cidade do Salvador, onde a população pobre ocupa tanto áreas periféricas da cidade, como áreas remanescentes de conjuntos habitacionais e prédios da população de classes de renda mais alta, nas diversas áreas da cidade.
Acompanhando as discussões acerca dos novos paradigmas do desenvolvimento mundial, o ambiente urbano é cada vez mais discutido quando se fala em sustentabilidade da vida do homem na Terra. Apesar dos avanços e das soluções, ainda existem muitos problemas urgentes, necessitando de soluções, inclusive, problemas resultantes de novas soluções, como afirma Schumacher: “À medida que um problema está sendo ‘solucionado’ aparecem dez novos problemas resultantes da primeira ‘solução’” (SCHUMACHER, 1983, p.25). Em relação à questão habitacional, Salas (1998) afirma que na América Latina cerca de 30 a 50% das famílias estão classificadas como pobres e suas habitações são escassamente subsidiadas, constituindo, em muitos casos, o setor informal, enquanto que 15 a 30% são consideradas indigentes, sem apoio nem subsídios habitacionais, e que ambas as classes utilizam a autoconstrução para se fazer valer do direito à moradia. No Brasil, em 1991, o déficit habitacional atingia aproximadamente cinco milhões de moradias, enquanto em 1995, era estimado em 5,6 milhões de novas moradias, sendo quatro milhões em áreas urbanas (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO (FJP), 1995). Em Salvador, do total da área ocupada pelo município em 1991 com predominância habitacional, 32,4% era composta das ocupações informais, enquanto que 55,6% constituía a parcela de ocupação formal, ressaltando que 60% da população do município encontrava-se nas parcelas de ocupação informal e cerca de 73,1% morava em locais sem condições de habitabilidade (GORDILHO-SOUZA, 2000). As ações com o intuito de reduzir essas desigualdades são diversas. Enquanto pesquisadores desenvolvem materiais, processos e técnicas inovadoras para a população de baixa renda, planejadores urbanos projetam conjuntos habitacionais e intervenções urbanas, ousando pouco em mudanças nas especificações dos materiais, numa repetição de processos e formas convencionais, que ainda não surtiu efeitos positivos sobre o quadro habitacional da população de baixa renda. Por outro lado, a população utiliza-se de materiais e técnicas tradicionais, como “imitação” das técnicas utilizadas pela população de renda mais alta, construindo, sem a devida assessoria técnica, em áreas onde arrisca-se com o conhecimento empírico na falta de uma tecnologia segura e apropriada. Numa análise simplificada sobre essas ações, podemos ver que de comum só existe a vontade de saná-lo. Pesquisadores, planejadores e população, parecem atuar em mundos distintos, desconhecendo os avanços de cada área. A união desses mundos, em ações que resultem na real melhoria das condições de habitação da população de baixa renda, mostra-se uma tarefa difícil e complexa, conquanto indispensável. 2.1. Tecnologias apropriadas As tecnologias têm influenciado de forma intensa o processo de desenvolvimento mundial. Numa análise histórica podemos afirmar que o desenvolvimento de novas tecnologias vem da necessidade do homem de conseguir, cada vez mais, melhores condições de vida. Nessa incessante busca humana pelo desenvolvimento o homem chega à Revolução Industrial com mudanças que influenciaram sensivelmente o modo de viver das sociedades da época. A Revolução Industrial deu um impulso no desenvolvimento tecnológico cujos resultados podem ser vistos nos dias de hoje. Contudo, os resultados desse desenvolvimento nem sempre podem ser considerados positivos e o papel da tecnologia passa a ser questionado.
