13ª Vida Secreta - Setembro de 2022

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vida

secreta
REVISTA DE LITERATURA E IDEIAS 13ª PRÓXIMA LEITURA: ENTREVISTA COM KÁTIA BORGES Setembro 2022
Setembro2022:13ª Edição,diagramação eprojetográfico JoãoGomes Fotodacapa NumberThirteen deMarkit Colaboramnestaedição AssionaraSouza FelipeValério JoãoGomes Jr.Bellé JuliaBaranski KátiaBorges LeodeSáFernandes MayaFalks NathalieLourenço Contato,site eassinatura vidasecretacontato@gmail.com instagram/revistavidasecreta vidasecreta.weebly.com apoia.se/revistavidasecreta secreta vida

Cartaaosleitores

A 13ª edição da revista VidaSecreta chega num momento mais importante da história da nossa democracia recente. Neste mês entrevistamos a escritora baianaKátiaBorges, semifinalista do prêmio Jabuti 2022 na categoria crônicas com o livro A teoria da felicidade.Naentrevistaaautoracomentasobreoseu maisnovotrabalho:"Meunovolivro,Tudoserádaqui pra frente, editado pela Patuá, reúne 45 crônicas escritas e publicadas ao longo da pandemia, 20202021. São, de certa forma, as minhas leituras do mundo naquele período." Do livro Cecília não é um cachimbo,deAssionaraSouza(inmemoriam),publicamosumcontosubmetidopelaeditoraSilvanaGuimarães. As escritoras NathalieLourenço e JuliaBaranskitambémnospresenteiamcomcontosdeseus livros, Tudo meio horrível e Histórias de amor e de morte. Leo de Sá Fernandes nos apresenta poemas inspirados na noite paulistana. Jr.Bellé nos oferece um capítulo de seu primeiro romance, Mesmo sem saber pra onde. E no inquérito dos sete pecados capitais,MayaFalkseFelipeValério nos revelam seus delitos no mundo literário. Uma excelente leitura e atéapróxima!

JoãoGomes

Recife/PE
Assionara Souza 22 Kátia Borges 56 Leode Sá Fernandes 42 32 52 13ªVidaSecreta Nathalie Lourenço
Julia
Baranski Setembro 2022
Jr. Bellé 58 João Gomes 64
Maya Falks
72 Felipe
Valério
80 Um projeto colaborativo, um espaço dedicado às artes e à pluralidade. Uma plataforma digital com publicações semanais que acolhe diferentes segmentos artísticos. miradajanela.com Como já dizia o poeta: Por una mirada, un mundo...

KátiaBorges

é autora dos livros De volta à caixa de abelhas, Uma balada para Janis, Ticket Zen, Escorpião Amarelo, São Selvagem e O exercício da distração. Tem poemas incluídos em diversas coletâneas. Foi finalista do Prêmio Jabuti 2021, na categoria crônicas, com o livro A teoria da felicidade. Está lançando, pela editora Patuá, Tudo será daqui pra frente.

Entrevista

Próxima leituracom KátiaBorges

Qualfoioprimeiro livroquevocêleu?

Foi uma reunião de contos de Edgar Allan Poe, não recordo com exatidão o título. Eu era apaixonada por narrativas de vampiros, pelo Drácula de Bram Stoker, que eu lia em quadrinhos. Gostava de histórias de terror e de literatura fantástica e acabei chegando a Poe a partir desse interesse específico. O engraçado é que o segundo livro que eu li na vida foi Pollyana Moça, um clássico do otimismo mais ingênuo possível, de Eleanor H. Porter, presente de uma querida professora de português do primário. Nada a ver com Ogatopreto.

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Próxima leituracom KátiaBorges

Entrealeituraeaescrita, qualoseumaiorprazer?

Eu amo ler, é como estar numa espécie de bunker. Um refúgio do mundo hostil. Bem assim. Pena que nunca consigo ler tanto quanto gostaria, as férias sempre parecem tão curtas! E admito que os meus interesses de leitura são completamente loucos. Vou de romances e poemas, clássicos e contemporâneos, aos livros teóricos num pulo. Sou fascinada por aprender. Então fico um pouco obsessiva em relação a certas temáticas de pesquisa, tipo animal studies, alteridades subjetivas, ou o universo digital. Mas escrever é mesmo meu maior prazer.

Vocêcostumalereme-reader?

Tenho um desses leitores de texto, mas não costumo usar muito. Um de meus alunos, que vem se revelando um leitor voraz, inteligente e muito atento aos livros, está tentando me convencer. Já fui mais radical, diria até que hoje estou uns 80% adaptada. Mas ainda sou aque

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aquela leitora que prefere o livro físico, a página passando entre os dedos, o cheirinho da capa, todo o ritual táctil. Não me atrai muito a ideia de desmontar a minha pequena biblioteca, mesmo sabendo que dá trabalho preservar. É um lugar onde, quando entro, eu gosto de me perder.

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Vo er?

Tenho um d não costumo usar muito. se revelando um leitor vo to aos livros, está tentand radical, diria até que hoje as ainda sou aquela leito co, a página passando en capa, todo o ritual táctil. desmontar a minha pequ endo que dá trabalho pre ndo entro, eu gosto de me p

Vocêpreferelerumlivropor vezouváriosdeumavez?

Costumo ler um livro por vez, gosto de concluir com atenção plena uma leitura, antes de embarcar na próxima. Gosto de ler devagar, de fazer uma pausa no meio da narrativa, pensar um pouco sobre o que li até aquele ponto, reler algumas páginas. E, geralmente, anoto no bloco de notas algumas impressões sobre o texto.

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Próxima leituracom KátiaBorges

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bloco de notas algumas impressões sobre o texto.

Qualéamaiordificuldade paraoescritorhoje?

Penso que a questão seja a mesma de sempre: como fazer com que o livro alcance os leitores. Porque há potenciais leitores a encontrar, certamente, mas chegar até eles passa por atravessar as pontes e cruzar as muralhas do mercado literário. Por melhor que o livro seja, por mais bem escrito, por mais profissional, criativa e bela que seja a edição, a circulação segue sendo um entrave.

Oquetefazamarumlivroequal maisinfluenciousuavida?

Amo livros nos quais se pode observar o desenvolvimento narrativo, nos quais detectamos a força do autor pelo modo como conduz a história. Suas escolhas e seus atravessamentos. É como compartilhar um olhar específico sobre o mundo e reconhecer os seus processos. Numa metáfora fotográfica, as lentes, os ângulos, a representação literária da paisagem, um temporizador que impõe determinado ritmo à captação das imagens.

