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DILERCY ARAGÃO ADLER

Dilercy Aragão Adler é uma poeta

contemporânea das mais combativa e empática, no que toca a busca do empoderamento do ser humano, através do conhecimento profícuo em Educação, em Psicologia , em Literatura e nas Artes, de um modo geral. A poeta, escritora e conferencista nasceu em São Vicente Férrer, Maranhão, em 1950. É Psicóloga. Doutora em Ciências Pedagógicas - Cuba (revalidação na UnB-Brasilia); Mestre em Educação pela Universidade Federal do Maranhão-UFMA; Especialização em Metodologia da Pesquisa em Psicologia e Especialização em Sociologia pela Universidade Federal do Maranhão-UFMA. É aposentada pela Universidade Federal do Maranhão-UFMA. É membro do Banco de Avaliadores do Sinaes - BASIS/INEP/MEC. Dilercy tomou posse como Membro Internacional Cultive no Maranhão.

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A CONTRIBUIÇÃO DAS INSTITUIÇÕES CULTURAIS PARA O DESENVOLVIMENTO HUMANO

Lavra na terra o sulco da vida lavra ideias lava a “culpa” e o “pecado do mundo” limpa com ideias revolve o sumo do inominável com tuas ideias! (Dilercy Adler)

Em primeiro lugar quero enfatizar a importância das instituições culturais para o desenvolvimento individual e coletivo. Essa é uma premissa inquestionável. Faz-se mister, no entanto, esclarecer que, ao nascer, o recém-chegado já encontra uma sociedade estruturada, com os modelos de conduta, valores predominantes, embora estes não se firmem como absolutos, inquestionáveis e imutáveis. Essa é a mais perfeita e decisiva possibilidade, pois, por meio da capacidade reflexiva, de ascender à práxis (teoria e prática), o sujeito pode interferir na construção da sua própria história e na história da sua sociedade.

Dessa premissa pode ser depreendido que a sociedade, concomitante e ambivalentemente, é a condição da alienação e da liberdade; nela o homem tanto pode se aniquilar como se realizar. Por outo lado, a condição de estranhamento vai desencadear outras formas de interpretação e ações humanas correspondentes que se manifestarão criativamente por meio de instrumentos diversificados, a exemplo de:

[…] quando paramos para refletir na vida diária, quando o filósofo se admira com o que parece óbvio, quando o artista lança um olhar novo sobre a sensibilidade embaçada pelo costume, quando um cientista descobre uma nova hipótese.

O “sair de si” é remédio para o preconceito, o dogmatismo, as convicções inabaláveis e, portanto, paralisantes. É a condição para que, ao retornar de sua “viagem” o homem se torne melhor. (ARANHA; MARTINS, 1993, p.7).

Convém ainda considerar que esse “sair de si”, para a desconstrução do que já está introjetado pelo costume, pela inculcação ideológica dominante na sociedade, não é tão acessível como pode parecer à primeira vista, mas é possível, e alguns sujeitos mais atentos, reflexivos e inconformados com a submissão às normas arbitrárias conseguem.

Ademais, cada indivíduo se constitui como ator social, com papéis pré-determinados, em perfeita consonância com o sistema social mais amplo, no qual tem sua origem e ao qual, em maior ou menor intensidade, serve. Nesse contexto a educação se materializa como instrumento de reprodução das condições de existência dessa mesma sociedade, tanto na sua forma sistemática, própria do trabalho escolar, como na sua forma assistemática experienciada nas várias instituições sociais: família, escola, trabalho, religião, entre outras, e culturais: academias de letras, museus, teatros, bibliotecas

Ou seja, nas sociedades ocidentais modernas, as instituições sociais e as instituições culturais são ao mesmo tempo formadoras e facilitadoras culturais, fazendo com que a relação entre as pessoas e os hábitos e costumes se apresentem como naturais.

Para tornar esta análise mais palpável, selecionei alguns exemplos concretos de algumas situações específicas. A primeira diz respeito a um interessante diálogo que aconteceu no século XVI, no Brasil, entre um velho índio Tupinambá e o francês Jean de Léry (1980, pp. 36-37). Tal diálogo trata de questões que demonstram diferença basilar entre as duas civilizações, e as ideias correspondentes:

Os nossos Tupinambás muito se admiram dos franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de ir buscar o seu arabutã. Uma vez um velho perguntou-me:

- Por que vinde vós outros, maíres (franceses) e perôs (portugueses) buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra?

Respondi que tínhamos muitas, mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele o supunha, mas dela extraímos tinta para tingir, tal qual o faziam com os seus cordões de algodão e suas plumas. Retrucou o velho imediatamente:

- E porventura precisais de muito?

- Sim, respondi-lhe, pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados.

- Ah! retrucou o selvagem, tu me contas maravilhas, acrescentando depois de bem compreender o que eu lhe dissera: Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo: - E quando morrem, para quem fica o que deixam? - Para seus filhos, se os têm, respondi, na falta destes para os irmãos ou parentes mais próximos.

- Na verdade, continuou o velho que, como vereis, não era nenhum tolo, agora vejo que vós outros maíres sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois de nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados..."

Um exemplo mais próximo na contramão da igualdade entre os gêneros diz respeito à inserção de escritoras nas Academias de Letras, neste caso tomamos como exemplo a Academia Brasileira de Letras-ABL.

A Academia Brasileira de Letras-ABL foi fundada no estado do Rio de Janeiro, em 20 de julho de 1897, por iniciativa de Machado de Assis, seu primeiro presidente, com o objetivo de preservar a língua e a literatura nacionais.

