Vasco Valdez
VASCO VALDEZ
AUTONOMIA TRIBUTÁRIA dos MUNICÍPIOS
VASCO JORGE VALDEZ FERREIRA MATIAS Nascido em Lisboa, em 28.09.1953. Licenciado, Mestre e Doutor em Direito pela
- poderão os municípios dispor de poderes tributários próprios, mormente na fixação das regras de incidência, na fixação das taxas, na concessão dos benefícios fiscais dos impostos que lhes pertencem? - deverão os municípios dispor de tais poderes tributários? - quais os impostos de que os municípios devem dispor? - quais as perspetivas de evolução do nosso sistema tributário municipal? Pretende-se com o presente trabalho dar resposta a estas quatro questões, sobretudo numa perspetiva que diga respeito ao poder municipal em Portugal, mas não descurando outras experiências de Direito Comparado, em particular as do Brasil e da Espanha, bem como as reflexões que uma parte significativa da doutrina portuguesa e estrangeira têm dedicado a esta temática.
AUTONOMIA TRIBUTÁRIA dos MUNICÍPIOS
A presente obra pretende dar resposta a quatro questões cruciais no domínio da autonomia do Poder Local, em particular na esfera municipal e que são:
AUTONOMIA TRIBUTÁRIA dos MUNICÍPIOS UMA PROPOSTA PARA PORTUGAL À LUZ DAS EXPERIÊNCIAS BRASILEIRA E ESPANHOLA
Faculdade de Direito de Lisboa e pela universidade Autónoma de Lisboa (doutoramento), anos de 1977, 1986 e 2013 respetivamente. Advogado inscrito na Ordem. Árbitro no CAAD (arbitragem tributária). Vogal do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Professor Coordenador do ISCAL, responsável pela lecionação de diversas disciplinas na área do Direito Fiscal e Fiscalidade. Antigo Subsecretário de Estado e posteriormente Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no período de 1991 a 1995 e de 2002 a 2004, tendo sido sob a sua responsabilidade
Prefácio por
Professor Doutor Diogo Leite de Campos
política imediata que se realizou a Reforma da Tributação do Património. Autor de diversos estudos e obras sobre fiscalidade e finanças públicas, designadamente “A contribuição autárquica e a reforma da tributação do património”, “Sistemas fiscais das autarquias”, “Contributo para o estudo das finanças municipais em Portugal” e “Autonomia Tributária dos Municípios” (tese de douto-
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www.vidaeconomica.pt ISBN: 978-972-788-905-1 Visite-nos em livraria.vidaeconomica.pt
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ramento). Docente em vários cursos de pós-graduação e mestrado, designadamente na Faculdade de Direito de Lisboa e no Instituto Superior de Economia e Gestão.
ÍNDICE Lista de quadros e gráficos...................................................................13 Lista de abreviaturas..............................................................................15 Lista de siglas..........................................................................................17 Agradecimentos......................................................................................21 Prefácio....................................................................................................25 Resumo....................................................................................................27 Abstract.....................................................................................................29 I - Objeto-metodologia 1. O objeto. Premissas da investigação.........................................33 2. Metodologia seguida. A estrutura.............................................41 II - Autonomia financeira, tributária e fiscal dos municípios: algumas considerações prévias II. A - A autonomia dos municípios: conteúdo e alcance 3. Introdução....................................................................................47 4. O caso português: a Constituição da República de 1976......49 5. A posição de Diogo Freitas do Amaral...................................51 6. A posição de Marcelo Rebelo de Sousa...................................53 7. A posição de António Francisco de Sousa..............................54 7
autonomia tributária dos municípios
8. A posição de José Casalta Nabais.............................................55 9. A posição de António Cândido de Oliveira............................56 10. A posição de João Baptista Machado.....................................57 11. A posição de Paulo Otero........................................................58 12. O conceito autonómico na Constituição espanhola............60 13. O conceito autonómico na Constituição brasileira..............62 14. Limitações à autonomia municipal.........................................63 15. Outros entendimentos doutrinários e legislativos: a Carta Europeia de Autonomia Local..................................64 16. Conclusões sumárias.................................................................66 II. B - A autonomia financeira, tributária e fiscal: conceitos básicos 17. A autonomia financeira............................................................69 18. A autonomia tributária.............................................................73 II. C – Conclusões do capítulo II................................................79 III - Visão comparada: as experiências brasileira e espanhola III. A - A experiência do Brasil 19. Caracterização do Estado brasileiro: evolução histórica.....85 20. A importância financeira das diferentes esferas de poder....88 21. A Constituição e os princípios orientadores da autonomia municipal. A autonomia tributária na obtenção da receita por parte dos municípios.........................................................91 22. A tríplice vertente da autonomia municipal........................103 23. Autonomia tributária dos municípios..................................107 24. A especificidade do caso brasileiro.......................................112 25. Limitações à autonomia: posições críticas...........................116 26. A guerra fiscal e o imposto sobre serviços: possível justificação para o limite à autonomia..................................119 8
