Pintura

Page 1

Pintura

de Carlos alberto Santos A grande amargura de um pintor é, quando deixa a sua obra seguir o caminho que lhe é destinado, e na maioria das vezes nunca mais a vê na vida. Resta ficar com algumas fotografias desses quadros, que por muito boa qualidade que tenham, nunca correspondem às cores originais, nem à vivência do trabalho feito; mas, que servem ainda para recordar anos mais tarde. Este livro é, em grande parte, a possibilidade de ter as melhores recordações futuras, com as reproduções das telas feitas ao longo de várias décadas.

“O pintor pendeu, sem dúvida, sempre mais para a poesia que para a severidade da erudição. Os ambientes feéricos do milagre e da lenda ocupam o melhor espaço das suas telas.” Prof. José Hermano Saraiva

de Carlos alberto Santos

Pintura

Pintura de Carlos alberto Santos

“Como português amante da arte, é com orgulho e emoção que agradeço ao Mestre Carlos Alberto Santos ter enaltecido e preservado as maiores figuras e os melhores feitos da nossa história real ou lendária. E não o favoreço neste juízo crítico porque basta olhar as obras que, de forma genial, honesta e sincera, a todos tem brindado ao longo de toda a sua vida, para se ver a razão daquele meu julgamento.” Dr. António Pais de Sousa

“Quando um pintor pinta dentro das figuras, as humaniza e lhes dá sentimento, nós imaginamos que aquela mulher sofre, o homem exibe a sua irascibilidade, ou mesmo a criança expressa temor, nos seus olhitos assustados. Quando estamos perante um dos seus quadros, transportamo-nos à época histórica ou bíblica retratada, e sentimo-nos a conviver com as personagens.” Dr. Artur Varatojo

www.vidaeconomica.pt ISBN: 978-972-788-392-9

9 789727 883929


ÍnDiCE D. Afonso Henriques (alegoria) | D. Afonso Henriques (allegory) ....................................................................................... 17 As cortes de Leiria em 1254, onde o povo pela primeira vez teve representação | The Leiria courts of 1254, where the people took seat for the first time .......................................................................................................................................... 18 “Tal a grande coluna, enchendo, aumenta”… | Just like a large column, when filling enlarges… ........................................ 19 Santa Joana Princesa | Rainha Santa Isabel ........................................................................................................................ 20 “Os bons vi sempre passar”… | I watched the world tasking Good men with adversity ......................................................... 22 Alegoria sobre Camões | Allegory to Camões ....................................................................................................................... 23 Fernão Mendes Pinto........................................................................................................................................................ 24 Bartolomeu Dias no Cabo (sonhando mais além) | Bartolomeu Dias on the cape (dreaming beyond) .................................. 25 A lendária gruta de Macau | The legendary grotto of Macau ................................................................................................ 26 No naufrágio da vida | On the shipwreck of life................................................................................................................... 26 Túmulo de Bartolomeu Dias (Fantasia) | Bartolomeu Dias tomb (Fantasy)......................................................................... 27 “O plantador de naus a haver” | The planter of the ships to come ........................................................................................ 28 Fernão de Magalhães ....................................................................................................................................................... 29 “Que poderei do mundo já querer”… | What may I want from the world… .................................................................... 30 “Doces lembranças da passada glória”… | Sweet memories of ancient glory… .................................................................... 30 “Onde toda a tristeza se desterra” | “Where all sadness is banished” ................................................................................... 31 “Vem do naufrágio triste e miserando”… | Coming from a shipwreck sad and miserable… ............................................... 32 Numa manhã de nevoeiro | On a foggy morning ................................................................................................................ 33 Alegoria aos irmãos Corte-Real | Allegory to the Corte Real brothers ................................................................................... 34 D. João II (oferece) a obra a D. Manuel I | D. João II offers the works to D. Manuel I ........................................................ 35 Alegoria ao Infante D. Henrique | Allegory on the prince Henrique .................................................................................... 36 O Infante Santo preso em Fez | The Infante Santo prisioner in Fez ..................................................................................... 37 A chegada do Encoberto | The coming of the cloaked one .................................................................................................... 38 “Splendia sobre as naus da iniciação” | Splendia on the caravels of initiation…................................................................... 39 “Amor é um fogo que arde sem se ver”… | Love is fire which burns invisibly… ................................................................. 40 “Pois vida me não farta de viver” | “So i´m not satiated of living the life” ............................................................................ 41 “Põem no madeiro duro o brando peito”… | “Placing on wood the gentle chest”… ............................................................ 42 Alegoria Afonso Lopes Vieira | Allegory to Afonso Lopes Vieira............................................................................................ 43 O encontro do rio Lis e o Lena (Leiria) | The meeting of the Lis and Lena rivers (Leiria) .................................................... 43 “Por onde o Zaire passa, claro e longo” | Along the Zaire river, clear and long .................................................................... 44 “A última nau” | The last ship ............................................................................................................................................ 45 Alegoria a Bartolomeu Dias | Allegory to Bartolomeu Dias ................................................................................................ 46 “O dia em que eu nasci moura e pereça”… | “The dark terminal day I was born”… ......................................................... 47 A lenda do Magriço e os Doze de Inglaterra | The legend f the Magriço and the twelve of England ...................................... 47 D. Nuno Alvares Pereira ................................................................................................................................................... 49 D. Fuas Roupinho na conquista de Porto-de-Mós | Fuas Roupinho in Porto-de-Mós conquest ............................................ 50 D. Afonso Henriques no milagre da Batalha de Ourique | D. Afonso Henrique in the miracle of the batlle of Ourique ........ 51 A lenda de Cegovim (Leiria) | The legend of Cegovim......................................................................................................... 52 Brisas do pinhal – D. Dinis (Leiria) | The pine grove breeze ............................................................................................... 53 A lenda da primeira feira em Portugal | The legend of the first market in Portugal .............................................................. 54 O milagre das rosas | The roses miracle ............................................................................................................................... 54 O sonho do Infante | The infant’s dream ........................................................................................................................... 55

