Vida Judiciária - Novembro 2010

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Três candidatos disputam as eleições da OA

Preço: 7,50 J

Análise

Contrato promessa de compra e venda, título executivo? Em foco

Novembro/2010

Acesso ao estágio da Ordem dos Advogados e orçamento para 2011 marcam eleições do novo bastonário

Acesso à Ordem dos Advogados divide candidatos a bastonário

Marcas & Patentes

Princípio da proibição genérica de publicidade de advogados Jurisprudência

Revista Mensal

– Servidão de águas: por destinação do pai de família – Contrato de arrendamento: caducidade e renovação

António Marinho Pinto

– Reformatio in pejus: inalterabilidade dos limites da pena em caso de anulação da decisão

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Vida Judiciária

– Alimentos devidos a menores: obrigação de fixação Fernando Fragoso Marques

Nº 150

NoveMbRo de 2010 Preço - 7,50 G

Luís Filipe Carvalho


Novembro/10

150

Revista Mensal

Proprietário

Vida Económica - Editorial, S.A. Rua Gonçalo Cristóvão, 14 r/c 4000-267 Porto NIF 507 258 487

Director

Acesso condicionado

João Carlos Peixoto de Sousa

O acesso ao estágio da Ordem dos Advogados por parte dos

Coordenadora de edição

jovens licenciados em Direito tem alimentado o debate entre os

Sandra Silva

três candidatos a Bastonário para o próximo triénio.

Paginação

Ao impor um novo exame preliminar aos licenciados pós-Bolo-

Flávia Leitão

nha, o dr. Marinho Pinto encontrou uma solução simples e ex-

Direcção Comercial

pedita. A diminuição do número de estagiários corta a principal

Porto:

fonte de financiamento dos Conselhos Distritais e também não

Teresa Claro

deixa de agradar a uma boa parte dos advogados ao apontar

Madalena Campos

Assinaturas Maria José Teixeira E-mail: assinaturas@vidaeconomica.pt

Redacção, Administração Rua Gonçalo Cristóvão, 111 6º Esq. 4049-037 Porto

para um acesso mais limitado à profissão e a diminuição da concorrência com uma relação mais favorável entre a oferta e procura de serviços. Na perspectiva dos outros dois candidatos, dr. Fragoso Marques e dr. Luis Filipe Carvalho, devem ter acesso ao estágio os juristas com Mestrado, com a necessária alteração do Estatuto da OA. Qualquer que venha a ser o desfecho das eleições, o acesso à

Telef. 223 399 400

profissão deve ser alvo de uma reflexão mais profunda. A inten-

Fax. 222 058 098

sa actividade formadora da OA desenvolvida pelos Conselhos

E-Mail: ve@vidaeconomica.pt

Distritais e financiada pelos estagiários não é uma boa solução.

Delegação de Lisboa

O Ordem dos Médicos não forma os jovens médicos, a Ordem

Av. Fontes Pereira de Melo,

dos Engenheiros não forma os engenheiros, tal como a Ordem

nº6 - 4º piso

dos Arquitectos, a Ordem dos Economistas, ou a Ordem dos

1069-106 Lisboa

Farmacêuticos também não formam os licenciados para que estes

Telef. 217 805 410

possam exercer as profissões. E nos países estrangeiros também

Fax. 217 805 415

Impressão Uniarte Gráfica / Porto Publicação inscrita no Instituto

não encontramos um modelo de formação de advogados semelhante ao que temos entre nós. Em alternativa ao sistema actual, e seguindo aquele que é o

da Comunicação Social nº 120738

padrão corrente na generalidade dos países, a formação dos

Empresa Jornalística nº 208709

candidatos à advocacia deveria fazer-se nas instituições de en-

Periodicidade: mensal

sino vocacionadas para o efeito, ou seja, nas Universidades, com programas adequados de vertente prática e teórica. Em vez de se converter num organismo prestador de formação, a Ordem dos Advogados teria um papel importante, participando na elaboração dos programas e integrando o júri dos exames, de forma a garantir o nível de conhecimentos dos candidatos à advocacia. Se a única mudança efectiva for a exigência do Mestrado em vez da Licenciatura vai continuar, praticamente, tudo na mesma. João Luís Peixoto de Sousa


Em Foco Acesso ao estágio da Ordem dos Advogados e orçamento para 2011 marcam eleições do novo bastonário

Actualidades Informações jurídicas Três candidatos disputam as eleições da OA

Acesso à Ordem dos Advogados divide candidatos a bastonário

Registos & Notariado Sociedade unipessoal por quotas

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Análise Contrato promessa de compra e venda, título executivo?

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Marcas & Patentes Princípio da proibição genérica de publicidade de advogados

Jurisprudência Resumos de Jurisprudência Jurisprudência do STJ e das Relações Sumários do STJ

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Legislação Principal legislação publicada 1ª e 2ª séries do Diário da República

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Os três candidatos que disputam as eleições da OA a 26 de Novembro respondem às questões da “Vida Judiciária”

Para Fernando Fragoso Marques há “uma regra geral” que é “de aplaudir”: o exercício da advocacia é “inconciliável com qualquer cargo, função ou actividade que possa afectar a isenção, independência e a dignidade da profissão”. Não vê, pois, necessidade de rever o Estatuto da AO, defendendo a “necessidade de o respeitar e fazer cumprir”.

António Marinho Pinto mostra-se intransigente quanto à defesa do alargamento do regime de incompatibilidades dos advogados, nomeadamente a todos os titulares de órgãos de soberania. “Não se pode ser deputado e advogado ao mesmo tempo”, diz, peremptório, o candidato a um segundo mandato na Ordem dos Advogados.

Apesar de ser “favorável ao alargamento da actual lista de incompatibilidades” dos advogados, Luís Filipe Carvalho entende que a “prioridade da Ordem não deverá estar nesta reivindicação”, mas, antes, “centrar-se no controlo efectivo das incompatibilidades já reconhecidas como tais”. Aí, diz, a Ordem tem de “passar a ser proactiva”.

Acesso à Ordem dos Advogados divide candidatos a bastonário 3

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Por: TERESA SILVEIRA

ANTÓNIO MARINHO PINTO - “Ao nível dos titulares do poder autárquico o actual regime de incompatibilidades dos advogados não é desadequado, mas deve ser complementado com um sistema mais apertado de impedimentos desses profissionais”

FERNANDO FRAGOSO MARQUES – “Sendo de evitar qualquer espécie de promiscuidade entre o interesse público e o privado, não concordo que o advogado tem qualquer espécie de fragilidade moral que o torna mais exposto ao mal ou à corrupção…”

A obrigatoriedade, criada pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados no mandato de António Marinho Pinto, de os recém-licenciados em Direito realizarem exame prévio de acesso ao estágio é a principal marca divisória entre os três candidatos a bastonário. Em resposta às questões formuladas pela “Vida Judiciária”, o ainda titular do cargo mantém-se irredutível: o exame de acesso ao estágio foi “um passo importantíssimo para combater a massificação da advocacia”, diz António Marinho Pinto à VJ. E reafirma que “a Ordem não pode continuar de portas abertas para acolher todos, incluindo os que foram recusados por outras profissões, sem avaliar o nível dos seus conhecimentos jurídicos”. Em completa divergência, Fernando Fragoso Marques e Luís Filipe Carvalho são contra esta seriação dos recém-licenciados. Defendendo que “a Ordem dos Advogados deve cumprir e fazer cumprir o seu Estatuto”, Fragoso Marques não tem dúvidas: “a exigência deste novo exame, sendo ilegal, deve ser revogada”. Na mesma linha, Luís Filipe Carvalho ainda vai mais longe, realçando que sempre considerou este exame “ilegal e inconstitucional”. Assim, diz, “se for eleito bastonário revogarei a vigência e a exigência deste exame”. Vida Judiciária – O Conselho Geral da Ordem dos Advogados (OA) passou a obrigar os recém-licenciados dos 19 cursos de Direito que existem em Portugal a fazer um exame escrito para entrarem na OA e iniciarem o estágio. Se for eleito bastonário, o que pensa fazer com esta decisão: mantê-la e aguardar pelas decisões dos tribunais ou revogá-la e acabar com a existência deste exame?

LUÍS FILIPE CARVALHO – “Sou defensor de que o cargo de deputado também é incompatível com o exercício da advocacia. Entendo até que, por uma questão de rigor, esta incompatibilidade deveria ser consagrada no Estatuto de Deputado”

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António Marinho Pinto – Essa decisão é para manter porque ela constitui um passo importantíssimo para combater a massificação da Advocacia. A OA não tem condições para ministrar uma formação profissional digna e de qualidade aos milhares de licenciados que todos os anos são lançados na sociedade. O Centro de Estudos Judiciários faz um exame


para escolher os melhores e a OA também tem de o fazer. A Ordem não pode continuar de portas abertas para acolher todos, incluindo os que foram recusados por outras profissões, sem avaliar o nível dos seus conhecimentos jurídicos. O Estado (que instituiu o Processo de Bolonha) diz que os licenciados pós-Bolonha não estão cientificamente preparados para exercer as profissões forenses que dependem dele, pois nem sequer deixa esses licenciados fazerem o exame de candidatura ao CEJ; mas algumas luminárias querem que eles entrem na OA sem sequer fazerem um exame. Lutaremos com todas as nossas forças e por todos os meios legais para que isso não aconteça. Fernando Fragoso Marques – A Ordem dos Advogados deve cumprir e fazer cumprir o seu Estatuto. Quando, pela via regulamentar, se vai além do que a lei dispõe esta sai ferida, porque não é respeitada. Propomo-nos alterar o Estatuto, cumprindo-o enquanto ele vigorar. Por consequência, a exigência deste novo exame, sendo ilegal, deve ser revogada. Luís Filipe Carvalho - Desde que foi anunciado, sempre considerei este exame ilegal e inconstitucional. E assim tem vindo a ser julgado pelos tribunais, em sede de providências cautelares e de intimações. Falta a decisão do Tribunal Constitucional, cuja apreciação foi solicitada ao Procurador-Geral da República pelo ministro do Ensino Superior e pelo Provedor de Justiça, facto que é revelador da gravidade em que o Dr. Marinho e Pinto persiste em manter a Ordem afundada. Com justificações variadas, incluindo o estar a aguardar pelas decisões judiciais, o bastonário conduziu a Ordem para outra ilegalidade: não abriu qualquer curso de estágio durante o ano de 2010 quando estava obrigado a abrir dois cursos. A Ordem foi colocada numa clara violação de direitos humanos, tema que serve para muitos “combates” do Bastonário mas cuja prática se revela desta forma. A situação que se vive é grave. Foi exclusivamente gerada por um líder que persiste em não ouvir ninguém e que, apesar das decisões judiciais contrárias, mantém uma interpretação normativa sem qualquer fundamento. Foi uma medida implementada em ano eleitoral de recandidatu-

ra, em que foi dada ampla divulgação aos 90% de chumbos, num evidente populismo e eleitoralismo. Se for eleito Bastonário revogarei a vigência e a exigência deste exame. Uma Ordem que se preze e que se queira dar ao respeito não se pode envolver em ilegalidades, ainda para mais com este calibre, afectando, directa e gravemente, centenas de cidadãos portugueses. O efeito desta imediata revogação será o imediato acesso ao estágio de todos aqueles que disponham de habilitação para este acesso, nos termos e face à lei vigente, ou seja face ao Estatuto, precisamente o que o Bastonário em exercício não curou de alterar impondo as novas condições de acesso. VJ – Com que habilitações mínimas obrigatórias deve um aluno poder ser admitido ao estágio na Ordem dos Advogados? António Marinho Pinto - A proposta que defendemos exige a licenciatura anterior ao Processo de Bolonha (cinco anos) ou o mestrado. Mas entendemos que também poderão inscrever-se no estágio os licenciados Pós Bolonha que sejam aprovados no exame nacional de acesso. Fernando Fragoso Marques - Post Bolonha, com o Mestrado. De resto, a solução já encontrada no CEJ para admissão dos auditores, única que nos permitirá manter-nos em pé de igualdade com as magistraturas no terreno do judiciário. Luís Filipe Carvalho - No acesso à profissão, ou seja depois do estágio concluído, só poderão entrar os licenciados em direito pré-Bolonha ou os Mestres em Direito que tenham obtido a licenciatura pós-Bolonha. No Estágio só deverão entrar os licenciados em direito pré-Bolonha ou os licenciados em direito pós-Bolonha que tenham dez semestres de frequência universitária com aproveitamento. Por conseguinte, os licenciados em cursos de quatro anos deverão ter mais dois semestres de aproveitamento no Mestrado. Deste modo, permite-se que a componente do Mestrado que é tradicionalmente mais morosa (elaborar e discutir a tese) seja concluída já durante o estágio.

ANTÓNIO MARINHO PINTO “Combater a procuradoria ilícita passa por obrigar o Estado a respeitar a Lei dos Actos Próprios dos Advogados e a sustar o processo de desjudiciali zação da justiça”.

VJ - E deve, ou não, também ser requerido a esse candidato um exame psicotécnico?

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FERNANDO FRAGOSO MARQUES – “Proponho muito mais do que uma vinheta e nunca disse que era a mais eficaz. Limitome a seguir o exemplo de TOC’s e médicos que, ao que parece, não se têm dado mal…”

António Marinho Pinto - Não. Achamos que as questões relacionadas com a vocação, a aptidão psicológica e a idoneidade moral ou ética devem ser escrutinadas pela OA durante o período de estágio. Fernando Fragoso Marques - Questão a ponderar no futuro. Mas talvez não fosse mau pensar também num exame de língua portuguesa… Luís Filipe Carvalho - A primeira fase do actual modelo de estágio deverá ser reformulada. Defendemos, como objectivo de médio prazo, a criação do tronco comum de formação, em que as matérias de carácter processual sejam leccionadas em conjunto entre o Centro de Estudos Judiciários e a Ordem dos Advogados, reservando-se para a Ordem as matérias que são próprias da profissão, como seja a deontologia profissional. Se este objectivo for alcançado - e estou convicto de que o alcançaremos - será natural que a Ordem inicie um rumo de aproximação às condições e ao grau de exigência do modelo do CEJ. Neste cenário não excluiria a ponderação sobre a adaptação deste exame, em especial para efeitos de prévia averiguação sobre o que o Estatuto define como idoneidade para o exercício da profissão (art. 171º e seguintes). Contudo, esta não será, no âmbito da grande reforma a realizar, uma medida prioritária. VJ - Que posição tem sobre o alargamento, ou não, do regime das incompatibilidades dos Advogados? Se for eleito vai promover alterações aos Estatutos da AO no sentido de rever essas incompatibilidades? António Marinho Pinto - Defendo o alargamento do regime de incompatibilidades, nomeadamente, a todos os titulares de órgãos de soberania. Não se pode ser deputado e advogado ao mesmo tempo. Quem faz leis não deve patrocinar interesses privados eventualmente interessados nessas leis. Por outro lado, quem trabalha nos tribunais a aplicar as leis não deve poder estar no parlamento a legislar. Isso é tão cristalino e óbvio que não sei por que é que a Assembleia da República ainda persiste em manter essa situação. Fernando Fragoso Marques - O Estatuto não é taxativo, não esgota o ca-

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tálogo das incompatibilidades e enuncia uma regra geral que julgo de aplaudir: o exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou actividade que possam afectar a isenção, independência e a dignidade da profissão. Não vejo necessidade de rever o Estatuto ainda que haja necessidade de o respeitar e fazer cumprir… Luís Filipe Carvalho - Sou favorável a um futuro alargamento da actual lista de incompatibilidades. No entanto, a prioridade da Ordem não deverá estar nesta reivindicação, sempre dependente de alteração estatutária. Deverá centrarse, no controlo efectivo das incompatibilidades já reconhecidas como tais. Tradicionalmente, a Ordem tem-se limitado a aguardar que os advogados requeiram, por iniciativa própria, a suspensão da sua inscrição assim que passam a estar numa situação de incompatibilidade. Entendo que a OA também deverá assumir uma outra forma de intervenção. Terá que passar a ser proactiva, implementando uma efectiva fiscalização sobre as funções, os cargos ou as actividades que, sendo incompatíveis com a advocacia, possam estar a ser exercidas por advogados com a inscrição em vigor. São estas as razões porque nos propomos criar a Comissão Nacional de Incompatibilidades. Em articulação com os demais órgãos da Ordem, e em estreita ligação com o Conselho Geral, esta Comissão liderará a metodologia daquela fiscalização, tendo por alvo a recolha e análise de dados da Administração Pública, das instituições, dos órgãos ou dos organismos onde possam existir latentes situações de incompatibilidades. Os casos que venham a ser detectados originarão a necessária notificação aos visados, para que, antes da decisão e nos termos da lei, se possam pronunciar ou para que, confrontados com aquela notificação, tomem a iniciativa de requerer a suspensão. Esta intervenção será um forte sinal para o interior da profissão, colocando a Ordem a cumprir com as suas atribuições em prol da defesa da advocacia. VJ – E em que sentido devem ser revistas essas incompatibilidades? Os titulares de cargos na Administração


Local (presidentes de câmara e vereadores) e os deputados devem, ou não, poder continuar a acumular essas funções com a advocacia? António Marinho Pinto - Eu defendo a alteração ao Estatuto da Ordem dos Advogados para consagrar aquela incompatibilidade. Por outro lado, entendo que ao nível dos titulares do poder autárquico o actual regime de incompatibilidades não é desadequado. Mas deve ser complementado com um sistema mais apertado de impedimentos e, sobretudo, com a criação de mecanismos mais rigorosos de averiguação desses impedimentos. É necessário que, quer os deputados/Advogados, quer os vereadores/Advogados sejam obrigados a fazer declarações de interesses em ordem a verificar se existe algum caso concreto de conflito de interesses entre as funções exercidas e alguns dos respectivos clientes. Fernando Fragoso Marques - Alguns desses titulares já hoje se encontram em situação de incompatibilidade expressamente declarada- v. g. os presidentes de câmara - ou de impedimento inquestionável, caso dos deputados em acções contra o Estado. Penso que este leque de impedimentos carece de ser alargado de modo a evitar qualquer espécie de promiscuidade entre o interesse público e o privado. Mas, discordo da ideia de que o advogado, por ser advogado, tem qualquer espécie de fragilidade moral que o torna mais exposto ao mal ou à corrupção… Fiscalize-se, persiga-se e punam-se os que se desviarem do comportamento devido e que as suas altas funções impõem, mas não se anatemize toda uma classe profissional. Luís Filipe Carvalho - Para além dos cargos, funções ou actividades previstas no nº 1 do art. 77º do Estatuto, a Ordem tem, por poderem afectar a isenção, a independência e a dignidade da advocacia, procedido à qualificação de incompatibilidade de muitas outras actividades ou funções. A título de exemplo, citem-se os casos de “promotor externo” de um banco (Parecer do CDL, 47/2008), a função de Revisor Oficial de Contas, Técnico Oficial de Contas e funcionários, agentes e contratados do respectivo serviço (CDL,

38/2008), funções de Perito Avaliador e Árbitro constante da lista oficial de expropriações, (CDL, 27/2008), a frequência de estágios profissionais na Administração Pública (CG, E-11/2006) ou de curso de formação para Inspector Estagiário da Polícia Judiciária (CDL, 20/2008), funcionário, agente ou contratado de quaisquer serviços ou entidades que possuam natureza pública ou prossigam finalidades de interesse público, de natureza central regional ou local (CDC, 14/2006), cargo político a tempo inteiro e em exclusividade (CDE, 38/2006) – como sejam as de VicePresidente ou Vereador de Câmara Municipal (CDC, 3/2006) -, as funções na área da gestão tributária e inspecção tributária (CDP, 8134) ou a assessoria jurídica exercidas junto das Câmaras Municipais (CDP, D-554/2002). Sou defensor de que o cargo de deputado também é incompatível com o exercício da advocacia. Entendo até que, por uma questão de rigor, esta incompatibilidade deveria ser consagrada no Estatuto de Deputado, em vez de residir no Estatuto da Ordem. Também considero que deveria passar a existir norma expressa para os Presidentes de Câmara e para os Vereadores, pelo menos os que exerçam funções executivas e/ou os que tenham poderes delegados e/ou de representação orgânica, na expressão da alínea l) do nº 1 do art. 77º. VJ - Que propostas concretas apresentam para combater a procuradoria ilícita? O candidato Fernando Fragoso Marques aponta como medida para solucionar esse problema a criação de uma vinheta, que certifique os actos dos advogados. Essa é a forma mais eficaz?

LUÍS FILIPE CARVALHO – “O grande desafio para a Ordem dos Advogados está em criar junto dos cidadãos uma consciência de ilicitude em torno da violação e da “usurpação” dos actos próprios dos advogados”

António Marinho Pinto - A grande medida será obrigar o Estado a respeitar a Lei dos Actos Próprios dos Advogados e a sustar o processo de desjudicialização da justiça. Não se pode combater, eficazmente, a procuradoria ilícita se o próprio estado a torna lícita através de leis que regulam essa actividade, como acontece, por exemplo, com as empresas de gestão e recuperação de créditos. Além disso, as situações mais nefastas de procuradoria ilícita têm, em muitos casos, cobertura por Advogados. E aqui a OA vai passar a

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António Marinho Pinto: “A proposta de uma vinheta além de totalmente desadequada nos tempos actuais, parece visar obter mais receitas para a OA”.

Fernando Fragoso Marques: “Haverá a noção de que o Estado concorre hoje com os advogados, desrespeitando a lei dos actos próprios da advocacia, através das conservatórias e dos cartórios notariais?”

actuar com mais firmeza. Quanto à proposta de uma vinheta ela é desadequada em época de desmaterialização de processo e dos próprios actos dos advogados. A vinheta do século XXI é a certificação digital, é a assinatura digital. A proposta da vinheta visa mais obrigar os advogados a pagar uma nova «quotização» para a Ordem do que a combater a procuradoria ilícita. Fernando Fragoso Marques - Dois esclarecimentos: proponho muito mais do que isso e nunca disse que era a mais eficaz. Limito-me a seguir o exemplo de TOC (técnicos oficiais de contas) e médicos que, ao que parece, não se têm dado mal… Verifico, isso sim, que a falta de capacidade de intervenção dos últimos anos nos conduziu a uma situação insustentável em que os nossos concorrente se vão afirmando e fortalecendo e a advocacia vai perdendo influência. Haverá a noção de que o Estado concorre hoje com os advogados, desrespeitando a lei dos actos próprios da advocacia, através das conservatórias e dos cartórios notariais? Haverá a noção de que a “Casa Pronta” instalada nas mediadoras imobiliárias é, algo de inconcebível, misturando interesse público, sigilo, reserva de intimidade, negócios de construção civil e financeiros? Quando o Estado legitima de facto o que nas suas leis considerou ilícito, estamos numa deriva perigosa. A procuradoria ilícita tem de ser equiparada e punida como o é o crime de usurpação de funções. E o principal seria mesmo que, do ponto de vista cultural, houvesse a percepção de que a intervenção do advogado é uma garantia de segurança, validade e eficácia, de qualidade técnica enfim, mas também de respeito ético desligado de considerações puramente mercantis… Luís Filipe Carvalho - O grande desafio para a Ordem dos Advogados está em criar junto dos cidadãos uma consciência de ilicitude em torno da violação e da “usurpação” dos actos próprios dos advogados. Essa consciência de ilicitude existe quando estamos perante o acto médico, mas a verdade é que está ausente sempre que estejam em causa actos próprios dos advogados, nos termos e condições definidos na Lei 49/2004. Por outro lado, os ór-

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gãos da Ordem, que realizam um amplo trabalho nesta área, terão que passar a pautar-se por critérios de maior eficácia na perseguição e no combate à procuradoria ilícita. A Ordem tem que apresentar publicamente resultados que contribuam para a criação daquela consciência de ilicitude e que passem a servir como elemento dissuasor para quem pratica os actos dos advogados e para que afastem os cidadãos do recurso a quem pratica estes crimes. Este combate é um renovado desafio para a Ordem dos Advogados (OA). É um combate em que a OA tem que chegar aos cidadãos, tem que os sensibilizar, salientando os riscos e reforçando a consciência dessa ilicitude. Não podemos esperar que sejam outros a defender os nossos actos próprios. A OA terá que afectar os recursos adequados para tratar as denúncias e promover, com celeridade, o que for de acusar. A OA deverá investir, com carácter preventivo geral, no acompanhamento dos respectivos processos-crime. A par da eficácia e dos resultados, a Ordem terá que se empenhar numa forte divulgação deste combate, revelando-se uma activa defensora dos actos próprios da profissão. Estas é que são as prioridades. Criar a vinheta sem este trabalho prévio é estarmos a criar um novo encargo aos serviços jurídicos mantendo-se as fragilidades que se têm registado em torno da defesa dos actos próprios dos advogados. VJ – Se fosse adoptada, quanto prevêem que venha a custar anualmente à Ordem a emissão dessas vinhetas? E a cada advogado em particular, qual será o custo anual a suportar com a aquisição das mesmas? António Marinho Pinto - É o que lhe digo na resposta anterior. Mais do que combater a procuradoria ilícita a proposta de uma vinheta, além de totalmente desadequada nos tempos actuais, parece visar obter mais receitas para a OA. A maioria dos advogados teria de pagar algumas centenas de euros por ano pelas tais vinhetas. De salientar que o valor actual das quotizações é de 450 euros anuais. São as mais elevadas de todas as profissões liberais em Portugal. Cada advogado paga para a OA o triplo do que os médicos para a sua Ordem. A vinheta


sempre foi uma proposta da nomenclatura dirigente da OA que não tem em conta os reais interesses dos advogados. Fernando Fragoso Marques - Os custos serão totalmente repercutidos e serão inexpressivos, quer para os advogados, quer para os cidadãos. O produto constituirá receita exclusiva da Ordem e da Caixa de Previdência. Luís Filipe Carvalho - Pergunta prejudicada por causa da minha posição [assumida na resposta anterior]. VJ - A OA depara-se com a situação de falta de pagamento de quotas por parte dos advogados. Que medidas imediatas pensa tomar para regularizar a situação dos advogados com quotas em atraso? António Marinho Pinto - Não somos adeptos de medidas repressivas e sancionatórias. Pretendemos que os advogados paguem voluntariamente as suas quotas por se sentirem (re)compensados com esse esforço financeiro. Neste momento o Conselho Geral, a que presido, fornece um vasto conjunto de benefícios totalmente gratuitos aos advogados portugueses, desde o seguro profissional (que protege os clientes dos advogados contra danos até 150 mil euros), os certificados digitais, uma base de dados de legislação e jurisprudência, as plataformas informáticas para a prática de actos de registo e para a práticas de actos no âmbito do apoio judiciário, as cédulas profissionais, o Boletim, a Revista, o portal, as contas de e-mails, etc. Tudo isso é gratuito para os advogados. Esses benefícios representam mais de € 3.400.000,00 (três milhões e quatrocentos mil euros), ou seja, mais de 62% do total das despesas efectuadas pelo Conselho Geral. O que iremos fazer é procurar convencer os advogados de que esses benefícios só são possíveis se todos pagarem as suas quotas. É imoral que uns paguem, outros não e todos recebam igualmente os mesmos benefícios da OA. Todos têm de pagar as suas quotas e não só alguns. Por isso, iremos numa primeira fase suspender alguns daqueles benefícios aos colegas que deixem de pagar as suas quotas para além de certo período de tempo. Além disso procederemos à cobrança judicial dessas dívidas. Para tal, estamos

a tentar fazer as alterações legislativas que agilizem esses processos. O que jamais faremos é afixar o nome dos advogados com quotas em atraso (numa espécie de listas públicas de «caloteiros»), como, infelizmente, já foi feito no passado por alguns dos actuais apoiantes do Dr. Fragoso Marques. Esse assunto é para resolver internamente e não na praça pública. Fernando Fragoso Marques - Uma vez mais e sempre: cumprir a lei. Mas fazê-lo na compreensão da grave situação que atravessamos, com a sensibilidade que distingue o juiz do carrasco… Aceitar que a regularização se possa fazer faseadamente, se necessário. E, naturalmente, instaurar procedimento contra quem manifeste desprezo pelos seus deveres estatutários para com a Ordem porquanto a violação dolosa ou culposa dos deveres estatutários integra infracção disciplinar e o não pagamento das quotas por parte de alguns acaba por exigir mais de todos os outros que são cumpridores. E isso não pode continuar. Luís Filipe Carvalho - A falta de pagamento de quotas não se constitui, actualmente, como causa de elevada preocupação para o orçamento da Ordem. Poderá vir a sê-lo, mas por enquanto não o é. Por conseguinte, não é a questão orçamental que deverá levar a Ordem a adoptar uma posição relativamente à falta de pagamento das quotas. Essa posição tem que ter o seu fundamento no incumprimento de uma obrigação do advogado para com a sua Ordem e na criação de uma situação de desigualdade para com todos aqueles que cumprem com esse dever e que, com esse cumprimento, permitem a manutenção da auto-regulação da profissão. Entendo que a Ordem deverá rasgar novos caminhos de solidariedade, em especial em tempos de crise. Esta é a razão porque defendo que a Ordem deverá, sempre que se justifique e a situação seja minimamente demonstrada, permitir o pagamento faseado. Foi isso que fiz enquanto Tesoureiro do Conselho Geral no mandato de 2005-2007. Por outro lado, a Ordem deverá pugnar por uma alteração ao Estatuto que permita medidas efectivas para com os advogados que não cumpram com esta sua obrigação, incluindo a suspensão da inscrição.

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Luís Filipe Carvalho: “A falta de pagamento de quotas não se constitui, actualmente, como causa de elevada preocupação para o orçamento da Ordem. Poderá vir a sê-lo, mas por enquanto não o é. “

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Acesso ao estágio da Ordem dos Advogados e orçamento para 2011 marcam eleições do novo bastonário Por: TERESA SILVEIRA*

Os recém-licenciados em Direito na era pós-Bolonha, detentores de cursos de Direito inferiores a cinco anos, não estão a encontrar facilidades no acesso ao estágio da Ordem dos Advogados. António Marinho Pinto, actual bastonário e candidato a um segundo mandato no Largo S. Domingos, em Lisboa, instituiu e fez obrigar cada aluno que sai da faculdade a uma seriação de acesso que até aqui não era obrigatória em Portugal. O primeiro exame, realizado a 30 de Março, sentou à carteira 275 candidatos, mas os resultados conhecidos pareceram vir dar razão ao bastonário. É que, desses 275, cerca de 90 por cento dos licenciados em Direito chumbou no exame, sendo que os examinadores consideraram que a larga maioria dos licenciados não estava preparada para passar ao estágio, que está, presentemente, a ser realizado por mais de 5000 pessoas em todo o país. O objecto do exame, segundo o estabelecido pela própria Ordem dos Advogados, obriga à prova de conhecimentos jurídicos básicos pressupostos nos licenciados pré-Bolonha, considerados indispensáveis à iniciação do estágio para advogados, nas disciplinas indicadas no artigo 9º-A do Regulamento Nacional de Estágio (Regulamento nº 52-A/2005, publicado no Diário da República, 2ª série, nº 146, suplemento, de 1 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Deliberação nº 3333-A/2009, aprovada pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados na sua sessão plenária de 28 de Outubro de 2009, publicada no Diário da República, 2ª série, nº 242, de 16 de Dezembro de 2009). Esse exame é composto por dois grupos de perguntas, um com questões de resposta obrigatória e outro com questões de resposta alternativa opcional. Tem a duração de três horas. Afirmando que ficou surpreendido com os resultados e o nível de chumbos verificado nos exames, António Marinho Pinto foi pronto a responsabilizar a qualidade do ensino universitário de Direito em Portugal, qualidade essa que, em sua opinião, deriva das novas regras de Bolonha. Essa mesma ideia acaba de ser reforçada em entrevista à “Vida Judiciária” desta edição, pelo bastonário que também é candidato, onde reitera, em divergência com os dois outros adversários de corrida – Fernando Fragoso Marques e Luís Filipe Carvalho -, que vai continuar a bater-se “com as todas as forças contra o

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facilitismo” no acesso à profissão de advogado. “A Ordem não pode continuar de portas abertas para acolher todos, incluindo os que foram recusados por outras profissões, sem avaliar o nível dos seus conhecimentos jurídicos”, diz Marinho Pinto, sendo criticado pelos seus dois adversários. Diz Fernando Fragoso Marques que se propõe “alterar o Estatuto dos Advogados” e que o novo exame, se for ilegal, “deve ser revogado”. Por sua vez, Luís Filipe Carvalho refere que, “desde que foi anunciado, sempre considerei este exame ilegal e inconstitucional”, o que “tem sido vindo a ser julgado pelos tribunais, em sede de providências cautelares e de intimações”. Apenas falta a decisão do Tribunal Constitucional, cuja apreciação foi solicitada ao Procurador-Geral da República pelo ministro do Ensino Superior e pelo Provedor de Justiça. Assim, se for eleito bastonário, Luís Filipe Carvalho revogará a vigência e a exigência deste exame.

Provedoria de Justiça enviou o caso para o Tribunal Constitucional Descontentes com este exame, vários recémlicenciados em Direito já recorreram aos tribunais, sendo públicas várias sentenças, oriundas de diversos tribunais, no sentido de considerar ilegal o dito exame de acesso ao estágio da Ordem dos Advogados. O caso foi igualmente exposto ao Provedor de Justiça, que numa tomada de posição pública recente decidiu requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas do art. 9º-A, nos 1 e 2, do Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados, na sua actual redacção, e que prevêem que as pessoas que se licenciaram em Direito – pós- Bolonha – se submetam a um exame de acesso ao estágio de advocacia. Considera a Provedoria de Justiça que “a introdução do referido exame de acesso constitui uma verdadeira restrição à liberdade de escolha de profissão, garantida pelo art. 47º, nº 1, da Constituição”, lembrando que “a liberdade de escolha de profissão faz parte do elenco dos direitos, liberdades e garantias cuja restrição só pode, nos termos do art. 18º, nos 2 e 3, do texto constitucional, ser operada por via de lei formal, isto é, lei da Assembleia da República ou decreto-lei do Governo”. Independentemente do eventual mérito das razões

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invocadas pela Ordem dos Advogados, – o que também não compete ao Provedor de Justiça discutir –, a medida constante das normas dos nºs 1 e 2 do art. 9º-A do Regulamento foi aprovada, no entender do Provedor de Justiça, “em violação, desde logo, da reserva de lei formal imposta pelo art. 18º, nº 2 e 3, da Constituição, e da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, decorrente do art. 165º, nº 1, alínea b), da Lei Fundamental”, lê-se no documento emitido pela Provedoria. O grande argumento é que “a circunstância de o licenciado em Direito estar dependente da aprovação num exame para poder requerer a sua inscrição na Ordem dos Advogados constitui uma verdadeira restrição ao acesso à formação da Ordem”, que é, como se disse, “a única via que permite o acesso à profissão de advogado”.

