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MANOEL OSDEMI DA SILVA

ANTOLOGIA Era uma Vez um Anjo lançamento no Salão du Livre de Genèvedo 28/outubro ao 01/novembro 2020

3 ° lugar - prosa no 4° Concurso Cultive de Literatura

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O Anjo Que Veio Do Mar

Amigo, a gente encontra, o mundo não é só aqui. Cinco amigos, o nosso mar, uma canoa, uma tempestade, um naufrágio e dois sobreviventes.

Quando se pensa nessa história, a gente logo percebe um sentimento de solidariedade de alto nível que existia entre eles.

As ondas ainda hoje parecem vibrar. As mensagens de otimismo trocadas por eles durante as 24 horas de aflição, ecoam. A aventura iniciou num caminho imaginário em Bitupitá, na praia do Arrombado, onde se deu o naufrágio, e terminou numa praia da cidade de Barra Grande, no estado do Piauí.

A maioria tinha idade avançada. Apenas Kêza destoava dos demais. Era con- siderado o caçula da turma. Todos os dias, fazendo chuva ou sol, eles saíam para pescar. Na madrugada de terça-feira, saíram quando ainda estava escuro. Não havia outras pessoas na praia. De vez em quando, soprava uma rajada de vento, descolorin- do a calmaria do horizonte. Nesse dia, o vento apresentava-se diferente. Estava muito forte, ao ponto de chamar a atenção de Damázio, o mais experiente da turma. Teve um momento, que ele pensou em desistir, mas achou melhor compartilhar com o grupo sua apreensão: de que poderia surgir a qualquer momento um aguaceiro (chuva mis- turada com vento). Embora apreensivos, a maioria resolveu seguir em frente. A canoa que iam navegar estava na beira da praia, presa por um fio de corda à uma fatecha, um tipo de âncora artesanal que ficava no fundo do mar. A canoa era feita de madeira, tamanho médio. Damázio correu os olhos por toda sua extremidade. A preocupação, com o tempo chuvoso, o fez redobrar as atenções com a segurança da tripulação. Após

MANOEL OSDEMI DA SILVA é funcionário público federal da Empresa de Correios e Telégrafos, gradu- ando em Ciências Contábeis. escritor, pintor, músico e arte cênica. É membro da Academia Camocinense de Ciências, Artes e Letras - ACCAL; Coordenador de Carteiros, Inspetor e Diretor de Esportes da ARCO - Associação Recreativa dos Correios. Autor de 11 livros sendo um deles (Pancada de Vento, 2012) premia- do pela Secretaria de Cultura do Município de Fortaleza – SECULTFOR - Prêmio manoel Oliveira Paiva; Historietas de Bitupitá (no prelo). É membro da Academia de Letras dos Municípios do Estado do Ceará - ALMECE; prêmio Destaque do ano de 2018, concedido pela Associação de Agropecuária Comércio Indústria Serviços e Turismo – AACIST pelo seu desempenho cultural no estado do Ceará; recebeu o Selo de Reconhecimento da Academia de Letras Juvenal Galeno. Participou de dois Documentários e nove filmes, entre eles: “Dizem que os Cães Veem Coisas”, “Visita ao Filho” e “As Corujas” pelo qual recebeu o prêmio de Melhor Filme no Festival de Cinema Cearense e Tiradentes, do Estado de Minas Gerais,”, baseados nas obras do respeitado e lendário professor e contista cearense, José Maria Moreira Campos. Ele compôs e registrou 10 músicas gospel e musicou o poema de Valquiria Imperiano Lágrimas Negras. Artes Plásticas – produção de mais de 100 telas (técnica óleo sobre tela) nos últimos cinco anos, com várias exposições. Destaque de Melhor Tela, promovida pela TV Verdes Mares em 2018: Coqueiros do Doro, capa do livro: Historietas de Bitupitá - 80 X 70 cm, técnica, óleo sobre tela. Participou da exposição “Imagem Poética 2019” organizado pela Cultive no Consulado Geral do Brasil em Genebra.