E, no seu artigo 2º, preconizava:

Art. 2º - Só podem ser membros efetivos da Academia os brasileiros que tenham, em qualquer dos gêneros de literatura, publicado obras de reconhecido mérito ou, fora desses gêneros, livro de valor literário. As mesmas condições, menos a de nacionalidade, exigem-se para os membros correspondentes.

A primeira candidatura feminina, Amélia Beviláqua, em 1930, foi rejeitada, sob a justificativa de que o vocábulo “brasileiros” restringia suas vagas apenas ao sexo masculino; ficou claro que a Academia relacionava valor literário a gênero.

Assim, no início dos anos 50, o Regimento Interno da ABL ratificou a impossibilidade de elegibilidade feminina e alterou o artigo acrescentando: os membros efetivos serão eleitos, dentre os brasileiros, do sexo masculino,

deixando mais claro ainda a prerrogativa excludente do gênero feminino.

Considerando as investidas femininas para integrarem o quadro de membros desse sodalício, que resultavam em calorosas e inflexíveis discussões entre os seus membros, por haver alguns partidários da inclusão de mulheres no rol dos acadêmicos, finalmente, em 1977, a instituição voltou a discutir a admissão da mulher na Academia, dando nessa ocasião parecer favorável à Rachel de Queiroz, que foi eleita para a ABL em 4 de agosto de 1977 (Cadeira nº 05).

Para melhor entendimento da situação dessa questão da ABL quanto à admissão de candidaturas femininas e dos valores vigentes (machistas) da época, recomendo a leitura completa do Discurso de Recepção da escritora Dinah Silveira de Queiroz, por Raimundo Magalhães Júnior, na ABL, em 07/04/1981, no qual o imortal faz uma retrospectiva lúcida sobre o impedimento da elegibilidade feminina naquele sodalício, mas transcrevo a seguir os dois últimos parágrafos do discurso em apreço: Para terminar, diremos apenas uma palavra a mais, em honra do nosso Fundador. Se o homem não se desfaz por inteiro no pó das sepulturas, o espírito de Lúcio de Mendonça deve rejubilar-se conosco, nesta noite festiva. As tristezas que ele manifestou pela exclusão das três Júlias começaram a ser vingadas pelo ingresso nesta Casa das duas Queiroz: a romancista de “O Quinze” e a ficcionista de “A Muralha”.

Principalmente por vós. Mais uma Queiroz viria muito a propósito para desmanchar aquela antiga amargura. Se olharmos bem ao nosso redor, veremos uma nova estrela literária em fulgurante ascensão com esse nome. Não nos cabe, porém, insinuar candidaturas. O nosso dever imediato é apenas o de dizer que, se a nossa justiça foi tardia, nem por isso é menor o nosso júbilo ao receber a nossa segunda acadêmica. Sede bem-vinda à Casa de Lúcio de Mendonça e de Machado de Assis, Sra. Dinah Silveira de Queiroz Castro Alves!

Nesse discurso podemos perceber um movimento no sentido oposto, que vem tomando forma e consistência, de modo que nas Academias de Letras mais novas, já fundadas neste novo milênio, se observa um número crescente de Patronas em Instituições Culturais, a exemplo, de Maria Firmina, que no Maranhão é Patrona da Academia Ludovicense de Letras; do Instituto Histórico e Geográfico de Guimarães e da Academia João-lisboense de Letras, bem como Patronas de Cadeiras e igualmente ocupantes de Cadeira do sexo feminino, embora não seja Ainda no específico à Literatura, alguns nomes que no século XIX, por meio da produção literária denunciavam as barbáries, retratadas no cativeiro africano, podemos citar as obras abolicionistas do século XIX, como o romance Úrsula, da escritora maranhense, primeira romancista brasileira, Maria Firmina dos Reis (18221917), autora também do Hino à libertação dos escravos: “Salve Pátria do Progresso! /Salve! Salve Deus a Igualdade! /Salve! Salve o Sol que raiou hoje, /Difundindo a Liberdade! /Quebrou-se enfim a cadeia/Da nefanda Escravidão! /Aqueles que antes oprimias, /Hoje terás como irmão!” (MORAIS FILHO, 1975, p.177); Também Os Tambores de São Luís, de Josué Montello, e ainda, Fantina, de Francisco Badaró; a Rainha do Ignoto, de Emília Freitas, entre tantos outros, ajudam-nos a entender como a Literatura foi importante nas denúncias das incivilidades da escravidão, com vistas à libertação dos escravos.

No tocante a poemas com a temática da escravidão, podemos citar o poeta do maranhense Trajano Galvão de Carvalho (1830-1864). Segundo Meireles (1949, p. 68 apud SANTOS 2001, p. 1), “a ele cabe a glória de ter sido precursor da poesia social do escravo”. O poema “O Calhambola” é um, dentre tantos outros, do referido autor: Nasci livre, fizeram-me escravo;/Fui escravo, mas livre me fiz./Negro, sim; mas o pulso do bravo/Não se amolda às algemas servis!/Negra a pele, mas o sangue no peito,/ Como o mar em tormentas defeito,/Ferve, estua, referve em cachões!/Negro, sim; mas é forte o meu braço,/ Negros pés, mas que vencem o espaço,/Assolando, quais negros tufões./(CARVALHO, 1898, pp. 17-17).