5


O Infante Santo | The “Infante Santo” .................................................................................................................................55 “Vês aqui a grande máquina do mundo” | “Here you see the great machine of the world” .......................................................56 “Desembarque dos Portugueses no Brasil” | Portuguese arrival in Brazil .............................................................................57 “Fernão de Magalhães” .......................................................................................................................................................58 O Infante (1º poema do Mar Português de Fernando Pessoa) | The Infant .........................................................................59 Viriato ................................................................................................................................................................................60 A morte de Viriato | The death of Viriato .............................................................................................................................61 Sentinelas lusitanas | Lusitanian sentinels .............................................................................................................................62 O milagre das rosas em Alenquer | The miracle of roses in Alenquer .....................................................................................63 A Rainha Santa ajudando os pobres | Rainha Santa helping the poor ....................................................................................64 A lenda da aldeia de Fátima | The legend of Fátima‘s village..................................................................................................64 D. Afonso VI preso no Palácio de Sintra | D. Afonso VI prisioner in Palace of the Sintra .......................................................66 “Sintra, onde as naiades, escondidas”… | Sintra where the naiads were hiding… ..............................................................67 O castelo mourisco | The moorish castle ...............................................................................................................................68 Pastores | Shepherds .............................................................................................................................................................68 A lenda de Seteais | The legend of Seteais ..............................................................................................................................69 As primeiras descobertas (1434) | The first discoveries..........................................................................................................70 “Mais do que prometia a força humana”… | More than promised the human strength… ...................................................70 Gaspar Corte Real ..............................................................................................................................................................71 Diogo Cão explorando o rio Zaire | Diogo Cão exploring the Zaire river...............................................................................71 Vasco da Gama ...................................................................................................................................................................72 “A proa a demandar o ardente meio”… | The bow demanding the flaming way… ................................................................73 “De paz e de amizade, sacra e nua”… | Peace and friendship, sacred and naked… ................................................................74 Peregrinação de Fernão Mendes Pinto | Fernão Mendes Pinto peregrination .........................................................................75 “Ó mar salgado” | “Oh salty sea” ..........................................................................................................................................76 “Vencendo a tormenta” | “Winning the tempest” ..................................................................................................................77 Diogo Cão na Pedra de lelala no rio Zaire | Diogo Cão and the lelala stone on the Zaire river ...............................................78 Passagem da Terra do Fogo, por Fernão Magalhães | The Terra do Fogo passage ...................................................................79 O salvamento do manuscrito | The salvage of the manuscript ...............................................................................................80 Poema de um amor perdido | Poem of a lost love ..................................................................................................................80 “…Quem não deixará nunca de querer-te”! | “He who will never stop wanting you”! ............................................................81 Trovador | Troubadour .........................................................................................................................................................82 A génese dos descobrimentos ..............................................................................................................................................83 Almourol lendário | The legendary castle of Almourol ............................................................................................................84 Cena Medieval (Castelo da Feira) | Medieval scene (Castelo da Feira) ...................................................................................84 O alfageme de Santarém | The armour maker of Santarém ...................................................................................................85 Tempos de glória | Glorious times ........................................................................................................................................86 D. Nuno Álvares Pereira em Valverde | D. Nuno Álvares Pereira in Valverde.........................................................................87 “Ergue a luz da tua espada”… | “Raise the light of your sword” .............................................................................................88 A visita do embaixador Castelhano a Frei Nuno | The visit of the spanish ambassador to Frei Nuno ......................................88 “Egas Moniz se chama o forte velho” | “Egas Moniz is the name of the strong old man” .........................................................89 A lenda de Valongo | The legend of Valongo ..........................................................................................................................89 Prometeu trazendo aos homens o fogo roubado do céu | Prometeu bringing to mankind the fire stolen from the sky ..............90

