NĂŁo podemos deixar de salientar duas qualidades do Direito que marcam de forma profunda esta obra, determinando a durabilidade do agora escrito na circunstância dos autores e na condição atual do tema no panorama da literatura jurĂdica: a fides e a complexidade.
Assim sendo, a leitura de “Do Crime de Abuso de Informação Privilegiada (insider training). Uma anĂĄlise ius dogmĂĄtica entre sistemas e jurisprudĂŞnciasâ€? ĂŠ um exercĂcio gratificante e Ăştil para os juristas; um contributo doutrinĂĄrio para pensar as problemĂĄticas colocadas pelo instituto da informação privilegiada; uma ajuda para os decisores sempre que esta matĂŠria estiver envolvida nas suas sentenças. Eduardo Vera-Cruz Pinto
T. +351 213 566 400 F. +351 213 566 488 geral@rsa-lp.com www.rsa-advogados.pt
www.vidaeconomica.pt ,6%1
9 789897 684197
JOĂƒO LUZ SOARES
DO CRIME DE ABUSO DE INFORMAĂ‡ĂƒO PRIVILEGIADA - INSIDER TRADING
O Direito assume a sua missĂŁo de dever ser que ĂŠ em âmbito preventivo, fixando a atenção minoritĂĄria na patologia dos comportamentos humanos que levam Ă repressĂŁo sancionatĂłria dos prevaricadores. A obra tem na sua proporção doutrinĂĄria uma dimensĂŁo jurĂdica ligada a um silĂŞncio imposto pela lei, como dever particular de alguns, pelos efeitos adversos que a revelação dos conteĂşdos informativos implicados. Aqui, em particular, colocando o foco doutrinĂĄrio na traição daqueles (os guardiĂľes da informação privilegiada) em quem foi depositada a confiança, pela comunidade, na guarda de informação que nĂŁo pode ser revelada, a nĂŁo ser nos termos legalmente previstos.
RICARDO ALEXANDRE CARDOSO RODRIGUES
DO CRIME DE ABUSO DE INFORMAĂ‡ĂƒO PRIVILEGIADA
INSIDER TRADING UMA ANĂ LISE IUS DOGMĂ TICA, ENTRE SISTEMAS E JURISPRUDĂŠNCIAS
“«Já basta de sermos partisans de causas mais pequenas do que as do Universo».” Sessão inaugural do colóquio organizado em Nice pela Associação para o Desenvolvimento do Direito Mundial sobre o tema «a ONU e o mundo hoje», fevereiro de 1965 (Abbé PIERRE, As quatro verdades, por Philippe JOST 1997) “As lamentações são vãs quando é demasiado tarde. O dique rompeu-se, a torrente passa, remexe o lodo. O que conta é o amanhã.” Faim et Soif, março de 1957 (Abbé PIERRE, As quatro verdades, por Philippe JOST 1997) “Esta luta do direito e do facto dura desde a origem das sociedades. Terminar o duelo, amalgamar a ideia pura com a realidade humana, fazer penetrar pacificamente o direito no facto e o facto no direito, eis o trabalho dos sábios.” Victor Hugo, in ‘Os Miseráveis’
5
ÍNDICE Apresentação ...................................................................
9
Prefácio ............................................................................
11
Resumo ............................................................................
15
Introdução: As cinzas de uma “Crise” que abalou o Mundo .......................................................................
17
PARTE I A informação enquanto problema jurídico-criminal ..
25
1. Da problemática da informação num mundo globalizado...............................................................
25
2. Das projeções ius dogmáticas ...................................
120
2.1. Natureza supraindividual do bem jurídico tutelado ...............................................................
120
2.2. Uma realidade complexa, multifacetada, poliédrica e heterógena .......................................
124
PARTE II A Tutela Sancionatória do Mercado de Valores Mobiliários: muito além de uma promessa constitucional ............... 127 1. Do crime de Abuso de Informação: o artigo 378.º do Código de Valores Mobiliários ...........................
7
131
Do crime de abuso de informação privilegiada (Insider Trading)
2. Da estrutura típica das incriminações ......................
137
3. Do conceito de Informação Privilegiada ..................
143
4. Do relevo jurídico criminal das condutas de uso de informação privilegiada própria..........................
155
PARTE III Breve Análise Iurisprudencial – o estado da arte da jurisprudência sobre Insider Trading em Portugal
159
Conclusões.......................................................................
179
Referências ......................................................................
187
Anexos-legislação ............................................................
195
• Constituição da República Portuguesa ...................
199
• Código das Sociedades Comerciais .........................
201
(Artigos 449.º e 450.º)
• Decreto-Lei n.º 142-A/91, de 10 de Abril ..............
203
(Código do Mercado de Valores Mobiliários)
• DL n.º 52/2006, de 15 de Março .............................
262
Legislação complementar ...............................................
