THE GUIMARÃES CONVERSATIONS Uma Coligação Cultural por uma Europa dos Cidadãos Cultural Coalition for a Citizens’ Europe
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Ficha Técnica: Gestão Editorial Setepés e A Soul for Europe. Redação Vânia Rodrigues Conteúdos Vânia Rodrigues Henrique Praça Jonathan Costa Junho 2013
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THE GUIMARÃES CONVERSATIONS Uma Coligação Cultural por uma Europa dos Cidadãos Cultural Coalition for a Citizens’ Europe
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Sumário Executivo Articulado temática e operacionalmente com as atividades de avaliação e reflexão promovidas no quadro do encerramento de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura, “The Guimarães Conversations” procurou aferir, num processo aberto e qualificado, a contribuição concreta das iniciativas de envolvimento comunitário para a apropriação pelos vimaranenses dos fundamentos do projeto europeu. O evento, que decorreu no dia 17 de maio de 2013, no Centro Cultural Vila Flor (Guimarães), reuniu sociedade civil, agentes culturais, artistas e dirigentes políticos locais, representantes das Capitais Europeias da Cultura – Riga 2014 e San Sebastian 2016 – e também da ainda candidata, Cluj 2021, assim como membros da A Soul for Europe; enquadrando dessa forma a discussão acerca do envolvimento e participação dos cidadãos na Guimarães 2012 num amplo debate de dimensão europeia. As temáticas debatidas – como o “surgimento de novos espaços de diálogo entre políticos e cidadãos,” “de novos atores culturais” ou mesmo “de novas narrativas e símbolos europeus” – já tinham sido desenvolvidas em dois focus groups preparatórios que tiveram lugar em abril e que contaram com a presença de responsáveis e de cidadãos envolvidos direta ou indiretamente na realização de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura. Durante o debate ficou claro que Guimarães 2012 não terminou no final do ano passado; é sim uma ação de longo-termo com grande potencial de desencadear mudanças no paradigma de governação cultural da cidade. Guimarães 2012 é Guimarães 2020. Desta forma, a iniciativa despiu-se da tónica meramente avaliativa que a podia condicionar, traduzindo-se num debate sobre os mecanismos a utilizar no sentido de transformar esse potencial de mudança num processo sustentável de transformação Nesse sentido, foram apresentadas propostas e recomendações concretas, como, por exemplo, a criação de uma “Assembleia Cultural Informal”, que procure concretizar as aprendizagens realizadas e garantir a continuidade, acima de tudo, do envolvimento dos cidadãos.
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Executive Summary Guimarães 2012 is Guimarães 2020 Closely interwoven with the overall evaluation programme that closed Guimarães 2012 European Capital of Culture, The Guimarães Conversations has sought to assess, in an open and qualified process, to what extent did the fact that the Culture Capital’s bias was set towards more citizen participation, contribute to raising awareness of the core values of European citizenship. This international forum was held on 17 May bringing together civil society actors, cultural operators, artists from the city of Guimarães as well as administration, representatives from Riga 2014, Cluj 2021, San Sebastian 2016 and members of the civil-society initiative A Soul for Europe placing the discussion about citizens’ engagement on Guimarães 2012 in a broad European framework. Civil society and all the other stakeholders already involved in the preparation and making of Guimarães 2012 – European Capital of Culture had already met twice in focus groups to evaluate the bygone process around fundamental issues such as ‘new forms of dialogue between citizens and politicians’, ‘new cultural actors and cultural governance’ and ‘new narratives and symbols for Europe’. During the discussions it became apparent that Guimarães 2012 did not end in December 2012; it is rather a long-term action which bears great potential for change. The Guimarães Conversations was therefore much more than an assessment of what happened in the city during 2012 – it aimed at thinking about how to turn the potential of an European Cultural Capital into a sustainable process and to make concrete recommendations, such as the creation of an ‘Informal Cultural Assembly’ that seeks to make good use of lessons learned in terms of citizens’ involvement and secure the continuity of the achievements.
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I. Introdução The Guimarães Conversations – Participação Cívica e Cidadania Europeia em Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura é uma proposta de reflexão da iniciativa A Soul for Europe em parceria com a Fundação Cidade de Guimarães. A iniciativa europeia A Soul for Europe1 é uma rede de cidadãos por todo o território europeu especializados nas áreas artística, cultural e de comunicação, que ambicionam implementar passos concretos e conduzir projetos que garantam que a construção Europeia se suporte decisivamente nos recursos culturais. Em 2013, aquela iniciativa lançou ‘A Cultural Coalition for a Citizens’ Europe’2, que obteve aprovação e cofinanciamento no âmbito do programa Europa dos Cidadãos. A Coligação Cultural por uma Europa dos Cidadãos inclui a realização de atividades em Portugal, levadas a cabo pela Setepés, escritório oficial da iniciativa. A Setepés convidou a cidade de Guimarães, Capital Europeia da Cultura em 2012, para acolher as referidas atividades. A Coligação Cultural por uma Europa dos Cidadãos pretende promover a reflexão, dar visibilidade e fazer propostas acerca da contribuição da cultura para uma Europa dos cidadãos. Ambiciona reforçar o poder e a capacidade dos cidadãos juntando três pilares fundamentais da sociedade - artistas e intelectuais, sociedade civil e universo associativo e decisores políticos num verdadeiro processo de empenhamento multidirecional rumo à construção partilhada de uma visão para o futuro da Europa. No âmbito da Coligação Cultural por uma Europa dos Cidadãos, propôsse a realização de The Guimarães Conversations, que se articula, temática e operacionalmente, com as restantes atividades de avaliação e reflexão promovidas no quadro do encerramento de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura3.
A iniciativa A Soul for Europe, EEIG tem a sua sede legal em Bruxelas. O seu funcionamento é assegurado, fundamentalmente, por quatro escritórios oficiais: em Berlim, através da Stiftung Zukunft Berlin, em Bruxelas, através da European House for Culture, em Amesterdão, através da Felix Meritis Foundation, e no Porto, através da Setepés. 1
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Coligação Cultural por uma Europa dos Cidadãos (http://www.asoulforeurope.eu/cultural-coalition)
Por comodidade, utilizaremos ao longo do texto a expressão ‘Guimarães 2012’ para designar Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura e ‘CECs’ para nos referirmos às Capitais Europeias da Cultura (em geral). 3
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The Guimarães Conversations ocupa-se, do ponto de vista temático, das questões relativas à natureza e qualidade da participação dos cidadãos na Guimarães 2012 no que diz respeito ao reforço dos valores e consciência de cidadania europeia. Trata-se não de aferir a abrangência, qualidade ou impacto das diversas iniciativas de envolvimento comunitário levadas a cabo pela Guimarães 2012, mas sim de, num processo aberto e qualificado, procurar aferir a contribuição concreta daquelas iniciativas para a apropriação pelos vimaranenses dos fundamentos do projeto europeu (mecanismos de participação democrática, diversidade cultural, entre outros aspetos.) Trata-se, portanto, de um exercício de aferição – ainda que Guimarães 2012 tenha terminado apenas em dezembro passado (e em boa verdade não tenha terminado ainda...) pelo que, mais do que olharmos para trás e tentarmos apreciar a natureza e a qualidade da participação dos cidadãos durante o período em que a cidade ostentou o título de Capital Europeia da Cultura, procuraremos antes, sobretudo, enquadrar esse esforço no amplo debate europeu e encontrar aqueles pequenos, por vezes discretos sinais que, na cidade, nas pessoas, podem dar-nos pistas acerca de como é que a cidade (e a Europa) se pode construir no futuro. Claro que, tal como lembrou a Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Guimarães, Francisca Abreu, “desde há anos que a questão da participação dos cidadãos na vida artística e cultural é matéria de discussão em inúmeros debates, fóruns, seminários, encontros, sempre em torno da qualidade da ação artística e cultural e da importância da participação pública. Efetivamente, na conceção mais recente e que domina os debates mais progressistas ou contemporâneos, o cidadão não é encarado como mero utilizador/ espectador / público potencial, mas é, sobretudo, considerado como um cidadão suscetível de se envolver na vida cultural em todas as suas dimensões.” 4 A Soul for Europe revê-se, naturalmente, neste entendimento da participação dos cidadãos na vida pública como uma mudança de referencial das políticas públicas e está não só interessado em perceber “de que forma o mundo cultural enfrenta esta mudança de paradigma” mas também se as implicações desta mudança se estendem à dimensão europeia. De uma forma sintética, o que encontrará nas próximas páginas é uma reflexão em torno das questões acima mencionadas, enquadradas no processo de Guimarães 2012:
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Citação a partir da gravação do Forum ‘The Guimarães Conversations’, 17 de maio de 2013.