índice
27. Os impostos dos municípios: breve caracterização...........127 28. O Imposto sobre a Propriedade Territorial e Predial Urbana – IPTU........................................................................128 28.1. Caracterização e base de incidência do imposto.......128 28.2 As taxas (alíquotas) do imposto...................................130 28.3 Base de cálculo, sujeito passivo e lançamento do imposto.......................................................................132 29. O Imposto sobre a Transmissão Intervivos de Bens Imóveis – ITBI........................................................................133 29.1 Caracterização e base de incidência do imposto........133 29.2 Alíquotas e base de cálculo...........................................134 29.3 Sujeito passivo e lançamento do imposto...................134 30. O Imposto Sobre Serviços – ISS..........................................134 30.1 Generalidades: caracterização dos elementos essenciais do ISS.............................................................134 30.2 Sujeito passivo, alíquotas e base de cálculo do imposto.......................................................................139 III. B - A experiência da Espanha 31. Caracterização do Estado espanhol: evolução histórica....141 32. A autonomia das Comunidades Autónomas......................152 33. A autonomia dos entes locais................................................154 34. O caso particular dos municípios.........................................155 35. A importância financeira dos diferentes níveis de poder...156 36. Os poderes tributários dos municípios espanhóis. Os principais impostos locais: evolução histórica..............161 37. Os impostos obrigatórios e potestativos.............................170 38. O Imposto sobre Bens Imóveis – IBI.................................171 39. O Imposto sobre as Atividades Económicas – IAE.........173 9
autonomia tributária dos municípios
40. O Imposto sobre os Veículos de Tração Mecânica – IVTM.....................................................................................174 41. O Imposto sobre Construções, Instalações e Obras – ICIO......................................................................................175 42. O Imposto sobre o Incremento do Valor dos Terrenos de Natureza Urbana – IIVTU...............................................176 43. O Imposto sobre o Aproveitamento de Coutos de Caça e Pesca – ICCP........................................................................177 44. Taxas e contribuições.............................................................178 45. Poderes tributários dos municípios......................................178 46. Perspetivas de evolução no sistema de finanças locais espanhol....................................................................................184 III. C - Conclusões do capítulo III a) Brasil............................................................................................189 b) Espanha......................................................................................192 IV - A experiência de Portugal 47. Evolução dos municípios até ao século XIX......................201 48. O município no século XIX..................................................204 49. Análise da evolução dos poderes financeiros.....................207 50. O município na 1ª República.................................................213 51. O município no Estado Novo..............................................213 52. A Revolução de 1974. A Constituição da República Portuguesa de 1976.................................................................217 53. As sucessivas leis de finanças locais.....................................222 54. Visão geral atual das formas de financiamento autárquico..229 55. A situação atual: o peso das receitas tributárias entre os diferentes níveis de administração.........................234
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índice
56. Justificação para a primazia dos impostos sobre o património................................................................................238 57. Análise da atual Lei das Finanças Locais.............................242 57.1 Visão geral.......................................................................242 57.2 Evolução dos poderes tributários: introdução...........245 58. A reforma da tributação do património: antecedentes, principais mudanças e perspetivas futuras..........................249 59. Caraterização da situação antes da Reforma.......................249 60. As linhas de força da Reforma Fiscal de 2003....................255 61. O Imposto Municipal sobre Imóveis...................................256 62. O novo sistema de avaliação de imóveis.............................261 63. A jurisprudência a propósito do novo sistema de avaliações.............................................................................267 64. Os reflexos na tributação sobre o rendimento...................280 65. Outros aspetos.........................................................................282 66. As principais inovações no Imposto Municipal sobre Transmissões – IMT....................................................283 67. As transmissões gratuitas.......................................................287 68. Perspetivas de evolução futura: a baixa da taxa do IMT...289 69. A reavaliação geral da propriedade urbana..........................293 70. Propostas do Subgrupo de Trabalho para a Reforma da Tributação do Património.................................................295 71. As propostas de reforma constantes no Memorando da Troika...................................................................................307 72. Os atuais poderes tributários dos municípios.....................316 72.1 No Imposto Municipal sobre Imóveis – IMI............316 72.2 No IMT............................................................................321 72.3 No domínio da concessão genérica de benefícios fiscais................................................................................324 11
