Marina Abramovic

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MARINA ABRAMOVIĆ



MARINA ´ ABRAMOVIC Arte e Cultura Contemporânea Docente: Horácio Marques ___ Rita Figueira - 4140034 Vânia Oliveira - 4140040



ÍNDICE 07 Introdução 08 Biografia 08 1946 - 1975 11 1975 - 1988 12 1988 - presente 14 Obras 14 Cronologia 16 Rhythm 10 18 Rhythm 0 22 Relation in Time 24 Imponderabilia 26 Breathing In/Breathing Out 28 Rest Energy 30 Balkan Boroque 32 House with the Ocean View 34 The Artist is Present 36 512 Hours 38 Conclusão 39 Referências


Rita Figueira e Vânia Oliveira

“I AM ONLY INTERESTED IN THE IDEAS THAT BECOME OBSESSIVE AND MAKE ME FELL UNEASY. THE IDEAS THAT I’M AFRAID OF.” 6


Arte e Cultura Contemporânea_Marina Abramović´

INTRODUÇÃO O presente trabalho consiste numa análise, exploração e contextualização dos conceitos inerentes à arte performativa e à artista Marina Abramović. As artes performativas são eventos artísticos que decorrem ao vivo. Esta expressão surgiu na década de 60 nos Estados Unidos. Estas desenvolvem-se num palco ou num local de representação para um público. O palco é qualquer local onde o artista pretender realizar a obra, sendo que a performance é uma cultura orgânica no espaço que só pode ser aprendida neste. Este tipo de arte pode ser comparado à vida sendo a espacialização do pensamento, ideias, corpos, desejos, etc. A vida, tal como a performance, precisa do espaço para concretizar a afirmação do homem, dos seus hábitos e pensamentos. O corpo é o veículo dessa concretização. O performer cria um mundo e uma personalidade próprios. É neste âmbito, que Marina se encontra inserida. Esta artista é considerada, a partir das suas próprias palavras, a avó da arte performativa. Apesar de ter realizado trabalhos que marcaram o início desta arte há mais de 50 anos atrás, continua, na atualidade, a ser uma das artistas, senão aquela, que mais se destaca nesta área. Não é só o trabalho anterior que a eleva e lhe dá reconhecimento, mas também a sua capacidade de inovar e revolucionar que se verifica em cada trabalho que realizou e continua a realizar até ao presente. Esta foi a principal razão da sua escolha para o tema deste trabalho. Para além disto, foi também tida em conta a sua pertinência para o enriquecimento da unidade curricular no momento de escolha do tema. Um dos objetivos deste estudo é ir muito mais além do que uma exposição de factos e enriquecer o conhecimento dos discentes, promovendo uma postura crítica e introspetiva. De modo a promover essa mesma postura as alunas decidiram estruturar o trabalho em duas partes principais: a biografia (explicando-se e contextualizando-se brevemente o passado e a história de Marina até à atualidade) e a obra (fazendo uma seleção das obras que o grupo considerou mais relevantes para perceber as suas intenções enquanto artista e, posteriormente, ser capaz de desenvolver uma maior capacidade para refletir acerca de Abramović e de todo o seu trabalho). Por fim, importa referir que as alunas tentaram realizar uma peça de comunicação diferente para expor o trabalho de pesquisa proposto. Algo que fugisse ao comum e ao expectável para um trabalho teórico, apresentando o presente trabalho como uma espécie de livro.

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BIOGRAFIA Marina Abramović nasceu a 30 de novembro de 1946 em Belgrado, Jugoslávia. É, sem qualquer sombra de dúvida, uma das artistas mais importantes, influentes e inovadoras dos nossos tempos. Desde o início da sua carreira no seu país natal no início da década de 70, onde frequentou a Academia de Belas Artes em Belgrado, que Abramović se revelou uma pioneira do uso da performace como uma forma de arte visual. O corpo foi desde sempre a sua temática e meio. Através da exploração física e mental dos limites do seu ser, resistiu a provas de dor, exaustão e perigo numa busca pela transformação física e mental. A sua maior preocupação é a criação de trabalhos que ritualizem ações simples do dia-a-dia tais como, estar deitada, sentada, a sonhar ou a pensar, criando assim uma manifestação mental única. É um membro vital da geração de artistas pioneiros de performance (que inclui nomes como Bruce Nauman, Vito Acconci e Chris Burden).

1946 - 1975 Marina Abramović teve uma infância muitíssimo dura. Os seus pais (Danica Rosi e Vojin Abramović) eram heróis de guerra (2ª Guerra Mundial) e tinham ligações fortes com o regime comunista pós-guerra daquilo que antes era a Jugoslávia, tendo-lhes sido concedidos cargos no governo. A mãe da artista educou-a de forma muitíssimo rigorosa e pouco afetuosa e, mais tarde, numa entrevista, Abramović descreveu a família como tendo sido uma “Red bourgeoisie” (termo utilizado para descrever políticos que ganham dinheiro à custa de uma revolução e que se vestem como comunistas mas que na realidade apenas pretendem ter lucro com o país ainda em desenvolvimento). Até aos seis anos de idade, Marina Abramović foi criada pelos seus avós. A sua avó era profundamente religiosa e a artista passou segundo as próprias palavras a sua infância a seguir os rituais da avó. Aos seis anos, idade em que o irmão de Abramović nasceu, ela começou a viver com pais e teve aulas de piano, francês e inglês. Gostava de pintar enquanto era criança. Em criança, a artista sofria de agressões por parte da mãe. Numa entrevista chegou mesmo a dizer: “mother took complete military-style control of me and my brother. I was not allowed to leave the house after 10 o’clock at night till I was 29 years old. (...) All the performances in Yugoslavia I did before 10 o’clock in the evening because I had to be home then. It’s completely insane, but all of my cutting myself, whipping myself, burning myself, almost losing my life in the firestar, everything was done before 10 in the evening.” 8


