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3 Casamento

2 Nascimento

O nascimento de uma criança era sempre um acontecimento importante e nos revela as crenças e as tradições trazidas pelos imigrantes para o Vale do Capivari, especialmente para São Martinho.

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É necessário observar que a gravidez era considerada uma doença cercada de mistérios. Sobre este assunto, os pais mantinham absoluto segredo. Não podiam, em hipótese alguma, tratá-lo com os fi lhos. Como os bebês nasciam em casa, os fi lhos passavam o dia com parentes ou vizinhos. As crianças eram convencidas a acreditar na história da cegonha que pescava o recém-nascido em alguma lagoa da redondeza. E a parteira era a encarnação da cegonha. Era ela que trazia os bebês.

Os fi lhos eram vistos como uma bênção divina e, por isso, as famílias tinham prole numerosa. O nascimento da criança era anunciado aos vizinhos e aos parentes. A parturiente fi cava sete dias de cama e durante quarenta dias não aparecia em público. Sua alimentação era sopa de galinha para não causar cólicas à criança. Nos primeiros domingos após o nascimento da criança, as mães vizinhas faziam a sua visita à nova mãe. Neste dia as mulheres costumavam ir acompanhadas de seus maridos. Davam os parabéns aos genitores pelo recém-nascido, desejando, ao mesmo tempo, viel Glück und Segen, muita felicidade e bênção. Os homens reuniam-se em torno de uma mesa para jogo de cartas, enquanto as mulheres faziam companhia à mãe do recém-nascido. As visitantes costumavam levar alguma oferenda, na maioria dos casos uma galinha, uma dúzia de ovos, alguma massa de farinha de trigo, arroz, ou outro artigo semelhante para a cozinha do lar feliz. Outros levavam um vestidinho, um sabonete ou um frasco de talco. Essa tradição faz parte da religiosidade do povo, pois segundo o relato bíblico, o menino Jesus recebeu a visita dos Reis Magos que lhe ofereceram presentes. No meio da tarde, todos os convivas eram chamados à mesa para o Kinderkaff ee, o café de bebê, onde eram servidos doces, bolos e cucas. Os homens não podiam recusar um trago de cachaça.

A escolha do nome cabia geralmente aos pais. Quanto a isto, podem-se observar várias fases: nos primeiros tempos prevaleceram os nomes da tradição familiar, isto é, os fi lhos recebiam os nomes dos avós e dos tios que também eram os padrinhos. Se o fi lho mais velho era do sexo masculino, recebia o nome do avô paterno que também era seu padrinho, se era do sexo feminino, recebia o nome da avó que

também era a madrinha. O segundo fi lho recebia o nome do avô ou da avó materna (de acordo com o sexo) e que também eram os respectivos padrinhos. A seguir vinham os tios ou as tias paternos, os tios ou as tias maternas e assim sucessivamente; depois entraram em uso nomes mais modernos, contanto que aprovados pela Igreja; ultimamente adotam-se nomes que estão mais em moda, sobretudo nomes veiculados na mídia e nas telenovelas. Atualmente estão sendo retomados nomes da antiga tradição dos imigrantes.

O batizado era feito o quanto antes possível. Se a família morava perto da Igreja Matriz, a cerimônia acontecia nos primeiros dias após o nascimento. Nas comunidades mais distantes o batizado era realizado quando o padre fazia a visita à capela, o que acontecia, em geral, de três em três meses. Se a criança apresentava visíveis problemas de saúde, era feito o batismo de emergência e a própria parteira realizava a cerimônia.

Cabia aos padrinhos a compra do enxoval do batizando composto de um vestidinho e de uma touca com rendas e fi tas de seda. Outra peça do enxoval era a mantinha de lã. O pagamento da espórtula do batismo fi cava igualmente a cargo dos padrinhos. Quando os padrinhos não podiam comparecer ao batizado por causa da distância ou algum outro motivo, enviavam o enxoval, e os pais escolhiam outro casal representante dos padrinhos. Os padrinhos tinham o dever de assumir o afi lhado se os pais não estivessem em condições de criá-lo, principalmente em caso de falecimento da mãe.