autonomia tributária dos municípios
72.4 Na Derrama.....................................................................329 72.5 No IRS.............................................................................332 72.6 Nos benefícios fiscais à interioridade..........................334 72.7 Nos poderes dos municípios para liquidarem e cobrarem os respetivos tributos...................................335 72.8 Outros poderes...............................................................339 IV. A - Conclusões do capítulo IV.............................................349 V - Balanço dos poderes tributários e propostas de evolução futura 73. A relevância dos poderes tributários no contexto da Autonomia Municipal: uma proposta para Portugal.........357 74. O Princípio da Legalidade na Constituição: implicações para as Regiões Autónomas e para os municípios.............369 75. O conceito de Autonomia à luz da jurisprudência comunitária...............................................................................380 V. A - Conclusões do capítulo V................................................391 VI - Conclusões gerais e propostas..............................................393 VII - Bibliografia VII. A - Bibliografia geral............................................................407 VII. B - Principal jurisprudência citada..................................427 I) Portuguesa..................................................................................427 II) Espanhola..................................................................................428 III) Comunitária.............................................................................429
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PREFÁCIO A presente dissertação do Doutor Vasco Valdez versa um problema que é constante na história política e jurídica portuguesa: os municípios e a sua autonomia. Foi daqui que partiu na Idade Média a “libertação” das populações do poder senhorial. E o municipalismo sempre constituiu um espaço de proximidade entre as populações e os “seus” governantes. A relevância da autonomia tributária dos municípios é – assenta o Autor logo na introdução – “um aspecto crucial do princípio de autonomia local”. Assim, ao tratar da autonomia tributária, o Autor tem sempre presente o diálogo entre poder local e poder central. Mas não o faz como luta de “interesses”, entre “poderes”. Mas como… da Justiça, onde dá “o seu a seu dono”. Se a afirmação da autonomia tributária dos municípios parece indiscutível, o conteúdo desta deve ser preenchido cuidadosamente, do acordo com a “natureza das coisas”. Analisando, imposto a imposto, quais devem pertencer aos municípios, numa visão sempre crítica do Direito constituído, na perspectiva da sua correta construção. Quem se interessar só pelo regime jurídico dos impostos potencialmente municipais encontra uma análise bem estruturada e prospetiva destes, para culminar na sua repartição. Encontramos, pois, dois elementos fundamentais numa obra de Direito: o interesse prático e a construção dos institutos no âmbito do Direito, segundo a Justiça e a técnica jurídica. 25
autonomia tributária dos municípios
Não se limita o Autor a uma descrição do Direito português e da sua história. Vai buscar a Espanha e ao Brasil termos de comparação e de compreensão da realidade portuguesa. No que nos aproxima e nos separa da realidade jurídico-política desses Estados. Sente-se que é uma obra que fazia falta e que contribui para preencher com muita qualidade um espaço sempre em aberto. Professor Doutor Diogo Leite de Campos Professor catedrático da Faculdade de Direito de Coimbra e da Universidade Autónoma de Lisboa
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RESUMO Com a presente tese procura-se demonstrar a importância e a relevância da autonomia tributária dos municípios, que, aliás, é um aspeto crucial do princípio de autonomia local. A partir da experiência comparada de três países, a saber, Brasil, Espanha e Portugal, procuramos analisar a respetiva realidade, identificar os pontos comuns e sobretudo estudar a forma como cada um deles estrutura a autonomia tributária dos respetivos municípios. Em especial, centraremos a nossa atenção na forma como os diferentes Estados concedem poderes tributários aos entes locais. Nesta medida, verifica-se que existem diferenças de regime substanciais, em particular com o caso brasileiro, e procuraremos extrair ensinamentos para a situação portuguesa. Trataremos, ainda, de centrar um pouco da nossa atenção em torno da problemática na forma de obtenção de receitas por parte dos municípios, se prevalecentemente através de transferências governamentais, se através de receitas próprias ou se de um misto das duas. Procuraremos acentuar a importância de os municípios deterem poderes tributários reforçados, como forma de os titulares dos seus órgãos responderem politicamente perante os respetivos eleitorados. Analisaremos, igualmente, quais os impostos que, do nosso ponto de vista, mais se adequam a ficar afetos ao nível local, estudando com detalhe o atual sistema de impostos locais nacional e os poderes tributários concedidos aos municípios.