Diante de questionamentos sobre os impactos do desenvolvimento e da tecnologia sobre o homem e o meio ambiente, constata-se a necessidade de visualizar a tecnologia em todas as suas faces. Isso implica encarar a tecnologia como variável, como sugere Reddy ao afirmar que: “toda opção tecnológica parece dispor de um código genético, de tal forma que quando em condições favoráveis consegue implantar-se em um novo meio, tende a reproduzir as condições sócio-culturais em que foi gerada” (REDDY apud SALAS, 1998, Não paginado). A constatação de que a simples transferência de tecnologia moderna para países em desenvolvimento para resolver seus problemas acabou gerando-os ainda mais, fez surgir uma corrente de pesquisadores em favor do que se convencionou chamar de tecnologia apropriada, que teve em Shumacher (1983) um de seus principais defensores. Essa tecnologia, qualificada por Shumacher como tecnologia com fisionomia humana, está direcionada à solução de problemas sociais e econômicos presentes nos países do Terceiro Mundo e deveria ter os seguintes atributos: pequena escala, baixo custo de capital, simplicidade e não-violência. Pode-se identificar três ênfases básicas dedicadas ao desenvolvimento do conceito de tecnologia apropriada nesse período: a preocupação com o significado sócio-político das tecnologias; com seu tamanho, nível de modernidade e sofisticação; e com o impacto ambiental causado (CASTOR, 1983). Em todas elas, percebe-se a preocupação com a melhoria das condições de vida dos indivíduos e das sociedades. Os critérios, ou atributos, estabelecidos por Schumacher continuam válidos e podem ser considerados básicos em qualquer circunstância, contudo outros critérios podem ser agregados em função do contexto considerado. Uma proposta de critérios, que já insere a questão da sustentabilidade, é a de Castor (1983), segundo a qual devem ser considerados na avaliação de uma tecnologia os seguintes aspectos: eficiência econômica, impactos da tecnologia em exame sobre a escala de funcionamento ou produção do sistema social, grau de simplicidade, densidade de capital e trabalho requeridos, nível de agressão ambiental, demanda de recursos finitos e grau de autoctonia e autosustentação permitidos pela tecnologia em exame. Ainda na década de 1970, surgia também o termo ecodesenvolvimento, que tentava conciliar o aumento da produção com a preservação dos ecossistemas necessários para manter as condições de habitabilidade na Terra. O termo não se manteve por razões e interesses diversos, dando lugar, anos mais tarde, ao chamado desenvolvimento sustentável (NAREDO, 1998). O conceito de desenvolvimento sustentável proposto no Relatório Nosso Futuro Comum (1987-1988), da Organização das Nações Unidas, onde o desenvolvimento sustentável é entendido como “aquele que permite satisfazer nossas necessidades atuais sem comprometer a capacidade de satisfazer as necessidades das gerações futuras” (NAREDO, 1998, Não paginado), apresenta-se ainda pouco operativo. A tecnologia apropriada apresenta-se diante desse novo conceito como uma das principais ferramentas para promover o desenvolvimento sustentável, podendo ser confundida com alguns de seus princípios e objetivos. Se tratarmos a tecnologia de forma segmentada como tem sido feito, invariavelmente incorreremos em equívocos, os quais provavelmente trarão mais problemas que soluções.
2.2. Tecnologias apropriadas para habitação popular O problema habitacional é considerado um dos grandes desafios do poder público nos países em desenvolvimento na área social, o que tem levado diversos pesquisadores a se debruçarem sobre o assunto. Na área tecnológica, percebe-se o grande esforço no desenvolvimento de novos materiais construtivos que reduzam o custo da habitação para as populações de baixa renda. Uma vez que constata-se que cerca de 55% do custo da moradia, excluindo o custo com a terra, é proveniente de gastos com materiais de construção. Diversos estudos mostram que, sob o aspecto tecnológico, pode-se dispor de várias alternativas para reduzir o custo da construção sem, contudo, diminuir as condições de habitabilidade. Contudo, percebe-se que, a busca de novos materiais e processos só seria válida se acompanhada de uma política de incentivo e difusão de tecnologias inovadoras. Recomendações de mecanismos e articulações dessas políticas com os demais aspectos envolvidos: econômico-sociais, técnicos e legais, podem ser vistos em Alva (1988) que afirma que, apesar de sua potencialidade para introduzir mudanças tecnológicas, o setor público temse mostrado passivo, deixando a inovação nas mãos da iniciativa privada, cujo maior interesse tem sido os ganhos de produtividade e lucro. A definição de tecnologia apropriada adotada neste trabalho é a apresentada por Sepúlveda, que considera apropriadas aquelas tecnologias que se adaptam às condições específicas de um contexto natural, social e cultural determinado (ou seja, produto da interação homem versus meio ambiente versus sociedade), estando implícitas as possibilidades reais de apropriação e reprodução com a participação da população em um dado contexto. 2.3. A questão da habitação de interesse social no Brasil A questão da habitação de interesse social no Brasil tem se apresentado de diferentes formas ao longo do tempo. Desde o final do século XIX, com os cortiços, até os dias atuais, com as favelas e invasões, as soluções propostas também têm sido as mais variadas, como as vilas operárias, conjuntos habitacionais e as urbanizações de favelas. Em estudo recente, Taschner (1997) apresenta 07 (sete) grandes períodos na política habitacional brasileira, que vão desde 1831, durante a sociedade escravocrata, onde a solução habitacional para a classe trabalhadora escrava era a senzala, até o período marcado pela atuação do Governo Fernando Henrique Cardoso que tentou montar uma nova política de habitação popular, baseada em um novo sistema de captação de recursos, o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), passando pelo período delimitado pela ação do Banco Nacional da Habitação (BNH), no período militar, cuja herança são os diversos conjuntos habitacionais espalhados pelo Brasil, que sofreram mais críticas que elogios por parte dos estudiosos. Esses períodos já foram bem caracterizados e constata-se que, qualquer que seja o período ou a teoria relacionada ao problema habitacional sabe-se que, o surgimento dos assentamentos informais ocorreu em conjunto com diversos problemas sociais, culturais, econômicos e ambientais. As favelas, mesmo em condições precárias, contam com vantagens que podem justificar a sua existência e que muitas vezes fazem com que elas possam ser vistas como solução.
