Dalila Pinto de Almeida
ERA UMA VEZ UM
TALENTO Uma história real sobre o que fazer para reter as melhores pessoas numa organização.
“Para a Ana S.”
AGRADECIMENTOS À Editora Vida Económica pelo interesse que manifestou pela história da Ana S. Ao José luís Cavalheiro pelo empenho em que este livro fosse publicado. À minha equipa Mastermind pelo incentivo que me deram. Ao Manuel Falcão por me ouvir.
ÍNDICE
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Prefácio
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Prólogo
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CAPÍTULO I. Porque é que Ana S. é um talento?
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1. Como encontraram a Ana S. e como detetamos o talento
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2. De que é que estava à procura quem contratou Ana S. – – que procuramos quando buscamos talento?
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CAPÍTULO II. O que fazemos quando encontramos talento? 1. A Ana S. fugiu – Como deixamos fugir o talento? CAPÍTULO III. Como atrair mais Ana S.?
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1. O marketing do recrutamento
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2. O percurso de Ana S. enquanto candidata
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3. A experiência de Ana S. como candidata
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CAPÍTULO IV. Ana S., por favor, fica! – Como reter talento?
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1. A integração e o acolhimento de Ana S.
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2. Os trabalhos de Ana S.
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3. O desenvolvimento de Ana S.
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4. O início da mudança de Ana S.
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Epílogo
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Referências bibliográficas & Fontes de inspiração
"Herat estava cheio de homens eruditos e incomparáveis. Fosse qual fosse o trabalho a que se entregassem, apontavam e aspiravam a alcançar a perfeição." Robert Byron, A estrada para Oxiana
PREFÁCIO Este livro aborda um dos temas mais desafiantes e apaixonantes da nossa era – o talento –, personificado na história de vida da Ana S. A abordagem é curiosa e muito rica, permitindo ser interpretada por vários ângulos. Por um lado, podemos ler esta história pela perspetiva da gestão de talento, de como atrair, motivar e reter os melhores recursos nas organizações. Para isso, é importante analisar as várias políticas de RH, culturas de empresa, decisões que são tomadas e afetam os colaboradores e, neste caso, a Ana S.. Porém, existe uma outra perspetiva: a da gestão de carreiras. Nesta, é interessante observar como a Ana S. foi procurando tomar as melhores decisões perante as várias escolhas com que se deparou, de como reagiu às múltiplas culturas onde trabalhou, de como geriu a sua vida pessoal e profissional, de como procurou ter sucesso num mundo em constante mudança. Estas são muitas das dúvidas que vamos tendo ao longo da nossa vida, e que, acredito, poderão ser superadas com a ajuda deste testemunho verídico. Esta é uma história que nos faz pensar e que nos questiona sobre qual a melhor estratégia para gerirmos o talento, numa
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era onde precisamos de criar culturas de confiança nas nossas organizações, culturas onde as pessoas possam arriscar e ter autonomia para desenvolverem o seu potencial. É uma história que desafia a crença de que apenas as grandes empresas conseguem atrair e reter o melhor talento. Cada empresa é única, e deve identificar os seus fatores diferenciadores que lhe permitam criar a melhor proposta de valor para competir na atração do talento. Este é um trabalho diário, em que tanto os responsáveis de RH como os do negócio devem investir para lidarem com a diversidade, bem como com os fatores externos que afetam as suas organizações. Por outro lado, esta mudança vertiginosa não ocorre apenas fora das mesmas. A tecnologia veio questionar o modo como se trabalha, como se relaciona e como se gere o talento, permitindo elevar ao máximo a eficiência e a produtividade e lidar com uma globalização que atrai talento de todo o mundo mas que também coloca o mundo disponível para os talentos portugueses. Como gestores, somos, cada vez mais, confrontados com a necessidade de olhar para os nossos recursos humanos de forma diferente, personalizada, como seres individuais que são, com as suas motivações, necessidades, características, aspirações e preocupações. O talento hoje move-se por propósitos e muito rapidamente. Ou seja, a realidade de um “emprego para a vida” das gerações anteriores já não existe. Por outro lado, temos de estar atentos, diariamente, ao termómetro da motivação e da cultura, para conseguirmos reter os melhores talentos e para conseguirmos que estes sejam verdadeiros embaixadores apaixonados das nossas empresas. Atentando na outra abordagem deste livro, a gestão da carreira, encontramos muitas dúvidas e muitas decisões para as quais procuramos a resposta certa. Temos de acreditar que não há apenas um caminho, mas muitas possibilidades, consoante