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Abramović estudou na Acadey of Fine Arts de Belgrado de 1965 a 1970. Em 1972, completou a sua pós-graduação na Academy of Fine Arts, em Zagreb, Croácia. De 1973 a 1975, deu aulas na Academy of Fine Arts, em Novi Sad, ao mesmo tempo que implementava as suas primeiras performances a solo.

A artista em 1950 com o seu pai, Vojin Abramović, em Belgrade.

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Marina e Ulay, 1980.

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1975 - 1988 Em 1975, Abramović conhece o artista alemão Ulay (Frank Uwe Laysiepen) e durante 12 anos, até ao ano de 1988 viveram de modo nómada juntos e colaboraram numa vasta série de performances, afirmando-se o grupo como um único ser coletivo e andrógeno. Amesterdão era a sua base, mas a sua casa na estrada, na Europa, era uma carrinha Citroën negra, que fez parte da retrospetiva realizada em 2010 no MoMA. Nestas colaborações, Abramović e Ulay questionaram as identidades femininas e masculinas definidas pela sociedade e encorajaram os espectadores a participarem nas suas performances através da sua exploração das relações de dualidade de género. Ao longo de todo o seu trabalho conjunto, tornaram-se o tópico das suas performances e ações (intituladas de Relation Work), explorando os limites da resistência física e psíquica e de papéis de género específicos. Em 1975, os artistas definiram os aspetos do seu projeto como “Art Vital - no fixed livingplace, permanent movement, direct contact, local relation, self-selection, passing limitations, taking risks, mobile energy, no rehearsal, no predicted end, no repetition.” Juntos turvaram a linha entre arte e vida, especialmente quando se considera a grande quantidade de vezes que perigo real se tornou parte do seu conceito artístico. A sua relação não sobreviveu, principalmente, devido a discrepâncias nas suas ambições. Ulay referiu “It is very important to understand how much Marina invests in her artistic career, it being her life”, sendo essa uma das razões pela qual a artista nunca quis ter filhos. O fim da relação foi devastador para Abramović, cujos nervos conseguem desafiar qualquer situação exceto o abandono. Quando Abramović e Ulay terminaram a sua relação em 1988, fizeram-no através de uma última grande e épica performance denominada “The Lovers”. Nesta, começando a partir de lados opostos da muralha da China, caminharam durante vários meses cerca de 2500 km cada um, na direção um do outro, encontrando-se no meio da muralha “para dizer adeus”.

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1988 - presente Após a sua separação em 1988, Abramović voltou, em 1989, a fazer atuações a solo. A artista tem vindo, ao longo dos anos, a apresentar o seu trabalho através de performances, som, fotografia, vídeo e escultura em exibições a solo em grandes instituições um pouco por todo mundo, nomeadamente pelos Estados Unidos e pela Europa, estando incluídos museus de renome como o Musée National d’Art Moderne, Centre Georges Pompidou, em Paris, França (1990), a Neue National Galerie, em Berlim, Alemanha (1993), e o Museum of Modern Art (MoMA). As suas obras também têm feito parte de muitas exposições internacionais de grande escala, incluindo a Venice Biennale (1976 e 1997) e a Documenta VI, VII e IX, em Kassel, Alemanha (1977, 1982 e 1992). Em 1995, a exposição “Objects Performance Video Sound” viajou para o Modern Art Oxford, para o Irish Museum of Modern Art, em Dublin e para a Fruitmarket Gallery em Edinburgh, Escócia. No ano de 1998, a sua obra ‘Artist Body – Public Body’ fez uma tour extensiva incluindo pontos de paragem no Kunstmuseum and Grosse Halle, em Bern and La Gallera, Valencia. Já no ano de 2002, Abramović participou na exposição Berlin-Moscow, que abriu no Martin Gropius – Bauhaus em Berlim e terminou a sua tour em 2004 no State Historical Museum em Moscovo, Rússia. Em 2004, Marina Abramović também expôs no Whitney Biennial em Nova Iorque e teve um espetáculo a solo de grande relevância, “The Star”, no Marugame Museum of Contemporary Art e no Kumamoto Museum of Contemporary Art, no Japão. Abramović deu inúmeras palestras e aulas por toda a Europa e América. Em 1994 ela tornou-se professora de Artes Performativas na Hochschule für Bildende Künst em Braunschweig, onde ensinou durante sete anos. Em 2004 foi galardoada com um Honorary Doctorate pelo Art Institue, em Chicago. Foi ainda premiada com o Golden Lion para Melhor Artista no Venice Biennale em 1997 pela sua extraordinária videoinstalação/performance “Balkan Baroque” e em 2003 recebeu o Bessie por “The House with the Ocean View”. Em 2005, Abramović apresentou o seu projeto “Balkan Erotic Epic” a Pirelli Foundation, em Milão, Itália e a Sean Kelly Gallery. Nesse mesmo ano, apresentou uma série de performances denominadas “Seven Easy Pieces” no The Guggenheim Museum, em Nova Iorque, que recebeu o prémio para Best Exhibition of Time-Based Art pela United States Art Critics Association.

