PREFACIO E então vem a tempestade. Cores que se desmancham e manchas que se encontram, pinceladas de cangaceiro desferidas no branco, curvas negras que confortam cores quentes e derramadas. Ventos fortes que trazem novos ares de brasilidade, de vidas secas, de dias duros, de pequenas alegrias mágicas que se criam por razões de auto conforto. Se as paredes pudessem ouvir, ver, espiar… Nesse caso, podem. Somos as paredes. No centro do quarto, enrolado em tranças de escuro, um garoto se debate, se desfigura e se cicatriza, até enfim virar homem. Peças misteriosas de quebra-cabeças diferentes que de alguma maneira se completam. Pouco vira muito e tudo vira enigma. Nada é tão prazeroso quanto a chance de desvendar alguém. Um zine com cheiro de terra seca, cheiro de meio de mato, selva de qualquer um, som de montanhas movendo, gritos de lobos perdidos, neblina que engole os dias mais fracos. A explosão chega muda, pedindo por um pouco de voz. Ceda. Quebre caminho pra fora da casca, se descubra dentro de um bar cheio de velhos coiotes suspeitos e mordidos, os prazeres de conquistar na luta uma cadeira e um pouco de respeito. Pequenas alegrias de velhos homens cicatrizados. Alguns velhos homens são mais novos do que você espera. Agora vire a página, chega disso. E não deixe de escorrer um pensamento entre as páginas. Mesmo secos, ainda enxergamos as cores. PEDRO COBIACO
REDEMOINHO redemoinho balanรงa a rede gira o moinho desse vento pouquinho a poeira levanta e samba manca
dos labios escamados da sereia parte a praia um redemoinho de areia
POESIAS
Na alvorada serena calada gelada o silêncio é tocante pelas ruas e avenidas, vielas e becos. uma brisa murmurante percorre diz corre todas elas. de frente à casas e prédios casebres e mansões despertando silencioso e preguiçoso os que dormem.
Molotov Gritos e batidas de revolta soando eco ando pela avenida paralisada Os revoltosos cantam em uníssono sobre a verdade indolentes dizem ser vândalos mas os que estão lá sabem que não são e por isso estão lá Bombas de fumaça estouram e da névoa surge a força empunhando escudo e bastão dizendo basta mas os manifestantes não escutam. Então uma arma ruge ao alto e sprays espirram pimenta pra todo lado bombas eclodem derrubando a moral de efeito imoral Gritos e batidas de fúria choro e canções de revolta uns batem em retirada outros ficam na batalha a revolução não será retalhada.
O retrato em movimento guarda em si um duradouro sentimento do poeirento passado presente agitado e por ventura do indeciso futuro. tudo passa feroz como um urro brando como um murmuro. que daqui a cem anos até milênios o retrato ainda esteja intacto contido de todos esses anos. Da velha penteadeira de jacarandá-avó o retrato emoldurado do espelho-mímico faz tudo o que vê em gesto-retórico
Ando a passos vulcânicos furioso, cheios de raiva no chão degradado, por onde piso erupções em lava no caminho nano-vulcões rastros que formam lastras de minha fúria o asfalto atropelado em chamas As paredes já não suportam mais tantas palavras ditas sussurros conversas e gritos os ouvidos são os que mais se irritam medi tam em busca de paz cantando mentalmente mantras de cimento protegida dessa manta de tormento mas ao acaso de um dia quem sabe as paredes não aguentem de exaustão e acabem desmoronando em leito de demolição
Do ponto de ônibus, eu vejo uma árvore calva e alguns percevejos desses camuflados que ficam quietos sem mexer nem uma antena e como bombas amedrontadas soltam seu fétido veneno a natureza se protege (fedendo) Migalhas e meteoritos ao chão bebo das bordas a minha solidão um copo meio vazio (ou seria meio cheio?) em cima da mesa manca Lâmpada dependurada velha de vida perto da ida pisca preguiçosa e cansada pendendo ponto de luz Olheiras profundas feito o mar oceano de mágoa e do copo já vazio (ou ainda cheio) veja lá fora a garoa.
