C&E n25

Page 1

CONTABILIDADE & EMPRESAS JANEIRO E FEVEREIRO 2014 | N.º 25 | 2ª SÉRIE

ENTREVISTA • A reforma do IRC vai ter um impacto positivo nas empresas portuguesas, considera Tiago Veloso, da Baker Tilly CONTABILIDADE • CNC apresenta linhas orientadoras para sistema de normalização contabilística • Harmonização da contabilidade europeia é inevitável • Europa terá novo modelo de contabilização das contas nacionais FISCALIDADE • União Europeia quer evitar mais situações de dupla tributação • Maioria das empresas paga apenas o IRC estatutário • Novas regras levam a agravamento das taxas de IRS


Editorial

Guilherme Osswald guilhermeosswald@vidaeconomica.pt

O buraco da agulha Enfiar a linha no buraco da agulha revela-se uma tarefa sempre difícil. Obriga a mão firme e visão em excelentes condições. Quando não se consegue realizar a tarefa, pede-se a alguém mais apto para o fazer. Precisamente o que deve acontecer nas áreas fiscal e até contabilística. Também não é intelectualmente honesto dizer que se enfiou a linha quando esta passou ao lado. Importa ter em conta os factos mais recentes. Desde logo, o que se tem passado ao nível fiscal. Não têm faltado os arautos a anunciarem aos quatro ventos que a austeridade fiscal está a chegar ao seu termo, basta esperar pela saída da tão famigerada “troika” – que importa notar veio para cá a “convite” do Governo português e proporcionou as necessárias verbas para sustentar as contas públicas –, quando é sabido que não é uma intenção isenta de oportunismo político. É um facto que o défice orçamental foi reduzido, mas sobretudo através do pesadelo da carga fiscal e não de um controlo efetivo da despesa pública. O Governo optou pelo caminho mais imediato e mais simples, aumentar a carga fiscal sobre os contribuintes cumpridores. Com uma agravante não isenta de falta de moral, o ataque aconteceu sobre os mais desprotegidos. Se se tiver em conta o contexto europeu, as coisas não são mais animadoras. É verdade que a Comissão Europeia tem tentado mudar o panorama fiscal e tornar as regras mais rígidas e menos benéficas para os privilegiados do costume. Apesar das boas intenções, a realidade é que os resultados são praticamente nulos. O exemplo paradigmático é o que sucede ao nível da taxa sobre as transferências financeiras. Os “lobbies” não se fizeram esperar e a proposta não passou disso mesmo, de uma proposta. Ou seja, Bruxelas vai recuar e muito pouco mudará. Os interesses de alguns acabam por ser superiores ao bem-estar de muitos e sobretudo à equidade fiscal. Quanto à contabilidade, continuam os problemas. É evidente que não existe uma estratégia claramente definida nesta área. É verdade que surgem alguns resultados, mas são sempre de carácter pontual e nitidamente numa ótica de “navegação à vista”. Os serviços de Finanças estão em rutura e os profissionais da contabilidade têm cada vez mais dificuldades em encontrarem soluções junto dos trabalhadores dos impostos. Como se não bastasse, só a administração fiscal é que parece não notar que o sistema informático está obsoleto e pouco eficaz. Os incumpridores conseguem, de uma maneira geral, superar em evolução a máquina do fisco. É altura de reexaminar todo o edifício contabilístico e fiscal.

CONTABILIDADE & Empresas | JAN/FEV 2014 | nº 25 - 2ª série

3


Sumário Entrevista A reforma do IRC vai ter um impacto positivo nas empresas portuguesas.........................5 Jan/fev 2014 | nº 25 - 2ª série

Opinião

Propriedade Vida Económica - Editorial S. A.