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cífico sobre o mundo e reconhecer os seus processos. Numa metáfora fotográfica, as lentes, os ângulos, a representação literária da paisagem, um temporizador que impõe determinado ritmo à captação das imagens. Muitos livros influenciaram a minha vida. Certamente, Água Viva, de Clarice Lispector, foi aquele que mais me marcou. Gostaria, ainda, de citar cinco outros que, a meu ver, exemplificam essa leitura sensível: A visão das plantas, de Djaimilia Pereira de Almeida; A vida secreta dasárvores, de Alejandro Zambra; República Luminosa, de Andrés Barba, Assombrações, de Domenico Starnone, e Stoner, de John Williams. Tenho especial apreço por um romance de Lúcio Cardoso chamado Salgueiro. E, de Júlio Cortázar, todos os livros e sempre.

Oqueteinspiraarecomendar umlivroaalguém?

Basicamente, a possibilidade de que aquele livro seja capaz de nos envolver imediatamente numa espécie de cumplicidade literária. Livros sobre os quais possamos atravessar uma madrugada inteira conversando, sem sentir que amanheceu. Há certa mágica na recomendação de livros. 12

Próxima leituracom KátiaBorges

sentir que amanheceu. Há certa mágica na recomendação de livros. Qualgênerovocêraramentelê?

Autoajuda. É um gênero que não me interessa muito, confesso.

Vocêseinscreveouseguia porprêmiosliterários?

Para inéditos, depende de ter algum material já pronto que eu considere razoável na época das inscrições. Para livros publicados, depende de estar com um livro que atenda aos pré-requisitos de avaliação. Me inscrevi para o Jabuti em 2020 por estímulo da editora Patuá, que realmente deixa todo mundo animado. Eduardo [Lacerda] e Pricila [Gunutzmann] ajudam na organização burocrática das inscrições, dão um baita apoio a todos os seus autores. Confesso que fiquei bem surpresa e feliz ao ver A teoria da felicidade entre os dez melhores livros de crônicas lançados naquele ano, especialmente por ser a minha estreia no gênero e se tratar do Jabuti. Não demonizo os prêmios, mas não me guio por eles. Os júris mudam, mudam os critérios, o baile segue. Melhor relaxar e focar em escrever.

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Próxima leituracom KátiaBorges

Próxima leituracom KátiaBorges

por ser a minha estreia no gênero e se tratar do Jabuti. Não demonizo os prêmios, mas não me guio por eles. Os júris mudam, mudam os critérios, o baile segue. Melhor relaxar e focar em escrever.

Digaumcasoemqueafamadolivro oufilmedestruiuasuaexperiência?

Não recordo de uma experiência assim, de decepção ou de destruição. Geralmente, pesco indicações com outros autores e acabo acertando. Um de meus maiores acertos foi ler Stoner, que era festejadíssimo por todos no meio literário e que foi uma das melhores leituras da vida toda. O mesmo aconteceu em relação a República luminosa.

Comquefrequênciavocêconcorda comcríticasdoslivros?

Penso que alguns críticos fazem defesas de projetos de vida muito pessoais em seus textos. Felizmente, esses são raros.

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Qualconselhovocêdaria aumescritoriniciante?

Leia o máximo que puder. Qualo/aseu/suapoetapreferido/a?

Um poeta que me toca profundamente é Rainer Maria Rilke. A Elegia de Duíno é um dos meus livros prediletos.

Comovocêacreditaquedeveser aformaçãodeumescritor?

Na minha opinião, a leitura deve ser o lastro, a base, no processo de formação de qualquer escritor. Não existe escritor, ao menos um bom escritor, sem leitura.

A poesia, não. Alguns poetas, sim.

Vocêconsideraapoesiaelitista?
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"Eu amo ler, é como estar numa espécie de bunker. Um refúgio do mundo hostil. Bem assim."

"Amo livros nos quais se pode observar o desenvolvi-mento narrativo, nos quais detectamos a força do autor pelo modo como conduz a história. Suas escolhas e seus atravessamentos."

"Um poeta que me toca profundamente é Rainer Maria Rilke. A Elegia de Duíno é um dos meus livros prediletos."

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Quaislivrosvocê levaemviagens?

Na última que fiz, levei comigo Pergunte às feras, de Natassja Martin. Depende muito do que estou lendo em minha casa na época. Também pode variar em relação ao tempo, ao ritmo da viagem.

Vocêacompanhafinanciamentos coletivosdelivrosedeprojetosliterários?

Ainda não publiquei desse modo nenhum projeto solo, mas acompanho sim. E, sempre que possível, tento colaborar.

Oquetefazparardeler

A expectativa criada em torno dele.

umlivronametade?
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Faleumpoucodealgumprojeto literárioemandamentooudeum livroseupublicadorecentemente?

Meu novo livro, Tudo será daqui pra frente, editado pela Patuá, reúne 45 crônicas escritas e publicadas ao longo da pandemia, 2020-2021. São, de certa forma, as minhas leituras do mundo naquele período. Tem muita coisa da Bahia também, do modo como vivemos, as nossas crenças, coisas muito próprias e com as quais convivi e convivo. Atualmente, escrevo um livro de poemas.

Qualseulugarfavoritoparaler equalserásuapróximaleitura?

Costumo ler em meu quarto, na cama. Estou com uma fila grande, organizando o tempo livre, que é bem pouco no momento. Possivelmente, vou ler Maria Esther Maciel. Tenho três livros dela na cabeceira.

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autores secretos Clube

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Próxima leituracom KátiaBorges

AssionaraSouza

Escritora, nascida em Caicó/RN. Autora dos volumes de contos Cecília não é um cachimbo, Amanhã. Com sorvete!, Os hábitos e os monges, Na rua: a caminho do circo e Alquimista na chuva. Sua obra tem sido publicada no México pela editora Calygramma. Participou do coletivo Escritoras Suicidas. Morreu em 21 de maio de 2018, em Curitiba/PR.

Parafazerumamulherdadaísta

As duas coisas que João mais gostava de fazer era desenhar e tocar uma punhetinha.

Sempre com a prancheta em que já estava fixado um A4. E no bolso de trás de sua jeans, o ponta porosa Regente 2B. Todo dia, ao voltar do trabalho, entrava no banheiro do pequeno apartamento em que vivia e mandava bala.

A pia era um pouco baixa, mas como o legal era fazer as duas coisas de que mais gostava ao mesmo tempo, preferia usá-la de apoio para a prancheta. Além do mais, ajoelhado era a sua posição preferida. Pegava o tapetinho que a mãe fez com pano de chão e retalhos coloridos, dobrava-o em um retângulo fofo, assim o joelho não doía. E ficava lá, criando em traços mais geniais a mulher que ele imaginava foder.

João era um cara perfeccionista. E como todo perfeccionista, paciente. Sabia que não era simplesmente pegar a prancheta, fixar um Canson A4, apontar o Regente 2B e mandar bala. Não.

Era, antes de tudo, um punheteiro mental. A punheta em si era somente a concretização de um processo que começava muito antes.

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AoValêncioXavier

Aliás, João tinha uma teoria.