Recomendação à Assembleia da República Em linha com o envio do caso para o Tribunal Constitucional, a Provedoria de Justiça achou ainda por bem expor o caso à Assembleia da República, a cuja instituição foi dirigida uma recomendação “no sentido de ser promovida uma revisão da norma do art. 187º do Estatuto da Ordem dos Advogados”. Um artigo que determina que “podem requerer a sua inscrição como advogados estagiários os licenciados em Direito por cursos universitários nacionais ou estrangeiros oficialmente reconhecidos ou equiparados”. É que, diz a Provedoria de Justiça, “apesar da modificação da estruturação dos graus após o Processo de Bolonha, manteve-se, neste art. 187º do Estatuto, a expressão “licenciados em Direito””, sendo “manifesto que tal expressão não corresponde, no antes e no pósBolonha, ao mesmo tipo de formação, atendendo a que, como se sabe, as duas licenciaturas, a obtida antes e a obtida após o Processo de Bolonha, têm duração e estruturação distintas”. Apesar de perceber que a Assembleia da República reconheceu esta diferença substantiva, ao estabelecer, através da Lei nº 2/2008, de 14 de Janeiro, a Provedoria de Justiça considera esta solução – a da mera interpretação do Estatuto – “precária”. Razão por que foi “recomendada a promoção da revisão da norma do art. 187º do Estatuto da Ordem dos Advogados”. E, com isso, “definindo-se, de forma clara e inequívoca, o tipo de habilitação adequada ao ingresso na Ordem e, se tal for julgado conveniente, com previsão de requisitos especiais (ou isenção dos mesmos) para cada situação abstracta que deva ser diferenciada”.

Orçamento da Ordem para 2011 sem aumentos para os funcionários Com as eleições para bastonário agendadas para

26 de Novembro e três candidatos a disputá-las, o ainda titular do cargo, António Marinho Pinto, que também entra na corrida a um segundo mandato em S. Domingos, apresentou a 10 de Novembro as linhas de orientação do orçamento da Ordem dos Advogados para 2011. Qualquer que seja o novo bastonário, o mesmo verse-á confrontado com um “um orçamento de rigor e de contenção de despesas”, pois, como é dito nas linhas gerais do documento apresentado, “as receitas globais da Ordem dos Advogados têm vindo a diminuir, nomeadamente, em virtude da extinção da procuradoria”. Razão pela qual “as despesas não poderão aumentar”. O bastonário explica aos advogados inscritos na Ordem que o Estatuto da Ordem dos Advogados reparte as receitas da OA em partes iguais, entre, por um lado, o Conselho Geral e, por outro, os conselhos distritais e as delegações. Com a sua parte dessas receitas, o Conselho Geral suporta todos os custos dos serviços centrais da Ordem e dos órgãos nacionais, incluindo o Conselho Superior e cerca de uma dezena de comissões e institutos. Além disso, cerca de 60% das despesas correntes, num total superior a € 3.400.000,00 (três milhões e quatrocentos mil euros), são destinadas a pagar benefícios directos aos advogados, nomeadamente, o seguro profissional (que se prevê ser, em 2011, de cerca de € 1.950.000,00), certificados digitais (cerca de € 290.000,00), base de dados e jurisprudência (cerca de € 80.000,00), plataforma SINOA para acesso ao direito (cerca de € 130.000,00), plataforma SINOA para registo da prática de actos (cerca de € 130.000,00), biblioteca (cerca de € 208.000,00), Boletim (cerca de € 470.000,00), Revista (cerca de € 115.000,00), cédulas (cerca de € 30.000,00) e portal (cerca de € 30.000,00). Na nota explicativa do orçamento, António Marinho Pinto explica que a Ordem tem, no seu conjunto, cerca de 220 funcionários, sendo que mais de três quartos estão afectos aos órgãos distritais e delegações. Realça, aliás, que “custos com pessoal estão a tornar-se incomportáveis para a Ordem”, uma vez que “só o Conselho Distrital de Lisboa tem mais de 80 funcionários e o do Porto mais de 50, enquanto todos os serviços centrais da OA têm apenas 48”. Évora tem, por exemplo, “mais do triplo dos funcionários de Faro”, refere o bastonário. As questões relacionadas com os funcionários da Ordem foram, por sinal, muito debatidas na campanha para estas eleições para bastonário. Na nota explicativa do orçamento publicada no site (www.oa.pt) é também referido que “as retribuições com pessoal aumentaram entre 2002 e 2008 (nos mandatos dos bastonários José Miguel Júdice e Rogério Alves) uma média de cerca de 68%, assim discriminados: CG: 23%; CDL: 92%; CDP: 134%; CDC: 75%; CDE: 83%; CDF: 57%; CDM: 31% e CDA: 18%”.

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Daí que, neste orçamento para 2011 não sejam contemplados aumentos com as remunerações do pessoal, uma vez que, “sendo ano de eleições, essa decisão deverá ser tomada pelo Conselho Geral que vier a ser eleito este mês”. Mas se, como diz Marinho Pinto, a tudo isto ainda “acrescentarmos as despesas com a prestação de serviços por não funcionários (honorários), teremos uma situação quase incomportável, em termos de gestão”. É que, frisa, “só os conselhos distritais gastaram, nos últimos cinco anos, mais de 25 milhões de euros em honorários e custos com os seus funcionários”. Paralelamente, prossegue o bastonário, “se acrescentarmos os serviços centrais da Ordem (Conselho Geral, Conselho Superior, comissões e institutos), teremos que, nos últimos cinco anos (2005 a 2009) a Ordem dos Advogados gastou mais de 34 milhões de euros em vencimentos e honorários”. Nesse elenco de despesas elas aparecem, aliás, descriminadas: CD Lisboa: € 11.573.202,00; CD Porto: € 7.494.450,00; CD Coimbra: € 2.639.449,00; CD Évora: € 1.692.562,00; CD Faro: € 622.223,00; CD Madeira: € 326.479,00 e CD Açores: € 562.799,00. Por seu turno, os serviços centrais da Ordem (Conselho Geral, CS Comissões e institutos) gastaram no mesmo período € 8.976.972,00, refere a Ordem neste documento tornado público. Ora, para António Marinho Pinto, a Ordem “não pode continuar a suportar tais encargos (os quais têm subido a uma média de quase 10% ao ano) sem obter um aumento considerável das receitas, ou seja, sem proceder a aumentos das quotizações”. Ou, então, “terá de reduzir ou cortar os benefícios que concede aos advogados, nomeadamente, o seguro profissional, os certificados digitais, as suas publicações, as plataformas informáticas, a base de dados, entre outros”.

Uma “situação dramaticamente simples” Esta situação é, portanto, para António Marinho Pinto, “dramaticamente simples”. E as opções são duas: “ou se reduzem as despesas ou se aumentam as receitas”, que o mesmo é dizer que, “ou se reduzem os custos com o pessoal e/ou com os serviços prestados gratuitamente aos advogados, ou se aumentam as quotizações”. O bastonário em fim de mandato não se coíbe de dizer que já fez a sua opção, dizendo, peremptório, que “é necessário reduzir consideravelmente o número de funcionários na Ordem dos Advogados, sobretudo nos conselhos distritais”. Ciente de que “estes diagnósticos não são populares nem geram simpatias”, Marinho Pinto diz ser preciso “ter a coragem de os fazer e não iludir as questões por mais tempo”, pois se não se reduzirem

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essas despesas, “dentro em breve alguns órgãos da Ordem gastarão praticamente todas as suas receitas com o pessoal, ou seja, limitar-se-ão a pagar ordenados e honorários”. Por outro lado, diz-se neste documento de justificação do orçamento para 2011, “o Conselho Geral já não dispõe de capacidade de conceder subsídios a outros órgãos, sem cortar nos benefícios que oferece gratuitamente aos advogados”. Daí que, no seu entender, “cada órgão deverá adaptar as suas despesas às receitas que o EOA lhe afecta, não podendo, salvo raríssimas excepções, efectuar despesas que não estejam cobertas por receitas próprias”. Para o bastonário Marinho Pinto tudo isto é uma questão de “equilíbrio orçamental”, que, para ser concretizado, “impõe que as despesas ordinárias sejam cobertas por receitas ordinárias”, devendo “os diversos órgãos da Ordem e os seus titulares conter as respectivas despesas nos limites das suas receitas estatutárias”. É que a crise que o país atravessa “também atinge a Ordem dos Advogados” e, por isso, “impõe-se adoptar restrições a nível das despesas”, de modo a que “nenhum órgão da Ordem deva gastar mais do que a receita que o EOA lhe atribui, com excepção de situações pontuais que, pela sua natureza e relevância justifiquem despesas extraordinárias”.

Quotas da OA – “as mais elevadas de todas as profissões liberais em Portugal” Além de tudo, diz o ainda bastonário, a estrutura orgânica da Ordem é “absolutamente irracional”, pois tem “mais de 260 órgãos”, entre os unipessoais, as delegações, os conselhos, as comissões e os institutos, de que são titulares “quase 880 advogados”. Ou seja, “a Ordem tem 878 dirigentes, o que faz com que, em cada 30 advogados, um seja dirigente”. São, pois, necessárias, reformas também a este nível. Nesta apresentação do orçamento para o próximo ano, António Marinho Pinto destaca ainda que “as quotas da Ordem dos Advogados são as mais elevadas de todas as profissões liberais em Portugal”, pois que os advogados “pagam três vezes mais do que os médicos”. Só “entre 1991 e 2003 as quotas dos advogados foram aumentadas em mais de 700%”, diz marinho Pinto, realçando que, “entre 2000 e 2004, foram aumentadas para o dobro”. Entende, por isso, estar “fora de questão qualquer novo aumento das quotas”, sendo que o que “urge fazer é cortar nas despesas, é limitar as despesas às acções que sejam necessárias à realização das atribuições da Ordem, acabando com gastos que não sejam absolutamente necessários às finalidades essenciais”.

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* teresasilveira@vidaeconomica.pt


Informações Jurídicas

Acordo de Acesso a Informações em Matéria de Registo Civil e Comercial entre Portugal e Espanha

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Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha Relativo ao

CPPT notificações e citações por via electrónica

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Lei do Orçamento do Estado para 2010 (Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril) introduziu alterações ao Código de Procedimento e de Processo Tributário a respeito das formalidades das notificações e das citações. De acordo com as referidas alterações, todas as notificações que tenham por objecto actos ou decisões que possam alterar a situação tributária dos contribuintes; que visem convocá-los para participarem em qualquer acto ou diligência no âmbito do processo tributário; que sejam relativas às liquidações dos tributos, bem como as que sejam relativas a liquidações de impostos periódicos, passam a poder ser efectuadas por transmissão electrónica de dados, que equivalem, consoante os casos, à remessa por via postal registada ou por via postal registada com aviso de recepção.

Acesso a Informações em Matéria de Registo Civil e Comercial foi recentmente aprovado pelo Decreto n.º 14/2010, de 25.10. Este acordo promove a criação de condições para disponibilizar às pessoas singulares e colectivas de ambos os países um acesso facilitado a determinadas informações em matéria de registo civil e comercial. Trata-se de um acordo que vem permitir a troca de informações entre serviços de registo para verificação de factos inscritos no registo civil de ambos os países quando necessário à

decisão de pedidos de registo civil; vem permitir a criação de condições que facilitem o acesso a informação de registo comercial por parte de pessoas singulares e colectivas de ambos os países, bem como vem permitir um acesso gratuito à informação de registo comercial por parte das autoridades competentes nessa matéria. Para tanto prevê-se a criação de um portal único electrónico, de acesso gratuito, a partir do qual os serviços de registo solicitam informação à outra parte para a verificação de factos aí inscritos.n

As notificações realizadas por transmissão electrónica consideram-se feitas no momento em que o destinatário aceda à Caixa Postal Electrónica. No entanto, verificando-se ausência de acesso à Caixa Postal Electrónica, deve ser efectuada nova transmissão electrónica de dados, nos quinze dias seguintes ao respectivo conhecimento por parte do serviço que tenha procedido à emissão da notificação. Neste caso, verificando-se no prazo de dez dias, de novo, o não acesso à Caixa Postal Electrónica, aplica-se a presunção prevista no n.º 6 do art. 39.º, ou seja, a notificação efectuada presume-se feita no 3.º dia posterior ao do envio da mesma, ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

os casos, à remessa por via postal simples ou registada ou por via postal registada com aviso de recepção. Estas citações consideram-se feitas no momento em que o destinatário aceda à Caixa Postal Electrónica. Se a citação for efectuada através de transmissão electrónica de dados e esta for equivalente à efectuada através de carta registada com aviso de recepção, o seu destinatário considera-se citado caso se confirme o acesso à Caixa Postal Electrónica. Se a citação for efectuada por via postal ou por transmissão electrónica de dados, nos termos acima referidos, e o postal não vier devolvido ou, sendo devolvido, não indicar a nova morada do executado e ainda em caso de não acesso à Caixa Postal Electrónica, poderá, mesmo assim, proceder-se à penhora. Nestes casos, na diligência da penhora, havendo possibilidade, o executado é citado pessoalmente para que se não pagar ou não deduzir oposição à execução em 30 dias, é designado dia para a venda. A venda só tem lugar depois de decorrido o prazo de 30 sobre o termo do prazo para a oposição à execução. n

Modalidades da citação nos processos de execuções fiscais De acordo com o OE para 2010, nos processos de execução fiscal as citações podem ser efectuadas por transmissão electrónica de dados, que equivalem, consoante

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Actividade agrícola. Isenção de contribuição para o audiovisual

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DL n.º 107/2010, de 13.10, veio aprovar a isenção do pagamento da contribuição para o audio-visual pelos consumidores não domésticos de energia eléctrica que desenvolvam uma actividade agrícola. De referir que em 2005 a contribuição para

Produtos relacionados com o consumo de energia. Informação a transmitir ao utilizador

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informação a transmitir ao utilizador final de produtos relacionados com o consumo de energia foi recentemente regulamentado, pelo Decreto Legislativo Regional n.º 27/2010/A, de 21.10, com o objectivo de aumentar a eficiência energética. Para esse efeito o consumidor doméstico de electricidade deve ser informado a respeito da criteriosa escolha dos equipamentos electrodomésticos e da racionalização do seu uso, por forma a permitir-lhe a escolha dos mais eficientes do ponto de vista energético. O diploma ora aprovado procede à transposição para a ordem jurídica regional da Directiva n.º 2010/30/UE , adequando o regime jurídico subjacente aos objectivos constantes do Plano Regional de

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o audiovisual passou a abranger a totalidade dos fornecimentos de energia eléctrica, deixando de recair apenas sobre os fornecimentos para uso doméstico. A extensão de tal contribuição às actividades agrícolas representava, contudo, uma oneração desproporcionada num sector estratégico economicamente vulnerável. Daí que agora se tenha efectivado a necessária diferenciação legal, estabelecendo-se a isenção do pagamento da taxa de audiovisual aos agricultores que possuem contadores eléctricos individualizados que permitam distinguir a energia para uso exclusivamente agrícola. n

Energia e à estrutura orgânica da administração regional autónoma. Este diploma vem, assim, regular a rotulagem energética e o fornecimento de informação ao utilizador final de produtos relacionados com o consumo de energia, nomeadamente através da etiquetagem e da disponibilização de informações suplementares sobre o consumo de energia e de outros recursos essenciais, permitindo a escolha de produtos mais eficazes. Por outro lado, este diploma, estabelece normas aplicáveis a determinadas entidades adjudicantes que celebrem contratos de empreitada de obras públicas, contratos públicos de fornecimento e contratos públicos de serviços que visem, ou incluam, a aquisição daqueles produtos. De referir que se enquadram no âmbito de aplicação do citado diploma os produtos que durante a utilização têm um impacto significativo no consumo de energia, não se aplicando o mesmo a produtos em segunda mão; a qualquer meio de transporte de pessoas ou de mercadorias; e à chapa de características, ou ao seu equivalente, afixada aos produtos por razões de segurança. n

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Tabela de custos de exames periciais nas áreas do direito de autor e dos direitos conexos

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o passado dia 8 de Setembro foi aprovada a tabela de custos de exames periciais nas áreas do direito de autor e dos direitos conexos a realizar por peritos designados pelo inspector-geral das Actividades Culturais que não sejam trabalhadores dos serviços e organismos do Ministério da Cultura. De acordo com a Port. n.º 656/2010, consideramse peritos as pessoas singulares ou colectivas que possuam experiência e conhecimentos técnicos demonstrados e reconhecidos pela Inspecção-Geral das Actividades Culturais, nas áreas objecto das perícias a realizar. Esta Tabela estabelece agora os seguintes valores: I - Suportes e equipamentos: Até 5000 exemplares, por cada 1000 exemplares ou fracção - 0,6 UC; Superior a 5000 exemplares, por cada 1000 exemplares ou fracção - 0,3 UC; Perícias realizadas por amostragem, independentemente do número de exemplares 0,15 UC. II - Sistemas - 5 UC. n


CMVM - dever de divulgação de posições económicas longas relativas a acções

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o dia 12 de Outubro de 2010 entrou em vigor o Regulamento da CMVM n.º 5/2010, que introduz o dever de divulgação de posições económicas longas relativas a acções. São vários os casos de participações qualificadas de grande dimensão comunicadas ao mercado sem aviso prévio porque construídas com base em instrumentos financeiros derivados com liquidação financeira. Estas participações, que não estão cobertos pela actual Directiva da Transparência são instrumentos financeiros que criam um efeito económico similar à detenção das

Comparticipação do Estado no preço dos medicamentos. Correcções

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Port. n.º 994-A/2010, de 29.9, vem colmatar a falta verificada no texto da Port. 924-A/2010, de 17.9 que, ao definir os grupos e subgrupos farmacoterapêuticos que integram os diferentes escalões de comparticipação do Estado no preço dos medicamentos, foi omissa quanto aos subgrupos 10.1 - Anti-histamínicos e 10.1.1 Anti-histamínicos H 1 sedativos, os quais deveriam constar do escalão C de comparticipação. Assim, são agora aditados

acções e que são idóneos para a aquisição e exercício de influência potencial sobre uma sociedade. Consequentemente, o detentor dos instrumentos financeiros derivados com liquidação financeira tem a susceptibilidade de exercer influência de facto sobre os direitos de voto detidos formalmente pela contraparte, a qual, tipicamente, procura assegurar a manutenção de uma relacionamento comercial estável e duradouro. Dái que seja necessário e conveniente estender os deveres de transparência sobre participações qualificadas às posições económicas longas sobre acções, por esta extensão impedir a ilusão do regime de transparência sobre a aquisição e alienação de participações qualificadas, donde resultam potenciais falhas de mercado ao nível dos mecanismos de formação dos preços de cotação; da detecção de conflitos de interesses; do cálculo do free-float; e do regime das ofertas públicas de aquisição

obrigatória. Estão dispensado do dever de divulgação de posições económicas longas relativas a acções as seguintes situações: - acordos ou instrumentos financeiros com efeito económico similar à detenção de acções detidos por instituições de crédito e empresas de investimento autorizadas a prestar serviços de investimento em Portugal em resultado da sua actuação como contraparte de um cliente que, por esse intermédio, adquira os correspondentes interesses a descoberto nas mesmas acções; - os acordos realizados ou instrumentos financeiros adquiridos por intermediário financeiro. De referir, por último, a consagração do direito da sociedade exigir aos seus dirigentes que lhes comuniquem as transacções que realizaram e por eles comunicadas à CMVM. A consagração deste direito visa operacionalizar o dever de divulgar, no sistema de difusão de informação da CMVM. n

os subgrupos 10.1 - Antihistamínicos e 10.1.1 - Antihistamínicos H 1 sedativos ao escalão C de comparticipação, grupo 10 - Medicação antialérgica. Por outro lado, esta Portaria prorroga até 31 de Outubro de 2011 a inclusão das associações de antiasmáticos e ou de broncodilatadores (5.1) no escalão B. Medicamentos de uso humano comparticipados – dedução nos preços de venda ao público. Encontra-se em vigor desde o passado dia 15 de Outubro a Port. n.º 1041-A/2010, de 7.10, que estabelece a dedução a praticar sobre os preços de venda ao público (PVP) máximos autorizados dos medicamentos de uso humano comparticipados. De acordo com a citada Portaria, a dedução é efectuada em condições comerciais que

permitam que os referidos medicamentos sejam dispensados pela farmácia de oficina ao utente a um preço inferior a 6 % do PVP máximo autorizado. Nos casos em que o PVP praticado em 7 de Outubro de 2010 seja inferior ao PVP máximo autorizado em mais de 6 %, a dedução a efectuar corresponde à diferença entre o PVP máximo autorizado e o PVP praticado na referida data. O diploma ora aprovado aplicase aos PVP máximos autorizados à data de 15.10.2010, incluindo os PVP resultantes das revisões anuais e excepcionais, devendo os intervenientes na cadeia de comercialização proceder aos necessários ajustes financeiros relativamente aos medicamentos que se encontrem no circuito de comercialização. n

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Novos valores do abono de família

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Portaria nº 1113/2010, de 28.10, vem fixar os montantes de abono de família a vigorar a partir de 1 de Novembro de 2010. A fixação dos novos valores desta prestação social surge na sequência da recente eliminação pelo Governo do aumento extraordinário de 25 % do abono de família nos 1º e 2º escalões e da cessação da atribuição do abono aos 4º e 5º escalões de rendimento. Assim, nos termos da nova portaria, os montantes mensais do abono de família para crianças e jovens passam a ser os seguintes: - 1º escalão de rendimentos: 140,76 euros para crianças com idade igual ou inferior a 12 meses; 35,19 euros para crianças com idade superior a 12 meses; - 2º escalão de rendimentos: 116,74 euros para crianças com idade igual ou inferior a 12 meses; 29,19 euros para crianças com idade superior a 12 meses; - 3º escalão de rendimentos: 92,29 euros para crianças com idade igual ou inferior a 12 meses; 26,54 euros para crianças com idade superior a 12 meses; No que diz respeito às famílias com dois ou mais titulares de abono de família com idade superior a 12 meses os montantes variam entre 35,19 euros e 70,38 euros no 1º escalão e entre 26,54 euros e 53,08 euros no 3º escalão de rendimentos. Quanto ao abono de família pré-natal, os montantes são os seguintes: 140,76 euros em relação ao 1º escalão de rendimentos; 116,74 euros, quanto ao 2º escalão; 92,29 euros no que se refere ao 3º escalão de rendimentos. n

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Cartão de Cidadão. Novas taxas a partir de 1.10.2010

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o dia 1 de Outubro do corrente ano entrou em vigor a Port. n.º 992/2010, de 29.9, que actualiza as taxas de emissão ou substituição do cartão de cidadão. Assim, o pedido de normal de emissão ou substituição do cartão de cidadão com entrega no território nacional ou no estrangeiro aumenta de 12 € para 15 €; o pedido urgente passa de

Acções executivas “inúteis” não pagam custas

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a cerimónia de entrega pela Comissão de Reforma do Processo Civil da proposta de alterações para ação executiva, o secretário de Estado da Justiça, João Correia, revelou que as acções executivas para

Registo Nacional do Turismo

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o passado dia 23 de Outubro entrou em vigor a Port. n.º 1087/2010, de 22.10, que regulamenta o Registo Nacional de Turismo (RNT) e define o âmbito e as suas condições de utilização. Este registo destina-se a permitir o conhecimento da oferta turística nacional por parte de turistas e a disponibilizar informação aos agentes do sector. De referir que RNT é criado,

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20 € para 30 €, sendo que o pedido urgente com entrega no estrangeiro, actualmente fixado nos 35 €, passa a custar 45 €, e o pedido urgente com entrega no próprio dia do pedido ou no prazo de um dia, com levantamento em balcão do IRN, I. P., em Lisboa aumenta 10 €, custando agora 35 €.De referir que a citada Portaria autoriza a redução do valor das novas taxas, no quadro de campanhas de promoção do cartão de cidadão, tanto incentivar a expansão do uso de assinaturas digitais, como para acelerar a substituição de bilhetes de identidade vitalícios por cartões de cidadão. n

cobrança de dívidas, que venham a ser consideradas “inúteis” porque “não são encontrados bens penhoráveis” ao devedor, deverão passar a “extinguirse automaticamente e sem pagamento de custas”. Outra das alterações aponta para que seja “impenhorável” ou “intocável” na acção de cobrança de dívidas o valor do salário mínimo nacional, por forma a garantir a “subsistência mínima” de todos os cidadãos devedores. n

desenvolvido e mantido pelo Turismo de Portugal, I. P., com a colaboração das entidades regionais e locais com competências na área do turismo e dos agentes privados do sector, e destina-se a centralizar e disponibilizar toda a informação relativa aos empreendimentos e empresas de turismo a operar em Portugal. A portaria ora aprovada aplicase em Portugal continental, sendo que a integração no RNT dos empreendimentos e actividades turísticas das Regiões Autónomas é efectuada nos termos de protocolo a celebrar com os respectivos Governos Regionais. n


Pagamento de cheque falsificado. Responsabilidade da entidade bancária

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e acordo com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 8 de Junho de 2010, a entidade bancária que tenha pago um cheque falsificado, apenas se pode eximir da responsabilidade total pelos prejuízos sofridos pelo cliente, se provar que agiu sem culpa ou que houve culpa exclusiva deste. No caso dos autos estamos perante um cheque em que foi falsificada a denominação da sociedade beneficiária deste, por meio de rasura e da inscrição de duas palavras que podem fazer parte do nome de uma pessoa. Essa falsificação ocorreu depois da autora ter enviado, por correio, o cheque para a sede da sociedade sua beneficiária dele, mas antes de o mesmo ser apresentado a pagamento, pelo que é imputável a um terceiro não identificado. A questão a decidir pela Relação de Guimarães traduz-se em equacionar a questão da culpa na falsificação desse cheque e em, em concreto, de saber se essa culpa pode ser assacada, no todo ou em parte, à autora, e se a ré agiu ou não com culpa ao pagar o montante por titulado por aquele cheque. O Tribunal da Relação de Guimarães entendeu que a apelação interposta não pode ser atendida, tendo por base a seguinte fundamentação: Na base da emissão e pagamento de qualquer cheque encontram-se duas relações jurídicas distintas: a relação de provisão e o contrato ou convenção de cheque.

A relação de provisão traduzse em o emitente do cheque dispor no banco sacado de meios financeiros que permitam o seu pagamento. A convenção de cheque consiste num acordo estabelecido entre o banco (sacado) e o cliente (sacador), por força do qual este pode, através da emissão de cheques, proceder a pagamentos, mobilizando os meios financeiros a que se reporta a relação de provisão. Por força da convenção de cheque o cliente fica adstrito à obrigação de guardar convenientemente os impressos (ou módulos) destinados à emissão de cheques, evitando o seu extravio ou a sua apropriação ilícita; E, por sua vez, o banco fica vinculado a verificar cuidadosamente os cheques que lhe sejam apresentados, recusando o pagamento dos que lhe ofereçam dúvidas. A responsabilidade decorrente da violação deste deveres impende sobre o contraente que tenha procedido culposamente, desde que a mesma lhe seja imputável – cfr. o art. 798º do Código Civil. Estamos, pois, perante a responsabilidade contratual, em que a a culpa se presume, - cfr. art. 799º do Código Civil. A entidade bancária que paga um cheque falsificado, só pode eximirse da responsabilidade total pelos prejuízos sofridos pelo cliente, se provar que: agiu sem culpa ou que houve culpa exclusiva do cliente. Provando-se a sua negligência, poderá conseguir uma repartição da responsabilidade, se provar que também a houve da parte do cliente. A culpa deve ser apreciada nos termos gerais da responsabilidade civil (art. 799º, 2, do C. Civil) aplicando-se o critério abstracto da «diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso» – cfr. o art. 487º, 2 do mesmo Código. Na situação concreta, esse critério é mais apertado, porquanto não se

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pode partir do empenhamento que seria esperável de uma pessoa comum medianamente cuidadosa. É que as entidades bancárias são especializadas no seu ramo de negócio e não ocasionais mutuantes ou depositários. No caso dos autos, a apelante sustenta que a autora é responsável pelo facto de ter violado o dever de diligência na guarda do cheque até entrega ao seu beneficiário, porquanto indicou apenas uma parte da denominação da beneficiária do cheque e deixou em branco a parte restante do espaço destinado a essa indicação, o que potenciou a sua falsificação; Remeteu o cheque por correio normal, o que permitiu que chegasse às mãos de quem não era o beneficiário; Não apôs no cheque a cláusula «não à ordem». No que respeita ao modo como foi preenchido o espaço destinado à indicação da entidade beneficiária do cheque, considera a Relação de Guimarães que os serviços da autora poderiam ter preenchido completamente a denominação daquela e trancado o espaço sobrante, diminuindo fortemente as possibilidades de falsificação. No que respeita à utilização dos serviços dos correios, considerou a Relação que não se pode fazer grande reparo, por esse ser um dos meios normais usado, pelo comum das pessoas, incluindo entidades bancárias, frequentemente sem registo. Quanto à não aposição no cheque da cláusula «não à ordem», considerou a Relação que, sendo uma medida de boa prudência, também é certo que muitos beneficiários de cheques a não pretendem, pois querem poder endossá-los. Daí que se tenha concluído que a autora não estava obrigada a usar qualquer dos meios prudenciais sugeridos pela ré; mas entende a Relação que a autora poderia dificultar em forte medida a falsificação. Por seu turno, a autora entendeu

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que o funcionário da ré que pagou o cheque deveria ter visto a rasura que o mesmo apresentava. Na verdade, no caso em apreço, embora essa rasura seja pouco extensa, ela é evidente, sendo detectável pela simples visualização do cheque, tal como ficou após a falsificação. Vê-se claramente que a primeira palavra que está escrita no campo destinado à indicação do beneficiário do cheque foi rasurada, de modo a parecer o nome de uma pessoa. Mas o nome resultante, para além de rasura, não é usual, pois o que resultou foi qualquer coisa parecida com «Plachido» ou «Plachides». Se o funcionário da recorrente tivesse atentado no nome que aparece no endosso, verificaria que a primeira palavra é «Placido» , o que parece ser suficiente para que tivesse diligenciado no sentido de apurar a identidade do beneficiário do cheque, contactando o cliente. Não o tendo feito, agiu com evidente negligência. O facto de se tratar de um cheque endossado que teria de ser depositado em conta cujo endossante não esta presente deveria reforçar a desconfiança. Também o montante elevado do cheque aconselhava redobrados cuidados. Mais ainda por se tratar de um cheque «cruzado», emitido à ordem de quem não era o seu portador, já com um endosso, e com uma data muito posterior à

da apresentação a pagamento. Do art. 73º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras decorre que as instituições de crédito devem assumir uma atitude dinâmica, uma actividade constante de promoção, vigilância e preservação dos interesses dos clientes, o que implica o emprego de um apertado sistema de controlo e supervisão. Por sua vez, o art. 74º impõe que os empregados dessas instituições, no exercício das suas funções, devem agir com empenho e zelo de forma a protegerem os interesses que lhe são confiados. Pelo exposto impõe-se concluir que a ré/recorrente não conseguiu provar que não agiu com culpa, sendo certo que também não se provou a culpa concorrente da autora. Decisão: Nesta conformidade, entendeu o Tribunal da Relação de Guimarães que a apelação é improcedente, e, em consequência, confirmou-se a sentença recorrida, concluindo-se que: “1. Em face da convenção de cheque, o banco fica vinculado ao dever de fazer verificar cuidadosamente os cheques que lhe sejam apresentados, recusando o paga- mento dos que suscitem dúvidas; por sua vez, o cliente fica adstrito à obrigação de guardar convenientemente os impressos (ou módulos) destinados à emissão de cheques, evitando o seu extravio ou a sua

apropriação ilícita; 2. A entidade bancária que tenha pago um cheque falsificado, apenas se pode eximir da responsabilidade total pelos prejuízos sofridos pelo cliente, se provar que agiu sem culpa ou que houve culpa exclusiva deste; 3. A culpa (que se presume) deve ser apreciada nos termos gerais da responsabilidade civil, «ex vi» do art. 799º, 2, do Código Civil, aplicando-se, portanto, o critério abstracto da «diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso» (cfr. o art. 487º, 2), mas considerando o empenhamento que deve garantir uma pessoa que se movimente no círculo especializado das instituições de crédito; 4. Agiu com culpa uma entidade bancária que pagou (a um terceiro) um cheque falsificado, em que a primeira palavra («Plachido» ou «Plachides») que integrava o nome do pretenso beneficiário se apresentava rasurada e não correspondia ao nome («Placido» – sic) do suposto endossante, tanto mais que se tratava de um «cheque cruzado» de valor relativamente elevado; 5. O facto de o cheque, originariamente, ostentar, no espaço destinado à indicação do beneficiário, apenas uma espécie de sigla («Plasticofer»), sem estar traçado o resto da linha, e ter ser enviado pelo correio, não afasta a culpa da entidade bancária”. n

Segurança privada. Emissão de alvarás e licenças

uma revisão às regras aplicáveis à emissão de alvarás e licenças, bem como aos respectivos averbamentos, para o exercício de actividades de segurança privada. O diploma ora aprovado introduz um prazo de validade para aqueles títulos de cinco anos que passa a constar das especificações dos alvarás e das licenças, bem como a identificação dos

administradores, gerentes ou responsável pelos serviços de autoprotecção, consoante o caso. A par das referidas alterações procede-se, igualmente, a um aumento do valor das contraordenações, assim como a um ajuste da percentagem das taxas que reverte para a Polícia de Segurança Pública, que é a entidade competente em matéria de instrução e fiscalização. n

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o Conselho de Ministros do passado dia 8 de Outubro foi aprovada

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Alterações ao Código Contributivo

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as alterações propostas pelo Executivo em matéria de Código Contributivo, destacamos o adiamento para 2014 da aplicação da regra prevista no Código que agrava em 3% a taxa contributiva a cargo das entidades empregadoras, relativamente a trabalhadores contratados a termo, bem como o adiamento, também para 2014, da regra que reduz em 1% a taxa contributiva da responsabilidade da entidade empregadora no caso de contratos de trabalho por tempo indeterminado. Nos termos desta Proposta de Lei, a regulamentação do art. 55º do Código Contributivo que contém as mencionadas regras, será precedida de avaliação efectuada em reunião da Comissão Permanente de Concertação Social, e não ocorrerá antes de 1 de Janeiro de 2014. Por outro lado, a regra de pagamento, pelas empresas que adquiram prestação de serviços efectuados por trabalhadores independentes (recibos verdes), de 5% sobre os respectivos montantes, apenas se irá verificar em 2011 quando o trabalhador realizar 80% do valor total dos seus serviços à mesma empresa ou mesmo agrupamento empresarial. De acordo com a proposta apresentada pelo Governo, para efeitos de determinação do montante de contribuições a cargo da entidade adquirente dos serviços, constitui base de incidência contributiva o valor total dos serviços que lhe foram prestados por trabalhador independente no

ano civil a que respeitam. Refira-se que, nos termos da actual versão do Código Contributivo, constitui base de incidência contributiva 70% do valor total de cada serviço prestado. O Código Contributivo estabelece como base de incidência contributiva um conjunto de novas prestações pecuniárias ou em espécie a atribuir pelas entidades empregadoras aos trabalhadores por conta de outrem. Assim, para além das actuais prestações, passam a integrar a base de incidência contributiva: - os montantes do subsídio de refeição, quer sejam atribuídos em dinheiro, quer em títulos de refeição (nos termos e limites definidos no Código do IRS); - os valores efectivamente devidos a título de despesas de representação desde que se encontrem predeterminados; - as gratificações, pelo valor total atribuído, devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços dos trabalhadores, bem como as que pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da remuneração; - as importâncias atribuídas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte e outras equivalentes (nos termos e limites definidos no Código do IRS); - os abonos para falhas (nos termos e limites definidos no Código do IRS); - os montantes atribuídos aos trabalhadores a título de participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador não esteja

