no século XIX, afirmou que os sujeitos se tornaram tipos particulares de atores no teatro da vida urbana, criando assim novas sociabilidades inventadas. E foram, justamente, as percepções do fenômeno urbano que modificaram o modus vivendi das populações, os costumes e os modos de se portar na cidade, a partir da indústria do entretenimento, da frequência aos cafés, teatros, cafés-concertos etc.
Luciana Nascimento: Bolsis-
ta de produtividade em pesquisa do CNPQ com o Projeto “Cartografias Urbanas: Centros, margens e avessos”. Professora de Cultura Literária da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Troféu Evita Perón - Embaixadora da Paz - Núcleo de Letras e Artes de Buenos Aires. Coordenadora Voluntária de Cursos de Capacitação em EaD para Moçambique. Prêmio 2020 Diamonds of Arts. http://lattes.cnpq.br/2584650402012722
Cidades: Fetiches e Vitrines por Luciana Nascimento O teórico Carl Schorske, em seu texto A ideia de cidade no pensamento europeu: de Voltaire a Spengler, compreende a cidade em três dimensões: “Creio que se podem discernir três avaliações amplas da cidade nos últimos duzentos anos: A cidade como virtude, a cidade como vício e a cidade para além do bem e do mal” (SCHORSKE, 2000, p. 53). Ou seja, a cidade gerada pela modernidade no século XIX, principalmente, concretizou o modo capitalista de produção com suas dissonâncias e conflitos. O desenho urbano passou a acompanhar o desenvolvimento do mercado e a consolidação do capitalismo, fazendo com que a cidade ganhasse formas e traçados que a distinguiam dos demais modos de aglomeração precedentes. Richard Sennet em seu texto O tumulto da vida pública 66
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Todas essas experiências foram vividas tanto pelos cidadãos comuns como também pelos políticos, médicos e literatos. E foi o discurso dos literatos que certamente inaugurou, por assim dizer, “o chão das cidades”, (PECHMAN, 2007, p. 32), tendo expressado em larga medida os conflitos e as vivências dos sujeitos e a forma como estes se relacionaram dentro desse espaço. Assim, o discurso literário sobre o urbano criou uma outra cidade distinta daquela que se instaurou dentro do discurso da ordem do urbanismo. Toda a modernidade urbana teve sua matriz na “Paris, Capital do século XIX”, como bem afirmou o filósofo alemão Walter Benjamin, pois a cidade se projetou como berço das ideias iluministas e modernas, além de ter consolidado a imagem de uma “cidade mito”. De acordo com Roger Callois, o “mito de Paris” foi uma imagem criada por volta de 1840 como uma urbe concebida “com caráter tipicamente mítico relacionado às mudanças do mundo exterior, sobretudo, no cenário urbano” (CALLOIS, 1972, p.126). Ao serem representadas no discurso literário, as cidades assumem uma fantasmagoria peculiar e Paris tornou-se a matriz urbana para todo o mundo ocidental do século XIX, tendo sido representada na poesia de Charles Baudelaire, o grande poeta da modernidade. O poeta francês tematizou a cidade em seus versos em plena reforma urbana empreendida pelo então Prefeito Barão de Haussman. O poeta vê a Paris sob o impacto das mudanças, não sem uma dose de nostalgia: Fecundou-me de súbito a fértil memória, Quando eu cruzava a passo o novo Carrossel. Foi-se a velha Paris (de uma cidade a história Depressa muda mais que um coração infiel) Só na lembrança vejo esse campo de tendas, Capitéis e cornijas de esboço indeciso, A relva, os pedregulhos com musgo nas fendas, E a miuçalha a brilhar nos ladrilhos do piso.