Através da autoconstrução, a população vem contribuindo para a construção do novo habitat humano. Na ausência de uma política governamental de habitação e de um mercado formal compatível com o nível salarial dessa parcela da população, a necessidade de moradia faz com que o processo de autoconstrução seja cada vez mais utilizado, inclusive com apoio institucional através dos mutirões financiados pelo Estado. Atualmente, os programas despertam para uma “nova” modalidade, priorizando as ações de urbanização de favelas, com a manutenção da população residente nos locais, buscando cada vez mais a participação comunitária, a geração de emprego e renda e a melhoria do ambiente urbano como um todo. Porém, apesar da evolução dos projetos, os programas atuais de financiamento de imóveis mostram, ainda, um perfil de contradição. Enquanto o governo estimava que para eliminar o déficit habitacional, de 5,6 milhões de novas moradias, seriam necessários cerca de R$ 53 bilhões (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (MRE), 1998), os dados publicados pela Associação Brasileira de Cohab’s, afirmam que dos contratos assinados pela CEF, apenas 14% foram para construção de novas moradias e 86% para aquisição de imóveis prontos e ainda, apenas 13% dos recursos foram destinados às famílias com renda de até cinco salários mínimos, e o restante atendeu as famílias com renda de até 12 salários mínimos (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE COHAB’S (ABC), 1997). 3. TECNOLOGIAS ALTERNATIVAS PARA HABITAÇÃO POPULAR Uma das primeiras iniciativas para se implantar tecnologias alternativas para habitação popular em Salvador data da década de 1960, com a implantação do conjunto Horto Florestal, no bairro de San Martin. Foram construídas 100 unidades em madeira da espécie Pinho do Paraná (Araucária Angustifolia). Apesar de não se ter notícias de novos conjuntos utilizando esse material, Santana; Mascarenhas (1990), consideram a experiência bem sucedida, apontando a necessidade de se divulgar os resultados positivos, visando uma mudança de postura da população em relação ao imóvel de madeira, geralmente associada aos barracos precários das favelas. Durante as décadas de 1970 e 1980, sob o incentivo do extinto BNH ou da iniciativa do setor privado, desenvolveram-se, no país, inúmeras pesquisas em materiais, técnicas e sistemas construtivos aplicáveis à habitação de baixo custo. Nesse período, o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento do Estado da Bahia (CEPED) e mais uma série de centros de pesquisas espalhados pelo Brasil e o Mundo, desenvolveram novos materiais visando o barateamento do custo da casa própria. O desenvolvimento de materiais a base de solo estabilizado foi bastante relevante, notadamente a base de solo-cimento. Um dos grandes momentos da pesquisa em materiais e processos construtivos em Salvador foi a implantação do Campus Experimental de Narandiba, com mais de 30 empresas construindo protótipos habitacionais que seriam testados e avaliados para que se pudesse utilizá-los nos novos projetos. Com a extinção do BNH, e o paulatino desmonte dos órgãos promotores regionais e locais (Companhias de habitação popular (COHAB’s)), boa parte do material acumulado com essas pesquisas se perdeu e o quadro de desinformação se agravou. Em 1993, o Governo Federal lança o Programa de Difusão de Tecnologia para a Construção de Habitação de Baixo custo (PROTECH), que teve como um de seus produtos as Vilas Tecnológicas e Rua das Tecnologias, semelhantes ao Campus Experimental de Narandiba, comentado adiante, porém,
têm-se mais uma vez perdida a oportunidade de continuidade e difusão dessas pesquisas com o encerramento do Programa. 3.1. O Campus Experimental de Narandiba Uma das invasões mais inusitadas ocorridas em Salvador é a invasão do canteiro central da pista em Narandiba que se deu a partir de 1982, com o represamento e posterior aterramento do rio de mesmo nome. Repetindo a marcha comum das invasões em Salvador, Narandiba, no início, também manteve conflitos com a prefeitura e alguns barracos chegaram a ser derrubados. Porém a invasão resistiu e atualmente conta com os diversos problemas comuns a elas, falta de esgotamento sanitário, de emprego, de escolas públicas, de supermercados, de postos de saúde etc., os quais só existem nos lados opostos da invasão. Devido à sua localização inusitada, a invasão também sofre com o barulho dos carros, além do que a travessia das pistas oferece um outro perigo à população, devido à falta de sinalização para pedestres. Apesar de possuir quase duas décadas, suas casas