Antônio Frederico de Castro Alves (1847-1871), também chamado de “o poeta dos escravos”, mostrou-se sensível aos graves problemas sociais do seu tempo, expressou sua indignação contra as tiranias e denunciou a opressão dos escravos. A seguir um dos seus poemas com a temática da escravidão africana, “A canção do africano”, Castro Alves (1972):

Lá na úmida senzala,/Sentado na estreita sala, /Junto ao braseiro, no chão,/Entoa o escravo o seu canto,/E ao cantar correm-lhe em pranto/Saudades do seu torrão .../ De um lado, uma negra escrava/Os olhos no filho crava,/ Que tem no colo a embalar... E à meia voz lá responde/ Ao canto, e o filhinho esconde,/Talvez pra não o escutar!/"Minha terra é lá bem longe,/Das bandas de onde o sol vem;/Esta terra é mais bonita,/Mas à outra eu quero bem!/"0 sol faz lá tudo em fogo,/Faz em brasa toda

a areia;/Ninguém sabe como é belo/Ver de tarde a papa-ceia!/"Aquelas terras tão grandes,/Tão compridas como o mar,/Com suas poucas palmeiras/Dão vontade de pensar .../"Lá todos vivem felizes,/Todos dançam no terreiro;/A gente lá não se vende/Como aqui, só por dinheiro"./O escravo calou a fala,/Porque na úmida sala/O fogo estava a apagar;/E a escrava acabou seu canto,/Pra não acordar com o pranto/O seu filhinho a sonhar!/......................./O escravo então foi deitar-se,/Pois tinha de levantar-se/Bem antes do sol nascer,/E se tardasse, coitado,/Teria de ser surrado,/Pois bastava escravo ser./E a cativa desgraçada/Deita seu filho, calada,/E põe-se triste a beijá-lo,/Talvez temendo que o dono/Não viesse, em meio do sono,/De seus braços arrancá-lo!

Dentre os filmes e documentários sobre a escravidão africana ao redor do mundo, muitos cineastas se dedicaram a colocar em pauta a escravidão, suas consequências e a forma como ela impactou a vida de inúmeras pessoas, a exemplo de: Ganga Zumba (1963); Quilombo (1984); A Cor Púrpura (1985); Mississípi em Chamas (1988); Invictus, um tributo a Mandela (1995); Amistad (1997); Manderlay (2005); Quanto Vale ou É Por Quilo? (2005); Diamante de Sangue (2006); Besouro (2009); Cores do Paraíso (2011); 12 anos de escravidão (2013); O Mordomo da Casa Branca (2013).

Nessas produções artísticas com os seus cenários da execrável escravidão, incrustados no quadro do Império do Brasil, percebemos claramente as relações de poder que se davam dentro do sistema escravista, as articulações em torno do controle do poder social, os mecanismos de controle sobre os escravos e os efeitos que essa política de crua rudeza causava na vida e nas relações dos escravos. No que se refere a poemas com a temática indianista, Gonçalves Dias louvou os indígenas com poemas. A seguir um breve trecho do I-JUCA-PIRAMA, Dias (1851, pp. 12-35.):“Meu canto de morte, Guerreiros, ouvi:/Sou filho das selvas,/Nas selvas cresci;/Guerreiros, descendo/ Da tribo tupi./Da tribo pujante,/Que agora anda errante/ Por fado inconstante,/Guerreiros, nasci:/Sou bravo, sou forte,/Sou filho do Norte;/Meu canto de morte,/Guerreiros, ouvi [...]”.

Outro exemplo vemos em Maria Firmina dos Reis, em “O canto do Tupi”:

Sou filho das selvas – não temo o combate,/Não temo o guerreiro-guerreiro nasci;/Sou bravo-eu invoco do bravo o valor,/Sou filho dum bravo, valente tupi/[…] Eu vivo nas selvas- nas selvas imensas,/Que vastas se estendem nas terras do norte;/Se corro à peleja, bem sei que a vitória/Pertence ao meu braço, que é grande, que é forte./[…] Eu vivo nas selvas-nas selvas do norte/Sou índio valente, valente tupi./Temido na guerra – do bravo temido,/Possante guerreiro, nas selvas nasci./[…] (Eco da Juventude 1865 apud MORAIS FILHO, 1975, p. 64). O poema “Na Missão” tem um acentuado tom de denúncia:

No aldeamento/quem mandava não era mais o chefe indígena. /Quem mandava era o missionário./Era o missionário que mandava plantar a roça./Era o missionário que mandava assistir à missa./Era o missionário que mandava construir as casas./O missionário mandava na vida do índio./Na missão os índios trabalhavam para os padres./Tinham que trabalhar três dias por semana para os padres./Tinham que trabalhar com hora marcada./ Não podiam mais caçar na hora que queriam./Não podiam mais pescar na hora que queriam./Não eram mais eles que dividiam a caça./Não eram mais eles que dividiam todas as coisas da roça./O aldeamento da missão quase acabou com os índios./Os índios morreram de doença./Morreram de fome./Morreram de tristeza./(Autor desconhecido, 1975 apud ADLER, 2014, p.16).

Assim, a contradição permeia todas as instituições do tecido social, ao mesmo tempo que exerce o papel de integração ao projeto dos valores dominantes, de desigualdade, concomitante e ambivalentemente exerce o papel possível de negação e resistência.