Para aliviar a melancolia que é própria da humanidade, seria preciso viver a planejar uma boa punheta. Ou que fosse uma boa trepada. Mas o importante é que, para toda ação, já esse objetivo se enun ciasse. Como uma ideia fixa.

E era assim que ele agia.

O lance de desenhar era o elo principal entre o momento que antecedia o ato até a punheta de fato. Detestava a pressa.

Trabalhava como cobrador de ônibus. Pegava às no ve e largava às cinco. Descia sempre num ponto perto de onde morava. Andava três quadras em passos lentos com a pranchetinha em punho. Não largava ela por nada.

De vez em quando, se tivesse que parar em algum sinal, olhava o desenho já iniciado, mordia os lábios numa cara de reflexão — pra não despertar suspeita caso tivesse alguém do seu lado — e segurava a prancheta com as duas mãos, cobrindo sua braguilha. Pressionando.

Aquilo o excitava, ficava louco. Desde garoto era assim. Quando ficava só ele e a mãe em casa, era o melhor momento. Ela preparava o balde pra passar o pano no chão. Aquele vestidinho estampado. Aquele ventinho escondendo

e d 25 24 Assionara Souza - 13ª Vida Secreta

em casa, era o melhor momento. Ela preparava o balde pra passar o pano no chão. Aquele vestidinho estampado. Aquele ventinho escondendo e mostrando...

Gostou da coisa.

O mal é que nem tudo o que desejava era possível realizar de imediato.

Tornou-se um platônico convicto. Ficava vendo a mãe pelo buraco da fechadura. Cãibra que dava.

Um dia ganhou de aniversário um curso de desenho à mão livre do IUB. Daí em diante passava o dia pra cima e pra baixo com a pranchetinha na mão. Trei nando.

— Mãe, posso lhe fazer um retrato?

A mãe achava bonito.

Mas tão pequenininho assim?

Os olhos da cara uma folha dessas, mãe.

Depois era só criar em traços geniais as posições em que a mãe estava: batendo bife na cozinha; passando roupa na área de serviço; passando o pano na casa, bem lá embaixo do sofá, nos lugares mais difíceis de alcançar; ajoelhada no altarzinho que havia no quarto, com o terço na mão, rezando pra Nossa Senhora. O rosto sempre virado pra ele. Sorrindo. Com aquela cara amorosa de mãe.

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amorosa de mãe.

O mais excitante era fazer as sombras que davam volume. Ele gostava de dar bastante volume. Bem devagar, com o dedão, seguia a curva das coxas até lá em cima em círculos vagarosos e firmes.

Um dia o pai achou os desenhos. Teve que sair de casa. Trabalhar pra se manter. Cobrador de ônibus era a profissão ideal.

No começo os passageiros estranhavam. Aquele sujeito sorridente, puxando assunto.

A dona desce onde?... Ah, até o ponto final é o tempo de fazer-lhe um retrato.

Magras ou gordas, não importava. Era ele que ia torneá-las em círculos vagarosos e firmes.

Mas gostava das simpáticas. Ficava imaginando sua rotina em casa: batendo bife na cozinha; passando roupa na área de serviço; passando o pano na casa, bem lá embaixo do sofá, nos lugares mais difíceis de alcançar; ajoelhadas, com o terço na mão, rezando pra Nossa Senhora. O rosto sempre virado pra ele. Sorrindo. Com aquela cara amorosa.

Todo dia trazia para casa um rosto novo. A musa do dia. Entrava no banheiro do pequeno apartamento em que vivia. Pegava o tapetinho que a mãe fez com pano de chão e retalhos coloridos, dobrava-o em um retângulo fofo, que era pra não

joelho.

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E ficava lá d i f d 25 26 Assionara Souza - 13ª Vida Secreta

que vivia. Pegava o tapetinho que a mãe fez com pano de chão e retalhos coloridos, dobrava-o em um retângulo fofo, que era pra não doer o joelho. E ficava lá, torneando sua musa e se satisfazendo.

Quando já era conhecido na linha, algumas passa geiras frequentes traziam fotografia. Levasse pra casa. Fizesse o retrato com mais calma.

Essa novidade desestruturou um pouco o método. Gostava das coisas a seu modo.

Só se eu puder ficar com o retratinho original. Prometo fazer em A3, sem cobrar nada pela arte.

Elas recusavam, de princípio, mas tanta era a vontade de ter um retrato artístico em casa, acabavam por ceder as fotografias.

Tinha-as para todos os gostos e modos. Sentadas à porta da frente, fumando. Segurando copos de cerveja. Sorrindo com cara de pilequinho. Envoltas em seus afazeres domésticos.

João curtia. Via em cada uma delas um detalhe que lhe fazia lembrar a mãe.

Foi quando lhe veio a ideia das colagens. Desenhar simplesmente já não lhe dava tanto barato.

As fotos eram coloridas. Mas agora ele é que as achava pequenas.

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chava pequenas.

Queria uma mulher do tamanho da mãe. E que se parecesse com a mãe. A verdadeira, nunca mais poderia ver. Morta há uns três anos.

Soube disso por telegrama vindo dos confins, para onde havia se mudado com o pai. Nem dinheiro para ir ao enterro João pôde arranjar.

Tinha paciência. Foi organizando o plano para fazer a sua mulher do tamanho da mãe. E que se parecesse com a mãe.

Aproveitou seu dia de folga, pegou todas as foto grafias e analisou-as por horas. E para cada uma delas, anotou em um pequeno diário o nome da passageira, idade, hábitos diários, horário que costumava pegar a linha, e, principalmente, a parte que elegera desse corpo para compor a mulher ideal.

Depois, com uma Pilot Marcador Permanente, ponta média, vermelha, traçou com muito cuidado os contornos das partes que lhe interessavam.

Pegou a tesoura. Iria começar o trabalho cirúrgico.

Recortou em seguida com atenção a linha marcada pela caneta. Era preciso paciência e delicadeza. Afinal, a colagem que faria depois tinha que sair perfeita.

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Assionara Souza - 13ª Vida Secreta

Decidiu então começar a segunda parte do plano. Precisava de alta definição ampliada. Mas fazer tudo em um único lugar podia gerar suspeita. No primeiro que foi perguntaram se ele era estudante de design.

Aluno graduando do curso de Desenho Industrial do CEFET.

Por isso, achava útil conversar com os passageiros. Quando fazia a linha amarela, eram os alunos do Centro que lotavam o coletivo ao meio-dia. E sempre ficavam curiosos em relação aos seus desenhos. Puxavam conversa. O instigavam a fazer a escola técnica.

E João lá queria que alguém lhe ensinasse o que fazer? O curso do IUB foi o bastante para lhe iniciar no processo. O resto ele mesmo desenvolvia com a habilidade pessoal que lhe era peculiar.