ainda encontram-se em construção e o medo da remoção ainda persiste. Ironicamente, quatro anos antes da invasão do canteiro central da pista, em 1978, Narandiba sofreu uma outra “invasão”, sendo esta, de novas tecnologias construtivas: O Campus Experimental de Habitação de Narandiba, fruto das idéias ventiladas durante o Simpósio sobre Barateamento da Construção Habitacional, realizado no mesmo ano. O Simpósio buscava novos processos e técnicas de construção que fossem, ao mesmo tempo mais baratas, mais produtivas e mais adequadas às características de cada região do país e, em particular, de Salvador. Foram envolvidas 34 empresas e desenvolvidas 62 unidades habitacionais para ocupação e avaliação de desempenho. O quadro de tecnologias empregadas no Campus demonstra, claramente, a grande preocupação com a produtividade dos elementos construtivos (redução de mão de obra, conseqüentemente, redução nos custos, e uso de materiais pré-frabricados), levando a uma intensa industrialização destes elementos. Essa industrialização, provavelmente, ainda é reflexo do modo de pensar dominante após a Revolução Industrial, que já vinha sendo discutido pelos pesquisadores na época, a exemplo de E. F. Shumacher (1983). Ao contrário do que sugeria Shumacher, em Narandiba, cerca de 76% das empresas que construíram seus protótipos utilizaram massivamente a pré-fabricação, chegando a produzir módulos tridimensionais correspondentes aos cômodos da casa. Tais tecnologias resolveriam com facilidade o problema quantitativo de unidades domiciliares no Brasil. Outro aspecto a ser analisado é que apesar de grande parte do “know how” ter sido nacional (73%), a participação de empresas baianas foi relativamente pequena (cerca de 18%, Bahia, 79% estados da região sul e sudeste). O fato de haver tantas tecnologias oriundas de outras regiões do país, gera a possibilidade da não adequação destas, o que comprovaria a existência do chamado código genético proposto por Reddy, segundo o qual uma tecnologia pode ou não se adequar a um novo ambiente, diferente daquele no qual foi gerada. Visto que o Brasil é um país de características continentais, as diferenças culturais, sociais, econômicas e culturais são notáveis e influenciam a adaptação de tecnologias geradas nas diferentes regiões. O Campus de Narandiba pode ser considerado um oásis em meio à malha urbana de Salvador. Atualmente, passadas mais de duas décadas, diversas tecnologias ainda resistem no Campus. Tanto tecnologias de materiais, a priori mais duradouras, como placas de concreto, mas também diversos materiais como os feitos de madeira, com o emprego de painéis de madeira
e cimento, a qual resiste tal qual foi concebida em 1978, e também das casas de tijolos de solo-cimento e de cerâmica armada, que sofreram pequenas alterações para se adequar às condições climáticas e exigências de cada família. O conjunto ali existente, hoje convertido em um condomínio fechado, agrada aos moradores e aos que visitam-no. A diversidade tecnológica implantada em Narandiba é fascinante, porém, infelizmente o Campus não teve dos estudiosos e do poder público a atenção que merecia. À exceção das avaliações feitas por Santana em 1987 e 1989, Narandiba não possui o registro de seu desempenho, muito menos de tentativas de reprodução das tecnologias desenvolvidas. Podemos afirmar que, com a falta de continuidade dos trabalhos de Narandiba em termos de avaliação, perdeu-se uma oportunidade ímpar de se obter uma verdadeira biografia das tecnologias construtivas ali empregadas, em condições privilegiadas para qualquer pesquisador, as condições reais a que o experimento deve ser submetido. Por outro lado, a população de baixa renda, que seria a principal beneficiada pela experiência, ainda não colheu seus benefícios. Observando a cidade e as habitações dessa parcela da população, percebe-se que as pessoas ainda se fazem valer de processos e materiais tradicionais de construção. 