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autonomia tributária dos municípios
Finalmente, extrairemos as nossas conclusões, que passam indubitavelmente pelo reforço dos poderes tributários dos municípios, mormente dando-lhes os poderes de fixar as taxas dos impostos locais, de os lançar ou não, de conceder benefícios fiscais e de poderem liquidar e cobrar os respetivos tributos. Esta forma permitirá aos municipios decidir se preferem efetuar mais despesa pública e, consequentemente, aumentar a carga fiscal aos respetivos contribuintes ou, em alternativa, realizar menos despesa pública e por esta via terem impostos mais baixos. PALAVRAS-CHAVE: autonomia local, autonomia tributária, impostos e taxas, impostos locais.
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ABSTRACT With this thesis we try to demonstrate the importance and relevance of the municipalities’ tax autonomy, which, in fact, is a crucial aspect for local autonomy. From the compared experience of three countries, Brazil, Spain and Portugal we strive to analyze their realities, identify common points and, above all, study the manner that each one structures their municipalities’ tax autonomy. We shall pay special attention to the method in which the different States transfer tax powers to the local authorities. Based on our analyses, there are substantial differences in the treatment of this subject, in particular the Brazilian case from which we’ll look to extract teachings for the Portuguese situation. In addition, we shall center our attention in the way municipalities’ obtain income, weather it is from government grants, from their own income or a combination of both. We will address the importance of reinforcing municipalities’ tax powers, as a process that allows the elect representatives of the municipality to respond politically to their electorates. We shall analyze which taxes, from our view point, are more capable to be employed by the local authorities, by studying in detail the actual local tax system and the local tax powers granted to the municipalities. Finally, we shall draw our conclusions, that lead towards the increase of the municipalities tax powers, by allowing them to adjust
autonomia tributĂĄria dos municĂpios
the percentage of local taxes, to decide to use them or not, to grant tax benefits and to be able to liquidate and collect their taxes. This system will allow the municipalities to decide if they prefer to rise public spending and, therefore, increase taxes to their constituents or, in alternative, decrease public spending and therefore having lower taxes. KEYWORDS: Local autonomy, Tax autonomy, Taxes, Local taxes.
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I - OBJETO-METODOLOGIA
1. O OBJETO. PREMISSAS DA INVESTIGAÇÃO Iremos abarcar na presente tese a problemática da autonomia tributária dos municípios, procurando, para o efeito, estudar o respetivo alcance, à luz, fundamentalmente, do ordenamento jurídico de três países, a saber: Brasil, Espanha e Portugal. Principiaremos, porém, por delimitar os conceitos, em especial o de autonomia financeira, tributária e fiscal dos municípios, para, de seguida, nos centrarmos no âmago da nossa investigação. Isto dito, procuraremos extrair algumas conclusões, estribados nas experiências comparadas, bem como naquilo que se nos afigura mais pertinente para o objeto da nossa investigação. Importa, ainda, justificar o porquê de o nosso percurso de estudo se centrar nos três países acima referidos. Portugal, é mais do que óbvio, visto tratar-se do nosso país de origem e de os ensinamentos que iremos recolher das experiências estrangeiras se poderem aproveitar em termos de análise crítica do atual estado de coisas e da formulação futura do respetivo regime. Por outro lado, as escolhas de Brasil e Espanha, para além dos laços que nos unem a esses dois grandes países, têm a ver com o facto de o primeiro ser um Estado federal que, para mais, trata a autonomia tributária, e em especial fiscal, dos municípios de uma forma assaz original e importante e de o segundo ser um Estado com uma configuração entre o regional e o federal, mas amplamente descentralizado, em que os municípios têm também um papel importante, para além de que em ambos existe uma elevada e muito fecunda investigação académica em torno da presente problemática. 33