Contabilidade

EDITOR Guilherme Osswald COLABORADORES Abílio Marques Agostinho Manuel dos Santos Costa Ana Ribeiro Bruno José Machado de Almeida Catarina Fernandes Cristina Costa Pinto Gonçalo Rodrigues Brás Guilherme Osswald José Alberto Pinheiro Pinto José Joaquim Marques de Almeida Manuel Liberal Maria José Fernandes Mário da Cunha Guimarães Miguel Pimentel Patrícia Ramos Paulino Silva Paulo Moura Castro Rui Almeida Rui Bertuzi da Silva Sílvia Moura Tomás Pessanha

O conteúdo dos artigos é da exclusiva responsabilidade dos autores PAGINAÇÃO José Barbosa REDAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO R. Gonçalo Cristóvão, 14 2º Esq. 4000-263 Porto Telef.: 223 399 400 Fax: 222 058 098 E-mail: geve@vidaeconomica.pt DELEGAÇÃO EM LISBOA Av. Fontes Pereira de Melo, nº 6 1069-106 Lisboa Telef.: 217 937 747 Fax: 217 937 748 IMPRESSÃO Uniarte Gráfica - Porto Registo nº 108640 no ICS Depósito Legal - 366696/13 Assinatura anual: 64 euros Janeiro/Fevereiro 2014 – Este suplemento faz parte integrante da Vida Económica nº 1529, de 21.02.2014

4

Quais os objetivos da sua organização?..............................................................................8

CNC apresenta linhas orientadoras para sistema de normalização contabilística.............12 Harmonização contabilística europeia é inevitável..........................................................13 Europa terá novo modelo de contabilização das contas nacionais....................................14

Fiscalidade Reforma do IRS implica maior envolvimento do Partido Socialista................................16 Parlamento Europeu aceita proposta de criação de gabinete de Procuradoria Pública......17 Portas admite descida no IRS no próximo ano................................................................18 Troca de informação em sede de IVA chega à Rússia e à Noruega...................................19 União Europeia quer evitar situações de dupla tributação...............................................20 Maioria das empresas paga apenas o IRC estatutário.......................................................21 Novas regras levam a agravamento das taxas de IRS........................................................22 Reforma do IRC não vai captar potencial investimento..................................................25 Bruxelas investiga se mobilidade laboral está sujeita a discriminação fiscal......................26 Dívida pública portuguesa foi a que mais desceu na UE.................................................27 Bruxelas leva Portugal a tribunal por questões fiscais.......................................................28 Estado encaixa mais 13% em receita fiscal......................................................................29 Reforma da “fiscalidade verde” pode reduzir dependência energética..............................30 Controlo da despesa e receitas fiscais permitiram cumprir Programa de Ajustamento.....31 CES chega a mais de 500 mil pensionistas......................................................................32

Setotres Taxa sobre as transações financeiras corre risco de não ser implementada........................33 “Pior que o défice orçamental é o défice de competitividade das empresas”.....................34 Reforma da auditoria da UE conta com novo pacote legislativo......................................35 RFF questiona constitucionalidade das taxas parafiscais no setor segurador.....................36 Bruxelas reforça legislação aduaneira sobre direito de propriedade inteletual...................37 Alterações legislativas pretendem reduzir custos nas energias renováveis..........................38 Banco de Portugal aperta regras na prevenção do branqueamento de capitais..................39 Setor público empresarial passa a contar com unidade técnica de acompanhamento.......40 Concorrência fiscal justa é crucial para a sustentabilidade orçamental......................... 41

Associativismo STI volta a avisar para a falta de recursos humanos nas Finanças.....................................42 Redução do investimento público faz com que se desperdicem fundos comunitários......43

Notícias e informações Bruxelas dá luz verde a programa contra a fraude e a corrupção......................................45 Cobrança coerciva de impostos bate valor recorde..........................................................45 Sociedade não valoriza a contabilidade...........................................................................46 Efeitos fiscais da classificação de uma locação como financeira ou operacional................46 Faturação em matéria de IVA suscita dúvidas..................................................................47 Bruxelas prepara proposta de normas contabilísticas no setor público.............................47 Impostos especiais de consumo contam com novas regras...............................................48 Europa renova financiamento do processo de harmonização contabilística......................48 Reforma do IRC tem forte impacto no conceito de transparência fiscal..........................49 Auditores em nome individual podem ser registados na CMVM....................................49

livros Inovação para a mudança...............................................................................................50 Euro é igual a neoliberalismo mais socialismo.................................................................50 Árvores de decisão nos projetos de investimento.............................................................50