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Em 2008 foi homenageada com a Austrian Commander Cross pelas suas contribuições para a História da Arte e em Setembro de 2009 foi condecorada com o Honorary Doctorate of Arts pela Universidade de Plymouth, Inglaterra. Na primavera de 2010, teve a sua primeira retrospetiva nos Estados Unidos, no Museum of Modern Art (MoMA) em Nova Iorque, e simultaneamente realizou a performance “The Artist is Present” que durou mais de 700 horas. No verão de 2011, a artista foi condecorada com um Honorary Degree of Doctor of Fine Arts pelo Williams College em Williamstown, em Massachusetts. Em Janeiro e Fevereiro de 2012, o documentário da HBO, com o título “The Artist is the Present”, estreou no Sundance Film Festivel, no Utah, Estados Unidos e no The Canadian Film Premiere, Reel Artists Film Festival, em Toronto. Este filme ganhou os Audience Choice Awards no Berlin Film Festival. Na primavera de 2012, Abramović apresentou uma dupla exposição em grande escala na PAC and Lia Rumma Galeria, em Milão, mostrando todos os seus trabalhos mais recentes e revelando o “The Abramóvic Method” ao mundo. Neste mesmo ano, a artista atuou na peça de teatro da autoria de Robert Wilson, intitulada “The Life and Death of Marina Abramóvic” que estreou em Manchester, em 2011 e que posteriormente viajou para Madrid, Basel, Amsterdam e Antuérpia. Nesta peça de teatro ela transformou aquilo que havia sido a sua infância abusiva numa produção de palco. Para além da própria Marina Abramović (que se autorrepresentou e representou também a sua própria mãe), atuaram também o ator Willem Dafoe e o cantor Anthony Hegarty (da banda Anthony and The Johnsons). Em Maio de 2012, a artista fundou o Marina Abramović Institute for the Preservation of Performance Art (MAI), em Hudson, Nova Iorque, uma plataforma para obras imateriais e de longa duração, de modo a criar novas possibilidades para colaborações entre pensadores e investigadores de todas as áreas. Em 2014 fez exibições a solo no CAC Malaga (Espanha), the Kistedos Museet (Noruega) e na Serpentine Gallery em Londres. Nesta última, utilizando o público como meio, Abramović atuou durante três meses, sendo a peça intitulada a partir da duração total da obra: “512 Hours”. 13


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OBRAS Cronologia

1973 Rhythm 10

1977 Relation in Movement* Relation in Time* Imponderabilia* Light and Dark* Breathing In / Breathing Out*

1975 Lips of Thomas Freeing the voice Freeing the memory Freeing the body

1974 Rhythm 0 Rhythm 2 Rhythm 5

1976 Relation in Space*

*Trabalhos com Ulay

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1978 AAA-AAA*

1980 Rest Energy*

1990 Dragon H

1988 The Great Wall Walk*


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Heads

1997 Balkan Baroque

2001 The Hero

2002 House with the Ocean View Nude with Skeleton

2005 Seven Easy Pieces

2003 Count on Us

1995 Cleaning the Mirror I

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2006 The Onion

2010 The Artist is Present

2014 512 Hours


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Rhythm 10 Rhythm 10, datado de 1973 é a primeira performance da carreira de Abramović. Em Rhythm 10 Marina adapta o jogo eslavo de facas, chamado de “five finger fillet”, no qual o jogador coloca a palma da mão virada para baixo sobre uma superfície, e começa a espetar uma faca para trás e para a frente entre os dedos, a uma velocidade progressivamente maior. O jogo possui um elevado risco de derramamento de sangue e ferimentos graves. Abramović, na sua adaptação, aumentou ainda mais este risco através da introdução de uma seleção de vinte facas diferentes de vários tamanhos e formas (sendo que foi apresentada uma versão com 10 facas primeiramente num festival em Edimburgo, no ano de 1973). A artista colocou também dois gravadores no chão, captando os ritmos da sua performance. Sempre que se ferisse, parava e trocava de faca. Quando todas as facas haviam sido utilizadas, Marina parava a gravação, ouvia-a e voltava a tentar replicar, de forma exata, os movimentos e cortes infligidos da primeira vez. A performance não terminou até Abramović ter utilizado cada faca duas vezes e ter ouvido as duas gravações em simultâneo. A razão pela qual Marina repete a segunda sequência do jogo deve-se ao facto de querer mostrar a necessidade de replicar os mesmos erros ou de os cancelar. A autoimposição da dor é o tema principal que a maioria dos espectadores vai, provavelmente, retirar desta performance. No entanto o principal objetivo, segundo a própria artista, foi fazer com que alguém notasse a sua tentativa de unir o presente com o passado. Este objetivo é concretizado, aparentemente nas suas imperfeições, presentes na tentativa de sincronizar a primeira parte do jogo perfeitamente com a segunda. Abramović optou ainda por realizar a performance numa folha de papel branca comprida. Ao longo da obra o derramamento das feridas foram cobrindo a folha, enfatizando a sua dor e sacrifício. A artista realiza quase sempre uma folha com instruções antes de realizar a performance. Este aspeto demonstra a sua dedicação para se testar mental e fisicamente em momentos de sacrifício.