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Como garantir que as Capitais Europeias da Cultura são efetivamente um projeto cultural? Um projeto europeu? Um projeto cívico? Um incentivo a novas formas de pensar, a novos projetos, redes e políticas nos anos que se seguem à sua realização? Ambicionamos ainda cruzar estes temas com as questões de cidadania europeia. Um cruzamento que se justifica porque se um dos grandes problemas de hoje da União Europeia5 consiste na falta de adesão, compromisso e empenho que esta merece dos seus destinatários individuais6, ao mesmo tempo, as Capitais Europeias da Cultura são, justamente, “um projeto-bandeira da UE, possivelmente um dos mais bem conhecidos e mais apreciados pelos cidadãos europeus.”7 Para além disso, duas datas conferem pertinência adicional a esta reflexão: 2013 Ano Europeu dos Cidadãos e 2014, ano de eleições para o Parlamento Europeu, num contexto de iniludível crise das democracias na Europa.
Ao longo deste texto iremos utilizar as expressões ‘Europa’ e ‘União Europeia’. Todavia, importa referir que, devido aos sucessivos alargamentos (e não só), ‘Europa’ tornou-se por vezes sinónimo de ‘União Europeia’ no discurso quotidiano. O problema desta proximidade é o facto de cada uma destas expressões se relacionar essencialmente com duas dimensões diferentes: cultural e política. Neste caso concreto, ambas as dimensões nos interessam, e sobretudo o cruzamento entre elas, pelo que estaremos em permanência a referir-nos a ambas as dimensões. 5
Mesmo em termos de conhecimento declarado, a realidade é preocupante. Segundo dados do Eurobarómetro de outubro de 2010, a familiaridade com a expressão ‘cidadão da UE’ continua em níveis muitíssimo baixos: apenas 43% admite saber o seu significado e menos de um terço (32%) afirma estar bem informado acerca dos seus direitos e deveres enquanto cidadão da União Europeia. 6
Tradução livre a partir de: “European Capitals of Culture: the road to success. From 1985 to 2010.”, Office for Official Publications of the European Communities, 2009, Foreword. 7
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Introduction The Guimarães Conversations – Citizens’ Participation and European Citizenship in Guimarães 2012 European Capital of Culture is a reflection proposal from the A Soul for Europe initiative in partnership with Fundação Cidade de Guimarães. A Soul for Europe1 is a network of Europeans throughout Europe with expertise in the fields of culture, media and arts who aim to implement concrete steps and conduct projects to ensure that Europe makes greater and better use of its cultural assets. In the process, culture should be utilized more than in the past as a strategic factor for development – at local, regional, national and European level. At the occasion of the European Year of Citizens 2013 A Soul for Europe launched the “Cultural Coalition for a Citizens’ Europe2” supported by the Europe for Citizens Programme. The Cultural Coalition for a Citizens’ Europe includes the implementation of activities in Portugal which will be conducted by Setepés, the A Soul for Europe office in Portugal. This framework is a great opportunity to make European policy-makers and European citizens aware of their responsibilities and rights as Europeans. In times of crisis, citizens’ participation is more urgent than it has ever been before. In foresight of the upcoming elections in 2014, the Cultural Coalition is the expression of the hearts and minds of Europe’s citizens: active in debate, innovative in thinking and creative in their activities. Moreover, this coalition provides the political and official institutions (whether local, regional, national, European or global) with the interlocutors they need to help them develop. That is what drives the Coalition’s work: to develop a new understanding of cultural citizenship and cultural rights in order to create a democratic Europe from the bottom-up. In Guimarães, the Cultural Coalition for a Citizens’ Europe is active through the realization of The Guimarães Conversations, a comprehensive process thematically and operationally interwoven with other assessment and reflection activities promoted along the closing of the ECoC 20123. The A Soul for Europe Initiative, EEIG has its legal seat in Brussels. It is brought foward, fundamentally, by four official offices: in Berlin, through Stiftung Zukunft Berlin, in Brussels, through the European House for Culture, in Amsterdam, through the Felix Meritis Foundation and in Porto, through Setepés. 1
More information on the Cultural Coalition for a Citizens Europe at (http://www.asoulforeurope.eu/ cultural-coalition) 2
For the sake of clarity, we will be using the expression ‘Guimarães 2012’ to designate Guimarães 2012 European Capital of Culture; and ‘ECoCs’ when we refer to European Capitals of Culture in general. 3
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The Guimarães Conversations is thematically focused on issues concerning the nature and quality of citizen participation in Guimarães 2012 with regard to the strengthening of values and consciousness of European citizenship. Thus, the purpose is not to assess the scope, quality or impact of various community involvement initiatives carried out by Guimarães 2012, but rather, through an open and qualified process, to assess the specific contribution of these initiatives to an ownership of the foundations of the European project by the citizens of Guimarães (mechanisms of democratic participation, cultural diversity, etc). It is, therefore, an evaluation – but we prefer to be careful when using this word, for the obvious reason that Guimarães 2012 has just ended (and it truly did not end yet...). That is why, more than looking back to try to capture and appraise the nature and quality of citizens’ participation during the year in which the city held the title of European Capital of Culture, we will aim, above all, to frame that assessment into the broader European debate and look for those, perhaps small, discrete signs that in the city, in the people, can give us some hints about how the city (and Europe) will be built in the future. We should not forget that, as Francisca Abreu, Culture Councilor of Guimarães reminded us, “for many years the issue of the participation of citizens in the artistic and cultural life is discussed in various debates, fora, seminars, always in terms of the quality of cultural and artistic action and the importance of public participation. Assuredly, in the more contemporary and advanced debates, the dominant concept of the citizen is not a mere user or member of the audience, but rather a citizen that can be interested in getting involved in the cultural life of a city in various dimensions.”4 A Soul for Europe plainly subscribes to this understanding of citizens’ participation in public life as a fundamental shift in public policies and is not only interested in figuring out how the cultural sector is facing this paradigm change, but also whether the implications of that change encompass the European dimension. In a nutshell, what you will find in the following pages is a reflection around the above mentioned issues set in the frame of the Guimarães 2012 European Capital for Culture process: How to make sure that European Capitals of Culture are really a cultural project? An European project? A civic project? An incentive for new thinking, new projects, networks and policies in the years after?
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Quote from the footage of the forum ‘The Guimarães Conversations’ on 17th May 2013.
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Moreover, we aim to combine these themes with European citizenship. A combination that is justifiable if we consider that one of the biggest problems of the European Union5 today is the lack of commitment and engagement that it gets from its individual beneficiaries6 while at the same time “European Capitals of Culture are a flagship cultural initiative of the European Commission, possibly the best known and most appreciated by European citizens.”7 Further more, two dates confer additional pertinence to this reflection: 2013 being the European Year of Citizens and 2014 election year for the European Parliament, in a context of undisguisable crisis of democracies in Europe.
Throughout this text, we will be using interchangeably the words ‘Europe’ and ‘European Union’. However, it is important to note that due to successive enlargement (and not only), Europe has become synonymous with the European Union in everyday discourse. The problem with this proximity is the fact the two are essentially related to different dimensions, specifically, cultural and political. For our aims here, both dimensions are relevant (and particularly the connections between them) so we will be permanently referring to both. 5
Even in terms of declared knowledge, the reality is worrying. According to data from the Eurobarometer of October 2010, acquaintance with the expression ‘citizen of the EU’ is still at considerably low levels: only 43% admits knowing its meaning and less than one third (32%) claims to be well-informed about their rights and duties as an EU citizen. 6
Quoted from “European Capitals of Culture: the road to success. From 1985 to 2010.” Office for Official Publications of the European Communities, 2009, Foreword. 7
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II. Metodologia e tópicos de discussão O processo The Guimarães Conversations incluiu a realização de dois focus groups, sendo o primeiro constituído por pessoas e instituições com responsabilidade na organização de Guimarães 2012, e o segundo por cidadãos que tinham estado direta ou indiretamente envolvidas nas iniciativas de Guimarães 2012. Os focus groups realizaram-se nos dias 17 e 23 de abril, e agregaram cerca de 25 pessoas. A ambos os grupos foi colocado o mesmo conjunto de questões: •
Que novos espaços de diálogo entre políticos e cidadãos / que novas formas de participação democrática emergiram durante e/ou na sequência de Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura?