4. A PRODUÇÃO FORMAL PARA POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA A produção habitacional formal para a população de baixa renda em Salvador é inexpressiva, se comparada à ação popular, através da autoconstrução, tanto no âmbito do estado como do município. Num primeiro momento, além dos IAP’s, foram construídos: em 1944 o conjunto Castro Alves, em Itapagipe e em 1963 o conjunto Horto Florestal, este com casas préfabricadas em madeira vindas do Paraná. Enquanto que a prefeitura apenas implantou os primeiros loteamentos para os desabrigados das chuvas: Boca do Rio I (1958) e o Vila Natal (1961) na Fazenda Grande do Retiro. Em 1964, com a criação do BNH em nível nacional e da Urbis (Habitação e Urbanização da Bahia), no âmbito do Estado, tomam corpo as ações de empreendimentos habitacionais em todo o Brasil. Segundo Franco (1982), a produção de habitação popular, dentro do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), em Salvador, se iniciou em 1967, com a construção dos primeiros conjuntos habitacionais. No entanto, revela-se desde o início o distanciamento da população alvo dos programas, tanto pelas exigências para o financiamento como pela localização. Esse fato somente se agravou com o processo de pauperização da população de Salvador e com o contínuo afastamento do público alvo, com o aumento da renda para o qual se dirigem as novas ações institucionais. A política habitacional executada principalmente na forma de conjuntos habitacionais além de não evitar a expansão da habitação informal, em muitos casos, indiretamente, até orientou e direcionou esse crescimento. O padrão BNH adotava um modelo de urbanização que privilegiava a utilização de áreas altas, de cumeadas, desprezando as encostas, o que favoreceu posteriormente as invasões das áreas remanescentes, como é o caso dos conjuntos habitacionais de Brotas, próximos à invasão Iolanda Pires, alvo de intervenções recentes dentro do Programa Viver Melhor. É importante também citar que, ao longo desse período a prefeitura não constituiu uma política de promoção habitacional.
Em 1998, o Governo do Estado repassa à Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) as atribuições da Urbis e atualmente, seguindo as novas diretrizes no redimensionamento do papel do Estado em diversas questões, Salvador é alvo de novas ações, principalmente nas áreas de saneamento e habitação, com os programas Baía Azul e Viver Melhor, privilegiando a urbanização de favelas, com implantação e melhoria da infraestrutura dessas áreas. O Programa Viver Melhor tem contribuído para a melhoria das condições das habitações populares em Salvador em áreas subnormais, contudo, há uma clara necessidade de ajustes para a minimização dos conflitos e impactos sócio-ambientais. Em síntese, podemos afirmar que: •
a implantação de infra-estrutura, principalmente de regularização de vias e acessos e implantação de redes de esgoto e drenagem, contribui para a melhoria da qualidade ambiental urbana, não só dos bairros beneficiados, mas da cidade como um todo (Figura 1). Já existem, contudo, críticas com relação à qualidade dos materiais empregados (CONDER, 1999);
Figura 1 - Comunidade Dom Lucas – Antes e Depois – Implantação de infra-estrutura FONTE: URBIS, 1998, p. 18.
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os serviços urbanos, como coleta de lixo, entrega de gás de cozinha e outros, que dependem de acesso, melhoraram, face às melhorias nas condições das vias públicas;
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a agressão ao ambiente natural mostrada na Figura 2, com o desmatamento de encostas, aponta para uma situação de desrespeito às questões ambientais, tão em voga na sociedade moderna. Empresas do setor da construção civil, com a conivência do Estado, agridem o ambiente mostrando a falta de sintonia com questões ecológicas;
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as culturas locais, em alguns casos foram nitidamente desrespeitadas, com a substituição do espaço construído por conjuntos habitacionais que em muito se assemelham aos do BNH, cujos resultados já foram criticados por Valladares (1982) e Franco (1982) entre outros (Figura 3). Nesses casos, as obras de urbanização não respeitaram o ambiente já existente, rompendo não só com o traçado naturalmente construído pela população, mas também com uma estrutura social e cultural determinada ao longo dos anos.
Sem dúvidas, sob o olhar técnico, houve melhorias nas condições de habitabilidade dos locais, haja vista que as melhorias habitacionais, quando feitas de forma correta, representaram melhoria nas condições de habitação e de qualidade de vida. Contudo, questiona-se, em algumas intervenções, se o modelo adotado foi o mais apropriado, se foi trabalhada e de que
forma houve participação comunitária. Esta, muitas vezes, foi confundida com educação comunitária, tratada ainda, “de cima para baixo”, de forma impositiva ou negociadora.
Figura 2 - Comunidade São Cristovão II – Antes e Depois – Destruição da vegetação da encosta FONTE: URBIS, 1998, p. 20.
Figura 3 - Comunidade Yolanda Pires – Antes e Depois – Casas autoconstruídas substituídas por padrões antigos e seriados lembrando os conjuntos do BNH ao fundo. FONTE: URBIS, 1998, p. 17.