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“I place a white sheet of paper on the floor. I place 20 knives of different sizes and shapes on the paper. I place 2 tape recorders with microphones on the floor. I turn on the first tape recorder. I take the first knife and stab in between the fingers of my left hand as fast as possible. Every time I cut myself, I change the knife. When I’ve used all of the knives, (all the rhythms) I rewind the tape recorder. I listen to the recording of the first part of the performance. I concentrate. I repeat the first part of the performance. I take the knives in the same order, follow the same order, follow the same rhythm, and cut myself in the same places. In this performance the mistakes of time past and the time present are synchronized. I rewind he second tape recorder and listen to the double rhythm of the knives. I leave.”

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Rhythm 0 Em 1974, para testar os limites da relação entre o artista performativo e o público, Marina Abramović desenvolveu um dos seus trabalhos mais arrojados e desafiantes. Neste projeto, a artista assumiu-se com um papel passivo e o público iria assumir o papel da força a atuar sobre ela. Numa galeria na sua cidade natal, Belgrado, Sérvia, ela dispôs 72 objetos numa mesa e convidou o público a usá-los no seu corpo da forma que quisessem. Entre estes objetos encontravam-se uma rosa, uma pena, um perfume, mel, pão, uvas, vinho, tesouras, um bisturi, pregos, uma barra de metal, uma pistola e uma bala. Não havia separação entre palco e público, estando a artista e a audiência no mesmo espaço. As suas instruções encontravam-se sobre a mesa:

“There are 72 objects on the table that one can use on me as desired. Performance I am the object. During this period I take full responsibility. Duration: 6 hours (8 pm – 2 am).”

Durante seis horas a artista permitiu ao público que manipulasse o seu corpo e ações. Deste modo foi possível testar o quão vulnerável e agressivo o ser humano consegue ser quando desprovido de consequências sociais. O propósito da peça era, segundo Abramović, descobrir o quão longe o público iria. No final da performance, o seu corpo havia sido despido, atacado e desvalorizado ao nível de uma imagem que Abramović descreveu, como sendo “Madonna, mother and whore”. O seu corpo encontrava-se repleto de marcas de agressão, havendo cortes no seu pescoço e tendo sido as suas roupas cortadas do seu corpo.

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“I HAD A PISTOL WITH BULLETS IN IT, MY DEAR. I WAS READY TO DIE.”

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Este trabalho, bem como muitos outros trabalhos da artista, consiste numa das mais importantes representações de objetificação do corpo feminino, uma vez que ela permanece completamente imóvel enquanto os espectadores fazem aquilo que bem lhes apetece com o corpo da artista, ultrapassando por muito os limites daquilo que é considerado aceitável. A partir deste trabalho Abramović expôs a selvajaria que se esconde por trás da superfície de seres humanos aparentemente civilizados. Este tipo de representação reflete também assuntos chave tais como BDSM, complicando e questionando a relação entre arte, sexualidade e discurso público.

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Inicialmente, o público estava com receio de se aproximar, agindo com cautela e modéstia, mas à medida que o tempo ia passando (e a artista mantinha o seu estado de passividade e apatia) as pessoas começaram a a agir mais agressivamente. Mais tarde, Abramovic disse: “What I learned was that... if you leave it up to the audience, they can kill you. ... I felt really violated: they cut up my clothes, stuck rose thorns in my stomach, one person aimed the gun at my head, and another took it away. It created an aggressive atmosphere. After exactly 6 hours, as planned, I stood up and started walking toward the audience. Everyone ran away, to escape an actual confrontation. There still are scars from where the people were cutting me, (…) They were taking the thorn from the rose and sticking it in my stomach. The public can kill you. This is what I wanted to see.”