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Até que ponto, no seguimento de Guimarães 2012 - Capital Europeia da Cultura, surgiram novos atores culturais ou se reforçou a atuação e a credibilidade de atores já existentes (tanto por parte do poder político como dos cidadãos); nomeadamente, no sentido de estes passarem a intervir na programação cultural da cidade?
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Até que ponto Guimarães 2012 - Capital Europeia da Cultura produziu novas narrativas e símbolos mais interessantes e fortes da União Europeia (em alternativa a símbolos ‘frios’ como a bandeira ou a carta de condução)?
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Quais foram os temas da agenda de educação cívica (de todas as idades) de Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura?
As sessões, que obedeceram a um guião pré-estabelecido mas de resposta aberta, foram intensamente participadas e integralmente gravadas. As conclusões das sessões (sem identificação dos participantes) foram depois compiladas, traduzidas para inglês, e fornecidas aos convidados do Forum Internacional realizado a 17 de maio, como forma de preparar uma discussão mais informada e aprofundada. Entendeu-se, portanto, após este trabalho prévio, realizar um fórum internacional em que se debatessem as mesmas questões colocadas nos focus groups preparatórios, e em que se juntassem esses mesmos
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participantes, os programadores de Guimarães 2012, os responsavéis políticos, as associações da cidade, artistas, voluntários, escolas, mas também entidades com responsabilidades na comunicação da União Europeia (Gabinete do Parlamento Europeu em Portugal, Centros Europe Direct, entre outros). O Centro de Informação Europeia Jacques Delors, responsável pela Parceria de Gestão estabelecida entre o Governo Português e a Comissão Europeia, também se associou ao evento. A presente publicação constitui o último passo do processo acima descrito – reúne e organiza os contributos das sessões preparatórias, as comunicações dos participantes e oradores do Fórum Internacional, e as propostas de ação dos grupos de discussão realizados no âmbito do mesmo Fórum.
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II. Methodology and topics for discussion The Guimarães Conversations process comprised the realization of two workshops/focus groups, one with people who had had direct responsibilities during Guimarães 2012 and another with citizens and civil-society organizations that have been involved with the ECoC in one way or another (either as active participants, or volunteers, teachers, local shops owners / businesses, etc). These focus groups were organized and moderated by Vânia Rodrigues (A Soul for Europe Strategy Group Member and Setepés Project Coordinator) and Henrique Praça (Director of Setepés). They were held on the 17th and 23rd April, gathering approximately 25 people. We have presented them with roughly the same four questions/themes, so that we could compare and easily aggregate answers from both groups. Those four broad questions were: •
What new forms of dialogue between citizens and politicians or what new forms of democratic participation have emerged during or as a consequence of Guimarães 2012 European Capital of Culture?
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To what extent – during or as a consequence of Guimarães 2012 European Capital of Culture – did new cultural actors emerge or was the relevance and legitimacy of the already existing ones reinforced? Are they now able and recognized as being able to participate in the cultural programming and cultural governance of the city?
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To what extent has Guimarães 2012 European Capital of Culture produced new narratives and symbols for Europe, especially stronger than rather ‘cold’ symbols such as the flag or the European driver’s license?
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Which were the themes of the civic education agenda of Guimarães 2012 European Capital of Culture?
The preparatory workshops were intensely participated and fully video-recorded. The outcomes of those sessions were then compiled, translated into English, and sent via email to the participants of the international forum of 17th May, to pave the way for a more informed and in/depth debate.
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It must be clear that the strategy was to organize an international forum that would give sequence to the same questions that were discussed previously, but now focusing of the debate in the future. More importantly, the intention was to have that debate not only between locals – but that programmers, curators, artists, political decision-makers and civil-society organizations were joined by representatives of institutions that are responsible for communicating Europe (such as Europe Direct Centres or the European Parliament Representation in Portugal). The Jacques Delors Information Centre, responsible for the management agreement between the European Commission and the Portuguese Government, was also associated with the forum. This e-publication is the final step of the comprehensive process described above – it gathers and organizes the contributions from the preparatory focus groups, the oral presentations of participants and speakers of the Guimarães Conversations, and the action proposals from the small discussion groups organized in the scope of that same forum.
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III. Análise e desenvolvimento das questões ~comunicação e participação~ O processo de Guimarães 2012 – Capital Europeia da Cultura (desde a etapa da candidatura até à sua implementação) teve, de forma bastante marcada, diferentes fases de diálogo entre a entidade gestora/promotora da CEC e os cidadãos, as estruturas e associações locais – um diálogo que foi tendo quebras, ruturas e retomas ao longo do tempo. Estas variações na qualidade e na intensidade do diálogo são maioritária e consensualmente atribuídas às mudanças que foram ocorrendo na gestão (com impactos significativos no estilo de liderança e na estratégia de comunicação). Em Guimarães como noutras cidades, a comunicação, particularmente com o tecido associativo, encontrou obstáculos e foi, por vezes, demasiado top-down. Talvez se possa, em parte, entender o sucedido pelo facto de o modelo de gestão não ter ‘nascido’ da cidade, antes ter sido determinado pelo governo central, o que implicou uma tensão entre o universo das organizações cívicas e culturais da cidade e a estrutura profissional de Guimarães 2012 – tensão essa que foi apenas parcialmente resolvida através da criação do Consórcio, que previa a atribuição de uma dotação orçamental com um envelope financeiro e uma linha de programação a um conjunto de três associações da cidade que tinham como missão envolver o restante tecido associativo. A lição a tirar é simples: por complexa que seja a organização e gestão de uma Capital Europeia da Cultura, ela não pode nunca ignorar um dos mais significativos pré-requisitos da democracia - o debate público;
~envolvimento dos cidadãos~ Tu fazes parte foi o slogan de Guimarães 2012 mas foi efetivamente muito mais do que um slogan – o que não é tão fácil quanto possa parecer. Inequivocamente se conclui, deste processo de reflexão e avaliação, que as pessoas fizeram parte. Não sendo este o lugar para convocar os números da participação, os mesmos são todavia realmente expressivos e é muito relevante a força da adesão e a participação efetiva dos cidadãos (enquanto espectadores e participantes ativos) durante Guimarães 2012.
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O mediatismo da iniciativa e a valorização dos cidadãos como intervenientes decisivos nos processos que tornaram bem-sucedidos muitos dos eventos da programação despoletou uma nova consciência participativa. É como se 2012 tivesse servido para provar o valor do cidadão anónimo que, ao receber o apelo para dar o seu contributo em grupo, mostra que tem potencial para agir e ser criativo. Olhando rapidamente para trás, quase todos os stakeholders, afirmam que os hábitos de participação em espetáculos e iniciativas culturais foram intensos e modificaram a vida das pessoas de Guimarães (por exemplo, numa vivência mais intensa do espaço público). Outro ponto forte e relativamente unânime é de que a programação de Guimarães 2012 envolveu diversos setores e atores da cidade, não parecendo ter existido nenhuma área da vida social que tenha ficado excluída. Aiva Rozenberga, diretora de Riga Capital Europeia da Cultura 2014, comentou a relação conseguida entre cidadãos e Guimarães 2012. É interessante notar que Aiva Rozenberga interpreta o slogan ‘Tu fazes parte’ como um sinal de ‘confiança e responsabilidade’: terá sido essa a mensagem que chegou aos vimaranenses - a de que também eles eram responsáveis pela realização da Capital Europeia da Cultura. Nas palavras de Aiva Rozenberga, “foi-lhes dada confiança e responsabilidade e então, como na vida, funcionou. A lição a retirar é que não devemos ter medo de dar instrumentos de participação aos nossos cidadãos, temos de confiar neles”.8 Guimarães 2012 foi capaz de despertar emoções e, consequentemente, ações (traduzidas em diversas formas de participação). Guimarães 2012 criou um envolvimento com os cidadãos singular. Pode dizer-se, claro, que as características do território e das suas gentes que conservam ainda um forte sentimento de pertença podem ter favorecido essa singularidade, mas essa condição favorável não obscurece o sucesso obtido, antes o contextualiza. Um dos exemplos positivos foi o programa de voluntariado, referido como uma forma qualificada de participação na Guimarães 2012, e muito abrangente do ponto de vista territorial, etário, etc. A singularidade de Guimarães parece ter reflexo também nas modalidades preferenciais de participação: é muito significativo o valor atribuído à participação informal, como uma conversa de café, entendida
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Citação a partir da gravação do Forum ‘The Guimarães Conversations’, 17 de maio de 2013.