Com relação à tecnologia empregada, mais uma vez utilizou-se a tecnologia convencional. O Estado, apesar de seu potencial para introduzir inovações tecnológicas, não o fez. As especificações não incentivam a utilização destas novas tecnologias. 5. A PRODUÇÃO INFORMAL DA POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA O processo de produção informal de habitações se deu, e ainda se dá, principalmente, através da autoconstrução aliado ao processo de invasões, de luta pelo solo urbano. As primeiras invasões em Salvador ocorreram na década de 1940, Corta Braço (Pero Vaz), Gengibirra (Largo do Tanque), Liberdade e a já famosa Alagados, entre outras (SANTANA, 1987). Os períodos que se seguiram só perpetuaram a idéia de que invasão era a única forma de obtenção do solo urbano e da casa própria. No período que vai da década de 1950 a 1968, Santana (1987) afirma ocorrer uma crise habitacional generalizada, com loteamentos periféricos clandestinos e novas invasões, destacando as da orla marítima: Ondina, Bico de Ferro e Bolandeira. Esse processo de invasões em Salvador segue uma lógica de incentivo e repressão ao longo do tempo, inicialmente, as invasões eram até incentivadas ou, pelo menos, facilitadas pelos proprietários, que desse modo agiam com vistas à reintegração de posse, pela desapropriação e indenização pelo Estado e ainda visando à valorização dos seus terrenos (FRANCO, 1982).
A crise habitacional foi ainda mais agravada com a venda em 1968, realizada pela própria Prefeitura Municipal, de grande parte das terras municipais, em sua maioria para grandes grupos empresariais.Com a venda, a Prefeitura se destituía de qualquer possibilidade de uso e controle do solo, mais especificamente: impossibilitava-se de promover qualquer política habitacional para a população de baixa renda sem excluir grande parte dos realmente necessitados. Precedendo a criação do BNH, as invasões da década de 1940 e as que se seguiram, já demonstravam o poder e as habilidades da população de baixa renda para resolver o seu problema de moradia e a necessidade de se definir políticas e ações no sentido de ajudar a população a resolver seus problemas. As invasões seguem até os dias atuais, com lógicas diferenciadas ao longo do tempo e com ampliação das já existentes. O trabalho de Santana (1987) relata um desses episódios, conhecido como a Guerra das Malvinas, uma invasão de terras que persistiu durante 13 meses, com derrubadas de barracos e muitos confrontos, cujos invasores foram transferidos para o loteamento Coutos III sendo a área novamente invadida por outros. Os estudos sobre a habitação popular em Salvador são diversos, principalmente os relacionados às invasões, contudo são poucos os que analisam a questão da produção de unidades, em sua tipologia construtiva e espacial, buscando identificar as formas de construir dessa parcela da população. De acordo com Franco (1982), o Diagnóstico Habitacional da Região Metropolitana de Salvador, já em 1977, registrava 45% do total de casas próprias feitas através da autoconstrução e, em 45% dos casos, em terrenos não próprios, sem mencionar as edificações em loteamentos clandestinos. Mais recentemente, Gordilho-Souza (2000), espacializou o quadro da informalidade versus formalidade do habitar em Salvador, bem como as condições de habitabilidade do ambiente urbano, revelando que a problemática habitacional atual se pronuncia com maior gravidade ao enfocar-se a questão do ponto de vista da segregação espacial da pobreza, associada à exclusão urbanística, cujos dados foram apresentados anteriormente. Esse quadro aponta para a necessidade de integração dos estudos na área habitacional, como também para a consideração da ação de todos os envolvidos nesse processo: população, pesquisadores e planejadores. 6. AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DAS HABITAÇÕES CONSTRUÍDAS PARA A POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA EM SALVADOR E POR ELA A avaliação foi realizada através da coleta de dados em 2 (dois) grupos distintos da população. O grupo I foi composto por áreas de Salvador beneficiadas pelas ações do Programa Viver Melhor, período de 1995 a 2000, do Governo do Estado. Enquanto que o Grupo II foi composto por áreas consideradas de baixa renda onde não houve a ação do poder público com programas habitacionais e nos quais a população utilizou-se, em sua maioria, da autoconstrução. Foram feitas entrevistas registradas em questionário, dividido da seguinte forma: caracterização da unidade, tipologia construtiva, avaliação técnica, avaliação do morador (satisfação) e tipologia espacial.