6


Fantasia sobre o funeral de Bartolomeu Dias | Fantasy on Bartolomeu Dias funeral .............................................................91 S. Francisco de Assis (Patrono dos Animais) | S. Francisco de Assis (Patron of Animals) ........................................................91 A nereide triste | The sad nereid ...........................................................................................................................................92 A prova de Dionísio | The Dionisio‘s tasting .........................................................................................................................93 A passagem do Cabo da Boa Esperança | The passage of the Cape of Good Hope in 1487 ......................................................94 “Negros chuveiros, noites tenebrosas”… | “Dark showers, tenebrous nights” .........................................................................95 “Ascensão de Vasco de Gama” | “The ascent of Vasco da Gama” ............................................................................................96 Magalhães ...........................................................................................................................................................................97 Passagem do Estreito de Magalhães | Passage in the Magalhães strait ....................................................................................98 Alegoria a Bartolomeu Dias | Allegory to Bartolomeu Dias ...................................................................................................99 Sá da Bandeira no cerco do Porto em 1832–1833 | Sá da Bandeira in Oporto’s siege in 1832–1833 ...................................100 O cerco do Porto 1932–1833 (A ajuda das mulheres portuenses aos soldados cercados) | Women in Oporto’s siege 1832–1833 ....... 101 Defesa da Ponte de Negrelos | The defense of the Negrelos Bridge ........................................................................................102 Regimento de cavalaria portuguesa nº 4 na batalha Fuentes del Maestro em 1812 | Portuguese cavalary regiment nº 4 in the battle of Fuentes del Maestro in 1812 .........................................................................................................................103 A batalha de Ormuz | The Ormuz battle ............................................................................................................................104 O combate Negomano | The Negomano combat ................................................................................................................104 Ferreiro | The blacksmith ...................................................................................................................................................105 O Soldado Milhões na Batalha de La Lys | The soldier Milhões in the battle of La Lys .........................................................105 Entre a Cidades e Tormes | Between the Cities and Tormes .................................................................................................106 Eça, critico social | Eça, social critic....................................................................................................................................107 Composição sobre o romance de Eça de Queiroz “O primo Basílio” – o drama de Luisa | Composition on Eça de Queiroz romance “O primo Basílio” – Luisa‘s drama .........................................................................................................................107 A desilusão do “Paraíso” (O primo Basílio) | Paradise’s delusion (O primo Basílio) .............................................................107 Amores escondidos (Pedro e Inês) | Hidden loves...............................................................................................................108 A lenda do castanheiro do amor (episódio da batalha de Aljubarrota) | The legend of the chestnut tree of love ....................108 “Assim fomos abrindo aqueles mares”… | “And so we went opening those seas” ...................................................................109 Esperança do Regresso | Hopping for the return .................................................................................................................110 Os nautas do séc. XX (Pesca do bacalhau) | The 20th century nautas. (Portuguese codfish fishermen) ....................................111 Perdido e… salvo! (Pesca do Bacalhau) | Lost and… safe! (Portuguese codfish fishermen).....................................................112 Tranquilidade perigosa (Pesca do bacalhau) | Dangerous tranquility (Portuguese codfish fishermen) .....................................113 Aguas agitadas (Pesca do bacalhau) | Angry waters (Portuguese codfish fishermen) ...............................................................113 Viúva do mar | The Sea’s widow .........................................................................................................................................114 A perigosa passagem da barra (séc. XX) | The dangerous passage of the harbour’s entrance ...................................................114 O “cego do Maio” ...........................................................................................................................................................115 O arrais Gabriel Ançã | The sea captain Gabriel Ançã.........................................................................................................115 Mulheres Sargaceiras | Woman seaweed catchers .................................................................................................................116 Heróis do sargaço | Seaweed heroes ....................................................................................................................................116 Enfrentando todos os perigos | Facing all the dangers.........................................................................................................117 A apanha do sargaço | Seaweed catching .............................................................................................................................117 Pateira de Fermentelos | Pateira of Fermentelos ..................................................................................................................118 Sargaçeiro | Seaweed catcher ...............................................................................................................................................118 Depois da faina (Arte Xávega) | After the fishing ................................................................................................................119