Um grito vem do morro vem do subĂşrbio vem a bala Um berro vem do estĂĄdio vem da torcida vem da vaia Um brado vem retumbante vem redundante vem a mentira Um clamor vem da rua vem do povo vem a revolta Um bravejo vem da vida vem ao mundo vem gigante
Grilhões mordem meus tornozelos já calejados acorrentado a esse túmulo montanhoso estátuas marmóreas me observam censuradas tudo o que peço é um pouco de pão é um gole d’agua Fumaça fumaça fumaça ao longe, além horizonte, vejo fumaça seria uma homérica desgraça ou somente uma infante pirraça? - Deixe-me ir – Peço aos grilhões e nada me dizem sem mais sermões.
Persista ou desista! ela disse naquela manhĂŁ, na parada debaixo do sol fervente Persista ou desista por essa estrada caolha sem rumo o asfalto ĂŠ ferida pelo sinal estonteado, o verde brilhante dizia: hora da partida Persista ou desista desista ou persista o olhar escaldante do sol borra minha vista olha, girassol Persista ou desista na parada, tudo ao nada a espera ao acaso e dela, o borbulho persista ou desista silencioso barulho.
Acima de mim um teto de gesso nem de verdade é isso eu não esqueço Teto tão frágil leve como uma folha de papel fraco como um cão mendigando ao léu Um dia há de vir um gigante corajoso com pulmões de aço e num sopro violento derruba todo esse teto falso -
FOME Sobre a mesa sozinha há um prato velho, perto da mão porcelana pintada, só minha minha transbordante solidão Com os olhos, traço uma linha na porcelana em exaustão ontem, era farinha e hoje, solidão A pobreza me degrada a fome tem sede tombo nesse árido solo Calada na parede a enxada peixe não cai mais na rede na minha cova, isolado. -
Preso numa caixa de tijolos e cimento as janelas vendadas tapam olhos e lamentos Por detrás das cortinas onde está o espetáculo nada mais se vê por que essa película cobre tudo cobre todo o mundo. Nessa prisão cega a visão nega e tudo parece ser tão sutil a reclusão lhe carrega presa no vazio.
Era um rosto simples e composto porém diferente era sem gosto não era doce ou salgado não era azedo ou amargo era um rosto fantasiado sem cor sem odor sem sabor sem dor nem amor era um rosto mas não um rosto rosto era um rosto estátua um rosto tábua um rosto máscara que no rosto mascara essa tal cara.
Crânios de plástico derretem nesse beijo cáustico um punhado de terra para o leito dessa nobre alma que erra e espera que finalmente chegue a hora de pegar a jangada e ir embora. Rios de asfalto se estendem até o horizonte e peregrinos anciões andam vagarosos até o mais alto monte onde montam residência e vivem distantes do barulho concreto sem insistência
Breve Foi tão breve apaixonaram-se no anoitecer dançaram juntos à noite amaram-se na madrugada e partiram com o canto do galo foi tão breve essa paixão tão pouca e louca se desfaz em lágrimas de neve.
Sinto muito por não sentir nada Senti(d) o mental que o senti mental jamais senti(u) Bem te vi morto na sarjeta bem me quer podre no buquê mal me quer florescido no coração o sabiá sabia que não ia durar. O caminho está sendo traçado com caneta de cimento e nessa terra-papel constroem um falso monumento
Primeiro passo de frente ao mundo ando descalรงo Contratempo corro na avenida contra o vento Falha fatal, fera furtiva foge feroz. Fantรกstica fabula. Ferreiros forjam ferros faces flores fome feroz. Foi faminto fatiar formas. Farejar. Faminto f eliz. Fu zil -Fogo! Fudeu.