Vou finalizar a minha fala reafirmando o que enunciei no início: “quero enfatizar a importância das instituições culturais para o desenvolvimento individual e coletivo”. Essa é uma premissa inquestionável, no entanto temos que ter claro o caminho que traçamos nas nossas instituições, e desejo que as interferências predominantes, hoje, sejam na direção de uma sociedade que reconheça o quanto é urgente que a dignidade e os direitos iguais e inalienáveis como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo prevaleçam de modo a podermos aprender a conviver como irmãos, como já propugnava Maria Firmina dos Reis. ~

REFERÊNCIAS ADLER, Dilercy Aragão. Seme..ando dez anos. São Luís: Gráfica Bellas Artes Ediceuma, 2001. ADLER Dilercy Aragão (org.). Enfoques Teóricos em Sociologia da Educação. Caderno de Educação. São Luís: FICEUMA. V. 1 Nº 1, 1998. ADLER, Dilercy Aragão. BRASIL-PORTUGAL, NAÇÕES-IRMÃS: ORIGENS, INTERCRUZAMENTO E SEPARAÇÃO. REVISTA IHGM. São Luís: IHGM N. 28, 119-145, 2008. ALVES, Antônio Frederico de Castro. OS ESCRAVOS. São Paulo: Martins Editora, 1972. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1993. CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. REVISTA CIMI, Port Alberi/Canadá,1975. LÉRY, Jean de. Viagem à terra do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Edusp, 1980. MORAIS FILHO, José Nascimento(Cadeira 5).. MARIA FIRMINA FRAGMENTOS DE UMA VIDA. São Luiz: COCSN, 1975. SANTOS, Maria Rita. TRAJANO GALVÃO E A NEGRITUDE. Revista do GELNE Rio Grande do Norte: UFRN. Vol. 3, No. 1, 2001.

MARIA FIRMINA DOS REIS ENTRE AS ROSAS-DE-JERICÓ E OS PÁSSAROS SANKOFAS

por Dilercy Adler

Quero iniciar esta minha fala contando uma lenda: Contam as “Lendas do Céu e da Terra:” A Rosa-de-Jericó, também denominada flor-da-ressurreição, por apresentar a propriedade singular de murchar para, depois, tornar a florescer, tem sua origem na história do Cristianismo por uma interessante lenda citada por vários autores:

Ao fugir de Belém com o Menino Jesus, a fim de livrá-lo da hedionda matança ordenada pelo rei Herodes, a Sagrada Família atravessou as planícies de Jericó. Quando a Virgem desceu descuidada do burrinho que montava, surgiu, a seus pés, uma florzinha mimosa e delicada. Maria sorriu para a pequenina flor, pois compreendeu que ela brotava, radiante, do seio da terra para saudar o Menino Jesus.

Durante a permanência de Cristo na terra, as Rosa-de-Jericó continuaram a florir e a embelezar os campos, mas quando o Salvador foi supliciado e morto, -o termo mais adequado é assassinado na cruz-, todas elas secaram e morreram.

Três dias depois, reza a mesma lenda, quando Cristo ressuscitou, as Rosas-de-Jericó voltaram a florescer e a irradiar suave perfume. Também é contado que havia, nos antigos desertos de Alexandria no Egito e nos afluentes do Mar Vermelho, uma planta muito curiosa e que também é chamada “rosa”: é a Rosa-de-Jericó.

Totalmente diferenciada da rosa que conhecemos, essa planta tem uma propriedade muito curiosa. Durante longos períodos de tempo, essa planta, que vive em regiões desertas, cresce e se reproduz até o ambiente ficar desfavorável a ela. Então, as flores e folhas secas caem, as raízes se soltam e os galhos secos se encolhem, formando uma “bola” e permitindo que o vento a leve para onde quiser. As Rosas-de-Jericó podem ser transportadas quilômetros e quilômetros pelos ventos, vivendo secas, sem uma única gota de água, durante muito tempo, até encontrarem um lugar úmido. Achando umidade, elas fincam as raízes na terra e se abrem, voltando a verdejar!

A Rosa-de-Jericó é encontrada no Oriente Médio e na América Central. É possível comprar uma “bola seca” e depois, ajeitando-a num recipiente com um pouco de água, vê-la florescer na sua casa.( https://pt.aleteia. org/2016/02/17/cultura-crista-voce-conhece-a-exoticarosa-de-jerico-e-sua-lenda/).

Essa é a primeira analogia que constitui esta minha fala. No livro “Maria Firmina dos Reis: uma missão de amor” (ADLER, 1917, pp. 65-66), registro:

O ano de 1975, foi o ano de verdejar para Maria Firmina, o marco que eu gostaria de intitular de “o seu ano Rosa de Jericó”. Essa rosa é também chamada de flor-da-ressurreição por sua impressionante capacidade de “voltar à vida.” As Rosas-de-Jericó podem ser transportadas por muitos quilômetros pelos ventos, vivendo secas, sem água, mesmo durante muito tempo, e ao encontrarem um lugar úmido, elas afundam raízes na terra e se abrem, voltando a verdejar!

Vejo muita semelhança entre Maria Firmina e a Rosa de Jericó, senão vejamos: a Rosa de Jericó, tem aparência frágil, mas, concomitantemente demonstra consistente defesa diante da situação adversa, neste caso, ausência total de chuvas. Nesse período as suas folhas caem e seus ramos se contraem, e se curvam para o centro, adquirindo uma forma esférica, capaz de abrigar as sementes e protegê-las da aridez dos desertos. Mesmo frágil e ressequida, ela continua como “peregrina”, devido à quase inexistência das suas raízes, o que facilita o seu deslocamento e como “viajante incansável”, deixa-se levar pelo vento do deserto, que tem a força de arrancá-la do solo

e arrastá-la por áreas distantes. Nesse período ela permanece seca e fechada, aparentando estar totalmente sem vida por alguns meses. No entanto, basta algum contato com a umidade para a Rosa de Jericó estender suas folhas, espalhar suas sementes e retornar à vida, mostrando sua beleza.