270
(Disponível em: http://livraria.vidaeconomica.pt)
8
APRESENTAÇÃO É com muito orgulho e prazer que, por esta forma, me associo à feliz iniciativa da publicação deste trabalho dos Senhores Dr. Ricardo Alexandre CARDOSO RODRIGUES e João André de Almeida da LUZ SOARES, não deixando de assinalar a amabilidade do convite para tal efeito. Tenho tido a gratificante oportunidade de apreciar, diretamente, o conjunto de qualidades pessoais e intelectuais que caracterizam o Senhor Dr. João Luz Soares, bem reveladas nas iniciativas de investigação que tem levado a cabo, a propósito dos mais variados assuntos. Quanto ao outro Autor, o Senhor Dr. Ricardo Cardoso Rodrigues, embora não tendo tido ainda o prazer de me cruzar profissionalmente com ele, a iniciativa em que colabora seguramente demonstra um espírito de investigação similar e uma comunhão de objetivos, que me prezo de assinalar. O tema escolhido, Do crime de abuso de informação privilegiada (insider trading). Uma análise ius dogmática, entre sistemas e jurisprudências, é difícil e denso, apresentando uma relevância prática crescente, bem ilustrada pelas situações duvidosas que são levadas ao conhecimento da opinião pública. Prende-se, no essencial, com as questões relativas à circulação de informação relevante e de governo societário. Como já assinalei, “a necessidade de mecanismos de governo das sociedades deriva, pois, de… importantes limitações a um modelo de concorrência perfeita:
9
Do crime de abuso de informação privilegiada (Insider Trading)
dado que os mecanismos contratuais não podem eliminar toda a incerteza, torna-se necessário viabilizar soluções organizacionais que perspetivem a solução dos problemas para além do enquadramento contratual; dado que a informação não é igualmente acessível a todos os agentes económicos e não circula livremente entre eles, torna-se necessário dispor de mecanismos que tentem alinhar os seus interesses diferenciados; dado que a concorrência não é perfeita e, por isso, não consegue alinhar completamente os interesses dos diversos agentes económicos, torna-se necessário encontrar soluções estruturais e deliberativas que definam como as decisões devem ser tomadas nas organizações, quem será responsável pelas consequências de tais decisões e quais as regras que devem ser seguidas quando os contratos não tenham aplicação”. E é neste contexto que se visualiza a plenitude das consequências nefastas que podem resultar do acesso e da utilização de informação privilegiada, como instrumento de desequilíbrio concorrencial. O interesse do trabalho é reforçado pelo facto de nele ser estabelecida um percurso prospetivo, na sequência do que já existe e em função da evolução que pode ser esperada. Esta publicação vai, inquestionavelmente, enriquecer a literatura jurídica portuguesa. E constituirá, seguramente, mais um incentivo para que os Autores continuem a trilhar, com o mesmo brilhantismo, os caminhos da investigação jurídica, de modo a proporcionar-nos outros resultados de categoria superior. António Pedro A. Ferreira Professor da Universidade Autónoma de Lisboa
10
PREFÁCIO Escrever um Prefácio a um livro que tem por objeto de investigação uma matéria jurídica muito específica, assente em fontes muito concretas e numa narrativa de matriz técnica é uma responsabilidade que assumi, sem muito pensar. Valeu a pena, gratificante que foi a leitura e a aprendizagem. Por isso, escrever breves linhas sobre Do Crime de Abuso de Informação Privilegiada (insider trading). Uma análise ius dogmática entre sistemas e jurisprudências constituiu para mim uma agradável tarefa de reencontro com conceitos estruturantes do universo jurídico como: abuso, informação, crime, privilégio, ius, dogmática, sistema, silêncio e jurisprudência. Depois as alterações de sentido que as composições conceptuais duais acarretam quando inseridas em normas legais ou em novos institutos jurídicos (informação privilegiada; abuso de informação; ius-dogmática, crime e valores mobiliários…). É esta perspetiva inovadora que o texto propõe, mas não formula. Para juristas experimentados com um conhecimento não apenas técnico-dogmático da ars iuridica a intuição cedo determina a compreensão. Para os neófitos é requerido um maior esforço de interpretação após releitura. Um dos temas mais interessantes do instituto da informação privilegiada é o do quantum da censura social pela sua prática que se repercute na normação legal relativa à criminalização e sanção de
11
Do crime de abuso de informação privilegiada (Insider Trading)
tais comportamentos. Essa questão central no tratamento dogmático do instituto cruza-se, com necessária interdisciplinaridade, com as ponderações jurisprudenciais sobre o custo social e económico da prática deste crime e com o desvalor moral de tal conduta. No livro, podemos entender ser este o plano traçado pelos autores, que determina a seleção de bibliografia e o modo de escrever. Numa sociedade que segue modelos globalizados de organização social e económica, onde o investimento especulativo em produtos financeiros determina margens de riqueza individual elevadas (exageradas), em processos de acumulação de riqueza que chocam com a pobreza crescente dos excluídos (uma vasta maioria) destes sistemas, importa garantir lealdade, confiança e transparência. Os autores mostram que cabe ao Direito fazer valer a racionalidade e a justeza de atitudes num Mundo onde parece que o dinheiro compra tudo. A força, seja qual for a sua origem, não pode prevalecer sobre a justiça. Daí que as normas que censuram o abuso de informação privilegiada devam contar com a força legítima das leis num alargado consenso social sobre o certo e o errado quanto a este instituto jurídico. Assim fica expresso pelos autores nas linhas que se seguem. Desregulados os mercados de uma forma programada pelo poder político dos países que lucram com estes procedimentos, numa opção prosseguida de forma sistemática e persistente pelos jogadores profissionais do jogo societário-financeiro, a informação detida pelos responsáveis pelas transações que tudo determinam em termos de vantagens e desvantagens assume uma importância capital. Garantir a vantagem do mérito e das boas práticas em sã concorrência pelo respeito de normas legisladas e regras consensualizadas é uma das finalidades da intervenção jurídica nestes assuntos. Cabe ao Direito assumir os valores e os princípios que garantem a justiça possível no mundo onde a informação privilegiada se movimenta. Daí o apelo dos autores ao ius sinalizando a centralidade
