Raposo Subtil & Associados
Guia Prático da RECUPERAÇÃO E
Pelo contrário, o que aqui se procura é sistematizar um guia – um guia prático – suscetível de munir o leitor dos instrumentos jurídico-normativos considerados típicos na abordagem dos processos cujo principal objetivo é a viabilização da empresa. Procura-se, pois, apontar as direções possíveis de viabilização da empresa através da implementação de medidas extrajudiciais ou judiciais, em moldes que se pretendem abstratos, pois que o caminho é necessariamente diferente e atípico, no diálogo com cada um dos casos concretos eventualmente sujeitos à nossa apreciação.
Guia Prático da RECUPERAÇÃO E REVITALIZAÇÃO DE EMPRESAS
A publicação que ora trazemos à estampa não é um manual para a recuperação de empresas. Seria hercúleo e, antes de mais, imprudente, procurar cristalizar todos os caminhos possíveis na complexa e multidisciplinar tarefa de devolver ao mercado uma empresa que se debate com uma situação económica difícil ou com uma situação de insolvência, iminente ou atual.
(coordenação: Cristina Bogado Menezes e Paulo Valério)
2ª EDIÇÃO
REVITALIZAÇÃO DE EMPRESAS Na sequência da publicação, em maio de 2012, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, a “Raposo Subtil e Associados – Sociedade de Advogados, RL”, visando a divulgação de todos os diplomas integrantes do Programa Revitalizar e outros conexos, organizou o presente Guia Prático da Recuperação e Revitalização de Empresas, que esperamos seja útil a todos e cada um.
Raposo Subtil & Associados – Sociedade de Advogados
RECUPERAÇÃO E REVITALIZAÇÃO
DE EMPRESAS PREFÁCIO DE JORGE CALVETE
Partner – Causa & Feito
Noções Fundamentais: Reestruturação de Créditos, Recuperação e Revitalização de Empresas Programa Revitalizar Processo Especial de Revitalização - PER Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial - SIREVE Dívidas ao Estado: Regularização Legislação Complementar e Minutas
ISBN 978-972-788-703-3
www.vidaeconomica.pt livraria.vidaeconomica.pt ISBN: 978-972-788-703-3 www.rsa-advogados.pt
9 789727 887033
Guia Prático da
ÍNDICE Prefácio à 2ª Edição....................................................................... 9 Prefácio à 1ª Edição....................................................................... 11 Nota Prévia................................................................................... 13 Estatísticas Trimestrais sobre Processos de Falência, Insolvência e Recuperação de Empresas (2007-2012) .......... 17 Introdução .................................................................................... 25 Parte I. Noções Fundamentais - Noções Preliminares................................................................ 29 - Instrumentos de Viabilização da Empresa............................ 59 - Dívidas ao Estado: Regularização........................................... 97 Parte II. Regime Jurídico da Recuperação e Revitalização - Programa Revitalizar.............................................................. 125 - Princípios Orientadores da Recuperação Extrajudicial de Devedores............................................................................ 131 - Sistema de Recuperação de Empresas por via - Extrajudicial- SIREVE............................................................ 141 - Processo Especial de Revitalização - PER.............................. 157 - Regularização de Dívidas ao Estado....................................... 169 Parte III. Legislação complementar..................................... 211 Parte IV. Minutas...................................................................... 341 Bibliografia ................................................................................... 431
Prefácio
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PREFÁCIO À 2ª EDIÇÃO Com a economia em apuros, completamente privada de expectativas e confiança – os principais motores do desenvolvimento económico e do investimento – é a recuperação das unidades económicas já instaladas que reveste uma importância colossal na melhoria do nível de vida da população e do consequente aumento do bem-estar. O quadro legislativo em vigor, seja do ponto de vista judicial, seja extrajudicial, com todos os seus mecanismos, tem que ser considerado um estímulo à recuperação de empresas que visa obviamente a manutenção das unidades económicas existentes enquanto fontes de riqueza, do “saber fazer” dos trabalhadores dessas empresas, que foi adquirido ao longo de anos, e a defesa do interesse dos credores. Abordar o tema de recuperação de empresas e da legislação atual, obriga, contudo, a sublinhar que nem sempre as imposições dos órgãos estatais, Administração Tributária e Segurança Social, se bem que únicos credores involuntários, é ultrapassável, permanecendo este conflito de credores, muitas vezes com pesos perfeitamente desequilibrados, como um dos problemas com que as empresas incrivelmente se deparam. Impedir o desmantelamento das unidades empresariais e a liquidação dos seus ativos, por valores que, por regra, não satisfazem os credores, e manter as empresas em funcionamento, introduzindo capacidade de gestão, implementando alterações estratégicas, refinanciando, internacionalizando, enfim, reestruturando, é o objetivo das equipas multidisciplinares que atuam nesta complexa atividade. O presente Guia Prático da Recuperação e Revitalização de Empresas surge em momento especialmente oportuno e apresenta-se como de grande utilidade para diversos agentes económicos e para os práticos desta área.
