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2 A criação do Município

das. Faziam-se de surdos para as mais justas reclamações dos colonos. Havia a ideia de que os colonos do Vale do Capivari eram ricos e, por isso, podiam administrar-se sozinhos. Achavam as autoridades municipais e estaduais que os colonos podiam construir suas estradas, pontes, escolas, igrejas, cemitérios e ainda cobrar bons impostos sobre a terra que eles trabalhavam com tanto suor e sacrifício. Em sua edição de 10 de maio de 1902, o jornal Der Urwaldsbote, de Blumenau, fazia-se porta-voz dos sentimentos dos colonos de São Martinho.

Os colonos, em geral, são remediados; pelo menos não se encontra aqui nenhum pobre. E conseguiram esta fortuna com o trabalho de suas mãos, sem ajuda de fora. Comprovou-se com eles o velho ditado: “Ajuda-te, que Deus te ajudará”. [...] Assim vivemos durante quase 30 anos tranquilos e satisfeitos, entregues a nós mesmos. Não percebemos nenhum sinal de assistência estadual ou municipal para conosco. E já que mantínhamos as nossas estradas e os caminhos por conta própria, estávamos livres de impostos e tributos. Agora, fi nalmente, percebeu-se nossa existência e acredita-se que aqui há alguma coisa para buscar. Nossos vizinhos repartiram entre si a região do Capivari de sorte que agora o Baixo Capivari pertence a Imaruí, enquanto que o Alto Capivari fi cou sob o controle de Palhoça. Esta proteção pagaremos certamente bem caro, pois os nossos “protetores” carecem de muitas necessidades, coisas que só podem conseguir de gente que trabalha e esta só é encontrada nas colônias alemãs. Afi nal, quem suou mais também pode pagar mais. A nossa Câmara Municipal colocou um fi scal, que controla os nossos caminhos, para que estes estejam roçados. Ora, os caminhos que nós mesmos construímos sem nenhum centavo da Câmara Municipal, estes caminhos são agora controlados! Da mesma forma a Prefeitura poderia dar ordem ao fi scal para controlar as cozinhas, para ver se as mulheres lavam bem as louças e não deixam queimar o feijão. Mas aí sim! Este fi scal se daria mal. “O que você tem a ver com as minhas panelas?” lhe perguntaria a dona de casa. “Estes utensílios eu mesma paguei. Se quiser viver bem, vá e trabalhe como nós!”. A estas alturas ela pegaria na colher de pau ou numa acha de lenha, e o fi scal nunca mais ousaria voltar. Mas as nossas autoridades já sabem que não podem com as nossas mulheres, pois estas são corajosas. Não poderiam nossos homens fazer a mesma coisa e dizer ao petulante fi scal: “O que lhe interessam nossas estradas? Estas nós fi zemos e mantemos, e as terras nos foram doadas pelo governo imperial. Desapareça daqui, senão vai ver o que te acontece!”. Mas, infelizmente, só as mulheres têm coragem. Os homens tiram o boné, agradecem e ainda se sentem “honrados” de poderem ofertar seu dinheirinho, tão arduamente ganho, aos nossos ilustres “protetores”! [...]

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Por fi m, ainda devo um preito de justiça às nossas queridas autoridades. Pelo que narramos, até parece que não se incomodam em absoluto conosco. Mas, não é bem assim, pois de tempos em tempos dão-nos um pequeno passatempo quando nos divertem com um espetáculo teatral no qual não somos apenas espectadores, mas atores conjuntos. São as tais das “eleições”, onde algo ou alguém é mesmo eleito. Aí chegam alguns senhores de Imaruí, e trazem um pacote cheio de envelopes fechados. Cada um de nós recebe um e começa o espetáculo. Os atores principais estudaram muito bem o seu papel. Sentados a uma mesa sobre a qual colocaram uma caixa, um olha apenas para o outro. Não necessitam dizer nada e por isso também o “ponto”3 é supérfl uo. Então recebemos esta ordem “enfi e cada um seu envelope dentro da caixa”. Prontamente cumprimos a ordem. Assim cumprimos nosso papel de eleitores, o que signifi ca que votamos. Não é isto maravilhoso? No quê ou em quem nós votamos não o sabemos, pois os envelopes já estavam lacrados. Se neles constava o nome do Tinhoso4 ou o de sua avó, tanto faz, pois ambos são da mesma raça. Os senhores de Imaruí poderiam ter feito esta transação toda lá mesmo, pois se quisessem os envelopes dentro da caixa, por que não os colocaram todos duma vez? Mas eles decerto queriam fazer-nos uma alegria, e nós lhes agradecemos por ela.5