Chegando em casa, abriu a grande pasta preta formato A3 em que estavam os xerox. Tirou em seguida cada pedaço um após o outro. Na ordem em que iam sendo puxados da pasta, João conformava-os de acordo com a posição que já planejara, conscienciosamente.

A mulher se parecia com sua mãe. E era perfeita. Ainda que ninguém o pudesse compreender, João, dali em diante, tinha um objetivo. Sua sensibilidade de artista original não aceitaria somente uma musa de papel.

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artista original não aceitaria somente uma musa de papel.

Pegou o seu caderninho e analisou cuidadosamente as informações.

Na manhã seguinte começaria uma nova fase de seu processo de criação. Era preciso dormir cedo.

Masturbou-se ali mesmo, olhando o buraco da fechadura que dava para um painel iluminado na salinha. Um retrato de mulher do tamanho da sua mãe.

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Divulgação

NathalieLourenço

é publicitária e escritora. Pós-graduada em Formação de Escritores pelo Instituto Vera Cruz. Estreou em 2017 com o livro de contos Morri por educação e, em 2021, lançou Sabor Idêntico ao Natural (Ed.Vacatussa).

Seu novo livro, Tudo Meio Horrível saiu este ano pela Editora Caos & Letras.

Foto:

SeisdamanhãnoFritoLanches

Nunca estivemos sóbrios no Fritos Lanches. Era uma portinha no segundo andar de um sobrado, embaixo havia uma padaria com a porta de ferro invariavelmente desenrolada, às duas, três da manhã, quando chegávamos com estômagos cheios de cerveja e sem nada em estado sólido. Os salgados rombudos, a dois reais cada, faziam do Fritos Lanches uma parada obrigatória nas peregrinações da madrugada, depois que os garçons do Tio Zé se cansavam de nós, e se punham a jogar os baldes de água e cândida a poucos centímetros dos nossos tênis.

A escada de metal rangia, Igor jogava seu peso de mamute para um lado e outro, querendo extrair gritinhos de medo de mim e de Lica que subíamos logo atrás, Digão mais abaixo, braços preparados para recolher quem caísse. O lugar parecia uma cantina de escola, com o cheiro de gordura que grudava no cabelo, luzes fluorescentes de bastão penduradas sobre o buffet de salgados self-service, coxinhas que precisavam da mão inteira para segurar, esfihas massudas, risoles pingando queijo. As quatro mesas grandes de fórmica confirmavam essa impressão: de que a qualquer momento, em algum lugar o sinal ia tocar e os bêbados, os noiados, os seguranças saindo do seu turno se r

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noiados, os seguranças saindo do seu turno se reuniriam em uma sala e abririam cadernos mesmo sem pretensão de anotar nada.

Gostávamos do preço e dos salgados, e mais ainda da aparência sórdida, da saída de ar por onde dava para ouvir o arrulhar de pombos e da impressão de frequentar um lugar secreto que parecia existir apenas para os que resistiam ao fechar dos bares e dos olhos. Na manhã seguinte diríamos à Paula, Ivan e Quique: perderam a melhor parte, perderam, perderam, perderam, ainda que Lica estivesse já quieta e olhando para o nada e Digão naquele momento em que repetia a mesma piada quatro, cinco vezes para garantir que não rimos por que não era engraçado - e não porque não tínhamos ouvido. Eu estava empapuçada e sentindo os primeiros sinais do tédio mas não queria voltar pra casa e deslizar de volta ao papel de mãe, Rubinho a todo momento querendo puxar a minha mão, a minha roupa, o meu cabelo como se quisesse arrancar uma parte de mim. Enquanto eu estivesse ali, eu era jovem e era livre, mesmo que a liberdade tivesse o gosto de gordura rançosa. Entramos na pequena fila e enchemos as pequenas bandejas de plástico com salgados em seus saquinhos de papel.

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de papel.

Todas as quatro mesas já tinham algum ocupante. Lica ia na frente e optou pela mesa onde uma mulher que vestia vários casacos sobrepostos mastigava uma esfiha sem a menor pressa. Tinha olhos fundos, como se espiassem de dentro de uma gruta e um rosto ossudo, sem expressão, tão magro que as maçãs do rosto faziam sombra. Ao seu lado, uma garrafa de refrigerante vazia, com canudos dobrados para dentro, e um menino de sete ou oito anos que dormia, com a cabeça apoiada em uma trouxa de roupas. Digão se lembrou de pedir “ com licença” antes de sentar e ela assentiu com a cabeça. Nos acumulamos no lado oposto da mesa, deixando o carboidrato e o sal reacender o entusiasmo que estava prestes a se apagar. Começamos a fazer planos para um dia indeterminado, em que Igor pediria a casa do amigo de um amigo de alguém e Lica traria bebidas baratas do fornecedor de seu bairro. No Fritos Lanches havia também cervejas, de preço inversamente proporcional ao dos salgados e estávamos tortos o suficiente para achar que pedir algumas seria uma boa ideia.

Eu ria dos planos, pegando altura na bebedeira de novo, observando novos estranhos que entravam e saíam, mudando a paisagem do lugar a cada dez minutos. Fazia meu melhor para ignorar que acordaria menos de duas horas depois de dormir, ao som dos

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saíam, mudando a paisagem do lugar a cada dez minutos. Fazia meu melhor para ignorar que acordaria menos de duas horas depois de dormir, ao som dos desenhos animados. Por que gritam tanto nos desenhos animados? No caixa, um homem alto pedia o troco aos berros. Um senhor calvo com fios de cabelo emplastrados na careca. A mulher dos casacos continuava na nossa mesa. Ruminava, ruminava e a esfiha não parecia ter diminuído um grama. Digão deve ter visto que eu a olhava e falou para a mulher: Minha senhora. Será que você não deveria levar o menino pra casa? Isso não é lugar de criança dormir.

– Não posso acordar ele agora.

– Vai acordar um pouquinho e depois vai dormir melhor. Vá pra casa. e hesitou Você quer um trocado para a condução?

A mulher dos casacos, tão quieta durante todo o tempo em que estivemos ali, começou a falar alto, um metal afiado na voz, mas sem se descolar da parede onde se apoiava.

Vá cuidar da sua vida, ô bêbado traste!

Havia uma risada entre nós, um comentário circulando sem som, um espanto pela violência daquela reação. Somos bêbados desagradáveis. Cumprimos sua ordem, mas fazíamos pequenos desafios, falávamos cada vez mais alto, batíamos o copo na fórmica,

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reação. Somos bêbados desagradáveis. Cumprimos sua ordem, mas fazíamos pequenos desafios, falávamos cada vez mais alto, batíamos o copo na fórmica, deixávamos rolar guardanapos sujos para aquele lado da mesa, cada vez mais perto de onde a criança dormia imó vel, tentando tirar da mãe o próximo grito.