o embarque, saíram margeando a praia, sob o comando do mestre Antônio Le- ôncio, até o Arrombado, onde se realizaria a pescaria. Em alto mar, as preocupações de Damázio tornavam-se mais previsíveis todas às vezes que uma formação de chuva se apresentava no horizonte. E não demorou muito. A tempestade desabou. O que era para chover num mês, choveu em poucos minutos. Não se enxergava um palmo à frente. Era água demais, dava a impressão que a canoa ia afundar a qualquer momen- to. E não deu outra, em questão de segundos a canoa desapareceu nas profundezas do mar. Impossibilitados de alcançarem à praia, em virtude de uma forte correnteza,

deixaram-se levar pela força das águas. O objetivo era economizar o máximo de ener- gia. Viraram-se de barriga para cima e tentaram se manter, assim, sem exigir muito esforço, utilizando-se, apenas, da experiência de muitos anos de profissão.

Já era noite.

Dentro do mar, os cinco amigos seguiram nadando com calma, acompanhan- do a correnteza. No silêncio, parecia haver um vago eco de suas vozes de autoajuda, tremilicando com o balanço das ondas. A esperança deles, naquele momento, era encontrar uma embarcação que por ali passasse. Mas a cada minuto, essa vontade transformava-se numa vaga esperança. Parecia que todos os pescadores haviam su- mido. Restava somente a chegada da madrugada trazendo a barra do dia. Damázio nadava na frente, com Raimundo Dias e Kêza. Zé Pedro e Antônio Leôncio, um pouco atrás. A noite era escura. Havia um sossego de tristeza. Aqui e acolá, Damázio erguia a cabeça e num olhar panorâmico confirmava a presença de todos, pedindo a Deus que expulsasse todos os tubarões dali. Na véspera, ouviram uma notícia estarrecedo- ra: a presença de um tubarão “jaguara”, com suas sete carreiras de dentes pontiagu- dos, passeando nessa praia. Num desses momentos, ao olhar para trás, Damázio pressentiu a falta dos dois companheiros, Antônio Leôncio e Zé Pedro. Gritou, atrás de alguma resposta, mas não obteve nenhum resultado. Aguardaram alguns minutos. A gaivota da madru- gada (pássaro maritmo) passou sobre eles, avisando-os com seu cântico, que não poderiam demorar, ali, pois era um local muito perigoso: o encontro do Rio Timonha com o mar. O experiente pescador conhecia esse lugar muito bem. As ondas cresciam como rochedos, chicoteando com o vento o que encontrassem pela frente. Avisados por Damázio, os três resolveram acelerar o nado no exato momento em que uma onda gigante se aproximou, por um momento tiveram a sensação que a onda ia desabar sobre eles. Os três mer- Tchuááááááá.

De madrugada, após 15 horas, nadando mar a dentro, sentiram que se afastavam cada vez mais para longe da praia. As forças dos músculos esgotavam-se a cada braçada. A respiração já não era a mesma. Era curta e ofegante. As ondas imensas os sacodiam distantes. Os corpos cansados negavam qualquer esforço. Em determinado momento, Damázio reparou que os dois amigos estavam ficando para trás. Sentiu em seu coração que estava chegando o momento de salvar um deles, mas qual? Os dois eram seus melhores amigos. Pediu a Deus que resolvesse aqui- lo, porque era humanamente impossivel transportar os dois até o seco. Mas não foi preciso decidir, a decisão já havia sido tomada por Raimundo Dias com a justificativa de que seus filhos estavam criados e os do Kêza, não. Damázio era o único dos três que se apresentava melhores condições físicas. Era considerado um exímio nadador, qualidade que o tornou conhecido como “o homem peixe”. Quando Damazio ia para os currais, dispensava as canoas. Adorava nadar ao lado delas. E assim, foi feita a vontade do amigo. Damázio transportou Kêza nas costas até a praia da Barra Grande, onde ficaram aguardando a chegada de socorro.

Nomes dos heróis. Falecidos: Raimundo Dias (Marreca) Antônio Leôncio Zé Pedro

Sobreviventes: Damázio; Kêza

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