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Relation In Time A performance Relation in Time, que teve lugar no Studio G7 em Bolonha, Itália, no ano de 1977, faz parte da série de performances That Self, que evoca uma terceira entidade nascida a partir da interação de energias masculinas e femininas. Abramović e Ulay, nesta obra, encontram-se amarrados pelos seus cabelos, cada um disposto para um sentido diferente. Nas primeiras 16 horas, sentaram-se sozinhos e em silêncio. O público apenas foi autorizado a assistir à performance na última hora. Esta obra acaba por descrever uma relação estática, sendo que os cabelos de Ulay e Marina, firmemente amarrados, simbolizam a ligação existente entre eles. A cada hora era tirada uma fotografia. As mudanças visíveis são poucas: às vezes Ulay senta-se com os olhos fechados, por vezes, Marina, ou ambos, olham para o vazio e a junção criada entre os cabelos do casal cada vez mais se fragiliza. Esta ligação pode ser considerada como algo externo que une dois corpos distintos, como um cordão umbilical. Esta é uma que espectador só pode seguir visualmente. As performances de Abramović e de Ulay vivem, principalmente, da intensidade da sua própria experiência. Esta é um bom exemplo para expor o princípio da própria vida humana e das relações, ou seja, à medida que se progride na linha temporal, embora todos comecem de forma sincronizada, seguem, gradualmente, o seu próprio padrão. O artista e compositor John Cage, que é uma grande influência para Ulay e Abramović, declarou que esta performance é uma “atividade dentro da inatividade”. Claramente, o processo foi extremamente exigente, tanto para a resistência física e mental dos artistas, que estavam à procura de harmonia entre corpo e mente, bem como para o equilíbrio entre os sexos opostos. A intenção gira em torno do conceito de polaridade e na intenção de criar um ser andrógeno (uma constante no trabalho de Abramović e Ulay).

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“First Part Without public. We are sitting back to back, tied together by our hair not moving. Duration: 16 hours Second part The public come in. We continue sitting for one more hour.”

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Imponderabilia Esta performance foi apresentada em 1977. Nela, Abramović e Ulay ficaram de pé, completamente nus, servindo de postes humanos em cada lado de uma entrada estreita da Galleria Communale d’Arte Moderna, em Bolonha, Itália. A estreiteza do espaço forçava os visitantes a encolherem-se de lado para poderem passar entre eles, completamente impossibilitados de evitar contacto físico e sendo obrigados a ter de encarara cara de Ulay ou a cara de Abramović de modo a poderem entrar no museu. Vendo a filmagem da performance, é possível ver que aquilo que se destaca mais nesta peça não é a vulnerabilidade dos dois artistas nus, mas sim a vulnerabilidade e incerteza dos visitantes. Cada pessoa, ao chegar à entrada, viu-se forçada a decidir primeiro se haviam de entrar no museu e, de seguida qual dos corpos nus haviam de enfrentar. Ao colocar estas decisões nas mãos dos espectadores, a peça Imponderabilia tornou-se uma performance de reflexão acerca das diferentes reações e interações dos espectadores. Abramović e Ulay permaneceram sempre a olhar um para o outro, sem se mexerem, tal como estátuas. Esta peça também reflete o interesse dos artistas na temática da duração, uma vez que Imponderabilia foi apresentada em turnos, repetida ao longo de toda a exibição durante um total de 700 horas. Nesta performance, os artistas confrontavam os participantes que, involuntariamente, passavam através do “canal de nascimento” com a experiência do toque, com a decisão de escolher qual das caras encarar, com o contacto físico com outro ser humano (algo que é geralmente considerado perturbador entre estranhos) e com a exposição a uma sensação corporal pouco familiar que podia ser caraterizada algures entre a vergonha e uma noção de consciência dos seus próprios corpos. O espaço entre os dois protagonistas constituiu o verdadeiro espaço da performance na qual o observador desempenha um papel ativo. Um texto na parede da exibição dizia “Imponderable. Such imponderable human factors as one’s aesthetic sensitivity/the overriding importance of imponderables in determining human conduct”. O texto refere-se diretamente ao espectador como um protagonista da performance, espectador este, a quem – tão frequentemente como no caso de Abramović e Ulay – é negada a oportunidade de observação direta. 24


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Breathing In / Breathing Out A performance Breathing in/Breathing out foi apresentada duas vezes, a primeira vez em Belgrade (1977) e a segunda em Amestersão (1978). Para realizarem esta performance os dois artistas bloquearam as suas narinas com filtros de cigarro e pressionaram as suas bocas uma contra a outra, de modo a não poderem inalar nada além da exalação um do outro para a frente e para trás durante o máximo de tempo que conseguissem. À medida que o dióxido de carbono preenchia os seus pulmões, começaram a suar e a mover-se ardorosamente. Deste modo, os espectadores foram capazes de sentir a agonia dos artistas através dos sons projetados pela respiração, efeito que foi aumentado devido à existência de microfones presos aos seus peitos. Levou-lhes 19 minutos na primeira exibição e 15 minutos na segunda até consumirem todo o oxigénio e atingirem o limite do desmaio. Através desta troca, o casal pisa a linha que separa o eros e o thanatos (amor e morte). Ao mesmo tempo, recordam as pessoas que toda a gente respira e partilha o mesmo ar uns dos outros. Aqui a respiração funciona como símbolo da vida e interdependência. Existe algo de sensível e violento, ao mesmo tempo, que emerge da performance: O casal está decidido a ficar junto apesar do esforço, do perigo, do estrago. Mas este tipo de interdependência pode ferir ambas as partes por isso não pode durar muito tempo. Apenas por alguns minutos Abramović e Ulay conseguem realizar uma grande conquista: tornar-se um único ser andrógeno, tal como a criatura mítica descrita por Aristófanes no livro “O Banquete” de Platão, uma omnipontente criatura com uma forma redonda e quatro patas e pernas. Estas criaturas andrógenas – o homem e a mulher – sentiam-se tão confiantes com o seu poder que se compromenteram ao pecado da hybris – desafio aos deuses – por isso Zeus castiga-os, separando-os em duas metades, condenados a olhar durante toda a eternidade para a sua outra metade “This is the reason, our human nature used to be one and we were a whole; and the desire and pursuit of the whole is called love. There was a time, I say, when we were one, but now because of the wickedness of mankind God has dispersed us.”