7


A jovem ajudante | The young helper ..................................................................................................................................... 119 Salvos!!! | Saved!!! ................................................................................................................................................................. 120 Descanso merecido | Deserved rest ........................................................................................................................................ 120 “S. Cristóvão”. Conto de Eça de Queiroz | “S. Cristovão”. Eça de Queiroz short story ............................................................ 121 Fiandeira | The spinner ......................................................................................................................................................... 121 Dia de inverno | Winter´s day ............................................................................................................................................... 122 Amizade | Friendship ............................................................................................................................................................ 122 Fabricando o queijo | Making cheese ..................................................................................................................................... 123 Jovem pastor – Beira Alta | Young shepherd – Beira Alta........................................................................................................ 124 Ceifeiras | Harvesters............................................................................................................................................................. 125 Nas encostas do Douro | On the Douro slopes ....................................................................................................................... 125 Tristezas de um boleeiro (Sec. XIX) | The sadness of the coachman ........................................................................................ 126 Beethoven eterno | Eternal Beethoven ................................................................................................................................... 127 Composição sobre a encomenda do Requiem de Mozart | Composition on the order for Mozart´s requiem ............................ 128 A lenda de S. Vicente de Lisboa | The legend of St. Vicente de Lisboa ..................................................................................... 129 Santo António (Santo Universal) ......................................................................................................................................... 129 A lenda do Senhor de Matosinhos | The legendo f the Lord of Matosinhos.............................................................................. 130 O suave milagre (Baseado no conto de Eça de Queiroz) | The gentle miracle (Based on a Eça de Queiroz short story) ............. 131 S. João Batista no Deserto | Saint John the Baptist in the desert ............................................................................................. 132 Jesus e a Samaritana | Jesus and the Samaritan ...................................................................................................................... 133 O bom Samaritano | The good Samaritan ............................................................................................................................. 134 Susana e os velhos (Daniel, 13–7) | Susana and the old men ................................................................................................. 134 David e Golias | David and Goliath ...................................................................................................................................... 135 Jesus no deserto | Jesus in the desert ....................................................................................................................................... 136 A coroa do sofrimento | The crown of suffering ..................................................................................................................... 136 A pesca milagrosa | The miraculous fishing ............................................................................................................................ 137 A cura de um leproso | The leper’s cure.................................................................................................................................. 137 Os exploradores Capelo e Ivens na jornada da Angola à contra costa | The explorers Capelo and Ivens, on their journey from Angola to the eastcoast opposite coast ............................................................................................................................... 138 O sertanejo Silva Porto | The bushman Silva Porto................................................................................................................ 138 Serpa Pinto – “Como eu atravessei a África” | How I crossed Africa ...................................................................................... 138 Pedro Francisco, o gigante luso-americano | Peter Francisco the luso-american giant .............................................................. 139 Fadistas do séc. XIX | Fado’s players in XIX century................................................................................................................ 140 A severa................................................................................................................................................................................ 140 Fadistas | Fado’s players.......................................................................................................................................................... 140 A lenda da dama pé-de-cabra (A. Herculano) | The legend of the goat footed lady (A. Herculano) ........................................... 141 Situações de salvamento com barcos do ISN | Rescue situations with ISN boats .................................................................... 142 Colecção de selos para os CTT | CTT stamps collection ........................................................................................................ 143 “Lá no novo hemisfério, nova estrela”… | There, on the new hemisphere, a new star… .......................................................... 143 “Onde a terra se acaba e o mar começa” | Where the land ends and the sea begins .................................................................. 144 A caminho de Santiago | Where the land ends and the sea begins ............................................................................................ 144