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Guia Prático da Recuperação e Revitalização de Empresas
No desenvolvimento do Programa Revitalizar, lançado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 11/2012, surgiram já, em 2012, o Processo Especial de Revitalização (PER) – em enxerto ao Código de Insolvência e Recuperação de Empresas – e o novo Sistema de Recuperação de Empresas por via Extrajudicial (SIREVE) – substituindo-se ao PEC –, que se destinam, no propósito do legislador, a agilizar a recuperação de empresas em situação económica difícil. A iminente conclusão da revisão do estatuto dos administradores de insolvência e a entrada em operação dos três fundos de capital de risco de base regional que vão apoiar os programas de revitalização das empresas serão os passos seguintes do Programa Revitalizar, impondo-se também, em cumprimento do expressamente previsto no Memorando de Entendimento (MoU) celebrado entre Portugal e o BCE/ Comissão Europeia/FMI, no quadro do programa de auxílio financeiro a Portugal, a rápida revisão da lei tributária com vista à remoção de impedimentos à reestruturação voluntária de dívidas. Neste contexto, e face a novos institutos como o são o PER e o SIREVE, não é por demais realçar a importância de um guia que auxilia na compreensão dos mesmos e promove a sua boa utilização, através de uma aproximação de cariz eminentemente prático mas que nem por isso descurou o seu devido prévio enquadramento teórico, bem como a sua sistematização no âmbito global dos instrumentos de recuperação de empresa e de insolvência. O sucesso de PER e SIREVE são fundamentais na estratégia de recuperação – rectius, revitalização – de muitas empresas que, mau grado a sua difícil situação económica, são viáveis, e, com isso, contribuir na difícil tarefa que é a recuperação da economia portuguesa.
Jorge Calvete Partner – Causa & Feito
Prefácio
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PREFÁCIO À 1ª EDIÇÃO O atual clima recessivo resultante da redução da dimensão do mercado interno e da desalanvacagem das instituições financeiras tem contribuído para um crescimento das situações de incumprimento de obrigações por parte de empresas cuja viabilidade económica foi indiscutível ao longo de anos. Na situação de turbulência que estamos a viver é fundamental que as empresas reajam, se adaptem e tomem as decisões necessárias para reencontrarem os equilíbrios essenciais à sua sustentabilidade a prazo. A viabilidade de uma empresa nunca é um dado adquirido. Resulta sempre do confronto entre uma realidade objetiva e uma visão estratégica com futuro. Revitalizar as empresas que se mostrem economicamente viáveis constitui hoje um enorme desígnio nacional, essencial à proteção da atividade económica e de combate ao desemprego. Nesse sentido se disponibilizaram, já no ano de 2012, no âmbito do Programa Revitalizar, um conjunto de instrumentos jurídico-normativos da maior relevância: revisão do Código da Insolvência e de Recuperação de Empresas, no âmbito do qual se cria o novo Processo Especial de Revitalização, e a promulgação do SIREVE com características essencialmente extrajudiciais. Ainda que se reconheça existir muito a fazer em Portugal para melhorar o ambiente tributário e financeiro que envolve o tecido empresarial, é inquestionável que o conjunto dos recentes instrumentos jurídico-normativos acima referidos deverão ser considerados na análise e na ação que se impõe aos decisores de cada empresa.
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Guia Prático da Recuperação e Revitalização de Empresas
Relevante igualmente o enfoque dado à regularização das dividas à Segurança Social e à Administração Tributária, bem como aos instrumentos financeiros para a capitalização e reestruturação financeira de empresas. A iniciativa de elaborar um guia prático de utilização dos referidos normativos e instrumentos é louvável, sendo certo que contribuirá para a sua maior divulgação e melhor utilização. José Ribeiro Gonçalves Presidente da APAJ
Nota Prévia
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NOTA PRÉVIA A presente publicação não é um manual para a recuperação de empresas. Seria hercúleo e, antes de mais, imprudente, procurar cristalizar todos os caminhos possíveis na complexa e multidisciplinar tarefa de devolver ao mercado uma empresa que se debate com uma situação económica difícil ou com uma situação de insolvência, iminente ou atual. Pelo contrário, o que aqui se procura é sistematizar um guia – um guia prático – suscetível de munir o leitor dos instrumentos jurídico-normativos considerados típicos na abordagem dos processos cujo principal objetivo é a viabilização da empresa. Procura-se, pois, apontar as direções possíveis de viabilização da empresa através da implementação de medidas extrajudiciais ou judiciais, em moldes que se pretendem abstratos, pois que o caminho é, necessariamente, diferente e atípico, no diálogo com cada um dos casos concretos eventualmente sujeitos à nossa apreciação. Realça-se, assim, a reestruturação de créditos, o Sistema de Recuperação de Empresas por via Extrajudicial (SIREVE) e o Processo Especial de Revitalização (PER), a fim de, sempre que possível, evitar a última e derradeira medida – a recuperação em sede de insolvência (plano de recuperação). Com efeito, a realidade confirma que a submissão das empresas a processo de insolvência funciona, na maior parte das vezes, como uma “arma de destruição”, uma vez que com as deficiências económico-financeiras que já apresenta, a possibilidade da sua recuperação e pagamento dos créditos reclamados é muito reduzida. A estatística trimestral sobre processos de falência, insolvência e recuperação de empresas divulgada pela Direção-Geral da Política de Justiça em outubro deste ano, que anexamos a esta nota, confirma a constatação e faz-nos perceber que é urgente às empresas encontrar e adotar medidas que permitam a sua viabilização, antes de chegar a esta situação limite.