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“We are kneeling face o face, pressing our mouths together. Our noses are blocked with filtertips. Ulay I am breathing in oxygen. I am breathing out carbon dioxide. Marina I am breathing in carbon dioxide. I am breathing out carbon dioxide. Ulay I am breathing in carbon dioxide. I am breathing out carbon dioxide.”

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Rest Energy Rest Energy é uma obra de arte datada do ano de 1980, gravada em Dublin. Possui quatro minutos e dez segundos de duração, e Abramović descreveu-a como uma das duas mais difíceis obras que realizou, afirmando que “não estava no comando”. Nesta performance a dupla de artistas suportou o peso de uma flecha no corpo, a qual se encontrava apontada para o coração de Marina. Existem ainda dois microfones perto do coração de cada um, de modo a serem ouvidos os batimentos cardíacos da dupla. À medida que a ação se ia desenvolvendo, os batimentos aumentavam e tornavam-se cada vez mais intensos e, embora tivesse durado apenas quatro minutos e dez segundos, pareceu uma eternidade aos artistas. Abramović descreve a performance como uma apresentação sobre a confiança total e completa no seu parceiro. Rest Energy acaba por conter a toda essência da arte performativa presente nos trabalhos de Abramović. Com um interesse em explorar, mais uma vez, as capacidades e resistência do corpo humano, o vídeo, conforme descrito no website da galeria, “é uma representação dos níveis extremos de confiança e vulnerabilidade inerente a qualquer relação profunda”.

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“Standing across from one another in slated position. Looking each other in the eye. I hold a bow and Ulay holds the string with the arrow pointing directly to my heart. The weight of our bodies put tension on the bow. The arrow pointed at Marina’s heart. Small microphones were attached to both our hearts recording the increasing number of heartbeats.”

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Balkan Baroque Balkan Baroque funciona como uma reminiscência da sua performance anterior “Cleaning the Mirror #1” (1995) na qual a artista se sentou num banco durante três horas a lavar um esqueleto. Marina Abramović criou a sua peça Balkan Baroque, apresentada em 1997 na Venice Biennale, em resposta às incontáveis mortes que tiveram lugar na antiga Jugoslávia. Sentada em cima de 1500 ossos de vaca com um vestido branco, a artista passou 4 dias, 6 horas por dia, a lavar cada um dos ossos ensanguentados, rodeada por projeções de vídeo dos seus pais e de si mesma. À medida que os dias passam o seu vestido vai ficando progressivamente manchado com o sangue dos ossos. O monte de ossos era tão gigantesco que ao longe mal se distinguia o que realmente era. As imagens em vídeo de Balkan Baroque, que abordam temas de violência e trauma, encontram-se espacialmente organizadas como um tríptico, no meio do qual existe um retrato em tamanho real de Abramović. Na primeira parte do vídeo ela está vestida com uma farda branca médica e atua como cientista zoóloga que conta a história da criação dos Wolf-Rats nas Balcãs, animais que, quando colocados sob condições insuportáveis, tal como humanos em guerra, começam a destruir-se uns aos outros. Na segunda parte, ela transforma-se numa típica cantora de tabernas balcãs que entretêem a audiência masculina, dançando e cantando, como se estivesse possuída ao som de música folclórica. Na esquerda e direita, podem-se visualizar retratos de vídeo da sua mãe e pai, ambos com um background religioso de famílias cristãs ortodoxas, fazendo parte das guerras de Libertação Nacional e do Partido Comunista (como explicado anteriormente na biografia). Os retratos de vídeo foram instalados numa sala escura, na qual se encontravam três esculturas de cobre que continham água, que difilmente se conseguiam distinguir, sugerindo uma purificação espiritual. O ato de auto-purificação é, no entanto, realizado por Abramović, que com recurso a uma escova de metal, sabão e água, lavou o amontoado de ossos de vaca, raspando os últimos pedaços de carne destes. Este ato de purificação, ‘até ao osso’, como sugerido pela própria expressão, torna-se um trabalho individual de luto sem o qual nenhum ritual de passagem pode ocorrer. 30


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A progressão da performance tornou-se visceral devido ao calor insuportável da cave e do cheiro fétido que perdurava no ar. Este cheiro dos ossos de vaca, aliado ao som da artista a cantar e chorar, e o arranjamento espacial da performance ajudam no seu todo a criar um ambiente fechado para o observador, no qual este se vê contido num espaço de luto, sagrado, de ritual. Através da repetição performativa, um espaço de transformação é criado e a morte torna-se conhecida e acessível.

Para Abramović não bastava recontar o número de pessoas que perderam a vida na guerra. Em vez disso, ela pretendia recordar as vidas, esforços e esperanças de indivíduos mortos por cuidadosamente tocarem e limparem os ”seus” ossos físicos e sangue. Transformar as suas experiências individuais performativas em ideias universais é um conceito importante para todo o trabalho de Abramović. A comparação entre a inabilidade de esfregar e limpar todo o sangue e a inabilidade de apagar a vergonha da guerra é um conceito com alcance universal.