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pelos cidadãos como uma forma de participar na vida da cidade. Esta especificidade de Guimarães é, naturalmente, tão legítima como formas mais estruturadas de participação pública, mas, Nele Hertling deixa o alerta: “a questão é como transportar o que pode resultar dessas conversas de café para o debate político e para os processos de decisão.”
~governança cultural~ Parece existir, agora, uma participação mais intensa em blogues e redes sociais e em contactos estruturados por e-mail e reuniões presenciais, sobretudo do ponto de vista das associações cívicas e culturais da cidade, que têm agora ‘canais abertos’ de diálogo. Guimarães 2012 deu visibilidade e ‘músculo’ ao tecido associativo que agora tem outra projeção e que se tornou mais credível em Guimarães e noutras cidades com que cooperaram. No entanto, não obstante a maior aproximação entre organizações profissionais e não-profissionais/amadoras, subsiste uma questão do modelo de governação da cidade na relação entre esses dois universos. Com efeito, a cidade de Guimarães é uma cidade em transição. Está a transitar de um momento/modelo em que a autarquia assegura a dinâmica cultural da cidade (criando equipamentos, profissionalizando equipas, qualificando e diversificando a programação cultural regular, não raras vezes de excelência, ao longo de mais de uma década) e a eventual emergência de um novo momento/modelo com características distintas, marcado por uma participação mais ativa da sociedade civil, agora mais preparada e pela intensificação da cooperação internacional (agora mais favorecido), entre outros aspetos.
~mecanismos de participação democrática~ Vários projetos de Guimarães 2012 possibilitaram uma experiência de capacitação que é, em si mesma, um gesto político, levando atores de proveniências muito diversas a “trabalhar” juntos e a mudar a sua cidade/bairro/rua/praça de forma direta. De certa forma, estes locais tornaram-se espaços de diálogo informal, exemplos a uma micro-escala de participação democrática e cívica, mesmo se grande parte dos envolvidos não chegaram a ter essa perceção.
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Por coincidência ou não, lançou-se na cidade, em 2013, a primeira edição do Orçamento Participativo, tendo sido já organizadas sessões de divulgação da iniciativa nas diferentes freguesias no sentido de informar os cidadãos sobre o respetivo regulamento.
~o lugar da cultura~ Guimarães 2012 propôs a realização de projetos específicos, como, a título de exemplo, o projeto Noc Noc que, ao se constituírem como projetos abertos a todos, sem curadoria, propondo-se desconstruir a forma e os espaços de apresentação artísticas, transformando desde casas particulares a espaços abandonados em espaços da cidade, abertos ao público – este tipo de projetos, apesar de nunca pretenderem ter uma dimensão política literal, traduziram-se numa possibilidade real da não dependência de instituições e dos agentes usuais para provocar mudanças de mentalidade, que são também essenciais para a transformação do paradigma das instituições e políticas culturais da cidade. As instituições culturais na Europa – e as políticas culturais locais – veem-se atualmente confrontadas com um processo em que o seu papel clássico (que estava, de uma forma ou de outra, ligado às necessidades de representação que o Estado tinha) está em rápido declínio. Enquanto produtores de sentido(s), o seu papel reside agora precisamente no desempenho de uma função de mediação entre os cidadãos, a sociedade civil e o poder político. Neste novo paradigma, os espaços e os projetos culturais são obviamente um lugar privilegiado para ajudar os cidadãos nas suas tentativas de interpretação da sociedade contemporânea. As artes estão especialmente equipadas para este desafio pois incentivamnos a sermos mais recetivos a cenários não convencionais, a interrogar as narrativas dominantes e a aceitar a complexidade e a ambiguidade como uma condição de progresso. No fundo, pode concluir-se que a cultura pode e deve estar mais no centro das formas e formatos de conhecer e debater o projeto europeu; e os espaços e os projetos culturais podem constituir-se como protagonistas incontornáveis na discussão e formação dos princípios das comunidades de valores que constituem a base de uma Europa democrática – desde que estejam disponíveis para abandonar a ficção da neutralidade política e para reforçar os laços com os cidadãos.
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Este último ponto é, de facto, essencial: é crucial que as instituições e iniciativas culturais invistam os seus recursos e energias em conseguir um aprofundamento das suas relações com os cidadãos, mais do que o reforço/negociação das relações com o Estado (que consome, ainda, boa parte dos seus esforços).
~abertura ao mundo~ Guimarães 2012 abandonou, intencionalmente, uma perspetiva de cultura identitária portuguesa (cultura-nação) em favor de uma programação mais aberta à Europa e ao mundo. A criação da Orquestra Estúdio, constituída por músicos oriundos de toda a Europa em detrimento de uma orquestra regional ou nacional, são disso exemplo. Neste sentido, a Guimarães 2012 contribuiu ativamente para a quebra de estereótipos culturais, fazendo sobretudo uso das linguagens artísticas que são hoje absolutamente multiculturais. Guimarães 2012 alargou, indubitavelmente, o horizonte cultural de Guimarães. Esta possibilidade de integração das pessoas em novos contextos culturais enriqueceu a oferta e aumentou a exigência. A programação de Guimarães 2012 parece ter-se apropriado do conceito de ‘Cosmopolitan Europe’ (Ulrich Beck). Nas palavras do seu Diretor Executivo: “A opção por uma programação aberta, participada, de cruzamento de coisas que não eram óbvias (o rural e o urbano, o profissional e o amador, o doméstico e a rua) teve como consequência uma cidade em que as dinâmicas de troca e expressão cultural são hoje muito mais visíveis e muito mais sólidas.”9 Terá sido, portanto, criada uma ‘nova gramática’ entre a população (nova exigência cultural e hábitos de encontro com o outro), mas, várias vozes lembraram que pode existir uma distância relevante entre o que a programação quis enunciar e o que a generalidade das pessoas percecionou.
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Citação a partir da gravação do Forum ‘The Guimarães Conversations’, 17 de maio de 2013.
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~cidadania europeia~ Claro que não é possível fazer uma correspondência simples entre a realização de uma Capital Europeia da Cultura e o reforço da cidadania europeia; para essa correspondência se tornar mais clara, deveria existir uma tradução entre a intenção de reforço da cidadania europeia em processos mais concretos de participação democrática. Se as Capitais Europeias da Cultura são uma das raras iniciativas que dão à Europa e da Europa uma imagem positiva e a tornam tangível para os cidadãos, então é importante que isso seja tido em conta, que uma Capital Europeia da Cultura não seja um ‘projeto internacional num contexto local’ (Hugo de Greef). Essa tarefa cabe tanto à Comissão Europeia como às cidades e particularmente aos seus responsáveis políticos. Os políticos locais são políticos europeus, mas nem sempre assumem consequentemente essa realidade. A relação entre participação dos cidadãos na vida cultural da cidade e os seus hábitos de participação democrática existe mas se não é, de facto, linear, então tem de ser tornada mais explícita. O Grupo de Trabalho em Participação Pública e a Plataforma Acesso à Cultura10 consideram as práticas artísticas, e o acesso e participação na cultura fundamental para o desenvolvimento de uma cidadania europeia ativa. Claro que as oportunidades de participação cultural não fazem de um cidadão automaticamente uma pessoa mais ativa na sociedade, e mais ativa não quer necessariamente dizer uma pessoa melhor. Para contribuir para reforçar a perceção da cidadania europeia, é importante que as escolas, em articulação com os serviços e programas educativos das instituições culturais, desenvolvam projetos e conteúdos que estimulem nos jovens: a vontade de preservar e promover uma democracia plural; os conhecimentos e atitudes necessários para enfrentar a vida num mundo pluricultural; um entendimento do património cultural comum, do seu contributo e dívida para com outras civilizações. Para além disso, serão relevantes para esta matéria todos os projetos que coloquem ênfase particular no ensino da História, das línguas vivas, da cidadania democrática e das minorias.