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assegurada pelo contrato uma remuneração certa, variável ou mista adequada ao seu trabalho; - as despesas resultantes da utilização pessoal pelo trabalhador de viatura automóvel que gere encargos para a entidade empregadora (nos termos e limites definidos no Código do IRS); - compensação por cessação do contrato de trabalho por acordo apenas nas situações com direito a prestações de desemprego (nos termos e limites definidos no Código do IRS); - os valores despendidos obrigatória ou facultativamente pela entidade empregadora com aplicações financeiras, a favor dos trabalhadores, designadamente seguros do ramo “Vida”, fundos de pensões e planos de poupança reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, quando sejam objecto de resgate, adiantamento, ou remição; - as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade empregadora (nos termos e limites definidos no Código do IRS). Importa ter presente que a Lei nº 110/2009, que aprovou o Código Contributivo, fixou a data de entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2010, tendo posteriormente a Lei nº 119/2009, de 30.12, procedido ao adiamento da respectiva vigência para 1 de Janeiro de 2011. O mesmo diploma estabeleceu que a entrada em vigor do Código seria precedida de uma avaliação efectuada em reunião da Comissão Permanente de Concertação Social. n

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Código do Trabalho – Inconstitucionalidade do art. 356.º

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Tribunal Constitucional declarou inconstitucional a regra prevista no nº 1 do art. 356º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12.2, que estabelece a possibilidade de o empregador decidir se realiza ou não as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa enviada ao trabalhador. Esta norma regula a fase instrutória do processo disciplinar, entregando ao empregador o poder de decidir quanto à realização de diligências probatórias requeridas pelo trabalhador. Nos termos do acórdão do Tribunal Constitucional nº

Modelo de afixação de publicidade dos contratos de auxílio financeiro Infracções Tributárias – Falsificação de softwaer

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Lei do Orçamento do Estado para 2010 (Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril) introduziu alterações ao Regime

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338/2010, de 22.9 (Proc. nº 175/09), a referida norma do nº 1 do art. 356º do Código do Trabalho viola o art. 32º, nº 10 (assegura ao arguido os direitos de audiência e defesa) conjugado com o art. 53º da Constituição da República Portuguesa (garantia da segurança no emprego). Esta declaração de inconstitucionalidade surge na sequência de um pedido de fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade que havia sido requerido por um grupo de Deputados à Assembleia da República. Nos termos da decisão do Tribunal Constitucional, “é inelutável o surgimento dos direitos de audiência e defesa como regra inerente à ordem jurídica de um Estado de direito”. Ainda segundo o acórdão “a razão assiste ao requerente, porquanto o art. 356º, nº 1 do Código do Trabalho viola as garantias de defesa

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aplicáveis a qualquer processo sancionatório, à luz do art. 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa.” Assim, considerou-se que o art. 356º, nº 1, do Código do Trabalho viola as garantias de defesa aplicáveis a qualquer processo sancionatório, à luz do art. 32º, nº 10, da Constituição, de acordo com o qual nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa, norma que o Tribunal Constitucional entende dever aplicar-se aos processos disciplinares. Relativamente ao art. 53º da Constituição refere-se no mesmo acórdão que “a obrigatoriedade de um processo para a aplicação de sanções disciplinares de despedimento é uma garantia instrumental que confere consistência e efectividade ao direito à segurança no emprego.”n

novo modelo de afixação de publicidade dos contrato de auxílio financeiro é aplicável desde o passado dia 7 de Outubro. A Port. n.º 1017/2010, de 6.10, vem dar cumprimento ao regime da concessão de auxílios financeiros à administração local em situação de calamidade pública, que tem em vista a

recuperação dos equipamentos públicos danificados, nos termos do qual os responsáveis pela execução dos projectos financiados ficam obrigados a afixar, em local público bem visível, a designação do projecto, o montante do investimento, o prazo de execução, as entidades financiadoras e as respectivas comparticipações financeiras. n

Geral das Insfracções Tributárias (RGIT), concretamente ao seu artigo 128.º. Antes da publicação da Lei do Orçamento do Estado para 2010, o RGIT previa, no seu art.º 128.º que, quem criasse, cedesse ou transaccionasse programas informáticos com o objectivo de impedir ou alterar o apuramento da situação tributária do contribuinte, seria punido com

coima de € 500 a € 25 000, quando não devesse ser punido como crime. O OE para 2010 manteve esta versão acrescentando o seguinte: Passa, ainda, a ser punida com coima de € 250 a € 12.500 a utilização de programas ou equipamentos informáticos de facturação, que não estejam certificados nos termos Código do IRC. n

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Regulamentação da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes

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a sequência do regime aplicável ao adiantamento pelo Estado das indemnizações devidas às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica, aprovado pelo DL n.º 104/2009, de 14.9, foi recenemte publicada a regulamentação relativa à constituição, funcionamento e exercício de poderes e deveres da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes. De acordo com o DL n.º 120/2010, de 27.10, a Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes é um órgão administrativo independente responsável pela concessão de adiantamentos de indemnização por parte do Estado às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica, que funciona junto do Ministério da Justiça. Os membros da Comissão são designados por três anos, podendo a designação ser renovada por

Solicitadores e Agentes de Execução – Publicidade de imagem

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ncontra-se em vigor desde 20.10.2010 o Regulamento de Publicidade e Imagem dos Solicitadores e Agentes de Execução, aprovado pela Câmara dos Solicitadores. Conforme estabelece o Regulamento nº 786/2010, de 19.10, publicado na 2ª série do Diário da República, a Câmara dos Solicitadores assume a publicidade funcional de solicitadores e agentes de

igual período, sendo que o serviço desta Comissão tem carácter urgente. O requerimento para a concessão do adiantamento de indemnização pelo Estado é apresentado à Comissão, nos termos do previsto no artigo 10.º da Lei n.º 104/2009, de 14 de Setembro. Este requerimento pode ser apresentado por transmissão electrónica de dados, deve conter as informações essenciais ao correcto exercício do direito pelo requerente bem como permitir a entrega dos elementos necessários à correcta instrução do pedido, incluindo, nomeadamente, a indicação do montante da indemnização pretendida; a indicação de qualquer importância já recebida; a indicação das pessoas ou entidades públicas ou privadas susceptíveis de, no todo ou em parte, virem a efectuar prestações relacionadas com o dano; e a indicação de ter sido concedida qualquer indemnização e qual o seu montante, caso tenha sido deduzido pedido de indemnização no processo penal ou fora dele, ou a mera indicação do processo, caso este se encontre pendente.

Relativamente a diligências instrutórias levadas a cabo pela Comissão, devem as mesmas ser reduzidas a escrito. O membro da Comissão responsável pelo processo, oficiosamente ou a requerimento, procede a todas as diligências instrutórias que se revelem necessárias à instrução do pedido. Uma vez concluída a instrução, o presidente ou o membro da Comissão responsável pelo processo decide de imediato sobre a concessão da indemnização e qual o respectivo montante. De referir que as notificações efectuadas no âmbito do processo relativo à concessão da indemnização são efectuadas preferencialmente por meios electrónicos. A actividade processual da comissão é regulada, com as necessárias adaptações, pelo Código do Procedimento Administrativo. Com a aprovação deste diploma, os processos pendentes da Comissão para a Instrução dos Pedidos de Indemnização às Vítimas de Crimes são transferidos para a Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes. n

execução, que reveste uma componente de informação ao público, divulgando serviços prestados pela classe e disponibilizando o uso de imagem e marcas aos solicitadores que cumpram os requisitos previstos no referido Regulamento. Por seu lado, a publicidade pessoal é permitida na medida em que preencha uma função informativa e não persuasiva junto do público. A publicidade pessoal do solicitador deve ser verídica, respeitar o segredo profissional, solidária com os profissionais que exercem os actos próprios de advogados e solicitadores e veiculada com dignidade e moderação. Quanto à imagem dos referidos

profissionais, importa destacar que a Câmara dos Solicitadores irá providenciar aos seus associados, na página da Internet da Câmara (www.solicitador. net), as marcas, os logótipos e o estacionário (envelopes, papel de carta, papel de fax, cartão pessoal, etc.), que lhes permitam apresentar uma imagem única, como profissionais devidamente inscritos ou registados na Câmara dos Solicitadores. Certas formas de publicidade pessoal destes profissionais são regulamentadas e fornecidas pela Câmara. Neste sentido, prevê-se a criação de cartazes e anúncios, impressos na forma regulamentar, em que constem informações sobre serviços prestados.n

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Regulamentação do regime jurídico do apadrinhamento civil

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o próximo dia 26 de Dezembro entra em vigor o DL n.º 121/2010, de 27.10, que estabelece os requisitos para habilitação dos candidatos ao apadrinhamento civil e procede à regulamentação do regime jurídico do apadrinhamento civil ( aprovado pela Lei n.º 103/2009, de 11.9) O apadrinhamento civil permite que crianças e jovens em risco possam, a título definitivo, viver e criar laços de afectividade com uma família, que assume os poderes e os deveres dos pais, mantendo a criança a sua filiação biológica. O objectivo deste diploma é garantir que essa pessoa possua idoneidade e autonomia de vida necessárias para assumir as responsabilidades próprias do vínculo do apadrinhamento civil. A decisão de colocar uma criança ou jovem junto de uma pessoa ou família ao abrigo do apadrinhamento civil está sempre dependente do acordo dos seus pais biológicos e de uma decisão de um juiz. A escolha das pessoas habilitadas a receber crianças ou jovens ao abrigo do apadrinhamento civil depende do preenchimento de várias condições a nível da sua capacidade emocional, afectiva e económica. Assim, quem pretenda apadrinhar civilmente uma criança ou jovem deve comunicar essa intenção ao centro distrital de segurança social da sua área de residência, mediante preenchimento de uma ficha de candidatura. A certificação da idoneidade e autonomia de vida que permita

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ao candidato assumir as responsabilidades próprias do vínculo de apadrinhamento civil depende, além do mais, da ponderação de factores, tais como, a personalidade, maturidade, capacidade afectiva e estabilidade emocional; as condições de higiene e de habitação; a situação económica, profissional e familiar; a ausência de limitações de saúde que impeçam prestar os cuidados necessários à criança ou ao jovem, etc. A decisão sobre a habilitação dos padrinhos é precedida da elaboração de relatório psicossocial dos candidatos pelo centro distrital de segurança social da sua área de residência. Essa decisão é dada no prazo de seis meses contados a partir da data de entrega da ficha de candidatura Recordamos que o regime jurídico do apadrinhamento civil foi aprovado pela Lei n.º 103/2009, de 11.9, que alterou o Código do Registo Civil, o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e do Código Civil, ficando a sua entrada em vigor marcada para o dia seguinte ao da publicação da respectiva regulamentação. De acordo com o citado diploma, o apadrinhamento civil é uma relação jurídica, tendencialmente de carácter permanente, entre uma criança ou jovem e uma pessoa singular ou uma família que exerça os poderes e deveres próprios dos pais e que com ele estabeleçam vínculos afectivos que permitam o seu bem-estar e desenvolvimento, constituída por homologação ou decisão judicial e sujeita a registo civil. Esta lei aplica-se às crianças e jovens que residam em território nacional. Só podem apadrinhar pessoas maiores de 25 anos, previamente habilitadas para o

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efeito. Desde que o apadrinhamento civil apresente reais vantagens para a criança ou o jovem e desde que não se verifiquem os pressupostos da confiança com vista à adopção, a apreciar pela entidade competente para a constituição do apadrinhamento civil, pode ser apadrinhada qualquer criança ou jovem menor de 18 anos, nomeadamente: - Que esteja a beneficiar de uma medida de acolhimento em instituição; - Que esteja a beneficiar de outra medida de promoção e protecção; - Que se encontre numa situação de perigo confirmada em processo de uma comissão de protecção de crianças e jovens ou em processo judicial; Também pode ser apadrinhada qualquer criança ou jovem menor de 18 anos que esteja a beneficiar de confiança administrativa, confiança judicial ou medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção ou a pessoa seleccionada para a adopção quando, depois de uma reapreciação fundamentada do caso, se mostre que a adopção é inviável. Os padrinhos exercem as responsabilidades parentais, ressalvadas as limitações previstas no compromisso de apadrinhamento civil ou na decisão judicial. Regra geral, os pais beneficiam dos direitos expressamente consignados no compromisso de apadrinhamento civil, designadamente: - Conhecer a identidade dos padrinhos; - Dispor de uma forma de contactar os padrinhos; - Saber o local de residência do filho; - Dispor de uma forma de contactar o filho; - Visitar o filho, nas condições fixadas no compromisso ou na decisão judicial, designadamente por ocasião de datas


especialmente significativas. O apadrinhamento civil pode ser da iniciativa do Ministério Público; da comissão de protecção de crianças e jovens, no âmbito dos processos que aí corram termos; dos pais, representante legal da criança ou do jovem ou pessoa que tenha a sua guarda de facto e da criança ou do jovem maior de 12 anos. O apadrinhamento civil

constitui-se por decisão do tribunal, nos casos em que esteja a correr um processo judicial de promoção e protecção ou um processo tutelar cível, ou por compromisso de apadrinhamento civil homologado pelo tribunal. É competente para a constituição do apadrinhamento civil o tribunal de família e menores ou, fora das áreas abrangidas pela jurisdição dos tribunais de

família e menores, o tribunal da comarca da área da localização da instituição em que a criança ou o jovem se encontra acolhido ou da área da sua residência. A constituição do apadrinhamento civil e a sua revogação são sujeitas a registo civil obrigatório, efectuado imediata e oficiosamente pelo tribunal que decida pela sua constituição ou revogação.n

Medidas de preservação do meio marinho até 2020

que aprova o regime jurídico das medidas necessárias para garantir o bom estado ambiental do meio marinho até 2020, transpondo a Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17.6. Este regime aplica-se às águas marinhas nacionais e aos efeitos transfronteiriços sobre a qualidade do meio marinho na

mesma região ou sub-regiões marinhas. Estão excluídas do seu âmbito de aplicação as actividades que visem exclusivamente a defesa ou a segurança nacional, as quais devem, sempre que possível, ser conduzidas de forma compatível com a manutenção do bom estado ambiental do meio marinho.n

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o dia 14 de Outubro de 2010 entrou em vigor o DL n.º 108/2010,

SISTEMA DE NORMALIZAÇÃO CONTABILÍSTICA TEORIA E PRÁTICA - 3ª edição A obra mais completa e abrangente sobre o SNC. Inclui: • Adaptação em Portugal das IAS/IFRS adoptadas na UE • Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF) • Novo Código de Contas • Novos Modelos de Demonstrações Financeiras • IAS/IFRS não adoptadas pelo SNC • Matemática financeira e finanças aplicáveis às NCRF • Aplicação da técnica dos rácios no âmbito do SNC • 130 Casos práticos resolvidos em articulação com as NCRF e o CIRC • Simplificação das normas e informações contabilísticas das Microentidades Contém ainda esquemas, ilustrações, casos práticos e comentários. Autores: João Gomes e Jorge Pires Formato: 17,5 x 24,5 cm Págs: 960 P.V.P.:�A�44

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3ª EDIÇÃO - SETEMBRO DE 2010

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Sociedade unipessoal por quotas A Sociedade unipessoal por quotas é constituída por um único sócio, pessoa singular ou colectiva, que é o titular da totalidade do capital social mínimo, no valor de 5.000 Euros. Também pode resultar da concentração das quotas da sociedade num único sócio, independentemente da causa da concentração. Só o património social responde pelas dívidas

da sociedade. A firma deve ser formada, antes da expressão “Limitada” ou da abreviatura “Lda” pela expressão “Sociedade Unipessoal” ou “Unipessoal”. A minuta que seguir publicamos traduz um exemplo de minuta do pacto social da sociedade unipessoal por quotas constante de documento particular.

MINUTA PACTO SOCIAL DE SOCIEDADE UNIPESSOAL POR QUOTAS (Título Constitutivo de Sociedade Unipessoal por Quotas Documento Particular) ………(Local), ……(dia),……(mês),……(ano) a) natureza jurídica - sociedade comercial por quotas unipessoal b) N.I.P.C – 000.000.000 Sócio único: F……………………, solteiro, NIF …, com domicílio em ......… A SOCIEDADE FICA A SER REGIDA PELAS NORMAS SEGUINTES: Artigo 1.º 1.A sociedade adopta a firma “.…, Sociedade Unipessoal, Lda.” e tem a sua sede na Rua ………, freguesia de ……, concelho de …. 2. A sociedade poderá, sob qualquer forma legal, associar-se com outras entidades, para formar sociedades, agrupamentos complementares, consórcios e associações em participação, além de poder adquirir e alienar participações em sociedades com o mesmo ou diferente objecto. Artigo 2.º A sociedade tem por objecto a actividade de ……………………………… Artigo 3.º 1. O capital social é de cinco mil euros, integralmente realizado em numerário, e representado por uma quota, de igual valor, pertencente ao sócio único F……………………………………… Artigo 4.º 1. A gerência da sociedade será exercida por F…… com ou sem remuneração, conforme vier a ser decidido pelo sócio único. 2. A sociedade vincula-se, em juízo e fora dele, activa e passivamente, pela intervenção do seu gerente. Artigo 5.º Devem ser consignadas em acta as decisões do sócio único, relativas a todos os actos para os quais, nas sociedades por quotas em regime de pluralidade de sócios, a lei determine a tomada de deliberações em assembleia geral. Artigo 7.º O sócio único, sob sua responsabilidade, declara que: - não é titular de quotas noutras sociedades unipessoais; - o capital social realizado foi depositado numa instituição bancária em conta aberta em nome da sociedade. Artigo 8.º 1. A gerência fica autorizada a proceder ao levantamento do capital social, para fazer face às despesas sociais, designadamente as realizadas com a constituição da sociedade. 2. A gerência fica autorizada a iniciar, de imediato, a actividade social, podendo, designadamente, adquirir bens móveis ou imóveis, tomar de arrendamento quaisquer locais, celebrar contratos de locação financeira ou outros destinados a financiar a sua actividade, no âmbito do objecto social. Artigo 9.º O subscritor está ciente de que deve ser promovido o registo comercial obrigatório do acto ora titulado, no prazo de dois meses. Assinatura ……………………………………… (A assinatura do subscritor deve ser reconhecida presencialmente, sendo em regra, devido pela celebração do contrato de sociedade o imposto do selo a que se refere a verba 26.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo) Reconheço a assinaturas aposta no documento particular anexo, relativo ao contrato social com vista à constituição da sociedade comercial unipessoal por quotas sob a firma “…….......”, do signatário adiante referido, o qual está presente neste acto e me confirma a autoria da sua assinatura: - A … , titular do B.I. n.º ……., emitido em .../.../…., - S.I.C. Verifiquei a identidade do signatário pela exibição do citado Bilhete de Identidade. Este acto foi registado sob o n.o ….. junto da Ordem dos Advogados.

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Contrato promessa de compra e venda, título executivo? Por: V. Cunha Oliveira*

O Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão proferido em sede de recurso de Revista no âmbito do processo número 08B2427, em 16 de Setembro de 2008, admitiu a possibilidade de o contrato promessa de compra e venda constituir título executivo com vista à cobrança coerciva de reforços de sinal. Parece-nos manifestamente insustentável admitir um contrato promessa de compra e venda como título executivo que possa servir de base a uma execução para pagamento de quantia certa. Senão vejamos. O art. 46º, nº 1, al. c), do CPC configura como títulos executivos os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinável por simples cálculo aritmético. O contrato promessa e, em particular, o contrato promessa de compra e venda não é um título que constitua ou reconheça uma dívida. O contrato promessa é a convenção pela qual alguém se obriga (dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos) a celebrar certo contrato. O contrato promessa tem a particularidade de criar, para as partes, uma obrigação – a obrigação de contratar –, sendo um verdadeiro “pactum in contrahendo”. O contrato promessa constitui a manifestação de vontade – formalização da decisão – de celebrar o contrato prometido, assim como constitui o título regulador dos direitos e deveres das partes e das condições acordadas para o período ate à realização do contrato definitivo. No contrato promessa de compra e venda as partes assumem o compromisso de celebrar um outro contrato – o contrato prometido, ou seja, as partes ficam obrigadas a uma prestação de facto jurídico positivo, que será o contrato de compra e venda. Dispõe o art. 847º do CC que compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço. Preceitua o art. 410º, nº 1, do CC que exceptuadas as relativas à forma, ao contrato promessa são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido. Da conjugação destes dois preceitos legais resulta que a indicação do preço constitui um elemento

essencial do contrato promessa de compra e venda, bem como os termos e o calendário do pagamento. O calendário do pagamento elenca a prestação entregue bem como as prestações a entregar na vigência do contrato promessa. Reza o 440º do CC que se, ao celebrar-se o contrato ou em momento posterior, um dos contraentes entregar ao outro coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito, é a entrega havida como antecipação (adiantamento) total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue o carácter de sinal. Temos pois que para a generalidade dos contratos a lei estabelece uma presunção (relativa, uma vez que é elidível) de antecipação de cumprimento, ou seja, é às partes que compete o ónus da prova quanto à intenção de atribuírem valor de sinal à prestação entregue. Ao aplicar-se esta regra ao contrato promessa e a haver entrega de prestação, o início de cumprimento reflectir-se-á no contrato prometido. Se assim não fosse entendido, estar-se-ia a remeter a antecipação de pagamento para momento anterior à celebração do contrato (promessa) quando o sinal, por via de regra, é constituído no momento da celebração do contrato ou em momento posterior. Em segundo lugar, o sinal é uma prestação de coisa enquanto que, como já se disse, o contrato promessa é uma prestação de facto jurídico positivo. Já no âmbito do contrato promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço. Assim, para os contratos promessa de compra e venda, a lei fixa uma presunção de sinal, pelo que, não obstante o contrato integrar a convenção de que a prestação foi feita a título de princípio de pagamento, a referida presunção (absoluta) não será afastada, sendo desnecessário convencionar o carácter de sinal. Resulta assim claro que em sede de contrato de promessa de compra e venda, as prestações entregues têm carácter de sinal e, se as partes assim o convencionarem, podem ter carácter de princípio de pagamento do preço. Dispõe o art. 442º do CC que quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida.

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Assim, sinal é a coisa que um dos contraentes entrega ao outro no momento da celebração do contrato ou em momento posterior, para ser imputada na prestação devida. No caso em apreço, o objecto imediato é um contrato promessa de compra e venda, pelo que a imputação terá lugar no preço a pagar (prestação devida). No contrato promessa de compra e venda todas as quantias entregues são havidas como sinal, mesmo que lhe seja atribuído carácter de antecipação de cumprimento. Como sinal, a lei determina que seja imputado na prestação devida. Como antecipação de cumprimento, se assim ter sido convencionado, é parte do preço, que, quanto aos reforços de sinal vincendos, só pode ser exigível, se a venda tiver lugar. Caso contrário assistiríamos a um enriquecimento ilegítimo (enriquecimento sem causa art. … do CC), uma vez que teria lugar uma prestação sem se verificar a correspondente contraprestação. O sinal acompanha quer o contrato promessa (de compra e venda) quer o contrato prometido. No primeiro, o sinal (e, eventualmente, os seus reforços) reveste a natureza de garantia do cumprimento do contrato e de medida de indemnização devida pelo contraente faltoso ao outro contraente. No segundo, reveste a natureza de prestação ou parte da prestação a que o comprador está vinculado – o pagamento do preço. Deste modo, atenta a natureza do contrato promessa de “pactum in contrahendo” e a natureza atribuída às prestações entregues ou a entregar no contrato promessa de compra e venda de sinal e, caso seja convencionado, de princípio de pagamento, não tem suporte legal a cobrança coerciva de qualquer prestação a que o promitente-comprador se tenha vinculado. Em consequência, não é legitimo atribuir aos reforços de sinal, ainda que convencionados como antecipação de pagamento (de um preço que só é devido se a venda se concretizar), carácter constitutivo ou expressão de reconhecimento de uma dívida que possa servir de base a uma execução. Por último, a corroborar o nosso ponto de vista, a lei estabelece para o contrato promessa de compra e venda um regime sancionatório específico. Uma vez mais, atentemos. No ordenamento jurídico português, o não cumprimento dos contratos encontra-se agrupado em duas classes – causa e resultado. A causa acolhe os factos causadores da impossibilidade ou mora no cumprimento. O resultado alberga os efeitos dos actos cuja prática resulta na impossibilidade ou mora no cumprimento. Dir-se-ia que na primeira incumpre quem não pode cumprir e na segunda incumpre quem não quer cumprir.

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Na classe da causa inscrevem-se a impossibilidade do cumprimento e a mora não imputável ao devedor – arts. 790º a 797 do CC. Na classe do resultado cabem o não cumprimento (definitivo), a mora e o cumprimento defeituoso. Atento a razões de equidade e justiça, no tangente à causa, o não cumprimento do contrato promessa segue as regras aplicáveis aos demais contratos. Já quanto ao resultado, i.e., quanto ao não cumprimento imputável a algum dos promitentes, que é, aqui, o que nos interessa apreciar, o contrato promessa tem regras próprias. Basicamente, no caso de não cumprimento do contrato promessa por facto imputável a um dos promitentes, o promitente não faltoso dispõe de dois direitos alternativos à sua escolha – o direito à resolução do contrato; o direito de exigir o cumprimento coactivo do contrato, salvo convenção (legal ou voluntária (quando a lei permita) em contrário. A resolução consubstancia-se na extinção do contrato e no direito de o promitente não faltoso receber uma indemnização do promitente faltoso – art. 442º, nº2, do CC. Na resolução (sem prejuízo da existência de cláusula penal e dos direitos do promitente comprador no caso de tradição da coisa) o sinal constitui-se na medida da sanção e na própria sanção. O direito de exigir o cumprimento coercivo do contrato promessa (sem prejuízo do contrato promessa com eficácia real) materializa-se na chamada execução específica – art. 442, nº 3, do CC. Chama-se execução específica àquela pela qual se obtém o mesmo resultado que se obteria pelo cumprimento voluntário da vinculação por parte do sujeito passivo. Chama-se execução não específica àquela pela qual se obtém um resultado diverso daquele que decorreria do cumprimento voluntário, mas considerado equivalente pela lei. A execução específica visa obter, judicialmente, a declaração negocial a que o promitente faltoso se havia vinculado, ou seja, a reconstituição natural do contrato e, em consequência, a satisfação do interesse do promitente não faltoso nos exactos termos em que foram convencionados no contrato promessa. Do que temos vindo a dizer, só uma conclusão é admissível. A de que o contrato promessa, e em particular o contrato promessa de compra e venda, não é um título que constitua ou reconheça uma dívida. E não sendo o contrato promessa um título constitutivo ou declarativo de uma dívida, o contrato promessa não constitui título executivo que possa servir de base a uma execução para pagamento de quantia certa.

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*Consultor Jurídico


Princípio da proibição genérica de publicidade de advogados –Tribunal Central Administrativo Sul, Acórdão 1 Julho é proibida, regra geral, qualquer forma, directa ou indirecta, de publicidade profissional no exercício da actividade de advocacia.

Processo: 05982/10 Relator: COELHO DA CUNHA

«PROIBIÇÃO GENÉRICA DE PUBLICIDADE. ADVOGADOS. O advogado pode divulgar a sua actividade profissional de forma objectiva, verdadeira e digna, no rigoroso respeito dos deveres deontológicos, do segredo profissional e das normas legais sobre publicidade e concorrência. E cabe ao Conselho Geral da Ordem dos Advogados a respectiva autorização, de harmonia com as normas deontológicas do Estatuto. O pedido em juízo, de autorização de utilização de uma marca registada como informação suplementar e sinal distintivo no papel timbrado de uma Sociedade de Advogados não é, porém, admissível. Trata-se de um sinal verbal que, pela sua raiz etimológica, remete o destinatário para qualquer actividade de prestação de serviços jurídicos situada em Lisboa e não, especificamente, para a Sociedade de Advogados requerente. Não é uma denominação abreviada do nome de todos, alguns ou algum dos sócios da Sociedade. Ademais de não ser objectiva por sugerir tratar-se de uma organização de juristas, e não especificamente de advogados.

DEFERIMENTO TÁCITO No âmbito de procedimento de autorização de publicidade, não existe qualquer dispositivo na lei, então em vigor, que atribua ao silêncio do Conselho Geral da Ordem dos Advogados o valor de deferimento tácito. Disposições aplicadas: - Arts. 89 nº 1 e 89 nº 2, d) E.O.A. - Arts. 8 nº 4 e 11. n2 do Regime Jurídico das Sociedades de Advogados. - Art. 108 nº 3 C.P.A. - Art. 80 DL nº 84/84, de 16 de Março (Estatuto da Ordem dos Advogados). - Arts. 2 e 7 DL nº 513-Q/79, de 26 de Dezembro (regime jurídico de sociedades de advogados). - Art. 26 nº 4 C.R.P. Atendendo à natureza da actividade do advogado, designadamente no plano ético e deontológico,

Acordam em conferência no 2º Juízo do TCA Sul 1. Relatório G........, .........., ........ e Associados - Sociedade de Advogados, com sede em Lisboa intentou, no TAC de Lisboa, acção administrativa especial contra a Ordem dos Advogados, com sede no Largo de São Domingos, nº 14 -1º, 1º, Lisboa, pedindo a declaração de nulidade ou anulação do Acórdão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, proferido em 08.01.2008, que negou provimento a recurso hierárquico interposto da decisão do Conselho Geral que indeferira o pedido de autorização de utilização da marca registada de Serviços Jurídicos “Jurilis”, como informação suplementar e sinal distintivo no seu papel timbrado. O Mmº Juiz do TAC de Lisboa, por sentença de 22 de Outubro de 2009, julgou a acção improcedente. Inconformada, a A. interpôs recurso jurisdicional para este TCA-Sul, em cujas alegações enunciou as conclusões seguintes: A) A decisão proferida em 8 de Janeiro de 2008 pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, confirmando a anterior deliberação do Conselho Geral, é arbitrária e subjectiva, violando os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, bem como o direito constitucional ao uso da marca registada prevista no art 26º,nº 4 da Constituição da República. B) Pelo que, se interpretados e aplicados concretamente, como foram, com o sentido e o alcance adoptados de impedir a utilização, pela Apelante, da marca registada “Jurilis” no seu papel timbrado, os arts. 89º, nos 1 e 2, do E.O.A e o art. 1º, nº 2, do Decreto-Lei nº 229/2004, de 10 de Dezembro são inconstitucionais, do mesmo passo que o eram já o art. 80º do E.O.A., na anterior redacção, e o art. 2º do Decreto-Lei nº 513-Q/79, de 26 de Dezembro, entretanto revogados, interpretados e aplicados nos mesmos termos. C) A decisão que consubstancia o acto impugnado

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foi proferida fora dos prazos legalmente previstos para os órgãos da Ordem dos Advogados se pronunciarem sobre as questões que foram submetidas à sua apreciação, designadamente no art. 2º, nos 1 e 2, do Decreto-Lei nº 513-Q/79, de 26 de Dezembro, com referência ao art. 80º, nº 3, in fine, do E.O.A, na redacção então em vigor, a que correspondem o art 89º, nos 1 e 2, alínea d), do actual Estatuto da Ordem dos Advogados, bem como o art 11º, nº 2, com referência ao art. 8º, nº 4, do Decreto-Lei nº 229/2004, de 10 de Dezembro, que foram violados, pelo que a autorização pedida tem de se considerar aprovada, para todos os efeitos, ex vi lege, logo que decorreu aquele prazo. D) Em consequência, e por violação dos referidos princípios e normas constitucionais e legais, a decisão impugnada, proferida pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados e, posteriormente confirmada pelo Acórdão do Conselho Superior da mesma Ordem, deve ser declarada nula e de nenhum efeito. E) Decidindo em contrário, a douta sentença recorrida violou os mesmos princípios e normas legais supra referidos, confundindo a utilização de uma marca registada com a denominação da Sociedade de Advogados que a detém. F) E devendo, em consequência, ser revogada e substituída por outra que, dando provimento ao recurso, julgue integralmente procedente o pedido formulado na acção administrativa especial intentada, autorizando a utilização da marca registada de serviços jurídicos “Jurilis” pela Apelante, como informação suplementar e sinal distintivo, no seu papel timbrado. A Ordem dos Advogados contra-alegou, enunciando, por sua vez, as conclusões de fls. 384 e 385, que a seguir se transcrevem: a) A autorização para a utilização de marcas e logótipos é da competência do Conselho Geral, pese embora o artigo 11º, nº 2 do Decreto-lei nº 229/2004, de 10/12 apenas se refira a logótipos. b) Tal autorização sempre será casuística e assentará num controlo de legalidade, verificando-se, designadamente se a marca está de harmonia com as normas deontológicas constantes do artigo 89º do EOA, bem como do artigo 8º, nº 2 do Decreto-Lei nº 229/2004, de 10/12, aplicável ex vi do artigo 11º, nº 2, in fine do mesmo diploma. c) Resulta do artigo 89º, nº 1 do actual EOA que a publicidade do exercício da advocacia está sujeita aos requisitos da objectividade, veracidade e dignidade, sendo tal exigido para assegurar a dignidade da classe e o decoro profissional. d) Ora, como bem refere o acórdão proferido pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, a marca “Jurilis”, “pela sua raiz etimológica, remete o destinatário para qualquer actividade de prestação de

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serviços jurídicos situada em Lisboa (J... + L.) e não, especificadamente, para a sociedade de advogados recorrente”. e) A referida marca tem assim um carácter enganoso, pois sugere uma organização, não de advogados, mas sim de juristas e como se sabe não basta ser jurista para se praticar actos próprios da profissão de advogado, pelo que não pode a marca ser considerada objectiva, nem adequada a distinguir os serviços prestados pela Recorrente dos prestados por outros profissionais do ramo e da mesma área geográfica. f) A que acresce que, exigindo o artigo 11º, nº 2, do Decreto-Lei nº 229/2004, de 10/11, que a composição dos logótipos e marcas se devam limitar a conter o nome de todos ou de alguns sócios da sociedade, forçoso se toma concluir pela inadmissibilidade do uso daquela marca que não corresponde à denominação abreviada do nome de todos ou de alguns sócios, mas antes uma expressão que não os permite identificar. g) Resulta assim do exposto que a decisão contida no acórdão impugnado e na sentença recorrida interpretou e aplicou correctamente as normas e os princípios deontológica previstos no EOA e no Decreto-Lei nº 229/2004, de 10/12, em total respeito pelos princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade, nas suas três dimensões essenciais de adequação, necessidade e equilíbrio, e o direito constitucional ao uso da marca registada prevista no art. 26º, nº 4, da CRP. h) Quanto ao alegado acto tácito de deferimento da autorização para a utilização da marca “Jurilis”, cumpre esclarecer que, à data em que o Recorrente requereu a referida autorização ainda vigorava o Decreto-Lei nº 513-Q/79, de 26/12, o qual não continha uma regra específica relativamente ao uso de siglas e logótipos, havendo a este propósito que proceder à interpretação e aplicação conjugada das normas contidas no art. 7º do citado Decreto-Lei (referente à razão social) e no art. 80º do anterior EOA. i) Da interpretação conjugadas destes preceitos resulta que os órgãos da Ordem apenas se encontravam adstritos a proferir decisão no prazo de 30 dias no que toca à aprovação do pacto social e já não no que respeita ao pedido de autorização para a utilização de siglas e logótipos. j) Nem tão-pouco a situação em apreço se enquadra era qualquer uma das alíneas do art.108º, nº 3, do CPA, cujo elenco, atenta a sua redacção, não poderá deixar de ser tido como taxativo. k) Acresce que não se verificou qualquer silêncio por parte dos órgãos da Recorrida, tendo sido proferida decisão expressa por parte do Conselho Geral quando ainda vigorava o Decreto-Lei nº 513-Q/79, de 26/12, e da qual a Recorrente recorrem graciosamente.