Autonomia tributária dos municípios
Posto isto, entremos, então, na análise que nos propomos fazer e que pode também ter uma importância prática para Portugal, nestes dias de dificuldades financeiras e de aperto orçamental que varrem o Estado central e que têm repercussões, como não pode deixar de ser, ao nível das finanças das entidades locais. Ora, a este propósito dir-se-á que Portugal é, em termos financeiros, um Estado bastante centralizado, como pode ver-se pelas estatísticas da OCDE, entre outras. Na verdade1, se atentarmos na distribuição dos impostos entre os diversos níveis de Governo, verificamos que em Portugal as receitas fiscais a favor das Regiões Autónomas e dos entes locais representam somente 6,6% das receitas totais, sendo certo que a média dos países da OCDE é de 12,4%, que nos Estados Unidos da América é de 15,2% para os entes locais (e de 20,8% para os Estados), na Espanha de 8,9% (e de 22,3% para as Comunidades Autónomas) e em países unitários, como a França, é de 12,1%, de 24,8% na Dinamarca, mas em contrapartida é de somente 4,8% no Reino Unido, sendo estes dados referentes a 2008. Refira-se, aliás, que a tendência para a diminuição da percentagem dos impostos locais e regionais, relativamente à receita total, acentuou o declínio em 2009, ao contrário do que sucedeu em diversos dos Estados antes mencionados. Assim, em Portugal passou a ter uma percentagem de 5,5%, sendo a média da OCDE de 12,1%, mas registando a Espanha um acréscimo dos impostos locais para 9,4%. Nos Estados Unidos, o peso dos impostos locais no total das receitas fiscais cresceu para 17,1% e no Reino Unido a percentagem também subiu para 5,3%. Todavia, Portugal apresenta graus de autonomia na sua organiza1 - Cfr. Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico - Tax revenue trends: 1965-2010. Paris: OCDE, 2011, quadro E; idem - Tax revenue trends: 1965/2007. Paris: OCDE, 2008.,quadro E (2009).
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I. objecto-metodologia
ção política e administrativa que não podemos deixar de reconhecer como relevantes e que iremos tratar, mormente quanto aos municípios, no capítulo seguinte2. Precisando melhor, queremos com isto dizer que boa parte dos recursos públicos ficam afetos ao nível do Estado Central, sendo residual a percentagem de gastos efetuados ao nível das Regiões Autónomas e autarquias locais. Por outro lado, mesmo dentro da organização do Estado Central, sabemos que existem formas de maior desconcentração de poderes, para institutos públicos ou empresas públicas, por exemplo. Todavia, muitas delas continuam altamente dependentes do Estado para a realização das respetivas atribuições ou dos respetivos fins estatutários, já que não dispõem das receitas em quantidade tal que dispensem uma fortíssima intervenção do Estado. Ora, sendo Portugal um Estado centralizado, em que raras vezes, em termos históricos, se procurou gizar uma verdadeira política que procurasse descentralizar funções para entes menores, a verdade é que nem por isso as crises de natureza orçamental que, porventura, se pudessem evitar com esse modelo de centralização deixaram de ocorrer, aliás, até com inusitada frequência, de que os testemunhos de intervenções externas, a cargo do Fundo Monetário Internacional ou de outras instâncias, como é, presentemente, o caso do Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu, nos dão nota. Por isso, a presente tese tem também como escopo uma preocupação de dar um contributo, ainda que numa escala reduzida – a da autonomia tributária dos municípios –, para se repensar a forma como se encontra organizado o Estado e de que se torna absolutamente imperioso 2 - Quanto às modalidades de descentralização e diversas experiências de Direito Comparado, veja-se WATTY - Contributo para uma teoria da descentralização financeira em Moçambique. Coimbra: Almedina, 2010, em particular p. 147 a 403.