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as várias fases da nossa vida, as nossas capacidades, as nossas motivações. E temos de acreditar que é possível conciliar uma carreira ativa com uma vida pessoal feliz e que nos preenche. Também a este nível, precisamos de nos desafiar constantemente a ser os melhores, a encontrar uma empresa alinhada com os nossos valores, aspirações e onde consigamos realizar e desenvolver-nos. Estes são apenas alguns dos muitos temas que são desenvolvidos neste livro e que certamente deixarão os leitores a pensar, quer nas suas decisões de carreira, quer nas suas decisões como gestores. Finalmente, gostava de deixar uma palavra de agradecimento à Dalila, pela inspiração que é, por destruir o mito de que apenas existe reinvenção no início da carreira. A Dalila teve a coragem de se questionar em vários momentos da sua vida e de acordar o seu espírito empreendedor numa idade onde grande parte das pessoas duvida das suas capacidades e valor. Prova, assim, que a energia, paixão e persistência são fatores críticos de sucesso ao longo de toda a nossa vida. Sofia Tenreiro Diretora-Geral da Cisco Portugal
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PRÓLOGO
De que falamos quando falamos de talento? Até há pouco tempo, falar de talento era falar de artistas, de pessoas rotuladas como criativas. Artistas plásticos, escritores, músicos, publicitários são profissionais aos quais estamos habituados a reconhecer, ou não, talento. Nos últimos anos, a palavra "talento" entrou em força no léxico das empresas. Deixou de falar-se de colaboradores e passou a falar-se de talentos. Os Departamentos ou as Direções de Recursos Humanos alteraram as suas designações ou passaram a integrar áreas de Desenvolvimento ou de Gestão de Talentos. As empresas começaram a divulgar a sua intenção de contratar X novos talentos e não a procurar colaboradores. A era dos empregados ou dos trabalhadores, designações anteriores, é jurássica. Depois de anos de emagrecimento das empresas, com origem quer no sobredimensionamento, que é cada vez mais visível com a evolução tecnológica, quer na grave crise económica
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mundial a que assistimos, muitas deram-se conta de que, para além de gordura, perderam músculo. E de repente, ou porque a economia parece recuperar, ou porque se sentem obrigadas a integrar novas pessoas ou a manterem as que já têm, para que elas próprias possam renovar-se perante um mundo que já não é o que era, as empresas perceberam que têm de ter capacidade para atrair e reter os melhores profissionais. Se houve uma época, mais ou menos recente, em que a maioria dos que tinham emprego mostrava uma atitude prudente quanto a uma decisão de saída da posição que ocupava – e também porque a oferta era escassa –, quando uma maior abertura do mercado foi visível, as pessoas começaram a ficar mais disponíveis para uma mudança. Para além de que o nosso país assistiu, nos últimos anos, ao fenómeno da emigração de quadros, de licenciados com experiência e até de recém-licenciados. Se alguns o fizeram voluntariamente, porque consideram o mundo a sua casa, outros a tal foram obrigados e nem todos serão talentos. Uma coisa é certa: as condições de trabalho que encontram lá fora são, na maioria das vezes, muito competitivas em relação a Portugal e grande parte desses emigrantes tardarão em regressar, se alguma vez o fizerem. Se juntarmos a isto uma nova geração sempre insatisfeita e adepta da novidade, com poucas preocupações de fidelidade à organização em que se encontrem, temos um terreno fértil para uma guerra pelos melhores. Uma guerra que é global, com desvantagem para Portugal que sofre com a sua própria dimensão e que, segundo um estudo da OCDE divulgado no início de 2016, surge no fim da lista dos 34 melhores países para se trabalhar, ocupando o 4º lugar. Algumas empresas rapidamente perceberam que teriam de adotar novas e melhores práticas de gestão de pessoas para, pelo menos, prevenir a saída dos bons profissionais. E foi nestes que
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começaram a apostar em força. Deixou de falar-se em colaboradores, que constituem o todo da organização, para começar a falar-se de talento, que é o conjunto daqueles que, exibindo determinadas competências, não se podem perder. A máxima "as pessoas são o capital mais importante de uma organização", na qual muitas empresas nem sequer acreditavam, transformou-se em "o talento disponível é o capital mais importante de uma organização". São os bons que contam.