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House with the Ocean View Esta performance provém do desejo da artista de perceber se é possível usar uma disciplina diária simples, regras e restrições de modo a se purificar. Por 12 dias, Marina Abramović viveu em três plataformas na Kelly Gallery Sean em Nova York, em 2002. A artista não comeu, não falou nem teve qualquer privacidade: os espectadores foram convidados a observar Abramović através de um telescópio de alta potência. Esta não tinha como fugir uma vez que os degraus das escadas que o possibilitavam era feitos de facas de talhantes. Abramović pensou que esta obra seria como dar o último passo da caminhada que fez na muralha da China e, como tal, subiu as plataformas com as velhas botas que usou na caminhada. Marina, ao longo de todo o tempo da performance, não ingeriu qualquer alimento, passando fome durante os 12 dias. Para ela, no entanto, a performance em si importa tanto quanto a fome. Abramović precisava de cada elemento que planificou, os adereços e o literalismo, para criar, como ela esperava, um espaço dentro da mente e se purificar. Após o término da performance, o cenário permaneceu em exibição como um espaço entre a escultura, a cenografia e um memorial. Desta forma, a artista consegue converter a performance em tempo real num tempo de expectativa e numa memória.

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“Conditions for Living Installation: Artist Duration of the piece: 12 days Food - no food Water - large quantity of pure mineral water Talking - no talking Singing - possible but unpredictable Writing - no writing Reading - no reading Sleeping - 7 hours a day Standing - unlimited Sitting - unlimited Lying - unlimited Shower - 3 times a day Public Use telescope Remain silent Establish energy dialogue with the artist Clothes The clothes for The House with the Ocean View were inspired by Alexander Rodchenko. The color of the clothes were selected in accordance with the principles of the Hindu Vedic square. The boots are the ones I used to walk the Great Wall of China 1988.”

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The Artist is Present De 14 de Março a 31 de Maio de 2010, o Museum of Modern Art (MoMA) expôs uma grande retrospetiva e reacriação de performances da obra de Abramović, sendo a maior exibição de arte performativa em toda a história do museu. Durante a exibição, Abramović apresentou “The Artist is Present”, uma peça silenciosa de 736 horas e 30 minutos, oito horas por dia, na qual ela se encontrava sentada, imóvel, no átrio do museu, enquanto os espectadores eram convidados a sentar-se (um a um) em frente a ela sem poderem falar com ela ou tocar-lhe. Abramović encontrava-se sentada num retângulo desenhado com fita no chão do segundo piso do átrio do MoMA. Luzes cénicas iluminavam-na e à pessoa que se sentasse na cadeira oposta a ela. Os visitantes podiam sentar-se frente a Marina durante o tempo que desejassem enquanto ela mantinha contacto visual com eles. Apesar de, antes do espetáculo começar, tanto Marina Abramović como o próprio museu temer que ninguém aparecesse, os visitantes começaram a apinhar o átrio dentro de apenas dias desde que o espetáculo começou, sendo que alguns até a chegavam ao museu muito antes de a exibição começar, apressando-se para ficarem com os primeiros lugares da fila. A maioria dos visitantes sentava-se em frente à artista durante cerca de 5 minutos. Havia um buraco na cadeira de Abramović com uma pequena câmara por baixo para que ela não tivesse de ir à casa de banho. O objetivo do exercício era, tal como dizia, concentrar-se ou criar uma ligação com quem quer que se sentasse à frente dela. “I never saw so much pain in my life”. O grande número de pessoas que chorou, segundo o que a artista acha, foi trazido a palco por esta situação encenada na qual “there is nowhere to go except in yourself. It was shocking. But how simple it was”. Abramović sentou-se em frente a 1545 pessoas, incluindo James Franco, Lou Reed e Björk. Ulay fez uma aparição surpresa na noite da abertura do espetáculo, sendo que Abramović quebrou o protocolo e moveu a mão para agarrar a dele na mesa. Todas as pessoas aplaudiram e Abramović relatou: “I absolutely didn’t expect he’d come to sit. The moment he sat – and everyone got very sentimental about it, because they were projecting their own relationships on to us – but it was so incredibly difficult. It was the only time I broke the rules”. As únicas variações visíveis no seu comportamento eram quando ela chorava se uma das visitas chorasse à sua frente e o momento de contacto físico que 34