CONTABILIDADE & Empresas | JAN/FEV 2014 | nº 25 - 2ª série


Entrevista

Tiago Almeida Veloso, da Baker Tilly, está otimista

A reforma do IRC vai ter um impacto positivo nas empresas portuguesas As medidas previstas na reforma do IRC vão afetar positivamente as empresas portuguesas, independentemente da sua dimensão. Ainda assim, é natural que as grandes empresas e os grupos de empresas consigam retirar benefícios mais expressivos da nova legislação, face às pequenas e médias empresas. Se tudo correr como previsto, as empresas nacionais poderão tornar-se das mais competitivas de toda a Europa, na perspetiva de Tiago Almeida Veloso, “partner” da Baker Tilly. O Governo terá responsabilidades acrescidas em todo este processo, bem como todos os responsáveis políticos. Contabilidade & Empresas – Como carateriza, em termos gerais, a reforma de IRC apresentada pelo Governo? Tiago Almeida Veloso – A médio prazo, a taxa de IRC pode vir a descer até 17%, dependendo da evolução da situação económica e financeira do país. Se à redução da taxa nominal de IRC se acrescentar a intenção de eliminar as derramas municipal e estadual, as empresas portuguesas ficarão sujeitas a uma das taxas mais competitivas de imposto sobre os lucros no contexto europeu. No espaço de cinco anos, a taxa nominal agregada pode baixar de 31,5% para 17%. Foi também reintroduzido um escalão de IRC com taxa reduzida. Esta será de 17% sobre os primeiros 15 mil euros de matéria coletável. Esta medida visa beneficiar as pequenas empresas,

Se tudo acontecer como o previsto, é muito possível que, a nível fiscal, as empresas nacionais se tornem das mais competitivas da União Europeia, na perspetiva de Tiago Almeida Veloso.

significando, na prática, que, se a matéria coletável de uma empresa se fixar dentro daquele escalão, a respetiva taxa efetiva de IRC será de 17% (mais derrama municipal), antecipando-se para essas empresas a redução das taxas nominais daquele imposto, que apenas se verificará no longo prazo para as restantes empresas. Em termos absolutos, a criação deste escalão reduzido de IRC permitirá poupar menos de mil euros. Ainda assim, a reforma poderá significar uma redução substancial do IRC a pagar pelas PME. C&E – E quanto às empresas de maiores dimensões, o que se vai passar?

TAV – A criação de uma nova taxa da derrama estadual de 7% e o alargamento dos respetivos escalões irão compensar, no curto prazo, a descida da taxa nominal do IRC. No curto prazo – analisando exclusivamente as taxas nominais –, da reforma poderá não decorrer a redução do IRC a pagar por essas empresas. Contudo, numa visão integrada da reforma, e considerando os regimes fiscais vantajosos que serão introduzidos, as grandes empresas e os grupos poderão melhorar a sua eficiência fiscal. Não terão, por exemplo, necessidade de adotar estruturas societárias complexas ou geograficamente dispersas, com o propósito de maximizar a eficiência fiscal das