8


BiOGraFia Carlos Alberto Santos Nasceu em Lisboa em Julho de 1933. Começou a trabalhar, em 1947, no atelier de publicidade de José David como aprendiz. Um ano mais tarde publicou os seus primeiros desenhos na revista juvenil “O Camarada”, onde ilustrou vários contos. Alguns anos depois iniciou-se na ilustração a cores o que o levaria a apaixonar-se pela pintura, visitando vários museus da Europa, para estudar a técnica e a cor dos grandes pintores consagrados. Ao assistir em 1947 aos dois deslumbrantes desfiles do cortejo histórico de Leitão de Barros, ficou de tal maneira impressionado que, desde essa data, se dedicou aos motivos históricos, o que, aliás, já o entusiasmava desde os primeiros anos de escola. Cerca de 1950 fez a primeira colecção de cromos sobre a História de Portugal com numerosas edições até 1973, seguindo-se mais tarde, Camões, Pedro Alvares Cabral entre outras. Em 1970 realiza a sua primeira exposição individual na Sociedade Nacional de Belas Artes em Lisboa sobre temas históricos e, em 1972, no mesmo lugar, sobre IV centenário da primeira publicação de “Os Lusíadas”. Mais tarde, a convite de algumas galerias de arte, executou várias exposições sobre temas etnográficos e bíblicos, o que lhe despertou também muito interesse sobre estes motivos. Tem realizado diversas exposições individuais em Portugal, nos Estados Unidos da América e Espanha. Pertenceu durante alguns anos ao Grupo de Artistas Portugueses. Realizou também uma colecção de selos para os CTT, sobre os descobrimentos portugueses e, mais recentemente sobre as naus da carreira da Índia, entre elas a fragata D. Fernando e Glória. Em 1994 executou vários quadros para um vídeo sobre a II Parte da mensagem o “Mar Português” de Fernando Pessoa, com realização e ‘recitação’ dos poemas pelo cantor Paulo Alexandre e com a partitura sinfónica do maestro Joaquim Luís Gomes.