12
introdução
da Justiça na criação e aplicação das normas que disciplinam o tema que tratam. Depois, a construção dogmática e a aplicação jurisprudencial – fontes de Direito incontestáveis no atual momento de crise da lei – dão o recorte técnico necessário às decisões aplicadas aos que cometem o crime aqui analisado. Também a dicotomia entre “o que se diz e o que se cala” tem aqui uma relevância extraordinária no melindre de informar fora das regras e criando um ambiente de privilégio indevido que prejudica terceiros e coloca em causa a credibilidade de instituições que existem e atuam com base na confiança que temos nelas. A falta de credibilidade das instituições tem sido uma das principais causas da crise de confiança no Direito. A cobardia funcional dos titulares de cargos, com naturais e muitas exceções, instala uma situação duradoira de complacência, que redunda em cumplicidade, com os prevaricadores. Por isso, a temática da informação privilegiada, sendo muito específica e técnica, insere-se – como mostram os autores - no âmbito do que é tratado pelo Direito-ius, como expressão regrada da justiça numa certa sociedade. Finalmente, não podemos deixar de salientar duas qualidades do Direito que marcam de forma profunda esta obra, determinando a durabilidade do agora escrito na circunstância dos autores e na condição atual do tema no panorama da literatura jurídica: a fides e a complexidade. A fides, quando bona, porque é essa a marca fundamental de um direito positivo que se quer ius, como relembrou em texto fecundo e feliz o Professor António Menezes Cordeiro. A criação de condições de confiança entre as pessoas através de um conjunto de normas jurídicas que garantam ambientes onde o abuso, o engano e a traição têm consequências muito sérias para quem opta por assim proceder – é uma das principais tarefas do Direito nas sociedades atuais. O Direito assume a sua missão de dever ser que é em âmbito preventivo, fixando atenção minoritária na patologia dos com-
13
Do crime de abuso de informação privilegiada (Insider Trading)
portamentos humanos que levam à repressão sancionatória dos prevaricadores. A obra tem na sua proporção doutrinária uma dimensão jurídica ligada a um silêncio imposto pela lei, como dever particular de alguns, pelos efeitos adversos que a revelação dos conteúdos informativos implicados Aqui, em particular, colocando o foco doutrinário na traição daqueles (os guardiões da informação privilegiada) em quem foi depositada a confiança, pela comunidade, na guarda de informação que não pode ser revelada a não ser nos termos legalmente previstos. Os autores do livro isso mesmo intuíram e deixaram expresso no modo como organizaram a obra. A confiança é a base mais sólida de qualquer edifício normativo que seja jurídico e, no caso da informação privilegiada, é essa a sede onde, não desprezando as pontes interdisciplinares necessárias, o tema se insere e desenvolve. Idêntica atitude autoral se revela quando são aduzidos dados de outras disciplinas, sobretudo pela via do comentário jurisprudencial, que mostram a estrutura complexa dos institutos jurídicos, apesar da sua aparente tecnicidade dogmática e especificidade metodológica. Assim sendo, a leitura de Do Crime de Abuso de Informação Privilegiada (insider trading) – Uma análise ius dogmática entre sistemas e jurisprudências é um exercício gratificante e útil para os juristas; um contributo doutrinário para pensar as problemáticas colocadas pelo instituto da informação privilegiada; uma ajuda para os decisores sempre que esta matéria estiver envolvida nas suas sentenças. Boa leitura. Eduardo Vera-Cruz Pinto Professor Catedrático na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
14
RESUMO O crime de abuso de informação privilegiada (Insider Trading) é, hoje, mais do que nunca, uma realidade jurídico-económica de estudo e reflexão na senda internacional. Tema quente na discussão mediática, acompanhado, sobretudo, pelo labor das judicaturas. Sobretudo, em razão das perversidades que naturalmente evidencia e pelos múltiplos e diversos efeitos projetados no tempo e no espaço, com repercussão em diferentes planos do jurídico, do económico e do financeiro. O estudo, ora apresentado, parte dos dados da fenomenologia hodierna, com enfoque sobre as causas e consequências da globalização económica e financeira, para as balizas conscienciais e dogmáticas. Sobre essa consciência crítica serão trabalhados, à luz do direito português e europeu, os pontos temáticos estruturantes ao tipo de ilícito sancionado: da necessidade da tutela jurídico-criminal do bem jurídico supra individual tutelado - viabilidade e transparência do próprio mercado – que culmina com a consolidação da criminalização do abuso de informação privilegiada; dos fundamentos e inovações (novellae) às exigências jurídico-constitucionais; da arquitetura do tipo de ilícito aos sujeitos participantes e modus operandi das operações fundadas em informações privilegiadas relevantes. Procuramos demonstrar, problematizando, da relevância da criminalização e do trabalho de concetualização jurídico prática na edificação de sistemas e estruturas eficientes de gestão e controlo, garantes de níveis elevados de qualidade da informação “relevante” na dinâmica de uma (sempre) nova ordem económica e financeira