A MUDA MUDA COM O REGAR DO TEMPO A MUDA MUDA E A BRISA SE CALA. A MUDA E A MUDA MUDAM O MUNDO A MUDA-MUDA NA CALA DO MUNDO INUNDA. -
Já suportei demais meus olhos sentem dor querem sangrar sangrar chuva a vista embaçada torna imagem-real turva borrões perambulantes que mal sabem pra onde vão e de onde vem uma poça-espelho mostra meu reflexo-sombra afogada sufocada por todo o peso do céu infinito não consigo ver sua expressão só sua apelação no teto estrelas de alumínio ao redor, o negro do petróleo meus olhos sentem dor Meus olhos sentem dor pavor do espelho falso que observo nego: isso não é real nem eu por isso vago sumido à procura de algo que nunca vejo à procura de sentido destemido atrevido egos mundanos tomam conta do salão e dançam loucos nus sem censura A FESTA SÓ DURA ESSA NOITE e amanhã ela desaparecerá
como peixes no mar musica alta bebida não falta ego se exalta dançam como índios tribais pulam na piscina como aquáticos-animais. a noite é só uma não fará falta alguma as horas passam o sol nascente se levanta os egos pelados se desesperam correm, fugindo como presas, para a noite mas o sol os atinge e queimam e gritam e apodrecem e viram pó o sol nunca é piedoso, nunca tem dó meus olhos sentem o nada Meus olhos sentem dor pavor pavor desesperador vapor vazio com dor olhos-fogueira em brasa em chamas em êxtase estrelas de alumínio são como amores-descartáveis use aproveite descarte todos os reis amados estão enterrados em marte na minha mão de papel corações colhidos juntos em um buquê que no sopro do tempo-vento somem por que me pergunto
por que a natureza vive em segundo plano? Por que o concreto é seu querido amo? por que? por que minha pele-papel não desintegra? Por que meu coração-de-passarinho alguém não rega? porque a obra é ilegível? Escrita em uma língua intangível. Esquecida em uma gaveta. por que o passado não é passado? Sem em nosso peito ficar guardado? por que as pétalas do buquê voam? partem, solitárias, pelo mundo que ecoam por quê. por que meus olhos sentem dor? já suportei demais.
I. Pra onde foram as brumas que estavam aqui no céu brumas que me acompanharam nessa vida naquele ontem nesse hoje Aonde estão as brumas quem me viram feliz viram meu sofrer e não me veem agora nem as vejo a esse hora nesse meu crescer Onde estão as brumas? no céu, só esse vazio azul celeste e aqui, barulho terrestre que nunca para II. Estão aonde onde foram não aqui sei que sumiram as brumas. III. Celestes plumas Brancas. Que me acompanham. Elas voltam pelas Manhãs. Agora sei. Quem me disse foi O galo. Que desperta antes do sol e as chama quando Canta.
CAMPOS E GALÁXIAS Deitado aqui calado escuto o oculto o silêncio sossegado o silêncio da poeira na beira do pó do grão que cai do espaço galáxias e cai aqui no chão e se cala depois de viajar anos luz no espaço escuro passando por estrelas planetas asteroides meteoros nebulosas passando pelo tudo e pelo nada até chegar aqui ao pé do meu colchão o silêncio calado o grão sideral poeira espacial que destino infortunado desse pó cosmonauta viajou peralta por todo o espaço para jazir bem aqui nesse chão veio do todo e padeceu aqui no nada.
A carícia que dói é o carinho da geração perdida que não tem mais amor à vida que vive em um mundo que não existe a realidade virtual tão triste sentimentos trancados em salas fechadas onde luzes matam horas até a madrugada
Carícia de mãos pixelizadas simulando o tato de uma mão pelada com calos com poros digitais únicas a geração prefere se esconder atrás de túnicas que matam os defeitos a paisagem que passam ao mar é que são perfeitos
A caricia que doi é a do homem cego não da visão, mas sim do ego.
Vou Um dia eu vou te vendar e lhe vender por que cega vocĂŞ nunca vai saber Um dia eu vou assobiar e vou saber que o chilro das aves ĂŠ amanhecer. Um dia eu vou assinar e assassinar a sina do sino de badalar Um dia eu vou tacar fogo e ir tocar uma ciranda pro teu sono embalar Um dia eu vou um dia eu voo
Do caos, eu desmonto todos os andaimes do alicerce edificado. alicerce que sustenta as cortinas fechadas Desse teatro abandonado. Todos partiram pegaram seus navios imensos monocromĂĄticos seus aviĂľes leves de papel seus sapatos que lhes levam. Titulos emoldurados em peitos vazios. (os meus)[ tu tem mais peito que muita muie ai, cala bokus~] Nomeiam, renomeiam enobrecem os que no fundo do buraco perecem de verdade
2. O desbravador e seu brado: - Ao caos! Para o caos! e seguiu pelo deserto desconhecido, temido foi. E nunca mais voltou talvez tenha encontrado o que procurava tenha encontrado o quadro dourado. Ou o deserto o tenha devorado. Alegria, alegria nobres mascarados de confete e serpentina cores vivas valsando pelas luzes dos candelabros de cristal e no calabouรงo negrume danรงava um louco corcunda com a pouca chama de um castiรงal.