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Guia Prático da Recuperação e Revitalização de Empresas
O ambiente político, económico, social e, necessariamente, jurídico, não poderia ser mais propício. Com o número de insolvências a aumentar exponencialmente, a escalada do desemprego e a urgência do crescimento económico nacional, o governo lançou uma ambiciosa iniciativa, designada Programa Revitalizar, a qual, de acordo com a redação oficial, se apresenta “com vista à otimização do enquadramento legal, tributário e financeiro em que o tecido empresarial em Portugal desenvolve a sua atividade, de modo a fomentar projetos empresariais economicamente viáveis, mas em que a componente financeira se encontra desajustada face ao modelo de negócio em que aqueles projetos se inserem e às condicionantes existentes no panorama económico-financeiro atual.”. Por via deste Programa, ao qual a Resolução do Conselho de Ministros n.º11/2012, de 3 de fevereiro veio dar letra de forma, o governo pretendeu lançar as bases para a Revitalização da Economia, numa estratégia que assenta, fundamentalmente, nos seguintes objetivos prioritários: “•A execução de mecanismos eficazes de revitalização de empresas viáveis nos domínios da insolvência e da recuperação de empresas; •O desenvolvimento de mecanismos céleres e eficazes na articulação das empresas com o Estado, em particular com a Segurança Social e a Administração Tributária, tendo em vista o desenho de soluções que promovam a viabilização daquelas; •O reforço dos instrumentos financeiros disponíveis para a capitalização e reestruturação financeira de empresas, com particular enfoque no capital de risco e em outros instrumentos que, em simultâneo, concorram para o desenvolvimento regional; •A facilitação de processos de transação de empresas ou de ativos empresariais tangíveis ou intangíveis; •A agilização da articulação entre as empresas e os instrumentos financeiros do Estado e os do sistema financeiro, com vista a acelerar processos decisórios e a assegurar o êxito das operações de revitalização empresarial.” Nesta senda, o Governo fez já publicar a Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, a qual apresenta o Processo Especial de Revitalização como elemento inovador do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e, igualmente, procedeu à revisão do Procedimento Extrajudicial de Conciliação, através da aprovação do Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de
Nota Prévia
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agosto, o qual cria o Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial. Concomitantemente, fez publicar a Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, de 25 de outubro, a qual enuncia os Princípios Orientadores da Recuperação Extrajudicial de Devedores, princípios que vieram a adquirir força legislativa por meio da remissão expressa que lhe foi feita pela Lei e Decreto-lei supra citados. Mais recentemente, o lançamento do concurso para seleção de três fundos de capital de risco de base regional, a constituir, destinados a investimento em Pequenas e Médias Empresas, e respetiva entidade gestora, vem densificar os objetivos prioritários no domínio do capital de risco a que a Resolução do Conselho de Ministros n.º 11/2012 também alude. Não obstante, devemos sublinhar a timidez de algumas das soluções adotadas, a par com um ritmo de execução aparentemente incompatível com a situação de emergência que a economia nacional atravessa. E, neste contexto, devemos ainda realçar a natureza tendencialmente fragmentária de uma reforma que, sendo multidisciplinar, e assim tutelada por vários Ministérios, nem sempre acautelou a coesão sistemática e a convergência de sentido que se exige, neste domínio. Esperemos, no entanto, que não seja tarde para salvar uma economia sedenta de reestruturação e modernização. Com o enunciado propósito de fornecer ao leitor um guia de pendor prático, a presente publicação inicia-se com um conjunto de textos introdutórios designado “Noções Fundamentais”, que consta como Parte I, e começa por cimentar conceitos e desenhar uma abordagem estruturada, ainda que sumária, onde se chama a atenção para a situação de “crise” (económico-financeira) na empresa, a necessidade de sua superação, e os meios de financiamento disponíveis para o efeito. Assim, abrimos a porta a uma melhor compreensão dos instrumentos de viabilização da empresa ali também apresentados, onde, sem prejuízo da importância que a reestruturação de créditos tem como instrumento autónomo, ou que pode ser implementado no bojo dos demais, relevam os instrumentos antes referidos recentemente incorporados no ordenamento jurídico português, de recuperação e de revitalização empresarial. Por outro lado, dada a importância do tema, incluímos ainda, considerações sobre a regularização de dívidas ao Estado, matéria de superior importância e que aqui contou com a prestimosa colaboração
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Guia Prático da Recuperação e Revitalização de Empresas
dos Drs. José Mota Gomes e Sandra Mendeiros, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, cujo labor agradecemos. Na Parte II do presente Guia, procuramos verter aquilo a que chamamos Regime Jurídico da Recuperação e Revitalização de Empresas, contemplando os normativos mais relevantes neste domínio. Agradecemos, neste âmbito, a colaboração do Dr. Nelson Ferreira, autor do texto de enquadramento relativo ao Regime Jurídico de Regularização de dívidas ao Estado. Foi ainda incluida como Parte III, a legislação complementar conexa com diversos temas abordados no presente guia. Finalmente, procurámos organizar um pequeno acervo de minutas, que consta como parte IV e esperamos possam contribuir para a tradução prática das matérias abordadas. Os Coordenadores Cristina Bogado Menezes e Paulo Valério
Introdução