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l) Donde resulta que a douta sentença recorrida andou bem ao julgar improcedente a acção intentada que confirmou o acórdão proferido pelo Conselho Superior da Ordem dor Advogados por considerar que não se formou qualquer acto tácito de deferimento da utilização da marca “Jurilis”. Termos em que se requer seja negado provimento ao recurso interposto e, consequentemente, mantida a sentença recorrida. O Digno Magistrado do MºPº emitiu o seguinte parecer: “(...) O presente Recurso Jurisdicional vem interposto da sentença proferida em 22.10.2009 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que, considerando não merecer censura alguma o acórdão de 8 de Janeiro de 2008 do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, julgou improcedente a acção administrativa especial movida por “G........., ........, .......... e Associados - Sociedade de Advogados, RL”. O referido acórdão do CSOA havia negado provimento ao recurso hierárquico interposto por aquela Sociedade da decisão do Conselho Geral, que indeferira o pedido de utilização da marca registada de serviços jurídicos “Jurilis”, como informação suplementar e sinal distintivo no seu papel timbrado. Na minha perspectiva, a sentença recorrida não merece reparos, dado haver feito correcta interpretação e aplicação da lei à factualidade pertinentemente fixada. É notório, de resto, que nenhuma das conclusões da alegação da Sociedade recorrente subsiste em confronto com a criteriosa e pormenorizada argumentação expendida na peça sob recurso. De facto, e conforme acertadamente demonstrado no douto aresto do TAF de Lisboa, inexiste violação alguma dos princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e do direito ao uso de marca registada previsto no artigo 26, nº 4, da CRP, tendo a Administração aplicado os princípios deontológicos previstos no EOA e no Decreto-Lei nº 229/2004, de 10 de Dezembro, em estrita observância da Constituição. Na verdade, exercendo ambas as figuras, marca e logótipo, as mesmas funções (Código da Propriedade Industrial, artigos 222, nº 1, e 301), das disposições conjugadas dos artigos 11, nº 2, do Decreto-Lei nº 229/2004 e do artigo 89, nos 1 e 2, alínea e), do Estatuto da Ordem dos Advogados, sempre se concluiria pela inadmissibilidade da utilização de marca não correspondente ao nome (de todos ou de alguns) dos sócios. Tal como sucede com “Jurilis”. Por outro lado, e contrariamente ao alegado pela recorrente, não ocorreu a formação de qualquer acto tácito de deferimento. Isto porque ao tempo da requerida autorização para utilização da marca “Jurilis” vigorava ainda o

Decreto-lei nº 513-Q/79, de 26 de Dezembro, onde não era especificamente regulado o uso de siglas e logótipos. Assim, e nesse aspecto, havia de considerar-se a interpretação conjugada do disposto no seu artigo 7 (referente à razão social) e no artigo 80 do anterior Estatuto da OA, donde resulta que aos órgãos da Ordem somente incumbia proferir decisão no prazo de 30 dias no tocante à aprovação do pacto social. Acresce que a situação em causa igualmente se não mostra enquadrável no taxativo elenco do artigo 108, nº 3, do CPA, e assim sendo, também por essa via o pretendido acto de deferimento tácito jamais poderia ter-se por verificado. De lembrar, aliás, que o Conselho Geral da Q.A., ao invés de se manter silente, proferiu decisão expressa ainda na vigência do Decreto-Lei nº 513-Q/79. Neste contexto e porque a meu ver, ao considerar a legalidade do acto da Administração, a douta sentença do TAF de Lisboa não incorreu em qualquer erro de julgamento, emito o seguinte parecer: Deve negar-se provimento ao recurso jurisdicional. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Matéria de Facto A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade, com relevo para a decisão: A) Em 20 de Novembro de 2001 a sociedade de advogados então denominada “L......., ..... e Associados - Sociedade Civil de Advogados” solicitou ao Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados autorização para utilização da marca de serviços jurídicos “Jurilis” nos documentos da Sociedade, registada como tal no Instituto Nacional da Propriedade Industrial sob o nº ...... na classe 42. Cfr. documento de folhas 24 e 25 dos autos, referindo-se no mesmo designadamente o seguinte: “(...) 7. A “L..........., ........ e Associados - Sociedade de Advogados” apenas pretende utilizar a marca “Jurilis” como meio suplementar de identificação, não desejando utilizá-la em anúncios ou qualquer outra forma publicitária similar meio, directo ou indirecto, de angariar clientela; 8. Entendemos, nestas circunstâncias, que a menção suplementar de uma marca de serviços jurídicos numa folha de papel de carta, não materializa qualquer forma de publicidade, na acepção utilizada no artigo 80º do ROA; 9. E porque esta marca constitui um sinal que tem por finalidade distinguir serviços e que pode ser adoptada para assinalar uma actividade profissional, seleccionamo-la em função da sua raiz etimológica.” B) O registo da Marca de serviços jurídicos “Jurilis” havia sido feita a favor de L......... Cfr. documento de folhas 26 a 28 dos autos. C) No Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados foi elaborado com data de 29 de Julho de

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2003 parecer no sentido de ser autorizada a utiliza- de 10 de Dezembro, que foram violados, pelo que a ção da marca “Jurilis”. Cfr. documento de folhas 30 autorização pedida tem que se considerar aprovada. a 43 dos autos. Em consequência, a decisão proferida pelo ConD) Em reunião de 29 de Julho de 2003 o Conselho selho Geral da Ordem dos Advogados e confirmada Distrital de Lisboa deliberou remeter aquele parecer, pelo Acórdão do Conselho Superior da mesma Orpara análise, para o Conselho Geral da Ordem dos dem, deve ser declarada nula e de nenhum efeito, Advogados. Cfr. documento de folhas 43 dos autos. e, em consequência, ser revogada e substituída por E) O Conselho Geral da Ordem dos Advogados em outra, que julgue integralmente procedente a acção reunião de 12 de Setembro de 2003 deliberou negar a administrativa especial intentada. “autorização requerida pela Sociedade de Advogados É esta a questão a apreciar. L........., ....... e Associados (L.....) para utilização da Vejamos, em primeiro lugar, se se verifica a viomarca “Jurilis”.”Cfr, documento de folhas 46 a 49 lação dos princípios constitucionais da igualdade, dos autos que se dá por integralmente reproduzido. da proporcionalidade e do direito constitucional ao F) L…….. Associados, Sociedade de Advogados in- uso de marca registada prevista no artigo 26º, nº 4, terpôs recurso hierárquico daquela da CRP, e a alegada inconstituciondeliberação do Conselho Geral para alidade dos artigos 89º, nº 1 e 2, do De acordo com o Conselho Superior da Ordem dos E.O.A. e 11º, nº 2, do Decreto-Lei nº Advogados em 20 de Outubro de 229/2004, de 10 de Dezembro. o artigo 11º, nº 2003. Cfr. documento de folhas 50 O recorrente alega que a decisão 2, do Dec.Lei nº a 60 dos autos. proferida pelo Conselho Superior G) O Conselho Superior em sesda Ordem dos Advogados é arbi229/2004, de 10 são plenária do dia 8 de Janeiro de trária, e pretende que lhe seja conde Dezembro, “só deliberou indeferir o recurso hierárcedida autorização para utilização é permitido o uso quico. Cfr. documentos de folhas da marca registada “Jurilis”, a fim 92 a 103 dos autos que se dão por de a mencionar como informação de denominações integralmente reproduzidos. suplementar e sinal distintivo no abreviadas com seu papel timbrado. Tal autorização é da competênrecurso às iniciais 3. DIREITO APLICÁVEL cia do Conselho Geral, sendo no dos nomes que entanto de notar que o artigo 11º, Nas conclusões das suas alecompõem a firma nº 2, do Dec.Lei nº 229/2004, de 10 gações, a recorrente começa por de Dezembro, apenas se refere a alegar que a decisão proferida em da sociedade”, logótipos. 08.01.2008, pelo Conselho Superior pelo que a menção Os critérios para a autorização, da Ordem dos Advogados viola os variando de caso para caso, exigem de fantasia princípios constitucionais da iguala verificação da marca, para efeitos dade e da proporcionalidade, bem pretendida de assegurar se a marca está de harcomo o direito constitucional ao uso violaria esta monia com as normas deontológicas de uma marca registada previsto no constantes do EOA e das regras artigo 26º nº 4 da CRP. norma. contidas no Dec.Lei nº 229/2004, de Na tese da recorrente, os artigos 10 de Dezembro. 89º, nº 1 e 2, da E.O.A. e o artigo 11º, Está em causa nos autos saber se, em face do nº 2, do Dec.-Lei nº 229/2004, de 10 de Dezembro, são inconstitucionais, se interpretados e aplicados disposto no artigo 80º do EOA, deve ou não ser aucomo o foram, com o sentido e alcance adoptados torizada uma menção de fantasia, visto que o nº 1 de impedir a utilização, pela Apelante, da marca daquela norma proíbe qualquer forma, directa ou indirecta, de publicidade profissional no exercício registada “Jurilis” no seu papel timbrado. Acresce que o acto impugnado foi proferido fora da actividade de advocacia. As razões que justificam dos prazos legalmente previstos para os órgãos da tal proibição prendem-se com a natureza da activiOrdem dos Advogados se pronunciarem sobre as dade do advogado, que é bem distinta de qualquer questões submetidas à sua apreciação, designada- actividade comercial e industrial, designadamente mente no artigo 2º, nos 1 e 2, do Dec-Lei nº 513-Q/79, no plano ético e deontológico (cfr. António Arnaut, de 20 de Dezembro, com referência ao artigo 80º, nº “Estatuto da Ordem dos Advogados”, Anotado, Coim3, in fine, do E.O.A., na redacção então em vigor, a bra, 2001, p.91). Verificada a existência de um princípio de proique correspondem o artigo 89º, nº 1 e 2, alínea d), do actual E.O.A., bem como o artigo 11º nº 2, com bição genérica de publicidade, o Conselho Distrital referência ao artigo 8º, nº 4, do Dec.Lei nº 229/2004, de Lisboa, admitiu, contudo, algumas excepções a tal

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princípio, designadamente o uso de tabuletas ou a inserção de meros anúncios nos jornais, apoiando-se nos números 3 e 4 do artigo 80º do E.O.A., concluindo o seu parecer no sentido de que a recorrente deve ser autorizada a utilizar a marca “Jurilis” em todos os meios ou suporte de difusão legalmente admissíveis. Salvo o devido respeito, discordamos. Em princípio não devem ser autorizadas nenhumas expressões ou menções que não correspondam aos nomes dos sócios, como por exemplo “menções de fantasia”, liberalizando marcas que nada têm a ver com o nome dos sócios, como bem decidiu o Conselho Geral da O.A. (fls.48 dos autos). Recordemos que o artigo 89º, nº 1, da actual EOA prescreve que “o advogado pode divulgar a sua actividade profissional de forma objectiva, verdadeira e digna, no rigoroso respeito dos deveres deontológicos, do segredo profissional e das normas legais sobre publicidade e concorrência” (sublinhado nosso). O que significa que a utilização de uma marca a título de informações ou de publicidade está sempre sujeita ao crivo do citado artigo 89º nº 1 do E.O.A. Como bem se observou no parecer do Conselho Superior, relatado por Miguel ..............., a marca “Jurislis” não respeita os padrões aplicáveis. “Em primeiro lugar, trata-se de um sinal verbal que, pela sua raiz etimológica, remete o destinatário para qualquer actividade de prestação de serviços jurídicos situada em Lisboa (J....+L...) e não, especificamente, para a Sociedade de Advogados recorrente. É como essa sociedade representasse uma categoria profissional e geográfica – os advogados, ou juristas, da cidade de Lisboa. Em segundo lugar, a marca “Jurislis” não é uma denominação abreviada do nome de todos, alguns ou algum dos sócios da Sociedade, mas antes uma marca verbal que não os identifica nem permite identificar”. A tudo isto acresce que a expressão “Jurislis” sugere uma organização de juristas, e não especificamente de advogados, razão pela qual a referida marca não se pode considerar objectiva, não se mostrando preenchidos os requisitos do artigo 89º do EOA. E, de acordo com o artigo 11º, nº 2, do Dec.Lei nº 229/2004, de 10 de Dezembro, “só é permitido o uso de denominações abreviadas com recurso às iniciais dos nomes que compõem a firma da sociedade”, pelo que a menção de fantasia pretendida violaria esta norma. Conclui-se, pois, pela inadmissibilidade de uma marca que não corresponda ao nome dos sócios, como resulta da conjugação do artigo 11º, nº 2, do Dec.-Lei nº 229/2004, de 10 de Dezembro, com o disposto no artigo 89º, nº 2, alínea d), do EOA, que estabelece o mesmo regime jurídico para as duas figuras.

Não se verifica, pois, a violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade. Finalmente, os direitos constitucionais inerentes ao uso de marca registada admitem às restrições previstas na lei, nos termos do artigo 18º da CRP, neste caso as decorrentes da necessidade de respeito pelas normas deontológicas relativas à informação e publicidade impostas pelo EOA, que visam manter o decoro e a dignidade profissional. Falece, assim, nesta matéria, a argumentação da recorrente. Passemos ao ponto seguinte. A Sociedade recorrente vem ainda alegar que a decisão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados foi proferida fora do prazo de 20 (vinte) dias previsto no artigo 2º do Dec.Lei nº 513-Q/79, de 26 de Dezembro, e 8º, nº 4, do Dec.-Lei nº 229/2004, de 10 de Dezembro, e 80º, nº 3, parte final, do anterior EOA, bem como dos artigos 89º, nº 1 e 2, alínea d), do actual EOA e 8º, nº 4, do Dec.-Lei nº 229/2004, de Dezembro. Considera assim a recorrente que a decisão do Conselho Superior da Ordem, que se pronunciou sobre a autorização para a utilização da marca de serviços jurídicos “Jurislis” foi ultrapassado, tendo-se por isso formado acto tácito de deferimento, por via do disposto nos artigos 11º, nº 2 e 8º, do Dec.-Lei nº 229/2004, de 10 de Dezembro. Vejamos se é assim. O artigo 11º, nº 2, do citado Dec.-Lei prescreve que “(...) é permitido o uso de denominações abreviadas com recurso às iniciais dos nomes que compõem a firma da sociedade, bem como de logótipos, sujeitos a aprovação nos termos do artigo 8º, sendo que, de acordo com esta última disposição legal, se o Conselho Geral ou o Conselho Superior da Ordem dos Advogados não se pronunciarem no prazo de 20 dias, considera-se para todos os efeitos como aprovado o projecto de Sociedade”. Todavia, do artigo 7º do Dec.-Lei nº 513-Q/79, então em vigor, que não continha qualquer regra específica relativamente ao uso de siglas e logótipos, bem como do artigo 80º do anterior EOA, fácil se torna concluir que o legislador não atribuiu ao silêncio da administração o valor de deferimento tácito no tocante ao pedido de autorização no que respeita ao pedido de utilização de siglas e logótipos, mas tão somente no que diz respeito à aprovação do facto social. A isto acresce que a situação em apreço não é enquadrável em qualquer das alíneas do artigo 108º nº 3 do Cód. Proc. Administrativo, cujo enunciado é taxatixo (cfr. Ac. STA de 18.03.2003 e Freitas do Amaral et allii, “Código do Procedimento Administrativo), 4ª ed., p. 174”). Em síntese, pode dizer-se que o aludido pedido de autorização, no que diz respeito ao uso de siglas e logótipos, nunca poderia originar a formação de acto tácito de deferimento.

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Como bem observou a sentença recorrida, “o prazo regra para o requerente presumir o sentido da decisão era de 90 (noventa) dias”, e após o decurso daquele prazo sem ter sido proferida decisão expressa, formava-se indeferimento tácito. Aliás, verifica-se que não houve qualquer silêncio por parte dos órgãos da recorrida, tendo sido proferida decisão expressa por parte do Conselho Geral quando ainda vigorava o Dec. Lei nº 513-Q/79, de 26 de Dezembro, da qual a recorrente recorreu graciosamente, para o Conselho superior. Conclui-se, por isso, que a sentença recorrida não

cometeu qualquer erro de julgamento, devendo ser mantida na ordem jurídica.

4. Decisão. Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida. Custas pela recorrente em ambas as instâncias. Lisboa, 1.07.010 António A. C. Cunha Fonseca da Paz Rui Pereira»

COMENTÁRIO Estiveram em perfeita sintonia nesta questão o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, o seu Conselho Superior, o TAC de Lisboa e, finalmente, o 2º Juízo do TCA Sul. No teor da decisão e nos respectivos fundamentos. É em relação a estes que se nos oferecem alguns comentários: Como bem notou o douto aresto comentado e registara o acórdão do C.S. da O.A., o art.11º, nº 2, DL nº 229/2004, de 10 de Dezembro (Regime Jurídico das Sociedades de Advogados), menciona apenas a necessidade de aprovação de logótipos nada dispondo quanto a marcas ou outros sinais distintivos. Levando a falta à conta de omissão os Venerandos Desembargadores do TCA e os Senhores Vogais e Conselheiros dos competentes órgãos da O.A. trataram de integrar a putativa lacuna mediante as regras do art. 10º do Código Civil, com recurso à analogia. Sucede, porém, que é possível uma diferente leitura dessa falta. Leitura que passa pela pura e simples impossibilidade de serem utilizadas marcas de comércio ou de serviços na correspondência e papel timbrado das Sociedades de Advogados. Diz o art. 11º do mencionado Regime Jurídico: 2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, é permitido o uso de denominações abreviadas com recurso às iniciais dos nomes que compõem a firma da sociedade, bem como de logótipos, sujeitos a aprovação nos termos do artigo 8.º Através do argumento literal – a contrario – (art. 9º, nº 2, do C.C.), infere-se que, “in casu”, o que não está permitido é proibido, que o legislador pretendeu não permitir o uso de marcas às sociedades de advogados. E de facto estamos perante matéria onde a liberdade está francamente condicionada. O próprio espírito do sistema (critério previsto no art. 9º nº 1 C.C.) – aqui com mais reservas – pode ser chamado em abono deste entendimento.

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É que, se é certo que o art. 89º, nº 1, do E.O.A. permite que o advogado (ou a sociedade de advogados, vd. nº 5 deste artigo) divulgue a sua actividade, já os nos 2 e 3, com o seu elenco indicativo de informação objectiva e de actos lícitos de publicidade mencionam apenas e só os logótipos [al. d) e al. l, respectivamente] e não as marcas. E porquê? De facto, há que notar uma importante diferença entre os logótipos e as marcas. Diferença que, aparentemente passou despercebida às entidades que decidiram o caso: De acordo com o art. 222º do C.P.I., as marcas destinam-se a assinalar e distinguir produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas. E, de acordo com o art. 304º-A do mesmo código, os logótipos destinamse a distinguir uma entidade que preste serviços ou comercialize produtos, podendo ser utilizado, nomeadamente, em estabelecimentos, anúncios, impressos ou correspondência. Portanto, enquanto a primeira distingue produtos ou serviços o segundo distingue as entidades propriamente ditas. Considerando os fundamentos da recorrente, verificamos que o que ela deveria desde logo ter pedido seria um logótipo e não uma marca, já que pretendia utilizá-lo «como informação suplementar e sinal distintivo no seu papel timbrado»; Sinal distintivo dela própria, entenda-se. Por outro lado somos obrigados a concluir que não andou bem o Venerando TCA ao afirmar que o artigo 89º, nº 2, alínea d), do EOA «estabelece o mesmo regime jurídico para as duas figuras.» – a marca e o logótipo. De facto, como se referiu, a marca não é um sinal «distintivo do escritório», mas um sinal distintivo de produtos ou de serviços, o que é bem diferente e quanto a nós não cabe na letra nem no espírito da citada norma. E será que decorre do art.11º nº 2 DL nº 229/2004 que o logótipo deva ser necessariamente constituído com recurso às iniciais dos nomes que compõem a firma da sociedade, como parece resul-

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tar da fundamentação das decisões comentadas? Parece-nos que não. Na verdade as decisões em apreço versaram essencialmente sobre o que dispunha regime jurídico anterior das Sociedades de Advogados (artigo 7º do Dec. Lei nº 513-Q/79), então em vigor, que não continha qualquer regra específica relativamente ao uso de siglas e logótipos, como aliás notou o douto acórdão comentado - e merece comentário, também, o tempo que foi necessário para decidir esta questão - , que na altura referia apenas a «razão social». Actualmente a lei em vigor já contém essa previsão do logótipo, como aliás se reproduziu supra. Ora, desse artigo (11º) não resulta que os logótipos, sujeitos embora ao escrutínio e aprovação do Conselho Geral, tenham necessariamente que ser constituídos com recurso às iniciais dos nomes que compõem a firma da sociedade. Podem ser constituídos por sinais de fantasia? Ou de tal modo estilizados que a referência aos sócios se torne quase imperceptível? Afigura-senos que sim. Para melhor entendermos a questão importa distinguir os sinais de fantasia stricto senso em que o sinal em si não evoca, sugere ou significa qualquer realidade daqueles outros sinais que, sendo de fantasia porque resultam da conjugação de mais do que uma palavra (ou no caso das marcas porque, embora com um significado preciso, nada têm que ver com os produtos ou serviços que se destinam a assinalar em concreto), sugerem ou significam algo. Como foi considerado o caso dos autos - Jurislis. De facto, o artigo 89º, nº 1 do actual EOA impõe que a publicidade do exercício da advocacia esteja sujeita aos requisitos da objectividade, veracidade e dignidade, sendo tal exigido para assegurar a dignidade da classe e o decoro profissional. Daqui decorre que os sinais usados por advogados não podem induzir em erro, ser inverídicos ou carecer de objectividade. Mas não decorre que os advogados estejam impedidos de utilizar logótipos de pura e simples fantasia, desde que não comprometam a dignidade da classe e o decoro profissional. Uma nota final para comentar o reconhecimento jurisprudencial da tutela constitucional ao uso de marca registada através do art. 26º da CRP. O douto aresto considera que ela não ficou comprometida porque «os direitos constitucionais inerentes ao uso de marca registada admitem às restrições previstas na lei, nos termos do artigo 18º da CRP, neste caso as decorrentes da necessi-

dade de respeito pelas normas deontológicas relativas à informação e publicidade impostas pelo EOA, que visam manter o decoro e a dignidade profissional.» Isto significa que o TCA entendeu doutamente que aquele artigo 26º da C.R.P. confere a pessoas colectivas direitos constitucionais ao uso de marca. Sem pretender entrar pela seara dos constitucionalistas, ainda assim e salvo melhor opinião, suscitam-se-nos algumas dúvidas quanto a este ponto… Prevê o mencionado art 26º nº 4 da C.R.P., sob a epígrafe «Outros direitos pessoais» 4. A privação da cidadania e as restrições à capacidade civil só podem efectuar-se nos casos e termos previstos na lei, não podendo ter como fundamento motivos políticos. Não se podendo dizer que a falta de autorização para o uso de uma marca afecta a cidadania, importa reflectir acerca do âmbito e alcance do conceito constitucional de capacidade civil. Estará o direito de uma sociedade de advogados a utilizar marcas registadas incluído no conceito imprescritível e irrenunciável de capacidade civil? Julgamos que não. Desde logo pelo art. 160º do Código Civil, que salvaguarda quanto à própria capacidade jurídica das pessoas colectivas os direitos e obrigações vedados por lei, sendo certo que, face ao Direito constituído, os fins prosseguidos pelas sociedades de advogados são sempre os mesmos e são fortemente limitados quanto ao seu âmbito. Por outro lado, como vimos supra, as marcas assinalam produtos ou serviços. Só aqueles que os produzem, prestam e comercializam podem detê-las – e não todos os cidadãos. Vd. diferente formulação dos arts. 225º vs. 304ºB do C.P.I. Independentemente da questão de saber se o Estatuto da Ordem dos Advogados em vigor, que é uma lei (cfr. texto do art. 26º nº 4 da C.R.P.), se mostra consentâneo com as exigências da advocacia praticada nos nossos dias, não repugna considerar que as especificidades próprias da mesma tornam legítima e não inconstitucional a restrição de uma faculdade – de uso de marcas – que, de resto, a nosso ver, só com muito esforço se pode incluir no conceito e âmbito da capacidade civil. E é o que nos é dado comentar quanto a este significativo e actual acórdão.

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Pedro Branco da Cruz - Advogado Especialista em Direito de Propriedade Intelectual Agente Oficial de propriedade Industrial lex@cruzadvogados.com

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Resumos de Jurisprudência

Contrato de arrendamento - Caducidade e renovação Referências: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30-06-2005 Fonte: site do TRP – www.dgsi.pt

Junto do Tribunal da Relação do Porto surgiu um recurso de Apelação, no âmbito do qual, as três questões a decidir consistem no seguinte:

1ª QUESTÃO

A primeira questão colocada pelo recorrente prende-se com saber se se verificou oposição dos recorridos ao gozo da coisa por parte do recorrente, para os efeitos do art. 1056º do Código Civil.? Dispõe este normativo que “se, não obstante a caducidade do arrendamento, o locatário se mantiver no gozo da coisa pelo lapso de um ano, sem oposição do locador, o contrato considera-se igualmente renovado nas condições do art. 1054º”. A finalidade do art. 1056º do CC nada tem a ver com a caducidade do exercício de um direito (direito de propor acção de despejo), mas sim a de fixar os requisitos de que depende a renovação do contrato de arrendamento que caducou por força do preceituado no artigo 1051º do mesmo diploma, ou seja, um obstáculo à procedência daquela acção. Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, “a exigência da falta de oposição do locador, para que se verifique a renovação do contrato, mostra que esta se funda numa presunção – a de que as partes acordaram tacitamente na renovação”. A oposição, como meio apto para evitar que o arrendamento caduco se renove não está sujeito a forma especial, podendo ser efectuada por qualquer dos meios por que a vontade possa manifestar-se, previstos no art. 217º do CC, e assim, ser feita, por exemplo, por missiva dirigida pelo locador ao locatário, sendo também forma relevante de oposição a acção de despejo contra o arrendatário com o fundamento da caducidade, contando-se o prazo de um ano desde o momento em que se verificou o facto gerador da caducidade, in casu a morte do usufrutuário. Se, não obstante a caducidade do arrendamento, o locatário se mantiver no gozo da coisa pelo prazo

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de um ano, sem oposição do locador, o contrato considera-se renovado. A falta de oposição do senhorio tem de durar um ano. Enquanto esse período não se mostrar decorrido o senhorio não está limitado por qualquer posição anterior de não oposição, podendo sempre tomar iniciativas conducentes à desocupação do locado. Esta questão já se encontra devidamente tratada na decisão recorrida, de forma que entendemos adequada, com a qual concordamos. De facto, é indiscutível que, logo após a morte do usufrutuário, verificada em 16 de Agosto de 2000, os recorridos, através da carta constante dos autos, datada de 30 de Agosto de 2000, trataram de dar conhecimento ao R. da sua expressa oposição a que o mesmo se mantivesse no gozo do espaço até então locado, considerando verificada a caducidade do contrato de arrendamento, manifestando o propósito de virem a vender o prédio ou construir um novo edifício, e alertando o mesmo que a lei lhe concede o prazo de 3 meses para entregar o prédio devoluto. Desta forma, por simples missiva, foi bem patente a oposição dos senhorios à prossecução da relação locatícia para além dos 3 meses que a lei prevê no art. 1053º do CC para a entrega do prédio. Não tendo o R. cumprido com tal obrigação de entrega do prédio, vencido aquele prazo de 3 meses, preceito a que os senhorios fizeram expressa referência, com isso obrigou estes a recorrerem a juízo, peticionando o despejo e restituição do locado com fundamento na caducidade do contrato de arrendamento nos termos do art. 1051º al. c), de novo sendo inequívoca a oposição destes à renovação do contrato de arrendamento. E esta oposição judicial verificou-se dentro do prazo de um ano após a morte do usufrutuário, porquanto a acção foi instaurada em 18 de Junho de 2001, independentemente da data em que o inquilino foi citado, sendo que o R. F............ foi citado em 25 de Junho de 2001, ainda dentro do prazo de um ano a que alude o art. 1056º, de novo tendo o mesmo inteiro conhecimento da expressa e inequívoca oposição dos senhorios a que o mesmo continuasse o fruir o prédio. Improcedem, assim, as conclusões que o recorrente aduziu em sentido contrário ao decidido.

2ª QUESTÃO

Entramos agora noutro âmbito do problema – será que os AA., ao terem recebido as rendas durante o decorrer do período de um ano consignado no art. 1056º, e terem procedido à actualização do montante da renda (fixando as rendas para os meses de Outubro

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e seguintes), renovaram o contrato de arrendamento em causa nos autos? Parece-nos também que não. Esta questão também foi aflorada, e decidida na sentença recorrida, embora de forma, talvez, menos profunda. De facto, a aceitação das rendas pelos senhorios, mormente das que se venceram após o prazo de 3 meses que a lei previu para a entrega do locado subsequente à caducidade, não pode significar renúncia ao exercício do direito de oposição nos termos do art. 1056º, como que contrariando a missiva de 30 de Agosto de 2000, uma vez que, concomitantemente com o recebimento de tais rendas, não foi manifestada qualquer vontade de renovação do contrato de arrendamento. Em tais circunstâncias, o recebimento dessas rendas traduz a renovação da posse do locado até à sua entrega efectiva. Após a caducidade do contrato, o inquilino fica obrigado a indemnizar o senhorio pela não restituição do locado, sendo essa indemnização igual ao montante da renda ou ao seu dobro, consoante haja ou não mora do locatário, quanto a essa restituição. É o que se passa no caso vertente: Não tendo o R. cumprido a sua obrigação de entregar o locado dentro do prazo de 3 meses consignado no art. 1053º, passaram os senhorios a ter o direito de receber daquele a indemnização correspondente ao montante da renda, nada obstando, bem pelo contrário tudo aconselhando, a que o mesmo, prevendo a continuada recusa de entrega (não obstante a instauração de acção judicial), procedam à actualização da renda, e por conseguinte do montante indemnizatório a que têm direito, nos termos do art. 1045º do CC. A indemnização prevista no art. 1045º do CC, pelo atraso na restituição da coisa locada, findo o contrato, é uma indemnização pelo enriquecimento sem causa, correspondente ao quantitativo da renda, por este ser o valor de uso do prédio [Vide Ac. RP de 30.6.1997, in CJ, 1997, 3º, 225, e BMJ 468, 472]. Em conclusão, sendo a indemnização devida pela entrega tardia do locado equivalente ao montante da renda (art. 1045º do CC), o recebimento desta no decurso do prazo de um ano a que alude o art. 1056º do CC, e mesmo a sua actualização para vigorar para além desse período, não contrariam a oposição entretanto manifestada à renovação do contrato de arrendamento, por carta ou por acção judicial, se após estas o inquilino recusou a entrega do prédio. Improcedem, assim, também neste âmbito, as conclusões do apelante.

3ª QUESTÃO

Entende o apelante que não deveria ter sido condenado como litigante de má fé, porquanto articulou

factos que não conseguiu provar, donde não se pode concluir que tenha violado os deveres de probidade, colaboração e boa fé processual, sendo que, não tendo sido formulado pedido de condenação do recorrente como litigante de má fé, está o tribunal “a quo”, por força do princípio do pedido consagrado no art. 264º do C.P.C., impedido de se pronunciar sobre a litigância de má fé. Antes do mais, diga-se que, mesmo que não tenha sido suscitada por qualquer das partes a litigância de má fé, nada impede que o Tribunal de conhecer oficiosamente da questão, sendo nesse sentido a redacção do art. 456º nº 1 do CPC, que estabelece que “tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir”. Apenas o arbitramento de indemnização à parte contrária está dependente da dedução de pretensão nesse sentido, não existindo a necessidade desta precedência em relação à condenação em multa da parte que litigar de má fé. Importará sempre, porém, que o tribunal, em obediência ao princípio do contraditório, e por respeito ao direito de defesa, sempre ouça as partes, e muito em especial a parte a quem é imputada a má fé, para que esta se possa defender de tal imputação. Neste sentido se pronunciou o STJ ,“A condenação de uma das partes como litigante de má fé, com implicação da sua advogada, embora seja de conhecimento oficioso, é uma questão importante para a parte e para a sua advogada, pelo que, não tendo sido objecto de apelação, impunha-se ao tribunal dar conhecimento de o primeiro vir a ser condenado como litigante de má fé e de a segunda vir a ser responsabilizada em tal condenação, e daí que a condenação destas, no circunstancialismo dos autos, sem contraditório, implica a nulidade do acórdão nos termos do art. 668º nº 1 al. d) do CPC”. Foi o que se passou neste caso: Não tendo sido suscitada a litigância de má fé por qualquer das partes, e entendendo o Tribunal existirem razões para condenação dos RR. como tal, cuidou o Tribunal de, previamente à decisão, ouvir as partes em relação a tal aspecto, assim concedendo e respeitando o exercício do contraditório e correspondente direito de defesa da parte visada. Assim, não assiste razão aos recorrentes quando á necessidade de dedução prévia do incidente pela parte contrária, para que a condenação em multa se verifique. Apreciemos agora se os recorrentes litigaram de má fé no caso vertente, caso em que a decisão recorrida foi acertada, ou se, a sua litigância foi ousada e temerária, não se justificando, desta forma, aquela condenação.

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Dispõe o art. 456º nº 2 do CPCivil: “Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.” Na sua actuação no processo estão as partes vinculadas aos deveres de probidade e cooperação, agir de boa fé e cooperar para se obter, com brevidade e eficácia a justa composição do litígio (art. 266º e 266º - A do CPC). Actua com má fé (material) a parte que, com dolo ou negligência grave, para convencer o tribunal de um facto ou pretensão que sabe ilegítima, distorce ou deturpa a realidade por si conhecida ou omite factos relevantes para a decisão, violando conscientemente o dever de verdade, bem como a que deduz oposição cuja falta de fundamento não pode ignorar ou fizer do processo uso reprovável (instrumental), entorpecendo a acção da justiça. Uma tal conduta viola aqueles deveres de probidade e cooperação, e representa não apenas uma falta de respeito devido ao tribunal na busca da verdade e de realização de justiça, mas também à parte contrária. Mas a sanção por litigância de ma fé exige a verificação de dolo ou negligência da parte que tal conduta adopta, o que não sucederá, normalmente, com a lide temerária ou ousada, ou mesmo assente em erro grosseiro, com a dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento se verificou por mera fragilidade da prova, e da incapacidade de convencer o tribunal da realidade trazida a julgamento, ou mercê da discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos. A simples proposição de uma acção ou contestação, embora sem fundamento, pode não constituir uma actuação dolosa ou mesmo gravemente negligente. A incerteza da lei, a dificuldade em apurar os factos e os interpretar, podem levar as consciências honestas a afirmar um direito que não possuem e a impugnar uma obrigação que devem cumprir. O que releva é que as circunstâncias devam levar o tribunal a concluir que a parte apresentou pretensão ou fez oposição conscientemente infundada. Só quando o processo fornece elementos seguros

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da conduta dolosa ou gravemente negligente deverá a parte ser sancionada como litigante de má fé, o que pressupõe prudência do julgador, sabendo-se que a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psicológico. Assentou a condenação dos RR. como litigantes de má fé, em síntese, no facto de os RR. terem pedido, em sede reconvencional, a condenação dos AA. a pagarem-lhes montante indemnizatório correspondente às benfeitorias feitas no locado, quando, era do seu conhecimento, por se tratar de facto pessoal, que havia sido outorgado, em 1996 acordo entre o R. F.......... e o falecido senhorio usufrutuário no sentido de quaisquer obras que fossem efectuadas no locado passariam a fazer parte integrante do locado, não podendo dele ser retiradas no final do contrato, e que o R. jamais poderia reclamar qualquer indemnização ou compensação pela realização das ditas obras. Ponderando a justeza da condenação dos RR. como litigantes de má fé, afigura-se razoável considerar que, embora se possa considerar algo ousada a pretensão reconvencional, porque contrária ao acordo feito, o certo é que as obras em causa, cuja execução ficou demonstrada, foram de muito considerável monta, com elevados encargos par o R., que as executou, delas esperando retirar os benefícios correspondentes, durante período de tempo que razoavelmente os compensasse, não ferindo a sensibilidade e consciência ética do bonus pater famílias, que o mesmo, agora “ferido” com a caducidade do contrato de arrendamento, e com os prejuízos que tal situação inelutavelmente para si acarreta, tenha pretendido obter alguma compensação material (e também moral) pelo abandono das instalações a que se vê forçado. O que parece algo abusivo, não obstante a convergência de vontades nesse sentido, é que o falecido senhorio tenha condicionado daquela forma a realização das obras, integrando no seu património uma mais valia para qual não contribuiu minimamente, e que agora, aquele que legitimamente quis desenvolver o seu negócio - o R., se veja forçado a abandonar as instalações que notoriamente enriqueceu, sem que por isso, só porque ficou agarrado àquele mecanismo criado pelo ex-senhorio, seja de alguma forma compensado. Pareceria justo e equilibrado que esta compensação se tivesse verificado, pelo que não choca que os RR., não obstante aquele acordo, tenham aqui deduzido tal pretensão, quiçá querendo com isso introduzir nos autos uma possível plataforma de entendimento, quiçá procurando viabilizar uma solução de acordo, que não se encontrou.