3. Ao caos, montou em seu corcel pôs as rédeas firmes por entre as mãos e partiu deixando só o seu véu os dedos enroscados no couro o couro guiado ao cavalo levando ao sonho duradouro. O esqueleto de aço que sustentava o mundo decaiu do compasso. E do fim do mundo veio esse brado: ‘Além do horizonte, o sol é dourado.”
Mesa
A mesa estava branca de papeis avulsos. Andava de um lado a outro, atormentado pelo ideal, pela paixão tola por Ana. Haviam brigado. De novo. Vai na cozinha, cata a garrafa de vodka no armário e o coloca sobre a mesa. A mente pesada. Pensa em fumar um cigarro. Desiste. Agarra a garrafa pelo pescoço e toma de goles longos ácidos. D’onde estaria Ana? Por que não se escolhe quem se ama? O corpo, a mente, todos inquietos. Tenta parar, pensar. Mas não consegue. Se perde em Ana. Senta junto a mesa, tenta se focar no papeis. Nada. Tira o isqueiro do bolso da bermuda. Esmaga o maço, arranca um cigarro. Tenta acender uma, duas , três, quatro vezes. Na quinta ele finalmente acender e flama o cigarro. A baforadas rápidas tenta se acalmar. Fumaça sai da sua boca como em uma maria-fumaça. Não consegue. Larga o cigarro, larga a vodka, larga a paixão. Tudo d’cima a mesa. Lá fora, alguém toca a campainha. Provavelmente a vizinha, pensa, reclamando das folhas, do arvoredo que cresce d’entre o muro, que caem na casa dela. Anda como um derrotado. A passos pesados. Destroçado. Até o ar cheira a derrota, cheira a fumaça. Abre a porta e seu coração bate, bate com um tamborim de escola de samba. Era Ana. Sua mente vira branco. Ana ali, de frente a ele, o silencio no ar, os dois imóveis se olhando. Como um quadro. Ana quebra a sintonia e aponta para a mesa, que está em chamas.
MÃOS DADAS Garoava fúnebre e um casal corria de mãos dadas pela rua deserta. Eles riam naquele clima acinzentado. Riam molhados. Sorrisos enamorados. Corriam pelas calçadas, por vezes quase escorregando no chão escorregadio e rindo dos quase tombos. O rapaz adianta um passo, atrasa o outro, desliza numa perna só e cai de bunda no chão. Cuidado, Alberto! A paisagem para de correr. Alberto, cê tá legal? Ele se levanta, lento, como um velho já gaga, com a mão na lombar. Ai, minha costas... Laura o ajuda a reerguer-se. Alberto vai se aprumando, com uma face dolorida. Grunhe. A expressão da moça se mistura em sua face com pena e choro. Então de um pulo surpresa, Alberto se ergue endireitado, pondo as mãos nas costas como se espreguiçando. Vamos? Faz então uma careta, pondo a língua para fora. A moça ri, eles riem. Estavam indo para a parada de ônibus, era fim de tarde e continuava a chuviscar. Seguiam andando, olhando nos olhos um do outro. Olhandose tão profundo tão persistentes que quase podiam ver a alma um do outro. Mesmo que isso soasse extremamente romântico, Laura se doía no peito ao olhar para os olhos dele, vendo o mais secreto na pupila. Vendo os sentimentos trancados dentro de seu tumulo craniano. Ele a observava com uma cara infantil, uma expressão melosa, sendo um total contraste com suas características de brutamontes. Estava cego. Ao andar, Laura se movimentava suave, leve, o corpo feite de curvas. Como o movimento de uma rio solene no amanhecer. Alberto, era o total oposto. Reto, direto e duro. Como uma montanha que impede os pássaros que sigam sua rota.