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INTRODUÇÃO A palavra insolvência entrou, definitivamente, no dia a dia da sociedade portuguesa. De acordo com os últimos dados disponíveis, em 2012, o número de processos pendentes no final do segundo trimestre apresenta um aumento de cerca de 48,7% face ao que se registava no final do segundo trimestre de 2011 e um aumento de 6,6% face ao primeiro trimestre de 2012. São dados que não deixam ninguém indiferente. Quase de um dia para o outro, empresários, sindicatos, advogados, consultores, instituições financeiras, o próprio Estado, tiveram que incorporar a ideia de que uma parte significativa do tecido económico português se encontrava doente e, em muitos casos, ferido de morte. Um processo difícil e moroso, para um país que viveu, durante largos anos, na ilusão de um futuro de inexorável prosperidade. Doente, dizíamos, de uma doença de que se ouvia falar, mas que poucos compreendiam, de facto. Justamente, a insolvência que ataca as empresas e a economia, a insolvência que até ataca a soberania nacional e mantém o país agrilhoado por um programa de assistência financeira internacional, é um lugar estranho, mesmo para aqueles cuja atividade profissional se supunha mais próxima do fenómeno. Para o Portugal que, sobretudo nos últimos anos, glorificou o empreendedorismo e se orgulhava de constituir empresas “na hora”, insolvência só podia ser sinónimo de fracasso. Um fracasso de que ninguém, verdadeiramente, se queria aproximar. Caracterizada pela impossibilidade de cumprir pontualmente as obrigações vencidas, a insolvência não é, necessariamente, um prenúncio de morte. Não é sequer o resultado inescapável das dificuldades que, progressivamente, se vão instalando na vida das empresas. Da negação à aceitação, como noutras experiências traumáticas, certo é que, por força das circunstâncias, o país está a aprender a viver com o problema e a aceitar que a insolvência é resultado, e não causa, que tem por génese graves dificuldades económico-financeiras verifi-
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cadas na vida da empresa, que podem e devem ser solucionadas antes que a situação se torne irreversível. E, cremos, talvez isso nos tenha tornado melhores observadores, mais previdentes e mais pragmáticos, na hora de decidir. Com efeito, identificar atempadamente os primeiros sintomas, analisar com racionalidade e diagnosticar com rigor a situação de debilidade económico-financeira da empresa é, por um lado, a chave do sucesso. Por outro, conhecer e saber comparar os instrumentos que o ordenamento jurídico coloca ao serviço da recuperação e revitalização de empresas insolventes ou em situação económica difícil, a fim de as preservar, é a condição necessária para implementar uma estratégia vencedora. É disso que tratamos, em boa medida, nos textos que se seguem.
PARTE I NOÇÕES FUNDAMENTAIS
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NOÇÕES PRELIMINARES 1. “CRISE” NA EMPRESA Regra geral, uma empresa é constituída por tempo indeterminado. Neste sentido, e porque a atividade desenvolvida pela empresa objetiva a sua continuidade, ao longo da sua existência devem ser tuteladas as condições essenciais para a sua sobrevivência. Com efeito, a estabilidade económico-financeira da empresa afigura-se como elemento essencial ao seu funcionamento e continuidade. Contudo, diferentes vicissitudes podem desencadear uma crise económico-financeira na empresa, a qual pode manifestar-se de várias formas e através de um conjunto de indicadores que, tipicamente e em termos esquemáticos, evoluem de acordo com a seguinte sequência: (i) acontecimento económico desfavorável; (ii) tesouraria líquida negativa; (iii) falta de liquidez; (iv) insuficiência de fundo de maneio; (v) insolvência. Considerando a referida sequência, sinteticamente podemos dizer que, numa primeira fase, se verificam ocorrências desfavoráveis ao nível do crescimento dos negócios, da margem comercial, da margem de contribuição ou da rendibilidade operacional. Tais situações poderão ser determinantes no espoletar de uma cadeia viciosa na vida da empresa e, não sendo logo ajustada a situação, é típica a passagem para uma segunda fase de deterioração, em que a tesouraria, enquanto indicador do equilíbrio financeiro e de liquidez, se degrada. Com efeito, quando a tesouraria líquida atinge valores negativos, a empresa tende a encontrar-se numa situação de desequilíbrio financeiro, o que, necessariamente, impõe uma intervenção ao nível da estratégia de financiamento, que poderá passar pelo recurso à injeção de capital ou pela consolidação de passivos. Importa, no entanto, realçar que, na
Noções Preliminares
PARTE I
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generalidade dos casos, o problema não é apenas de ordem financeira, sendo a sua origem económica, o que recomenda uma intervenção a nível estratégico e operacional. De acordo com a sequência que indicámos, numa terceira fase, tendo por referência a dimensão e o ciclo de exploração da empresa, quando o valor da tesouraria líquida atinge um certo montante negativo, a falta de liquidez acaba por se impor. Reconhecidas as dificuldades em obter meios financeiros e em pagar atempadamente as dívidas, a empresa deixa de utilizar os descontos de pronto pagamento, atrasa involuntariamente os pagamentos aos fornecedores e tenta cobrar mais cedo dos clientes, procurando fazer acordos para concretizar esses recebimentos antecipados. Nesta altura, já se encontra impossibilitada de cumprir pontualmente boa parte das suas obrigações. Nessa medida e já numa quarta fase, com a tesouraria líquida negativa, o fundo de maneio enfraquece-se e torna-se negativo de forma permanente, não se podendo aqui falar, simplesmente, em ruturas de tesouraria, dado que a falta de dinheiro para cumprir as obrigações financeiras é uma constante na vida empresarial e os incumprimentos se acumulam. Por fim, naquela que por opção sistemática elencámos como quinta fase, os atrasos de pagamento generalizam-se a todos os credores e, para além dos bancos e fornecedores, atrasam-se os pagamentos ao Estado (Segurança Social e Fazenda Nacional) e aos trabalhadores. Poderá dizer-se, assim, que a empresa entra em situação de insolvência, uma vez que se encontra impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações vencidas. A partir deste estádio, habitualmente, o caminho afunila para a completa impossibilidade da empresa para pagar a totalidade das suas obrigações vencidas e a situação financeira poderá ser designada por insolvência total. Nesta situação, o valor do ativo é inferior ao valor do passivo e, em regra, todos os ativos de valor estão onerados, tendo sido usados para garantir os financiamentos bancários contraídos ou, entretanto, foram objeto de penhora para pagamento de dívidas. Assim sendo, a empresa está tecnicamente insolvente. Face a esta evolução sem que a cadeia seja antecipadamente quebrada, o processo de insolvência surge como o único caminho possível, decorrendo mesmo de uma imposição legal, embora subtraído de qualquer sentido de previdência ou orientação estratégica, por parte da gestão.