Enquanto o núcleo colonial de São Martinho esteve vinculado ao município de Laguna, o desinteresse pela política foi total e a assistência nula. Com a criação do município de Imaruí, São Martinho passou à condição de distrito daquele município. Com a nova confi guração administrativa, começou a haver um interesse maior de ambas as partes. Para os políticos de Imaruí eram importantes os eleitores de São Martinho e, para isso, eram necessários os cabos eleitorais recrutados em cada comunidade.

Em 1898 foi fundado em Blumenau a Volksverein (Associação Popular) que, em pouco tempo, estendeu suas ramifi cações para outras regiões de colonização alemã em Santa Catarina. Também em São Martinho foi fundada uma secção da agremiação, que procurava divulgar os valores do pangermanismo e organizar a população de origem alemã. “Graças aos esforços dos Srs. Baptista May e Joseph Steiner foi fundada aqui, após árduos trabalhos, a Associação Popular nos moldes daquela de Blumenau. A Associação conta no momento com 125 integrantes, tendo

3 “Ponto” é o personagem que na apresentação de uma peça de teatro não aparece em cena, mas tem a função de falar em voz baixa o texto para os atores quando estes se esquecem de alguma palavra ou frase. 4 Designação popular para Diabo. 5 Carta de um colono do Capivary. In: Der Urwaldsbote. 10 de maio de 1902.

como presidente Heinrich Hoepers.”6 A associação enviou dois delegados para o congresso da entidade em Blumenau em 1901 quando foi fundado o Volkspartei (Partido Popular), que tinha como objetivo conclamar os imigrantes e seus descendentes a participar da política como cidadãos brasileiros – portanto, assumir uma vida pública para além dos limites do grupo étnico, no sentido de que a conservação da germanidade era independente dos direitos e das obrigações da cidadania, uma vez que estes eram fundamentais para assegurar sua perpetuação. A Associação Popular se manteve atuante por algum tempo em São Martinho e seu maior mérito foi despertar nos moradores a importância na participação e envolvimento na política.7

2 A criação do Município

A maior parte do território que constitui o município de São Martinho fazia parte do município e da comarca de Laguna. Mas os colonos tinham pouca ligação com esta cidade em termos de administração municipal ou de necessidades civis. No tempo do Brasil Império os registros de batismo, casamento e óbito eram feitos pela Igreja Católica e tinham validade religiosa e civil. Em 1889, com a proclamação da República deuse a separação entre Igreja e Estado e então foram criados os cartórios com a fi nalidade que têm hoje. São Martinho teve o privilégio de ser elevado à categoria de distrito em 1892 e, no ano seguinte, foi criado e instalado o cartório. Foi um dos primeiros cartórios criados no sul do Estado, anterior aos de Braço do Norte, Rio Fortuna e São Bonifácio.

Com a criação do município de Imaruí em 18908, São Martinho passou à jurisdição daquela circunscrição administrativa. Aos poucos Imaruí estendeu também para esta região sua ação política e administrativa. Havia a obrigatoriedade do voto para os fi lhos dos imigrantes, o serviço militar e a necessidade da justiça para solucionar casos de confl ito. Gradativamente se fez sentir a presença da autoridade em casos de necessidade. Os políticos

6 Der Urwaldsbote. Nº 42 (13.4.1901). 7 O jornal Der Urwaldsbote publicou no ano seguinte (1902) a ata da reunião da Associação Popular de São Martinho em que aparecem os nomes dos líderes locais como José

Hülse, Heinrich Eyng, TheodoroVanderlinde, August Boes, Hermann Boeing, Max Joseph Steiner e Wilhelm Bünzen. 8 O município de Imaruí foi criado pela Lei nº 22, de 27 de agosto de 1890.

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