No tocante ao retorno de Maria Firmina ao cenário literário mostrando a sua beleza, Arlete Nogueira da Cruz, no seu livro Sal e Sol (2006) apud ADLER (2014), fundamentando-se no trabalho intelectual de Janilto Andrade, “A Nação das Dobras da Ficção”, explicita:

[...] Não fosse José Nascimento Morais Filho, o nosso Zé Morais, este contumaz andarilho de trilhas nunca antes percorridas, Maria Firmina dos Reis não teria vindo à luz. E quando ele a trouxe (no momento em que também a trazia o escritor paraibano Horácio Almeida), lembro bem, foram alvo de zombarias em São Luís: Zé Morais, Maria Firmina e o seu livro Úrsula; muitos considerando que era de pouca serventia aquele achado e exagerada a relevância que Zé Morais dava à sua descoberta. Pelos daqui, Maria Firmina dos Reis deveria permanecer onde se achava: no limbo. E a sua obra sob o tapete. (CRUZ, 2006, p.265).

No limbo... Sob o tapete... Expressões que retratam não apenas rejeição, mas desprezo, o que não deixa de retratar a alienação e falta de humanidade no trato com as pessoas e suas obras por aqueles que se julgam donos do saber e da verdade. (ADLER 2014, p.6).

Mas, antagonisticamente, outros maranhenses, a exemplo de Josué Montello, reconhecem a importância de Maria Firmina e este escreveu um artigo intitulado “A primeira Romancista Brasileira” e o publicou no Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, em 11 de novembro de 1975, e na Revista de Cultura Brasileña. Madrid, Embajada de Brasil, 1976, junho. Nesse texto se refere a outro maranhense, Antônio de Oliveira, e enfatiza o trabalho de Nascimento Morais Filho:

[...] o primeiro falando em voz baixa como é do seu gosto e feitio e o segundo, falando alto ruidosamente, com uma garganta privilegiada, graças à qual, sem esforço, pode fazer-se ouvir no Largo do Carmo, em São Luís, à hora em que se cruzam os automóveis, misturando a estridência das suas buzinas e de seus canos de descarga ao sussurro do vento nas árvores da praça.

Desta vez, ao que parece, Nascimento Morais Filho ergueu tão alto a voz retumbante que o país inteiro o esHá quase dois anos, ao encontrar-me com ele na calçada do velho prédio da Faculdade de Direito, na Capital maranhense, vi-o às voltas com originais da escritora. Andava a recompor-lhe o destino recatado, revolvendo manuscritos, consultando jornais antigos, esmiuçando almanaques e catálogos como a querer imitar Ulisses, que reanimava as sombras com uma gota de sangue.

E a verdade é que, no dia de hoje Maria Firmina dos Reis de pretexto a estudos e discursos, e conquista, seu pequeno espaço na história do romance brasileiro – com um nome, uma obra, e a glória de ter sido pioneira. (MONTELLO apud ADLER 2017, p. 68).

Adler (2017, p. 68) se refere a Nascimento de Morais Filho: “[…] como um Sankofa, pássaro africano […] dedicou-se, incansavelmente, para dar novo significado à Maria Firmina dos Reis como mulher, professora e como escritora, dando a ela o lugar que lhe é devido na literatura maranhense e brasileira”.

Sankofa é um dos ideogramas utilizados pelo sistema de escrita Adinkra, que compunha as várias formas de expressão escrita existentes na antiga África. Adinkra é o nome de um conjunto de símbolos ideográficos dos povos Akan ou Acã, grupo linguístico da África Ocidental, que povoa a região que hoje abrange parte de Gana e da Costa do Marfim. Sankofa, um adinkra dentre os mais conhecidos, significa a sabedoria de aprender com o passado para construir o presente e o futuro.

O conceito de Sankofa (Sanko = voltar; fa = buscar, trazer) origina-se de um provérbio tradicional entre os povos de língua Akan ou Acã da África Ocidental, em Gana, Togo e Costa do Marfim. Ele representa os conceitos de autoidentidade e redefinição.

Como um símbolo Adinkra, Sankofa pode ser representado como um pássaro mítico que voa para frente, tendo a cabeça voltada para trás e carregando no seu bico um ovo, o futuro. Também se apresenta como um desenho similar ao coração ocidental.

Assim, Nascimento de Morais Filho é um Sankofa, um Sankofa maranhense, quando retornou ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro sobre o real significado de Maria Firmina dos Reis como mulher, como professora e como escritora, dando a ela o lugar que lhe é devido na literatura maranhense e brasileira,

Estas analogias trazem à baila ocorrências arbitrárias de cancelamento, mas, antagonistamente, a possibilidade de validação ou (re)validação, conforme o caso, tanto na história, de um modo geral, como na historiografia literária maranhense e brasileira.

Apesar do silenciamento da expressão, principalmente o da fala feminina, muitas mulheres conseguiram burlar essa tentativa de invisibilidade, e, mesmo tendo sido excluídas do cânone literário, deixaram marcas inapagáveis que nas últimas décadas, como já referido, progressivamente, vêm sendo recuperadas.

Desse modo, torna-se premente a existência de muitos pássaros sankofas para que mais rosas-de-jericó possam verdejar, a exemplo de Nascimento Morais Filho (pássaro Sankofa) e Firmina (Rosa-de jericó).

É inegável que desde as últimas décadas do século passado, quantitativo razoável de pesquisadores agregou-se à missão de consolidar a ressignificação de Maria Firmina na historiografia maranhense e brasileira, levada a termo por Nascimento Morais Filho, o Pássaro Sankofa Maranhense.