Não havia o hábito de se comemorar o aniversário. A celebração do aniversário com festa, bolo e cantoria é de tradição recente. No entanto, os padrinhos presenteavam os afi lhados na data natalícia ou no natal, com algum objeto de utilidade prática: para as meninas um vestido e para os meninos uma camisa. Raras vezes um brinquedo.

Com as mudanças ocorridas nos últimos anos, o ritual social e religioso que cercava o nascimento de uma criança, perdeu seu signifi cado primitivo. Uma nova rede de relações sociais, baseadas no poder econômico e no círculo de amizade da família, fez desaparecer o antigo sentido e a importância do compadrio e de parentesco.

3 Casamento

O casamento era a maior festa familiar. Além dos parentes, quase todos os moradores da localidade eram convidados para o evento. Algumas semanas antes, pessoas especialmente indicadas pelos pais do noivo saíam para formalizar o convite. A cavalo, os emissários iam de casa em casa, e cada convidado lhes entregava uma fi ta colorida que era amarrada no chapéu. A fi ta colorida era sinal de aceitação do convite. Os mensageiros não dispensavam uns goles de cachaça e, por isso, a cerimônia do convite transcorria num clima de muita alegria.

Com antecedência os convidados traziam algum donativo em gêneros alimentícios: galinhas, ovos, farinha, batata inglesa, arroz, trigo, manteiga. Tudo era preparado pelos vizinhos. Nos últimos dias que precediam a festa, as senhoras preparavam a comida: macarrão caseiro secado ao sol, cucas (Streuselkuchen), bolos, roscas, bolachas, muito queijinho e muita nata. Também na véspera já eram descascadas as batatas para o Gemüse do dia da festa. Se na vida do dia a dia era comum o uso de açúcar mascavo e de fubá na confecção de pão, em festa de casamento usava-se farinha de trigo e açúcar branco. Enquanto as mulheres se ocupavam com a preparação dos alimentos, os homens providenciavam a lenha para o fogão e o forno, plantavam palmitos junto à porteira na entrada do pasto e do quintal. Duas folhas de coqueiro enfeitadas com lacinhos de fi ta colorida, formando um arco, eram fi xadas na porta principal da casa por onde os noivos deviam entrar. Aos homens cabia também a tarefa de matar os animais (boi e porco) e aves e preparar a carne. Era também tarefa deles preparar a bebida chamada concertada6. Os trabalhos prolongavam-se até altas horas da noite. Para deixar livre a sala de estar para as danças, as mesas do banquete eram armadas no pátio, debaixo de árvores sombreiras, ou então, se o tempo se apresentasse chuvoso, construía-se um galpão coberto com folhas de palmeira ou com lona.7

6 Havia dois tipos de “concertada”: uma, de cor esverdeada, com menor teor alcoólico e destinava-se às mulheres e crianças; a outra, de cor marron-escuro, feita à base de açúcar queimado, cachaça e outros ingredientes, com teor alcoólico mais elevado, era servida aos homens. 7 Não existia em São Martinho a tradição do Polterabend (noite do barulho) como em algumas comunidades de origem alemã, em Santa Catarina. “Polterabend” é o termo para um costume alemão de uma celebração alegre antes do casamento. Os convidados levam peças de porcelana que são quebradas manten-

Um dia antes do casamento, pessoas especialmente indicadas e acompanhadas pelo noivo, buscavam a noiva para a casa do noivo onde estava para acontecer a festa. Esta busca era feita num clima de muita alegria, expresso em algazarra e cantoria, porém sempre no máximo respeito e ordem.

No dia do casamento, montados em cavalos ornados com fi tas de papel de seda e acompanhados das testemunhas, iam os noivos para a Igreja onde era formalizada a cerimônia religiosa que acontecia normalmente por volta das nove horas. Como as famílias moravam, em geral, longe da Igreja Matriz, só os noivos e dois casais de testemunhas iam à igreja para a celebração da cerimônia religiosa.8 Para não sujar a roupa da festa, iam de vestimenta comum e, perto da igreja, na casa de alguma família conhecida, os noivos trocavam de roupa e se arrumavam. Os convidados compareciam apenas ao local da festa que geralmente se dava na casa do noivo.