Igor foi buscar mais cerveja. Quanto a mim, não conseguia parar de olhar para a mulher que segurava a esfiha sem comer, como se esperasse que o tempo a desfizesse em suas mãos. Esperava que fôssemos embora, quem sabe, porque olhava o relógio vagabundo na parede oposta e olhava para nós, e quase sorriu quando Igor se levantou. Em poucos segundos ele batia com força um novo casco na mesa. Como aquela criança não acordava? Era já tarde, tão tarde que logo seria cedo e nós bebíamos cada vez mais devagar, já sem vontade de tomar cerveja, querendo apenas permanecer. O Fritos Lanches fechava pelas sete, quando abria embaixo a padaria. Não podiam existir ao mesmo tempo nem por poucos minutos.

Um idoso de olhos vermelhos sentou na outra ponta da nossa mesa. Devorou em segundos um enroladinho e se foi, como se aquela fosse uma missão. A mulher dos casacos agora nos olhava abertamente, e nós

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casacos agora nos olhava abertamente, e nós olhávamos para ela e voltávamos a nossos pequenos assuntos. Enfim, ela se remexeu, guardou a esfiha quase inteira em seu saco de papel e o colocou ao lado do menino que dormia, enquanto mexia na bolsa.

Igor gesticulava ao contar pela segunda vez na noite a história de seu acidente de carro, e me virei para acompanhar a descrição minuciosa de como a lataria ficou parecendo papel alumínio e de como ele saiu do carro e caminhou por duas horas na rodovia antes de ser encontrado. Na primeira ele tinha contado melhor. Como já conhecia a história de cor, levantei para ir ao banheiro, uma porta no fundo do salão que dava acesso a um vaso sem tampa, de onde um fio de água escorria sem parar. Não havia papel higiênico nem papel toalha, tive que me chacoalhar bastante antes de vestir a calcinha e lavar as mãos. O salão já havia mudado de configuração novamente, uma das mesas tinha quase todos os lugares preenchidos por motoboys que faziam algazarra. Cheguei à mesa enxugando a umidade nas laterais da calça. Igor já narrava sua briga com o atendimento do seguro que não queria pagar pelo conserto. Um pouco de luz cinza entrava pela janela, havia um sujeito magro e tatuado fumando na janela, olhando feio para a mesa barulhenta. A funcionária do caixa fixava o celular. Entrei também no meu Facebook, mas

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sujeito magro e tatuado fumando na janela, olhando feio para a mesa barulhenta. A funcionária do caixa fixava o celular. Entrei também no meu Facebook, mas não havia muitas atualizações naquele horário. Lica quis encher meu copo outra vez, e eu deixei, mas não encostei mais na bebida. Lenta, ia percebendo a criança que dormia com a cabeça encostada na trouxa. Os motoboys se provocavam e gargalhavam na fila do caixa. A criança dormia com a cabeça encostada na trouxa. O homem que fumava puxava assunto com um senhor da outra mesa. A criança dormia com a cabeça encostada na trouxa. Cutuquei Digão, que estava mais perto e ele se levantou, rodou pelo lugar e parou na frente da atendente:

A mulher que estava aqui, ela já foi?

Ela demonstrou cansaço, dando de ombros, como se não houvesse nada de errado. Senti minhas pernas mortas quando me ergui e, quase sem respirar, me aproximei do corpinho da criança que dormia vestindo um moletom grande. As costas subiam e desciam sutis o suficiente para me apavorar por um segundo. Catei a garrafa de Coca-cola e coloquei debaixo do nariz. Tinha um cheiro que eu reconhecia do início da noite, de cana, de cachaça.

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cana, de cachaça.

– Ele está com vocês?

Era a atendente, que trazia na mão o produto multiuso e o pano para fazer a limpeza antes de fechar. A luz que entrava pelos vidros sujos nos dizia que a manhã vinha chegando. Tive muita vontade de já ter ido pra casa.

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Secreta

LeodeSáFernandes

é jornalista, dramaturgo e ator. Mora e trabalha em São Paulo, cidade onde nasceu e que alimenta muitas de suas criações literárias. Também é autor do livro de poesia Murro em ponta de faca, e do de contos Panaceia parafernália. Os poemas a seguir compõem o Noites em apuros, ainda inédito.

HOMEM MULHER-GATO

Quem sabe

depois da hora dos lobos o que fazem meus amigos onde estão em casa de quem se encontram se masturbam se embriagam? Os olhos de escuridão do meu Eros observam as janelas dos prédios da Mooca, na boca aberta do Brás, famintos de saber quem por cada luz minúscula se esconde do tédio, ali dentro do prédio, noites em apps noites em apertos noites em apartamentos já que na distância da rua cada janela parece uma estrela tão difícil de carregar uma família inteira. >>

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Leo de Sá Fernandes-13ª Vida Secreta
Estão a salvo e protegidos dessa noite bandida, mas quem está a salvo e protegido não goza do próprio destino.
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Leo de Sá Fernandes-13ª Vida Secreta

Leo de Sá Fernandes-13ª Vida Secreta

LuzesdaPaulista.

Luzes da Consolação.

Luzes da Angélica.

Luzes de Pinheiros de noite os bares lotados de pessoas clandestinas bebendo cervejas clandestinas trocando valores moedas por companhia. Tudo isso não cessou de acontecer. Menino ingênuo. A cidade pulsando e eu dentro de casa este tempo todo... O que eu perdi?

Quem eu perdi? O que deixei de acontecer durante o meu cativeiro?

Quem fez por mim o meu trabalho de flecheiro? >>

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E neste momento

meu Eros pensa mal de mim quer finalmente se vingar de mim, logo eu, que sou seu porto-abrigo seu umbigo, que gestei este menino em minha barriga esperando que ele estivesse sempre por aqui, que nunca mais saísse, se perdesse, se enganasse. Que mal te fiz, meu filho, se tudo que eu queria era evitar teu sofrimento?

Uma lágrima escorre de seu olhos e estraga a maquiagem.

O tempo todo meu Eros na clausura sem vantagem, perdendo a vertigem da cidade.

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BOYVAMPIRO

Vem comigo, deixa que eu te levo, meu carro não oferece nenhum perigo, ele é movido a muitos cavalos Eu te darei abrigo na minha cobertura no meu jardim particular com vista para o mar Eu tenho um jatinho Eu sei voar Vem voar comigo Teu boy vampiro Uma hora todo mundo vai embora, mas eu fico Vem ver comigo a hora perigosa em que o sol nasce da varanda do meu apartamento. Depois, entramos e viveremos escondidos por trás de cortinas de blecautes >>

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Leo de Sá Fernandes-13ª Vida Secreta

Você é um menino tão lindo que merece a eternidade

Eu quero muito ter você pra mim. Prometo te fazer feliz pela primeira vez

Me deixa te chamar de Dorian Gray somente nesta noite sobremesas coma na minha mão, pois esta será a última. Vem, que eu vou cortar as tuas asas com tesoura de unha bem delicada vou arrancar uma por uma tuas penas os teus suspiros os teus ais e a vida toda de uma vez agora e na hora da nossa foda, amém!

