Max Martins – 35 poemas

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Max Martins • 35 poemas •





MAX MARTINS

90 ANOS 35 poemas seleção:

ÉLIDA LIMA | MÁRCIA HUBER VASCO CAVALCANTE

20/06/2016



Índice dos poemas 01. O Estranho 11 02. Poema 12 03. Amargo 13 04. Koan 14 05. É cedo (ou tarde) para o poema 15 06. A Escrita 16 07. Minigrama para Murilo Mendes 17 08. Um corpo 18 09. A Tê-Chan 19 10. (poesia) 20 11. Esta égua que pasta a geografia 21 12. Mar-ahu 22 13. Sangrado de ti 23 14. Man & Woman 24 15. Madrugada: As cinzas 25 16. Teu poema 26 17. Viagem 27 18. Eu poema 28 19. Do poeta em desespero à sua amada 30 20. M/M 31 21. Isto por aquilo 32 22. A Hakuin 33 23. Outro sim 34 24. Com a boca 35 25. Febre 36 26. Minha arte 37 27. A cabana 38 28. No lugar do medo 39 29. A fera 40 30. Saber 41 31. Coisa nossa 42 32. Diante de ti 43 33. Colmando a lacuna 44 34. O lugarejo 46 35. Poema invisível 47 O Estranho (01-02); Anti-Retrato (03); H’Era (04); O Risco Subscrito (05-09); Caminho de Marahu (10-19); 60/35 (20-22); Marahu Poemas (23-26); Para ter onde ir (27-29); Colmando a Lacuna (30-35).



Apresentação

Em fevereiro de 2014, quando o site Cultura Pará comemorava seus 17 anos de atividades em prol da arte e da cultura, promovendo artistas paraenses de diversos segmentos e mantendo uma agenda artística por todos esses anos, resolvemos fazer um sorteio de livros, para que as pessoas compartilhassem poemas do poeta paraense Max Martins, que estariam publicados em sua página no facebook. Chamei para compor uma curadoria para a seleção de poemas, a escritora e poeta Élida Lima e Márcia Huber, amiga do poeta, tradutora e grande admiradora das artes literárias em geral, e que mora em Munique/ALE, desde os anos 1990. A ideia inicial seria selecionar 15 poemas, mas como se tratava da obra de Max, não tivemos condições de nos limitar a apenas 15, chegamos aos 35, achando que ainda seriam poucos pelos grandes poemas que ficaram de fora da seleção. Resolvi então, agora em junho de 2016, mês em que se comemora seus 90 anos de nascimento, publicar aqui no issuu estes poemas editados em formato de livro para mais uma vez homenagear o grande poeta Max Martins.

Vasco Cavalcante



O estranho

Não entenderás o meu dialeto nem compreenderás os meus costumes. Mas ouvirei sempre as tuas canções e todas as noites procurarás meu corpo. Terei as carícias dos teus seios brancos. Iremos amiúde ver o mar. Muito te bejarei e não me amarás como estrangeiro.

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Poema

Ocorre-me o poema. Contudo há a religião, A pátria, o calor. Procuro ver na noite profunda Quero esquecer no momento Que sou o homem de vários documentos. Forço. Dói-me o calo desta vida “meu Deus!”... Lavo as mãos. Mas tenho de pôr a gravata, E salvo a moral. Abano-me. Rola o poema e o mundo. E eu mudo.

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Amargo

Há um mar, o dos velames, das praias ardendo em ouro. Há outro mar, o mar noturno, o das marés com a lua a boiar no fundo o mênstruo da madrugada. E afinal o outro, o do amor amargo, meu mar particular, o mais profundo, com recifes sangrando, um mar sedento e apunhalado.

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Koan A pá nas minhas mãos vazias * Não a pá de ser mas a de estar, sendo pá lavra no vento nuvem-poema arco busco-te-em-mim dentro dum lago max eKOÃdo e a face ex-garça-se verdemusgo muda (Quem com ferro fere o canto-chão infere o silen cioso poço?) pá! Cavo esta terra — busco num fosso FODO-A agudo osso oco flauta de barro sôo? Silentes os sulcos se fecham espelhos turvam-se e cavo sou a pá nas minhas vazias

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É cedo (ou tarde) para o poema Eu sou frágil embora ágil sobre o arame: Por um fio te envio (viaja) meu lírio. Cresce Até que a lua — tua lua e ventre murche e

(o luxo)

já não me vês te apagas

Tu também és frágil embora hábil campo de espera: Por um fio teu laço chama, meu rumo ateias. Teces Até que o sol no solo esfrie e esfrie a fala o seu destino: o salto do arame-álibi

(queda no ar)

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Escrita

Quem nos olha é só uma praia quem nos ouve é só uma praia quem nos é é só uma praia e a praia é um só ver desvendo o desouvido deus-ouvir

verso deserto o som negado

E somos só esta vã escrita nosso riso-risco contra um espelho, praia que nos inverte e desescreve dissolVENDO-NOS

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Minigrama para Murilo Mendes

O poeta se refaz / Se lavradiz O verso se desfaz / Se movediz A palavra se desdiz / Ver-diz Reverdece Roma

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Um corpo

Por ele canto Cresce nele um sopro um corpo Tu és o leito Eu o leitor

escorre o seu discurso

e nisto leito deito o aquilo dito lido líquido que o sangue supre a pele sua e me interpela: escrevo-amo?