6.1. Caracterização da população Nos dois grupos pesquisados em cerca de 90% dos domicílios a renda mensal domiciliar situou-se entre 0 (zero) a 3 (três) salários mínimos, a freqüência dominante foi de chefes de família do sexo masculino (aproximadamente 70%) nos dois grupos e a quantidade média de moradores por domicílio foi de aproximadamente 3,4, com o mínimo de 1 e o máximo de 7 pessoas nos domicílios. 6.2. Tipologia construtiva O Grupo I apresenta elementos construtivos convencionais e pelo fato de possuir padrões definidos pelo órgão promotor de habitação do Estado, Conder, não apresenta grandes mudanças em suas especificações. Para obtermos a tipologia construtiva do Grupo II foi necessário realizar aplicação do questionário, obtendo tipologias bem semelhantes à utilizada no setor formal, com a utilização de materiais convencionais. Destaca-se no Grupo II a grande freqüência de infra-estrutura em concreto armado e de telhas de fibro-cimento amianto, material que não exige grandes investimentos na estrutura de coberta e que possibilita rapidez na execução. Entretanto, cabe ressaltar que a utilização de materiais em fibro-cimento amianto têm sido alvo de pesquisas em todo o mundo devido aos prejuízos à saúde possivelmente por eles causados. 6.3. Tipologia espacial Os padrões identificados no Grupo I variam do Embrião, com 1 (uma) sala, 1 (um) banheiro e 1 (uma) área de serviço, até o padrão GD2, com 1 (uma) sala, 2 (dois) quartos, 1 (uma) cozinha, 1 (um) banheiro e 1 (uma) área de serviço. Já o Grupo II apresenta uma maior diversidade, variando de 1 (uma) sala até 1 (uma) varanda, 2 (duas) salas, 4 (quatro) quartos, 1 (uma) cozinha, 2 (dois) banheiros e 1 (uma) área de serviço. Contudo, enquanto o Grupo I apresenta padrões projetados por profissionais especializados e uma certa uniformidade de áreas (28,88m2 de área média com desvio padrão de 6,08m2 ), o Grupo II, geralmente não obedece a parâmetros formais e apresenta-se mais desigual (32,09m2 de área média com desvio padrão de 18,10m2 ). 6.4. Avaliação técnica e satisfação do morador Para avaliação técnica foi proposta uma escala de três valores: 3, 2 , 1 associados aos conceitos bom, regular e ruim, respectivamente. Em sua maioria, os itens avaliados apresentam média regular observando-se superioridade do Grupo I, com exceção do material do piso, portas e janelas e segurança contra roubo, que se encontram abaixo do valor regular. Ressaltamos que a segurança contra roubo foi associada ao material utilizado e a execução das portas e janelas, que não satisfazem aos requisitos de segurança. O Grupo II apresentou os valores de conforto devido à temperatura, ventilação e isolamento de ruído externo, abaixo do valor regular, resultado da falta de preocupação com estas questões ao se projetar a moradia. O Grupo I apresenta vantagens em relação ao Grupo II principalmente no item conforto e segurança estrutural, resultado de projetos e execuções feitas por profissionais especializados. Já o Grupo II apresenta, principalmente, as seguintes vantagens em relação ao Grupo I: o
tamanho dos quartos, que neste possui uma variação maior, a depender do tamanho da família e os materiais do piso, das portas e janelas, exceto em casos que sequer apresentam tais itens. Os resultados apresentados constatam que, em sua maioria, nos itens avaliados, existe uma maior satisfação do morador no Grupo II, com exceção dos itens de conforto que se apresentam equivalentes. Contudo, tanto num grupo quanto no outro, os valores se apresentaram acima do valor regular. Verificou-se que ambos os grupos adotam técnicas convencionais, diferindo no modo de produção. Enquanto o Estado adota o modo de produção por contrato de empreitada, executado por construtoras, no modelo convencional, sem destaques inovadores, a população utiliza-se do processo de autoconstrução isolada ou auxiliada por familiares e vizinhos. Apesar das diferenças nos modos de produção, a tipologia construtiva apresentada para o Grupo II assemelha-se em muito às tipologias construtivas utilizadas no processo formal, comprovando que, na amostra analisada existe uma “imitação” de técnicas construtivas pela população autoconstrutora, inclusive valorização excessiva dos elementos de fundação que, em sua maioria, são construídos em concreto sem que seja analisada a sua real necessidade. 