Desde 2013, ano da fundação da Academia Ludovicense de Letras, em São Luís do Maranhão, e igualmente do Instituto Geográfico de Guimarães, em Guimarães/Maranhão, ambos Casa de Maria Firmina dos Reis, essa missão tem sido incorporada às finalidades das Casas. A ALL busca ocupar todos os espaços culturais locais, nacionais e internacionais, objetivando desenvolver e difundir a cultura e a literatura ludovicense, a defesa das tradições do Maranhão e, particularmente, de São Luís, também levando o nome de Maria Firmina dos Reis como missão precípua.

Minha homenagem a Nascimento Morais Filho e aos “Cantos à beira-mar” de Maruia Firmina dos Reis, que completa este ano, de 2021, cento e cinquenta anos de publicação.

SANKOFA A Nascimento Morais Filho

Ó pássaro bendito! nos ensina a enxergar além do visível que aparece ensina ainda à nossa alma pecadora curvar o corpo e postar as mãos em prece! é preciso ver o passado com os teus olhos sem o espelho que inverte a imagem só o exato do real que se esconde por trás do espelho com suas nobres vestes -nobres vestes que serão despidas- nos vários tons que nelas se entrecruzam ver por fim a inteira tradução do mundo em verdades nuas! em verdades cruas!...

com alma aberta e olhos pro passado será possível o enxergar inteiro sem o escuso escudo - então despido! poder por fim ressignificá-lo!...

com um presente com perspectivas de futuro que diga a palavra sem sentença equivocada que puna o erro e eleve a verdade além de interesses e mediocridades por fim assim prevaleça o bendito o verdadeiro fato a veracidade nesta nossa frágil e gloriosa humanidade!!

ó pássaro africano venha a nós!...

CANTOS À BEIRA-MAR À Maria Firmina dos Reis

Teus Cantos à beira-mar afogam com veemência as dores os dissabores que maculam toda a existência daqueles que apenas sonham com a igualdade e coerência em um mundo de fato melhor!...

ah! os teus Cantos à beira-mar levam todo e qualquer anseio que a brisa vinda do mar litoraneamente embala e acalenta em seu seio...

e os teus poemas me dizem: cuida! entoa hinos em banzeiros que a vida lenta a passar

se apressa como um agouro bem-vindo de augúrio sem par que existe quando se pensa que nada mais vale a pena... a pena de festejar!...

resiste!... afoga as tuas mágoas nas crivas e cavas mais altas das longínquas vagas do mar!... e se ainda puderes sonha poemas e louva comigo mistérios e amores contidos e canta-os todos à beira-mar!…

REFERÊNCIAS ADLER, Dilercy Aragão. ELOGIO À PATRONA MARIA FIRMINA DOS REIS: Ontem, uma maranhense: hoje, uma missão de amor. São Luís: Academia Ludovicense de Letras, 2014. ADLER, Dilercy Aragão. MARIA FIRMINA DOS REIS: uma missão de amor. São Luís: Academia Ludovicense de Letras, 2017. CRUZ, Arlete Nogueira da. Sal e Sol. Rio de Janeiro: Imago, 2006. MORAIS FILHO, José Nascimento. MARIA FIRMINA FRAGMENTOS DE UMA VIDA. São Luiz: COCSN, 1975. https://pt.aleteia.org/2016/02/17/cultura-crista-voce-conhece-aexotica-rosa-de-jerico-e-sua-lenda/

MARIA FIRMINA DOS REIS NA ACADEMIA LUDOVICENSE DE LETRAS-ALL

Dilercy Adler

Inicialmente quero dizer da minha imensa alegria por estar nesta tarde, mesmo que virtualmente, no “I Salão Internacional do Livro e da Cultura de Genebra Cultive” e, ao mesmo tempo, agradecer o amável convite dos promotores deste importante evento, na pessoa de Valquíria Imperiano. Igualmente agradecer a honra de ter Maria Firmina dos Reis, a Patrona da Academia Ludovicense de Letras, como uma das homenageadas (in memoriam), em nome de quem louvo a todos os demais homenageados, e também saudar os meus ilustres companheiros de mesa, confreiras e confrades: Roberto Franklin, que está de parabéns pelo netinho Lucas que chegou hoje (14 de maio de 2021), Kalil Guimarães, Jucey Santana, Clores Holanda e Raimundo Nonato Campos Filho, bem como a todos que nos acompanham nesta tarde.

No tocante à minha fala, “Maria Firmina dos Reis na Academia Ludovicense de Letras-ALL”, esclareço que, além de a Academia ser a “Casa de Maria Firmina dos Reis”, eu tenho a honra de ocupar a Cadeira de nº 08, patroneada por ela. E como esta é a Academia da cidade de São Luís, vou iniciar o meu tema falando um pouco de São Luís.

A cidade de São Luís, capital do estado do Maranhão foi fundada no dia 08 de setembro de 1612. É considerada a única cidade brasileira fundada por franceses, posteriormente invadida por holandeses, mas finalmente colonizada pelos portugueses. Localiza-se na Ilha de Upaon-Açu, no Atlântico Sul, entre as baías de São Marcos e São José de Ribamar, no Golfão Maranhense. O nome Upaon-Açu foi dado pelos Tupinambás e significa "Ilha Grande".

Em 1621 o Brasil foi dividido em duas unidades administrativas: Estado do Maranhão e Estado do Brasil, e São Luís foi a capital da primeira unidade administrativa. O Maranhão teve assim um surgimento glorioso no cenário econômico da Colônia no século XVII, em plena vigência do Mercantilismo, porque encontrava-se inserido no mercado internacional desde a expulsão dos franceses em 1615.