9


PrEFÁCiO Prof. José Hermano Saraiva (Historiador) O meu amigo e distinto pintor Carlos Alberto Santos pede-me algumas palavras que possam servir de prefácio a um livro em que vai reunir a memória da sua, já muito vasta, obra artística. Não escondo a minha dificuldade e perplexidade perante a solicitação. Porque pedir a um historiador que apresente a obra de um pintor? À primeira vista nada há de mais dissemelhante: a pintura é uma arte plástica, alicerça-se na imaginação livre, é uma reconstrução do espírito sem outro freio que não seja o da nossa fantasia. E a história é necessariamente disciplinada, severa, incompatível com as audácias da imaginação. O pintor pinta o presente, o historiador descreve o pretérito. Um faz arte, o outro aspira a fazer ciência. Aparentemente, são pólos antónimos da esfera cultural. Mas, só aparentemente. Um escritor latino, Plínio o moço, escreveu uma verdade lúcida: “História, quoque modo scripta, delectat” – a história fascina qualquer que seja a forma como se escreva. E penso que neste quoque modo o escritor abrangia a história escrita com os pincéis, ao modo do meu amigo Carlos Alberto Santos. Foi aos temas da história nacional que ele consagrou a quase totalidade da sua obra. E nisso é uma presença excepcional nas artes plásticas portuguesas, que – excluído o campo das encomendas oficiais – se têm mostrado tão exígua na representação dos episódios do nosso passado histórico. Esse motivo seria o suficiente para saudar com agradecimento a publicação deste livro, que vem enriquecer consideravelmente a iconografia histórica nacional. O pintor pendeu, sem dúvida, sempre mais para a poesia que para a severidade da erudição. Os ambientes feéricos do milagre e da lenda ocupam o melhor espaço das suas telas. Não quis ser um documentalista, e fez bem, porque só assim se podia manter essencialmente pintor, fiel à sua subjectividade. E isto coloca de imediato a questão: a história é arte ou é ciência ou em que medida as suas raízes participam desses opostos hemisférios culturais? É curioso registar que o grande pensador da história que foi Marc Bloch, depois de escrever que questões dessas (saber se a história é arte ou é ciência) são boas para lançar no alforge dos pleitos da escolástica, põe em relevo o carácter artístico da história, e vai ao ponto de afirmar que a distância que separa o estudioso do mundo físico, do estudioso do espírito humano, é tão grande como a que vai de um fresador a um afinador de instrumentos musicais. O carácter artístico da história não se desliga do facto de todos os grandes historiadores serem, simultaneamente, exímios cultores da arte literária. Pense-se em Michelet, Herculano, F. Braudel. E, inversamente, os que investigaram, descobriram e publicaram muito não ultrapassam a craveira de uma mediania honrosa: é o caso, para dar um exemplo, de um Gama Barros, que talvez tenha direito ao título de maior investigador dos tempos modernos em Portugal. Mas, a questão vai muito para além do estilo literário: há a realização mental, as linhas gerais, as perspectivas, a cadência narrativa. Fernão Lopes foi porventura o maior pintor de quadros históricos do seu tempo. E, há também a penetração psicológica, o ângulo de visão, o ritmo problemático, a capacidade de agarrar o interesse ou de merecer a atenção do leitor. Até nos rumos da pesquisa intervêm componentes estéticas. E, todos esses dons e talentos são uma espécie de “graça” no sentido transcendental: muitos foram os chamados aos terreiros da história, poucos merecem a qualificação de historiadores. Sobre a qualidade histórica do pintor apresentado não me atrevo a pronunciar-me. Há uma fortíssima carga emocional na forma como Carlos Alberto sente a nossa história. Os factos, que nos apresenta existem neles mesmos, ou na alma do pintor? Também isso se prende com um problema mais geral, e do qual nem todos se dão conta: o facto histórico existe nele próprio ou em nós? A pergunta pode, ao leigo, parecer uma vã logomaquia, mas traduz uma situação real. A história de cultura está repleta de factos que só existem em nós. Pensemos nos Idola, de F. Bacon. Ou, mais perto de nós, no contrato social, facto não-real que serve de base a toda a dogmática subjacente à organização do Estado moderno. Em Portugal tiveram função de factos pivots as Cortes de Lamego, e o mandato sobrenatural de Ourique. Nada disso aconteceu, e teve uma existência à posteriori decisiva. E bem possível que os factos a que chamamos reais o sejam porque lhes podemos comprovar a existência não só em nós mas também fora de nós. Se porém eles existirem fora, mas não dentro de nós, não fazem parte da história porque os não conhecemos. Por outras palavras: não é por ser facto que se é história mas por ser conhecido. E isto remete-nos para a teoria do conhecimento: racionalismo ou empirismo? Só que na história a distintiva é impossível. Convergência, simultaneidade, dupla dimensão é o que faz a verdade da história. Fico por aqui por reparar que já ultrapassei o limite gráfico de página necessária. Mas penso que esta necessidade de pensar, de perscrutar até longe a verdade das cousas, é o maior elogio que se pode fazer da obra artística de Carlos Alberto Santos.