O impacto da digitalização da indústria Há quem lhe chame revolução, há quem lhe chame evolução. A verdade é que o mundo, hoje, tal como ontem, continua a surpreender-nos. Só que, hoje, a uma velocidade difícil de acompanhar. Para o presidente do Fórum Económico Mundial, o impacto da velocidade a que se produzem alterações por via da digitalização é tão admirável, no quanto pode melhorar as nossas vidas, como assustador, a avaliar pelos estudos existentes que estimam a perda de cinco milhões de empregos nos próximos cinco anos. Por outro lado, o Mckinsey Global Institute prevê que em 2020 faltarão no mercado global 40 milhões de trabalhadores altamente qualificados e haverá 95 milhões com baixas qualificações. Os robôs estão aí e levam-nos a refletir: serão nossos inimigos ou aliados? É verdade que estão cada vez mais a fazer trabalho que era feito pelos humanos. Rui Reis, vice-presidente para a Investigação da Universidade do Minho, não tem dúvidas de que "a realidade virtual vai deixar de ser uma brincadeira para jogos de computador para ser uma coisa do dia a dia. Haverá máquinas treinadas por nós que fazem o que nós queremos". Mas essas máquinas são desenhadas pelos humanos.
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Klaus Mogensen, editor de Ciência e Tecnologia da revista Scenario, publicada pelo CIFS – Copenhagen Institute for Future Studies, coloca a questão: "Como vamos ganhar a vida no futuro?". E desenha quatro cenários: o primeiro, a que chama de novo feudalismo, no qual, à medida que um maior número de empregos desaparecem, as pessoas serão obrigadas a aceitar qualquer trabalho, por mais desqualificado que seja. A sociedade ficará cada vez mais dividida entre os poucos que se tornaram ricos, uma classe média esmagada e 80% das pessoas que terão empregos precários, sendo um segmento muito pobre da população. À semelhança da Idade Média, haverá uma pequena elite, numerosos servos e uma classe média modesta. O segundo cenário projetado é o de uma sociedade criativa, uma vez que há trabalhos como a investigação, a comunicação, a indústria do espetáculo que não são facilmente automatizados. Será uma sociedade em que as pessoas só terão para fazer o que é valorizado, isto é, o que é único e especial. Uma economia de superestrelas é o terceiro cenário, ou seja, há uma elite em cada indústria que toma conta do trabalho que existe e a quem não será difícil contratar desempregados que olham para a possibilidade de sair da pobreza. Finalmente, o último cenário desenhado por Klaus Mogensen é o da era do hobby, em que o crescimento da economia criado pela automatização não é visto como um problema e assim as pessoas não necessitarão de trabalhar. O voluntariado social será norma e muitas pessoas dedicar-se-ão a projetos criativos. Os poucos que criam riqueza e que conseguem grandes fortunas irão assegurar que todos ganham com o desenvolvimento. Embora pareçam cenários de ficção científica ou utópicos, sobretudo o último, há algo de comum em todos eles e a que já estamos a assistir: não haverá trabalho para todas as pessoas, haverá cada vez mais elites e cada vez mais pobres e destacar-se-ão os que conseguirem produzir riqueza por via da automação.