Parte I – Noções Fundamentais
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Noções Preliminares
Identificados os primeiros sintomas de debilidade económico-financeira da empresa, a fim de se encontrar a solução mais adequada para o problema entretanto verificado e permitir a sua continuidade, é decisivo apurar, em termos mais rigorosos, as causas que lhes estão subjacentes, o que impõe o recurso àquilo a que, em linguagem médica, poderíamos chamar meios complementares de diagnóstico. É esse o papel habitualmente reservado à due diligence. A due diligence é, assim, um processo de análise e avaliação detalhada de informações e documentos de uma determinada sociedade e/ ou do seu ativo, tendo em vista o apuramento da respetiva realidade jurídica, económico-financeira e/ou laboral, a fim de permitir uma tomada de decisão sobre as medidas mais adequadas à sua preservação. Isto porque, por seu intermédio, é possível caracterizar, em termos multidisciplinares, a real situação da empresa, identificando eventuais fragilidades e/ou contingências, bem como oportunidades a considerar. É um trabalho de natureza complexa e carece, por isso, do contributo de vários profissionais. Por outro lado, o sucesso destas diligências depende, em grande medida, da transparência e fidedignidade da informação disponível, bem como da colaboração e convergência funcional dos seus principais responsáveis. Contudo, para a realização da due diligence, previamente à mesma é essencial coligir e organizar informação e documentação que, muitas vezes, se encontra dispersa e incompleta ou que, em, alguns casos, é simplesmente inexistente. Conforme antes referimos, a due diligence deve ser multidisciplinar e permitir a análise e avaliação detalhada de vários aspetos que permitam traduzir a realidade da empresa. Conforme o objetivo pretendido, a due diligence deve abordar questões financeiras e/ou jurídicas. Em termos esquemáticos, vejamos então o objetivo das suas diversas vertentes: i) Due Diligence Financeira - Visa o apuramento exaustivo das contas da empresa, traduzido na análise dos documentos contabilísticos necessários para a obtenção do retrato fiel da respetiva situação financeira: o volume das dívidas e tipologia (curto, médio e longo prazo), as existências, o valor do passivo, do ativo e a situação líquida; ii) Due Diligence Societária - Tem em consideração os cuidados a serem tomados na esfera da documentação e actos societários
PARTE I
1.1. A Essencialidade da Due Diligence
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e respetivas contingências no âmbito contratual (contrato de sociedade, atas da assembleia geral, do conselho de administração, procurações emitidas, etc); iii) Due Diligence Tributária - Pretende apurar o impacto dos aspetos tributários na situação da empresa, tomando em linha de conta, designadamente, tributos diretos e indiretos, dívidas tributárias e à segurança social e pedidos de reembolso de tributos eventualmente realizados; iv) Due Diligence Laboral - Tem por objetivo proporcionar uma visão detalhada sobre as questões relacionadas com a estrutura de colaboradores da empresa e assume particular importância numa reestruturação, uma vez que a mesma poderá passar pela redução/eliminação de sectores de atividade, determinando a extinção de postos de trabalho e/ou despedimentos coletivos, tendo em vista a sua reorganização e a redução de custos. Atenta a necessidade de algumas decisões serem tomadas em assembleia-geral, a informação produzida pelos auditores financeiros e legais permitirá, ainda, a apresentação fundamentada aos sócios das medidas preconizadas pela administração da empresa, permitindo àqueles a análise da informação necessária para a aprovação das pertinentes propostas de deliberação. 1.2. Diagnóstico A identificação dos sintomas referenciados e a informação complementar recolhida no âmbito da due diligence deverão coligir elementos bastantes para traçar um primeiro diagnóstico, ao qual cumpre definir o sentido, alcance e limites da operação de reestruturação, recuperação ou revitalização. Para tal e concretamente no quadro preparatório da decisão, assumirá ainda particular relevância a denominada “Análise SWOT”, ferramenta utilizada para fazer o enquadramento de cenário (ou análise de ambiente), frequentemente usada como base para a gestão e planeamento estratégico de uma empresa. A “Análise SWOT” é um sistema simples para posicionar ou verificar a posição estratégica da empresa no ambiente em apreço, podendo apresentada em forma de diagrama:
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Noções Preliminares
PARTE I
Parte I – Noções Fundamentais
O termo SWOT é uma sigla oriunda do inglês e é um acrónimo de Forças (Strengths), Fraquezas (Weaknesses), Oportunidades (Opportunities) e Ameaças (Threats). Esta análise deve ser feita tendo em vista a identificação dos pontos fortes e fracos, das ameaças e das oportunidades que existem na atividade da empresa, de forma a permitir a tomada de decisões fundamentadas, sendo que o plano final a implementar deverá ter em conta um conjunto diversificado de aspetos. Com efeito, a partir da análise e do diagnóstico efetuados, o plano deve considerar diversos aspetos e apontar as medidas necessárias. Neste sentido, entre os elementos que pode/deve conter, podemos apontar os seguintes: i) Estipulação de um prazo realista para a implementação das medidas de reestruturação, recuperação ou revitalização da empresa e o cumprimento das suas obrigações (turnover); ii) Permitir o reconhecimento pelos sócios e pelos credores de que a alternativa apresentada é melhor e mais segura do que forçar a empresa ao cumprimento imediato das suas obrigações; iii) Prorrogação do prazo dos financiamentos em curso, tendo em atenção um plano de negócios que implique a redução de custos e a maximização de receitas da atividade comercial; iv) Prever a alienação de ativos que não se mostrem estratégicos e que impliquem a obtenção ou libertação de recursos financeiros que permitam reduzir as dívidas, por meio de eventuais operações de sale and lease back;