Dizer não é Tudo é interdito ou não se vê tão perto

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escrevo-falo pelo eu dum osso

E disto nisto escrevo-escravo


A TĂŞ-Chan

Quando enfim te encontrares te encontrares cara a cara com o poema com o poema apaga-o Deixe a hera crescer por si por ti no muro o escrito (ex-grito) no escuro

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(poesia)

Teu nome é não em cio e som farpados Cilício escrito, escrita ardendo, dentro se revendo fera do silêncio úmido se lambendo, lábil labiríntima lâmina se ferindo se punindo

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Mar-ahu

Não é a ilha Não é a praia E o mar (de nos fazermos ao) é só um nome sem a outra margem

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Sangrado de ti À minha mãe

Teu, meu corpo sangrado de ti Osso doloroso aureolado de ti Nos confins de mim tua sede ressoa infinita se o nome nos cala faminto: Eu, rico de sombras desertas Tu, coberta de sombras sonâmbulas

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Madrugada: As cinzas A Haroldo Maranhão

Madrugada, as cinzas te saúdam De novo moldas contra a penumbra, maldas o galo do poema, a tua armadilha, o fogo ardendo cego nos desvãos do sangue De novo ergues sobre a areia, madrugada, o corpo amaldiçoado duma palavra, a teia rediviva e a sombra crespa do desejo negro eriçando o pêlo, o cão da página Riscos se entrelaçam, fisgam a mosca do deleite e já a ruína tenaz, fibrosa, agônica sob a folhagem, mostra o olho menstrual e sádico do destino Um sonho cresce e se entumece no rumor sexual dos ecos se compondo E batem à porta

– os gonzos, os gozos da ferrugem o rangido longínquo vagindo de outro mundo De tudo, madrugada, a dúvida traça um rosto exposto neste espelho contra o sol: O soletrado calcinado

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Teu poema

Sonha-me! que te sonho: tenho esta viagem que tua estrela crespa, Margaret, das axilas sopra o herzoguiano barco (au fond des golfes bruns) se debatendo, bêbado nesta garganta que arrasto e sirgo selva adentro

Barco (águas

caídas, ecos da palavra madura, esperma, água sombrada) e o meu Poema indo ao léu das febres, ao que almejo em ti — a Outra Margem

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Viagem A C.S.

O rio que eu sou nĂŁo sei ou me perdi

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Eu, poema A Ronaldo Moraes Rêgo

Tateio Ateio o abismo dessa pele. Toco a flor do orgasmo, o ânus sinuoso da beleza e é falso o ouro, o lume destes dedos que te escrevem: Ouro desmoronando: gozo agora de não ser senão ruína, urina solitária Gozo como outrora o gozo tenso na sua glória, casto desmaiava (o próprio gozo da palavra dita da palavra lida: Vida o câncer no seu gozo

consumia)

É negro o branco deste campo da batalha nua contra o medo contra os teus lábios, noite sepultada inábil, inúbil, sob o gelo

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Negra a bandeira lúbrica em que te exclamo e busco coquistando o nada – o vôo sem gume atravessando inútil os termos, ermos do poema Tateio Ateio o abismo desse olhar poroso-teia que me enleia, lê e silencia

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Do poeta em desespero Ă sua amada

cala-me

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M/M

Pela solidão contra a solidão te escrevo e já não és minha indecisa frase indecifrável

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Isto por aquilo

Impossível não te ofertar: O rancor da idade na carga do poema O ronco do motor numa garrafa (por aquilo que vibrava dentro do peito)

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Ou isto

o coração na boca atrás do vidro o cavo amor roendo o seu motor-rancor

a cavidade

— ruídos


A Hakuin

Tu que me lês

tu vês (talvez) — isto é um cavalo?