Perto do meio-dia, quando os noivos estavam para chegar, partia ao encontro deles uma comitiva, a cavalo, levando uma bandeira e foguetes (rojões), a fi m de anunciar a chegada dos nubentes aos convidados da festa.

Diante da porteira do quintal,9 os membros do cortejo apeavam dos seus animais e levantavam a bandeira num ponto onde pudesse ser vista de longe e lá fi cava até o fi m da festa. Músicos munidos com gaita e algum outro instrumento, recepcionavam os noivos. Um dos músicos, ou alguém dentre os demais que o acompanhava, dizia um pequeno discurso

do a tradição na crença de que cacos de louças trarão sorte ao futuro casal.

Vidros e principalmente espelhos são proibidos pois o vidro representa a felicidade que não deve ser destruída e um espelho quebrado é má sorte por sete anos. Os noivos devem limpar a bagunça juntos e este ato simboliza que no futuro eles terão que suportar situações difíceis juntos. 8 As testemunhas eram, em geral, um irmão e uma irmã do noivo e um irmão e uma irmã do noivo. 9 A casa do colono era cercada com sarrafos de madeira chamadas de estaquetas. Este cercado constituía o quintal onde havia, na parte da frente da casa, num lado, hortaliças e, no outro, fl ores. Entre um e outro canteiro havia um caminho ladeado de tijolos semienterrados e inclinados, e que conduzia da porteira até a porta principal que dava para a sala de visita. Atrás da casa havia um pátio donde se partia para o chiqueiro, estrebaria, galinheiro. Podia haver em volta desse pátio algumas árvores frutíferas ou sombreiras.

Nos fundos da casa havia também, além da cozinha, uma área de serviço com forno para assar pão de milho e um tanque com água corrente trazida através de uma calha cavada em tronco de coqueiro ou de palmito.

de boas vindas em linguagem alegre e espontânea. O discurso, em forma de poesia, era mais ou menos nestes termos: (Alemão) (Português) Guten Morgen sollt’ ich sagen, Bom dia devo dizer, Und ein schönes Kompliment. E saudá-los também. Und die Eltern liessen fragen, Os pais mandam perguntar, Wie das Brautpaar sich befänd. Como os noivos estão.

Der Straus wär aus dem Garten, O buquê é do jardim,

Wenn ihr etwas danach fragt. Se a respeito dele perguntarem.

An der Türe sollt’ ich warten, Junto à porta devo aguardá-los

Ob ihr mir auch etwas fragt. Caso me perguntarem alguma coisa.

Hübsch grüssen sollt’ich jeden, Devo a todos saudar gentilmente, Und ganz still sein wenn man spricht. E fi car bem quieto quando alguém fala. Und ganz deutlich sollt’ ich redden, E discursar com toda clareza,

Aber schreien sollt’ich nicht. Porém, sem gritaria.

Doch ich sollte mich auch nicht schämen Mas não é para me envergonhar, Denn ich wäre ja brav und fromm. Pois bom e piedoso eu sou. Nur vom Kopf die Mü e nehmen Apenas o boné devo tirar wenn ich in das Zimmer komm. Quando na sala chegar.

Wenn mir eins was geben wollte, Se alguém me der alguma coisa,

Sollt’ich sagen “Danke schön”! Devo então dizer: “muito obrigado”! Aber unau örlich sollte ich nicht, Mas não devo fi car olhando,

Nach der Kuchen sehen. Para o bolo sem cessar.

Und hübsch langsam sollt’ ich essen, Devo comer devagarinho Stopfen wär’ hier garnicht Brauch. Empanturar-se não é aqui costume.

Und bald hä ’ ich es vergessen, Ah! E quase havia me esquecido,

Gratulieren sollt’ich auch. De dar-lhes os parabéns.

Feito isto, os noivos e as testemunhas, precedidas por duas meninas espalhando pétalas de rosas, seguiam em fi la até a porta principal da casa por uma alameda de palmitos plantados na véspera. A entrada havia sido ornada com dois ramos de coqueiro em cada lado formando um arco e no alto um letreiro multicolorido com as palavras Willkommen, bem-vindos. Em torno dos noivos e das testemunhas reuniam-se em semicírculo os convidados, ao passo que os pais e parentes próximos do noivo

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