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Guia Prático da Recuperação e Revitalização de Empresas
v) Apresentar um modelo de reestruturação empresarial que signifique uma efetiva redução de áreas de negócio inviáveis ou cuja importância no desenvolvimento da atividade seja residual ou nula. 1.3. A Posição dos Stakeholders No decurso da sua atividade a empresa mantém relações com stakeholders não-financeiros e financeiros, designadamente o Estado (Segurança Social e Fazenda Nacional), credores, trabalhadores, fornecedores, clientes etc. Com efeito, elemento crítico para implementar uma operação de reestruturação, recuperação ou revitalização que permita a sua efetiva recuperação financeira e continuidade é, também, a sua relação com as várias partes intervenientes na operação ou processo, cujos interesses podem ser convergentes ou divergentes. Neste plano, relevam os stakeholders que, em muitos casos, são também credores. Conforme a operação projetada, a sua implementação está mais, ou menos, dependente da convergência de interesses entre os stakeholders. Não obstante o interesse específico de cada um deles, é essencial identificar pontos de convergência. Sumariamente, as posições relativas dos principais stakeholders são as seguintes: a) Estado – as suas principais preocupações são a recuperação dos créditos fiscais e a manutenção de postos de trabalho, de forma a evitar a conflitualidade social resultante do encerramento de uma empresa e os consequentes despedimentos; b) Credores com Garantia – estão interessados em recuperar os respetivos créditos, mas preocupados em proteger as garantias de cumprimento de que beneficiam (que poderão ser prejudicadas num processo de insolvência); c) Trabalhadores – não obstante estarem interessados em garantir o pagamento dos respetivos créditos laborais vencidos, nomeadamente salários, têm também interesse na manutenção dos seus postos de trabalho; d) Fornecedores - normalmente, estão preocupados com três aspetos: o crédito que têm a receber, a limitação da exposição ao risco dos fornecimentos futuros e a manutenção do cliente caso ele tenha hipótese de viabilização; e) Clientes – estão interessados em acautelar a satisfação das encomendas efetuadas, a qualidade dos produtos adquiridos e o cumprimento das garantias associadas aos mesmos.
Realce-se que, na maior parte das vezes, os principais credores intervêm na decisão relativa à operação a implementar. Para os mesmos será determinante o comportamento da administração da empresa, nomeadamente a sua dinâmica e colaboração no processo. Assim, para que uma eventual medida de reestruturação, recuperação ou revitalização seja implementada com sucesso, é necessário que os credores sejam informados, de forma séria e profissional, que as demais alternativas possíveis serão sempre piores do que a operação projetada. Efetivamente, a operação estará condenada ao fracasso quando exista a intenção de ocultar a real (e deficitária) situação económica da empresa, quer no plano da saúde das contas, quer da viabilidade da sua atividade. No caso de credores institucionais, maxime, instituições financeiras, a informação e o nível de credibilidade da empresa a reestruturar, recuperar ou revitalizar poderão ser determinantes no momento de decidir se aumentam a sua exposição ou se, pelo contrário, a estratégia passará por reduzir o envolvimento creditício, optando de imediato pelo processo de recuperação dos seus créditos, atenta a fragilidade do projeto apresentado e, consequentemente, a inviabilidade da empresa. Os gestores da empresa desempenham, assim, um papel crucial, dado que devem ganhar a confiança dos credores, a quem serão solicitadas facilidades ou a redução dos direitos de crédito, nomeadamente no tocante a juros, indemnizações e/ou penalizações contratuais decorrentes da mora da empresa no cumprimento das obrigações assumidas. Se os credores e a empresa não conseguirem reunir o consenso necessário para a definição dos pressupostos mínimos para iniciar um processo partilhado, então deverão ser chamados a intervir especialistas, em regra auditores financeiros, técnicos e/ou revisores oficiais de contas independentes. Por seu turno, a equipa de gestão da empresa tem a responsabilidade de preparar um plano de actividades/negócios credível, que permita racionalizar e controlar os custos, melhorar a eficácia e racionalidade da gestão e potenciar a atividade comercial desenvolvida aumentando as receitas. Naturalmente, as empresas deverão socorrer-se de equipas multidisciplinares de profissionais, nomeadamente nas áreas económico-financeira e legal, sendo que, neste caso, os advogados terão um papel