Estavam namorando a quase 3 meses. Havia se tornado um romance cheio de reviravoltas. Bem-me-queres e malmequeres. O amor enamorado dos dois era como o mar, revolto na maré, quebrando ondas vorazmente na praia, e calmo pelo amanhecer, com ondas bailarinando no mar. Os opostos se atraiam. A chuva caia pouca e escorria nítida na pele morena de Laura. Correndo por entre os pelos curtinhos, como quem corre por entre arvores de uma floresta. O cabelo curto e duro de Alberto sequer ousava se mover. Retas e curvas. Montanhas e rios. De mãos dadas, seus dedos se entrelaçavam como nós. Mão bruta de punho rochoso e cabeludo, unhas quebradas e curtas enviados nas pontas dos dedos. Já a outra, era uma mão fina. Polida e frágil. Porcelana chinesa. Longas unhas cor de paixão rubra. Vinham conversando e rindo, cantarolando e calando. Quando finalmente chegam a parada, o chuvisco já havia cedido e cessado. Estava vazia, e suja. E estupidamente molhada. Cobertura, assentos, tudo. O sol já se preparava para ir dormir, escurecia aos poucos. O ceu tinha tons laranja-arroxeado e nuvens cinza vigilantes. Alberto senta no banco molhado. Foda se. Laura o faz uma careta. Abre a bolsa, pega uns lenços de papel e enxuga o acento. Ainda receosa, senta. Silêncio. O ar fica éreo de palavras. Só se ouvem as goteiras, caindo lerdas e preguiçosas. Ping ping ping.
Inquieto, Alberto mexe os dedos dos pés sem parar. Está ansioso. Atormentado. O coração palpita e batuca no seu peito. Sente uma comichão nas axilas. Laura cantarola baixinho uma ciranda sobre chuva com a cabeça se pendulando de um lado para outro. As mãos distantes, inertes, sobre o banco. Alberto, como em desespero agarra a mão de porcelana de Laura. Seus dedos parecem caules de flores sendo esmagados na mão dele. Um misto de surpresa e dor surge na face da moça. Alberto não percebe, mas sua mão treme. Alberto, tá machucando. Ele parece despertas da sua auto-hipnose, que o guiava, e larga a mão dela. D-desculpa... Ela poe a mão sobre a dele carinhosamente. Tudo bem, tudo bem. Sorri de modo motivador, com seus dentes brancos amarelados. Alberto ainda treme. Seus lábios balbuciam algo. Eles dão as mãos. O olhar decai e para no precipício da pupila. Você ainda tem medo de mim? A goteira pinga. O olhar hesita. O ônibus surge. As mãos se separam.
CARABINA Galhos era quebrados e fraturados com o passar das botas rusticas dos caçadores. Levavam consigo carabinas, velho rifles que passaram de geração em geração. O mato seco e degradado dificultava a caça. Dificultava a camuflagem. Estavam os dois caçadores a mais de três horas por vagar e nem ao menos um rato-selvagem. Lentos, andavam quase parando. Tentando manter o máximo de silencio. Manterem-se camuflados. Os galhos da arvores, agora secas por conta do outono, faziam a trilha se tornar um tipo de labirintos. Mãos raquíticas e esqueléticas tentando os agarrar. O sol abrasante fazia os grilos lamentarem a cricrar. Psi, psi. Antonio torna o olhar a Joao. Ele move a cabeça, apontando com o nariz abatatado há um pássaro arroxeado. Ele aponta o rifle. Fecha um dos olhos tentando aumentar a precisão. O dedo treme sobre o gatilho. Sua circulação acelera, como um corcel silvestre. Vai! Engole em seco. Firma os punhos e. Bang! --O tico de passarinho jazia em uma frigideira, nu, fritando. Já era noite, e os dois confabulavam raramente, permanecendo a maior parte do tempo em silencio. João remexia com um gaveto o pássaro morto, fazendo-o deslizar sob o pouco óleo. Antonio desdenhava bonecos palitos no chão de terra batida.