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Sumariando, conforme fez o Tribunal da Relação, tudo quanto se disse: “I- Se, não obstante a caducidade do arrendamento, o locatário se mantiver no gozo da coisa pelo prazo de um ano, sem oposição do locador, o contrato considera-se renovado. A falta de oposição do senhorio tem de durar um ano. Enquanto esse período não se mostrar decorrido o senhorio não está limitado por qualquer posição anterior de não oposição, podendo sempre tomar iniciativas conducentes à desocupação do locado. II- Sendo a indemnização devida pela entrega tardia do locado equivalente ao montante da renda (art. 1045º do CC), o recebimento desta no decurso do prazo de um ano a que alude o art. 1056º do CC, e mesmo a sua actualização para vigorar para além desse período, não contrariam a oposição entretanto manifestada à renovação do contrato de arrendamento, por carta ou por acção judicial, se após estas o inquilino recusou a entrega do prédio”.

Alimentos devidos a menores - Obrigação de fixação Referências: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18-01-2007 Fonte: site do TRL – www.dgsi.pt

Junto do Tribunal da Relação de Lisboa surgiu um recurso de Apelação, no âmbito do qual, a única questão que se suscita é a de saber se o Tribunal deveria ter ou não fixado uma prestação de alimentos a favor da menor, a satisfazer pelo Apelado seu pai. Dispõe o normativo inserto no artigo 1878º, nº1 do CCivil que «Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens.», dispositivo este que constitui a concretização do princípio constitucional plasmado no artigo 36º, nº5, da CRPortuguesa, onde se predispõe que «Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.». Aquelas expressões legais, civil e constitucional, de «sustento» e «manutenção», abrangem as despesas de alimentação, médicas e medicamentosas, bem como todas as inerentes à satisfação das necessidades quotidianas do menor, correspondentes à sua condição social, devendo ser proporcionados os respectivos alimentos de acordo com os meios daquele que os houver de prestar, de harmonia com

o preceituado no artigo 2004º, nº1 do CCivil. Daqui decorre que a medida dos alimentos terá de obedecer às necessidades do alimentando, às possibilidades do obrigado a prestá-los e ainda às eventuais possibilidades do alimentando prover à sua própria subsistência, «(…)assim e dentro das suas possibilidades económicas, cabe aos pais, durante a menoridade dos filhos, ou enquanto não for exigível a estes que se auto-sustentem, velar pela sua segurança e saúde e prover ao seu sustento. E, não convivendo os pais maritalmente, o progenitor que não tem a guarda do filho deve, desde logo por imperativo constitucional (em face do dever fundamental de manutenção dos filhos, ainda que nascidos fora do casamento), prestar-lhe alimentos.(…)», Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol I/415. Quer dizer, todos os normativos legais respeitantes a este particular, nos inculcam a ideia base que de recai sobre os pais o dever de sustento dos filhos menores na medida das suas capacidades económicas e das correspectivas necessidades daqueles. In casu, a sentença recorrida não fixou qualquer prestação alimentar a favor da menor, a satisfazer pelo Requerido/Apelado, seu pai, uma vez que dos autos não resultaram quaisquer elementos de facto que permitissem aferir quer das necessidades da alimentanda, quer das possibilidades económicas do progenitor, em princípio obrigado a satisfazê-la. E, efectivamente, nada se apurou, a não ser que a menor vive em Inglaterra com sua mãe, onde receberá um «Tax Credit» no montante de 42, 46 Libras semanais e ainda o «Child Benefict», no montante de 68, 00 Libras mensais, sendo todo o material escolar grátis, incluindo os livros. Se as referidas ajudas que a menor recebe em Inglaterra, nos podem inculcar uma ideia de necessidade desta, tal necessidade não se mostra suficiente, face aos parâmetros legais, para que lhe seja fixada uma pensão alimentícia, pois o obrigado – seu pai, Requerido e Apelado nestes autos – é contumaz, desconhecendo-se, pois, o seu paradeiro, não se sabendo assim quais as suas condições económicas, por forma a poder fixar-se aquela prestação. Não se argumente que nos termos do disposto na Lei 75/98, de 19 de Novembro, o Estado não pretendeu distinguir as situações em que após a decisão judicial de fixação de alimentos, o obrigado se ausenta, sem deixar rasto, daquelas em outras em que o obrigado se esfuma ou se mostra insolvente antes da decisão, porque as duas situações mostram-se completamente adversas, sendo apenas a primeira, a única, que corresponde à letra e espírito daquele diploma, maxime, o preceituado no seu artigo 1º do seguinte teor «Quando a pessoa judicialmente

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obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do DecretoLei nº. 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação.». Aquele normativo pressupõe que tenha sido fixada uma pensão alimentar, e que o obrigado a não cumpra por qualquer dos meios previstos no artigo 189º da OTM. Quer dizer, para o Estado assuma a obrigação do progenitor faltoso, constitui condição sine qua non, que tenha já sido fixada uma prestação alimentar, segundo os requisitos legais para o efeito, como enunciamos supra. Ora, inexistindo matéria factual que permita concluir, quer pelas necessidades do alimentando, quer pelas possibilidades do obrigado, não se pode fixar qualquer quantia a titulo de alimentos. Fixar-se uma prestação de alimentos na quantia de € 150 (ou de outra qualquer quantia nestas circunstâncias precisas), como propugnou o Apelante em sede de conferência, sem qualquer suporte factual, constituiria uma decisão completamente aleatória violadora, além do mais, do disposto nos artigos 664º e 1410º do CPCivil, pois não obstante neste tipo de decisões o Tribunal não esteja sujeito a critérios de legalidade, mas antes de conveniência e oportunidade, isso não quer dizer que lhe seja permitido decidir sem factos e que ignore em absoluto as normas em vigor. Ao contrário do que é defendido em sede de conclusões de recurso, a fixação da pensão de alimentos não é obrigatória nas decisões que regulam o poder paternal, pois não obstante o dever de contribuir com alimentos para o sustento dos filhos menores seja um dever parental, este dever não poderá ser imposto se o obrigado não tiver quaisquer meios para o cumprir, a decidir-se desta forma, estar-se-ia a ignorar o preceituado no artigo 2004º, nº1 do CCivil. Por outra banda, e seguindo-se o mesmo raciocínio expendido pelo Apelante, fixar-se tal prestação, bem se sabendo que o Requerido/Apelado está ausente em parte incerta e não se sabendo absolutamente nada acerca da sua vida social e profissional, mas assim se decidindo para que se pudesse abrir caminho para a substituição, pelo Estado, no cumprimento da satisfação de tal prestação, ao abrigo do artigo 1º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, seria à partida, estar a aplicar analogicamente este normativo, a situações diversas, o que não nos permite o normativo inserto no artigo 11º do CCivil, já que se trata de uma norma excepcional.

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As conclusões estão assim condenadas ao insucesso. Sumariando, conforme fez o Tribunal da Relação, tudo quanto se disse: “ I A fixação de uma pensão de alimentos não é obrigatória nas decisões que regulam o poder paternal, pois não obstante o dever de contribuir com alimentos para o sustento dos filhos menores seja um dever parental, este dever não poderá ser imposto se por um lado o Tribunal nada apurar acerca da vida social e profissional do Requerido e/ou este não tiver quaisquer meios para o cumprir: a decidir-se desta forma, estar-se-ia a ignorar o preceituado no artigo 2004º, nº1 do CCivil. II Se, o Tribunal, nessas circunstâncias fixar tal prestação alimentícia, abrindo caminho para a substituição, pelo Estado, no cumprimento da satisfação da mesma ao abrigo do artigo 1º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, seria à partida, estar a aplicar analogicamente este normativo a situações diversas, o que não nos permite o disposto no artigo 11º do CCivil, já que se trata de uma norma excepcional”

Reformatio in pejus - Inalterabilidade dos limites da pena em caso de anulação da decisão Referências: Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 24-11-2008 Fonte: site do TRG – www.dgsi.pt

Junto do Tribunal da Relação de Guimarães surgiu um recurso penal, no âmbito do qual se discutem os efeitos da declaração de nulidade de uma decisão da 1ª instância, em recurso apenas interposto pelo arguido. Coloca-se a questão de se saber se tal nulidade implica ou não que aquela instância, em nova apreciação, mantenha a natureza e limites da pena da decisão anulada. Num interessante estudo, da autoria de Anne Cristiny dos Reis Henrique, coloca-se assim a questão: Quando o tribunal anula uma sentença proferida pelo juízo de primeiro grau, os autos são devolvidos à instância inferior para que se prolate nova decisão desprovida de nulidade. A doutrina e a jurisprudência brasileiras procuram responder se é possível haver reformatio in pejus indirecta nesta hipótese, isto é, se o juiz a quo poderá proferir nova decisão

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agora condenando o réu a pena maior que a anterior, quando o recurso que resultou na anulação da primeira sentença fora exclusivamente impetrado pelo condenado? E ali se citam Tourinho Filho e Capez, que dizem assim: De fato, se a decisão transitou em julgado para a Acusação, não havendo possibilidade de agravamento da pena, não teria sentido, diante de uma decisão do Tribunal anulando o feito, pudesse o juiz, na nova sentença, piorar-lhe a situação. Do contrário, os réus ficariam receosos de apelar e essa intimidação funcionaria como um freio a angustiar a interposição de recursos – T. Filho. Anulada sentença condenatória em recurso exclusivo da defesa, não pode ser prolatada nova decisão mais gravosa do que a anulada. Por exemplo: réu condenado a um ano de reclusão apela e obtém a nulidade da sentença; a nova decisão poderá imporlhe, no máximo, a pena de um ano, pois do contrário o réu estaria sendo prejudicado indiretamente pelo seu recurso - Capez. Nos termos do nº 1 do art. 32º da Constituição, o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. Os recursos têm regras sobre o seu âmbito (arts. 402º a 404º), sendo este definido, em cada caso concreto, pelas respectivas conclusões – art. 412º. Contudo, ponto assente é que, em nome do direito ao recurso (de todos os sujeitos processuais, entendase), o arguido, enquanto parte em situação mais incómoda e onerosa, goza da garantia de, em certas condições, não ser prejudicado por recorrer. É o que se estabelece no art. 409º, nº 1, que se sublinha: Interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes. Esta regra é inequívoca: o tribunal superior - e só ele - não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida. Então, uma de duas: ou o Tribunal superior conhece do recurso e conforma-se com os limites assinalados; ou toma outra qualquer decisão, que não pode, obviamente, conhecer de matéria relativa à espécie ou medida das sanções constantes da decisão recorrida. Neste caso, seja qual for o fundamento (e tantos são possíveis), o processo é reenviado e como que se sobresta na questão, ou questões, de fundo, princi-

palmente, insiste-se, nas que tiverem a ver com a espécie ou medida das sanções constantes da decisão recorrida, pois, caso contrário, estaremos perante a primeira hipótese indicada e nessa, também se insiste, há os indicados limites. Ora, se há uma suspensão do conhecimento de questões pelas quais o Tribunal superior estava limitado - e só dessas -, essa limitação devolve-se 1ª instância, pois o arguido não pode ser prejudicado por ter recorrido, sabendo, como é imperioso que saiba, que pode vir a haver decisão de reenvio. Todavia, essa garantia não se sustenta directamente na proibição da reformatio in pejus, exclusiva do Tribunal superior, mas estende-se por efeito do recurso. Essa extensão não carece de ser baseada no apelo à reformatio in pejus, antes decorre, naturalmente, das regras estruturantes dos recursos, nomeadamente das que definem os poderes de cognição e, sobretudo, da que determina a obediência das instâncias, nos termos da lei, às decisões dos tribunais superiores – art. 156º do Código de Processo Civil. Assim, e uma vez que, recorde-se, esta situação só se pode colocar quando o Tribunal superior não conhece da questão da espécie ou medida das penas, a suspensão de conhecimento e a obediência à decisão do Tribunal superior mantêm - têm que manter, obviamente - a garantia de que o facto de ter recorrido (depois, recorre ou não, como entender) não prejudica o arguido. Aliás, se o Tribunal superior estava limitado pela reformatio in pejus, não faria sentido que, anulando esse Tribunal a decisão recorrida sem mexer na questão que o limitava, viesse o Tribunal recorrido a poder fazer aquilo que o Tribunal a que deve obediência não fez e, mais que isso, não pode fazer em segundo recurso - É neste sentido, ainda que com fundamento diferente, que o recorrente afirma que: Admitir a interpretação restritiva do artigo 409.º n.º 1 do CPP acolhida pelo Tribunal a quo é, no fundo, impor ao arguido que se conforme com uma sentença que enferma de vícios de nulidade, com o receio de com a anulação de tal sentença pelo Tribunal ad quem e o reenvio do processo para novo julgamento, venha a ser proferido pelo Tribunal a quo uma decisão que agrave a pena aplicada na sequência do julgamento anulado. Admitir a interpretação restritiva do artigo 409.º n.º 1 do CPP acolhida pelo Tribunal a quo é no fundo retirar por completo ao arguido o direito ao recurso. De facto, ainda que o arguido pretendesse apenas submeter à apreciação da segunda instância a medida da pena aplicada e não arguisse nenhuma nulidade existente no caso susceptível de desencadear o reenvio do processo para novo julgamento para

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obstar à reformatio in pejus da situação determinada pela sentença anulada, tal nulidade seria sempre declarada oficiosamente pelo Tribunal ad quem. Assim, tal interpretação além de forçar o arguido a conformar-se com a existência de nulidades no processo, compelí-lo-ia ainda a conformar-se com a própria condenação, e, no caso que nos ocupa, com a medida da pena de prisão, abstendo-se de recorrer. Ou, como diz Carlos Moraes, é um despropósito, além de profundamente injusto, que o acusado possa ser agravado em sua situação penal como decorrência de seu próprio recurso. O efeito objectivado através de todo e qualquer recurso é sempre “para melhor”, nunca “para pior”. O interesse em recorrer pressupõe benefício a alcançar. Como se disse, o arguido, quando recorre, fá-lo com a certeza de que, em matéria da espécie e medida das penas não pode haver modificação: logo, a decisão anulatória que não lhe conheceu nesse âmbito, não lhe conheceu da sua pretensão, que por isso se mantém em aberto, e com as mesmas garantias que tinha se o Tribunal superior tivesse conhecido. Todavia, e ainda em nome dos poderes de cognição e da obediência devida à decisão do Tribunal superior, tem que se salvaguardar - é também uma decorrência normal das regras dos recursos - que, afinal, tudo dependerá do teor dessa decisão (e dos seus fundamentos), que, diz-se tautologicamente, … não pode deixar de ser acatada. Se há obediência implícita a uma decisão que estava, à partida, limitada quanto a certos aspectos, mais tem que a haver se houver decisão explícita, seja ela qual for. Lembre-se que, como resulta das regras do reenvio, este pode ser total ou parcial, e em qualquer deles vale o raciocínio que fazemos: os limites da nova decisão da 1ª instância têm que ser os que decorrem da decisão de reenvio e dos seus fundamentos. Sublinhando-se, diz o nº 1 do art. 426º: sempre que (…) não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio. No limite, a questão pode pôr-se, pois, sobre as consequências do reenvio para conhecimento da totalidade do objecto, caso em que, para melhor ou para pior, se podem alterar os pressupostos factuais da aplicação das penas, em espécie e medida. Mantendo-se a coerência dos fundamentos expostos, o raciocínio deve ser o mesmo, ou seja, a partir do momento em que recorre, o arguido deve estar protegido quanto ao não agravamento da espécie e medida das penas - Mesmo com diferente qualificação jurídica. No caso dos autos, no anterior acórdão (Pº 332/08)

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diz-se o seguinte: Em conclusão, não se mostrando fundamentada e não conhecendo de questões que devia conhecer, a decisão recorrida enferma de nulidade, nos termos dos artigos 374º, n.º 2, 379º, n.º1, alíneas a) e c), 471º e 472º, todos do CPP, bem como 77º, n.ºs 1 e 2, e 78º, n.º 1, ambos do Código Penal, devendo o tribunal recorrido, em nova decisão, proceder à sua reformulação, suprindo tal nulidade, na observância do supra referido. Em conformidade, foi proferida a seguinte decisão: Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, anulam a sentença recorrida, para que o tribunal recorrido, se possível com o mesmo juiz, profira nova decisão que, para além do mais, fundamente suficientemente a decisão sobre o cúmulo jurídico relativo ao recorrente. Como se vê, a decisão desta Relação apenas incidiu sobre a nulidade derivada da falta de fundamentação, sobrestando quanto ao mais, incluindo sobre a medida da pena, o que cabe agora decidir. Louvando-se o esforço (e o modo) do recorrente na fundamentação da sua pretensão, tem que se lhe relembrar a fundamentação do Tribunal, que nada deixou ao acaso. Basta reler. Como se disse, nada foi deixado ao acaso ou omitido, salientando-se que, ao contrário do afirmado, a idade do recorrente não foi tida por agravante, antes resultando que foi atendida, como não podia deixar de ser, como atenuante. Em abono da decisão recorrida, veja-se o que escreve o Ilustre Procurador Geral-Adjunto: Não merece censura o achamento da moldura penal abstracta para o cúmulo: a pena única devera situar-se entre os 9 meses e os 3 anos de prisão, tendo em vista o disposto no art. 77, nº2 do CPenal. A pena concreta não pode ultrapassar os 2 anos e 2 meses por via do princípio atrás citado. Mas será que está pena – 2 anos e 2 meses de prisão, é a pena justa? Como se sabe, para a formação de um cúmulo jurídico, todas as penas, com excepção da mais grave, sofrem uma determinada compressão, maior ou menor consoante a ponderação que é feita dos factos e da personalidade do agente, visto que, em regra, não é aplicada a pena máxima do concurso (a soma material de todas as penas). Para fixar a pena única dentro destes limites, temse entendido que na «avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só no

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primeiro caso sendo cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta» (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, § 521). Uma tendência para um comportamento antisocial penalmente relevante acarreta uma acrescida exigência de prevenção especial negativa (evitar que o agente prossiga na senda do crime) e obriga a um acautelamento reforçado da protecção dos bens jurídicos. Para não mencionar as também elevadas exigências de prevenção geral e de ressocialização. Assim, a pena única deve ser mais elevada do que seria noutras circunstâncias. É este saber que retiramos do acórdão do STJ de 27/03/2008, Proc. n.º 411/08 -5.ª Secção, relator Conselheiro Santos Carvalho. Ponderando estes pressupostos e ao que com pleno acerto se escreveu na sentença – “os factos no conjunto e a personalidade do arguido que revelam claramente uma propensão para a prática dos tipos de ilícito cometidos, designadamente para os crimes de condução sem habilitação legal, designadamente em locais como os centros das vilas, à vista de toda a gente”, não temos dúvida que à uma exigência acrescida de prevenção especial negativa. Importa reforçar a protecção dos bens jurídicos violados pelo arguido. Entendeu a Relação que a pena concreta encontrada, afinal se situa abaixo da sua média abstracta. Não se justifica um abaixamento da pena, conforme visa o arguido. Os 2 anos e 2 meses de prisão – prisão efectiva, representam a pena justa e que leva em conta todas as circunstâncias que o mesmo releva no seu recurso. Apesar de tudo, e considerando, dentro da filosofia da punição em cúmulo jurídico, apenas o juízo de censura pela globalidade dos factos e, em especial, pela sua força indiciadora de reinserção, uma mais ponderada atenção às condições pessoais descritas, admite-se como ajustada a redução da pena para os dois anos de prisão. Nos termos expostos, acordou-se na Relação de Guimarães em julgar o recurso procedente, reduzindo-se a pena única para dois anos de prisão. Sumariando, conforme fez o Tribunal da Relação, tudo quanto se disse: “I – Por efeito da declaração de nulidade de uma decisão da 1ª instância, em recurso apenas interposto pelo arguido, tal nulidade implica que aquela instância, em nova apreciação, mantenha a natureza e limites da pena da decisão anulada. II – Tal vinculação não resulta do funcionamento da regra da reformatio in pejus (mesmo na designada de indirecta), mas sim da obediência à decisão do Tribunal superior (o tribunal superior - e só ele - não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida), nos termos do art. 156º do C.P.Civil.

III – Em caso de recurso apenas pelo arguido ou no seu interesse, ou o Tribunal superior conhece do recurso e conforma-se com os limites assinalados pela proibição da reformatio in pejus; ou toma outra qualquer decisão, que não pode, obviamente, conhecer de matéria relativa à espécie ou medida das sanções constantes da decisão recorrida, sendo a sua decisão que vai determinar os limites da nova decisão a proferir em 1ª instância. IV – Por outras palavras, seja qual for o fundamento (e tantos são possíveis), o processo é reenviado, e como que se sobresta na questão, ou questões, de fundo, principalmente nas que tiverem a ver com a espécie ou medida das sanções constantes da decisão recorrida. V – Assim, se há uma suspensão do conhecimento de questões pelas quais o Tribunal superior estava limitado - e só dessas -, essa limitação devolve-se 1ª instância, pois o arguido não pode ser prejudicado por ter recorrido, sabendo, como é imperioso que saiba, que pode vir a haver decisão de reenvio. VI – Aliás, se o Tribunal superior estava limitado pela reformatio in pejus, não faria sentido que, anulando esse Tribunal a decisão recorrida sem mexer na questão que o limitava, viesse o Tribunal recorrido a poder fazer aquilo que o Tribunal a que deve obediência não fez e, mais que isso, não pode fazer em segundo recurso. VII – Um arguido, quando recorre, fá-lo com a certeza de que, em matéria da espécie e medida das penas não pode haver modificação: logo, a decisão anulatória que não lhe conheceu nesse âmbito, não lhe conheceu da sua pretensão, que por isso se mantém em aberto, e com as mesmas garantias que tinha se o Tribunal superior tivesse conhecido. VIII – Todavia, em nome dos poderes de cognição e da obediência devida à decisão do Tribunal superior, tem que se salvaguardar - é uma decorrência normal das regras dos recursos - que, afinal, tudo dependerá do teor dessa decisão (e dos seus fundamentos), que, diz-se tautologicamente, …não pode deixar de ser acatada: se há obediência implícita a uma decisão que estava, à partida, limitada quanto a certos aspectos, mais tem que a haver se houver decisão explícita, seja ela qual for. IX – Mesmo no caso de reenvio sobre a totalidade do objecto, mantendo-se a coerência dos fundamentos expostos, o raciocínio deve ser o mesmo, ou seja, a partir do momento em que recorre, o arguido deve estar protegido quanto ao não agravamento da espécie e medida das penas (mesmo com diferente qualificação jurídica; veja-se o Ac.STJ, de 30-04-08 – Pº 3275/07 –, rel. António Colaço), salvo se, por qualquer razão que o caso ditar, o contrário resultar da decisão do Tribunal superior”.

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Jurisprudência do STJ e das Relações

Servidão de águas - Servidão por destinação do pai de família ASSUNTO: Extinção da servidão por desnecessidade Referências: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14-03-2006 Fonte: site do TRC – www.dgsi.pt

Sumário: I – Um poço existente num prédio rústico é propriedade do dono do prédio, por ser parte componente deste, nos termos do art. 204º, nos 1, al. a), e 2, do C. Civ. II – As águas que nascem nesse poço e as pluviais que nele caiem, enquanto dele não saírem são consideradas como particulares e também como partes componentes do prédio, nos termos dos arts. 1386º, nº 1, al. a), e 204º, nº 1, al. b), do C. Civ. III – O proprietário do prédio onde está localizado o poço pode servir-se dessas águas, de forma livre, salvo existindo alguma restrição quanto a esse uso, decorrente da lei, quanto ao seu uso a favor de terceiro – arts. 1305º, 1306º e 1389º do C. Civ. IV – Sobre essas águas pode ser constituído um direito de servidão a favor de outro prédio rústico confinante com o prédio do poço, por se tratar de uma utilidade a favor de um prédio e resultante de outro, nos termos do art. 1544º do C. Civ. V - Quando o anterior proprietário desses dois prédios já utilizava a água proveniente do poço existente num deles, desde há mais de 40 anos, para rega de ambos, os quais, face ao óbito desse proprietário, foram partilhados entre os filhos, que, por sua vez, continuaram a usar a água do poço na rega de ambos os prédios, agora já pertencentes a diferentes proprietários, deve entender-se que está constituída uma servidão predial, por destinação de pai de família, a favor do prédio beneficiário da água e sobre

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o prédio onde existe o poço, relativamente ao aproveitamento das águas desse poço, nos termos dos arts. 1549º e 1390º, nº 3, do C. Civ. VI – Nestas situações não é necessária a existência de sinais reveladores dessa destinação, dado ter havido a referida partilha entre os filhos do anterior dono do prédio. VII – Caso algum desses filhos venda o seu prédio a terceiro, ou mesmo no caso de venda de ambos os prédio, a referida servidão mantém-se e nos sobreditos termos. VIII – Este tipo de servidão representa um encargo predial qualificável como servidão voluntária, que se constitui no preciso momento em que os prédios ou fracções de determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes, a qual não é passível de extinção por desnecessidade – art. 1569º do C. Civ.

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I - No Tribunal Judicial da Comarca de Anadia, A. e B., esta menor e representada por seus pais, os autores que se identificam a seguir; C. e D., todos residentes na Rua de Santa Catarina, nº 25, Porto, instauraram contra E., residente em Vila Nova de Monsarros, Anadia, a presente acção declarativa, com processo sumário, pedindo a condenação da R. a reconhecer que os 1º e 2º autores são donos e legítimos possuidores do prédio rústico descrito no artigo 1º da petição, do qual os 3os Autores são seus usufrutuários; a reconhecer que no prédio descrito no artigo 12 da petição, propriedade da Ré, se situa uma mina de água, junto da qual se acha construída uma casa de apoio que é propriedade dos autores; a reconhecer que o prédio dos autores sempre usou, utilizou e foi regado com a água proveniente dessa mina, isto é, sempre teve servidão dessa água; e a abster-se de quaisquer condutas ou acções que impeçam, restrinjam ou prejudiquem o pleno exercício desse direito e a autorizar que os autores possam canalizar/encanar a referida água pela propriedade da Ré até ao prédio dos autores.

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Para tanto e muito em resumo, alegaram que os 1º e 2º autores, por escritura pública de compra e venda lavrada em 2/07/1998, adquiriram a nua propriedade do prédio rústico sito no Capuz, freguesia da Moita, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 4365, descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o nº 00452/240287, sobre o qual foi constituído usufruto a favor dos 3os autores. Que a Ré é dona e possuidora de dois outros prédios rústicos sitos nos referidos lugar e freguesia, prédios estes inscritos na matriz predial rústica respectiva sob os artigos nos 4374 e 4378. Que quer o referido prédio dos autores, quer o segundo dos referidos prédios da Ré, foram inicialmente pertença do mesmo proprietário, F. e mulher G., por morte dos quais foram herdados pelos filhos que, por sua vez, os venderam às partes na acção. Que esses dois prédios sempre confinaram e confinam entre si, posicionando-se o imóvel dos autores a poente e norte do prédio da Ré e com uma confinância de mais de 140 metros. Que no referido prédio agora da Ré sempre existiu uma mina de água, desde tempos imemoriais, água essa que era usada para rega desse prédio e do prédio dos autores supra identificado. Que aquando da partilha dos bens por óbito de F. nada ficou consignado sobre a utilização da água dessa mina, pelo que se constituiu uma servidão relativamente a essa água, por destinação de pai de família, uma vez que desde essa altura cada um dos novos proprietários passou a regar e a usar, em benefício do seu prédio, a água da mina. Que até foi construída uma pequena casa de apoio junto à mina, onde se colocavam os instrumentos para recolha e captação da água, nomeadamente os motores, as mangueiras e os baldes. Que já os anteriores proprietários do prédio que hoje pertence aos autores vinham consumindo essa água, regando as plantações, a horta e as árvores desse seu prédio, nos dias estipulados para o efeito e com respeito pelos demais usuários, por meio de motores e de mangueiras, sempre à luz do dia e à vista de toda a gente, sem qualquer oposição e ao longo do tempo, por mais de 20, 30 ou 50 anos, agindo na convicção de terem direito a esse uso, pelo que até por usucapião adquiriram o direito de propriedade sobre essa água, o que invocam. Que os autores pretendem proceder ao encanamento da água da referida mina até ao seu prédio, mediante a colocação de tubos no subsolo do prédio da Ré, numa distância de cerca de 15 metros, até se atingir o prédio dos autores, o que a Ré vem recusando e tendo até passado a impedir os autores de usarem a referida água, com o que os autores deixaram de poder regar as suas plantações nesse seu prédio. Pelo que pretendem os autores ver reconhecido o

seu direito à água da mina e a poderem-na passar através de canos pelo prédio da Ré. II - Contestou a Ré alegando, muito em resumo, que não é verdade que exista constituída qualquer servidão sobre a água da referida mina a favor dos autores, já que o uso que sempre foi feito dessa água pelos anteriores donos dos prédios aconteceu por mero favor e dadas as relações familiares existentes entre antigos donos dos imóveis. Que nunca houve qualquer evidência ou sinal de que essa água pudesse ser propriedade doutros interessados que não os donos da mina. Que, por isso, não está a Ré obrigada a ceder essas águas aos autores. Que os autores mandaram efectuar um furo de captação de águas no seu prédio, em 2001, com o qual têm irrigado as respectivas plantações e até do qual cedem água a prédios vizinhos. Que, por isso, mesmo que existisse a pretendida servidão de águas sobre a mina do prédio da Ré, esta deverá ser julgada extinta, por desnecessidade. Terminou a Ré pedindo a improcedência da acção ou que se julgue extinta a servidão de águas reclamada pelos autores. III - Responderam os autores mantendo tudo quanto antes alegaram e concluindo pelo reconhecimento do direito de servidão de águas reclamado. IV - Terminados os articulados, foi proferido despacho saneador, mandando prosseguir a acção e aí se fazendo a selecção da matéria de facto alegada e tida como relevante para efeitos de instrução e de discussão da causa. Seguiu-se a realização da audiência de discussão e julgamento, com uma inspecção judicial ao local da questão e com a gravação da prova testemunhal produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação. Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decidido julgar a acção parcialmente procedente, com a condenação da Ré a reconhecer a qualidade de proprietários e de usufrutuários aos autores sobre o prédio por eles reivindicado e, ainda, a reconhecer estar constituída, por usucapião, sobre o prédio da Ré descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o nº 03942/28042003 da freguesia da Moita, e a favor do prédio dos autores, uma servidão de aproveitamento de águas, servidão esta, porém, declarada extinta, por desnecessidade. V -Dessa sentença interpuseram recurso os autores, recurso esse admitido como apelação e com efeito devolutivo.