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teve com Ulay. O fotógrafo italiano Marco Anelli capturou retratos de todas as pessoas que se sentaram frente a frente com Abramović, as quais foram colocadas online (https://www.flickr.com/photos/themuseumofmodernart/ sets/72157623741486824/) e compiladas num livro. Algumas pessoas riram, outras choraram e uma tirou todas as suas roupas e teve de ser expulsa pela segurança. “The Artist is Present” atraiu multidões recorde à galeria, tornando-se uma das mais famosas e controversas peças de arte performativa alguma vez realizadas. A artista disse mesmo que a obra em questão mudou a sua vida por completo. A Fox News referiu-se a Abramović, na altura da exposição, como: “some Yugoslavian-born provocateur”, enquanto um curador da Whitney Gallery lhe chamou “one of the most significant artists of the second half of the 20th century.” Desde os seus primeiros dias de performances na Sérvia, que Abramović se coloca sob condições de resistência física e mental capazes de reformular o pensamento das pessoas e transportá-las para uma experiência fora dos padrões ordinários de pensamento. “The medium is the body” apesar de ser aquilo que todos os artistas performativos dizem, é provavelmente uma das frases que melhor se adequa e retrata todo o seu trabalho. A diferença entre Abramović e o resto dos artistas é que, quando ela se corta com uma faca ou se atira contra uma parede, é feito com tanta pureza que o espectador fica temporariamente fora de si mesmo. É o oposto de sensionalismo ou exibicionismo e, permanecer sentada durante três meses, convidando à conexão com estranhos é algo que, no contexto da vida atribulada e distraída que levamos, acaba por fazer sentido.

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512 Hours Num trabalho criado para a Serpentine Gallery, no ano de 2014, a artista realizou uma performance, na qual, das 10 horas da manhã até às 6 horas da tarde, 6 dias por semana num total de 512 horas, criou o mais simples dos ambientes nos espaços da galeria, onde co-existia apenas a artista, o público e uma seleção de objetos comuns. À chegada, os visitantes, literalmente e metaforicamente, deixavam a sua bagagem para trás: sacos, equipamentos eletrónicos, relógios e câmaras. O público tornou-se o corpo que realizou a performance, participando num momento sem qualquer precedente na história da arte performativa. Existiam três salas onde “não se passa nada e ao mesmo tempo onde tudo acontece”. Dentro das salas não se ouvia praticamente nada, ainda que lá estivessem dezenas de pessoas. Abramović queria o público por inteiro, sem distrações. Esta performance, que parte do vazio das salas, precisa de público para as encher de alguma forma. É uma obra que parte do nada. Uma ideia tão simples que, dependendo dos dias, do público, do momento, resulta de forma diferente. Abramović afirma não ter tido um plano (o que raramente acontece nas suas performances) para as horas que passou dentro da galeria. No fundo o que pretendia, era que o público fizesse o que quisesse e a artista o que sentisse no momento, recorrendo, por vezes, a objetos básicos e, noutras vezes, recorrendo apenas aos corpos. Consequentemente, todos os dias, a performance foi diferente, uma vez que é um trabalho de improviso e também de resistência. Assim, em 512 Hours, Abramović procurou esbater as fronteiras entre performer e espectador e entre testemunha e participante. Numa entrevista ao The Guardian, a própria artista disse “nunca ter feito nada tão radical quanto esta performance”. Esta obra reflete, comos em todas as outras, o compromisso de Abramović em explorar o que a performance pode ser, algo que a artista tem vindo a desenvolver ao longo da sua carreira da forma mais controversa e crua que pode existir.

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“IT IS THE MOST IMMATERIAL YOU CAN GO.”

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CONCLUSÃO O resultado obtido na produção do presente trabalho de pesquisa permitiu passar a conhecer a vida e obra da artista Marina Abramović. A singularidade desta artista revelou-se o exemplo perfeito para assimilar e compreender, a partir de algumas das obras e exemplos mais extremos, a verdadeira essência e objetivos da arte performativa. No início dos anos 70, Marina poderia não conhecer a reação que as suas performances e desempenho subversivo iriam produzir na sociedade, pois era uma artista muito experimental, no entanto procurava ao máximo expressar a sua arte sob a forma mais extrema,. Esta artista pode ser comparada a inúmeros outros artistas que contribuiram para a introdução de novos grupos, movimentos e estilos de arte. Tal como Jackson Pollock foi ao expressionismo abstrato, por exemplo, Marina foi à arte performativa. Abramović demonstra ainda, através da sua arte, a sua capacidade de consciência no momento de dor, tentando conquistar o medo da morte. O público pode considerar a insensibilidade mental, emocional e física de Marina um comportamento típico uma vez que as situações onde ela se coloca são retratadas por si mesma. Mas esta testa o seu corpo e mente até ao limite. “There is no illusion in what she does; when she cuts herself, it’s real. The whole point is it’s real.” No caso dos trabalhos de Abramović com Ulay é questionada a identidade socialmente definida e estereotipada para ambos os géneros (masculino e feminino), enquanto ambos continuam também a testar os seus limites. São espetáculos que não têm como objetivo ser agradáveis ao público, mas sim chocá-lo e perturbá-lo afastando-o da passividade, mais uma vez. Para a artista, é importante a reação do público, que dá, aquilo que é desafiado para dar. Abramović pretende sempre trazer nos seus trabalhos o que de pior e melhor as pessoas têm. Do trabalho de Marina, pode-se concluir que a artista afirma a sua identidade através da perspetiva de outros e, através da mudança de papéis de cada participante, a identidade e a natureza da humanidade em geral é revelada e apresentada no seu estado mais puro. Ao fazer isto, a experiência individual transforma-se em algo coletivo, sendo criada uma mensagem muitíssimo poderosa.

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“THE MORE I THINK ABOUT ENERGY, THE SIMPLER MY ART BECOMES, BECAUSE IT IS JUST ABOUT PURE PRESENCE.”




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