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http://www.access-to-culture.eu/accesstoculture/12/access/
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~a Europa a partir de Guimarães~ De que forma é que uma Capital Europeia da Cultura pode contribuir para o processo de integração europeia de forma mais explícita? Tudo o que foi até aqui dito acerca da participação pública, do alargamento de horizontes culturais dos cidadãos já constituem, obviamente, elementos que contribuem e reforçam a dimensão europeia, mas o que poderia ter sido feito para além disso? A programação cultural de Guimarães 2012 fez amplo uso das linguagens artísticas para convidar à reflexão sobre o estado atual de desenvolvimento da Europa/União Europeia e os seus desafios. No entanto, que outros discursos podem ser úteis nesta reflexão? Mais importante do que apresentar as narrativas habituais e grandiloquentes acerca da identidade ou da cultura europeia (ainda os cafés de Steiner...), seria relevante enveredar por projetos de interseção entre o pessoal e o público, apresentando a Europa como um verdadeiro exercício – não acabado – de imaginação cultural e política. Claro que qualquer programação/projeto nesta área terá forçosamente de evitar a tentação da sublimação da ‘memória coletiva’ contínua, das ‘raízes comuns’; terá de chamar a atenção para a “ambivalência inerente à ideia de Europa”11 e “sublinhar a importância da imaginação do futuro no desenho do projeto Europeu.” Ajudar os cidadãos a negociar as nossas narrativas (diversas) do passado e perspetivar o futuro. Não é tanto o resultado dessas deliberações e negociações coletivas que importa – mas sim o processo de envolver nelas os cidadãos. Uma outra possibilidade de reforço dos valores e da consciência de cidadania europeia poder-se-ia fazer em torno da mobilidade dos artistas. Nas conclusões do Seminário Internacional que Guimarães acolheu em 2011, subordinado ao tema da Mobilidade Artística Internacional e Diplomacia Territorial12 defendia-se que fosse explorado o significado político de mobilidade e o seu impacto no território, bem como o desenvolvimento de indicadores culturais acerca do impacto da mobilidade artística no enriquecimento das memórias coletivas e novas formas de comunicação intercultural.
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Tradução livre a partir de “Narratives of Redemption: Memory and Identity in Europe”, Rita Ribeiro (2013)
12
Organizado pelo Roberto Cimmetta Fund.
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Pode-se até avançar com a ideia de que os artistas, que hoje na Europa vivem em circulação permanente e têm redes de contacto transnacionais solidamente estabelecidas, poderem constituir-se como os verdadeiros europeus - mas será que esse papel/importância lhes é reconhecido? Será que a Europa tem interesse em fazer da circulação dos artistas um símbolo europeu, como é o Erasmus para a circulação de estudantes? Uma vez mais esta é uma área na qual as Capitais Europeias da Cultura pode ter uma atitude mais propositiva a nível europeu.
~novas narrativas~ Tornou-se comum, nos últimos anos, referir que a Europa precisa de uma nova narrativa. Uma das primeiras vozes a mencioná-lo foi o historiador e intelectual Timothy Garton Ash, quando, numa crónica no jornal The Guardian, em março de 2007, afirmou que “A União Europeia precisa urgentemente de encarnar uma nova narrativa. As velhas narrativas gloriosas e os euro-mitos já não conseguem convencer ninguém. A Europa esqueceu-se do enredo. À medida que nos aproximamos do 50.º aniversário do Tratado de Roma, no dia 25 de março de 2007 – o 50.º aniversário da Comunidade Económica Europeia que se viria a tornar a União Europeia –, torna-se cada vez mais evidente que a Europa já não sabe que história quer contar. Durante três gerações, houve uma narrativa política comum que sustentou o projeto da integração da Europa (ocidental), mas ela desfez-se com o fim da Guerra Fria. São poucos os europeus que hoje sabem de onde viemos, para já não falar da partilha de uma visão sobre o nosso futuro. Não sabemos por que razão temos uma União Europeia nem para o que serve. Por isso, precisamos urgentemente de uma nova narrativa.”13 Depois disso, aqui e ali, em várias plataformas europeias, não só intelectuais mas também políticos repetiram esta ideia de que a Europa necessitava de uma nova narrativa (ou, nalguns casos, de novas narrativas). Todos sabemos porquê: existe um afastamento entre a Europa e o seu povo, entre a União Europeia e os seus cidadãos. As pessoas que vivem na Europa experienciam-na todos os dias mas ainda assim não a sentem como sua. Os jovens têm dificuldades em ver a necessidade da Europa, quando pensam e vivem entre o local e o global. A situação atual na Europa pode descrever-se como uma situação de ausência de comprometimento, de emoções, de solidariedade. 13
Citado a partir do Jornal Público, edição de março de 2007.
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Como comunicar de forma a evitar este distanciamento entre a União Europeia e os seus cidadãos? A mensagem “tu fazes parte” revelou a força da comunicação quando o conteúdo – tão simples – é capaz de despoletar emoções e consequentemente ações. Se na Europa este exemplo fosse seguido teria o mesmo efeito? Os criativos europeus podem ajudar a pensar motes, lemas, slogans emotivos que contribuam para o reapaixonamento dos cidadãos pela Europa? Há pelo menos dois cuidados particulares a ter: um, que a mensagem não ignore os problemas reais dos europeus, e as controvérsias que subsistem dentro da Europa, isso só irá contribuir para a alienação dos cidadãos; dois, que a mensagem reconheça a ambivalência do passado europeu: a sua parte gloriosa e os seus recantos mais sombrios, a sua notável coleção de momentos históricos positivos, mas também as perseguições religiosas, as guerras sangrentas, o comércio de escravos e as experiências nacionalistas e colonistalistas. A investigadora especialista Rita Ribeiro, que também convidámos para The Guimarães Conversations, explica melhor: “A história recente da Europa tem sido retratada como uma narrativa de redenção. Isto ocorre fundamentalmente de duas formas: arrependimento pelo passado terrível e congratulação pelas conquistas do presente e pelos planos gloriosos de futuro. Esta invade o discurso oficial dos políticos. Uma vez que a cultura e identidade europeia são áreas de intervenção estratégica para a União Europeia, o tom de autoexaltação em relação aos sucessos do projeto europeu é bastante comum.” 14 Isto obviamente não colhe a melhor das receções nos corações dos europeus nos tempos que correm. Retratar a Europa enquanto projeto “... parece realmente ser o único caminho que serve às sociedades europeias contemporâneas, dadas suas características dialógicas, líquidas, plurais, híbridas e ambivalentes. Para além disso, é uma solução coerente também com as formas contemporâneas de identificação e pertença que dão lugar a identidades múltiplas, compósitas, em-trânsito.”15 Como é que os Europeus imaginam a Europa nos próximos vinte ou cinquenta anos? Que posição desejam que o continente europeu tenha no mundo? Como encaram e concretizam a sua cidadania europeia ao nível local, nacional e europeu? Tradução livre a partir de “Narratives of Redemption: Memory and Identity in Europe”, Rita Ribeiro (2013) 14
15
Idem, Ibidem.
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III. Analysis and development of topics ~communication and participation~ The Guimarães 2012 European Capital of Culture process (from application to implementation) had markedly very different phases of dialogue and exchange between the managing structure/promoter and the citizens and civil-society organizations: there were discontinuities, breaches, silences and re-launches. These variations in the quality and intensity of dialogue were mainly ascribed to the changes that were happening in management (which had significant implications in the leadership style and in the overall communication strategy). In Guimarães, as in other cities before, the dialogue, particularly with the civil-society had some stumbling blocks and was, at times, too topdown. Maybe one can understand these difficulties bearing in mind that the management model did not arise from the city of Guimarães, it was rather determined by the central government, and it carried with it a tension between the universe of the civic and cultural organizations of the city and the professional structure of the ECoC – a tension that was to be only partially solved through the creation of the Consortium (a financial envelope and a programming strand were attributed to a consortium of three civil-society organizations, together with the mission of engaging the rest of the city associations). The lesson to be learned is quite evident: however complex the organization and management of an ECoC may be, it can never ignore one of the most important pre-requisites of democracy: public debate.
~citizen’s engagement~ ‘You are part of it’ was the slogan of Guimarães 2012 but it was indeed much more than just a slogan – which is not as easy as it may seem. One can unquestionably conclude from this evaluation and reflection process that people were part of it. Referral to the figures and quantitative data about effective participation lies outside the scope of this text, but they are nevertheless revealing of the massive citizen participation (both as members of the audience and as active participants).