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Outro sim

Para que não se vá a vida ainda e a amada volte pede à palavra outra palavra outra sob palavra

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Com a boca

Com o imundo (e a catĂĄstrofe em silĂŞncio) aprendeste esta fala esta areia de mim agora alheia resposta que esfria Com a boca tocaste o imundo felaste esta fala de esquecimento maduro Apreendeste o coĂĄgulo

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Febre

Acendes cravos de ouro na pele da bandeira A última. E te agradeço: Ponho na tua boca as cinzas da minha insígnia

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Minha arte

pois que há uma canção em ti submarina uma promessa de água e soma

um som premissa EU Eros quero te dizer, disseminar, minar-te

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A cabana

É preciso dizer-lhe que tua casa é segura Que há força interior nas vigas do telhado E que atravessarás o pântano penetrante e etéreo E que tens uma esteira E que tua casa não é lugar de ficar Mas de ter de onde se ir

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No lugar do medo

Todos os dias aqui tu te observas E ainda está oculta (aqui) a tua semente Comum será a tua raiz

comum ao olor da fêmea que atua no teu leito Sê criativo o dia todo Te empenha o dia todo cauteloso

voa mesmo hesitante sobre o teu malogro Quer sigas o fogo, quer sigas a água sê só do fogo ou só da água (pois que não há caminho e a lei é o inesperado) Ainda oculta (aqui) a tua semente

está

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A fera

Das cavernas do sono das palavras, dentre os lábios confortáveis de um poema lido e já sabido voltas para ela — para a terra maleável e amante. Dela de novo te aproximas e de novo a enlaças firme sobre o lago do diálogo, moldas novo destino Firme penetra e cresce a aproximação conjunta E ocupa um centro: A morte, a fera da vida te lambendo

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Saber

Todas as portas estão abertas ou não há portas

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Coisa nossa 1998

Falavas do estranho e da hipnose dos riscos na toalha duma enigmática Elegia 2 de Lizst magnética E da gôndola fúnebre incendiando-se que advinhavas sob a toalha sob a música da música das palavras — nosso hobby nosso poema Falavas de mim, eu a te segurar em mim, minado pelo inferno da linguagem Ou a paixão então

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quase indizível na sua glória tímida


Diante de ti Floresta de sangue — O aroma ainda detém-se entre os arbustos lavados. De um ramo a outro recompõe-se amarelo o segredo: ORAR jogar pedras palavras para o céu para proteger-me. E infundir silêncio nesta mão de madeira escrevendo o caminho. Caminho por ti. Caminho no tomo sombrio de uma bibliografia nervosa. Tua frente é o que sabe melhor o não dito (de onde segue este rio e a noite obediente) Colocaram uma estrela trágica no vinho do beijo, no fôlego com o beijo, na tua boca do cântico dos cânticos destes anos. O tempo cavou o milagre do tempo e do ritmo. A língua foi a origem do mundo. À Rainha-mãe da água e das ondas, do poema do aroma. E à dissolução do amor na debulha dos grãos. Do zênite da boca ao papel suado da terra crescem os mamilos da rosa. Arfam as pétalas sanguíneas. Na messe do outono do galo o aroma desmaia. Dói-me feliz o que ainda ignoro — diante de ti.

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Colmando a lacuna 07.01.1997

Ao pé de ti, calmo o Danúbio agradável, o barco do horizonte portátil passando no ponto mais extremo de tua carta de música, para flauta e silêncio encantador Vejo o teu campo de noiva com girassóis e o sol penetrando no bosque girando agradável o que escreves: Já cortaste o cabelo? Li que começaste a ler o Homem de Areia, e Christa Wolf e Ingeborg Bachmann. Gostas delas? A passeante lembrança com olhos e dedos folheando o diário teu diário que um dia foi tão nosso poema sumo que tento sorver o mais que posso

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colmando a lacuna, o buraco cada vez mais fundo que a distância cavou dentro de mim. Sim, existe a mais alta beleza encovada as ervas, o aroma, e o mais alto Castelo, esse gosto de ti sem fim, sem mim, agradåvel.

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O lugarejo perda & ganho (de quem a chama) pomo poema sumo de pêssego & álcool sobre a mesa, passos precários sobre a neve espiritual o mapa de conversação da longitude e o corte musical de entre suas pernas o soante andarilho louco atravessando a autonomia soberana de um bosque de pinheiros “Estou realmente num lugarejo perdido” (a saber AQUI (AQUILO) (pelo clarão azul) é o paraíso

o que era áspero à lingua à ponta da palavra a ir-se a irem-se os meus olhos e ouvidos NELA se decompondo o gosto da pérola macia (antes que eu acabasse de dizê-la) gosma Era isso (que eu perdia) êxtase? ou este pós-escrito só: “Quando chegarás?

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Poema Invisível Eu ainda. Ainda não estou aqui. Ainda não cheguei. Tudo é irreal Devagar tento juntar a cabeça ao corpo Mas faz teu poema invisível impossível — Morcego cego preso no olho do texto da aranha. Escreve-o. Escreve e me alimenta

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M AX M ARTINS

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