A fogueira fraca alumiava o mato. João, tinha um bigodezinho ralo, bigode que copiara do seu falecido pai. O retrato dele na parede da maloca e ao lado um espelhinho sujo de fungos e mofo. Era lá onde cortava e moldava o bigode. Não havia deixado nada como herança, nenhum tostão. Nenhum bem, só a velha lembrança daquele bigodinho. Olhava para Antônio, erguendo a musculatura do canto da boca em um gesto de desprezo. De raiva. Não conseguia, de modo algum, ter confiança nele. Era um antigo amigo de família – amigo do seu pai -, vivia quase o tempo todo na sua casa, era um desocupado. Só caçava e ia para os bailes na capital. Caçava com seu pai. Havia crescido vendo ele na sua casa. E agora estava ali, João, já homem feito, e Antônio, rumando a meia idade. Olhando para a chama da fogueira que se desfazia em cinzas, ele pergunta: Tu se lembra do dia que pai morreu? Antonio para de desenhar no chão, e levanta a cabeça vagarosamente: Como não lembrar daquele dia trágico... Eu tava lá do lado do teu pai quando ele foi morto de morte matada... malditos... Segundo a historia que contaram a João, seu pai e Antônio estavam caçando na mata, na primavera, quando as arvores e os arbustos se enchem de verde, de vida. E a natureza renasce no inverno gélido. Caçavam e surgiram bandidos. Encapuzados de negro como a noite calada. Eram três – pelo que lembrou Antônio – O líder perguntou se eles haviam conseguido algo, seu pai disse que não, o bandido não acreditando arranco o bolsão dele e de lá acha dois coelhos. E com ira, puxa a pistola e dispara certeiro entre os olhos. Antônio olha para os desenho no chão com uma face nublada, mas João não crer que ele tenha visto a morte de seu pai e não tenha feito nada. O que ele acha é que o próprio Antonio o tenha matado. Sempre vira em seu rosto um sentimento de inveja, da vida de trabalhador dele, da família. Enquanto Antonio era um ninguém. Não tinha aonde cair morto. Vivia como um parasita, sobrevivendo só por conta dos favores com sua família e o pouco dinheiro que conseguia vendendo o que excedia da caça.
Foi uma merda Antonio pisa nos desenhos e os apaga com um safanão A janta esta pronta. --- O sol mal havia palpebrado para acordar e os dois já haviam se enfiado mata adentro para caçar. Antonio levava as duas carabinas no ombro. Ao menos um café bão hoje. João tira uma garrafa térmica do bolsão e se serve de um pouco de café quente. Falta o desjejum. Não se preocupe. Ao menos hoje nós consegue um rato bem gordo pra forrar o bucho. Tome, tá carregada. Antonio tira o rifle do ombro e o entrega. Ele olha para a arma e o olha. Olha de novo. Tem o agouro de algo. Sente algo estranho na carabina. A carabina do seu pai. Que foi, cabra? Nada, monsieur. Vamo. Por todo o caminho entre o mato, a cada passo, cada respiração, João vai sentindo um mal estar na mente. A carabina. Tem algo de errado nela. Ele tem quase certeza. Antonio, ele deduz, deve a ter sabotado. Mas por que? Mesmo com seu pensamento secreto sobre Antonio ter matado o seu pai durante uma caçada, não haveria logica. Começa a suar. O sol vai surgindo aos poucos, Antonio anda sorrateiro por entre as arvores que outonam. Uma ideia o acerta como bala. Sim, agora fazia sentido. Antonio queria arruinar a família. Matando um a um. Destruindo cada componente. A arma deveria esta sabotada, talvez um pino solto, João reflete, que quando ele atirasse, a bala saísse pela culatra ou algo parecido.
Nas veias sanguíneas de João, o sangue não circulava mais. O que corria dentro de si, era ira, e medo. Ira de Antonio. Medo de Antonio. Eita cabra! Que foi? João olha. A sua frente, Antonio acocorado, aprontando a carabina parar um bando de aves que beberica da agua de uma lagoazinha. Vai cabra, ontem fui eu, hoje é tu. João gela, não sabe como proceder. Se pergunta se Antonio havia planejado aquilo tudo. Vai, monsieur cabra! Ele sua frio. Arriba, homem! Bang! Uma algazarra a cavalo surge. Um bando encapuzado surge na outra ponta da lagoa fazendo um escarcéu. Os pássaros assustados, voam. Ô diabo Um dos encapuzados vê os dois ali, escondidos. Uia! Lascou, hombre. João aponta a carabina. Que que tu tá fazendo, jão?! Uia lá! João põe o dedo no gatilho. Seu sangue ferve Antônio grita: Jão! Uia, dois coelho ali. Bang!
Ao Jopa e ao Pedro, por terem criado esse coletivo foda. A todo mundo da Loki, especialmente ao Gustavo Gomes, Rafaella Fabiani e Julia Balthazar. A Regina Azevedo, por tudo. A todos, que est達o lendo isso e que chegaram ao fim.
Victor H. é um ‘neo-cangaceiro’ que faz parte do coletivo de jovens artistas chamado LOKI. Desenha, escreve, e mora em NATAL/RN Posta coisas na pagina: https://www.facebook.com/vvctrh