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Leo de Sá Fernandes-13ª Vida Secreta

EROSEMAPURO

Me deixe sobreviver só mais essa noite

não mate por favor a minha juventude me deixe trocar de idade quero muito viver ainda, eu quero muito intervir ir e vir nesta terra redonda urbe et orbi me deixe sobreviver só mais essa noite, já se foram mil e uma, e de agora em diante, será uma de cada vez, só mais essa noite, e só mais essa, e mais essa, me deixe, me peixe, me beije...

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VÊNUSS.O.S

Estrela solitária

que paira nesta noite vem, me salva, te oro, me leva embora, devolve à minha casa o meu corpo, ao meu bairro, aos meus entes queridos, aos meus amigos. É Vênus, estrela solitária, a mais linda quem vem descendo em forma de mulher pra me salvar pra me levar dessa varanda iluminando o lusco fusco da manhã, rompendo a madrugada fria. Vênus, de longe os seus cabelos cor de sol irradiam de esperança a sensação de que esta seria a minha última noite Ainda não é dia, contudo, >>

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Leo de Sá Fernandes-13ª Vida Secreta

Leo de Sá Fernandes-13ª Vida Secreta

o céu agora é um misto de liláses, mas é ela, minha mãe, minha irmã, minha amante, minha amiga, quem mantem protegidas as minhas asas feridas e assustadas e em seu colo eu sei que posso voar tranquilo para bem longe da casa desse boy vampiro.

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JuliaBaranski

é escritora, mestra em Estudos Literários pela Universidade Estadual de Feira de Santana, graduada em Direito pela Universidade de São Paulo e Defensora Pública do Estado da Bahia. Em 2021, publicou seu livro de estreia, a coletânea de contos Histórias de Amor e de Morte, pela Editora Patuá.

Foto:Divulgação

Deusnãoouveasputas

Comacostelaquehaviatiradodohomem, fezumamulherealevouatéele.

Falaram para não sair na rua, porque, na rua, eu poderia morrer, na rua é muito perigoso. Falaram para ficar em casa, porque na casa seria menos provável encarar a morte, assim, frente a frente, face a face. Mas, o que as pessoas não sabem, é que a morte me persegue, seja na rua, seja na casa, seja na Igreja ou no leito, a morte me espreita por cima dos ombros. Então, agora que não posso mais sair [o mundo está fechado], que não posso mais me levantar todas as manhãs na ponta dos pés, que não posso mais pisar leve no chão, como quem pisa cascas de ovos e não quer quebrá-las, que não posso mais tomar um banho rápido para tirar a poeira da noite, nem passar, sobre os olhos, algum antídoto anti-inchaço, uma compressa de água quente, um pouco de manteiga de karité para deixar a pele mais forte, a pele mais firme, a pele mais dura, a pele mais rija, a pele mais certa de que a morte existe e é preciso lutar contra ela, a qualquer custo, bem, justo agora, quando eu mais preciso de minhas pernas e de meus braços, prontos para o combate, eu tremo.

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Gênesis2:22

Nos dias em que consigo abrir as pálpebras e sustentá-las um pouco no ar, sem precisar descansar o peso morto dos olhos, eu assisto ao jornal do meio-dia e, no jornal, repetem sempre a mesma frase querendo forjar uma verdade de proteção, Se puder, fique em casa!, mas eu não posso, não estou pronta para morrer. É que as pessoas não sabem, as pessoas acham que a casa é lugar de trégua e de sonhos. As pessoas acham que a casa pode protegê-las do que existe do lado de fora, porém [a casa] não pode protegê-las do perigo que mora dentro. As pessoas acreditam muito em tudo o que dizem a elas.

Na Igreja, o padre me contou a história das origens dos céus e da terra, do tempo em que foram criadas todas as criaturas, do descanso de Deus no sétimo dia que, hoje, é o nosso domingo, o dia que eu sempre odiei mais do que todos os outros, porque é o dia em que ficamos todos na casa, pai, mãe, filho e filha, e não há trabalho, não há sequer a padaria; e o dia em que o homem pede a bebida, sentado no sofá, e você tem que levar, e depois ele pede outra, e você leva, e depois outra, e você continua indo e vindo, num trabalho infinito que você sabe que será a sua própria destruição. E depois, quando o jogo de futebol acaba e ele não precisa mais prestar atenção em nada, no nome dos jogadores, se o gol estava impedido ou não, se o juiz roubou o pênalti,

b l d h b d 25

quando o jogo de futebol acaba e ele não precisa mais prestar atenção em nada, no nome dos jogadores, se o gol estava impedido ou não, se o juiz roubou o pênalti, na tabela do campeonato, o homem bate a porta da casa e sai, deixando atrás de si um enorme alívio [e solidão].

O padre da Igreja me explicou que Deus formou o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego da vida e que o Senhor Deus colocou o homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-lo; depois, o Senhor criou todos os frutos e também a mulher e a serpente. Então, o padre explica que é por sermos filhas dessa primeira serpente herege, que o homem retorna à casa depois da confusão no bar e quer repetir [em casa] o que fizeram com ele [no mundo].

E o homem repete [na casa], as palavras que eu ouvi do padre [na Igreja], as palavras que Deus disse a mulher [na Bíblia], como se fossem elas sempre, para todo sempre e desde o Princípio, que me esbofeteassem o rosto e quebrassem as minhas pernas e me dessem um tiro nas costas, enquanto eu dormia; e que Deus soprou no ouvido de todos os homens, com seu hálito de morte, que multiplicaria grandemente a dor de toda mulher, que com dor daríamos a luz os nossos filhos, e que o nosso desejo seria sempre o desejo do outro, de quem detém o falo do Verbo, do Pai, criador da língua e dos anjos, Senhor, padres e pais, família.

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Julia
Baranski - 13ª Vida Secreta

o nosso desejo seria sempre o desejo do outro, de quem detém o falo do Verbo, do Pai, criador da língua e dos anjos, Senhor, padres e pais, família.

Por isso, ficar em casa é perigoso. Agora, não há mais bares abertos, nem campeonatos de futebol na televi são; não há trabalho, os homens do meu bairro foram todos demitidos, os orçamentos cortados, as empresas fechadas, não há mais obras funcionado, nem oficinas mecânicas consertando carros; e, por isso, Domingo virou todo dia, e todos os dias o homem expele da boca, com gosto de sangue, as mesmíssimas Palavras, dizen do-me que não adianta pedir, Pelo amor de Deus!, porque Deus não ouve as Putas.