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Porque é que o desemprego de longa duração, em Portugal, segundo a Pordata, cresceu de 58% do total de desempregados, em 1986, para 64%, em 2015? Parece estar provado que, para além de uma população cada vez mais envelhecida, as competências existentes estão desajustadas em relação às que o mercado de trabalho atual precisa. Luciano Floridi, filósofo da informação, afirma que, hoje, "a curva da inteligência é a mesma de sempre: há n pessoas estúpidas, n pessoas mais ou menos e n pessoas que são génios. Na revolução industrial as pessoas passaram dos campos para as cidades porque os trabalhos continuavam a ser simples. Agora, a tecnologia está a elevar a fasquia e a exigir cada vez mais competências". Quer isto dizer que aqueles que tiverem ou ganharem as competências exigidas por um mundo transformado pela tecnologia, que está a alterar a forma como e onde trabalhamos, serão potenciais talentos. Como refere Martin Ford, empresário de Silicon Valley e especialista em design de computadores e desenvolvimento de software, "mesmo se tentássemos travar o futuro, não conseguiríamos, o que precisamos é de nos adaptar".
O impacto da globalização A globalização abre as portas a novos mercados e a novas pessoas. A emigração dos nossos quadros permite-lhes o acesso a diferentes maneiras de trabalhar e a diferentes estilos de gestão. Mas também ao reconhecimento que muitas vezes não obtêm no nosso País, sendo considerados pelo seu empenho, pela sua capacidade de adaptação e pela facilidade de comunicação numa língua diferente. O mesmo acontece com a imigração: aqueles que recebemos em Portugal também trazem novas formas de pensar e de trabalhar.
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As previsões demográficas dizem-nos que, em 2020, a população conjunta da Índia e da China será de 2800 milhões e de 3000 milhões em 2050. Lynda Gratton, autora do livro "The Shift – The Future of Work is Already Here", acredita que esses países estão a tornar-se chave como plataforma de talentos a nível mundial. Cada vez mais empresas irão procurar aí os seus engenheiros e cientistas, refere. Este acesso facilitado a outras realidades tende a aumentar a exigência face ao ambiente e às oportunidades de trabalho. Os melhores vão querer empresas atentas à inovação. Muitos deles vão querer criar o seu próprio negócio. Há alguns anos, era frequente, ao entrevistar jovens, ouvir que, após um período mais ou menos prolongado, a ganhar experiência por conta de outrem, a vontade era a de ter o seu próprio negócio. Hoje, as startups criadas à saída das universidades são cada vez em maior número. Na primeira WebSummit, que decorreu em Lisboa em 2016 e onde marcaram presença 66 startups nacionais, 35 delas estiveram debaixo do olho dos investidores. Por outro lado, segundo um relatório da McKinsey publicado em 2016, o trabalho independente está a crescer, quer nos Estados Unidos quer na União Europeia, estimando-se que, nesta última, 20 a 30% da força de trabalho, ou seja, 60 a 94 milhões, são trabalhadores independentes. Precisamente por causa dos avanços tecnológicos, que levam ao desaparecimento dos trabalhos mecânicos e rotineiros, os melhores vão querer trabalhos com significado, com um propósito, e vão querer o acesso a oportunidades de desenvolvimento que lhes permitam acompanhar a rápida evolução do mundo. A competição pelo talento, a nível global, vai crescer cada vez mais e as políticas de recursos humanos ou de gestão de talentos nas organizações têm de estar orientadas quer para atrair quer para reter os melhores, sob pena de ficarem para trás.
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O que vai encontrar neste livro A história de Ana S., um talento! A minha prática, desde há mais de duas décadas, nas áreas do recrutamento especializado, do assessment de competências e do coaching individual e de equipas, levou-me a refletir sobre a gestão do talento nas organizações. Porque é que se fala tanto de talento? Será que as metodologias da gestão de talentos estão a surtir efeito, isto é, estão as organizações a conseguir fixar o talento? E sobretudo como é que, depois de tanto se apregoarem as melhores práticas na gestão do talento, ainda há empresas que o perdem? Então, decidi contar a história de um talento e do seu percurso profissional, colocando um conjunto de questões que pretendem sistematizar aquilo que penso que é importante termos em conta quando abordamos o tema, não tendo a veleidade de apresentar este livro como um manual de gestão de talentos. Cada capítulo é, assim, uma pergunta a que tento responder, mais uma vez, baseada na minha prática e nas leituras que tenho feito acerca do assunto. O primeiro capítulo tenta chegar à difícil (na minha opinião) definição de talento e ao que procuram as organizações quando buscam talento. O que acontece quando encontramos talento e como o podemos deixar fugir é o que pode encontrar no segundo capítulo. E, finalmente, como atrair talento e como reter talento fazem parte do terceiro e quarto capítulos. Espero poder contribuir para uma reflexão a partir da qual surjam novas perguntas e que permita, a quem gere pessoas, estar cada vez mais alerta para as mudanças que estão sempre a acontecer e que condicionam a vida das empresas. Porque as pessoas são o negócio.
