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LUCIANA NASCIMENTO

Luciana Nascimento: Bolsis-

ta de produtividade em pesquisa do CNPQ com o Projeto “Cartografias Urbanas:

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Centros, margens e avessos”. Professora de Cultura

Literária da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Troféu Evita Perón - Embaixadora da Paz - Núcleo de Letras e Artes de Buenos Aires. Coordenadora Voluntária de Cursos de Capacitação em EaD para Moçambique. Prêmio 2020 Diamonds of Arts. http://lattes.cnpq.br/2584650402012722 no século XIX, afirmou que os sujeitos se tornaram tipos particulares de atores no teatro da vida urbana, criando assim novas sociabilidades inventadas. E foram, justamente, as percepções do fenômeno urbano que modificaram o modus vivendi das populações, os costumes e os modos de se portar na cidade, a partir da indústria do entretenimento, da frequência aos cafés, teatros, cafés-concertos etc.

Todas essas experiências foram vividas tanto pelos cidadãos comuns como também pelos políticos, médicos e literatos. E foi o discurso dos literatos que certamente inaugurou, por assim dizer, “o chão das cidades”, (PECHMAN, 2007, p. 32), tendo expressado em larga medida os conflitos e as vivências dos sujeitos e a forma como estes se relacionaram dentro desse espaço. Assim, o discurso literário sobre o urbano criou uma outra cidade distinta daquela que se instaurou dentro do discurso da ordem do urbanismo.

Toda a modernidade urbana teve sua matriz na “Paris, Capital do século XIX”, como bem afirmou o filósofo alemão Walter Benjamin, pois a cidade se projetou como berço das ideias iluministas e modernas, além de ter consolidado a imagem de uma “cidade mito”. De acordo com Roger Callois, o “mito de Paris” foi uma imagem criada por volta de 1840 como uma urbe concebida “com caráter tipicamente mítico relacionado às mudanças do mundo exterior, sobretudo, no cenário urbano” (CALLOIS, 1972, p.126).

Cidades: Fetiches e Vitrines

por Luciana Nascimento

O teórico Carl Schorske, em seu texto A ideia de cidade no pensamento europeu: de Voltaire a Spengler, compreende a cidade em três dimensões: “Creio que se podem discernir três avaliações amplas da cidade nos últimos duzentos anos: A cidade como virtude, a cidade como vício e a cidade para além do bem e do mal” (SCHORSKE, 2000, p. 53). Ou seja, a cidade gerada pela modernidade no século XIX, principalmente, concretizou o modo capitalista de produção com suas dissonâncias e conflitos. O desenho urbano passou a acompanhar o desenvolvimento do mercado e a consolidação do capitalismo, fazendo com que a cidade ganhasse formas e traçados que a distinguiam dos demais modos de aglomeração precedentes. Ao serem representadas no discurso literário, as cidades assumem uma fantasmagoria peculiar e Paris tornou-se a matriz urbana para todo o mundo ocidental do século XIX, tendo sido representada na poesia de Charles Baudelaire, o grande poeta da modernidade.

O poeta francês tematizou a cidade em seus versos em plena reforma urbana empreendida pelo então Prefeito Barão de Haussman. O poeta vê a Paris sob o impacto das mudanças, não sem uma dose de nostalgia:

Fecundou-me de súbito a fértil memória, Quando eu cruzava a passo o novo Carrossel. Foi-se a velha Paris (de uma cidade a história Depressa muda mais que um coração infiel)

Só na lembrança vejo esse campo de tendas, Capitéis e cornijas de esboço indeciso, A relva, os pedregulhos com musgo nas fendas, E a miuçalha a brilhar nos ladrilhos do piso.

(...) Paris muda! mas nada em minha nostalgia Mudou! novos palácios, andaimes, lajedos, Velhos subúrbios, tudo em mim é alegoria, E essas lembranças pesam mais do que os rochedos. (BAUDELAIRE, 1995, p. 172-173). É na cidade da ordem urbana que o sujeito poético rememora um passado que o novo desenho urbano apagou criando uma “memória dos lugares” (NORA, 1993) que já não existem mais.

Entre a cidade da ordem do urbanismo e a cidade vivida pelos seus habitantes, temos o discurso literário como mediador a nos mostrar os muitos apagamentos e avessos da/na cidade. No campo dos modus vivendi e do processo civilizador (ELIAS, 1994), as cidades trouxeram inovações a ponto de se tornarem vitrines para exibição das pessoas em seus bulevares, como também vitrines para exibição da mercadoria enquanto “fetiche da burguesia”, o que veio instaurar distintos modos de ver e de ser visto.

Hoje, as cidades ainda exercem algum fascínio sobre os visitantes, como por exemplo, Paris, Lisboa, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro, dentre outras. Ainda são urbes visitadas e fotografadas e figuram como cidades literárias por atraírem também o turismo cultural.

Na nossa contemporaneidade o cidadão na sua azáfama cruza a cidade e já não exerce a sua flanêrie nas ruas e avenidas, nem mesmo repara nas fachadas ou nos lugares que já desapareceram para dar espaço a outras funções urbanas. De qualquer maneira, é preciso lembrar o que Italo Calvino nos diz em sua obra As Cidades Invisíveis, sobre o passado da cidade, pois este se encontra escrito “nas linhas da mão, nos ângulos das ruas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos para-raios, nos mastros das bandeiras e em cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras” (CALVINO, 1993, p.27).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUDELAIRE, Charles. O cisne. IN:_____. Poesia e Prosa. Obra completa. Trad. Ivo Barroso et. al. Rio de Janeiro: Nova Aguillar, 1995. BENJAMIN, Walter. Paris, Capital do século XIX. IN:_____. Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. Obras Escolhidas III. Trad. José Carlos Martins Barbosa e Hemerson Alves Baptista. São Paulo: Brasiliense, 1989 CALLOIS, Roger. O Mito e o Homem. Trad. José Calixto dos Santos. Lisboa: Edições 70, 1972. CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. Trad. Diogo Mainardi. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador: Uma História dos Costumes. Volume 1. Trad. Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. NORA, Pierre. Entre memória e história: A problemática dos lugares. Trad. Yara Aun Khoury. IN: Projeto História. Revista do Programa de Estudos pós-graduados em História. Volume 10, 1993, p.7-28. Disponível em: https://revistaspusp.br/index.php/revph/article/download/12101/8763. Acesso em:10/08/2020 PECHMAN, Robert Moses. Desconstruindo a cidade: Cenários para a nova literatura urbana. IN: Revista Rio de Janeiro, n. 20-21, jan-dez, 2007, p. 31 a 40 SENNET, Richard. O tumulto da vida pública no século XIX. IN:_____ O declínio do homem público. As tiranias da intimidade. Trad. Lygia Araújo Watanabe. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 163-173. SCHORSKE, Carl. E. A ideia de cidade no pensamento europeu: de Voltaire a Spengler. IN:_____ Pensando com a história: indagações na passagem para o modernismo. Trad. Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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