15
Do crime de abuso de informação privilegiada (Insider Trading)
globais. Habilitados a potenciar a fluidez do tráfico nacional, internacional e transnacional e a continuidade das relações e interações entre os diversos operadores económicos, através da institucionalização de níveis sustentáveis de transparência e segurança nos mercados e o, consequente, fortalecimento do valor fides. Palavras-chave: Crime de Abuso de Informação Privilegiada; Mercado; Banca; Bolsa; Seguros; Mundialização; Globalização
16
INTRODUÇÃO AS CINZAS DE UMA “CRISE” QUE ABALOU O MUNDO1, 2
Vivemos um momento histórico de profunda análise da organização e (re)estruturação de diversas áreas – banca, bolsa e seguros (entre outras (cor)relacionadas) - ligadas aos sistemas económico e 1 - A primeira experiência de crise, num contexto verdadeiramente global, foi a de 29, denominada “A Grande Depressão”, Crash Bolsista, Colapso da Bolsa ou crack da bolsa de Nova Iorque. Conjugava, fundamentalmente, seis aspetos essenciais: a superprodução agrícola e industrial; mercado livre (desregulado); quebra do consumo (interno [fortemente estimulado via crédito] e externo); queda dos lucros; paralisação do comércio; quebra da bolsa de valores. Com evidentes projeções globais, com impacto económico-financeiro e social (ex maxime redução da produção e desemprego). Evidenciou, flagrantemente, a impotência dos governos implicados e as limitações das medidas de política económica e financeira em garantir a integração económica global e, no fundo, potenciar um alinhamento conjunto ou integrado, ou seja, o estabelecimento de acordos de cooperação mundial, com medidas de contenção (antidepressivas) projetadas no futuro. 2 - A primeira crise financeira data de 1636, sendo conhecida como a Febre, Mania, Crise ou Bolha das Túlipas (também, tulipomania, tulipamania). A ela se seguiu, já no século XVIII, uma outra bolha especulativa que culmina na tão conhecida South Sea Crisis (que envolve os títulos da empresa com o mesmo nome – South Sea Company) . Entre outras com incidência mais regional – em particular, no bloco norte-americano e europeu -, iniciadas nos períodos compreendidos entre o século XIX e a meante do século sucedâneo, que culminam na Grande Depressão. Sem descurar, pela importância, as crises imobiliárias e bolsistas japonesa (dos anos 80), finlandesa, sueca e norueguesa (dos anos 90), com dramáticas implicações nos finais dos anos 90. Finalmente, no início da década de 90, a conhecida Crise da Tequilla ou Efeito Tequilla, e, na segunda parte dos anos 90, no bloco norte-americano, a Crise ou Bolha da Internet (no conhecido caso das dotcoms – denominação atribuída, à data, às empresas de internet) e a mais recente bolha ou crise do setor imobiliário. Em bom rigor, entre 1945 e 1997, pelo menos, 175 crises financeiras tiveram lugar. De salientar, 38 crises, no período de 1945 - 1971, para mais de 137 crises, no período de 1973 – 1997. v. (EICHENGREEN; BORDO, 2002). Revelador do aumento da probabilidade de repetição, em razão, sobretudo, da integração dos mercados (perspetiva endémica) (QUELHAS, 2009, in passim). E respetivas referências. Mas será esta uma crise como as outras? O presente estudo sugere uma resposta.
17
Do crime de abuso de informação privilegiada (Insider Trading)
financeiro, em que um esforço de definição orgânica e de competências se revela imperioso. Entre inúmeros aspetos de caráter objetivo, de destacar, a galopante aproximação geo-espacial, temporal e cultural dos indivíduos, a extrema fluidificação das relações sociais, frutos da atual mundialização, acompanhadas da intensificação da especialização e integração económicas, por efeito dos vários níveis e processos de globalização, nas suas mais diversas projeções, (CARDOSO RODRIGUES, 2012, 54-56; CARDOSO RODRIGUES, 2016 (A), 4-7), que, na qualidade de fond de teint, potenciaram, extraordinária e irresistivelmente, o reflorescimento (sem reais freios ético-morais), ultra expansão e crescimento dos sistemas mercantil, económico e financeiro. Hoje, alucinantemente, diferentes, em essência e modus operandi. De facto, o mundo tornou-se mais pequeno, mas os problemas mais densos e complexos, de causas, algumas ocultas, outras latentes, mais ainda, aparentes, entre essas, “sem agentes”. A geografia dos países, por sua vez, insuficiente para prevenir, conter, controlar ou corrigir os fenónenos, sobretudo os que, bem compreendidos (holísticamente), se revelem conjunturais e as potencialidades de impacto tendam a rasgar fronteiras. Questões-problemas locais e nacionais, ora, problemáticas cujas proporções e impactos reclamam uma intervenção integrada e de nível global.(MARTINS, 2011, 40 e ss). Novos desafios, numa aldeia frágil e insegura, “bem” habitada pelos mais sofisticados operadores, os “sempre” novíssimos agentes suportados por complexas “estruturas” em rede, formando as mais blindadas cadeias nacionais, internacionais e transnacionais, oxigenadas pelo ultra-amaranhado tecido econométrico-financeirista que se faz acompanhar pela mais hábil e criativa engenharia normativa-contratual (com os mais elevados ganhos de eficiência), avalizada, grandemente, pelos, aparentes, obsoletismos (crónicos) e religiosidade (cega) institucionais, que culminam numa infeliz ataraxia.