A economia maranhense estava em seu apogeu, com a vinda da família real para o Brasil em 1808 e com a abertura dos portos. O comércio exterior da Capitania girava em torno de um milhão de libras por ano e movimentava mais de 100 navios. Segundo Arruda (1980), nesse período a economia do Maranhão superava a de Pernambuco, inferior apenas à da Bahia. Ainda por volta de 1774, o Maranhão liderava o PIB per capita do Brasil com 112 dólares.

Em 1895, o Maranhão ocupou o segundo lugar entre os estados industriais à frente da Capital Federal, do Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo; o primeiro era o de Minas Gerais. Mas, uma série de fatores foi determinante para que o Maranhão não se firmasse como estado industrial a partir do início do século XX.

Adler (2017) se refere à belle époque, que repercutia na instância cultural do Maranhão, o qual, nesse contexto histórico ganhou notoriedade em intensidade e expressividade. Era comum os filhos das famílias abastadas estudarem na Europa, principalmente em Portugal. A literatura, colocada em foco, e grandes intelectuais e escritores se sobressaíram no cenário nacional. Nomes, como os de Gonçalves Dias, João Lisboa, Cândido Mendes, Odorico Mendes, Sousândrade, Humberto de Campos e outros, chegaram a constituir as condições que fizeram

do Maranhão o grande cenário da poesia, da prosa e da produção jornalística no século XIX, o que resultou em que a cidade de São Luís fosse agraciada com o título de “ Athenas Brasileira”.

Em tempos mais recentes, em 1974, o Centro Histórico de São Luís foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN O conjunto do perímetro do tombamento federal possui imóveis de grande valor histórico e arquitetônico, a maioria civil, construídos no período colonial e imperial, com características arquitetônicas peculiares e com cerca de mil edificações.

Além disso, foi reconhecido como Patrimônio Cultural Mundial pela Unesco, em 1997, por apresentar uma tradição cultural rica e diversificada, além de se constituir um excepcional exemplo de cidade colonial portuguesa, com traçado preservado e conjunto arquitetônico representativo. São Luís se expandiu, preservando a rede urbana e o seu conjunto arquitetônico original do século XVII. Esse rico acervo abrange quatro mil imóveis tombados: solares, sobrados, casas térreas e edificações com até quatro pavimentos.

Essas são algumas características da cidade de São Luís, berço pátrio de Maria Firmina dos Reis, a primeira romancista brasileira.

Sabe-se que muitos intelectuais desejaram concretizar esse feito, alguns até tentaram, mas, por alguma razão, não conseguiram levá-lo a termo, de modo que a Academia Ludovicense de Letras-ALL só foi fundada no dia 10 de agosto de 2013, data de aniversário de Gonçalves Dias.

Esse dia não foi escolhido por acaso. Convém relatar um pouco da história dessa criação que nasceu no bojo de um Projeto proposto pela ocupante da Cadeira nº 1 do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão-IHGM, Dilercy Aragão Adler, intitulado “Mil Poemas para Gonçalves Dias”.

O Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão na sua Assembleia Geral Ordinária, de setembro de 2011, aprovou a inclusão do Projeto dentro da Programação do “Ciclo de Estudos/debates sobre a Formação do Maranhão e Fundação de São Luís”, em comemoração aos 400 anos de “Fundação da Cidade.

Essa ideia da elaboração do Projeto veio do Chile, quando a autora no Maranhão/Brasil participou do Projeto “Mil Poemas a Pablo Neruda”, o primeiro dessa modalidade. Assim, a inspiração nasceu do trabalho do Chileno Alfred Asís, que sugeriu, inclusive, que fosse elaborado um projeto similar no Brasil, que homenageasse um poeta nacional.

O nome de Gonçalves Dias tomou “corpo definitivo” depois de algumas análises conjuntas da autora do Projeto com a Profa. Maria Cícera Nogueira, e a concepção se firmou.

No Maranhão/Brasil, a ideia foi ampliada e, além das poesias, integrou o Projeto uma segunda Antologia intitulada “ Sobre Gonçalves Dias”, constituída de artigos e pesquisas sobre a vida de Gonçalves Dias. Ambas envolvendo autores de todas as partes do mundo, de todas as idades e todos os graus de escolaridade, desde poetas imortais até crianças do Ensino Fundamental que já se aventurassem a embarcar no mundo das letras, no mundo da criação. Ressalto que Valquíria Imperiano, a Presidente do Institut Cultive Brésil Suisse, integrou a Antologia de Poemas em homenagem a Gonçalves Dias

A concretização do Projeto previa muitas atividades culturais, além do lançamento das duas Antologias. Foi pensado um grande movimento cultural, até porque, além de São Luís, foram convidadas mais duas cidades para nele se engajarem, pela importância que têm na história de vida de Gonçalves Dias: Caxias (onde o poeta nasceu, em 10 de agosto de 1823, no sítio Boa Vista, em terras de Jatobá, a 14 léguas da Vila de Caxias) e Guimarães, aonde veio a falecer, ou se encantar, como dizem os vimarenses, em 03 de novembro de 1864, no naufrágio do navio Ville de Boulogne, próximo à região do Baixio de Atins, na Baía de Cumã.

Foram feitas viagens às cidades envolvidas no Projeto, de modo a confirmar as suas adesões. Cada cidade faria a sua Programação, de forma que caravanas de escritores fossem às cidades, por meios e vias variadas de transportes entre automóveis, ônibus e ferry boat.