CONTABILIDADE & Empresas | JAN/FEV 2014 | nº 25 - 2ª série

5


Entrevista

suas operações, podendo obter uma redução direta dos custos associados a essas estruturas. C&E – Significa que serão introduzidos sistemas fiscais vantajosos… TAV – Destaco o regime de “participation exemption”, em linha com os regimes fiscais europeus mais vantajosos nesta matéria. Só se condena o facto de se ter duplicado (de 12 para 24 meses) o prazo mínimo de detenção das participações sociais para aceder ao regime, antes da publicação da lei que introduziu a reforma. Neste contexto, assistimos à oportunidade de os grupos poderem promover a simplificação das suas estruturas societárias, considerando que a isenção nas mais-valias na alienação de participações sociais será alargada a qualquer sociedade comercial, mesmo sem a forma jurídica de SGPS. Por outro lado, o alargamento do regime da eliminação da dupla tributação dos dividendos recebidos de subsidiárias situadas noutros estados, para além daquelas localizadas na UE, permitirá também, em certa medida, a simplificação das estruturas societárias dos grupos portugueses. Esta medida pode ter um impacto expressivo no financiamento da economia, através do repatriamento de lucros gerados no estrangeiro. C&E – Mas o repatriamento dos lucros implica uma maior intervenção do Estado? TAV – Competirá ao Estado português a difícil tarefa de promover a renegociação dos acordos de dupla tributação com aqueles estados onde o investimento nacional é mais relevante, com o propósito de os mesmos preverem taxas de re-

6

tenção na fonte mais competitivas sobre a repatriação dos lucros. Com a reforma elimina-se o imposto em Portugal, porém, na maioria dos casos, sofrem-se retenções na fonte de imposto no país de origem dos dividendos. Essas taxas de retenção na fonte são reduzidas ao abrigo dos acordos, mas Portugal nunca foi muito agressivo na negociação desses acordos, pelo que se estabeleceram taxas de retenção sobre dividendos elevadas. Compreende-se esta situação porque o nosso país sempre negociou os acordos numa perspetiva de salvaguardar a sua base tributária, relativamente aos rendimentos cá obtidos por entidades não residentes. Com a crescente presença das empresas portuguesas no estrangeiro, Portugal deve negociar com os estados taxas de retenção na fonte de imposto reduzidas ou mesmo isenções de imposto.

Patentes e direitos de propriedade industrial C&E – Que está previsto em sede das patentes e direitos de propriedade industrial? TAV – O novo regime fiscal das patentes e dos direitos de propriedade industrial permitirá que os mesmos se mantenham no nosso país, gerando cá o respetivo rendimento, ao contrário do que se verificava, com a criação no estrangeiro de sociedades especialmente vocacionadas para a detenção e gestão deste tipo de ativos dentro dos grupos. A medida é complementada pelo alargamento da dedutibilidade da amortização fiscal de determinados ativos intangíveis. Esta medida também pode favorecer a entrada em Portugal de rendimentos gerados no estrangeiro, podendo ter um impacto muito positivo no fi-

nanciamento da economia nacional. No sentido inverso, o alargamento da isenção de retenção na fonte de IRC sobre os lucros pagos a investidores estrangeiros pelas empresas portuguesas pode potenciar o investimento estrangeiro na economia nacional, eliminando-se um entrave à remuneração do investidor. C&E – A tributação autónoma, pelo contrário, terá um impacto negativo, no âmbito da reforma? TAV – A efetiva redução do imposto a pagar pelas empresas portuguesas será condicionada por um aumento significativo da tributação autónoma. A descida da taxa do IRC é contraposta com a subida radical das taxas de tributação autónoma sobre viaturas ligeiras de passageiros que, nos veículos com um valor de aquisição igual ou superior a 35 mil euros, pode ascender a 45%. Há cinco anos, a taxa normal da tributação autónoma que incidia sobre as despesas com viaturas era de 5%. Esta medida só pode ser compreendida num cenário em que as autoridades fiscais se desresponsabilizam pela fiscalização das empresas. Esta seria uma reação à utilização generalizada para efeitos pessoais das viaturas das empresas pelos trabalhadores, enquanto complemento remuneratório. Acontece que o CIRS já estabelece há mais de uma década regras precisas sobre a tributação desses complementos remuneratórios, que não foram objeto de alteração com esta reforma do IRC ou com o OE. Se as viaturas em questão são, de facto, utilizadas na esfera pessoal dos trabalhadores ou sócios/acionistas, já existiam mecanismos legais ao dispor das autoridades fiscais para tributar essa utilização.

CONTABILIDADE & Empresas | JAN/FEV 2014 | nº 25 - 2ª série


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.