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nuclear no aconselhamento e preparação de todas as propostas, fichas técnicas, acordos e contratos a celebrar com as entidades envolvidas. Os credores, sejam instituições de crédito ou outros, também deverão estar representados por advogados, que assegurarão a defesa dos interesses do seu cliente, para além de que devem acompanhar a realização de auditorias à empresa (due diligence), para determinação do seu valor e viabilidade; participar na negociação dos contratos e acordos a celebrar, inclusive, se for o caso, de confidencialidade; auxiliar na estipulação das garantias associadas ao processo de reestruturação, recuperação ou revitalização da empresa e no acompanhamento da implementação da operação, antecipando a hipótese de a mesma falhar, nunca perdendo de vista a previsão de um “plano B”, que passe pelo início de um outro processo que permita a continuidade da empresa, mesmo que em cenário de declaração de insolvência. As equipas multidisciplinares devem, assim, ser compostas, não só por técnicos mas, também, por advogados, que possam assessorar quer os credores, com especial destaque para as instituições financeiras, quer os accionistas/sócios da empresa que, naturalmente, pretendem acautelar os respetivos investimentos. 2. REEQUILÍBRIO FINANCEIRO DA EMPRESA: ALTERNATIVAS Como vimos, a avaliação da situação da empresa constitui um passo determinante para que, na presença de todos os elementos relevantes, a equipa de gestão possa tomar as decisões adequadas a solucionar os constrangimentos existentes. A equipa de gestão deverá ser capaz de, pela sua experiência e capacidade de análise, concluir de forma expedita quais as razões que determinaram o estado de crise, apontando os caminhos possíveis para recuperar a saúde financeira da empresa. Não obstante, a complexidade das operações a desenvolver (de reestruturação, recuperação ou revitalização), bem como a pressão a que a tesouraria da empresa estará sujeita, recomendam a adoção de medidas imediatas, com vista a preservar a empresa e salvaguardar o efeito útil das referidas operações. Daí que, na hipótese de se concluir, após análise de todo o processo documental, que a empresa poderá ser recuperada, todos os esforços devam ser orientados para a obtenção de fluxos de caixa e disponibilidades de tesouraria, sendo desenvolvida, paralelamente, uma estratégia de comunicação interna e externa de valorização dos ativos e recursos
existentes, enquanto decorrem os estudos sobre as alternativas disponíveis para concretizar a viabilização empresarial projetada. Com efeito, a obtenção de disponibilidades financeiras (fluxos de caixa/ tesouraria), que permitam cumprir, ainda que parcialmente, as obrigações vencidas, reveste-se de uma importância nevrálgica nesta fase do processo. Assim, independentemente da operação projetada, sumariamente, de entre as medidas que permitem de imediato gerar fluxos de caixa, permitimo-nos referenciar as seguintes: i) A melhor gestão das dívidas de clientes; ii) O alargamento dos prazos de pagamentos; iii) A redução do nível de existências em armazém; iv) A implementação de programas para a redução de custos; v) A alienação de ativos ou equipamentos que não estejam afetos à exploração; vi) O leaseback de ativos corpóreos afetos à exploração. Contudo, antes mesmo de iniciar qualquer operação de reestruturação, recuperação ou revitalização, o reforço de capitais no seio da empresa poderá ser o caminho para alcançar o reequilibro financeiro desejado. Com efeito, casos haverá em que a opção pelo financiamento, seja através de sócios/acionistas (capitais próprios), seja através de terceiros (capitais alheios), é, por si só, suficiente para reabilitar a tesouraria, abrindo caminho a um novo ciclo virtuoso. Porém, importa considerar que a possibilidade de obtenção de financiamento adicional não deverá inibir o diagnóstico em curso e a adoção das medidas de gestão ainda assim necessárias para assegurar a sustentabilidade da empresa. De outra forma, estaremos apenas a adiar o problema, optando por uma solução aparentemente fácil mas que, a prazo, se poderá revelar ameaçadora, não apenas para empresa, mas também para os seus sócios (incluindo no conceito os acionistas) e responsáveis legais. Frequentemente, é nestas ocasiões que a exposição pessoal destes começa ou aumenta, muitas vezes exponencialmente, sendo comum a assumção de responsabilidades financeiras exorbitantes e que rapidamente limitarão uma abordagem racional e pragmática da vida da empresa e um juízo crítico acerca da sua viabilidade. Quando a empresa está perante uma situação de subcapitalização, ou seja, os seus meios financeiros são manifestamente insuficientes para alcançar os objetivos gizados, o reforço de capital, como forma de
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financiamento, assume-se como um dos aspetos mais importantes da sua vida, não só para acudir a necessidades de tesouraria, mas também para viabilizar investimento que permita gerar maior rentabilidade no médio longo prazo. Em regra, quando se pretende financiar, o primeiro recurso de uma empresa é fazê-lo in house, através dos seus próprios sócios, ou, eventualmente, abrindo a porta a novas entradas de capital, dando em troca participações sociais representativas do seu capital social (aumento do capital social). Não sendo possível implementar as referidas medidas, a empresa recorre a terceiros para se financiar. Salientamos, porém, que as medidas acima indicadas podem ser implementadas no bojo de um processo de reestruturação de créditos, de recuperação de empresa ou de revitalização. Desta forma, e dado o seu interesse no âmbito do presente Guia, daremos breve nota a seguir das referidas formas de financiamento. 