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Media attention around the initiative and the valorization of citizens as decisive intervenients in the processes that were well-succeeded originated a new participative awareness and boosted the general demand for partaking. It is if as 2012 helped prove the value of the anonymous citizen who, when called upon, shows its potential to act and be creative. A quick glance backwards will show you that almost all the stakeholders suggested that the habits of participation in the arts and cultural initiatives have been intense and potentially life-changing to many people (with positive side-effects such as an even more lively street-life and stronger ownership of the public space). Another strong point is that the program of Guimarães 2012 European Capital of Culture has involved different sectors and stakeholders in the city, and there seems to have been no specific area of the city’s social life that has been excluded. Aiva Rozenberga, director of Riga 2014 European Capital of Culture, commented on the relation between local citizens and Guimarães 2012. It is interesting to observe that Aiva Rozenberga interprets the slogan ‘you are part of it’ as a sign of ‘confidence and responsibility’: that is the message that reached the people from Guimarães – the message that they too were responsible for the realization of the European Capital of Culture. In the words of Aiva Rozenberga, “you gave them confidence and responsibility and then, as in life, it worked. The lesson to be learned is that we should not be afraid of giving our citizens instruments for participation, we must trust them.”8 Guimarães 2012 was able to stir emotions and, consequently, actions (that is, different forms of engagement). It has created a unique involvement with the citizens. One can say, of course, that the characteristics of the territory and its people who still have a very strong and particular sense of belonging, may have favoured that uniqueness, but that pre-condition does not conceal the success, it gives it a context. One of the positive examples was the volunteering programme, referred to as a qualified form of participation during the ECoC (diverse and wide-reaching in territorial terms, age-wise, etc…) The singularity of Guimarães seems to have an implication also on the preferred ways of participation: people tend to value very highly informal participation such as talking over a coffee at a local café, seen and mentioned as a participation process. This specificity of Guimarães is, obviously, as legitimate as other, more structured forms of 8
Quote from the footage of the forum ‘The Guimarães Conversations’ on 17th May 2013.
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participation but Nele Hertling has left a warning: “The question is then how to transport what might come out of that round coffee table into the political debate or into the decision-making process.”
~cultural governance~ There seems to be, now, a more intense participation in social networks, blogs, and in structured contacts via email and face-to-face meetings, specially from the point of view of the civil society associations which now have more ‘open channels’ of dialogue. Guimarães 2012 European Capital of Culture gave visibility and strength to the local associations which now have a different outlook and have become more reliable in Guimarães and other cities that now ask for their collaboration. This reinforced dialogue between cultural professionals and amateur/civilsociety-based structures notwithstanding, the relation between those two universes remains a tremendous challenge regarding the city’s governance model. In fact, the city of Guimarães finds itself in a transition: from a model/ time in which the municipality is the sole responsible for the city’s culture dynamics (building cultural venues, qualifying and diversifying the cultural program…) and the possible emergence of a new moment/ model with very different characteristics, marked by a more active participation from the civil-society (now better equipped) and by the intensification of international cooperation (now more favoured), among other aspects.
~mechanisms of democratic participation~ Several projects during Guimarães 2012 European Capital of Culture have had a formative or capacity-building side to them – by having put people from very different backgrounds to work together in order to better their city/neighborhood/street in a concrete way – this was in itself, a political gesture. In some way, those public spaces have become spaces of informal dialogue, micro-scale examples of civic and democratic participation, even if perhaps the majority of the participants was hardly aware of it. Coincidently or not, political decision-makers have created in 2013 the
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first edition of the Participative Budget, having already begun to inform citizens about how it works.
~the place for culture~ Guimarães 2012 introduced specific projects such as Guimarães Noc Noc. These kind of projects, by being open projects with no curatorial authority, aimed at de-constructing the way and the spaces where artistic presentations took place – abandoned places of the city and even private homes, though never intending to have a literal political dimension, have meant a real attempt at changing mindsets and showing the possibilities of doing arts projects without necessarily depending upon institutional agents, which is essential to that paradigm change in the city’s cultural institutions and policies. Cultural institutions– and local cultural policies – throughout Europe are confronted with a process in which the classical role that was a shared assumption in Europe from the Restoration on, namely to be connected in one way or another with the nation state’s need for representation, is rapidly declining in significance. As providers of meanings, value orientations and historical and social contexts, their role lies precisely in the performing of an intermediary role between different citizens and between civil society and the political class. In this new paradigm, cultural spaces and cultural projects are natural meeting places for gaining depth and orientation with respect to the principles of the value community that forms the basis of a democratic Europe. The arts are particularly well-equipped to tackle this challenge as they urge us to make ourselves more receptive to unconventional panoramas and to accept complexity and ambiguity as a condition of progress. Basically, one can conclude that culture can and should be more at the centre of the forms and formats of debating Europe; and that cultural spaces and projects can position themselves as critical players in that debate – as long as they are willing to abandon the fiction of political neutrality and reinforce the ties with the citizen. This last point is, indeed, essential: it is of utmost importance that cultural institutions and initiatives invest their resources and energies in strengthening their relationship with citizens, more than in negotiating their relations towards the State (which still is their focus in too many cases).
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~opening up to the world~ Guimarães 2012 has intentionally abandoned a nation-culture identitarian perspective in favour of a programme more open to Europe and the world. A much-cited example of this attitude was the setting up of Orchestra Estúdio, constituted by musicians from all over the world, and resisting the temptation of making a big national orchestra. In this sense, Guimarães 2012 has actively contributed to overcoming cultural stereotypes mainly through artistic languages which are nowadays almost inherently multicultural. Guimarães 2012 has definitely widened Guimarães’ cultural horizon. This possibility of integrating people into new cultural contexts as enriched cultural offer and boosted demand. The programming of Guimarães 2012 seems to have incorporated Ulrich Beck’s concept of ‘Cosmopolitan Europe’. In the words of the Executive Director: “The option for an open, participated cultural programme, of intersections between the rural and the urban, the professional and the amateur, of the street and of the domestic, had as a consequence that the dynamics of exchange and cultural expression are nowadays much more visible and much more solid.”9 A new ‘grammar’ among the population may have been created (a new cultural demand and habits of confrontation with ‘the other’) but one has to bear in mind that there might be a significant distance between what the program wanted to put forward and what the majority of the population has perceived.
~european citizenship~ There is a clear consensus around the idea that it is not so easy to make a simple correspondence between the organization of an ECoC and the strengthening of European citizenship; in other words, it is felt that there should be a translation between the intention of strengthening the values of European citizenship and more concrete processes of democratic participation. If European Capitals of Culture are one of the European Commission’s rare initiatives that gives Europe a positive image and make it tangible
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Quote from the footage of the forum ‘The Guimarães Conversations’ on 17th May 2013.
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for the citizens, then it is important that that is taken into account, that an ECoC does not turn out to be ‘an international project in a local context’ (Hugo de Greef). That task is as much the responsibility of the European Commission as of the cities and their politicians. Local politicians are European politicians, but not always do they take on that responsibility. The relation between citizens’ participation in the city’s cultural life and their democratic participation habits is a valid and existing one, but has to be more explicitly shown and – above all – nurtured. The Working Group on Audience Participation and the Access to Culture Platform10 consider artistic practices, access to cultural expression and participation in the arts fundamental to the development of an active European citizenship. Certainly, participation in, knowledge of and appreciation and creation of the arts do not automatically make a person a more active member of their society and ‘more active’ does not necessarily mean a better person. In order to contribute to reinforce the perception of European citizenship, schools, in close partnership with education and interpretation services of cultural institutions, must assist young Europeans to acquire: a willingness to preserve and promote plural democracy; the knowledge and aptitudes to confront life in a multicultural world; an understanding of a common cultural heritage, of its contribution to other civilizations and its debts towards them. In addition, all projects that put a particular emphasis on the teaching of history, living languages, democratic citizenship and minorities are specially relevant.
~Europe from Guimarães~ How can an European Capital of Culture contribute to the process of European integration in a more explicit way? Everything that was said until now about public participation, of widening of cultural horizons is already, naturally, a set of elements that contribute to and reinforce the European dimension, but what could have been done besides that?