Na primeira viagem que fizemos, eu e Clores Holanda, à Guimarães, cidade onde Maria Firmina viveu a maior parte de sua vida e produziu toda a sua obra, a apresentação do Projeto integrou a programação da “V Semana Literária Maria Firmina dos Reis”, promovida pelo Centro de Ensino Médio Nossa Senhora da Assunção, no período de 26 a 30 de novembro de 2012.

Nas articulações da apresentação do Projeto, sugeri ao Diretor da Escola e Vereador da cidade à época, hoje

Prefeito da cidade, Osvaldo Gomes, que fosse celebrada uma missa em memória de Gonçalves Dias, em Araoca/ Atins/Guimarães.

Costumo me referir à “V Semana Literária Maria Firmina dos Reis” expressando: Nessa ocasião, nesse bem-aventurado evento vi, ouvi e vivi Maria Firmina na voz e interpretação teatral dos alunos da escola e me encantei!... Voltei a São Luís determinada a buscar mais informações sobre ela e iniciei as minhas pesquisas sobre sua vida. E o encanto se fortaleceu e me embeveci com a história de Maria Firmina. Encantei-me com sua inteligência e seu conhecimento que extrapolavam os da maioria do seu coletivo e com sua capacidade de expressá-los oral e graficamente, burlando as barreiras machistas, por meio de pseudônimos, entre outros. Assim não deixaria morrer as suas ideias e o eco das mensagens de igualdade, de liberdade, do verdadeiro sentido de humanidade se firmariam!

Costumo me fazer a seguinte interrogação: Por que a ALL foi fundada 401 anos após a fundação da cidade de São Luís, considerando o grande contingente de intelectuais que o Maranhão concedeu e concede para o cenário literário brasileiro? Não seria por falta de nomes ilustres para ocupar as suas 40 cadeiras. Se a ALL tivesse sido fundada algum tempo atrás, seria Maria Firmina a Patrona? Acredito que dificilmente. Então quero crer que foi uma trama do tempo e do destino, esperando o momento em que a mulher tivesse vez e voz no cânone literário; que o pássaro Sankofa Maranhense, Nascimento Morais Filho, tivesse desfeito o apagamento de Firmina; que Guimarães promovesse as Semanas Literárias Maria Firmina dos Reis”; que eu fosse ao Chile ao lançamento da primeira Antologia dos “Mil Poemas”, que neste caso foi a dedicada a Pablo Neruda; que Alfred Asís tivesse me “provocado” a fazer uma Antologia similar em homenagem a um poeta brasileiro; que Gonçalves Dias me levasse até Guimarães e lá fizesse nascer em mim a ideia de trazer Maria Firmina de volta a São Luís, de forma honrosa, para ocupar um nobre lugar na sua cidade natal, um lugar digno de primeira romancista brasileira, qual seja, o de Patrona da Academia de Letras de São Luís; que os confrades e confreiras da Academia, em estado de criação, aprovassem o nome de Maria Firmina dos Reis como a Patrona da Casa.

Seguindo as normas estatutárias que rezam que dois membros façam a indicação do nome do(a) Patrono(a) da Casa, eu e a confreira Ana Luiza Almeida Ferro, encaminhamos a proposta, que foi aprovada por unanimidade. Assim é que Maria Firmina dos Reis tornou-se a O Capítulo I do Estatuto da Academia Ludovicense de Letras-ALL no seu art. 1°: Da Denominação, Da Sede e Dos Fins, expressa:

Art. 1° A Academia Ludovicense de Letras – ALL, cognominada Casa de Maria Firmina dos Reis, fundada em 10 de agosto de 2013, aos 190 (cento e noventa) anos de nascimento do poeta Gonçalves Dias, como parte da programação do evento "Mil poemas para Gonçalves Dias", promovido pelo Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão – IHGM, pela Federação das Academias de Letras do Maranhão – FALMA e pela Sociedade de Cultura Latina do Estado do Maranhão e do Brasil – SCLMA/SCLB, em celebração final do aniversário dos 400 (quatrocentos) anos da fundação da cidade de São Luís, é uma pessoa jurídica de direito privado, associação de prazo de duração indeterminado e fins não econômicos, com sede e foro na cidade de São Luís, capital do Estado do Maranhão, submetendo-se às normas do presente Estatuto, de seu Regimento Interno e da legislação vigente no país, no que for pertinente.

Art. 2° A Academia tem por finalidade o desenvolvimento e a difusão da cultura e da literatura ludovicense, a defesa das tradições literárias do Maranhão e, particularmente, de São Luís, a perpétua renovação e revitalização do legado da Atenas Brasileira, o culto às origens da cidade e à sua formação pelas letras, a valorização do vernáculo e o intercâmbio com os centros de atividades culturais do Maranhão, do Brasil e do exterior.

Destarte, a ALL busca ocupar todos os espaços culturais locais, nacionais e internacionais, objetivando desenvolver e difundir a cultura e a literatura ludovicense, a defesa das tradições do Maranhão e, particularmente, as de São Luís, também levando o nome de Maria Firmina dos Reis como missão precípua.

REFERÊNCIAS ADLER, Dilercy Aragão. MARIA FIRMINA DOS REIS: uma missão de amor. São Luís: Academia Ludovicense de Letras, 2017. ARRUDA, J.J.A. O BRASIL NO COMÉRCIO COLONIAL. São Paulo: Ática, 1980. MORAIS FILHO, José Nascimento. MARIA FIRMINA FRAGMENTOS DE UMA VIDA. São Luiz: COCSN, 1975. VAZ, Leopoldo Gil Dulcio. PERFIS ACADÊMICOS: fundadores da Academia Ludovicense de Letras. São Luís: Academia Ludovicense de Letras, 2014.

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