O que é uma cidade para pessoas?

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O que é uma cidade para pessoas? Após rodar o mundo em busca dessa resposta, nossa repórter especial da +40, a jornalista especializada em planejamento urbano Natália Garcia, compartilha algumas das lições que aprendeu

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por Natália Garcia

É possível que haja um consenso entre os leitores desta reportagem: todos, ou a grande maioria, possuem em alguma medida o desejo de melhorar a cidade onde moram. As divergências começam quando tentamos estabelecer como seria essa melhora. Áreas verdes, calçadas, ciclovias e transporte público de qualidade estão entre as demandas mais comuns, mas o fato é que estabelecer parâmetros e critérios do que é uma cidade para pessoas não é uma ciência fácil.

Com essa questão em mente (e minha bicicleta dobrável na bagagem), percorri destinos pelo mundo para tentar levantar ideias e projetos que pudessem inspirar as cidades brasileiras. A primeira parada foi Copenhague, na Dinamarca, onde procurei o especialista mais reconhecido do mundo sobre o assunto. “Sabemos tudo sobre o habitat ideal de qualquer mamífero da face da Terra, menos do Homo Sapiens, e não é nisso que a maioria dos urbanistas pensa ao fazer um projeto

para uma cidade”, disse-me o planejador urbano Jan Gehl, que vem dedicando uma carreira de mais de 50 anos em seu escritório, Gehl Architects, a tentar melhorar as cidades para seus moradores. Nessa conversa, Gehl me explicou que as soluções e projetos precisam ser locais e adequados à realidade de cada lugar. Mesmo assim, segundo ele, há algumas regras imprescindíveis para que as cidades proporcionem uma vida de qualidade a seus moradores. Depois de rodar por 12 destinos,

constatei que as tais regras, abaixo descritas, estavam certas.

As cidades são feitas de pessoas É um fato óbvio, mas pouco lembrado nas cidades brasileiras. Por aqui é comum que as diretrizes para o desenvolvimento dos centros urbanos sejam o crescimento econômico, o mercado imobiliário, as grandes empresas e indústrias – todas peças importantes, mas que acabam se sobrepondo ao que deveria estar em primeiro lugar: as pessoas.

Piscina pública no canal central de Copenhague, despoluído e revitalizado pela prefeitura|da cidade 2013 | fevereiro vero | 21


to ponde a t vis cONViDaMOS GENtE QUE ViVE OU traBalHa Na rEGiÃO Para cOMENtar ESta rEPOrtaGEM – E DiZEr cOMO Ela PODE iNSPirar O FUtUrO DE alPHaVillE

“Há três públicos em alphaville e, portanto, três maneiras de se relacionar com o bairro. O primeiro, dos que moram e trabalham aqui, fazem daqui sua cidade e frequentam são paulo a lazer no final de semana. para outro grupo, alphaville é uma cidadedormitório, ou seja, sua família mora na região, mas sua fonte de renda está concentrada na capital ou no entorno. O terceiro público, a população flutuante, gera sua renda aqui, mas a destina ao local onde reside. pensando assim, as soluções são diferentes em prioridades. como defini-las? quais as fontes de lazer ou atividades opcionais e sociais mais adequadas? cabe a nós, moradores, transformar nossa ansiedade em planos de ação coletivos. essa é a missão da +40, servir de fagulha. converse com seu vizinho e propague sua vontade. é um começo” Mauro ishikawa, da cNL empreendimentos imobiliários

nos espaÇos pÚblicos, deve-se respeitar a escala Humana é muito mais agradável percorrer uma cidade com dimensões adequadas para serem contempladas “do chão”, a partir dos olhos das pessoas. “O corpo humano possui dimensões e capacidades físicas de locomoção que muitas vezes são esquecidas em projetos de prédios e espaços públicos”, diz o urbanista nova-iorquino Jeff risom, membro do time do Gehl architects. para ele, uma cidade para pessoas é feita para ser contemplada a pé, a 5 km/h. “uma escala muito grande ou muito rápida destrói a relação das pessoas com os espaços públicos”, explica ele. Na cidade americana de portland, por exemplo, a urbanização dos rios foi feita com grandes avenidas e viadutos

nas margens, o que tornava quase impossível admirar o local. com o tempo, ficou claro que a qualidade de interação com o rio melhoraria após a criação de um Waterfront – expressão que designa a margem urbanizada de um rio – para ser percorrido a pé e de bicicleta. a cidade precisa contemplar a diversidade das pessoas “para estabelecer um senso de respeito mútuo e tolerância, temos que contemplar a maior diversidade possível de pessoas nos espaços públicos de uma cidade”, defende risom. “é preciso ter espaço para jovens e idosos, homens e mulheres, ciclistas, pedestres, motoristas e pessoas com quaisquer deficiências”, complementa. uma cidade tolerante com sua população tenta

avenida à beira do rio sena, desativada durante o verão para dar lugar às “praias” de paris