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Julia
Baranski - 13ª Vida Secreta

Jr.Bellé

É poeta, escritor e jornalista, doutorando em Estudos Literários pela UFPR. Tem dois livros publicados: Trato de Levante e amorte chama semhora. Em 2021 venceu o Prêmio Flipoços, na categoria Poesia, e o Prêmio Variações de Literatura LGBTQIA+ com seu primeiro romance, Mesmo sem saber pra onde, publicado pela editora Folheando e de onde foi selecionado o trecho a seguir.

Pintura de CornelisVanHaarlem

Ohomemeseucu –umahistóriadedesamor

Desde os neandertais e cro-magnons até a pós-modernidade, sempre houve e sempre haverá algo que nos une a todos e todas: o cu. Todos temos cu, esse ponto abissal, buraco negro de delícias, nobre esgoto que devolve à terra, aos rios e aos mares o adubo da vida e da morte. Zona erógena universal e cinturão afrodisíaco. Esse é nosso cu ecumênico, que transcende gêneros tal qual um cabaré apertadinho onde todos somos bemvindos e bem-vindas.

Há quem prefira relegar ao esfíncter a exclusividade do desfecho digestivo – seja por repugnância, por estritos valores religiosos ou mesmo pela ausência de prazer. Mas o caso masculino é excepcional. Deixo de lado os homens bem resolvidos com suas pregas, oxalá afrouxadas por dedos, punhos, membros ou consolos bem ajambrados. Falo do falo ao revés do macho padrão, o líder da matilha, o amásio varonil, aquele cuja masculinidade insuspeita, irrefutável e altaneira desconhece dúvidas, rechaça ponderações.

Se por um lado é assim tão robusta, tesa e espadaúda, essa masculinidade encontra no cu seu ponto fraco, seu rasgo frágil. Toda a vigorosa infraestrutura desta

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rasgo frágil. Toda a vigorosa infraestrutura desta masculinidade, obrada em argamassa rija, arquitetada em hirtas sebes, em eretos alicerces, tudo isso rui, desmorona, esmigalha-se ao leve toque da ponta de um dedo no cu.

O cu do macho alfa é intocável, em muitos casos até mesmo por seus próprios dedos. Do contrário, tremerse-iam as bases seculares do que o concebe como homem, do que o edifica como um ser cuja virilidade paudurescente o eleva ao patamar mais alto da hierarquia social, da hegemonia sexual, da cadeia alimentar de quem come e de quem é comido. Me assombra e me maravilha perceber como algo pode ser ao mesmo tempo tão sólido e tão débil, tão rude e delicado. Basta uma reles relada no fiofó para que todo o sacrossanto patriarcado desabe, toda a inquestionável varonilidade se desmonte. Se acidentalmente o cu do macho é tocado e um lampejo de prazer, um arrepio de agrado, uma sutil volúpia se faça sentir, mesmo que mínima, diminuta, quase insignificante, mesmo assim vêm abaixo todas as certezas e o império desta hombridade falocrática é posto em xeque. É preciso o silêncio, é imprescindível o esquecimento. Psiu, isso nunca aconteceu, não se fala mais nisso.

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Bellé - 13ª Vida Secreta

isso nunca aconteceu, não se fala mais nisso.

Apelo, portanto, ao “descabaçamento” moral da prega-rainha, que há de ser coroada, pois todo cu merece ser penetrado, manipulado, lambido e acariciado. Mas o cu do macho padrão, prostrado de próstata, esse merece ser dedado, merece ser delatado e dilatado –quiçá assim, com uma caguete bem-feita, deixe de ser tão cagado.

25 61 Jr.
Jr. Bellé - 13ª Vida Secreta
Conheça a campanha da revista em apoia.se/revistavidasecreta. 63

JoãoGomes

é recifense, poeta, escritor, editor criador da revista de literatura e publicadora Vida Secreta. Participou de antologias impressas e digitais, e mantém no prelo seu livro de poesia.

PREPARAÇÃO PARAOAMANHÃ

Quando tudo isso passar e a alegria voltar remota num diálogo sem medo, o coração forte e manso já sem máscara e este vírus despregado do milagre vital não escalarei uma montanha mesmo com pulmões prontos sem o desvio dos respiradores ou do oxigênio em falta no Norte, seguirei correndo pras esquinas em busca do âmago reconstrutor da água despertando os órgãos, o sorriso visto a olho firme e nu salivando por um nacional abraço posto no pódio da esperança na coroação do futuro após a separação da humanidade.

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João Gomes -13ª Vida Secreta

BRASIL,DOISMILEDEZOITO

Ganhou o ódio como disparo nacionalista no laico em conserva do golpe na torcida misógina fascista em nome do de cima chegou ao poder o de baixo calão num domingo de armas sobre as urnas de cinzas na apuração balística investida de chance pelo gosto de não ver repetir o progresso para saudar o capitão sua sanguinária família e poder dizer de peito sobre colete de balas que a vez foi a voz do povo contra si.

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João Gomes -13ª Vida Secreta

CÂMARA DE LENTA TORTURA

Comunista e não ser humano fosse mesmo isso aí talkei dividido entre si e o outro sendo mais fácil pra eles defensores do mal impune sem panos que enxugue as lágrimas de quem sofreu e não pela revolta sabe que amanhã vai ser sim outro dia sem o absurdo de repetir a falsa ordem ou a festiva armadilha do golpe do risco na vida perdida pelo impostor que brinca de presidir >>

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João Gomes -13ª Vida Secreta

com um ódio medieval num solstício matadouro primeiro dando as armas e não as mãos em nome do Deus que usou acima de todo arco sanguinário

distorcido nas veias de fé em primeiro enterrar jovens idosos todo o país tomado pela revolta mesmo tendo o poder de não poder sozinho tirar da via a evolução calar nossa universidade dando voz a pastores impostores de rebanhos devolvendo médicos pra cuidar de quem vai >>

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João Gomes -13ª Vida Secreta

trabalhar até morrer em nome do dízimo perdido como o direito de apenas servir o luto como à força militar fazendo sumir os seus votos de fé na ordem de tiranos salvadores quando a lúcida razão alerta do perigo que ousam na morte festejar mas antes disso fazer sofrer cada parcela da conta dura da dita solução de calar.

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João Gomes -13ª Vida Secreta

Sete pecados capitais de uma Vida Secreta

Sem filtros, Maya Falks e Felipe Valério confessam neste inquérito os seus delitos no mundo literário. secreta vida

orgulho a

preguiça

i
71

Maya Falks

publicitária,

escritora e

do blog Bibliofilia

tem 10 livros publicados e atual

da Feira do Livro de Caxias do Sul, além de possuir textos em dezenas de antologias e revistas.

é
jornalista,
professora. Resenhista
Cotidiana,
patrona

orgulho

Quelivrovocêtemmais orgulhodeterlidoeporquê?

OBatalhãodasLetras, de Mário Quintana. É o livro que me apresentou a literatura quando eu ainda era bebê, comecei a criar histórias com ele e nunca mais parei.