11


tEStEMunHOS Dr. António Pais de Sousa (Juiz Conselheiro 1999) Decorria o ano de 1977 quando, a convite do Mestre Alberto Cutileiro, entrei no Palácio Foz para apreciar uma exposição de réplicas militares concretizadas em numerosas criações artísticas. A embelezar o ambiente destacavam-se vários quadros representativos de cenografia bélica. Impressionado não só com a harmonia estética desses quadros, mas também com a autenticidade das fardas, armas, trajes e objectos neles pintados, perguntei ao Mestre Cutileiro quem era o seu autor. Respondeu-me que ele se encontrava na exposição e que tinha gosto em mo apresentar. Foi o inicio da grande amizade que hoje me liga, ao também Mestre Carlos Alberto Santos. A partir desse momento passei a acompanhar de perto a sua carreira artística, pelo que me considero habilitado a emitir aqui um breve juízo crítico da sua obra, parcialmente documentada neste livro. Por um elementar princípio de justiça, há muito que se impunha a sua publicação... Predestinado para bem desenhar, Carlos Alberto Santos desde muito novo soube aproveitar e desenvolver esse invulgar talento. Basicamente colocou-o ao serviço da sua fértil imaginação para reviver factos passados e testemunhar os presentes, fixando-os em cenas que nos fascinam e até assombram. E, se elas fossem postas em movimento, nada desmereciam o que de melhor produziu no cinema Stanley Kubrick. Assim, na sua pintura desfilam as mais variadas personagens históricas, míticas ou populares, envolvidas pelos ambientes e cenários mais apropriados. E, com o fascínio de tudo isso, ser cimentado por cores quentes e expressivas que se harmonizam genialmente com a personalidade das figuras retratadas e com o clímax em que se integram. Mas, para além do rigor histórico das personagens e dos cenários que as envolvem, dos quadros, umas vezes ressuma algo de poético, outras, algo de épico. E, se conhecermos bem Carlos Alberto Santos, semi-cerrando os olhos, podemos ouvir sons harmoniosos que dimanam das suas obras e que lhe povoam a mente. Como português amante da arte, é com orgulho e emoção que agradeço ao Mestre Carlos Alberto Santos ter enaltecido e preservado as maiores figuras e os melhores feitos da nossa história real ou lendária. E não o favoreço neste juízo crítico porque basta olhar as obras que, de forma genial, honesta e sincera, a todos tem brindado ao longo de toda a sua vida, para se ver a razão daquele meu julgamento.

Dr. Artur Varatojo (Advogado-Escritor 1999) Quando um pintor pinta dentro das figuras, as humaniza e lhes dá sentimento, nós imaginamos que aquela mulher sofre, o homem exibe a sua irascibilidade, ou mesmo a criança expressa temor, nos seus olhitos assustados. Quando estamos perante um dos seus quadros, transportamo-nos à época histórica ou bíblica retratada, e sentimo-nos a conviver com as personagens. Os trajes, as expressões, os ambientes, são estudados minuciosamente antes de tomarem cor e realidade nas suas telas. Carlos Alberto convive com as figuras que pinta. Atravessou os oceanos dentro das caravelas portuguesas. Roçou pelos albornozes dos samaritanos e fariseus. Conheceu Cristo “Pessoalmente” e lutou ao lado dos heróis da batalha de Aljubarrota. S. Francisco de Assis impregnou-o do amor pelos animais e Deus brindou-o com o dom do génio que caracteriza todo o seu trabalho.

13



D. Afonso Henriques (alegoria) D. Afonso Henriques (allegory) 1981 Óleo 90 x 60 cm Colecção particular

17


As cortes de Leiria em 1254, onde o povo pela primeira vez teve representação The Leiria courts of 1254, where the people took seat for the first time 2002 Óleo 80 x 100 cm Colecção particular

18


“Tal a grande coluna, enchendo, aumenta”…

Just like a large column, when filling enlarges… (Camões) Lusíadas – canto V – 21 1986 Óleo 50 x 65 cm Colecção particular