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os franceses aproveitam o calor em canteiros de areia montados sazonalmente

as atividades opcionais

de acordo com o livro “cities for people”, todas as cidades têm atividades necessárias, opcionais e sociais. as atividades necessárias, como a mobilidade e a coleta de lixo, por exemplo, costumam ser as mesmas em qualquer lugar do mundo. O que faz a diferença entre uma cidade ruim e uma boa para seus moradores é um maior número de possibilidades de atividades opcionais – como ter rios nos quais se pode nadar e navegar – e sociais, caso de espaços públicos com bancos, parques, praças e áreas para prática de esportes. Qualidade do ambiente físico

o clima de uma cidade deve ser um aliado “conhecer o clima local de uma cidade e fazer projetos em que ele seja

respeitado é primordial para a qualidade de vida das pessoas”, afirma o diretor do London schools of economics cities, rick Burdett. isso é algo que eu percebi instintivamente. quantas vezes eu saí na rua em são paulo em pleno verão e reclamei: “que calor infernal!”. curiosamente precisei ir até a europa para me lembrar de que o clima quente é um recurso positivo, desde que tenhamos espaços públicos para aproveitar o calor. em paris e em Londres, as avenidas que correm às margens dos rios sena e Tâmisa são convertidas em praias artificiais e centros de cultura e lazer durante o verão. em portland, como chove muito o ano todo, os revestimentos em concreto e asfalto, que são impermeáveis, começaram a ser substituídos por calçadas

to ponde a t vis

alta

Baixa Tipos de atividade Necessárias

contemplá-la ao máximo em sua diversidade nos espaços públicos. se todos têm seu lugar, não há necessidade de brigar por espaço, e a convivência tende a ser mais harmônica, segundo o urbanista. em copenhague, pedestres, ciclistas, motoristas e cadeirantes têm sempre espaços definidos e respeitados pelas ruas da cidade. Já em são Francisco, pessoas de vários gêneros e orientações sexuais, bem como os adeptos a pouca ou nenhuma vestimenta, passeiam tranquilamente pelos espaços públicos. mais do que tolerados, eles são tratados com a mesma normalidade de um homem de terno.

Opcionais

sociais

“O conceito adotado por copenhague poderia gerar excelentes resultados caso aplicado em alphaville. cada lugar é único e me parece muito produtivo ter como premissa conhecer os moradores, seus costumes, necessidades e desejos, adequando tudo isso à realidade física do bairro. O grande desafio é engajar as pessoas para participar efetivamente do processo” Eduardo Pereira, do centro comercial alphaville

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verdes. O resultado são ruas mais bonitas e agradáveis para caminhar, um rio mais limpo – porque a água vai se infiltrando no solo e chega mais purificada até ele – e uma cidade sem enchentes. de todos os exemplos

citados, talvez a maior lição seja que uma cidade para as pessoas precisa ser construída de maneira colaborativa entre o poder público, a iniciativa privada e a sociedade civil organizada. é um processo sem fim.

to ponde a t vis “O habitat dos humanos evolui. alphaville cresce em dois municípios e depende de dois prefeitos. como uma cidade é feita de pessoas, são elas (nós) que podem se mobilizar em associações, campanhas e movimentos. Nossa comunidade já superou momentos difíceis, como os congestionamentos da castello e a falta de linhas telefônicas e água. as crises unem as pessoas”

calçadas permeabilizadas com canteiros de plantas na avenida ao lado da universidade estadual de portland (psu), parte do programa Grey to Green

leonardo rodrigues da cunha, da area (associação residencial e empresarial alphaville)

bons espaÇos pÚblicos Na tentativa de determinar o que é um bom espaço público, um grupo de urbanistas europeus estabeleceu 12 critérios. divididos em três categorias, eles são usados como uma diretriz a ser seguida nos projetos elaborados por esses profissionais.

Proteção

trânsito

Violência criminosa sensações ruins (calor, poluição, etc.)

conforto

caminhar com boas superfícies e paisagens

locais de permanência

onde sentar para descansar

Vista interessante onde conviver sem onde se exercitar com boa luz excesso de barulho Meio ambiente

MÊS QUE VEM tEM MaiS, HEiN!

escala humana

aproveitar o clima

boa experiência sensorial (água, grama, árvores)

continue ligado na série de reportagens especiais da +40. acesse também alphavilledonossojeito.com.br patrocínio

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