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Autonomia tributária dos municípios
caminhar-se no sentido de uma maior descentralização de funções, já que o modelo existente demonstrou à saciedade mostrar-se esgotado. Importa, pois, reforçar o princípio da subsidiariedade, isto é, pôr a decidir quem se encontra mais perto das populações, mas ao mesmo tempo reforçar uma autonomia consciente e responsável, condição sine qua non para o exercício adequado das funções públicas por parte dos eleitos ou de quem os representa. Trata-se, a nosso ver, de um exercício de aprofundamento da democracia e da responsabilização dos agentes políticos. O Estado Central está sistematicamente convencido de que ele é que sabe gerir e que descentralizar torna-se perigoso, pelos riscos de descontrolo financeiro que daí podem decorrer. Pese embora alguns maus exemplos existentes ao nível local e regional, a verdade é que o aumento exponencial dos défices orçamentais e, consequentemente, da dívida pública fica a dever-se primordialmente ao descontrolo das finanças do Estado Central. Efetivamente, no total da dívida pública expressa em percentagem do PIB, 91,27% cabem à Administração Central, enquanto a parcela respeitante às Administrações Regional e Local se queda pelos 5,20%3, o que dá bem a ideia de quão errado é pensar que os nossos problemas se situam primordialmente aos níveis infraestaduais. Por outro lado, importa reforçar os poderes autonómicos dos entes públicos menores e esse é um traço que perpassará ao longo da presente tese, o que é válido para as autarquias, em especial, para os municípios, que são o centro da nossa atenção, erigindo, neste particular, os respetivos poderes tributários, mas também para as 3 - PORTUGAL. Instituto Nacional de Estatística. Procedimento dos défices excessivos, 4º Trimestre. Lisboa: Instituto Nacional de Estatística, 2010. [Consult. 14. Fev. 2011]. Disponível em http://www. google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&ved=0CD0QFjAB&url=http%3A %2F%2Fwww.ine.pt%2Fngt_server%2Fattachfileu.jsp%3Flook_parentBoui%3D137379295%26att_ display%3Dn%26att_download%3Dy&ei=NP-5UI3yG423hAe23oGABw&usg=AFQjCNEXDcjClm bWMdLGyqs6B1SnXihxKw
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I. objecto-metodologia
Regiões Autónomas, sobre as quais nos pronunciaremos de forma naturalmente marginal. De facto, a preocupação principal que norteou a nossa investigação foi a de saber até que ponto é que uma política fiscal prosseguida ao nível local é mais eficiente e adequada do que se todo o poder tributário estiver concentrado ao nível central. Vejamos o que se quer dizer com isto. Antes de tudo, vai-se procurar responder à questão de saber se a definição das políticas fiscais, ao nível de entidades infraestaduais, como são os municípios, são definidas a que nível do Estado. Se são definidas ao nível central, mormente pelos parlamentos nacionais, que fixam e delimitam quais os impostos que tais entidades podem cobrar ou cujas receitas lhes são afetas. Em segundo lugar, se os elementos essenciais de tais impostos, a saber a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, também são fixados ao nível central – mormente pelos parlamentos – não competindo aos municípios senão um poder relativamente limitado de modelar os referidos impostos. Ou se, pelo contrário, os municípios dispõem de verdadeiros poderes tributários em sentido amplo, como sejam os de poder criar impostos de raiz ou dar corpo àqueles que a Constituição lhes atribui, fixando eles mesmos os respetivos elementos essenciais. Para tanto, as experiências brasileira, portuguesa e espanhola, com matizes muito diversificadas, em especial a primeira, irão ser preciosas para o nosso percurso cognoscitivo, certos de que a partir de ordenamentos jurídicos tão diversos poderemos enriquecer e dar resposta às questões que anteriormente deixámos expressas. Por outro lado, a nossa investigação, primordialmente centrada em aspetos de natureza jurídica e constitucional, em termos de saber até que ponto os respetivos ordenamentos jurídicos podem conceder poderes tributários aos municípios, não desconhece a problemática
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Autonomia tributária dos municípios