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http://www.access-to-culture.eu/accesstoculture/12/access/
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The artistic programming manifested the current moment of the European Union and the challenges Europe faces. But which other languages are useful to promote public debate about our collective future in Europe? It is not our aim here to speculate about which kind of initiatives would have been pertinent: big conferences? Micro-projects of public debate? What is certain is that more than presenting the usual grandiloquent narratives about European culture (always referring to Steiner’s cafés…), it would be germane to make projects of intersection between the political and the personal, thus presenting Europe as a true unfinished work of cultural and political imagination. Needless to say, any project or cultural programme venturing in this area will have to avoid the temptation of underlining the ‘collective memory’, of referring to the ‘common roots’; it will have to draw attention to “the inherent ambivalence in the idea of Europe… and to highlight the importance of the imagination of the future in designing Europe as a project.”11 Helping citizens to negotiate our (diverse) narratives of the past and views of the future. It is not so much the outcome of such a deliberation and negotiation that matters, but the process of engaging European citizens in it. Another possibility to reinforce the values and awareness of European citizenship could focus on artistic mobility. In the conclusions of the International Seminar held in Guimarães in 2011, on International Artistic Mobility and Territorial Diplomacy12 it was pointed out that the political meaning of mobility should be developed and its impact on a territory explored. It was also a point that cultural indicators should be developed on the impact that mobility has on the enrichment of common memory and new forms of intercultural communication. We can even go as far as to picture European artists, living nowadays in permanent circulation and thriving and depending on well-established contact networks as they do, being considered as the true Europeans – but are they seen like that? Do they see themselves like that? Could Europe be interested in the idea of making artistic mobility such a strong symbol for Europe as Erasmus is for student mobility? Yet another area in which an ECoCs could have a more proposal-oriented attitude towards the European Union. 11
Quoted from ‘Narratives of Redemption:Memory and Identity in Europe’, Rita Ribeiro (2013)
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Organized by the Roberto Cimmetta Fund.
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~new narratives~ A common refrain in recent years is that Europe needs a new story to tell. Among the earliest was Timothy Garton Ash. In a column published in ‘The Guardian’ (March 2007), he stressed that, since the end of the cold war, the shared political narrative that sustained the post-war project of European integration for three generations has fallen apart: “most Europeans now have little idea where we’re coming from; far less do we share a vision of where we want to go. We don’t know why we have an EU or what it’s good for. So we urgently need a new narrative.”13 After that, here and there, in various european platforms, politicians started claiming that Europe needs new narratives. We all know why: there is a disconnection between Europe and its people, between the European Union and its citizens. People living in Europe experience Europe every day, yet they don’t feel that they belong to it. Young people often do not see the need for Europe between the local and the global. The current status of Europe can be described as an absence of commitment, of emotions, of solidarity. How then to communicate in ways that bridge the gap between European Union and its citizens? The message ‘You are part of it’ revealed the strength of a communication when its content – so simple – is able to raise emotions and consequently, actions. If Europe also starts to communicate more emotionally, would that make a difference to our collective future? Can European creative individuals help think about slogans, mottos, themes that can make Europeans fall in love with Europe again? There are at least two caveats: one, that the message does not gloss over the real problems of European citizens, and the subsisting controversies – that would only contribute to the further alienation of citizen from the EU; second, that the message recognizes the ambivalence of Europe’s past: its glorious and its darker sides, its valuable collection of positive historical milestones, as well as the religious persecutions, the bloody wars, the slave trade or the nationalist and colonialist experiences. The researcher Rita Ribeiro, whom we also invited to take part in The Guimarães Conversations, explains it better: “Europe’s most recent history has been depicted as a narrative of redemption. This occurs primarily in two ways: repentance for the evil past and praise for present achievements and future plans.” “This praise pervades the
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Quoted from Jornal Público, March 2007.
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official discourse of politicians. Since European culture and identity are matters of EU strategy, the self-congratulatory tone is quite common with respect to Europe’s successes.”14 This of course is far from what Europeans want to hear in a time of severe crisis. Portraying Europe as a project “ indeed, seems to be the only path which suits contemporary European societies, given their dialogic, liquid, plural, hybrid and ambivalent features. Furthermore, it is also congruent with contemporary forms of identification and belonging which give way to multiple, composite, in-transit identities”15 How do Europeans picture Europe in the next twenty or fifty years? What position do they desire for their continent in the world? How do they figure out their own commitment towards local, national and European spheres?
14
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Quoted from ‘Narratives of Redemption:Memory and Identity in Europe’, Rita Ribeiro (2013) Idem, ibidem.
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IV. Rumo a Guimarães 2020 “Como pode este momento – porque é apenas um momento, um ano nunca tem mais do que 12 meses... – ser mais do que um momento, ser uma alavanca de um processo de mudança sustentado da cidade?”16 (Kathrin Deventer) Como ficou dito no início, um exercício de aferição apenas a escassos meses do término de Guimarães 2012 seria sempre um exercício inacabado. E a área temática a que nos dedicamos é mais do domínio do intangível, do que de apuramento de resultados mensuráveis, qualquer que seja a métrica definida. Por isso nos concentrámos em procurar, mais do que impactos, indícios de futuro; por isso optamos por colocar perguntas às quais, em 2020, a cidade deverá saber responder. E assim chegámos à incontornável palavra: ‘legado’. A palavra legado ocupa um lugar cimeiro no conjunto de critérios da Comissão Europeia, dos avaliadores, nas preocupações dos responsáveis políticos, nos desafios dos técnicos e gestores de projeto. Mas nem sempre é claro que as cidades saibam exatamente do que estamos a falar quando falamos de legado. Referimo-nos sobretudo ao entendimento e planeamento que pré-existe ao ano CEC. Existe uma política ou propostas desenvolvidas antes do ano CEC acerca da estratégia e das ações concretas a realizar pós-evento? Está previsto um orçamento para todos os equipamentos entretanto construídos ou dinamizados? E se existe um orçamento, quem decide sobre o mesmo? Há recursos financeiros para explorar as energias e os novos projetos gerados? E, mais importante do que tudo isto, quem são os indivíduos que irão realmente assumir responsabilidade pela implementação do follow-up? Nele Hertling, cofundadora da A Soul for Europe, fazendo um balanço das inúmeras Capitais Europeias da Cultura que já acompanhou, diznos: “A minha longa experiência de vida diz-me que se podem lançar muitos projetos, gerar muita energia num ano como este; mas se não houver realmente ninguém a cuidar do follow up, a assegurar a continuidade porque acredita nos resultados desse esforço, então em breve quase tudo pode ser perdido.”17 Hugo de Greef também partilhou com Guimarães o que considera serem quatro pré-requisitos essenciais para o sucesso de longo prazo: 16
Citação a partir da gravação do Forum ‘The Guimarães Conversations’, 17 de maio de 2013.
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Citação a partir da gravação do Forum ‘The Guimarães Conversations’, 17 de maio de 2013.
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1.
Que o poder politico continue a assumir a cultura como pedra de toque do desenvolvimento da cidade – o poder político tem de dar continuidade ao projeto;
2.
Que se organizem e estruturem as possibilidades de agir (uma organização ou estrutura que mantenha a dinâmica, que mantenha os atores culturais da cidade em contacto regular...)
3.
Que se explore o trabalho artístico produzido através das novas infraestruturas e das novas organizações culturais
4.