18
introdução
Ora, um campo fértil ao “(i)(a)moral” labor criativo dos agentes-operadores, estruturas avançadas, “máquinas” da mais alta criminalidade económica-financeira (que apresenta altos níveis de impunidade), com os correspondentes impactos-custos económicos, financeiros, mercantis e sociais (amplos e altamente contagiosos). Nesta senda ressalta a mais recente crise financeira, denominada subprime, e que data de (julho) 2007 - que despoletou no ano seguinte numa profunda crise económica de projeção global -, cuja catadupa de efeitos diretos e indiretos, impeliram a mais profunda reflexão-ação sobre a atual configuração do sistema “de coisas”, em particular, o papel dos sujeitos concretos e instituições no quadro do grande teatro financeiro global. Ora, o convite à reflexão e mudança de paradigma não é por todas as razões naïf, antes advém de uma sólida convicção de que esta é uma crise sem paralelo, uma crise conjuntural, quer pela sua génese, expansão e efeito de contaminação3, mas, sublinhe-se, e apesar de tudo, pela forma única como os standards de controlo não a “conseguiram” antever, conter ou subverter. Parafraseando GEORGE SOROS: “Estamos no meio de uma crise financeira como não se via desde a Grande Depressão da década de 30. Não é, certamente, o prelúdio para outra Grande Depressão; a História não se repete (…) Ao mesmo tempo, a atual crise não se pode comparar às crises periódicas que atingiram segmentos particulares do sistema financeiro desde a década de 80 (…). Esta crise não se limita a uma empresa ou segmento particular do sistema financeiro. Colocou todo o sistema à beira de um colapso e está a ser contida com grande dificuldade. Isto terá consequências extensas” (SOROS, 2009, 141). 3 - Sobre a origem e desenvolvimento, causas e explicações v. (CORDEIRO, 2014 (A), 131-152).
19
Do crime de abuso de informação privilegiada (Insider Trading)
Nas palavras do autor, a crise de 2007 (subprime) “[n]ão é uma crise como as outras, mas o fim de uma era” (SOROS, 2009, 141). Esta ideia de fim de ciclo é, a nosso ver, fundamental. Convenhamos que a análise efetuada por SOROS4, baseada na teoria da reflexividade5 e reportada ao modelo económico de expansão-contração, foi deduzida quando ainda era impossível discernir com precisão a real extensão e disseminação da supracitada crise. Tem, todavia, a grande mais-valia de percecionar que nos encontrávamos num momento fractal de paradigm shift. Assumimos que a referida crise se assemelhou, num determinado aspeto a uma autêntica e verdadeira tempestade perfeita. De facto, fenómenos como o surgimento e implementação desregulada de conglomerados financeiros6, o aparecimento e utilização descontrolada
4 - Interessante será descobrir que o autor relaciona a ideia de fim de ciclo com as especificidades da crise de 2007. Ao fazê-lo mobiliza a existência, não de uma, mas de duas bolhas: a bolha imobiliária dos EUA, diversa de todas pela amplitude e importância para a economia global e para o sistema financeiro internacional, e a hipótese da superbolha. Esta expandiu-se de forma mais complexa e sobreposta à bolha imobiliária tradicional. Embora se caracterize pela mesma tendência predominante de criação de métodos cada vez mais sofisticados de criação de crédito, o autor acredita que o erro fundamental é diametralmente diferente. Consiste, portanto, numa “confiança excessiva no mecanismo de mercado. O Presidente Ronald Reagan chamou-lhe a magia do mercado. Eu chamo-lhe fundamentalismo de mercado” (SOROS, G., ob. cit., p.153). A ideia transversal baseia-se na conceção que os mercados, de facto, e ao contrário do que a teoria da concorrência perfeita estipulava, não tenderiam necessariamente para o equilíbrio. A super bolha combinaria, assim, três tendências fundamentais: uma tendência a longo prazo, para uma expansão de crédito cada vez maior; uma segunda linha que se reflete na globalização dos mercados financeiros; e, por último, uma terceira ideia de remoção progressiva da regulamentação financeira e o movimento acelerado das inovações financeiras. Neste sentido, e visando um crescente aprofundamento v. SOROS, G., ob. cit., 152 e ss. 5 - A realidade económica, financeira, social e cultural é auto e hetero condicionada. Neste sentido v. Cfr. SOROS, G., ob. cit.,p.101 e ss. 6 - Os conglomerados financeiros surgem num movimento de evolução e de complexificação das relações entre os diversos setores da Banca, Bolsa e Seguros. De facto, a superação dos tradicionais core business (com a bancassurance e a assurbanque), atesta o aparecimento da tão badalada allfinanz. No entanto, a implementação desregulamentada destes conglomerados financeiros, pluri-funcionais, e pluri-setoriais, acarreta riscos de permeabilidade e potencial destabilização do sistema, assim como aumento do risco de contágio e efeito dominó. Além do que permite a utilização duvidosa do mesmo capital (pluri-capital), proporcionando operações fictícias entre empresas do mesmo grupo, consignando autênticas «terras de ninguém”.