de natureza essencialmente financeira do federalismo fiscal e procura dar resposta à questão de saber se é mais adequado um sistema fortemente centralizado em matéria tributária ou se, pelo contrário, devemos caminhar no sentido do reforço dos poderes tributários ao nível municipal. Curaremos, ainda que de uma forma mais marginal, de procurar dar resposta à questão de quais os impostos que devem estar primordialmente afetos ao nível local. São estas, pois, as principais questões que procuraremos analisar e aprofundar no âmbito desta investigação, procurando dar resposta a quatro questões principais: a) Poderão os municípios ter poderes tributários próprios, mormente na fixação de regras de incidência, na fixação de taxas, na concessão de benefícios fiscais?; b) Deverão os municípios dispor de tais poderes tributários?; c) Quais os impostos que deverão primordialmente ficar afetos ao nível municipal? d) Quais as perspetivas futuras de evolução do nosso sistema tributário municipal? Ora, isto é tanto mais importante quanto, na nossa perspetiva, Portugal tem tido um modelo organizativo e de funcionamento do poder político e dos órgãos de soberania, cheio de erros e de omissões que em muito contribuem para a situação em matéria de finanças públicas em que nos encontramos. Urge, pois, equacionar se não devemos mudar de paradigma organizacional do Estado e, já que o não fizemos voluntariamente e enquanto era tempo, seremos porventura obrigados a fazê-lo por motivações de ordem externa. Quando defendemos um modelo mais descentralizado – visto como um modelo em que parte significativa das funções que hoje 38
I. objecto-metodologia
estão alocadas ao nível central sejam desenvolvidas ao nível infra-estadual –, estamos, naturalmente, a defender um reforço dos meios financeiros para essas entidades abaixo do Estado Central. Todavia, estamos a fazê-lo estribados numa cultura de responsabilidade democrática, como teremos oportunidade de desenvolver no final da tese, ou seja, não confundimos autonomia única e exclusivamente com o poder de gastar indiscriminadamente e depois solicitar ao nível central que cubra os prejuízos decorrentes da política seguida, como, todos o sabemos, quer ao nível regional quer mesmo ao nível local tem vindo a ocorrer. Nesta cultura de responsabilidade – e naquilo que é o cerne da nossa tese – entendemos que os poderes tributários devem ser uma componente importante e significativa da autonomia, seja dos municípios, seja das Regiões, de tal sorte que possam constituir um instrumento que permita aumentar ou diminuir a pressão fiscal sobre os cidadãos, munícipes ou residentes nas Regiões, assegurando um aumento ou uma diminuição dos gastos públicos dessas entidades, de acordo com os princípios políticos que os respetivos eleitos hajam intenção de prosseguir e sendo, ao menos em parte, julgados por essas políticas de natureza fiscal que lhes seja consentido realizar. Evidentemente, não podemos desconhecer que o Estado se rege por normas, designadamente as de natureza constitucional, que podem colocar constrangimentos ou limitações a construções de natureza puramente política ou económica. Mas há que reconhecer que essas limitações, porventura, não serão tantas e tão graves que impossibilitem dar passos seguros no avanço do reforço tributário que advogamos, como teremos oportunidade de demonstrar. Temos a consciência de que os poderes tributários serão uma parte importante, mas, por ora, não decisiva, no processo de descentralização financeira do Estado português e que, no caso dos municípios, tal poder tributário acaba por “esbarrar”, embora parcialmente, no
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Autonomia tributária dos municípios
facto de que Portugal, sendo um país tão pequeno, é profundamente assimétrico em termos espaciais, com um litoral relativamente desenvolvido e um interior profundamente desertificado e empobrecido. Ora, os instrumentos fiscais só por si não são suficientes, neste contexto, para permitir a viabilização dos municípios do interior, já que, como é sabido, onde não existam manifestações de rendimento ou de património, não há impostos ou, havendo-os, são em reduzida quantidade. Todavia, isso não invalida o estudo da problemática em apreço e a formulação de propostas neste domínio e, neste particular, o contributo das experiências estrangeiras é um valioso aspeto para a compreensão e a validação daquilo que advogamos. Importa fazer uma importante ressalva, nomeadamente a de que o desenvolvimento da presente tese se faz numa época de limitações muito fortes à soberania nacional e, consequentemente, à autonomia financeira do Estado Central, mas também das Regiões e dos municípios. Limitações essas que decorrem do programa de ajustamento financeiro a que Portugal se encontra sujeito e que, em boa medida, foi resultado de políticas financeiras erradas, levadas a cabo por todos os subsetores públicos, mas também pelas famílias e empresas, com especial realce para o setor financeiro. Ora, a aplicação do programa de ajustamento financeiro implica uma acentuada quebra, como se disse, da soberania nacional, em particular da autonomia orçamental e financeira para todos os diferentes níveis ou esferas de poder. Esperamos que se trate de uma fase meramente transitória e que, dentro de um período de tempo que não seja excessivamente alargado, a situação volte à normalidade, reconhecendo, embora, que a inserção num espaço económico como a União Europeia, e em particular na zona euro, implique mecanismos de controlo supranacionais que irão perdurar no tempo, mas que são compagináveis com uma soberania e uma autonomia razoáveis, sobretudo porque tais limitações resultam de uma adesão voluntária e não são resultantes de uma imposição dos credores. 40