7. CONCLUSÕES Os dados apresentados revelam uma realidade não desejada e persistente por mais de meio século no Brasil. A questão da habitação popular ou de baixa renda, ou ainda de interesse social, tem permanecido sem “solução” satisfatória, apesar dos esforços dos diversos setores da sociedade. Notadamente, podemos destacar neste processo para análise: o Estado, através dos programas habitacionais, a população, através da autoconstrução muitas vezes considerada ilegal e os pesquisadores, na busca por soluções para o problema. A contribuição das inovações tecnológicas tem sido pequena ou insuficiente. Os campi experimentais e as vilas tecnológicas mostraram a sua viabilidade técnica e econômica, contudo não houve mobilização suficiente para a difusão dessas tecnologias. As descontinuidades dos programas e as mudanças de posturas em relação ao problema habitacional fizeram com que diversas informações se perdessem, acarretando prejuízos de toda ordem. A pesquisa aqui apresentada aponta como principal causa do pouco avanço das tecnologias inovadoras no campo prático, a falta de continuidade dos programas e de instrumentos que promovam a sua prática e difusão. Ao analisarmos o problema habitacional, sob a ótica das tecnologias apropriadas, no contexto do desenvolvimento sustentável, percebemos que há divergência de atitudes e visões entre os agentes aqui analisados. A população autoconstrutora busca solução para um problema, de certa forma primitivo, da moradia, do abrigo, uma necessidade irrefutável, relegando diversas outras questões que, em seu contexto não são essenciais. Os impactos da ocupação da população de baixa renda são diversos e merecem estudos específicos, a exemplo das ocupações de encostas, vales e áreas de proteção ambiental, ou ainda a alta produção de entulho, proveniente de um processo de renovação constante do espaço construído através das reformas. O Estado, apesar de “sintonizado” com as questões ambientais, inclusive através de órgãos específicos e de sua legislação, adota uma postura passiva frente às empreiteiras e construtoras, não exigindo atitudes consoantes com as questões sócio-ambientais em voga.
Mesmo que os programas habitacionais atuais venham mascarados, em seus documentos, de questões que realmente possibilitariam melhorias na qualidade de vida da população, como geração de emprego e renda e participação comunitária, os vícios já estabelecidos, não permitem que se quebre essa corrente na busca de verdadeiras soluções habitacionais. Por exemplo, o Viver Melhor apresenta, em seus projetos, um programa integrado que poderia proporcionar excelentes resultados, todavia, em suas ações, o que se vê é a repetição dos antigos padrões BNH, bastante criticados por diversos autores, como, Valladares (1982) e Franco (1982). Portanto, para obtermos resultados positivos, há necessidade de romper com paradigmas que tentam inserir na cidade informal padrões tidos como ideais e originados da cidade formal. Os padrões da cidade informal são distintos da cidade formal e portanto qualquer ação na cidade informal deverá ser baseada em padrões culturais pertencentes a ela. A tecnologia apropriada para habitação popular em Salvador, diante dos dados expostos neste trabalho, aponta para a utilização de materiais convencionais, aliado ao processo de autoconstrução. Contudo, as deficiências na maioria das unidades pesquisadas, apresentam, falhas de projeto que prejudicam o seu conforto. Mesmo nas habitações construídas pelo Estado encontramos deficiências, contudo estas se apresentam mais sob a forma de adequação do espaço às famílias e materiais de acabamento. Há necessidade de disponilibilizar, cada vez mais, alternativas para habitação da população de baixa, tanto em termos de inovações tecnológicas, como em formas de acesso à moradia, buscando cada vez mais alcançar uma pluralidade maior de opções para uma população também plural em aspectos sociais, econômicos e culturais. Fica evidenciada a necessidade de mudança de postura do poder constituído. As inovações precisam ser difundidas, inclusive através das intervenções do próprio governo. 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVA, Eduardo Neira. (1988) Seleção de tecnologias adequadas para o habitat humano. In: SEMINÁRIO LATINO-AMERICANO ALTERNATIVAS TECNOLÓGICAS PARA HABITAÇÃO E SANEAMENTO, 1987: Olinda. Anais.... Brasília: MHU/PNUD. 107-130. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE COHAB’S (ABC). [1997] Habitação Popular Ano IIIDez/1997. In: Associação Brasileira de Cohab’s. Brasília. Disponível em: <http://www.tba.com.br/abc/ultimas.htm>. Acesso em: 04 nov. 1998. HABITAÇÃO E URBANIZAÇÃO DA BAHIA (URBIS). (1998) Relatório de atividades 95/97. Salvador: URBIS, 52p. (Relatório). MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (MRE). (1998) Habitação Social no Brasil. Brasília, out. 1998. Disponível em: <http://www.mre.gov.br/ndsg/textos/habitap.htm.>. Acesso em: 16 jun. 1999. CASTOR, Belmiro Valverde Jobim. (1983) Tecnologia Apropriada: Uma Proposta de Critérios de Avaliação e sua Aplicação. Revista de Administração, São Paulo, v.18, n.2 p. 40-47, abr./jun. 1983.
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