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Nas alegações que os Apelantes apresentaram foram formuladas as seguintes conclusões: 1ª - Na presente acção os Recorrentes alegaram ter adquirido, por destinação de pai de família, o direito real à água. 2ª - Tendo a sentença recorrida reconhecido a constituição de servidão de água por usucapião e declarado que a mesma se extinguiu por desnecessidade. 3ª - A servidão de água constituiu-se isso sim por destinação de pai de família como se tem que concluir dos factos dados como assentes. 4ª - Em consequência não poderá declarar-se a extinção da servidão por desnecessidade, já que as servidões constituídas por destinação de pai de família não podem extinguir-se por aquela via/razão, por serem servidões voluntárias e não legais. 5ª - Considerou-se provada a verificação de todos os requisitos necessários àquela constituição. 6ª - Com efeito, provou-se que os prédios, dominante e serviente, pertenceram em tempos ao mesmo dono, como se constata do ponto 8 da matéria dada como provada. 7ª - Provou-se também que se verificou a separação dos domínios e que as partes nada convencionaram em contrário, 8ª - Já que consta da matéria assente – pontos 8, 11, 12 e 23 – que o F. (que fora dono dos dois prédios) doou aos seus filhos a quota nos seus bens, incluindo os prédios referidos em A) e F). 9ª - Provou-se que os irmãos usavam a água existente no prédio F), tendo inclusivamente ficado assente que existiam dias marcados para tal utilização. 10ª - Ou seja, o Tribunal a quo concluiu que os prédios foram de um só dono, que os doou (separandoos) aos seus filhos e que estes filhos (todos) usavam a água que existia num deles para regar. 11ª - À data da separação dos domínios, a utilização da água pelos vários novos donos tornou-se efectiva. É este facto que dá autonomia ao título de aquisição por destinação de pai de família, sendo desnecessário – como se refere na sentença – que anteriormente a água ali existente regasse a totalidade dos prédios. O que verdadeiramente dá autonomia ao título de aquisição por destinação de pai de família é que à data da separação a utilização pelos vários donos se torne efectiva. 12ª - O art. 1390º, nº 3, do C. Civ. estabelece que na aquisição de servidões de água por destinação de pai de família não são exigíveis sinais visíveis e permanentes. 13ª - Ora, também aqui claudica a sentença recorrida. 14ª - Primeiro porque refere que a aquisição da servidão por destinação de pai de família não pode operar por falta daqueles sinais quando é a lei civil que prescinde deles (no caso destas servidões). 15ª - Em segundo lugar porque, se por um lado se

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defende na sentença, e para efeitos de constituição da servidão por destinação de pai de família, que tais sinais não existem (e como vimos são até desnecessários), 16ª - por outro lado diz a sentença que a servidão foi adquirida por usucapião, quando esta sim não prescinde da existência de sinais visíveis e permanentes. 17ª - Referindo que estes se manifestam numareentrância lateral. 18ª - Salvo o devido respeito, a sentença está ferida de nulidade, porquanto se verifica uma contradição insanável entre os factos dados como provados e não provados e entre estes e a fundamentação. 19ª - A sentença é, pois, nula e de nenhum efeito, como se estipula no art. 668º, nº 1, al. c), do CPC. 20ª - Laborou sempre em erro o M.mº Juiz quando para efeitos da aquisição por destinação de pai de família diz que inexistem sinais (que a lei nem sequer exige) e para efeitos de aquisição por usucapião diz que esses sinais existem. 21ª - Em face destas contradições não pode a sentença aceitar-se porque não convence nem pode convencer. 22ª - Nenhuma das partes alegou a existência daquela reentrância, nem a respectiva existência está sustentada por qualquer meio de prova que haja sido produzido. 23ª - Pelo que, sustentando-se a decisão naquele facto viola-se o princípio do dispositivo. 24ª - Sendo, por isso, a sentença nula, por violação do art. 264º do CPC. 25ª - A constituição da servidão por destinação de pai de família resulta da vontade do antigo proprietário e opera-se no momento em que ocorre a separação dos prédios ou fracções do mesmo prédio. 26ª - Foi o que ocorreu no caso dos presentes autos. 27ª - Se se constituiu naquele momento não precisou para constituir-se do decurso de qualquer prazo. 28ª - Se já está constituída por destinação de pai de família não vai nem pode constituir-se por usucapião. 29ª - Provou-se que tal servidão foi constituída por destinação de pai de família. 30ª - Essa é a conclusão obrigatória em face dos factos dados como provados e afastada fica a possibilidade da servidão se constituir por usucapião. 31ª - Também não poderá extinguir-se por desnecessidade, porque é a lei que não o permite. 32ª - Concebendo-se que a servidão se tivesse constituído por usucapião não ficou de todo em todo provada a sua desnecessidade. 33ª - Em face dos factos dados como assentes não pode nunca concluir-se pela desnecessidade. 34ª - Todos os factos dados como provados e assentes respeitam a um outro prédio dos autores, mas que não é o prédio dominante. 35ª - O conceito de desnecessidade da servidão

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para efeitos da sua extinção, nos termos dos nos 2 e 3 do art. 1569º do C. Civ. deve ser valorado na ponderação da superveniência de factos que, por si e objectivamente, tenham determinado uma mudança juridicamente relevante no prédio dominante de forma a concluir-se que a servidão deixou de ter para ele qualquer utilidade. 36ª - Esta superveniência não ficou provada. 37ª - O facto de existir um furo de captação de água noutro prédio dos autores e de estes usarem aquela água para regar o prédio dominante não basta para concluir por aquela desnecessidade. 38ª - Aliás, tal só passou a acontecer porque os autores foram privados de usar a água do prédio serviente, como se refere na resposta ao quesito 33. 39ª - A desnecessidade da servidão tem que ser objectiva, típica e exclusiva, caracterizando-se por uma mudança na situação do prédio dominante, por virtude de certas alterações nestes sobrevindas. 40ª - Nenhuma mudança ocorreu no prédio dominante (em termos objectivos) e que possa levar à perda de utilidade da água para aquele prédio. 41ª - Os factos dados como provados são insuficientes para sustentar a conclusão de que a servidão é desnecessária. 42ª - Pelo que a sentença recorrida é nula por violação do disposto no art. 1569º do C. Civ. 43ª - São, pois, diversas as contradições e aporias da sentença recorrida. 44ª - O decidido viola o disposto no art. 1390º, nº 3, do C. Civ. 45ª - Sendo, por isso, a sentença nula e de nenhum efeito. 46ª - Viola também o disposto no art. 1569º do C. Civ., padecendo por isso de nulidade. 47ª - Violou-se, ainda, o princípio do dispositivo, previsto no art. 264º, nº 1, do CPC. 48ª - Sendo, por isso, a sentença recorrida nula e de nenhum efeito. 49ª - Verifica-se uma clara oposição entre a fundamentação e a decisão, pelo que nos termos do art. 668º, nº 1, al. c), do CPC, a sentença é nula e de nenhum efeito. 50ª - Deve revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que condene os R.R. a reconhecer a constituição da servidão por destinação de pai de família e a permitir a utilização da água pelos A.A. nos precisos termos do pedido formulado na petição inicial. 51ª - Ou caso se entenda que a servidão se constituiu por usucapião, deve revogar-se a decisão na parte que considera provada a desnecessidade. VI - Contra-alegou a Ré, onde defende e pugna pela manutenção da sentença recorrida e nos seus precisos termos.

VII - Neste Tribunal da Relação foi aceite o recurso interposto e tal como foi admitido em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessáriosvistoslegais, sem qualquer observação, pelo que nada obsta ao conhecimento do seu objecto. Considerando as conclusões apresentadas pelos Apelantes, as quais delimitam o objecto do recurso, pode resumir-se esse objecto às seguintes questões: A – Apreciação da arguida nulidade da sentença, ao abrigo do art. 668º, nº 1, al. c), do CPC. B – Reapreciação do eventual reconhecimento ou não da existência de algum direito dos autores sobre a água da mina do prédio da Ré e qualificação desse dito direito, a existir. C – Reapreciação da eventual extinção ou não desse mesmo direito, por desnecessidade. Considerando que pelos Recorrentes não foi deduzida qualquer impugnação relativamente à matéria de facto dada como assente e que também não se vêem razões para a sua alteração oficiosa, importa que se indique essa matéria, tal como também consta da sentença recorrida, a qual é constituída pelos seguinte pontos: 1 – Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o nº 00452/240287 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 4365, o prédio rústico sito no Capuz, freguesia da Moita, concelho de Anadia, composto de terra de cultura com 10 oliveiras e vinha. 2 – Pela cota G-3 o referido prédio encontra-se inscrito com aquisição a favor de A. e de B., por compra. 3 – Pela cota F-1 encontra-se inscrito o usufruto do prédio referido no ponto 1 supra a favor de C. e de D., por compra a H. e mulher I. 4 – Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o nº 01100/300890 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 4374, o prédio rústico sito no Cafuz, freguesia da Moita, concelho de Anadia, composto de terra de vinha e de oliveiras. 5 – Pela cota G-2 o prédio referido no ponto 4 supra encontra-se inscrito com aquisição a favor de L., por compra. 6 – Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o nº 03942 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 4378, o prédio rústico sito no Cafuz, freguesia da Moita, concelho de Anadia, composto de terra de cultura com oliveiras. 7 – Pela cota G-1 o prédio referido no ponto 6 supra encontra-se inscrito com aquisição a favor de E., separada judicialmente de pessoas e de bens de L. (doc. de fls. 27 e 28). 8 – Os prédios referidos nos pontos 1 e 6 pertenceram, ambos, no passado, a F. e sua mulher G. 9 – F. doou aos seus filhos H., J. e K., a sua quota parte nos seus bens, incluindo os prédios referidos

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em 1 e 6 supra. 10 – Há mais de 50 anos que os prédios referidos nos pontos 1 e 6 supra confinam entre si e em cerca de 140 metros de extensão. 11 – Enquanto os prédios referidos nos pontos 1 e 6 supra não se encontraram totalmente delimitados e vedados, os irmãos H., J. e K. usaram a água existente no prédio referido no ponto 6 supra. 12 – H., J. e K. retiraram a água existente no prédio referido no ponto 6 supra em determinados dias da semana, para que todos pudessem regar. 13 – Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o nº 01401/180392 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 4364, o prédio rústico sito no Cafuz, freguesia da Moita, concelho de Anadia, composto de terreno de vinha. 14 – Pela apresentação 05/040997, o prédio referido no anterior ponto 13 passou a prédio urbano, sito na Póvoa do Pereiro, freguesia da Moita, concelho de Anadia, descrito na dita Conservatória sob o mesmo número e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 1378. 15 – Pela cota G-2, encontra-se inscrita a aquisição do prédio referido nos pontos 13 e 14 supra a favor de A. e de B., por compra. 16 – Pela cota F-1 encontra-se inscrito o usufruto sobre o prédio referido nos pontos 13 e 14 supra a favor de C. e de D., por compra a M. e mulher N. 17 – O prédio referido nos pontos 13 e 14 supra confronta a sul com o prédio referido no ponto 1 supra. 18 – Os ante-proprietários do prédio referido referido no ponto 1 supra vinham cultivando esse prédio desde há pelo menos 41 anos. 19 – Os autores lavram e cultivam o terreno referido no ponto 1 supra, colhem os respectivos frutos, nele roçam o mato e plantam árvores de fruto. 20 – E fazem-no à vista de todos, sem oposição de ninguém e de forma contínua. 21 – No prédio referido no ponto 6 supra existe um poço desde há mais de 50 anos. 22 – Os anteriores proprietários do prédio referido no ponto 1 supra vinham utilizando a água proveniente desse poço desde há pelo menos 41 anos. 23 – Consumindo a água, regando as plantações, a horta e as árvores, e tudo o que mais fosse necessário, nos dias estipulados e com respeito pelos demais usuários, utilizando motores para puxar a água e mangueiras para conduzir essa mesma água. 24 – Tudo à vista de todos, sem oposição de ninguém e de forma contínua. 25 – Agindo em nome próprio e em proveito exclusivo, na convicção de ser legítimo esse uso. 26 – Em meados de 2000 os autores acordaram com a Ré o endireitamento das estremas, tendo

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cedido terreno mutuamente. 27 – Após tal acordo, os autores vedaram o seu terreno, com as delimitações entretanto acordadas. 28 – Após essa vedação do seu terreno, os autores pretenderam proceder à encanação da água do poço e até ao seu prédio. 29 – Tal aqueduto seria efectuado através da colocação de canos no subsolo do prédio da Ré, do lado poente da mina, os quais atravessariam em cerca de 15 metros o terreno da Ré, até atingirem o topo nascente do prédio dos autores. 30 – A Ré recusou-se a permitir esse encanamento e desde então tem impedido os autores de usarem a água do poço. 31 – Os autores nunca expressaram intenção de não continuar a usar a água do poço. 32 – A casa de arrumações que estava situada no prédio referido no ponto 1 supra ficou integrada na parcela de terreno cedida à Ré aquando do endireitamento da estrema entre os prédios referidos nos pontos 1 e 6 supra. 33 – A vedação do prédio referido no ponto 1 supra levada a cabo pelos autores, com rede, impossibilita a rega desse terreno nos moldes em que anteriormente era efectuada (com baldes, um motor e por vala). 34 – Os autores construíram uma casa de habitação junto à Avenida das Laranjeiras, que ocupa toda a frente dos prédios referidos nos pontos 1, 13 e 14 supra (por lapso evidente, na resposta dada ao quesito 21º foi escrito que essa construção ocupa a frente dos prédios referidos em A), L) e M), quando se deveria ter escrito essa construção ocupa a frente dos prédios referidos em A), N) e O), porquanto em L) e M) não são referidos propriamente prédios, o que acontece nas referidos alíneas N) e O) dos factos dados como assentes, precisamente um segundo prédio dos autores, sito a sul do prédio referido no ponto 1 supra – ver ponto 17 supra – nos quais pelos autores foi erguida uma construção, conforme, aliás, foi alegado no artigo 44 da contestação e resulta dos documentos de fls. 53 a 55, lapso que por ser notório aqui se deixa rectificado). 35 – Só a parte final do prédio referido no ponto 1 supra, a poente do prédio da Ré, é composto de árvores de fruto, plantadas em 2001, e por pequenas plantas, plantadas quando o prédio foi adquirido. 36 – No prédio referido no ponto 13 supra existe um furo destinado a captação de águas, com cerca de 100 metros de profundidade e com capacidade de extracção de água de cerca de 2/3 polegadas. 37 – Esse furo já forneceu água ao prédio vizinho, que confronta a norte com o prédio referido no ponto 1 supra. 38 – Em 2003, os autores colocaram um sistema de rega no seu prédio, mediante a colocação de canos subterrâneos, que vão desde o furo até ao pomar,

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com mini aspersores. 39 – A distância a percorrer entre o furo e a estrema mais próxima do prédio referido no ponto 1 supra é de cerca de 100 metros. 40 – A distância a percorrer entre o poço existente no prédio referido no ponto 6 supra e a estrema mais próxima do prédio referido no ponto 1 supra é de cerca de 20 metros. Começando a nossa apreciação pela questão da arguida nulidade da sentença recorrida, importa dizer que tal vício, de natureza formal, apenas poderia ocorrer caso os fundamentos invocados na própria sentença revelassem uma clara oposição com a decisão proferida, no contexto dessa mesma sentença, isto é, se houvesse “um vício real no raciocínio do julgador, no qual a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente” – veja-se o Prof. A. Varela in Manual de Proc. Civil, 2ª ed., pg. 690; o Prof. Alberto dos Reis in “C.P.C. anotado”, V volume, pg. 141. Por outras palavras, neste tipo de vício não está em causa uma incorrecta interpretação dos factos e/ou uma incorrecta interpretação e aplicação do direito aos mesmos, o que constituirá, eventualmente, razão ou motivo de recurso e de revogação da sentença, mas apenas a verificação de um manifesto lapso na forma como se apresenta a sentença, face à qual se constata que o julgador começou por indicar ou propender para uma determinada orientação, mencionada na fundamentação, e, sem razão aparente, apresenta uma conclusão que em nada condiz com essa orientação e com a qual até está em contradição, e sem fundamentação para o efeito. Ora, convenhamos que a sentença recorrida não contém este tipo de vício, nem os Apelantes lho apontam, sequer, limitando-se a discordar da aplicação do direito aos factos dados como assentes, o que constitui fundamento para o seu recurso, mas em sede de apreciação da segunda questão enunciada, não como vício formal da sentença. Donde que tenha de ser julgada improcedente a arguida nulidade formal, o que se decide. Passando à segunda das questões suscitadas pelo recurso interposto, dir-se-á que esta questão constitui o cerne do litígio que opõe as partes na acção. Dos factos assentes resulta que na Conservatória do Registo Predial de Anadia se acha descrito um prédio rústico sito no Cafuz, freguesia da Moita, concelho de Anadia, composto de terra de cultura com oliveiras, sob o nº 03942, sobre o qual a Ré dispõe da inscrição do registo da respectiva aquisição a seu favor, conforme pontos 6 e 7 supra, pelo que, nos termos do art. 7º do C. Reg. Predial, se presume essa dita aquisição pela Ré, o que os autores, aliás, também afirmam. Nesse prédio existe um poço desde há mais de

50 anos – facto supra nº 21 –, pelo que tal poço é propriedade da Ré, como parte componente que é do dito prédio, nos termos do art. 204º, nos 1, al. a), e 2, do C. Civ., o que os autores também não contestam – veja-se, neste sentido, P. Lima e A. Varela, in “C. Civ. anotado”, vol. 1º, pg. 131. Donde que as águas que nascem nesse poço e as pluviais que nele caiam, enquanto dele não saírem, sejam consideradas como particulares – art. 1386º, nº 1, al. a), do C. Civ. – e também como partes componentes do dito prédio, nos termos do art. 204º, nº 1, al. b), do C. Civ. – neste sentido veja-se, entre outros, Luís A. Carvalho Fernandes, in “Teoria Geral”, 1983, 2º, pg. 132; P. Lima e A. Varela in “C. Civ. anotado”, vol. 1º, pg. 131; Guilherme Alves Moreira in “As Águas no Direito Civil Português”, vol. I, 2ª ed., pgs. 499 e 518; Ac. STJ de 3/3/2005, in C. J. STJ, ano XIII, tomo I, pg. 105 -, pelo que também são propriedade da Ré. Ver, ainda, David Augusto Fernandes, inLições de Direito Civil (Direitos Reais), 3ª ed., pg. 214, 224 e 225, onde se escreve: “o princípio geral a respeito de todas as águas particulares é o de que o proprietário do prédio em que elas se encontrem pode delas utilizar-se e dispor como lhe aprouver, salvo os direitos que terceiro a elas tenha adquirido legitimamente, sendo as águas subterrâneas, as das fontes e das nascentes um elemento componente ou acessório do terreno onde correm ou se acham estancadas”. Acontece que as águas provenientes desse poço vêm sendo utilizadas não só pelos anteriores e pela actual proprietários desse prédio e para rega do mesmo, mas também pelos anteriores proprietários de um outro prédio, o identificado no ponto 1 dos factos dados como provados – prédio rústico sito no Capuz (ou Cafuz), freguesia da Moita, descrito na C.R.P. de Anadia sob o nº 00452/240287, prédio este que hoje pertence aos autores, conforme resulta dos pontos 1, 2 e 3 supra, por compra a H. e mulher –, e desde há mais de 41 anos (conforme pontos 11, 12 e 22 supra), com ela regando as plantações, a horta e as árvores existentes neste outro prédio, em dias estipulados para o efeito, para o que utilizavam motores para puxar essa água e mangueiras para a conduzirem – conforme ponto 23 supra. E isto porque esses ditos prédios confinam entre si, numa extensão de cerca de 140 metros – ponto 10 supra –, tendo ambos pertencido, em tempos, a um tal F. e mulher G., que doaram ambos os ditos prédios a seus filhos, H. (o vendedor do mesmo aos autores), J. e K. – pontos 8 e 9 supra. Donde que enquanto esses prédios fizeram parte dessa dita família e não foram delimitados e vedados um do outro, esses anteriores donos dos mesmos usaram a água desse dito poço para rega

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desses dois prédios. Acontece que na sequência da aquisição pela Ré do prédio onde se encontra o dito poço, entre ela e os agora autores (estes adquiriram, entretanto, o outro prédio supra referido, por escritura de 2/07/1998, conforme fls. 11 a 14) foi acordada uma rectificação da estrema comum entre ambos esses prédios – ponto 26 supra –, após o que os autores vedaram o seu terreno com rede, o que tornou impossível a rega desse dito terreno nos moldes em que anteriormente era efectuada, conforme resulta dos pontos 27 e 33 supra. Donde que pretendam os autores, com a presente acção, proceder à encanação da água desse poço até ao seu prédio, mediante a colocação de canos no subsolo do prédio da Ré e numa extensão de cerca de 15/20 metros, ao que a Ré se opõe – pontos 28, 29, 30 e 40 supra. Quid juris? Como já escrevemos, nos termos do art. 1386º, nº 1, al. a), do C. Civ., dúvidas não existem, nem as partes as colocam, de que estamos perante águas particulares e pertencentes à Ré, precisamente por nascerem ou caírem no referido prédio da Ré e estarem contidas no poço que existe no dito, poço e águas essas que também são, por isso, propriedade da Ré, enquanto partes componentes do dito prédio. Donde que a Ré se possa servir dessas águas, de forma livre, salvo existindo alguma restrição quanto a esse uso, decorrente da lei, quanto ao seu uso a favor de terceiro, no caso a favor dos autores, como estes pretendem – arts. 1305º, 1306º e 1389º do C. Civ. Na sentença recorrida entendeu-se que, no presente caso, os anteriores proprietários do prédio que hoje é dos autores adquiriram uma servidão de águas do referido poço, por usucapião, servidão essa que foi transmitida aos agora autores e da qual são beneficiários, face à transmissão da propriedade e da posse sobre o prédio. Os Recorrentes defendem que se deve considerar e confirmar tal aquisição, mas por “destinação de pai de família”. Apreciando a referida divergência, tal como já se escreveu antes dúvidas não ocorrem sobre o exclusivo direito de propriedade da Ré quer ao poço quer às águas dele provenientes, pois só ela tem título de aquisição sobre o prédio onde se localiza o referido poço – art. 1390º, nº 1, do C. Civ. Importa, assim, apreciar a questão da existência ou inexistência do eventual direito de servidão constituído sobre essas águas e a favor do prédio dos autores. Também não existem dúvidas sobre tal possibilidade, uma vez que se trata de uma utilidade a favor de um dos prédios e resultante do outro, nos termos do art. 1544º do C. Civ., pelo que há que saber se se

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encontra ou não constituída tal servidão, por um dos referidos meios, uma vez que ambos estão previstos no art. 1547, nº 1, do C. Civ. Acontece que F., anterior proprietário dos dois referidos prédios, já utilizava a água proveniente desse poço, desde há mais de 41 anos, para rega de ambos os referidos prédios, os quais por ele foram doados aos filhos (doação essa que teve como objecto a sua quota parte nos seus bens, incluindo os referidos prédios, conforme ponto 9 supra), tendo o prédio que hoje é dos autores ficado em partilha efectuada entre estes ao filho H., que posteriormente o veio a vender aos autores, conforme pontos 1, 2 e 3 supra e doc.s de fls. 11 a 14, e 18 a 20; por sua vez o prédio que hoje é da Ré calhou, nas partilhas havidas entre os referidos irmãos, ao irmão J., que, por sua vez, o vendeu à Ré, conforme bem resulta dos doc.s de fls. 23, 27 e 28 e ponto 6 e 7 supra, verificando-se que os irmãos H., J. e K., enquanto herdeiros e beneficiários desses prédios face à dita doação, sempre usaram a água do poço para regarem ambos os ditos prédios, como acontecia desde os tempos dos pais, tendo até sido acordado entre eles os dias em que cada um se deveria utilizar dessas águas para efeito de regarem ambos os prédios, e sempre à vista de toda a gente e de forma contínua, na convicção de ser legítima essa utilização – pontos supra 11, 12, 22, 23, 24 e 25 –, donde se retira a conclusão de que foi constituída uma servidão predial “por destinação de pai de família” a favor do prédio que hoje é dos autores e sobre o prédio onde existe o poço, relativamente ao aproveitamento das águas desse poço, nos termos dos arts. 1549º, do C. Civ., conjugado com o disposto no art. 1390º, nº 3, do mesmo código, uma vez que, no presente caso, não é necessária a existência de sinais reveladores dessa destinação, dado ter havido a referida doação e uma partilha entre os anteriores donos dos prédios (sem a intervenção de terceiros). No entanto, tendo ficado também provado que a utilização dessas águas pelos referidos irmãos e a favor de ambos os ditos prédios, para regas, era efectuada com o recurso a motores e a mangueiras e por vala – pontos 11, 12, 22, 23 e 33 -, também daí resulta, no entanto, a constatação de que existiam sinais visíveis e permanentes, postos em ambos os prédios, a revelarem a serventia de um para outro, o que por si só constitui prova da dita servidão, nos termos do art. 1549º do C. Civ. No sentido, porém, da desnecessidade da existência de sinais reveladores da destinação do antigo proprietário, em caso de divisão ou partilha de prédio sem intervenção de terceiro, como é o caso que se nos apresenta, podem ver-se, entre outros, o Ac. R. Po. de 9/12/80, in C. J. 80, tomo V, pg. 146; o Ac. R. Po. de 7/4/81, in C.J. 1981, tomo II, pg. 111, onde se defende que “para que haja aquisição

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da servidão por destinação do pai de família, não basta que o anterior proprietário, comum aos dois prédios, tenha manifestado a vontade de utilizar a água de um prédio no outro, sendo preciso que, à data da separação dos domínios, a utilização se tenha tornado efectiva, sendo os sinais dessa utilização dispensáveis, mas, existindo, revelam tal ocorrência e não podem deixar de definir o âmbito da servidão”; veja-se, também, José Cândido de Pinho, in “As Águas no Código Civil – Comentário, Doutrina e Jurisprudência”, pgs. 75 a 90, onde se faz uma exposição detalhada da evolução histórica da lei sobre esta questão, assim como dos trabalhos preparatórios do actual art. 1390º do C. Civ., e onde se escreve: “este preceito teve por fonte o art. 121º da Lei das Águas, o qual não impunha a existência de sinais visíveis e permanentes anteriores à divisão e partilha à semelhança do que, também agora, ocorre com a redacção do nº 3 do art. 1390º, (pois) a simples divisão do prédio, sem intervenção de estranhos, não cria a favor destes quaisquer direitos cuja tutela mereça especial protecção, pois se a água de um prédio era utilizada num outro prédio do, e pelo, mesmo dono, não seria compreensível que a partilha dos prédios por pessoas exclusivamente a eles ligadas (do ponto de vista real, afectivo, etc.) eliminasse a possibilidade, agora transformada em direito, de se continuar a fazer aquele uso, tal como até aí se fazia, e nem a circunstância de inexistência de sinais reveladores daquela destinação impõe diferente solução. Impede-o a circunstância de a partilha ser efectuada entre pessoas conhecedoras da real e concreta situação existente antes da divisão (é o caso de partilha de prédios entre os herdeiros do proprietário). Esta filosofia aplica-se às virtualidades de ambos os prédios – nem o dominante precisa daqueles sinais para que, em caso de partilha, o direito permaneça, nem, em idênticas condições de divisão ou partilha, o prédio serviente (dominado) carece da revelação dos mesmos sinais, para se manter a vida daquele direito”. Também os Prof. Pires de Lima e A. Varela, in “C. Civil anotado”, vol. III, pg. 279, opinam no mesmo sentido. No sentido de que a servidão por destinação de pai de família representa um encargo predial qualificável como servidão voluntária, que se constitui no preciso momento em que os prédios ou fracções de determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes e cujo acto constitutivo da servidão por “destinação de pai de família” é o da separação jurídica de dois prédios do mesmo proprietário ou da separação jurídica de duas fracções do mesmo prédio, constituição essa resultante da lei (ope legis), pode ver-se o Ac. STJ de 15/03/2005, in C. J. STJ, ano XIII, tomo I, pg. 146.

Donde que se afigure legítima a pretensão dos autores em quererem continuar a servir-se das águas do poço, nos moldes que antes se fazia, já que apesar de terem vedado o seu prédio com rede, e apesar de ter desaparecido a antiga vala de condução das águas desde o poço até ao prédio dos autores, na sequência da venda do prédio aos autores e sua consequente vedação – ponto 33 supra –, nada impede essa utilização, como desde antes sucedia, uma vez que nunca expressaram a intenção de não continuarem a usar da água e até pretenderam, na ocasião dessa dita vedação, proceder logo à encanação das águas desde o poço até ao seu prédio, o que só não teve lugar porque a Ré a tal se opôs – pontos 27, 28, 29, 30 e 31 supra. Apenas acontece que não podem recorrer ao sistema de baldes e de vala ou mangueiras, como antes sucedia – factos 23 e 33 supra –, afigurando-se necessário proceder à colocação de canos subterrâneos para o efeito, no prédio da Ré, desde o poço até à estrema comum dos prédios, embora com o recurso a motor, este a ser colocado no prédio dos autores, onde o motor trabalhará, como é óbvio, conforme resulta do disposto no art. 1561º, nº 1, do C. Civ. – servidão legal de aqueduto para proveito da agricultura, uma vez que o prédio dos autores é agricultado e nele têm árvores de fruto (ver o ponto 19 supra). Donde resulta que se tenha de reconhecer fundamento ao recurso interposto pelos autores, no sentido de que importa reconhecer que se acha constituída uma servidão de uso de águas provenientes do poço do prédio da Ré e a favor do prédio dos autores, nos moldes em que já acontecia entre os anteriores donos dos prédios – ponto 12 e 23 supra –, servidão essa constituída por “destinação de pai de família” e não por usucapião. Resta, pois, apreciar a terceira das questões que enunciámos, ou seja a eventual extinção dessa dita servidão. Ora, os casos de extinção das servidões são os previstos no art. 1569º, nº 1, do C. Civ., e nenhum desses casos ocorre na presente situação, não havendo lugar à apreciação da eventual desnecessidade da dita servidão, por esta figura jurídica apenas ser aplicável às servidões constituídas por usucapião e legais, o que não é o caso que se nos apresenta – art. 1569º, nos 2 e 3, do C. Civ. No sentido de que as servidões constituídas por destinação de pai de família, pelo facto de se tratar de servidões voluntárias, não são passíveis de extinção por desnecessidade, podem ver-se, entre outros, o Ac. Rel. Lx. de 7/7/197, in BMJ 209, pg. 191; o Ac. Rel. Po. de 10/01/1980, in C. J. 1980, tomo 1º, pg. 8; os Ac.s Rel. Co de 30/11/1982 e de 17/5/1983, in, respectivamente BMJ 324, pg. 632, e BMJ 328, pg. 647; o Ac. Rel. Év. de 20/01/2005, in C. J. ano XXX,

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tomo I. pg. 246; o Prof. Mota Pinto, in RDES, 21º, pg. 149, e in “Direitos Reais”, 1970/71, pg. 343; os Prof. Pires de Lima e A. Varela, in “C. Civ. anotado”, vol. III, pg. 621. Donde que importe derrogar a sentença recorrida, na parte em que condenou a é a reconhecer estar constituída uma servidão de aproveitamento de águas sobre o seu prédio e favor do prédio dos autores, constituída por usucapião, servidão esta declarada extinta, por desnecessidade, substituindo-se tais dispositivos, pela seguinte decisão: “Mais se condena a Ré a reconhecer que se acha constituída uma servidão de uso de águas provenientes do poço do prédio da Ré e a favor do prédio dos autores, prédios esses supra identificados, nos moldes em que já acontecia entre os anteriores donos dos prédios – conforme pontos 12 e 23 supra –, servidão essa constituída por destinação de pai de família”. “Também se julga improcedente a reconvenção deduzida pela Ré”. No mais é mantida a decisão recorrida, com o que há que julgar procedente a apelação interposta.

Questão decidenda: Junto do Tribunal da Relação de Coimbra surgiu um recurso de Apelação, no âmbito do qual, as questões a resolver são as seguintes: A – Apreciação da arguida nulidade da sentença, ao abrigo do art. 668º, nº 1, al. c), do CPC. B – Reapreciação do eventual reconhecimento ou não da existência de algum direito dos autores sobre a água da mina do prédio da Ré e qualificação desse dito direito, a existir. C – Reapreciação da eventual extinção ou não desse mesmo direito, por desnecessidade. Solução jurídica: 1. Começando pela questão da arguida nulidade da sentença recorrida, importa dizer que tal vício, de natureza formal, apenas poderia ocorrer caso os fundamentos invocados na própria sentença revelassem uma clara oposição com a decisão proferida, no contexto dessa mesma sentença, isto é, se houvesse “um vício real no raciocínio do julgador, no qual a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”– veja-se o Prof. A. Varela in “Manual de Proc. Civil”, 2ª ed., pg. 690; o Prof. Alberto dos Reis in “C.P.C. anotado”, V volume, pg. 141. Por outras palavras, neste tipo de vício

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VIII - Decisão:

Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação deduzida, face ao que se decide derrogar a sentença recorrida, na parte em que condenou a é a reconhecer estar constituída uma servidão de aproveitamento de águas sobre o seu prédio e favor do prédio dos autores, constituída por usucapião, servidão esta declarada extinta, por desnecessidade, substituindose tais dispositivos, pela seguinte decisão: “Mais se condena a Ré a reconhecer que se acha constituída uma servidão de uso de águas provenientes do poço do prédio da Ré e a favor do prédio dos autores, prédios esses supra identificados, nos moldes em que já acontecia entre os anteriores donos dos prédios – conforme pontos 12 e 23 supra -, servidão essa constituída por destinação de pai de família, para cujo exercício é necessário proceder à colocação de canos subterrâneos para o efeito, no prédio da Ré, desde o poço até à estrema comum dos prédios – servidão legal de aqueduto para proveito da agricultura”. “Também se julga improcedente a reconvenção deduzida pela Ré”. Custas da acção e da apelação pela Ré / Recorrida.

não está em causa uma incorrecta interpretação dos factos e/ou uma incorrecta interpretação e aplicação do direito aos mesmos, o que constituirá, eventualmente, razão ou motivo de recurso e de revogação da sentença, mas apenas a verificação de um manifesto lapso na forma como se apresenta a sentença, face à qual se constata que o julgador começou por indicar ou propender para uma determinada orientação, mencionada na fundamentação, e, sem razão aparente, apresenta uma conclusão que em nada condiz com essa orientação e com a qual até está em contradição, e sem fundamentação para o efeito. Ora, a sentença recorrida não contém este tipo de vício, nem os Apelantes lho apontam, sequer, limitando-se a discordar da aplicação do direito aos factos dados como assentes, o que constitui fundamento para o seu recurso, mas em sede de apreciação da segunda questão enunciada, não como vício formal da sentença. Dái que sobre esta questão, a Relação tenha julgado improcedente a arguida nulidade formal. 2. Relativamente à segunda das questões suscitadas pelo recurso interposto, dos factos assentes resulta que na Conservatória do Registo Predial de Anadia se acha descrito um prédio rústico sito no Cafuz, freguesia da Moita, concelho

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de Anadia, composto de terra de cultura com oliveiras, sob o nº 03942, sobre o qual a Ré dispõe da inscrição do registo da respectiva aquisição a seu favor, pelo que, nos termos do art. 7º do C. Reg. Predial, se presume essa dita aquisição pela Ré, o que os autores, aliás, também afirmam. Nesse prédio existe um poço desde há mais de 50 anos, pelo que tal poço é propriedade da Ré, como parte componente que é do dito prédio, nos termos do art. 204º, nos 1, al. a), e 2, do C. Civ., o que os autores também não contestam – vejase, neste sentido, P. Lima e A. Varela, in “C. Civ. anotado”, vol. 1º, pg. 131. Donde que as águas que nascem nesse poço e as pluviais que nele caiam, enquanto dele não saírem, sejam consideradas como particulares – art. 1386º, nº 1, al. a), do C. Civ. – e também como partes componentes do dito prédio, nos termos do art. 204º, nº 1, al. b), do C. Civ, pelo que também são propriedade da Ré. As águas provenientes desse poço eram utilizadas não só pelos anteriores como também pelo actual proprietário desse prédio e para rega do mesmo, bem como pelos anteriores proprietários de um outro prédio, – prédio rústico sito no Capuz (ou Cafuz), freguesia da Moita, descrito na C.R.P. de Anadia sob o nº 00452/240287, prédio este que hoje pertence aos autores, e desde há mais de