20
ANEXOS – LEGISLAÇÃO
ENQUADRAMENTO JURÍDICO BÁSICO135
135 - Complementada por E-Book disponível no site da V.E., e os seguintes diplomas: Constituição da República Portuguesa; Código das Sociedades Comerciais; Código do Mercado de Valores Mobiliários; Código de Valores Mobiliários; Dl n.º 52/2006, de 15 de março; Convenção do Conselho da Europa de 1989 (convention on insider trading, strasbourg, 20.iv.1989); Diretiva 89/592/CEE do Conselho, de 13 de novembro de 1989, relativa à coordenação das regulamentações respeitantes às operações de iniciados; Diretiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado; Diretiva 2014/57/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de abril de 2014, relativa às sanções penais aplicáveis ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado); Diretiva 2004/109/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de dezembro de 2004, relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado e que altera a Diretiva 2001/34/CE; Diretiva 2013/50/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de outubro de 2013, que altera a Diretiva 2004/109/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado, a Diretiva 2003/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao prospeto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação e a Diretiva 2007/14/CE da Comissão que estabelece as normas de execução de determinadas disposições da Diretiva 2004/109/CE; Regulamento ue nº 596/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de abril de 2014, relativo ao abuso de mercado (regulamento abuso de mercado) e que revoga a Diretiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e as Diretivas 2003/124/CE, 2003/125/CE e 2004/72/CE da Comissão.; Regulamento de Execução (UE) 2016/347 da Comissão, de 10 de março de 2016, que estabelece normas técnicas de execução no que se refere ao formato exato das listas de pessoas com acesso a informação privilegiada e ao formato para a atualização das listas de pessoas com acesso a informação privilegiada em conformidade com o Regulamento (UE) n.° 596/2014; Diretiva de Execução (UE) 2015/2392, da Comissão, de 17 de dezembro de 2015, relativa ao Regulamento (UE) n.° 596/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho no que se refere à comunicação, às autoridades competentes, de informações sobre infrações efetivas ou potenciais a esse regulamento.
197
Anexos
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA Artigo 2.º (Estado de direito democrático) A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa. …. Artigo 3.º (Soberania e legalidade) 1. A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição. 2. O Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade democrática. 3. A validade das leis e dos demais atos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a Constituição. …. Artigo 101.º (Sistema financeiro) O sistema financeiro é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social. …. Artigo 81.º (Incumbências prioritárias do Estado) Incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social: a) Promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável; b) Promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar
199
Do crime de abuso de informação privilegiada (Insider Trading)
as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal; c) Assegurar a plena utilização das forças produtivas, designadamente zelando pela eficiência do setor público; d) Promover a coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os setores e regiões e eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo e entre o litoral e o interior; e) Promover a correcção das desigualdades derivadas da insularidade das regiões autónomas e incentivar a sua progressiva integração em espaços económicos mais vastos, no âmbito nacional ou internacional; f) Assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral; g) Desenvolver as relações económicas com todos os povos, salvaguardando sempre a independência nacional e os interesses dos portugueses e da economia do país; h) Eliminar os latifúndios e reordenar o minifúndio; i) Garantir a defesa dos interesses e os direitos dos consumidores; j) Criar os instrumentos jurídicos e técnicos necessários ao planeamento democrático do desenvolvimento económico e social; l) Assegurar uma política científica e tecnológica favorável ao desenvolvimento do país; m) Adoptar uma política nacional de energia, com preservação dos recursos naturais e do equilíbrio ecológico, promovendo, neste domínio, a cooperação internacional; n) Adoptar uma política nacional da água, com aproveitamento, planeamento e gestão racional dos recursos hídricos.
200
Anexos
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS A. ARTIGOS 449.º E 450.º Artigo 449.º (Abuso de informação) 1 - O membro do órgão de administração ou do órgão de fiscalização de uma sociedade anónima, bem como a pessoa que, por motivo ou ocasião de serviço permanente ou temporário prestado à sociedade, ou no exercício de função pública, tome conhecimento de factos relativos à sociedade aos quais não tenha sido dada publicidade e sejam suscetíveis de influenciarem o valor dos títulos por ela emitidos e adquira ou aliene ações ou obrigações da referida sociedade ou de outra que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo, por esse modo conseguindo um lucro ou evitando uma perda, deve indemnizar os prejudicados, pagando-lhes quantia equivalente ao montante da vantagem patrimonial realizada; não sendo possível identificar os prejudicados, deve o infrator pagar a referida indemnização à sociedade. 2 - Respondem nos termos previstos no número anterior as pessoas nele indicadas que culposamente revelem a terceiro os factos relativos à sociedade, ali descritas, bem como o terceiro que, conhecendo a natureza confidencial dos factos revelados, adquira ou aliene ações ou obrigações da sociedade ou de outra que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo, por esse modo conseguindo um lucro ou evitando uma perda. 3 - Se os factos referidos no n.º 1 respeitarem à fusão de sociedades, o disposto nos números anteriores aplica-se às ações e obrigações das sociedades participantes e das sociedades que com elas estejam em relação de domínio ou de grupo. 4 - O membro do órgão de administração ou do órgão de fiscalização que pratique alguns dos factos sancionados no n.º 1 ou no n.º 2 pode ainda ser destituído judicialmente, a requerimento de qualquer acionista. 5 - Os membros do órgão de administração devem zelar para que outras pessoas que, no exercício de profissão ou atividade exteriores à sociedade, tomem conhecimento de factos referidos no n.º 1 não se aproveitem deles nem os divulguem. Artigo 450.º Inquérito judicial 1 - Para os efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo anterior, qualquer acionista pode requerer inquérito, em cujo processo será ordenada a destituição do infrator, se disso for caso. 2 - No mesmo processo pode o infrator ser condenado a indemnizar os prejudicados, nos termos previstos no artigo anterior.