Que se garanta que os cidadãos continuam a apoiar o projeto
Estas são as âncoras que se lançam ao futuro, e que permitirão a Guimarães falar acerca dos seus resultados e impactos de forma concreta e precisa. Se não se organizarem os resultados desse sucesso enunciado, esse sucesso não existirá. Dá-se como exemplo as atividades de networking internacional, que se intensificam com as CEC e que, naturalmente, têm depois menos recursos financeiros. É crucial que se compreenda a importância de manter esse networking, mesmo com um orçamento menor. E que exista um acompanhamento desses contactos e circulação internacional, que possam até ser lançados programas de mentoring e de capacitação. Recentemente discutiu-se a reformulação do programa das Capitais Europeias da Cultura para 2020-2033. A Soul for Europe, nessa altura, sublinhou alguns pontos que nos parece interessante convocar: é importante criar um contexto de realização mais equilibrado: reduzir o número de eventos para uma programação razoável que não fatigue a cidade, os públicos e os organizadores e, por outro lado, garantir os meios para uma programação mais intensa nos anos que antecedem e sucedem ao ano CEC. Não se trata aqui de ‘programação’ no sentido restrito, naturalmente. O que está em causa, em termos do tão propagado ‘legado’, é a sustentabilidade dos equipamentos e infraestruturas criadas, claro está, mas, sobretudo, a continuação do trabalho de implicação dos cidadãos na vida cultural da cidade. A ‘Assembleia Cultural Informal’, uma das propostas saídas do grupo de trabalho do The Guimarães Conversations18 parece, precisamente, O Forum The Guimarães Conversations organizou, numa parte do seu programa, pequenos grupos de discussão que decorreram em paralelo. A cada grupo foi dado o desafio de conduzirem a discussão de forma a terem, no final, duas propostas concretas de ação. Os três grupos foram depois convidados a apresentar as suas propostas no auditório, onde se procedeu a uma votação anónima. A proposta mais votada por todos os participantes é aquela que destacamos neste texto. 18
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ensaiar uma solução para essa implicação dos cidadãos na governação da cidade, e representa ao mesmo tempo um corajoso esboço de democracia participativa, de cidadania europeia. A proposta seria, que “antes do seu desaparecimento a Fundação Cidade de Guimarães convidar para uma primeira reunião (para o que se pretendia ser um primeiro encontro de arranque desta Assembleia Cultural Informal a gerar) todos os agentes (estruturas profissionais e não profissionais, associações, escolas, artistas e público interessado) que eventualmente pudessem integrar esta Assembleia Cultural Informal, autónoma da autarquia e de qualquer outra instituição para um primeiro encontro que teria como objetivos discutir e antecipar uma partilha de recursos pensando no pós-2014, definir um conjunto nuclear de objetivos prioritários para a política cultural em Guimarães a partir de 2014 e definir ou pelo menos esboçar o seu modelo de funcionamento. Desta assembleia necessariamente teria de sair um primeiro documento a entregar à autarquia, à Secretaria de Estado da Cultura e, eventualmente, ao Parlamento Europeu.”19 À guisa de conclusão, urge de facto reconhecer o poder das iniciativas dos e com os cidadãos, das suas narrativas experimentais. Não porque os discursos institucionais não sejam necessários, bem pelo contrário – mas porque num contexto de fadiga e desafeto pelas formas de comunicação política, eles não serão suficientes para conferir legitimidade à ação política (e isto é válido a todos os níveis, do local ao europeu). Nas palavras do Professor João Serra, Presidente da Fundação Cidade de Guimarães, “Espera-se que o fim do monopólio institucional da criação e da expertise cultural, bem como o incremento da participação dos destinatários e consumidores no processo de produção se salde num ganho de alargamento e intensificação do espaço público enquanto espaço de partiha e de pertença coletiva.”20 Afinal de contas, o compromisso de uma pequena cidade como Guimarães não difere muito do da União Europeia: “A Europa terá de ouvir mais, de se abrir a outras culturas e ensinar menos.”21 Trata-se do compromisso, afinal, de aprofundamento da democracia. 19
Citação a partir da gravação do Forum ‘The Guimarães Conversations’, 17 de maio de 2013.
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Citação a partir da gravação do Forum ‘The Guimarães Conversations’, 17 de maio de 2013.
In ‘Report on the Conference The Dwarfing of Europe? A lesson in modesty’ 22 e 23 de maio de 2013, European Cultural Foundation. 21
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IV. Towards Guimarães 2020 “How can this moment – because it is just a moment, a year is never longer than 12 months… – be not just a moment but a part of a process of a sustainable change in the city?”16 (Kathrin Deventer) As we said at the beginning, a reflection on what happened only a few months after Guimarães 2012 came to an end would always be an unfinished exercise. And the issue we are dealing with is more intangible than easily subject to measurable evaluations. That is why we have tried to focus more than on impacts, on sparks of future; we decided highlight some questions that should be asked right now that will have to be answered in 2020, which is more or less the next milestone for Guimarães. And that is how we have finally come to the word ‘legacy’. The word legacy is high on the agenda of criteria of the European Commission, of the evaluators and experts, of the political decisionmakers, of the project managers. But it is not always clear that the cities really know what it means. ‘Legacy’ has to do with the thinking before the year. Is there a policy or are their proposals that already before the ECoC have been developed on what to do after the year? Is there a budget for all the venues and the new initiatives? Is there a budget to keep up the momentum and further explore the energy that was created? And if there is a budget, who decides upon it? And, above all, who are actually the ones taking responsibility for the implementation of the follow up? As Nele Hertling, co-founder of A Soul for Europe, when looking back at the various ECoCs that she has been involved with, puts it: “My life-long experience tells me that you can start quite a lot of things, generate a lot of energy, but if there is nobody taking an eye, following up, securing continuity because they believe in the results, you are then quickly lost.”17
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Quote from the footage of the forum ‘The Guimarães Conversations’ on 17th May 2013.
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Quote from the footage of the forum ‘The Guimarães Conversations’ on 17th May 2013.
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Hugo de Greef has also shared at The Guimarães Conversations, what he considers to be the four prerequisites for long-term success: 1. You have to have a political level that wants to go on with the culture drive – the political level has to follow the project. 2. You have to structure the possibility to act (an organization that can keep dynamics, that can keep the cultural players of the city together on a regular basis) 3. You should have artwork through new infrastructures, new cultural organizations – that mass of initiatives who are now materialized in the cultural field 4. You have to be carried by the mentality of your people, your citizens – you must secure citizens’ support These are the anchors to the future that will allow you to speak about your results concrete and precisely. If you don’t organize the result of the success that you think you have, you won’t have it. One example of this could be international networking activities, which are intensified during the ECoC and then, naturally, have less available resources. It is crucial to understand that keeping some level of that international networking is fundamental, even if with a lower budget; and also essential to keep track of those international contacts, maybe even by setting up mentoring or capacity-building schemes. We have recently discussed the new formulation of the ECoC programme 2020-2033. A Soul for Europe has, then, highlighted some points that are of use here: that is is important to create a more balanced context – on the one hand, to reduce the number of events to a reasonable programme as to not overtire the city, audiences and organizers and, on the other hand, to ensure the means for a more intense programme the years before and after. We are not thinking about programming in a narrow sense, of course. What is at stake, is terms of the much propelled word ‘legacy’, is the sustainability of the projects and infra-structures created, of course, but above all, of the continuity of the work of engaging the citizens in the city’s cultural life. The ‘Informal Cultural Assembly’, one of the proposals that came out of the working groups during The Guimarães Conversations18 seems The forum The Guimarães Conversations organized, in a part of its programme, small discussion groups. Each group was assigned with the task of steering the discussion in a way that would 18
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to be, precisely, an attempt at having a way forward to the engagement of citizens in the city cultural governance, and it embodies, at the same time, a daring endeavour of democratic participation, of European citizenship. The proposal would be that “before it is extinct, the Fundação Cidade de Guimarães invites all the agents (professional and amateur organizations, schools, artists, interested audiences) to a first meeting to mark the launch of this Informal Cultural Assembly. This body would be autonomous from the Municipality as well as from any other institution. On that first encounter, the goal would be to debate the sharing of resources after 2014, to work towards the definition of the priorities of the cultural policy from 2014 on and to test the functioning of such an informal assembly. Furthermore, its disposition is to give council to the local, national government as well as to the European Union”19. By way of conclusion, it is urgent to recognize the power of citizens’ initiatives, of their experimental narratives. Not because institutional discourses aren’t necessary – quite on the contrary – but because in a context of fatigue and disaffection for the forms of political communication, they will not be sufficient to confer legitimacy to the political action (and this is true at all levels, from local to the European sphere). In the words of Professor João Serra, President of the Fundação Cidade de Guimarães, “one hopes that the end of the institutional monopoly of creation and cultural expertise, as well as the growing participation of audiences and consumers in the production process is, in the end, a real gain in the amplification of public space as a space for public sharing and collective belonging.”20 All in all, the challenge for a small city like Guimarães is not that different from the European Union: “Europe will have to listen more, to open itself to other cultures more, and to teach less.”21 It is, after all, about deepening our experience of democracy. lead to two action proposals. At the end of the day, the working groups were invited on stage at the auditorium, to present their proposals, which were then subject to a blind vote. The most voted proposal is the one we are highlighting in this text. 19
Quote from the footage of the forum ‘The Guimarães Conversations’ on 17th May 2013.
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Quote from the footage of the forum ‘The Guimarães Conversations’ on 17th May 2013.
In ‘Report on the Conference The Dwarfing of Europe? A lesson in modesty’ 22 e 23 de Maio de 2013, European Cultural Foundation. 21
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