41 anos. E isto porque esses ditos prédios confinam entre si, numa extensão de cerca de 140 metros. Donde que enquanto esses prédios fizeram parte dessa dita família e não foram delimitados e vedados um do outro, esses anteriores donos dos mesmos usaram a água desse dito poço para rega desses dois prédios.Acontece que na sequência da aquisição pela Ré do prédio onde se encontra o dito poço, entre ela e os agora autores (estes adquiriram, entretanto, o outro prédio supra referido, por escritura de 2/07/1998) foi acordada uma rectificação da estrema comum entre ambos esses prédios, após o que os autores vedaram o seu terreno com rede, o que tornou impossível a rega desse dito terreno nos moldes em que anteriormente era efectuada. Daí que pretendam os autores proceder à encanação da água desse poço até ao seu prédio, mediante a colocação de canos no subsolo do prédio da Ré e numa extensão de cerca de 15/20 metros, ao que a Ré se opõe. Ora, nos termos do art. 1386º, nº 1, al. a), do C. Civ., dúvidas não existem, nem as partes as colocam, de que estamos perante águas particulares e pertencentes à Ré, precisamente por nascerem ou caírem no referido prédio da Ré e estarem contidas no poço que existe no dito, poço e águas essas que também são, por isso, propriedade da Ré, enquanto partes componentes do dito prédio. Daí que a Ré se possa servir dessas águas, de forma livre, salvo existindo alguma restrição quanto a esse uso, decorrente da lei, quanto ao seu uso a favor de terceiro, no caso a favor dos autores, como estes pretendem – arts. 1305º, 1306º e 1389º do C. Civ. Na sentença recorrida entendeu-se que, no presente caso, os anteriores proprietários do prédio que hoje é dos autores adquiriram uma servidão de águas do referido poço, por usucapião, servidão essa que foi transmitida aos agora autores e da qual são beneficiários, face à transmissão da propriedade e da posse sobre o prédio. Os Recorrentes defendem que se deve considerar e confirmar tal aquisição, mas por “destinação de pai de família”. Apreciando a referida divergência, tal como já se escreveu antes dúvidas não ocorrem sobre o exclusivo direito de propriedade da Ré quer ao poço quer às águas dele provenientes, pois só ela tem título de aquisição sobre o prédio onde se localiza o referido poço – art. 1390º, nº 1, do C. Civ. Importa, assim, apreciar a questão da existência ou inexistência do eventual direito de servidão constituído sobre essas águas e a favor do prédio dos autores. Também não existem dúvidas sobre tal possibilidade, uma vez que se trata de

uma utilidade a favor de um dos prédios e resultante do outro, nos termos do art. 1544º do C. Civ., pelo que há que saber se se encontra ou não constituída tal servidão, por um dos referidos meios, uma vez que ambos estão previstos no art. 1547, nº 1, do C. Civ. Acontece que F., anterior proprietário dos dois referidos prédios, já utilizava a água proveniente desse poço, desde há mais de 41 anos, para rega de ambos os referidos prédios, os quais por ele foram doados aos filhos (doação essa que teve como objecto a sua quota parte nos seus bens, incluindo os referidos prédios), tendo o prédio que hoje é dos autores ficado em partilha efectuada entre estes ao filho H., que posteriormente o veio a vender aos autores,; por sua vez o prédio que hoje é da Ré calhou, nas partilhas havidas entre os referidos irmãos, ao irmão J., que, por sua vez, o vendeu à Ré, verificando-se que os irmãos H., J. e K., enquanto herdeiros e beneficiários desses prédios face à dita doação, sempre usaram a água do poço para regarem ambos os ditos prédios, como acontecia desde os tempos dos pais, tendo até sido acordado entre eles os dias em que cada um se deveria utilizar dessas águas para efeito de regarem ambos os prédios, e sempre à vista de toda a gente e de forma contínua, na convicção de ser legítima essa utilização, donde se retira a conclusão de que foi constituída uma servidão predial”por destinação de pai de família”a favor do prédio que hoje é dos autores e sobre o prédio onde existe o poço, relativamente ao aproveitamento das águas desse poço, nos termos dos arts. 1549º, do C. Civ., conjugado com o disposto no art. 1390º, nº 3, do mesmo código, uma vez que, no presente caso, não é necessária a existência de sinais reveladores dessa destinação, dado ter havido a referida doação e uma partilha entre os anteriores donos dos prédios (sem a intervenção de terceiros). No entanto, tendo ficado também provado que a utilização dessas águas pelos referidos irmãos e a favor de ambos os ditos prédios, para regas, era efectuada com o recurso a motores e a mangueiras e por vala, também daí resulta, no entanto, a constatação de que existiam sinais visíveis e permanentes, postos em ambos os prédios, a revelarem a serventia de um para outro, o que por si só constitui prova da dita servidão, nos termos do art. 1549º do C. Civ. No sentido, porém, da desnecessidade da existência de sinais reveladores da destinação do antigo proprietário, em caso de divisão ou partilha de prédio sem intervenção de terceiro, como é o caso dos autos em apreço, podem ver-se, entre outros, o Ac. R. Po. de 9/12/80, in

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C. J. 80, tomo V, pg. 146; o Ac. R. Po. de 7/4/81, in C.J. 1981, tomo II, pg. 111, onde se defende que “para que haja aquisição da servidão por destinação do pai de família, não basta que o anterior proprietário, comum aos dois prédios, tenha manifestado a vontade de utilizar a água de um prédio no outro, sendo preciso que, à data da separação dos domínios, a utilização se tenha tornado efectiva, sendo os sinais dessa utilização dispensáveis, mas, existindo, revelam tal ocorrência e não podem deixar de definir o âmbito da servidão”; veja-se, também, José Cândido de Pinho, in “As Águas no Código Civil – Comentário, Doutrina e Jurisprudência”, pgs. 75 a 90, onde se faz uma exposição detalhada da evolução histórica da lei sobre esta questão, assim como dos trabalhos preparatórios do actual art. 1390º do C. Civ., e onde se escreve: “este preceito teve por fonte o art. 121º da Lei das Águas, o qual não impunha a existência de sinais visíveis e permanentes anteriores à divisão e partilha à semelhança do que, também agora, ocorre com a redacção do nº 3 do art. 1390º, (pois) a simples divisão do prédio, sem intervenção de estranhos, não cria a favor destes quaisquer direitos cuja tutela mereça especial protecção, pois se a água de um prédio era utilizada num outro prédio do, e pelo, mesmo dono, não seria compreensível que a partilha dos prédios por pessoas exclusivamente a eles ligadas (do ponto de vista real, afectivo, etc.) eliminasse a possibilidade, agora transformada em direito, de se continuar a fazer aquele uso, tal como até aí se fazia, e nem a circunstância de inexistência de sinais reveladores daquela destinação impõe diferente solução. Impede-o a circunstância de a partilha ser efectuada entre pessoas conhecedoras da real e concreta situação existente antes da divisão (é o caso de partilha de prédios entre os herdeiros do proprietário). Esta filosofia aplica-se às virtualidades de ambos os prédios – nem o dominante precisa daqueles sinais para que, em caso de partilha, o direito permaneça, nem, em idênticas condições de divisão ou partilha, o prédio serviente (dominado) carece da revelação dos mesmos sinais, para se manter a vida daquele direito”. No sentido de que a servidão por destinação de pai de família representa um encargo predial qualificável como servidão voluntária, que se constitui no preciso momento em que os prédios ou fracções de determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes e cujo acto constitutivo da servidão por “destinação de pai de família” é o da separação jurídica de dois prédios do mesmo proprietário ou da separação jurídica de duas fracções do mesmo

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prédio, constituição essa resultante da lei (ope legis). Donde que se afigure legítima a pretensão dos autores em quererem continuar a servir-se das águas do poço, nos moldes que antes se fazia, já que apesar de terem vedado o seu prédio com rede, e apesar de ter desaparecido a antiga vala de condução das águas desde o poço até ao prédio dos autores, na sequência da venda do prédio aos autores e sua consequente vedação, nada impede essa utilização, como desde antes sucedia, uma vez que nunca expressaram a intenção de não continuarem a usar da água e até pretenderam, na ocasião dessa dita vedação, proceder logo à encanação das águas desde o poço até ao seu prédio, o que só não teve lugar porque a Ré a tal se opôs. Apenas acontece que não podem recorrer ao sistema de baldes e de vala ou mangueiras, como antes sucedia, afigurando-se necessário proceder à colocação de canos subterrâneos para o efeito, no prédio da Ré, desde o poço até à estrema comum dos prédios, embora com o recurso a motor, este a ser colocado no prédio dos autores, onde o motor trabalhará, como é óbvio, conforme resulta do disposto no art. 1561º, nº 1, do C. Civ. – servidão legal de aqueduto para proveito da agricultura, uma vez que o prédio dos autores é agricultado e nele têm árvores de fruto. Deve, por isso, reconhecer-se fundamento ao recurso interposto pelos autores, no sentido de que importa reconhecer que se acha constituída uma servidão de uso de águas provenientes do poço do prédio da Ré e a favor do prédio dos autores, nos moldes em que já acontecia entre os anteriores donos dos prédios, servidão essa constituída por “destinação de pai de família” e não por usucapião. 3. Resta, pois, apreciar a terceira das questões, ou seja a eventual extinção dessa dita servidão. Ora, os casos de extinção das servidões são os previstos no art. 1569º, nº 1, do C. Civ., e nenhum desses casos ocorre na presente situação, não havendo lugar à apreciação da eventual desnecessidade da dita servidão, por esta figura jurídica apenas ser aplicável às servidões constituídas por usucapião e legais, o que não é o caso que se nos apresenta – art. 1569º, nos 2 e 3, do C. Civ. As servidões constituídas por destinação de pai de família, pelo facto de se tratar de servidões voluntárias, não são passíveis de extinção por desnecessidade. Decisão do Acórdão: Face ao exposto, acordou a Relação em julgar procedente a apelação deduzida, face ao que se decidiu derrogar a sentença recorrida, na parte em que

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condenou a Ré a reconhecer estar constituída uma servidão de aproveitamento de águas sobre o seu prédio e favor do prédio dos autores, constituída por usucapião, servidão esta declarada extinta, por desnecessidade, substituindo-se tais dispositivos, pela seguinte decisão: “Mais se condena a Ré a reconhecer que se acha constituída uma servidão de uso de águas provenientes do poço do prédio da Ré e a favor do prédio dos autores, prédios esses supra identificados,

nos moldes em que já acontecia entre os anteriores donos dos prédios – conforme pontos 12 e 23 supra -, servidão essa constituída por destinação de pai de família, para cujo exercício é necessário proceder à colocação de canos subterrâneos para o efeito, no prédio da Ré, desde o poço até à estrema comum dos prédios – servidão legal de aqueduto para proveito da agricultura”. “Também se julga improcedente a reconvenção deduzida pela Ré”.

Código Civil Artigo 204º - (Coisas imóveis) 1 - São coisas imóveis: a) Os prédios rústicos e urbanos; b) As águas; c) As árvores, os arbustos e os frutos naturais, enquanto estiverem ligados ao solo; d) Os direitos inerentes aos imóveis mencionados nas alíneas anteriores; e) As partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos. 2 - Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro.

prédios sem intervenção de terceiro, a aquisição do direito de servidão nos termos do artigo 1549º não depende da existência de sinais reveladores da destinação do antigo proprietário.

Título II Do direito de propriedade

Artigo 1549º (Constituição por destinação do pai de família) Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento.

Capítulo IV Propriedades das águas

Título VI Das servidões prediais

Secção II Aproveitamento das águas

Capítulo V Extinção das servidões

Artigo 1389º Fontes e nascentes) O dono do prédio onde haja alguma fonte ou nascente de água pode servir-se dela e dispor do seu uso livremente, salvas as restrições previstas na lei e os direitos que terceiro haja adquirido ao uso da água por título justo.

Artigo 1569º (Casos de extinção) 1. As servidões extinguem-se: a) Pela reunião dos dois prédios, dominante e serviente, no domínio da mesma pessoa; b) Pelo não uso durante vinte anos, qualquer que seja o motivo; c) Pela aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio; d) Pela renúncia; e) Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporariamente. 2. As servidões constituídas por usucapião serão judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante. 3. O disposto no número anterior é aplicável às servidões legais, qualquer que tenha sido o título da sua constituição: tendo havido indemnização, será esta restituída, no todo ou em parte, conforme as circunstâncias.

Artigo 1390º (Títulos de aquisição) 1. Considera-se título justo de aquisição da água das fontes e nascentes, conforme os casos, qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões. 2. A usucapião, porém, só é atendida quando for acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio; sobre o significado das obras é admitida qualquer espécie de prova. 3. Em caso de divisão ou partilha de

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Sumários

Supremo Tribunal de Justiça ARRENDAMENTO Referências: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06/05/2010 Revista nº 4031/07.1TVPRT.P1.S1 - 2.ª Secção Assunto: Acção de despejo

I - Gozando o réu arrendatário de uma presunção legal do lugar do cumprimento, que o nº 1 do art. 1039º do CC lhe faculta, ainda que a sua contestação tenha sido desentranhada e devolvida, ficando sem efeito a sua defesa, o incumprimento invocado pelo senhorio não afecta a arrendatária demandada, uma vez que esta não carece de alegar e provar que o pagamento deveria ser efectuado no seu domicílio, pois a própria lei estipula que tal pagamento deve ser feito nesse lugar, se as partes ou os usos não fixarem outro regime. II - Por outro lado, a lei é claríssima, no nº 2 do transcrito art. 1039º do CC, ao estabelecer também a presunção, em caso de não pagamento da renda nas condições previstas no nº 1, de que o locador «não veio nem mandou receber a prestação no dia do seu vencimento». III - Nada tinha, pois, a ré que provar, nem sequer alegar, pois que beneficia das presunções legais acabadas de citar e, nos termos do art. 350º do CC, quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz. IV - Dito isto, é de meridiana clareza que o Tribunal da Relação, para aquilatar do bem ou mal fundado da decisão do Tribunal da 1.ª Instância que decretou o despejo com base na resolução contratual, não podia deixar de ter em atenção o disposto no citado nº 2 do art. 1039º do CC, já que aí se encontra a chave hermenêutica para a decisão do pleito. V - No ensinamento do saudoso e preclaro Civilista que foi o Prof. Antunes Varela, “a presunção estabelecida no nº 2 tem importância, dado que, não praticando o credor (locador) os actos necessários ao cumprimento da obrigação, constitui-se em mora (art. 813º) e deixam de ser aplicáveis ao locatário, consequentemente, as sanções do art. 1041º, assim como deixa o locador de poder resolver o contrato com fundamento na falta de pagamento da renda” (P. Lima e A. Varela, “Código Civil, anotado”, II, 4.ª edição, pg. 374). VI - Por isso, no Acórdão de 27-01-2010, deste Supremo Tribunal, de que foi Relator, o Exmº Juiz Conselheiro Paulo Sá “a falta de pagamento da renda não determina, sem mais, a resolução do arrendamen-

to e subsequente despejo; é preciso, paralelamente, que o inquilino esteja em mora, isto é, que lhe seja imputável o retardamento da prestação” – cf. art. 804º, nº 2, do CC. VII - Não resultando demonstrado, através de contrato escrito ou por outro meio, o local em que a renda deve ser paga, deve aplicar-se a regra supletiva da 2.ª parte do nº 1 do art. 1039º do CC; nesta situação (lugar de pagamento no domicílio do locatário), não tendo sido feito o pagamento, presume-se (presunção não ilidida) que o locador não veio nem mandou receber (nº 2 do mesmo normativo), o que reconduz à mora do credor (art. 813º do CC) com a consequente impossibilidade de este resolver o contrato com base na falta de pagamento» (Pº 1389/04.8TBVIS.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt). VIII - Trata-se, portanto, de uma questão de direito de que o Tribunal tinha obrigação de conhecer oficiosamente, por inteiramente pertinente para a decisão, uma vez que vinha pedida a resolução do vínculo locatício por falta de pagamento atempado de rendas, com o consequente despejo da inquilina, ora ré/recorrida. IX - Ainda que tal questão não tenha sido conhecida oficiosamente na 1.ª instância, como podia e devia ser, não poderia o tribunal superior deixar de a conhecer oficiosamente, isto é, mesmo que não tivesse sido suscitada pela parte interessada, posto que para confirmar o decidido (a resolução do contrato e o despejo decretado) ou alterar tal decisão, importava saber se ocorreu in casu a mora do inquilino (mora debitoris), dado que, nos termos do nº 2 do art. 804º do CC, «o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido» (sublinhado nosso). Referências: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27/05/2010 Revista nº 971/08.9TVPRT.P1.S1 - 1.ª Secção Assunto: Arrendamento – forma do contrato

I - Destinando-se o arrendamento, submetido à formalidade da escritura pública, à instalação de um armazém de papel, enquanto actividade que se acha, directa e objectivamente, relacionada com o exercício do comércio, onde já se encontra, há mais de trinta anos, não tendo em vista satisfazer uma actividade transitória do locatário, limitada no tempo, não deve ser qualificado como uma modalidade de arrendamen-

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to predial urbano para outros fins lícitos, mas antes como um arrendamento para o exercício do comércio. II - A primazia do NRAU, na definição dos critérios de delimitação intertemporal, só é manifesta quanto aos preceitos imperativos, que são de aplicação imediata, mas não quanto às normas supletivas, que apenas se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor do NRAU quando não sejam em sentido oposto ao de norma supletiva vigente aquando da sua celebração, como reflexo da subordinação do “estatuto do contrato” em relação ao “estatuto legal”. III - A alteração substancial mais relevante introduzida pelo NRAU consistiu na eliminação do monopólio da oposição à renovação, por parte do inquilino, em qualquer modalidade de arrendamento, e seja qual for o respectivo tipo de duração, passando, também, o locador a gozar do direito de se opor à renovação ou de denunciar, não, fundadamente, o contrato, embora com observância do prazo de pré-aviso, com antecedência legal. IV - Todos os contratos para fins não habitacionais – arrendamento para comércio, indústria e outros fins – sem qualquer excepção, constituídos antes da data do início de vigência do NRAU, são susceptíveis de vir a ser regulados por este diploma legal, caindo no domínio da lei nova os efeitos futuros das respectivas relações jurídicas que vierem a produzir-se já no âmbito temporal da mesma. V - Não tendo o autor observado com a antecedência legal o prazo de comunicação da oposição à renovação, sem que o réu tenha impugnado o incumprimento do pré-aviso legal da citação, deve esta considerar-se reportada, não à data da renovação mais próxima da citação, mas antes à data da renovação contratual subsequente.

CIVIL Referências: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04/05/2010 Revista nº 5002/05.8TBCSC.L1.S1 - 6.ª Secção Assunto: Abuso de direito

I - O instituto do abuso do direito visa responder a situações em que a concreta aplicação de um preceito legal que, na normalidade das situações seria ajustada, numa concreta situação da relação jurídica se revela injusta e fere o sentido de justiça dominante. Pressupõe a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito, casos em que se excede os limites impostos pela boa fé. II - Para efeitos da aplicação do art. 1045º, nº 2, do CC, a lei não distingue entre arrendamentos vinculísticos e não vinculísticos; quer num caso, quer noutro,

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havendo mora do arrendatário, na entrega da coisa locada, a indemnização é elevada ao dobro. III - Tendo-se provado que as obras efectuadas pelo locatário não podem ser levantadas sem detrimento da coisa e que trouxeram ao prédio um aumento do seu valor, embora de montante não concretamente apurado, é de considerar que, nessa medida, houve um enriquecimento injustificado do senhorio, cujo apuramento concreto deve ser relegado para posterior incidente de liquidação, nos termos do art. 661º, nº 2, do CPC, dentro dos valores do respectivo pedido. IV - O art. 661º, nº 2, do CPC tanto se aplica ao caso do autor ter formulado inicialmente pedido genérico e não ter sido possível convertê-lo em pedido específico, como no caso dele ter logo formulado pedido específico, mas não se chegarem a coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, o objecto ou a quantidade da condenação, razão pela qual a dedução inicial de pedido líquido não obsta a que a sentença condene em quantia a liquidar em execução de sentença. Referências: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04/05/2010 Revista nº 5780/04.1TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção Assunto: Empreitada – direito de retenção

I - O direito de retenção é um direito real de garantia que confere ao devedor que se encontra adstrito a entregar uma certa coisa e que disponha de um crédito sobre o seu credor, de não efectuar a prestação, mantendo a coisa que deveria entregar em seu poder – cf. art. 754º do CC. II - São requisitos do direito de retenção: a) a detenção lícita de uma coisa que deve ser entregue a outrem; b) que o detentor seja, por sua vez, credor da pessoa com direito à restituição; c) que entre os dois créditos exista um nexo: tratar-se de despesas feitas por causa dessa coisa ou de danos por ela causados. III - O art. 755º do CC referencia casos em que o credor goza de direito de retenção, neles não se englobando directamente o caso do empreiteiro (v.g. reparador de um automóvel) sobre a obra contratada. Porém, tem-se vindo a aceitar que o crédito do empreiteiro beneficia do direito de retenção relativo ao custo da empreitada. IV - Não estando o automóvel em condições de ser entregue à autora, sua proprietária, esta não se encontrava obrigada ao pagamento do preço e, concomitantemente, a ré (empreiteira) não o podia exigir da autora. V - A indemnização, no nosso ordenamento jurídico, depende da confirmação de um dano. Daí que a simples privação de um veículo sem a demonstração de qualquer dano, i.e., sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar.

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VI - Uma paralisação de um veículo, normalmente, causa prejuízos ao proprietário. O dono goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem (art. 1305º do CC), pelo que, ficando, pela paralisação, desprovido desses direitos, em princípio, ocorrerão, para si, perdas. VII - Porém, nem sempre os prejuízos se verificarão, basta pensar, por exemplo, numa pessoa que tem vários veículos em garagem e que a impossibilidade de utilizar um, apenas implica a necessidade de utilizar outro, ou o caso de uma pessoa que utiliza o veículo apenas para se deslocar para o trabalho e que, em consequência da impossibilidade de o continuar a usar, passa a ir para o emprego num veículo da empresa.

COMERCIAL Referências: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04/05/2010 Revista nº 650/06.1TYVNG - 1.ª Secção Assunto: Sociedade por quotas - Anulação de deliberação social

I - A ordem de trabalhos proposta à assembleia geral não deve ser genérica, abstracta ou indefinida, mas antes apresentar-se com a precisão, necessária e suficiente, com a clareza inequívoca do objecto a tratar, individualizado e, concretamente, fixado, de modo a que os sócios fiquem a saber o thema deliberandum. II - O gerente comercial é um mandatário mercantil, porquanto age em nome, no interesse e por conta do proponente, um mandatário com representação, que por não serem próprios os actos que pratica, imputa a este o respectivo efeitos. III - O gerente de sociedade é o titular de uma pessoa colectiva, eleito pelos respectivos sócios, e com poderes para a administrar e representar perante terceiros, cujos actos são, em si mesmo, e não apenas nos seus efeitos imputados à sociedade, em cuja representação orgânica actuam. IV - Não sendo os gerentes de sociedades comerciais mandatários mercantis, como acontece com os gerentes comerciais, mas antes titulares de um órgão de uma pessoa colectiva, constitui anúncio, no mínimo, equívoco, o aviso convocatório de uma assembleia geral, em que a ré fala de “nomeação de mandatários”, mas querendo referir-se à nomeação de gerentes da sociedade, com a consequente anulabilidade das deliberações. V - Limitando-se o autor a reagir contra o teor de uma deliberação social viciada por uma irregularidade da convocatória da respectiva assembleia geral, exerceu, equilibradamente, o seu direito, sem qualquer iniquidade, sendo a vantagem obtida, directamente, proporcional ao sacrifício imposto à ré, em termos de não consubstanciar uma situação de abuso de direito.

Referências: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20/05/2010 Revista nº 1336/06.2TBBCL-G.G1.S1 - 7.ª Secção Assunto: Insolvência – lista dos cresdores reconhecidos

I - Toda a impugnação da lista de credores reconhecidos referente à inclusão ou exclusão de créditos, seus montantes e qualificação a eles atinentes, tem que ser obrigatoriamente deduzida no momento processual a que se reporta o nº 1 do art. 130º do CIRE. II - Não tendo sido apresentada qualquer oposição, dentro desse prazo, aos créditos – e sua qualificação e montantes – dos credores incluídos na respectiva lista, têm estes de se ter por reconhecidos e não mais podem ser já questionados, limitando-se a sentença, então, a homologar essa lista, atribuindo-se efeito cominatório à falta de impugnações; precludido fica o direito de impugnar posteriormente a existência e quantitativos desses créditos. III - Das disposições combinadas do art. 442º e do art. 755º, nº 1, al. f), do CC decorre linearmente que o promitente-comprador que obtém a “traditio” da coisa goza do direito de retenção, no caso de incumprimento imputável à outra parte. IV - Este direito real de garantia confere ao seu titular a faculdade de recusar a entrega da coisa enquanto o devedor não cumprir, assim como a de se pagar pelo valor dela, com preferência sobre os demais credores. V - A alteração legislativa que redundou no aditamento da al. f) ao nº 1 do art. 755º do CC foi introduzida tendo em vista a defesa do consumidor, mas visando também, em alguma medida, dinamizar o mercado de construção. VI - Depois, as normas foram ditadas por necessidade de salvaguarda de interesses constitucionalmente protegidos, tal como emerge do art. 60º da CRP ao preconizar que os consumidores têm direito à protecção dos seus interesses económicos, e a que o legislador entendeu dar prevalência ao conferir primazia ao direito de retenção sobre a hipoteca. VII - Por outro lado, quando a coisa é logo entregue ao promitente-comprador, antes, portanto, da celebração do contrato definitivo, é-lhe criada uma mais forte expectativa na concretização do negócio, pelo que se justifica, postulado pela boa fé, que lhe corresponda uma segurança acrescida. VIII - Finalmente, não é consagrada qualquer diferenciação subjectiva quanto ao modo de satisfação dos créditos sobre o património do devedor, limitando-se o legislador a introduzir um mecanismo regulador de satisfação simultânea desses créditos. IX - Estas normas não afrontam quer o princípio da proporcionalidade acolhido no art. 18º, nº 2, da CRP, quer o princípio da confiança e da segurança jurídica, quer o da igualdade, consagrados respectivamente, nos arts. 2º e 13º da Lei fundamental.

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CONTRATOS . Referências: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20/05/2010 Revista nº 1847/05.7TBVIS.C1.S1 - 1.ª Secção Assunto: Contrato-promessa - interpelação

I - No silêncio do contrato, qualquer das partes pode e deve proceder à marcação da escritura, por sobre ambas recair igualmente o correspondente ónus, com o dever de disso notificar a contraparte. II - Decorrido o prazo inicial para a realização da prestação, sem pré-fixação de outro, a obrigação fica sem prazo de cumprimento. III - Caberá, pois, na falta de acordo sobre a data e local da outorga da escritura, uma interpelação tendente ao cumprimento dessa obrigação principal, como condição de efectiva verificação da mora, interpelação sempre necessária quando a execução da prestação não esteja sujeita a prazo fixo essencial. IV - Para produzir os efeitos de incumprimento e resolução estabelecidos no art. 808º, nº 1, do CC, a interpelação admonitória, deve, além de fixar um prazo razoável para o cumprimento, informar com clareza que a inexecução da prestação dentro desse prazo terá como consequência ter-se a mesma como definitivamente não cumprida, isto é, deve conter uma intimação clara, inequívoca e não condicionada ou irrevogável para cumprir sob pena de se ter como verificado o incumprimento definitivo. V - Não satisfará a exigência a interpelação em que o credor declare que se reserva o direito de considerar definitivamente incumprido o contrato e a faculdade de o resolver, na hipótese de manutenção da situação de incumprimento pelo devedor. Referências: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20/05/2010 Revista nº 1198/07.2TVPRT.P1.S1 - 1.ª Secção Assunto: Contrato de seguro

I - O contrato de seguro do ramo vida continua a ser regido pelo Decreto de 21-10-1907, o qual, ao referirse, no art. 33.°, à resolução do contrato, estabelece expressamente que o segurado deve ser avisado, por meio de carta, de que se não satisfizer os prémios em dívida, no prazo de 8 dias ou noutro que se ache convencionado na apólice, o contrato será considerado insubsistente. II - A simples falta de pagamento de prémio de contrato temporário de seguro de vida não confere, só por si, à instituição seguradora o direito de resolução do contrato, o qual depende ainda da conversão da mora em incumprimento definitivo, designadamente mediante notificação admonitória, nos termos do art. 808º do CC.

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III - A consideração de que existe um interesse público na manutenção dos seguros de vida, os quais merecem mais ampla protecção legal, sai reforçada pelo facto de o DL nº 142/2000, de 15-07, que veio estabelecer o regime jurídico do pagamento dos prémios para a generalidade de seguros, dele ter exceptuado, entre outros, o seguro do ramo vida. IV - Não resultando provado que a ré seguradora tivesse interpelado a autora para proceder ao pagamento dos prémios em dívida, ou lhe tivesse comunicado a resolução do contrato, nem que a autora tivesse tido conhecimento, antes do dia 09-12-2004, data em que procedeu à regularização da situação, dos prémios em dívida, não ocorreu válida resolução do contrato de seguro.

FAMÍLIA Referências: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06/05/2010 Revista nº 503-D/1996.G1.S1 - 7.ª Secção Assunto: Alimentos devidos a menores

I - Nos processos de jurisdição voluntária, goza o tribunal de ampla margem de discricionariedade na realização das diligências instrutórias, só sendo admitidas aquelas que o juiz considere necessárias, face às circunstâncias concretas do caso (arts. 1409º, nº 2, do CPC e 181º, nº 4, in fine da OTM), pelo que, assentando a definição das diligências probatórias tidas por necessárias e úteis para a solução da controvérsia – não em critérios normativos, de legalidade estrita –, mas antes em “critérios de conveniência e oportunidade”, está inviabilizado o acesso ao Supremo para controverter tal matéria, por força do estatuído no art. 1411º, nº 2, do CPC. II - Estando em causa a realização coerciva do direito a prestação alimentar no confronto de filho menor, o referencial do rendimento intangível –, como forma de assegurar o limiar de subsistência do obrigado, titular de subsídio de desemprego, operando um balanceamento adequado entre o mínimo de existência constitucionalmente garantido quanto ao progenitor, vinculado a um dever fundamental de prestação de alimentos ao seu filho menor, e o próprio direito à dignidade e sobrevivência do filho – é o rendimento social de inserção, e não o montante do salário mínimo nacional. Referências: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20/05/2010 Revista nº 649/05.5TMFAR.E1.S1 - 7.ª Secção Assunto: Acção de divórcio

I - A instância inicia-se com a propositura da acção mas, embora esta se considere proposta, intentada ou

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pendente logo que seja recebida na secretaria, o certo é que este acto de propositura da acção não produz efeitos em relação ao réu senão a partir do momento da citação, salvo disposição legal em contrário (art. 267º, nº 2, do CPC). II - O princípio da estabilidade da instância, a que se refere o art. 268º do CPC, pressupõe a citação do réu. III - Não tendo este sido citado – uma vez que invocou a nulidade da sua citação e teve ganho de causa – nem tendo sequer invocado qualquer “disposição legal em contrário”, foi legal a desistência da instância sem dependência de aceitação do réu, porque anterior à sua citação e porque este ainda não é parte na acção. IV - A própria citação e constituição de mandatário nos autos pelo réu não impediria a autora de, livremente, desistir da instância, desde que tal requerimento fosse apresentado antes da contestação; o acto de constituição de mandatário não equivale, nem tem os efeitos de apresentação de contestação (art. 296º, nº 1, do CPC). .

PENAL Referências: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/04/2010 Proc. nº 1423/08.2JDLSB.L1.S1 - 3.ª Secção Assunto: Alteração substâncial dos factos

I - A previsão contida no nº 3 do art. 424º do CPP não abrange toda e qualquer alteração da matéria de facto por parte do tribunal superior, mas apenas aquela que, estando ausente da matéria discutida no recurso (motivação e contra-motivação), o tribunal, oficiosamente ou a requerimento, entenda dever conhecer. II - Sendo, portanto, essa alteração imprevisível ou não conhecida para o arguido, natural é que o legislador tenha entendido dever adoptar para o julgamento nos tribunais superiores a solução prevista para o julgamento na 1.ª instância (art. 358º, nº 1, do CPP), pois essa será a única forma de assegurar os direitos de defesa. III - Se, porém, a alteração dos factos constitui matéria decidenda do próprio recurso, já não se justifica a notificação do arguido, pois este teve conhecimento da questão e pôde exercer cabalmente a sua defesa. IV - No caso dos autos, o MP colocou à Relação, na sua motivação de recurso, a questão da modificação da matéria de facto, nos termos exactos que vieram a ser acolhidos por esse tribunal superior. O arguido não foi, pois, surpreendido pela questão e teve oportunidade de contestar a pretensão do MP em sede de contra-motivação. Se não o fez, sibi imputet. V - O STJ tem competência para apreciar e fixar a pena única, correspondente ao cúmulo de todas as

penas parcelares aplicadas, incluindo essa competência necessariamente a apreciação da punibilidade dos factos que sustentam essas condenações parcelares. A punibilidade de todos os factos que estão na base das penas parcelares constitui um pressuposto da pena única, cabendo assim ao tribunal que procede ao cúmulo apreciar previamente a verificação desse pressuposto. VI - Nos termos do art. 27º do CP, cúmplice é aquele que presta auxílio material ou moral ao facto doloso de outrem. O auxílio material implica uma entrega ou disponibilização pelo cúmplice ao autor de meios ou instrumentos que facilitem a prática do facto. O auxílio moral existirá quando o cúmplice aconselha ou influencia o autor, embora sem o determinar, no sentido da prática do crime. Em qualquer caso, é necessário um favorecimento, um auxílio efectivo do cúmplice ao autor. VII - Não é admissível a cumplicidade por omissão em crime por acção (ou por omissão). VIII - A omissão só é punível quando sobre o omitente recai um dever (jurídico) de garantia de evitar o resultado (art. 10º, nº 2, do CP). Se existir possibilidade de intervenção do garante, a omissão constitui-o como autor, não como mero cúmplice. Caso o omitente não tenha a posição de garante, a sua conduta não é punível. IX - Não obstante ter sido dado como provado que o arguido apercebeu-se que os menores A e B mantinham com a ofendida relações de coito vaginal, contra a vontade desta, e não obstante ter constatado a oposição manifestada pela ofendida, que chorava, deliberadamente nada fez para impedir que os menores concretizassem esses actos, ele não pode ser condenado, como cúmplice, do crime de violação. Com efeito, nenhum auxílio, material ou moral, aos autores da violação, por parte do recorrente, é possível detectar nos factos descritos como provados e por outro lado, nenhum dever jurídico impunha ao recorrente que interviesse no sentido de evitar a consumação da violação. Por isso, a sua conduta não é punível, nem a título de autor, nem de cúmplice. X - É em relação a cada crime que se pondera e avalia a aplicabilidade da atenuação especial, que tem em conta necessariamente as circunstâncias do caso concreto, o grau da ilicitude e da culpa, todo o circunstancialismo que sustenta, ou não, uma atenuação especial da pena. XI - No regime especial para jovens existe um condicionalismo específico, determinado pela idade do agente. Mas a esse requisito formal acresce um outro de ordem material: a avaliação das “vantagens para a reinserção social”, que só caso a caso pode ser feita. XII - É de aplicar a pena unitária de 5 anos e 6 meses de prisão ao arguido se a seu favor apenas há que registar a idade (16 anos à data da prática dos factos), a falta de antecedentes criminais, de pouco

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valor atenta a sua idade, a sua confissão, a simultaneidade dos crimes, mas, em contrapartida, a ilicitude e a culpa são intensas, a sua personalidade não revela traços de fácil regeneração, antes uma atitude de indiferença e de desajustamento com os valores comunitários, circunstâncias que reforçam as exigências da prevenção especial, já que especialmente fortes são as exigências da prevenção geral, reportadas a um tipo de criminalidade que choca fortemente as populações, pelo sentimento de insegurança que cria. Referências: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/04/2010 Proc. nº 450/08.4GCBNV-A.S1 - 3.ª Secção Assunto: Habeas corpus - Abuso sexual de crianças

I - O bem jurídico protegido pela incriminação do crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, nº 1, do CP é o da liberdade da pessoa menor de 14 anos, que se presume legalmente incapaz de avaliar o sentido e alcance de acto sexual de relevo praticado nela, mesmo que nele consinta. II - E sendo a liberdade sexual uma das mais valiosas manifestações da liberdade individual, na sua dimensão multifacetada, a conduta integrante de acto sexual de relevo contra criança naquela faixa etária, atentatória como é da sua liberdade individual, enquadra-se no conceito de criminalidade violenta, previsto no art. 1º, al. j), do CPP. III - A criminalidade violenta é, em tal formato legal, abrangente das condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos. IV - A configuração do conceito repercute-se em sede de prazos de duração máxima da prisão preventiva, alargando-os relativamente a cada uma das fases previstas no art. 215º do CPP. V - A providência de habeas corpus, que não se confunde com o recurso, é o processo com dignidade constitucional assegurado à face do art. 31º, nº 1, da CRP, para reagir contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, sendo um processo de natureza residual, excepcional e de via reduzida em que o seu âmbito se restringe à apreciação da ilegalidade da prisão, por constatação e só dos fundamentos taxativamente enunciados no art. 222º, nº 2, do CPP.