73 Setepecados capitais de Maya Falks

Setepecados capitais de

inveja

Quelivrovocêgostaria deterescrito?

Falks

TortoArado, de Itamar Vieira Júnior.

Resenhei antes de virar o sucesso que é hoje e sigo impactada com a narrativa.

74
Maya

ira

Quelivrooupersonagem achouinsuportável?

50tonsdecinza. Comecei a ler pra entender o sucesso, cheguei com muito esforço até a página 30 ou 40 do primeiro livro e abandonei em definitivo por questão de amor próprio.

75 Setepecados capitais de Maya Falks

Setepecados capitais de Maya Falks

ganância

Oquerouboudeoutrolivro paraumdosseus?

A ideia da visita ao inferno de ADivina Comédia, de Dante Alighieri. Leandra, protagonista de HistóriasdeMinhaMorte cita o livro com frequência enquanto acha que sua experiência de pós-morte é a ida ao inferno.

76

ia

Comquelivrooupersonagem teveumarelaçãoerótica?

Posso citar um meu? Meu primeiro livro, DepoisdeTudo(já esgotado) viveu um processo bizarro, porque eu vivi uma relação abusiva com meu personagem Toni! Tive que revisar o livro várias vezes porque eu me perdia e passava pano pras m* que ele fazia.

77 Setepecados
capitais de Maya Falks

p q

Setepecados capitais de Maya Falks

Já tem muito tempo que não releio, mas o campeão de releituras foi VerônicaDecide Morrer, de Paulo Coelho. Ganhei esse livro aos 15 anos e ele me marcou muito; Verônica é uma personagem jovem que decide que já viveu tudo o que tinha que viver e é hora de morrer, só que o suicídio não dá certo e ela vai parar em uma clínica psiquiátrica. A adolescência foi a fase em que eu encarei a depressão pela primeira vez, então primeiro me identifiquei muito com a personagem, depois recebi uma lição. Hoje tenho medo de reler e me decepcionar, inclusive.

78

Setepecados capitais de Maya Falks

preguiça rovocêtem egligenciado?

Essa é a mais difícil. Tenho em torno de 200 livros de literatura brasileira contemporânea recebidos para serem resenhados para o Bibliofilia Cotidiana e muita vontade de ler todos, mas a demora não é por distração. Tirando essa turma, estou lendo há muito tempoColumbine, que é a história real do massacre na escola americana, mas paro toda hora seja pra leitura a trabalho ou resenha.

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Felipe Valério

escreveu hotel trombose, engula, a mulher que lambeu o sol e encosto não se discute. foi um dos organizadores da antologia granja e autor convidado da coleção boca santa, com o livro fórceps. é cria do coletivo literário edith, organizado por Marcelino Freire e por outros escritores de coração quente.

Setepecados

de Felipe

orgulho

Quelivrovocêtemmais orgulhodeterlidoeporquê?

BaléRalé, do Marcelino Freire. Orgulho porque foi uma ignição para a minha escrita. Aquele tipo de livro que chega na hora que nosso texto mais precisa de coragem. Que dança junto com todo tipo de personagem, que assume a palavra. Que não se esconde de quem lê. Cada "improviso", como o próprio Marcelino chama os contos, mostra que é possível ter poesia, caos, amor, dor, som, medo e beijo na boca. Tudo junto, tudo dentro, sem julgamento.

81
capitais
Valério

inveja

Quelivrovocêgostaria deterescrito?

Pergunta difícil porque gostaria de ter escrito um mundo de coisa que li na vida. Agora, OPesodoPássaroMorto, da Aline Bei, é algo que dá aquela inveja em voz alta. A escolha das palavras (e o peso de cada uma delas), a estrutura, o plano sequência dessa criança-mulher que abre a vida e puxa a gente pra dentro. Em cada frase você tenta imaginar a próxima. E quando vê, a Aline chegou em uma muito mais potente.

82
Setepecados capitais de Felipe Valério

Setepecados capitais de Felipe Valério

ira

Quelivrooupersonagem achouinsuportável?

Tender Branson, do livro Sobrevivente, do Chuck Palahniuk. E falo insuportável no tanto que provoca, incomoda. É coisa carregada no sarcasmo. O que dizer de um cara que alimenta o peixe com Valium, que incentiva potenciais suicidas a executarem seus planos e que vai se transformando em uma celebridade religiosa? Como diz o próprio: "Não sou um idiota, mas estou chegando lá."

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ganância

Oquerouboudeoutrolivro paraumdosseus?

Confesso: a lista é longa. Mas quando um amigo me indicou UmHomemBurroMorreu, do Rafael Sperling, foi como se eu pulasse de boia em uma piscina de absinto. Fiquei com aquela sensação de "isso é tão incrível-e-improvável" que me empolguei a escrever alguns textos a partir de temas absurdos, de situações (talvez) irracionais. Muito dessa inspiração foi parar no meu livro AMulherqueLambeuoSol. Coisas como uma briga entre placas de rua, uma chuva de canivetes que corta as orelhas das pessoas, uma conversa do G-20 no grupo do zap e até o caso da menina que nasceu com uma boquinha no cotovelo aparecem lá.

84 Setepecados capitais de Felipe Valério

Setepecados capitais de Felipe Valério

luxúria

Comquelivrooupersonagem teveumarelaçãoerótica?

Se relação erótica é aquela que faz a gente sentir a respiração dos outros, que provoca todo tipo de sensação e que a gente não quer que termine, fico com OLivroAmarelodo Terminal, da Vanessa Barbara. Um livroreportagem que gruda na gente, que abre a cabeça e o corpo todo. "A Rodoviária do Tietê é uma cidade de chicletes abandonados, de pessoas com pressa e de coisas perdidas." E aí, foi bom pra você também?

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p q

HistóriasdeCronópiosedeFamas, do

Cortázar. Não só por gostar demais das narrativas curtas, mas também pelo estilo de transformar coisas aparentemente banais em instruções a serem levadas a sério. Isso inclusive virou uma das minhas manias para soltar a mão na escrita. Como fotografar uma lagartixa, como ensinar mandarim para um buldogue francês, como pular de bomba na piscina, como pular da ponte. São alguns dos exercícios que já me atrevi a escrever a partir dessa inspiração

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Setepecados capitais de Felipe Valério

preguiça rovocêtem egligenciado?

Nem é pela distração, mas pela preguiça mesmo de todos os livros que tentam te convencer a conquistar alguma coisa em pouco tempo. Emagreça em 30 dias, fique rico em 2 semanas, fale polonês em 3 meses, construa uma ogiva nuclear em 7 dias. Pra mim, é o tipo de coisa que só faz a gente perder tempo.

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Setepecados capitais de Felipe Valério
Leia as edições anteriores em apoia.se/revistavidasecreta. secreta vida

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