201
Anexos
DECRETO-LEI N.º 142-A/91, DE 10 DE ABRIL (CÓDIGO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS) 1 - A existência de um mercado de valores mobiliários amplo e eficiente constitui hoje condição essencial, não apenas de qualquer processo de desenvolvimento económico e social sustentado e intrinsecamente equilibrado, mas também da própria obtenção pelos Estados modernos de enorme volume de recursos de que carecem para o financiamento dos pesados investimentos infra-estruturais a seu cargo e, inclusivamente, para a adequada gestão da sua tesouraria. E se isto é assim em quaisquer circunstâncias, muito mais o é na situação particular em que Portugal se encontra, resultante da sua integração na CEE e da tão próxima inauguração do mercado único europeu, que o obriga a acelerar fortemente esse processo e a efetuar simultaneamente uma profunda e onerosa revisão e modernização de toda a sua estrutura produtiva, bem como, na generalidade dos setores, uma adequada reformulação e consolidação do seu tecido empresarial. 2 - Sucede, por outro lado, que o mercado único, implicando uma total liberdade de estabelecimento, de prestação de serviços e de circulação de capitais entre os 12 países da Comunidade, tem como corolário lógico a criação no conjunto desses países de um grande mercado europeu de valores mobiliários, de que cada um dos diversos mercados nacionais que o integram passará a constituir componente mais ou menos viável, relevante e activa consoante a capacidade que tenha de competir com os demais nas garantias de eficiência, transparência e liquidez que ofereça às entidades emitentes, aos investidores individuais e institucionais e aos intermediários financeiros. Suscita-se, assim, com toda a acuidade, para Portugal, como para alguns outros Estados membros da CEE, o problema da própria subsistência de um autêntico mercado nacional de valores mobiliários, e, para todos e cada um dos Estados membros, a necessidade de repensarem, reestruturarem e modernizarem os seus mercados internos, de modo a evitar a sua injustificada subalternização aos de outros Estados membros com maiores tradições nesse domínio ou mais expeditos na introdução das reformas apropriadas. 3 - Sucede ainda que os mercados de capitais experimentaram a partir do início dos anos 80, nas praças dominantes de todo o mundo industrializado e mesmo em algumas praças periféricas, designadamente no que respeita aos valores mobiliários, uma evolução quantitativa e qualificativa tão profunda que a revisão, por vezes
203
Do crime de abuso de informação privilegiada (Insider Trading)
radical, da orgânica e modo de funcionamento, quando não da própria concepção básica desses mercados, se tornou indispensável, sob pena de deixarem de poder responder às necessidades das economicas que servem. Destacam-se nessa evolução um fortíssimo crescimento do recurso ao mercado de valores mobiliários pelas entidades emitentes públicas e privadas, uma enorme expansão do volume das transações nos mercados secundários, um extraordinário aumento do peso dos investidores institucionais e uma constante aceleração do processo de internacionalização dos mercados de valores mobiliários em geral. Da influência combinada dos factores referidos decorre todo um conjunto de ajustamentos que têm vindo, e estão, a operar-se na maior parte dos mercados de valores mobiliários dos países industrializados. 4 - No que respeita a Portugal, o mercado de valores mobiliários, depois de longos anos de estagnação, ressurge em 1972, para conhecer um crescimento espectacular no curtíssimo espaço de tempo que decorreu até ao 25 de abril, pondo à prova a adequação e capacidade de resposta das estruturas arcaicas da Bolsa de Lisboa, que não estavam preparadas para o processamento e controlo desse volume de negócios, e dando, consequentemente, origem a problemas graves de liquidação de operações, a irregularidades de comportamento das cotações e a desvios especulativos a que cumpria pôr cobro. Daí a promulgação, em 14 de janeiro de 1974, do Decreto-Lei n.º 8/74, que, substituindo as disposições do Código Comercial de 1898 e do Decreto de 10 de outubro de 1901, procedeu a uma profunda revisão da orgânica e das regras de funcionamento das bolsas de valores e das atividades dos corretores e passou a constituir, até hoje, o diploma quadro do mercado secundário português de valores mobiliários. Sucede, todavia, que logo em 25 de abril de 1974, por razões conhecidas, se verificou o encerramento das bolsas de valores, só em 1976 se autorizando a sua reabertura. E as esporádicas medidas que, subsequentemente e até 1985, os governos foram tomando com vista à remuneração do mercado não lograram êxito relevante. 5 - Por tudo o que fica exposto, a criação de um amplo, activo e eficiente mercado nacional de valores mobiliários não podia deixar de constituir um objetivo fundamental do Programa do Governo para 1986 e anos seguintes, asseguradas, como considerava que ficariam por força do mesmo programa, as condições necessárias para o restabelecimento da confiança dos agentes económicos. Daí que, através de um conjunto de sucessivos diplomas (nomeadamente os Decretos-Leis n.os 172/86, de 30 de junho, e 130/87, de 17 de março, e o artigo 45.º da Lei n.º 2/88, de 26 de janeiro), tenha eficazmente incentivado a abertura do capital das empresas ao público e a sua cotação na bolsa, resolvendo, por essa forma, o problema básico e prioritário da oferta de valores mobiliários no mercado. E tais medidas, conjugadas com um painel apropriado de incentivos fiscais à aquisição de ações cotadas em bolsa ou objeto de oferta pública de subscrição ou