I. objecto-metodologia
Dito isto, o que queremos expressar é que a nossa tese deve ser vista numa ótica de normalidade das relações institucionais e financeiras entre os diferentes níveis de administração do Estado e não à luz da situação de exceção ou de estado de sítio financeiro em que nos encontramos, que esperamos venha a ser superado, sob pena de o Estado democrático de Direito acabar por ser posto definitivamente em crise, o que fazemos votos para que não suceda. 2. METODOLOGIA SEGUIDA. A ESTRUTURA A nossa tese desenvolve-se ao longo de seis capítulos. Após este breve capítulo introdutório, em que se aborda a metodologia e se descrevem os passos subsequentes da nossa investigação, iremos abordar, no segundo capítulo, um conjunto de conceitos que pensamos importante para melhor situar toda esta problemática. Em consequência, iremos estudar o conceito de autonomia financeira, em particular na esfera dos municípios, como é óbvio, passando, seguidamente, aos conceitos mais restritos de autonomia tributária e fiscal. Fá-lo-emos tendo em atenção primordialmente a nossa doutrina, mas também efetuaremos referência à espanhola ou à brasileira, bem como aos principais normativos das Constituições respetivas. No terceiro capítulo, procuraremos efetuar uma análise comparada dos sistemas jurídicos brasileiro e espanhol, principiando por caracterizar os respetivos modelos de Estado e analisá-los à luz da respetiva evolução histórica, no primeiro caso, o do Brasil, de um Estado federal, e no do segundo, a Espanha, que é um Estado profundamente descentralizado, mas possuidor de um modelo assaz específico, a meio caminho entre um Estado regional e um Estado federal. Além disso, procuraremos dar uma ideia do peso relativo da distribuição das receitas fiscais entre as diversas esferas de poder nesses Estados, posto o que analisaremos a autonomia dos municípios à luz das respetivas Constituições, o que nos permitirá verificar que há 41
Vasco Valdez
VASCO VALDEZ
AUTONOMIA TRIBUTÁRIA dos MUNICÍPIOS
VASCO JORGE VALDEZ FERREIRA MATIAS Nascido em Lisboa, em 28.09.1953. Licenciado, Mestre e Doutor em Direito pela
- poderão os municípios dispor de poderes tributários próprios, mormente na fixação das regras de incidência, na fixação das taxas, na concessão dos benefícios fiscais dos impostos que lhes pertencem? - deverão os municípios dispor de tais poderes tributários? - quais os impostos de que os municípios devem dispor? - quais as perspetivas de evolução do nosso sistema tributário municipal? Pretende-se com o presente trabalho dar resposta a estas quatro questões, sobretudo numa perspetiva que diga respeito ao poder municipal em Portugal, mas não descurando outras experiências de Direito Comparado, em particular as do Brasil e da Espanha, bem como as reflexões que uma parte significativa da doutrina portuguesa e estrangeira têm dedicado a esta temática.
AUTONOMIA TRIBUTÁRIA dos MUNICÍPIOS
A presente obra pretende dar resposta a quatro questões cruciais no domínio da autonomia do Poder Local, em particular na esfera municipal e que são:
AUTONOMIA TRIBUTÁRIA dos MUNICÍPIOS UMA PROPOSTA PARA PORTUGAL À LUZ DAS EXPERIÊNCIAS BRASILEIRA E ESPANHOLA
Faculdade de Direito de Lisboa e pela universidade Autónoma de Lisboa (doutoramento), anos de 1977, 1986 e 2013 respetivamente. Advogado inscrito na Ordem. Árbitro no CAAD (arbitragem tributária). Vogal do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Professor Coordenador do ISCAL, responsável pela lecionação de diversas disciplinas na área do Direito Fiscal e Fiscalidade. Antigo Subsecretário de Estado e posteriormente Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no período de 1991 a 1995 e de 2002 a 2004, tendo sido sob a sua responsabilidade
Prefácio por
Professor Doutor Diogo Leite de Campos
política imediata que se realizou a Reforma da Tributação do Património. Autor de diversos estudos e obras sobre fiscalidade e finanças públicas, designadamente “A contribuição autárquica e a reforma da tributação do património”, “Sistemas fiscais das autarquias”, “Contributo para o estudo das finanças municipais em Portugal” e “Autonomia Tributária dos Municípios” (tese de douto-
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www.vidaeconomica.pt ISBN: 978-972-788-905-1 Visite-nos em livraria.vidaeconomica.pt
9 789727 889051
ramento). Docente em vários cursos de pós-graduação e mestrado, designadamente na Faculdade de Direito de Lisboa e no Instituto Superior de Economia e Gestão.