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CAPÍTULO I PORQUE É QUE A ANA S. É UM TALENTO? "...Os talentos do pai como compositor e os da filha como pintora poderiam tê-los erguido a grandes alturas. Faltava-lhes a força da ambição e da entrega absoluta à arte..." Colm Tóibín, O Mestre
Desde criança, Ana S. sempre foi irrequieta e inquieta, porém adorável. Cantava, dançava, tocava guitarra, tinha jeito para trabalhos manuais, conseguindo que o objeto mais banal tivesse uma funcionalidade diferente da que lhe tinha dado origem. E estava sempre pronta a defender o irmão mais novo de eventuais ameaças. Era popular no seu grupo de amigas da adolescência, que conseguiu manter até hoje. Gostava de organizar e produzir as festas ou as viagens que faziam juntas. Faladora e alegre, "enchia uma sala". Sempre foi impaciente e fazia todos os esforços para que tudo corresse como planeado por si. Na hora de escolher um curso universitário decidiu-se pela licenciatura em comunicação social e cedo percebeu que
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tinha feito a escolha errada: na altura duvidou se o desinteresse teria sido provocado pelo funcionamento da escola, ou se teria falta de vocação. Decidiu então estudar marketing e publicidade e hoje sabe que fez a escolha certa. Ainda antes de obter a licenciatura e consciente de que a sua era é a do digital, tomou a decisão de complementar o currículo do curso e foi para a London School of Economics and Political Sciences onde obteve nota A com uma tese na área do digital. Pelo caminho também deu explicações para dispensar mesadas. Mal terminou o curso, com a economia a viver o auge da crise, conseguiu um estágio remunerado numa empresa de consultoria de marketing. Sabia muito bem o que queria para o seu futuro e estar no outro lado, ou seja, com o cliente, era uma das certezas que tinha. Criar o seu próprio negócio também estava no horizonte. Talvez na área da moda, onde gostaria de experimentar criar peças que se renovassem elas próprias, tornando-se intemporais. Mas era claro para si que precisava de aprender, o que incluía saber como movimentar-se numa organização de trabalho. Tinha que agarrar a oportunidade. Soube dosear a impaciência e esperar, entrando para os quadros da empresa antes de terminar um ano de estágio. Foi então atraída por uma empresa de publicidade e decidiu aceitar continuar do lado do prestador de serviços. Trabalhou com grandes marcas, geriu pela primeira vez equipas e orçamentos e viajou com frequência para geografias pouco confortáveis. Foi dirigida por pessoas diferentes e viu algumas serem despedidas. Teve o primeiro filho e com ele a ideia do negócio próprio voltou a desinquietá-la. Queria viver a maternidade sem deixar de trabalhar, com equilíbrio. Aconselhou-se e tomou consciência de que a sua ambição e os seus objetivos exigiam mais do que um negócio que demoraria a ter escala.