2.1. Financiamento pelos Sócios (com Capitais próprios) No que respeita ao financiamento exclusivamente através dos sócios, temos, tipicamente, três modalidades alternativas: a realização de suprimentos, prestações suplementares ou prestações acessórias. Por outro lado, o reforço de capitais através do aumento de capital permite, não apenas a mobilização dos sócios existentes mas, igualmente, a possibilidade de entrada na estrutura de capital por parte de novos sócios. No que respeita às três referidas formas de auto financiamento da empresa (suprimentos, prestações suplementares ou prestações acessórias), importa conhecer os seus traços diferenciadores visto que, consoante os objetivos traçados, o modelo societário em questão ou a estrutura do capital existente, cada uma das modalidades apresenta especificidades a considerar. De acordo com os artigos 209º (para as sociedades por quotas) e 287º (para as sociedades anónimas) do Código das Sociedades Comerciais (doravante, o “CSC”), as prestações acessórias definem-se como a obrigação dos sócios de efetuarem “prestações além das entradas”, com especificação, no pacto social, dos elementos essenciais e do caráter oneroso ou gratuito dessas prestações. Estas prestações acessórias, admitidas tanto nas sociedades por quotas como nas sociedades anónimas, denominam-se acessórias atento
o facto de revestirem uma natureza acessória face à obrigação principal - a obrigação de entrada - e podem ser gratuitas ou onerosas, sendo certo que, apesar de nos termos do seu regime legal poderem revestir-se como entradas em dinheiro (prestações acessórias de capital), as mais das vezes consistem na prestação de determinadas funções (vg., o exercício de um cargo de gerência ou administração na sociedade) ou, na possibilidade de proporcionar à sociedade o gozo de um determinado bem (vg., máquina industrial, automóvel, etc). Embora não seja um tema pacífico na doutrina, tem sido admitida a possibilidade dos sócios realizarem prestações acessórias de forma voluntária e desde que tal esteja previsto no contrato de sociedade, ou seja, com uma natureza semelhante ao regime dos suprimentos, mas com a diferença dos sócios terem conhecimento que, ao fazê-lo, estão a qualificar as suas prestações como capitais próprios da sociedade, sujeitando-se a um regime rigoroso no respetivo reembolso. Relativamente a esta forma de financiamento da empresa, importa ainda referir que nos termos do número 3 dos artigos 209º e 287º do CSC, pode ser convencionada a sua onerosidade, sendo possível a contraprestação ser paga independentemente da existência de lucros de exercício. As prestações acessórias extinguem-se com a dissolução da sociedade e, salvo disposição contratual em contrário, a falta de cumprimento das mesmas por parte do sócio não afetará a sua posição enquanto tal. As prestações acessórias distinguem-se, também, no que respeita às sanções resultantes do seu incumprimento. Ao contrário das prestações suplementares que, como veremos, poderão ter repercussões gravosas para o sócio que não as cumpra, neste específico instituto, o incumprimento de prestar uma obrigação acessória não afetará a situação do sócio, salvo previsão contratual em contrário (cf. número 4 dos artigos 209º e 287º do CSC). Em bom rigor, as penalidades pelo incumprimento podem ser tão severas quanto as das prestações suplementares, porém, e visto que a prática societária não costuma prever contratualmente essas sanções, os seus efeitos serão diminutos face às restantes figuras. Quanto às prestações suplementares, estão previstas nos artigos 210º e seguintes do CSC, e carecem de ser sempre realizadas em dinheiro. Este tipo de financiamento pelos sócios será o que mais beneficia economicamente a sociedade, pois prevê um regime que se traduz na
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Pelo contrário, o que aqui se procura é sistematizar um guia – um guia prático – suscetível de munir o leitor dos instrumentos jurídico-normativos considerados típicos na abordagem dos processos cujo principal objetivo é a viabilização da empresa. Procura-se, pois, apontar as direções possíveis de viabilização da empresa através da implementação de medidas extrajudiciais ou judiciais, em moldes que se pretendem abstratos, pois que o caminho é necessariamente diferente e atípico, no diálogo com cada um dos casos concretos eventualmente sujeitos à nossa apreciação.
Guia Prático da RECUPERAÇÃO E REVITALIZAÇÃO DE EMPRESAS
A publicação que ora trazemos à estampa não é um manual para a recuperação de empresas. Seria hercúleo e, antes de mais, imprudente, procurar cristalizar todos os caminhos possíveis na complexa e multidisciplinar tarefa de devolver ao mercado uma empresa que se debate com uma situação económica difícil ou com uma situação de insolvência, iminente ou atual.
(coordenação: Cristina Bogado Menezes e Paulo Valério)
2ª EDIÇÃO
REVITALIZAÇÃO DE EMPRESAS Na sequência da publicação, em maio de 2012, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, a “Raposo Subtil e Associados – Sociedade de Advogados, RL”, visando a divulgação de todos os diplomas integrantes do Programa Revitalizar e outros conexos, organizou o presente Guia Prático da Recuperação e Revitalização de Empresas, que esperamos seja útil a todos e cada um.
Raposo Subtil & Associados – Sociedade de Advogados
RECUPERAÇÃO E REVITALIZAÇÃO
DE EMPRESAS PREFÁCIO DE JORGE CALVETE
Partner – Causa & Feito
Noções Fundamentais: Reestruturação de Créditos, Recuperação e Revitalização de Empresas Programa Revitalizar Processo Especial de Revitalização - PER Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial - SIREVE Dívidas ao Estado: Regularização Legislação Complementar e Minutas
ISBN 978-972-788-703-3
www.vidaeconomica.pt livraria.vidaeconomica.pt ISBN: 978-972-788-703-3 www.rsa-advogados.pt
9 789727 887033
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