204
LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR Disponivel em: http://livraria.vidaeconomica.pt (1) 1. Constituição da República Portuguesa – (CRP) – “Lei” fundamental (Decreto de 10 de Abril de 1976) 2. Código das Sociedades Comerciais (CSC) (Decreto-Lei n.º 262/86, de 02 de Setembro) 3. Código do Mercado de Valores Mobiliários (Cód.MVM) (Decreto-Lei n.º 142-A/91, de 10 de Abril) 4. Código de Valores Mobiliários (CVM) (Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro) 5. Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de março 6. Convenção do Conselho da Europa sobre operações financeiras de iniciados de 1989 (Estrasburgo, 20.IV.1989) (Convention on insider trading of Council of Europe - Convention sur les opérations financières des initiés de Conseil de l’Europe [Strasbourg, 20. IV. 1989]) 7. Diretiva 89/592/CEE do Conselho, de 13 de novembro de 1989, relativa à coordenação das regulamentações respeitantes às operações de iniciados
(1) - Os conteúdos da Legislação Complementar aqui listada estão disponíveis para consulta em formato PDF, na livraria on line da Vida Económica. Assim para ter acesso, deverá ir a http://livraria.vidaeconomica.pt, entrar na página de internet do livro Do crime de abuso de informação privilegiada (insider trading) e clicar em “Download”.
8. Diretiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado) 9. Diretiva 2014/57/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa às sanções penais aplicáveis ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado) 10. Diretiva 2004/109/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2004, relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado e que altera a Diretiva 2001/34/CE 11. Diretiva 2013/50/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, que altera a Diretiva 2004/109/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado, a Diretiva 2003/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao prospeto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação e a Diretiva 2007/14/CE da Comissão que estabelece as normas de execução de determinadas disposições da Diretiva 2004/109/CE 12. Regulamento UE nº 596/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativo ao abuso de mercado (regulamento abuso de mercado) e que revoga a Diretiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e as Diretivas 2003/124/CE, 2003/125/CE e 2004/72/CE da Comissão 13. Regulamento de Execução (UE) 2016/347 da Comissão, de 10 de março de 2016, que estabelece normas técnicas de execução no que se refere ao formato exato das listas de pessoas com acesso a informação privilegiada e ao formato para a atualização das listas de pessoas com acesso a informação privilegiada em conformidade com o Regulamento (UE) n.° 596/2014 14. Diretiva de Execução (UE) 2015/2392, da Comissão, de 17 de dezembro de 2015, relativa ao Regulamento (UE) n.° 596/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho no que se refere à comunicação, às autoridades competentes, de informações sobre infrações efetivas ou potenciais a esse regulamento.
NĂŁo podemos deixar de salientar duas qualidades do Direito que marcam de forma profunda esta obra, determinando a durabilidade do agora escrito na circunstância dos autores e na condição atual do tema no panorama da literatura jurĂdica: a fides e a complexidade.
Assim sendo, a leitura de “Do Crime de Abuso de Informação Privilegiada (insider training). Uma anĂĄlise ius dogmĂĄtica entre sistemas e jurisprudĂŞnciasâ€? ĂŠ um exercĂcio gratificante e Ăştil para os juristas; um contributo doutrinĂĄrio para pensar as problemĂĄticas colocadas pelo instituto da informação privilegiada; uma ajuda para os decisores sempre que esta matĂŠria estiver envolvida nas suas sentenças. Eduardo Vera-Cruz Pinto
T. +351 213 566 400 F. +351 213 566 488 geral@rsa-lp.com www.rsa-advogados.pt
www.vidaeconomica.pt ,6%1
9 789897 684197
JOĂƒO LUZ SOARES
DO CRIME DE ABUSO DE INFORMAĂ‡ĂƒO PRIVILEGIADA - INSIDER TRADING
O Direito assume a sua missĂŁo de dever ser que ĂŠ em âmbito preventivo, fixando a atenção minoritĂĄria na patologia dos comportamentos humanos que levam Ă repressĂŁo sancionatĂłria dos prevaricadores. A obra tem na sua proporção doutrinĂĄria uma dimensĂŁo jurĂdica ligada a um silĂŞncio imposto pela lei, como dever particular de alguns, pelos efeitos adversos que a revelação dos conteĂşdos informativos implicados. Aqui, em particular, colocando o foco doutrinĂĄrio na traição daqueles (os guardiĂľes da informação privilegiada) em quem foi depositada a confiança, pela comunidade, na guarda de informação que nĂŁo pode ser revelada, a nĂŁo ser nos termos legalmente previstos.
RICARDO ALEXANDRE CARDOSO RODRIGUES
DO CRIME DE ABUSO DE INFORMAĂ‡ĂƒO PRIVILEGIADA
INSIDER TRADING UMA ANĂ LISE IUS DOGMĂ TICA, ENTRE SISTEMAS E JURISPRUDĂŠNCIAS