PROCESSO CIVIL Referências: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20/05/2010 Revista nº 211/1999.C2.S1 - 1.ª Secção Assunto: Inventário

I - Perante a inconcludência quanto ao valor patri-

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monial das benfeitorias efectuadas pela interessada recorrente, a que o juiz chegara depois da prova produzida no julgamento da reclamação à relação de bens, de cuja decisão consta que não foi possível apurar os respectivos valores concretos, o cabeça de casal não deveria indicar qualquer valor, dado que decorre do art. 1346º, nº 3, al. a), do CPC que devem ser relacionados como bens ilíquidos os créditos ou dívidas da herança, cujo valor não seja ainda possível determinar. II - Se todos os interessados acordaram na aprovação do passivo, quanto aos valores que o cabeça de casal entretanto apresentou, mesmo à revelia da inconcludência dos valores resultante da decisão da reclamação à relação de bens, tal significa que todos os interessados ratificaram os valores indicados pelo cabeça de casal como correspondentes às benfeitorias, tornando líquido o que antes ainda era ilíquido. III - Havia uma inconcludência, traduzida numa iliquidez, que, por acordo de todos os interessados, poderia tornar-se líquida, já que no inventário as partes são soberanas, quando decidem por unanimidade, a menos que contrariem algum preceito legal impositivo em prejuízo de terceiros (nos quais se inclui o próprio Estado). IV - Perante a aprovação do passivo por unanimidade dos interessados, não havia que ordenar a avaliação das benfeitorias, em cujo valor todos anuíram. Referências: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27/05/2010 Revista nº 1422/07.1TBPNF-B.P1.S1 - 1.ª Secção Assunto: Oposição à execução – poderes do STJ

I - O STJ não pode conhecer, em sede de recurso, da decisão da Relação proferida em matéria de competência relativa, razão pela qual é definitiva a fixação da competência, em razão do território, determinada por este último tribunal. II - O princípio da economia processual tem subjacente o princípio da celeridade, mas não pode sacrificar o princípio mais valioso da segurança e da justiça da decisão, como aconteceria, em violação dos princípios do contraditório e da igualdade de armas, se o tribunal, no exercício de um poder-dever, decidisse, sem fundamento legal, antecipar o conhecimento do mérito da causa para a fase do saneador. III - Para que a livrança se possa encontrar, no âmbito das relações imediatas, sem embargo de o seu tomador a não ter endossado, importa preencher, simultaneamente, dois pressupostos, i.e., que esse título não tenha ainda entrado em circulação e que as partes sejam os subscritores da mesma, não havendo interesses de terceiros a proteger. IV - Não sendo o avalista subscritor da livrança, porque não é sujeito da relação jurídica subjacente,

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mas apenas garante do pagamento do seu valor, por parte do subscritor, não pode discutir, em oposição à execução, aquela relação, que, para ele, não é imediata. V - Sendo o aval prestado, a favor do subscritor, o acordo de preenchimento concluído entre este e o portador impõe-se ao avalista, não podendo este opor qualquer excepção decorrente de uma convenção extracartular. Referências: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27/05/2010 Revista nº 327/1998.S1 - 2.ª Secção Assunto: Litigância de má fé

I - Na litigância de má fé é necessário que a actuação da parte seja dolosa – dolo directo ou instrumental. II - Porém, a intenção é um acto psicológico insusceptível de ser imputado materialmente a uma pessoa colectiva. III - Daí que a lei regule especificamente a litigância de má fé quando está em causa uma pessoa colectiva, estipulando que a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização recairá sobre o seu representante que esteja de má fé (art. 458º do CPC), avultando, pois, uma responsabilidade própria deste último. IV - Por isso, aquela parte que pretender a condenação por litigância de má fé, sendo a outra parte uma pessoa colectiva, não poderá pedi-la acusando-a simplesmente da prática de actos que integram tal má fé: terá de referir concretamente a pessoa singular a quem imputa a actuação maliciosa, formulando um pedido, autónomo em relação à sociedade, de condenação do seu representante, indicando os actos que fundamentam esse pedido. V - Não tendo o agravante pedido a condenação da agravada litigante de má fé em indemnização, mas apenas em multa, falece a sua legitimidade para defender tal pedido em sede de recurso, por falta de interesse directo, já que a multa refere-se a um interesse público que apenas ao tribunal compete decidir. VI - As conclusões do recurso devem constituir a enumeração sintética das questões que o juiz deve tratar (estas entendidas como o conjunto de factos e regras jurídicas que fundamentam a viabilidade de determinada pretensão de quem as formula), indicando-se, igualmente em que sentido as deve resolver. VIII - As conclusões servem, pois, para delimitar o thema decidendum do recurso, constituindo um ónus do recorrente, não competindo ao tribunal retirar da análise das alegações quais as questões que deve tratar. IX - As conclusões devem ser um resumo conclusivo das alegações de recurso, não um seu complemento; têm de ser uma espécie de sumário, uma indicação das questões a resolver mediante a formulação de

um juízo lógico-dedutivo. X - Embora com o risco da imprecisão que daí advirá, será de aceitar como conclusões o documento qualificado pela parte como de “conclusões” e onde, apesar da falta de rigor, seja possível aperceber-se o julgador do recurso de quais são as questões jurídicas que lhe são submetidas pelo recorrente. XI - Revelando a análise do processado que as “conclusões” são uma versão, nem sequer muito abreviada, das alegações, têm exactamente a mesma estrutura, não só gráfica como de fundamentação dessas alegações, e são argumentativas e não conclusivas (ou seja, são realmente uma reprodução das alegações, só que um pouco mais sucintas), mas sendo possível extrair das mesmas as questões que o recorrente pretende ver tratadas, não pode o tribunal deixar de conhecer o recurso.

RESPONSABILIDADE CIVIL Referências: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04/05/2010 Revista nº 1288/03.0TBLSD.P1.S1 - 1.ª Secção Assunto: Responsabilidade civil - Cálculo da indemnização – lucros cessantes

I - O ressarcimento de danos futuros, por cálculo imediato, depende da sua previsibilidade e determinabilidade – art. 564º, nº 2, do CC. Na fixação da indemnização devem ser atendidos os danos futuros – sejam danos emergentes, sejam lucros cessantes – desde que previsíveis. No caso de os danos futuros não serem imediatamente determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior – 2.ª parte do nº 2 do art. 564º do CC. II - A incapacidade permanente é susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração ou implicar para o lesado um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou exercer as várias tarefas e actividades gerais quotidianas. III - A jurisprudência dominante tem-se firmado no sentido de a indemnização por danos patrimoniais futuros dever ser calculada em atenção ao tempo provável de vida do lesado, por forma a representar um capital que, com os rendimentos gerados e com a participação do próprio capital, compense, até ao esgotamento, o lesado dos ganhos do trabalho que, durante esse tempo, perdeu. Subjaz a esta orientação o propósito de assegurar ao lesado o rendimento mensal perdido, compensador da sua incapacidade para o trabalho, encontrando para tanto um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, durante todo o período de vida activa. IV - Em tese geral, as perdas salariais resultantes de acidentes de viação continuarão a ter reflexos,

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uma vez concluída a vida activa, com a passagem à “reforma”, em consequência da sua antecipação e/ou menor valor da respectiva pensão, se comparada com aquela a que teria direito se as expectativas de progressão na carreira não tivessem sido abruptamente interrompidas. V - No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas, ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção ou a omissão lesiva em causa. Nas hipóteses em que a afectação da pessoa do ponto de vista funcional não se traduz em perda de rendimento de trabalho, deve todavia relevar o designado dano biológico, porque determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado. VI - Os danos não patrimoniais – v.g., quantum doloris; prejuízo estético, prejuízo de afirmação pessoal (alegria de viver), desgosto do lesado de se ver na situação em que se encontra, clausura hospitalar – não são susceptíveis de verdadeira e própria indemnização, mas apenas de compensação. Referências: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20/05/2010 Revista nº 103/2002.L1.S1 - 7ª Secção Assunto: Responsabilidade extracontratual - equidade

I - O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial. II - A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado – consubstanciado em relevante limitação funcional (10% de IPP genérica) – deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida no nível salarial auferido, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional actual, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas, garantindo um mesmo nível de produtividade e rendimento auferido. III - O juízo de equidade das instâncias, concretizador do montante a arbitrar a título de dano biológico, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de

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discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.

TRABALHO Referências: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/05/2010 Recurso nº 270/07.3TTOAZ.S1 - 4.ª Secção Assunto: Contrato de trabalho desportivo

I - No que toca à indemnização por rescisão, com justa causa, do contrato de trabalho desportivo, o artº 27º, nº 1, da Lei nº 28/98 consagra um regime jurídico diferente daquele que a lei prevê para os trabalhadores em geral, uma vez que, ao estipular que “a parte que der causa à cessação ou que a haja promovido indevidamente incorre em responsabilidade civil pelos danos causados em virtude do incumprimento do contrato”, claramente nos remete para as disposições civilísticas, designadamente para o artº 562º e seguintes do Código Civil, referentes à obrigação de indemnização. II - Segundo este regime, o praticante desportivo que, com justa causa, tenha rescindido o contrato de trabalho, terá de alegar e provar os danos que efectivamente sofreu por causa da rescisão do contrato. III - Tendo o autor alegado que a ré não lhe pagou as prestações pecuniárias que teria auferido até ao termo do contrato e que, em consequência da cessação do aludido contrato, tinha direito a receber aquelas prestações, é de reconhecer, na perspectiva de um declaratário normal (artº 236º, nº 1, do C.C.), que o autor pretendeu dar àquela alegação o sentido de que com a rescisão do contrato sofreu um dano de valor igual ao das retribuições que teria auferido da ré até ao termo do contrato. IV - Estando provado que o autor deixou de receber da ré as retribuições que dela teria auferido se o contrato tivesse cessado no seu termo (final da época desportiva de 2006/2007) e que, posteriormente à rescisão do contrato com a ré, exerceu a actividade de basquetebolista profissional, sob a autoridade e direcção de outra entidade empregadora desportiva, mediante retribuição, ainda na época de 2006/2007, torna-se evidente, nos termos da teoria da diferença consagrada no artº 566º, nº 2, do C.C., que ele só tem direito a receber da ré, a título de indemnização pela rescisão do contrato com justa causa, a diferença entre o montante correspondente às retribuições que deixou de auferir da ré, em virtude da rescisão do contrato, e o montante das retribuições que, até ao final da referida época desportiva, auferiu ao serviço do outro empregador.

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Principal legislação publicada 1ª e 2ª Séries do Diário da República de 2 a 27 de Outubro de 2010 Actividade funerária

Convenções em matéria civil e comercial

DL nº 109/2010, de 14.10 - Estabelece o regime de acesso e de exercício Aviso nº 284/2010, de 18.10 da actividade funerária, revogando o Decreto- - Torna público ter, por notificação de 30 de Lei nº 206/2001, de 27 de Julho Setembro de 2009, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino dos Países Baixos noAdvogados – Acesso ao Direito tificado ter a República Francesa modificado a sua autoridade à Convenção Relativa ao Deliberação nº 1733/2010, de 27.9 (II Processo Civil, adoptada na Haia em 1 de Série) - Altera o Regulamento de Organização Março de 1954 e Funcionamento do Sistema do Acesso Aviso nº 287/2010, de 18.10 ao Direito e aos Tribunais na Ordem dos - Torna público ter, por notificação de 21 de Advogados Dezembro de 2009, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino dos Países Baixos noDeliberação nº 1845-A/2010, de 14.10 tificado ter a República da Coreia aderido, em (II Série) conformidade com o artigo 42º, à Convenção - Aprova o processo de inscrição no Sistema de sobre a Obtenção de Provas no Estrangeiro Acesso ao Direito e aos Tribunais em Matéria Civil ou Comercial, adoptada na Haia em 18 de Março de 1970

Apadrinhamento civil

DL nº 121/2010, de 27.10 Estabelece os requisitos para habilitação dos candidatos ao apadrinhamento civil e procede à regulamentação da Lei nº 103/2009, de 11 de Setembro

Auxílio financeiro – afixação de publicidade

Aviso nº 293/2010, de 19.10 - Torna público ter, por notificação de 1 de Outubro de 2009, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino dos Países Baixos notificado ter a República Francesa modificado a sua autoridade, em conformidade com o artigo 31º, da Convenção Relativa à Citação e Notificação no Estrangeiro de Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial, adoptada na Haia em 15 de Novembro de 1965

Port. nº 1017/2010, de 6.10 - Aprova o modelo de afixação de publicidade Energia – informação do utilizador final dos contratos de auxílio financeiro Dec. Legisl. Regional nº 27/2010/A, de Cartão de cidadão 21.10 - Regula o fornecimento de informação ao Port. nº 1018/2010, de 6.10 - Define as competências do Instituto dos utilizador final de produtos relacionados com Registos e do Notariado e da Agência para o consumo de energia a Modernização Administrativa quanto à supervisão do desenvolvimento do cartão Enquadramento orçamento de cidadão. Lei nº 48/2010, de 19.10 - Quarta alteração à Lei nº 91/2001, de 20 de Comissão de Protecção às Vítimas Agosto (lei de enquadramento orçamental)

de Crimes

DL nº 120/2010, de 27.10 - Regula a constituição e funcionamento da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes, em regulamentação da Lei nº 104/2009, de 14 de Setembro

Estabelecimento comercial – horários de funcionamento

DL nº 111/2010, de 15.10 - Modifica o regime dos horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, procedendo à terceira alteração ao Decreto-Lei Contribuições audiovisual - isenções nº 48/96, de 15 de Maio, e revogando a Portaria nº 153/96, de 15 de Maio DL nº 107/2010, de 13.10 - Aprova a isenção do pagamento da contribuição para o audiovisual pelos consumidores Fundo Social Europeu não domésticos de energia eléctrica que desen- simplificação da concessão de volvam uma actividade agrícola, procedendo apoios à terceira alteração à Lei nº 30/2003, de 22 Dec. Reg. nº 4/2010, de 15.10 de Agosto, no uso da autorização legislativa - Procede à simplificação do regime de conconcedida pelo artigo 142º da Lei nº 3-B/2010, cessão de apoios do Fundo Social Europeu, de 28 de Abril. alterando pela segunda vez o Decreto Regu-

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lamentar nº 84-A/2007, de 10 de Dezembro

Incentivos ao turismo Port. nº 1019/2010, de 6.10 - Adopta mecanismos que permitam flexibilizar as condições de reembolso dos incentivos concedidos no âmbito do 3º Sistema de Incentivos Financeiros ao Investimento no Turismo Port. nº 1020/2010, de 6.10 - Adopta mecanismos que permitam flexibilizar as condições de reembolso dos incentivos concedidos no âmbito do Sistema de Incentivos à Modernização Empresarial, do Sistema de Incentivos a Produtos Turísticos de Vocação Estratégica e da Medida de Apoio aos Programas Integrados Turísticos de Natureza Estruturante e Base Regional

Medicamentos comparticipados Port. nº 1041-A/2010, de 7.10 (1º Supl.) - Estabelece uma dedução a praticar sobre os preços de venda ao público máximos autorizados dos medicamentos de uso humano comparticipados

Lotaria nacional Port. nº 1016/2010, de 4.10 - Aprova o Regulamento da Lotaria Nacional

PME - incentivos Port. nº 1101/2010, de 25.10 - Terceira alteração ao Regulamento do Sistema de Incentivos à Qualificação e Internacionalização de PME, aprovado pela Portaria nº 1463/2007, de 15 de Novembro Port. nº 1102/2010, de 25.10 - Terceira alteração ao Regulamento do Sistema de Incentivos à Investigação e Desenvolvimento Tecnológico, aprovado pela Portaria nº 1462/2007, de 15 de Novembro Port. nº 1103/2010, de 25.10 - Segunda alteração ao Regulamento do Sistema de Incentivos à Inovação, aprovado pela Portaria nº 1464/2007, de 15 de Novembro

Portagens – cobrança electrónica Port. nº 1033-B/2010, de 6.10 (1º Supl.) - Primeira alteração à Portaria nº 314-A/2010, de 14 de Junho, que estabelece os termos e as condições a que obedece o tratamento das bases de dados obtidos mediante a identificação ou a detecção electrónica de veículos através do dispositivo electrónico de matrícula Port. nº 1033-C/2010, de 6.10 (1º Supl.) - Primeira alteração à Portaria nº 314B/2010, de 14 de Junho, que define o modelo de utilização do dispositivo electrónico de

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Despacho nº 14173/2010, de 10.9 (II Série) - Cria o grupo de coordenação técnica de implementação do novo regime do inventário (GCTI)

- Determina a extensão das alterações do contrato colectivo entre a Associação dos Industriais de Panificação de Lisboa e a FESAHT - Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal e outras (sectores de fabrico, expedição e vendas, apoio e manutenção)

Port. nº 1056/2010, de 14.10 - Determina a extensão das alterações do CCT entre a AIPAN - Associação dos Industriais de Panificação, Pastelaria e Similares do Norte e a FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outros (administrativos, norte)

Protecção do meio marinho

CCT – Hotelaria e turismo

DL nº 108/2010, de 13.10 - Estabelece o regime jurídico das medidas necessárias para garantir o bom estado ambiental do meio marinho até 2020, transpondo a Directiva nº 2008/56/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Junho

Port. nº 1044/2010, de 8.10 - Determina a extensão do contrato colectivo entre a APHP - Associação Portuguesa de Hospitalização Privada e a FESAHT Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal

Port. nº 1068/2010, de 19.10 - Quarta alteração à Portaria nº 736/2006, de 26 de Julho, que aprova o regulamento de condições mínimas para os trabalhadores administrativos

matrícula para efeitos de cobrança electrónica de portagens

Processo de Inventário

REGIÕES AUTÓNOMAS - Açores

Orçamento RA Açores Resol. da A. Legis. da R. A. dos Açores nº 18/2010/A, de 19.10 - Aprova o Orçamento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores para o ano de 2011

Registo Nacional do Turismo Port. nº 1087/2010, de 22.10 - Regulamenta o Registo Nacional de Turismo e define o âmbito e as suas condições de utilização

SCUTS – isenções e descontos Port. nº 1033-A/2010, de 6.10 (1º Supl.) - Estabelece um regime de discriminação positiva para as populações e empresas locais, com a aplicação de um sistema misto de isenções e de descontos nas taxas de portagem nas auto-estradas sem custos para o utilizador (SCUT) do Norte Litoral, do Grande Porto e da Costa de Prata

SIMPLEGIS Resol. do Cons. de Ministros nº 77/2010, de 11.10 - Aprova o Regimento do Conselho de Ministros do XVIII Governo Constitucional e concretiza diversas medidas do programa de simplificação legislativa SIMPLEGIS.

Solicitadores Regulamento nº 786/2010, de 19.10 (II Série) - Aprova o Regulamento de Publicidade e Imagem dos Solicitadores e Agentes de Execução

TOC - Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas Anúncio nº 9772/2010, de 14.10 (II Série) - Altera o Regulamento de Taxas e Emolumentos

TRABALHO E SEGURANÇA SOCIAL CCT – Industriais de panificação Port. nº 1033/2010, de 6.10

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CCT – Comércio e serviços Port. nº 1045/2010, de 8.10 - Determina a extensão do contrato colectivo entre a ARCDP - Associação dos Retalhistas de Carnes do Distrito do Porto e outras e o SITESC - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Serviços, Alimentação, Hotelaria e Turismo

CCT – Indústria de Ourivesaria Port. nº 1046/2010, de 8.10 - Determina a extensão das alterações dos contratos colectivos entre a APIO - Associação Portuguesa da Indústria de Ourivesaria e o SIMA - Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e Afins e entre a mesma associação de empregadores e a FIEQUIMETAL - Federação Intersindical das Indústrias Metalúrgica, Química, Farmacêutica, Eléctrica, Energia e Minas

CCT – Enfermeiros portugueses Portaria nº 1047/2010, de 8.10 Determina a extensão do contrato colectivo entre a APHP - Associação Portuguesa de Hospitalização Privada e o SEP - Sindicato dos Enfermeiros Portugueses

CCT – Hotelaria, restauração e turismo Port. nº 1050/2010, de 13.10 - Determina a extensão das alterações dos contratos colectivos entre a APHORT - Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e a FESAHT - Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal e entre a mesma associação de empregadores e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços

CCT – Associações de Suinicultores Port. nº 1051/2010, de 13.10 - Determina a extensão da alteração do contrato colectivo entre a FPAS - Federação Portuguesa de Associações de Suinicultores e outra e a FESAHT - Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal

CCT – Pastelaria e similares do Norte

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Trabalhadores administrativos

Abono de família – extinção de escalões Decreto-Lei nº 116/2010, de 22.10 - Elimina o aumento extraordinário de 25 % do abono de família nos 1º e 2º escalões e cessa a atribuição do abono aos 4º e 5º escalões de rendimento, procedendo à sétima alteração ao Decreto-Lei nº 176/2003, de 2 de Agosto

ACÓRDÃOS SUPREMO TRIBUNAL Administrativo Aposentação voluntária dos magistrados judiciais Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº 7/2010, de 21.10 - Acórdão do STA de 17 de Junho de 2010, no processo nº 8/10, nos termos do artigo 148º do CPTA, uniformiza a jurisprudência no sentido de que a remissão do artigo 3º, nº 1, da Lei nº 60/2005, de 29 de Dezembro, deve entender-se efectuada para a redacção do artigo 37º, nº 1, do EA na redacção anterior à entrada em vigor daquela lei, ou seja, que se mantêm como pressupostos da aposentação voluntária dos magistrados judiciais 60 anos de idade e 36 de serviço

RECTIFICAÇÕES PRODER Rectif. nº 32-A/2010, de 26.10 (1º Supl.) - Rectifica a Portaria nº 814/2010, de 27 de Agosto, do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, que altera os Regulamentos de Aplicação das Medidas do PRODER, publicada no Diário da República, 1ª série, nº 167, de 27 de Agosto de 2010.

Segurança e saúde no trabalho Decl. de Rectif. nº 33/2010, de 27.10 - Rectifica a Lei nº 25/2010, de 30 de Agosto, que estabelece as prescrições mínimas para protecção dos trabalhadores contra os riscos para a saúde e a segurança devidos à exposição, durante o trabalho, a radiações ópticas de fontes artificiais, transpondo a Directiva nº 2006/25/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril, publicada no Diário da República, 1.ª série, nº 168, de 30 de Agosto de 2010


ACÓRDÃOS DO STJ disponíveis em www.dgsi.pt Oposição à execução Sumário: I) - Pretende a reclamante, que, não tendo intervindo na acção declarativa onde se decidiu que os recorridos-exequentes gozavam do direito de retenção sobre a fracção predial de que eram promitentescompradores, por mor do incumprimento do contrato-promessa de compra e venda por parte do promitente-vendedor, que essa sentença por não fazer quanto a si caso julgado não a vincula, devendo outra decisão – no caso a sentença proferida na reclamação de créditos – decidir pela prevalência do seu crédito hipotecário sobre aquele direito de retenção. II) – Constitui regra que o caso julgado tem eficácia inter-partes, já que na acção declarativa a decisão visa, em princípio, regular o conflito de interesses entre quem intervém como parte, daí que o conceito de legitimidade activa e passiva tenha implícita essa consideração – arts. 26º e 27º do Código de Processo Civil. III) – No caso em apreço, não se verifica a tríplice identidade a que alude o art.498º do Código de Processo Civil, pelo que a conclusão a extrair é que a sentença invocada como título executivo não constitui caso julgado em relação à recorrente CGD, nem directamente a vincula – artigos 497º, nº 1, 498º, nºs 1 e 2, 671º, nº1, do Código de Processo Civil. IV) – Esta consideração não esgota o enquadramento jurídico que a questão decidenda postula, porque, pese embora o facto da recorrente não ser parte, [por via de regra o caso julgado apenas tem efeitos inter-partes, repete-se], outros, titulares de relações jurídicas que contendem com decisões onde não intervieram, podem ser afectados jurídica ou economicamente, pelo que importa ponderar outro conceito, o de terceiro. V) – São diversos os conceitos de parte e de terceiro. Partes são os titulares dos direitos pleiteados que intervêm em acção ou execução judiciais e que ficam vinculados à decisão judicial aí transitada em julgado, e terceiros são quaisquer outros estranhos a esse conflito. VI) – O caso julgado pode afectar terceiros, sendo então de fazer a destrinça entre terceiros juridicamente dependentes e terceiros juridicamente indiferentes. VII) - No caso em apreço, a sentença proferida em 14.4.2005, pela 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia, processo onde a CGD não interveio, reconheceu aos Autores/exequentes o direito de retenção sobre a fracção predial prometida vender, que veio a ser penhorada, e sobre a qual a recorrente

dispõe de duas hipotecas voluntárias para garantia do seu crédito, contende com a consistência jurídica da sua posição de credor privilegiado, desde logo, porque nos termos dos arts. 442º, 755º, nº1, f) e 759º, nº2, do Código Civil o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca ainda que esta tenha sido registada anteriormente. VIII) – Sendo certo que a sentença não põe em causa – nem podia, sob pena de nulidade – o direito da CGD, enquanto credora hipotecária, direito que nem sequer foi discutido na acção declarativa, o certo é que tal sentença não pode ser indiferente à recorrente do ponto em que a graduação afecta a consistência jurídica da sua garantia real em confronto com aqueloutra mais forte que é o direito de retenção conferido ao promitente-comprador-exequente que obteve a “traditio”, pela sentença exequenda. IX) – A CGD ao reclamar o seu crédito não impugnou a existência do direito de retenção e podia e devia fazê-lo nos termos dos art. 866º, nºs 2, 3, e 4º do Código de Processo Civil, na redacção do DL.38/2003, de 8 de Março, e, sobretudo, nos termos do art. 816º, nº5, a contrario. X) - Na reclamação de créditos, o credor reclamante, não abrangido pelo caso julgado, que reconheceu a terceiro um direito real que afecta juridicamente o seu direito provido também de garantia real, tem o ónus de impugnar essa garantia, sob pena de não o fazendo ela persistir incólume. (Processo: 9333/07.4TBVNG-A.P1.S1,de 7/10/2010).

Acto médico – obrigação de indemnizar Sumário: I. A responsabilidade médica (ou por acto médico) assume, em princípio, natureza contratual. II. Pode, todavia, tal responsabilidade configurar-se como extracontratual ou delitual por violação de direitos absolutos (v.g os direitos de personalidade), caso em que assistirá ao lesado uma dupla tutela (tutela contratual e tutela delitual), podendo optar por uma ou por outra. III. A tutela contratual é, em regra, a que mais favorece o lesado na sua pretensão indemnizatória, face às regras legais em matéria de ónus da prova da culpa (artºs 344º, 487º, nº 1 e 799º, nº 1, todos do CC). IV. Agirá com culpa ou negligência (cumprindo defeituosamente a obrigação) o médico que, perante as circunstâncias concretas do caso, e face às leges artis, tenha feito perigar (ou lesado de modo irreversível,) o direito do paciente à vida ou à integridade física e psíquica do paciente. Culpa essa «a ser apreciada pela diligência de um bom pai de família

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(artºs. 482º, nº 2, aplicável ex vi do nº 2 do artº 799°, ambos do CC). V. Em regra, a obrigação do médico é uma obrigação de meios (ou de pura diligência), cabendo, assim, ao lesado fazer a demonstração em juízo de que a conduta (acto ou omissão) do prestador obrigado)não foi conforme com as regras de actuação susceptíveis de, em abstracto, virem a propiciar a produção do almejado resultado. VI. Já se se tratar de médico especialista, (v.g. um médico obstetra) sobre o qual recai oum específico dever do emprego da técnica adequada, se torna compreensível a inversão do ónus da prova, por se tratar de uma obrigação de resultado – devendo o mesmo ser civilmente responsabilizado pela simples constatação de que a finalidade proposta não foi alcançada (prova do incumprimento), o que tem por base uma presunção da censurabilidade ético-jurídica da sua conduta. VII. A utilização da técnica incorrecta dentro dos padrões científicos actuais traduz a chamada imperícia do médico, pelo que, se o médico se equivoca na eleição da melhor técnica a ser aplicada no paciente, age com culpa e consequentemente, torna-se responsável pelas lesões causadas ao doente. VIII. Face ao disposto no artº 798º do CC, recairá, em princípio, sobre o médico a obrigação de indemnizar os prejuízos causados ao seu doente ou paciente (artº 566º e ss. do CC). IX. Segundo a doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa, consagrada no artº 563º do CC, o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar (de todo) indiferente para a verificação desse dano. X. O Supremo pode, ao abrigo do nºs 2 e 3 do artº 729º do CPC, ordenar ex officio a ampliação da matéria de facto se existirem factos (principais, complementares e instrumentais) alegados e contra-alegados de manifesta relevância, carecidos de investigação, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.” (Proc. nº. 1364/05.5TBBCL.G1, de 07/10/2010).

Justa causa de despedimento Sumário: I - Inclui-se no âmbito da faculdade de livre apreciação das provas o poder da Relação alterar a matéria de facto assente pela 1.ª instância, mediante convicção que baseou no reexame dos depoimentos

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gravados em audiência, tal como decorre do disposto na 2.ª parte da alínea a) do nº 1 e no nº 2 do artigo 712º do Código do Processo Civil (na versão anterior à da revisão operada pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto), estando vedado ao Supremo Tribunal censurar a decisão nesse âmbito proferida, como decorre do disposto nos artigos 712º, nº 6, 722º, nº 2 e 729º, nº 2 do mesmo diploma. II - Tendo a Relação valorado, fundamentadamente, alguns depoimentos em detrimento de outros, ultrapassando eventuais dúvidas que poderiam suscitar o uso do poder consignado no nº 3 do art. 712º – como seria determinar a realização da diligência de acareação –, fazendo-o em termos que se compreendem no âmbito da faculdade de livre apreciação das provas, face ao disposto no nº 6 do mesmo artigo 712º, o juízo alcançado escapa aos poderes de intervenção do Supremo Tribunal na fixação da matéria de facto. III - As faltas não justificadas, consubstanciando o incumprimento do dever de assiduidade, traduzem um comportamento ilícito e culposo imputável ao trabalhador, um dos requisitos da justa causa de despedimento. IV - Mas, não basta a verificação desse pressuposto para se concluir pela existência de justa causa, sendo necessário que de um tal comportamento, pela sua gravidade e consequências, resulte a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação laboral. V - A culpa – que deve ser apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, o que, no quadro da relação jurídica laboral, significa um trabalhador normal, colocado perante o condicionalismo concreto em apreciação –, tem de assumir uma tal gravidade objectiva, em si e nos seus efeitos, que, minando irremediavelmente a confiança que deve existir entre as partes no cumprimento de um contrato com carácter fiduciário, intenso e constante, do contrato de trabalho, torne inexigível ao empregador a manutenção da relação laboral. VI - A inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho verificar-se-á, sempre que, face ao comportamento do trabalhador e às circunstâncias do caso, a subsistência do vínculo fira de modo violento a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal, quando colocada na posição real do empregador, no circunstancialismo apurado, o que pressupõe um juízo, referido ao futuro, sobre a impossibilidade das relações contratuais, do que decorre que, assentando a relação laboral na cooperação e recíproca confiança entre o trabalhador e o empregador e num clima de boa fé, a mesma não poderá manter-se se o trabalhador destruir ou abalar, de forma irreparável, a confiança na idoneidade

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futura da sua conduta. VII - A gravidade do comportamento do trabalhador e a inexigibilidade da subsistência do vínculo têm de ser apreciadas na perspectiva de um bom pai de família, ou seja de um empregador normal, norteado por critérios de objectividade e razoabilidade, devendo o tribunal atender, ainda, por força do disposto no nº 2 do artigo 396º do Código do Trabalho de 2003, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre os trabalhadores e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes. VIII - Estando em causa cinco ou mais faltas injustificadas seguidas, no mesmo ano, a lei dispensa, na apreciação da gravidade das consequências dos factos, a prova de quaisquer prejuízos reais ou potenciais, podendo, pois, afirmar-se que os presume, atendendo à distinção que se surpreende nos dois segmentos, separados pela disjuntiva “ou”, que apresenta o texto da alínea g) do nº 3 do artigo 396º. IX - Constitui justa causa de despedimento o comportamento do trabalhador que faltou injustificadamente 14 dias consecutivos ao trabalho; independentemente dos prejuízos, tal comportamento integra ausências, no incumprimento do dever de assiduidade que não poderiam deixar de ter reflexos na própria organização do estabelecimento, afectando, certamente, o funcionamento do mesmo, corroendo de modo intenso a confiança indispensável à subsistência da relação laboral. X - É nulo o acordo firmado entre a entidade patronal e o trabalhador em que se estabelece um horário de trabalho que desrespeita os limites do período normal de trabalho resultantes da lei, devendo ser considerado como trabalho suplementar, e como tal remunerado, o que excedeu os limites máximos estabelecidos. XI - Para que o exercício do direito seja considerado abusivo, é necessário que o titular exceda, visível, manifesta e clamorosamente, os limites que lhe cumpre observar, impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito, de tal modo que o excesso, à luz do sentimento jurídico socialmente dominante, conduz a uma situação de flagrante injustiça. XII - A confiança digna de tutela deve radicar numa conduta de alguém, titular de um direito, que, de facto, possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a uma dada conduta futura, de tal modo que a situação de confiança gerada pela anterior conduta do titular do direito conduz, objectivamente,

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a uma expectativa legítima de que o direito já não será exercido, expectativa que determina aquele contra quem o direito vem a ser invocado a agir, exclusivamente, com base na situação de confiança, contra o interesse do titular do direito. XIII - Não resultando da factualidade provada um sinalagma entre a alegada diferença para mais do montante da remuneração acordada pela partes, relativamente ao valor estabelecido em regulamentação colectiva, e o concreto horário convencionado, de molde a poder concluir-se que aquele montante compreendia a retribuição devida pelo trabalho prestado para além dos limites máximos dos períodos normais de trabalho estatuídos no artigo 163º do Código do Trabalho, não pode afirmar-se que o trabalhador – ao exigir o pagamento do trabalho prestado fora daqueles limites – esteja a exercer o seu direito de forma abusiva.” (Proc. n º 142/06.9TTLRS.L1.S1, de 13/10/2010).

Pacto de permanência Sumário: 1. A expressão «despesas extraordinárias comprovadamente feitas pelo empregador na formação profissional do trabalhador» trata-se, por contraposição às despesas correntes em matéria de formação profissional (artigos 120º, nº 1, alínea d), e 123º a 126º e 137º do Código do Trabalho de 2003), de despesas feitas pelo empregador num tipo de formação que exceda a genérica formação profissional. 2. Não se vislumbram fundamentos que permitam afirmar que o legislador, através da norma do nº 1 do artigo 137º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, tenha visado uma interpretação autêntica, isto é, retroactiva, da norma do nº 1 do artigo 147º do Código do Trabalho de 2003. 3. A formação profissional ministrada a um trabalhador, que o habilitou a operar os aviões AIRBUS A310-300 e A300-600, deve ter-se por despesa extraordinária comprovadamente feita pelo empregador na formação profissional. 4. A fixação prévia, por acordo das partes, da indemnização devida em caso de incumprimento contratual é o que a lei denomina cláusula penal, prevista no nº 1 do artigo 810º do Código Civil, normativo cuja aplicação ao caso não é afastada pelo disposto nos artigos 4º, nº 3, e 147º, nº 1, Código do Trabalho de 2003. 5. A tese, segundo a qual o disposto no nº 1 do artigo 147º do Código do Trabalho de 2003 afasta a aplicação ao caso da redução estipulada no artigo 812º, nº 2, do Código Civil não tem o mínimo de correspondência na letra da lei.” (Proc. n º 185/08.8TTSTR.E1.S1, de 13/10/2010).


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