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Retomou o seu caminho e a ideia de se desenvolver do lado do cliente. Fez o trabalho de casa e identificou as empresas onde gostaria de vir a trabalhar. Foi contratada por uma multinacional de produtos de grande consumo, uma das melhores e uma das que escolheu. Ficou feliz e envolvida no projeto: com muitas horas de trabalho, que incluíram noites, fins de semana, muitas viagens e poucos recursos, Ana S. aumentou o volume das vendas dos produtos que geria, desenvolveu pessoas e consolidou a sua experiência. As avaliações que lhe foram feitas classificaram-na como excelente mas sem contrapartidas materiais. Esta circunstância, aliada ao desejo que sempre teve de experimentar um lugar fora de Portugal, fez com que apresentasse uma candidatura a uma organização internacional. Foi aceite e participou num processo de seleção no qual ficou muito bem posicionada, embora não tivesse sido a candidata escolhida. A experiência que este processo de recrutamento lhe proporcionou, por si só, deixou-a feliz. Uns meses mais tarde, soube que o segundo filho estava a caminho. Entretanto e por uma série de circunstâncias familiares, não mudou de país, mas sim de cidade. Em cerca de dois meses, Ana S. tratou de toda a logística inerente a essa mudança: procurar casa, escola para os filhos, ajudas domésticas e emprego. Convém referir que não aceitou a primeira proposta entre uma série de entrevistas que conseguiu nesses dois meses após ter analisado o mercado. Criou a oportunidade para escolher a que mais lhe interessava e, mesmo tratando-se de uma empresa familiar, critérios como desenvolvimento de carreira, cultura da empresa (tal como a percecionou) e condições materiais estavam aparentemente confirmados. A empresa foi célere na decisão e conseguiu contratá-la. Um mês depois, continuava a ser contactada para entrevistas. Era tarde de mais para quem
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se interessou pelo seu perfil e também para ela, que já estava comprometida. Antes de ter cumprido um ano nessa empresa, e após um estado de graça inicial, Ana S. veio a perceber que a empresa estava num processo de reestruturação há muito desenhado e que punha em causa todas as expectativas que tinha criado a que se juntou um clima interno instalado, próprio de reorganizações que não são comunicadas de forma adequada. O seu papel não correspondia ao que tinha sido falado no início e rapidamente viu que não era ali que queria estar. Ainda sem ter dado qualquer passo para uma mudança, o seu perfil foi detetado por uma empresa numa pesquisa para uma posição a nível ibérico no setor da distribuição. O produto era atrativo, a reputação da empresa era conhecida e positiva e, apesar de a remuneração oferecida ser idêntica à que tinha, decidiu aceitar. Mais uma vez o processo de contratação foi rápido e, felizmente, a saída da anterior empresa, também. Identificada, por esta última empresa, como um talento de elevado potencial, foi-lhe oferecida a oportunidade de frequentar um MBA, que acabou por lançá-la no mercado internacional. Sem abandonar o sonho de desenvolver o seu negócio e de ser dona de si própria, Ana S. prepara os próximos passos e sabe que, mais tarde ou mais cedo, regressará a Portugal. O percurso profissional de Ana S. é, sem dúvida, um exemplo do que é considerado um talento no mundo das organizações. Vejamos: pouco depois de a palavra "talento" ter invadido o quotidiano das empresas, dos artigos da imprensa especializada e a ser tema de tudo o que é conferência, comecei a perguntar às pessoas com quem me cruzo quer pessoal quer profissionalmente: "O que é um talento?". Obtive respostas muito interessantes, mas o que me impressionou foi que todas as pessoas a quem perguntei: "O que
ERA UMA VEZ UM
TALENTO
Através do percurso profissional de Ana S., podemos perceber que, hoje, as empresas têm de dar cada vez mais atenção às pessoas que acrescentam valor à sua estratégia de negócio, se as querem reter. Desde o primeiro contacto com alguém que é identificado como um talento, todo o cuidado é pouco. A marca do empregador, o marketing do recrutamento ou os momentos de integração e de saída da empresa, aqui abordados, permitem atrair ou perder talento e, desde sempre, quem atrai talento ganha negócio. E quem tem talento e o sabe desenvolver ganha relevância na organização em que está integrado. “Era uma vez um talento” está escrito na visão de uma consultora de gestão de talentos e direcionado para as empresas se consciencializarem − sobretudo − do que devem fazer para atrair e reter talento e, também, do que não devem fazer. Mais do que um manual, que não é, percebe-se, para além dos conceitos teóricos, o que se faz no quotidiano para que as empresas consigam fixar talento. Além disso, o livro é também um guia para as pessoas que se defrontam com estas situações ao longo da sua carreira.
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