19


Filha de rei D. Afonso V, D. Joana foi uma princesa muito virtuosa, dedicando quási parte da sua vida à prática religiosa, tentando sem apoio da família real, vestir o hábito de dominicana. Recusou vários casamentos, propostos pelo seu pai e pelo seu irmão D. João. Pelas suas vastas obras de caridade e penitências, quando morreu, foi considerada santa, confirmado o seu culto em 1490 pela bula do papa Inocêncio XII. Foi canonizada em 1693. Está sepultada em Aveiro. D. Joana, daughter of king D. Afonso V, was a virtuous princess, who dedicated most of her life to religious practice, wishing, without approval of the royal family, to don the habit of the Dominican nuns. She rejected several marriages, arranged by her father and by her brother, D. João. By her many deeds in charity and penance, when she died she was considered a saint, and her cult was confirmed in 1490 by Pope Inocêncio XII bulla. She was canonized in 1693, and is buried in Aveiro.

Santa Joana Princesa

1986 Óleo 50 x 65 cm Colecção particular

20


Rainha Santa Isabel 2000 Óleo 50 x 40 cm Colecção particular

21


Os bons vi sempre passar no mundo graves tormentos; e, para mais m’ espantar, os maus vi sempre nadar em mar de contentamentos. Cuidando alcançar assim o bem tão mal ordenado, fui mau; mas fui castigado. Assim que só para mim anda o mundo concertado. I watched the world tasking Good men with adversity, And, to my further asking, Evil I saw basking In an ocean of prosperity. When I tried to question Why good was disdained, I was called bad, and arraigned. It seems I´m the only one For whom matters are so ordained.

“Os bons vi sempre passar”…

I watched the world tasking Good men with adversity

(Camões) 1988 Óleo 65 x 50 cm Colecção particular

22


Alegoria sobre Camões Allegory to Camões 1989 Óleo 65 x 50 cm Colecção particular

23


Fernão Mendes Pinto

1999 Óleo 65 x 50 cm Colecção particular

24


Bartolomeu Dias no Cabo (sonhando mais além)

Bartolomeu Dias on the cape (dreaming beyond) 1967 Óleo 110 x 140 cm Colecção particular

25


No naufrágio da vida On the shipwreck of life 1999 Óleo 38 x 35 cm Colecção particular

A lendária gruta de Macau

The legendary grotto of Macau 2006 Óleo 30 x 40 Colecção particular

26


Pintura

de Carlos alberto Santos A grande amargura de um pintor é, quando deixa a sua obra seguir o caminho que lhe é destinado, e na maioria das vezes nunca mais a vê na vida. Resta ficar com algumas fotografias desses quadros, que por muito boa qualidade que tenham, nunca correspondem às cores originais, nem à vivência do trabalho feito; mas, que servem ainda para recordar anos mais tarde. Este livro é, em grande parte, a possibilidade de ter as melhores recordações futuras, com as reproduções das telas feitas ao longo de várias décadas.

“O pintor pendeu, sem dúvida, sempre mais para a poesia que para a severidade da erudição. Os ambientes feéricos do milagre e da lenda ocupam o melhor espaço das suas telas.” Prof. José Hermano Saraiva

de Carlos alberto Santos

Pintura

Pintura de Carlos alberto Santos

“Como português amante da arte, é com orgulho e emoção que agradeço ao Mestre Carlos Alberto Santos ter enaltecido e preservado as maiores figuras e os melhores feitos da nossa história real ou lendária. E não o favoreço neste juízo crítico porque basta olhar as obras que, de forma genial, honesta e sincera, a todos tem brindado ao longo de toda a sua vida, para se ver a razão daquele meu julgamento.” Dr. António Pais de Sousa

“Quando um pintor pinta dentro das figuras, as humaniza e lhes dá sentimento, nós imaginamos que aquela mulher sofre, o homem exibe a sua irascibilidade, ou mesmo a criança expressa temor, nos seus olhitos assustados. Quando estamos perante um dos seus quadros, transportamo-nos à época histórica ou bíblica retratada, e sentimo-nos a conviver com as personagens.” Dr. Artur Varatojo

www.vidaeconomica.pt ISBN: 978-972-788-392-9

9 789727 883929


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.